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26 rab ponald alhando com 0 trauma em andlise E, Kalsched* Ha uma dor tao completa Que engole toda a matéria Depois cobre o Abismo de Transe ~ Para a Memoria andar n torno ~ através-sobre Como que em éxtase ~ Vai segura - onde um olho aberto A derrubaria ~ Dente por dente. Emily Dickinson Otrauma diz respeito a uma dor téo “completa” que engole os processos desenvolvimentais normais, deixando um “abismo” ou “falha bésica” (Balint 1979, 18) entre o eu e o mundo, externamente, e entre 0 ego e o si-mesmo ( iva < “Yagem, porque a psique humana tem enormes poderes autocuradores. Ela Edinger 1972, 40), internamente. Felizmente, a historia nao acaba com esta “ol “ bte 0 abismo de transe” de modo que a vida pode prosseguir. No que se segue, explorarei este “transe” e como ele emerge do incons- na forma de um, sofisticado sistema de defesas que emprega a dissocia- thane Para compartimentalizar aspectos intoleraveis da experiéncia, este complexo defensivo de self-care system [sistema de autocuida- Id scat “ravante abreviado como SCS. Ele consiste num conjunto interligado Gen Fo Ey. WEE Kaley ‘sched, Ph, junguiano; tem clinica e leciona em L PhD, é ico e psicanalista junguianos tem ne, » € psicélogo clinico e psicanalistajungu ¢ Rta Plagne Metco “Analista didata na tnter Regional Society of Jungian Analysts, ele dé eo tema do trauma infantil e de seu tratamento. y Digalzado com CamScanner AS de representagdes do eu € de objetos - geralmente uma “crianga” inte, seu “guardiao” protetor ou perseguidor (Kalsched 1996). Essas Berson ir e Goes interiores frequentemente aparecem em sonhos quando 0 trauma a go tenha sido “disparado” por algo na vida do paciente ou no relacionam terapéutico. Dois exemplos de casos serao apresentados. inti. lento, O SCS apresenta grandes dificuldades no tratamento analitico do tra ma devido a resistencia que ele opée A mudanga. £ importante que os an, listas compreendam essa resisténcia e seu paradoxal papel de preservacig ¢ de limitagao da vida na historia do paciente. © SCS nao abriré mao de sey controle sem que o paciente tenha uma experiéncia na qual a “crianga” per. dida, que se esconde no seu mundo interior, seja encontrada ¢ ajudada. Iss, por sua vez, nao aconteceré sem uma aten¢do aos sentimentos envolvidos no relacionamento entre terapeuta e paciente — especificamente ao senso do paciente de seguranca afetiva na situagao analitica. Para quem esta familiarizado a teoria do apego, 0 SCS pode ser pensado como um conjunto de modelos de funcionamento ou esquemas interiores que refletem padrées de relacionamentos que foram generalizados ¢ inter nalizados (Stern 1985; Knox 2003, 104-137). Esses esquemas oferecem um conjunto de estimativas e expectativas sobre relacionamentos exteriores que determinam como o mundo interpessoal é interpretado e experimentado. De um ponto de vista junguiano, porém, o SCS é muito mais do que uma inter nalizacao de padrées de relacionamento exteriores. Sua imagistica ¢ efeitos sao amplificados pelo dinamismo arquetipico e mitopoético da psique, ¢# aparente “sabedoria” com a qual ele gera significado, cria histérias imagina- tivas para a “crianga’ e oferece sonhos curadores, parece transcender © Mais de nteli- que frequentemente é descrito como ilusao infantil ou fantasia defensiva. cado pela extraordinaria in gse tra as condigées do estresse trau trauma 4 um clinico tem se sentido profundamente tot géncia interna que parece ser mobilizada sob matico - a ponto de sugerirem que, no esforco dela para curar © psique parece ter acesso a poderes precognitivos ou transracions s “super” * res” (Ferenczi 1988, 81; Jung 1912, 330; Bernstein 2005). tra parcial do Como quer que o visualizemos, 0 SCS realiza uma cura. ao e dos © feito’ ma, suficiente para que a vida prossiga, apesar da dissocias: 418 Digalzado com CamScanner ~~ ag dela para 0 pleno potencial da pessoa. Quando as Pessoas vém sicandlise, elas frequentemente nao sabem que esta cura Parcial esté nem esperam que suas identidades, jimi a po on Vi60" o erpte " a terapia ine os lemmbra Masud Khan (1974), no caso desses individuos traumati oe * fe feridos. “raramente lidamos, a principio, came i informadas por muitos anos de sages” pelo SCS, terao de ser “desconstruidas” no curso d com a doenca auténtica sa] 0 que é mais difi ¢ é [Antes] [..] 0 que é mais dificil de resolver e curar é a pratica de paciente. Curar uma cura é 0 paradoxo que nos desafia nesses 1 (97). dopaciente- gutoeura do pacientes [- ‘Anatureza da autocisao Imagine uma crianga muito pequena ~ digamos, uma garotinha de trés anos de idade - que se dirige com amor a uma figura parental - digamos, seu pai Imagine que isso aconteca quando o pai alcodlatra est bébado e que ele explore o afeto de sua garotinha violando seu corpo, e depois a aterrorizando caso ela conte alguma coisa. Em momentos traumaticos como este, a crianca enfrenta o aniquilamento potencial de sua propria personalidade - a destrui- cio de seu espirito pessoal - “assassinato da alma’, como Leonard Shengold (1989) o chamou. Esta possibilidade catastréfica deve ser evitada a todo cus- toe, para tal, algo muito extraordindrio acontece. Nés tendemos a considerar &sa coisa extraordindria como dbvia. Subitamente “ela” esta no teto, olhando do alto o que esta acontecendo ‘om seu corpo que “ela” desocupou. Nés chamamos isso de dissociagao. Se Vocé esta numa situagdo insuportavel que é impotente para abandonar, uma Parte de vocé abandona, e para que isso aconteca 0 eu como um todo deve *divdir em dois para impedir que a ansiedade inconcebivel seiatotalmen' & Perimentada. O notavel, nessa quase universal experiéncia de visio tras permanecer “presente, Milica, & que a “conscienci encapare 35 a “consciéncia testemunha” parece utr . lugar, independente do corpo! ‘ Mos razdes Para pensar que a natureza desta cisdo e univ ersal, Parte dt inha, » . iNdcgaes. NO nosso exemplo, “regride” a um estig' Cia @ g s, o reg! ©Seguranga, anterior ao trauma. Essa parte FeBr io embrionario de relativa edida sera enterrats 419 Digalzado com CamScanner corpo (inconsciente somatico) e protegida pelas barre rofundamente n° a lo SCS (transe)- Por outro lado, uma parte cet mplo, “progride’ em outras palavras, cresce my do-se com 0 agressor & com a mente adulta, transcendenda um precoce entendimento filoséfico, ratio a dental’, A parte progredida entio “supervisions” ven pel protetors ela oferece aun como um anjo guardiig Noutras vezes: Para manter a parte regredida “dentro, 0 eu progredido podes, tornar negativo € persecutério. Em casos raros, sé © trauma exterior continua inalterado, ¢ 0 mage essencial da pessoa co {dio da crianga (Ferenczi 1988, 10). na-se tarefa do SCS organizar 0 suict Assim, um propésito maior do SCS é preservar € proteger um cerne sagrado da personalidade da violagdo imanente e da destruigdo. Este “cerne sagrado da personalidade’, que frequentemente sé apresenta nos sonhos na é referido por D.W. Winnicott (1963, 187) como imagem de uma “crianga’, 1” da personalidade, ou por Harry Guntrip (1971, 0 self pessoal’, ou pelo psicoterapeuta espi- 1998, 76-82) como uma presena on- no meu livro anterior, rre o risco do aniquilamento, to, > tor. um “centro incomunicave 172) como 0 “coracao perdido d ritualmente orientado T.H- Almaas ( tolégica descrita simplesmente como “esséncia’, OU, como “o espirito pessoal imperecivel” ou “alma” (Kalsched 1996). Este centro sagrado da pessoa humana nao é equivalente a “crianga” no sistema, mas te presenta sua heranga divina, sua inocéncia geradora e seu potencial de vida. Portanto, quando essa “crianga” vem Aconsciéncia (cf. o segundo caso adian- te), ela as vezes aparece com uma aura de numinosidade, ou seja, como um? crianga “divina” ou arquetipica. Origem e fungao do sistema de autocuidado a.com Para resumir, o SCS emerge de um campo de experiéncia traumatic gist? ego infantil, e 7 outros, especialmente com figuras que foram alvo de ap’ insupor™ vane Psiquica que se tornou necessdria devido experiéncie i plexo bipolar ‘ cisio é memorizada como uma defesa arquetipica ~ 8 oe conan ontendo um eu progredido (guardiao ou perseguido") ee tegredida (a crianga). O SCS desempenha as seguintes foe" 420 Digalzado com CamScanner jo hermentutica: oferece um “signif - icado” para a vida dolorosa jacrianga, quando 0 c20s € 0 absurdo ame, ia subsequente da crianga 4 luz de sua “historia” anqve® crianga € que causou 0 trauma, Sendo por isso “ma”, devendo constantemente se esforcar para ficar “boa? , Fungao interpessoal: segura a ansiedade, regula o afeto e evita a retrau- matizagao a0 inibir a autoexpressio e desencorajar apegos, portanto re- gulando a distancia em relagao ao cuidador. Seu lema favorito é “tudo por minha conta’. Nega a dependéncia, a vulnerabilidade ea “fraqueza” (cf, 0 primeiro caso a seguir). Molda as estimativas e as expectativas do mundo interpessoal e preenche sua “agenda” através da identificacao projetiva. « Fungao autorregulativa: supervisiona a dissociacdo da experiéncia insuportavelmente traumatica, a separacao da sensagao, do afeto e da imagem, de modo que um significado inadmissivel é obliterado. Con- trola a agressao e estados do si-mesmo “maus” ou envergonhados atra- vés da dissociagao. Controla as sequéncias de alteragio no Distirbio Dissociativo da Identidade. «Fungo autopreservativa: mantém a parte da crianca pré-traumatica “inocente’, com sua centelha de alma, ao abrigo do sofrimento, garan- tindo que ela nunca seja violada. Oferece auto-hipnose (transe) quando necessério, inclusive por vicios. Recruta os recursos mitopoéticos da Psique para oferecer “historias” para a crianga interior devastada, a aju- daa curar através das belezas da natureza, do amor pelos animais, do titual religioso, da musica, e assim por diante. Mantém-na em contato ‘om o mundo interior, as vezes se tornando rigida e cruel com sua agen- 4a disciplinar, Organiza o suicidio quando tudo o mais fracassa. Dj Metentes tipos de trauma +i Na sua autobiografia (Jung 1965), Jung descreve o trauma como uma ‘trig Dao conta: da”. que vem até nés tem uma histé- Em mui s, © paciente i muitos casos, 0 Pi ral ninguém conhece. Para mim, ia nao contada, e que em ge 421 bm 4 Digalzado com CamScanner | re NS i almente aps a investigacag q, a terapia sé comega re: : et historia pessoal. E 0 segredo do paciente, a Pedra que o deine dagou (117). i Quando usamos a palavra “trauma’, estamos nos referindo aalguma ”" periéncia aguda ou acumulativa que nos “despedaca”. Este despedacament, é tanto um evento exterior que nos choca e um evento interior ue cham. mos de dissociacao. O despedagamento traumatico a que Jung se refere éum que, ao final, com ajuda, pode ser relembrado como uma histéria coerente Este é frequentemente o caso em traumas adultos em que a dissociagag se limita a evento(s) traumatico(s) que leva(m) ao stress POS-traumaticg com todo trauma pode ser elem. brado como uma histéria coerente, Eventos traumaticos na infancia podem ocorrer cedo demais para serem recuperados na meméria explicita. Aqui os eventos abaladores ocorrem quando 0 ego da crianca é imaturo, majoritariamente informe, seus sintomas caracteristicos. Contudo, nem ou ainda ttificado com pes- a crianga é dependente. Com 0 trauma Precoce, a dissociagao é de mais amplo alcance e sistematica em seus efeitos, afetando na verdade o hemisfério direito do cérebro, que é mais ativo durante 0s primeiros dezoito meses de vida, Por vezes deixando déficits duradouros na regulacio afetiva (Schore 2003, 272), ou talvez profundamente iden soas abusivas no ambiente do qual to que vao além das técnica s interpretativas habituais de desvendamento de fantasias, modificacdo de defesas, ou de confianga nos processos esponté- neos de autocura da Psique em inc dividuagao descritas por Jung. Como o trauma precoce é “relembrado” na terapia Os efeitos Sistematic: ™ sow wo. . item 08 da dissociacdo na primeira infancia permi! We a Vida prossiga, snteriot mas ao preco de uma grave ruptura no mundo inter 422 Digalzado com CamScanner nt crianga traumatizada no vai compreender 9 que acont afte yentemente, wae sera capae de contar Para 0s pais oy seca com ela, plementos da experiencia traumatica, tais COMO sensacies, ‘és utFaS pessoas, poser set “codificados” na episédica memé, » atetOs ¢ imagens, é " ria “dependent, ” an subcorticais do cérebro direito, ¢ se tornarem j " ‘ a ‘ Andisponiveis a pro- (Van der Kolk & Fisler 1995), Mazenados” no Corpo, criando ; 5 iS @ consciéncia (Van der Kolk 1994). Isso é parte do “transe” arquitetado pelo SCs, cessos verbais, inclusive a meméria Narrativa pedacos da experiéncia original podem ser “ani sintomas somaticos, sem estarem disponive; Quando fragmentos de tais eventos intoleraveis da infincia emergem mais tarde na terapia analitica, el les podem ameagar de desestabilizacéo toda apersonalidade. A pessoa tendo tais experiéncias nao apenas se sentir “per- tubada” pela intrusdo de flashbacks, como no distirbio de estresse pés-trau- matico, mas pode se sentir “louca” ou “possuida” Todo o senso de identidade da pessoa pode ser abalado. Uma sobrevivente de trauma, recém-ingressa na terapia, tem flashbacks invasivos sempre que para de se apresentar em sua habitual enxurrada char- mosa de palavras. Num momento de siléncio, ela de repente ouve a batida de uma porta! Cada vez que isso acontece a pée em panico e a convence de que 6sté tendo um “colapso”, Lentamente, e com cuidadosa atencio a seus senti- mentos de seguranga naquele momento, nés juntamos as pecas de uma lem- branca coerente, Ela tinha trés anos de idade. Sua familia vivia num trailer. Era inverno, Sua mie, que vinha tendo um caso com um homem aleoblatta deum trailer ao lado, a empurrou da porta para fora, dizendo que nao vol- 7 a Jou sozinha 128s antes que se passasse uma hora. Minha paciente perambul ard ido repeti- Dela Ff ; e isso tinha aconteci¢ Reve, perdida e sozinha. Aparentement desprovida de dame; sagio suibita, nte e era “ » ymo uma sensag Bi

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