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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

EDIBERTO FERREIRA DE ALMEIDA

FORMAÇÃO PARA SAÚDE: ANÁLISE DOS CURSOS DE


EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA-BA

Feira de Santana – Bahia


2018
EDIBERTO FERREIRA DE ALMEIDA

FORMAÇÃO PARA SAÚDE: ANÁLISE DOS CURSOS DE


EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA-BA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Educação da Universidade Estadual de Feira de
Santana, para a obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientador: Professor Dr. Welington Araújo Silva.

Feira de Santana – Bahia


2018
Ficha Catalográfica - Biblioteca Central Julieta Carteado - UEFS

Almeida, Ediberto Ferreira de


A446f Formação para saúde: análise dos cursos de Educação Física de Feira
de Santana-BA. / Ediberto Ferreira de Almeida. – 2018.
103 f.

Orientador: Welington Araújo Silva.


Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Feira de Santana,
Programa de Pós-Graduação em Educação, 2018.

1. Formação de professores. 2. Educação Física. 3. Promoção da saúde


– Feira de Santana. I. Silva, Welington Araújo, orient. II. Universidade
Estadual de Feira de Santana. III. Título.

CDU: 796:37

CDU: 796:37
Maria de Fátima de Jesus Moreira - Bibliotecária - CRB-5/1120
Dedico este trabalho à minha vovó Luzia (em
memória). Crescida na roça, analfabeta, com
visão bastante limitada pela catarata, de
memória incrível, parceira de muitos risos e
brincadeiras, que viveu 92 anos bem vividos.
Curiosa que só ela, sempre quis entender o que
tanto seu neto estudava enfurnado no quarto
do andar de cima. “Meu filho vai ser doutor
é?”, perguntava. “Não vai estudar demais,
mente de gente é coisa fina”, alertava. Pois é
vó, seu neto não se tornou doutor, mas agora é
mestre, e continua com a “mente sã”, ao
menos por enquanto. Obrigado por todos os
sorrisos!
AGRADECIMENTOS

Antes de agradecer um alerta: a pós-graduação não precisa ser tão dolorosa como
tem sido. Não são poucos os casos de adoecimento durante o período de mestrado e
doutorado. A obrigação pela produção, da forma como ocorre, aliena tanto como as demais
atividades na sociedade capitalista que a gente busca superar e limita as possiblidades de
produções qualitativas. Assim, agradeço a todos aqueles que de alguma maneira contribuíram
para tornar esse processo mais humano.

Agradeço à classe trabalhadora que a suor e sangue produz as riquezas dessa


sociedade, sem que possa se apropriar delas. Em especial, agradeço aos trabalhadores da
UEFS, responsáveis pela construção e manutenção dessa universidade, sem os quais não
existiria o mestrado em educação.

Agradeço ao meu orientado, professor Welington, pelas contribuições ao trabalho e


por nos lembrar da tarefa daqueles que têm acesso ao conhecimento científico que é de pôr
seus conhecimentos a serviço da humanidade.

Agradeço aos professores da banca pelo compromisso com a educação pública e


pelas contribuições fundamentais à pesquisa. À professora Mirela Iriart pela sua coerência e
disciplina enquanto docente e pesquisadora. Ao professor Cláudio Lira por ser uma grande
referência enquanto docente e militante que luta por uma sociedade socialista.

Agradeço ao programa de pós-graduação em educação da UEFS por possibilitar a


mulheres e homens o avanço nos estudos e na necessária compreensão da realidade, mesmo
num contexto sucessivos cortes de verbas e de falta de prioridade dos governos para com a
educação. Em especial, agradeço às professoras Antônia e Maria Helena por desenvolverem
aulas tão ricas e por manterem o compromisso com a luta cotidiana.

Agradeço à turma 2016 e aos amigos que fiz durante o curso que mesmo com
pensamentos divergentes proporcionaram debates fraternos e apoio mútuo diante das
angústias e ansiedades desse período. Como diz um poema do Mauro Iasi: “O conhecimento é
assim: ri de si mesmo e de suas certezas. É meta da forma, metamorfose, movimento, fluir do
tempo, que tanto cria como arrasa, a nos mostrar que para o voo é preciso tanto o casulo como
a asa”.
Agradeço aos camaradas da vida e da luta cotidiana, militantes de hoje e de ontem da
Intersindical, ASS, LS e Outubros. Numa conjuntura em que o amanhecer por vezes parece
mais noite que a noite (Drummond), é mais que necessário consolidarmos nossos
instrumentos de luta e acreditarmos que é possível transformar essa sociedade. SEMPRE
FIRMES!

Agradeço às amigas e amigos que passaram ou estão passando por esse processo e
que de mãos dadas contribuíram para que cada passo dado fosse realizado com a certeza de
que o caminho era duro, mas cada vez mais curto (Habren Saint). São eles: Taílla, Luisa, Liz,
Elvira, Eva, Ariana, Luiz, Alan John, Nívia e Iza Rizental.

Agradeço, sobretudo, ao camarada Elson Cazumbá, companheiro de longa data, das


lutas da Educação Física e da vida, que contribuiu substancialmente para dividir o peso das
preocupações diárias com a pesquisa.

Agradeço aos colegas e alunos das escolas por onde passei nesses dois anos e meio –
Colégio Geovânia Nogueira Nunes, Escola Pero Vaz Velho e Escola Barão do Rio Branco.
Hoje sou um professor muito melhor, graças ao aprendizado que tive e tenho com todos
vocês.

Agradeço, por fim, aos meus pais e minhas irmãs “queridinhas” – estendendo aos
demais familiares – pelo apoio incondicional nas minhas escolhas, pelo carinho sempre
presente e pela educação que me foi dada. Continuo aprendendo muito com cada um de
vocês. Aos meus pais, aproveito para agradecer pelos ensinamentos que contribuíram para que
eu me tornasse o ser humano que sou hoje, que se indigna diante de qualquer injustiça e
gostaria de dizer que “nossa luta é por uma pátria sem dúvidas nem dívidas; é por um país
sem donos nem danos. Tá pensando que é mole?” (Damário Dacruz).
EPÍGRAFE

A fome/2
Um sistema de desvinculo: Boi sozinho se
lambe melhor... O próximo, o outro, não é seu
irmão, nem seu amante.
O outro é um competidor, um inimigo, um
obstáculo a ser vencido ou uma coisa a ser
usada.
O sistema, que não dá de comer, tampouco dá
de amar: condena muitos à fome de pão e
muitos mais à fome de abraços.

EDUARDO GALEANO, em o Livro dos


Abraços.

Ora direis, ouvir estrelas,


certo perdeste o senso
Eu vos direi no entanto
Enquanto houver espaço, corpo e tempo
e algum modo de dizer não
Eu canto!

BELCHIOR, em A divina comédia humana.


RESUMO

O presente estudo tem como objeto a formação de professores de Educação Física, em


especial, a relação entre Educação Física e Saúde nos cursos de Educação Física do município
de Feira de Santana, tendo como parâmetro as orientações para atuação no Núcleo de Apoio à
Saúde da Família (NASF). Nossa pesquisa compõe o conjunto de estudos do grupo LEPEL e
se insere no embate de projetos em torno da formação de professores, e, consequentemente,
em torno da formação humana das novas e futuras gerações através da intervenção
pedagógica do professor de Educação Física. Trata-se de uma análise documental que
objetivou identificar a relação entre os marcos teórico-conceituais do NASF e os projetos
formativos dos cursos de Educação Física de Feira de Santana (BA). Assim, nossa
investigação se deu sob a seguinte pergunta síntese: Qual a relação entre os marcos teórico-
conceituais do NASF e os projetos formativos dos cursos de Educação Física de Feira de
Santana (BA)? Levantamos a hipótese de que as concepções de saúde expostas nos
documentos oficiais dos cursos de Educação Física de Feira de Santana não expressam a
concepção presente nas diretrizes que orientam a atuação no NASF. Nosso estudo se
desenvolveu a partir da técnica de análise de conteúdo, guiado pelo materialismo histórico e
dialético, onde buscamos evidenciar as contradições presentes no objeto o que nos
possibilitou identificar a concepção de saúde. Constatamos que os documentos oficiais dos
cursos de Educação Física de Feira de Santana (BA) não expressam uma concepção de saúde
que avance na explicação desse fenômeno, apresentando uma noção limitada e ainda ligada ao
modelo biomédico e que, portanto, não se aproxima do Conceito Ampliado de Saúde expresso
na Lei Orgânica do SUS e nas diretrizes do NASF. Embora os documentos dos cursos não
apresentem de forma explícita e aprofundada suas concepções, o auxílio de outras categorias
de conteúdo nos possibilitou fazer essa inferência, a saber: concepção de mundo, concepção
de homem e concepção de Educação Física. Essas categorias também são pouco
desenvolvidas e apresentam elementos contraditórios, ora de crítica ora de adequação ao
modelo capitalista de sociedade e suas mediações. Dessa forma, ainda permanece a noção de
que a exercitação corporal é fundamental para a obtenção de saúde sem que haja a necessária
problematização da dinâmica sistêmica da vida humana no capitalismo e de sua influencia
direta no estado de enfermidade. Nesse sentido, entendemos como fundamental que o
currículo dos cursos superiores em Educação Física tenha de modo explícito e conciso os
aspectos teóricos e epistemológicos que orientam a formação, tendo em vista uma formação
que avence no processo de humanização dos seres humanos a partir da compreensão dos
determinantes em torno do processo saúde/doença e da realidade concreta. Para tanto,
compreendemos como necessário incorporar as concepções que mais avançam na explicação
da saúde – Conceito Ampliado de Saúde e o Conceito de Determinação Social do Processo
Saúde-doença –, bem como a defesa da Licenciatura Ampliada enquanto proposta de
formação tendo em vista uma formação omnilateral e a superação do atual modo de produção.

Palavras chave: 1. Formação Humana; 2. Formação de Professores; 3. Educação Física e


Saúde; 4. Concepção de Saúde.
RESUMEN

El presente estudio tiene como objeto la formación de profesores de Educación Física, en


especial, la relación entre Educación Física y Salud en los cursos de Educación Física del
municipio de Feira de Santana, teniendo como parámetro las orientaciones para actuación en
el Núcleo de Apoyo a la Salud de la familia (NASF). Nuestra investigación compone el
conjunto de estudios del grupo LEPEL y se inserta en el embate de proyectos en torno a la
formación de profesores y, consecuentemente, en torno a la formación humana de las nuevas
y futuras generaciones a través de la intervención pedagógica del profesor de Educación
Física. Se trata de un análisis documental que objetivó identificar la relación entre los marcos
teórico-conceptuales del NASF y los proyectos formativos de los cursos de Educación Física
de Feira de Santana (BA). Así, nuestra investigación se dio bajo la siguiente pregunta síntesis:
¿Cuál es la relación entre los marcos teórico-conceptuales del NASF y los proyectos
formativos de los cursos de Educación Física de Feira de Santana (BA)? Levantamos la
hipótesis de que las concepciones de salud expuestas en los documentos oficiales de los
cursos de Educación Física de Feira de Santana no expresan la concepción presente en las
directrices que orientan la actuación en el NASF. Nuestro estudio se desarrolló a partir de la
técnica de análisis de contenido, guiado por el materialismo histórico y dialéctico, donde
buscamos evidenciar las contradicciones y mediaciones presentes en el objeto lo que nos
posibilitó identificar la concepción de salud. Constatamos que los documentos oficiales de los
cursos de Educación Física de Feira de Santana (BA) no expresan una concepción de salud
que avance en la explicación de ese fenómeno, presentando, una noción limitada y aún ligada
al modelo biomédico y que, por lo tanto, no se aproxima al Concepto Ampliado de Salud
expresado en la Ley Orgánica del SUS y en las directrices del NASF. Aunque los documentos
de los cursos no presentan de forma explícita y profundizada sus concepciones, el auxilio de
otras categorías de contenido nos posibilitó hacer esa inferencia, a saber: concepción de
mundo, concepción de hombre y concepción de Educación Física. Estas categorías también
son poco desarrolladas y presentan elementos contradictorios, o de crítica, o de adecuación al
modelo capitalista de sociedad y sus mediaciones. De esta forma, sigue siendo la noción de
que la ejercitación corporal es fundamental para la obtención de salud sin que haya la
necesaria problematización de la dinámica sistémica de la vida humana en el capitalismo y de
su influencia directa en el estado de enfermedad. En este sentido, entendemos como
fundamental que el currículo de los cursos superiores en Educación Física tenga de modo
explícito y conciso los aspectos teóricos y epistemológicos que orientan la formación,
teniendo en vista una formación que avenga en el proceso de humanización de los seres
humanos a partir de la comprensión de los entendidos determinantes en torno al proceso salud
/ enfermedad y de la realidad concreta. Para ello, comprendemos como necesario incorporar
las concepciones que más avanzan en la explicación de la salud - Concepto Ampliado de
Salud y el Concepto de Determinación Social del Proceso Salud-enfermedad -, así como la
defensa de la Licenciatura Ampliada como propuesta de formación para una formación el
omnilateral y la superación del actual modo de producción.

Palabras clave: 1. Formación humana; 2. Formación de profesores; 3. Educación Física y


Salud; 4. Concepción de Salud.
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Cursos de Educação Física de Feira de Santana – BA................................20


QUADRO 2 – Ciclos da formação em Educação Física e as reformulações
curriculares..............................................................................................................................38
QUADRO 3 – Síntese das concepções de saúde...................................................................63
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior


CBCE – Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte
CFE – Conselho Federal de Educação
CNE – Conselho Nacional de Educação
CNS – Conselho Nacional de Saúde
CONDIESEF – Conselho Nacional de Dirigentes das Escolas Superiores de Educação Física
CONFEF – Conselho Federal de Educação Física
DCNEF – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Física
DCNT – Doenças Crônicas Não Transmissíveis
DIESPORTE – Diagnóstico Nacional do Esporte
DIREC – Diretoria Regional de Educação
EEFE – Escola de Educação Física e Esporte
ESF – Estratégia de Saúde da Família
ExNEEF – Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física
FARB – Faculdade Regional da Bahia
FAN – Faculdade Nobre de Feira de Santana
FEF – Faculdade de Educação Física
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FTC – Faculdade de Tecnologia e Ciências de Feira de Santana
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LEPEL – Linha de Estudos e Pesquisas em Educação Física, Esporte e Lazer
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MEC – Ministério da Educação
MEEF – Movimento Estudantil de Educação Física
MS – Medicina Social
NASF – Núcleo de Apoio a Saúde da Família
NTE – Núcleo Territorial de Educação
OMS – Organização Mundial da Saúde
PCAF – Práticas Corporais/Atividade Física
PEC – Proposta de Emenda Constitucional
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNAB – Política Nacional de Saúde Básica
Pnad – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNS – Pesquisa Nacional de Saúde
PROUNI – Programa Universidade Para Todos
PT – Partido dos Trabalhadores
SCL – Saúde Coletiva
SIPD – Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares
SUS – Sistema Único de Saúde
UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana
UFBA – Universidade Federal da Bahia
UFAL – Universidade Federal de Alagoas
UFC – Universidade Federal do Ceará
UFPI – Universidade Federal do Piauí
UFRB – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRPE – Universidade Federal Rural de Pernambuco
UFS – Universidade Federal de Sergipe
UFSCar – Universidade Federal de São Carlos
UNICAMP – Universidade de Campinas
UNIFACS – Universidade Salvador
USAID – United States Agency for International Development
USP – Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13
2. REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA
EDUCAÇÃO FÍSICA .............................................................................................................. 25
2.1. Considerações sobre a categoria trabalho. ..................................................................... 25
2.2 O reordenamento do mundo do trabalho na dinâmica da sociedade capitalista. ............ 27
2.3. Modificações nos processos de Formação e atuação em Educação Física.................... 35
3. CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO
COM A EDUACAÇÃO FÍSICA .............................................................................................. 45
3.1. Mercadorização da saúde............................................................................................... 47
3.2. A relação atividade física e saúde .................................................................................. 50
3.2. O conceito de saúde ....................................................................................................... 54
4. ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA) ... 66
4.1 Caracterização dos cursos ............................................................................................... 69
4.2. Concepção de mundo..................................................................................................... 72
4.3. Concepção de ser humano ............................................................................................. 77
4.4. Concepção de Educação Física ..................................................................................... 82
4.5. Concepção de Saúde ...................................................................................................... 85
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 89
6. REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 95
13
INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO

“Como sei pouco, e sou pouco, faço o pouco que me cabe me dando inteiro.
Sabendo que não vou ver o homem que quero ser.”
Thiago de Mello

A presente pesquisa emerge de estudos anteriores, realizados na graduação e na


especialização, que por sua vez foram motivados pela participação ativa em uma das
trincheiras da luta de classes durante a graduação em Educação Física: o movimento
estudantil1. Foi nesse espaço de formação política e de consciência de classe que demos início
aos debates em torno da formação humana, e, mais especificamente, da formação de
professores de Educação Física2, que resultou em uma monografia de graduação intitulada
Contribuição à crítica da formação de professores de Educação Física: Uma análise do
currículo da UEFS e da UFBA.

Como fruto dessa investigação, deparamo-nos com a presença, no currículo de


Educação Física da UEFS, de uma concepção de ser humano e de mundo atrelada à formação
unilateral dos indivíduos e à manutenção da sociedade capitalista, bem como a presença
norteadora das pedagogias do “aprender a aprender”3, que tem como princípios a ausência da
ciência como norteadora da prática pedagógica e o ensino centrado nos interesses dos alunos,
entre outros.

Ainda em nossa pesquisa de graduação, verificamos que o outro currículo analisado,


do curso de Educação Física da UFBA, apresenta uma concepção de homem e de mundo
muito bem definida e articulada com a proposta de licenciatura ampliada, onde a educação é
entendida como fundamental para a formação plena dos indivíduos e para elevação do padrão
cultural da classe trabalhadora, tendo em vista a necessidade de superação das relações sociais
capitalistas, e como horizonte histórico o projeto socialista de sociedade. Elevação cultural
que é pretendida pelo processo de transmissão/assimilação dos conhecimentos da cultura
humana, estando incluso os conhecimentos da cultura corporal – ginástica, jogo, luta, dança,

1
Entre 2010 e 2013 participei ativamente do Movimento Estudantil de Educação Física (MEEF) através do
Diretório Acadêmico de Educação Física da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e por duas
gestões como corneador da Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física (ExNEEF).
2
Ao utilizar o termo “Educação Física” em maiúsculo, seguimos a argumentação de Soares (1994), que utiliza o
termo em maiúsculo para se referir às sistematizações científicas dos conteúdos da Educação Física.
3
Lema pedagógico denominado pelo professor Newton Duarte e que abarca um amplo e heterogêneo conjunto
de pedagogias, tais como: o construtivismo, a pedagogia das competências, a pedagogia do professor reflexivo, a
pedagogia dos projetos, entre outros.
14
INTRODUÇÃO

esporte, etc. –, com vistas ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores


(MARTINS, 2011; COLETIVO DE AUTORES, 2012).

No ano seguinte, demos continuidade ao estudo em torno da formação humana, dessa


vez, tendo como enfoque às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Física, a partir
da monografia de especialização intitulada: Contribuição à crítica da formação de
professores de Educação Física: Nexos e relações entre as pedagogias do “aprender a
aprender” e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Física. Nela
identificamos que tanto as Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores – resolução
CNE/CP nº 01/2002 – quanto as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Física –
resolução nº 07/2004 – apresentam as competências e/ou habilidades enquanto perspectiva
pedagógica norteadora para a formação de professores. Ou seja, também são orientadas pelas
pedagogias do “aprender a aprender”.

Diante desses e de outros estudos4, nos colocamos na necessidade de investigar a


nova proposta de diretriz para a formação em Educação Física, expressa na minuta de projeto
de resolução para a audiência pública de 11/12/2015, que apresentava uma modificação
importante e polêmica para a área: a unificação dos cursos e a extinção do bacharelado.
Todavia, com o processo de impedimento do governo Dilma Roouseff/PT5 e instituição do
governo de Michel Temer/MDB6 ao longo de 2016 e 2017, houve uma estagnação no
processo de estabelecimento das novas diretrizes, o que nos colocou a necessidade de buscar
outra problemática igualmente relevante.

Tendo como premissa um dos argumentos defendidos em diversas pesquisas e


apresentada pelo então relator da referida minuta, Paulo Barone, de que o professor de
Educação Física atua a partir de uma ação pedagógica, seja qual for o seu espaço de atuação e
tendo em vista o aumento do número de professores de Educação Física atuando nos
instrumentos do Sistema Único de Saúde (SUS), passamos a nos questionar se a formação em
Educação Física tem dado conta de qualificar o profissional para atuar nesses espaços.
Segundo Pinho (2011) a Educação Física historicamente acostumou-se a transferir os métodos

4
Há um conjunto de estudos na área a respeito da formação/atuação do professor de Educação Física.
Destacamos as contribuições de Taffarel (1993), Lacks (2004), Nozaki (2004) Santos Júnior (2005), Almeida
(2005), Silva (2006), Rodrigues (2007), Cruz (2009), Alves (2010), Dutra (2011; 2013), Pinto (2012), Azevedo
(2012), etc., além das contribuições dadas pelo Movimento Estudantil de Educação Física (MEEF) ao longo de
mais de trinta anos de debate, e pelo Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de
Educação Física (MNCR) há pelo menos 20 anos.
5
Partido dos Trabalhadores (PT).
6
Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que era denominado até recentemente de Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB),
15
INTRODUÇÃO

e referências desenvolvidas nas ciências da saúde e biológicas e tomado emprestado suas


teorias como meio de explicar a área da Educação Física, nesse sentido, surge dúvidas a
respeito da relação Educação Física e saúde nos cursos de graduação, sobretudo, com as
transformações na atenção à saúde brasileira nas últimas décadas.

A saúde pública no Brasil vem ganhando novos contornos desde a década de 1970,
quando, em meio ao contexto de luta contra a ditadura militar nasceu o movimento da reforma
sanitária, que gerou diversas discussões políticas relacionadas à saúde e que teve como marco
a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986. Os esforços realizados pelo
movimento da reforma sanitária resultaram na redefinição a atenção à saúde no país, que é
compreendida desde a Constituição Federal de 1988 como “direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação”.

O advento do Sistema Único de Saúde (SUS), através da Lei nº 8.080 de 1990 (Lei
Orgânica da Saúde), trouxe um salto qualitativo na concepção e atenção à saúde no país, ao
compreender que há diversos fatores determinantes na saúde como a alimentação, a moradia,
o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer, a
organização social e econômica do país, entre outros. Na atenção básica, por se pautar pela
universalização das ações de saúde, descentralização, integralidade e regionalização no
atendimento e por colocar a família, no seu contexto físico e social, como foco principal no
processo de promoção da saúde através da Estratégia Saúde da Família (ESF).

Apesar de estar associada à saúde desde seus primórdios, apenas em 06 de março


1997 através da Resolução nº 218, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), a Educação Física
passou a ser reconhecida como profissão da área da saúde. Desde então, principalmente
devido a predominância de doenças crônicas não transmissíveis e consequente mudança no
perfil de morbidade e mortalidade da população (RODRIGUES et al., 2013), associado aos
benefícios da prática de exercícios físicos – na maioria das vezes compreendido como uma
relação de causa e efeito, como veremos mais a frente – impulsionou a presença de
professores de Educação Física no SUS nos últimos anos.

Nesse sentido, foram desenvolvidas diversas iniciativas em que intervenções na área


temática das “Práticas Corporais/Atividade Física” (PCAF) ganharam grande destaque. Entre
as iniciativas estão a Política Nacional de Promoção da Saúde, publicada em 2006; o Núcleo
de Apoio a Saúde da Família (NASF), criado em 2008; e o Programa Academia da Saúde,
16
INTRODUÇÃO

criado em 2011, entre outros. Esses espaços estão contribuindo para inserção do professor de
Educação Física no SUS, mas também tem apontado para a necessidade de pensar a formação
para a saúde.

O NASF, por exemplo, funciona como um apoio matricial às ESF através de um


trabalho multiprofissional com base na integralidade e na troca de saberes entre profissionais
e os sujeitos e coletivos de determinado território, como estratégia de prevenção de doenças.
Para tanto, compreende o processo saúde-doença como algo determinado por diversos fatores,
incluído os aspectos sociais, superando assim, a concepção de saúde biologicista e médico-
centrada, ainda hegemônica atualmente.

Com essa proposta o NASF incorpora todos os profissionais que atuam no campo da
saúde, entre eles, os professores e professoras de Educação Física7. Segundo Santos (2012
apud MARTINEZ; SILVA; SILVA 2014), o profissional de Educação Física está presente em
cerca de 49,2% das equipes do NASF em todo o Brasil. Encontra-se entre as cinco profissões
mais escolhidas pelos municípios na formação dos núcleos, o que demonstra ser um campo de
grande inserção. No município de Feira de Santana-Ba existem 18 equipes do NASF, cada
uma delas conta com um(a) professor(a) de Educação Física.

Dessa forma, é esperado que o professor de Educação Física ao adentrar no NASF


saiba lidar com o trabalho multiprofissional, com a integralidade e que tenha uma concepção
avançada de saúde, tal como é preconizado nas diretrizes do NASF apresentadas nos
Cadernos de Atenção Básica n. 27:

Nesse sentido, destaca-se como essencial para a atuação do profissional de saúde o


reconhecimento da promoção da saúde como construção gerada nessa dinâmica de
produção da vida, assumindo, dessa maneira, múltiplos conceitos em sua definição,
por exemplo, prevenção e humanização da saúde, com diferentes formatos em sua
execução, podendo se apresentar como política transversal ou articuladora, dentro de
uma matriz de princípios norteadores das práticas de saúde local. Assim, enfatizando
a promoção da saúde, a PCAF deve ser construída a partir de componentes culturais,

7
Embora se tenha muito debate na área quanto a denominação do profissional que se forma em Educação Física,
não há consenso entre ser chamado de “professor de Educação Física” ou “profissional de Educação Física”, e
no NASF essa questão se agrava, pois aparecem sete classificações diferentes, sendo “profissional de Educação
Física” e “avaliador físico” as mais utilizadas. A portaria nº 256, da Secretaria Nacional de Saúde, de 11 de
março de 2013, tentou resolver esse problema criando a classificação provisória de “profissional de educação
física na saúde”.
Todavia, essa portaria desconsidera todo o debate realizado na área em torno dessa questão ao criar mais uma
denominação. Desconsidera também a realidade concreta dos trabalhadores que atuam no NASF, pois na
pesquisa realizada por Santos (2012) apud Martinez, Silva e Silva (2014), depois de entrevistar 296 profissionais
em todo o país, constatou-se que 74,7% são formados em Licenciatura, ou seja, são professores.
Ademais, não obstante esses elementos citados, utilizaremos aqui a denominação de “professores de Educação
Física”, por compreender que somos professores em qualquer espaço de atuação, já que nossa intervenção é
pedagógica.
17
INTRODUÇÃO

históricos, políticos, econômicos e sociais de determinada localidade, de forma


articulada ao espaço–território onde se materializam as ações de saúde, cabendo ao
profissional de saúde a leitura abrangente do contexto onde irá atuar
profissionalmente e como ator social (BRASIL, 2009, p. 142-143).

Todavia, vem sendo constatado que a formação de professores de Educação Física


ainda está distante do SUS (PRADO e CARVALHO, 2016). Os motivos para esse
descompasso entre a formação e a atuação para a saúde pública podem ser explicado pela
forte tradição técnico-esportiva e médico-centrada que acompanha a Educação Física desde
berço e têm gerado resistência aos processos de reformulações curriculares (FRAGA,
CARVALHO E GOMES, 2012). Além disso, problemas de ordem estrutural política e
financeira têm dificultado as modificações na formação em Educação Física.

Estudos como os de Pasquim (2009)8, Anjos e Duarte (2009)9, Pinho (2011)10 e Pinto
(2012)11 Santiago, Fe e Pedrosa (2014)12 demonstram que seja em cursos de licenciatura ou de
bacharelado, a formação em Educação Física não tem dado subsídios para uma atuação
qualificada na saúde pública. Os currículos dos cursos analisados por Anjos e Duarte (2009),
por exemplo, apresentam a predominância de disciplinas cujo enfoque é curativo, terapêutico
ou prescritivo, tais como: Primeiros-Socorros e Atividade Física para grupos especiais. As
autoras endossam a tese de que os cursos de Educação Física ainda estão fundamentados no
modelo médico-centrado, restrito às patologias e acometimentos, ao invés de estarem
direcionados à melhoria do estado de saúde da população.

O fato é que os muitos profissionais de Educação Física desconhecem noções básicas


de saúde pública e saúde coletiva. Em pesquisa realizada por Carvalho et al. (2010) onde
foram entrevistados 20 profissionais de Educação Física, todos com mais de um ano de
formação, apenas 2 deles demonstraram possuir conhecimentos a cerca da saúde pública e
saúde coletiva. Os autores ainda relatam que grande parte dos entrevistados, afirmaram que
não tiveram contato com a saúde pública durante a formação.

8
Analisou os cursos de bacharelado e licenciatura da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE), da
Universidade de São Paulo (USP) e os cursos de bacharelado e licenciatura da Faculdade de Educação Física
(FEF), da Universidade de Campinas (UNICAMP).
9
Também analisaram universidades paulistas: os cursos de licenciatura e bacharelado da EEFE/USP e da
FEF/UNICAMP, além do curso de licenciatura da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e o curso de
bacharelado da Universidade São Judas Tadeu.
10
Também analisou o currículo dos cursos da FEF/UNICAMP.
11
Analisou os cursos de educação física de universidades federais do nordeste: Universidade Federal do Ceará
(UFC), Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Universidade Federal de Alagoas (UFAL),
Universidade Federal de Sergipe (UFS), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia (UFRB).
12
Analisaram o curso de educação física da Universidade Federal do Piauí (UFPI)
18
INTRODUÇÃO

Por mais que essas pesquisas nos permita inferir a respeito da formação para a saúde
na Educação Física, esse debate é bastante novo na área e carece de contribuições. Fizemos
algumas buscas no banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) utilizando as palavras chaves “Formação, Educação e
Saúde” e “Educação Física e Sistema Único de Saúde (SUS)” no período entre 2008 – ano em
que o NASF foi criado – e 2016 – último ano possível no banco de dados. Detemo-nos apenas
aos primeiros 200 trabalhos que surgiram através de cada busca, ou seja, um total de 400
trabalhos. Destes, somente 13 tratam da relação entre a formação de professores de Educação
Física e Saúde. Também foram encontradas outras 14 pesquisas que problematizam a
intervenção do professor de Educação Física no SUS.

Dessa forma, haja vista a pequena – embora crescente – quantidade de publicações


no banco de teses e dissertações da CAPES, cabe realizar uma atualização desse debate
buscando sedimentar lacunas deixadas por essas pesquisas e solidificar os argumentos em
torno da concepção que compreenda a saúde a partir de múltiplos determinantes e que desse
modo contribua para uma formação de professores de Educação Física cada vez mais ampla e
completa tendo em vista o desenvolvimento omnilateral do ser humano. Por mais interesse
que o tema atividade física e saúde desperte na área, a discussão dessa relação passa longe do
enfoque filosófico e político (CARVALHO, 2001b).

Tal fato traz implicações delicadas para o campo do conhecimento e da intervenção,


uma vez que essa interpretação adota um olhar parcial/distorcido da realidade, que
não leva em conta outros fatores contextuais relevantes aos quais as pessoas estão
submetidas e que não podem ser dissociados de seus cotidianos: distribuição de
renda populacional, nível de (des)emprego, condições sanitárias básicas, condições
de moradia e alimentação, grau de escolaridade, (in)disponibilidade de tempo livre,
acesso a serviços de saúde e educação, entre outros, também são aspectos que
amoldam as condições da vida humana e, portanto, precisam ser igualmente
considerados (BAGRICHEVSKY E ESTEVÃO, 2005, p. 66).

Entendemos que o professor age intencionalmente como mediador deste processo de


aquisição humana particular do legado objetivado historicamente pela prática social. Assim,
uma compreensão distorcida da realidade por parte do professor, nesse caso, uma visão
distorcida do fenômeno saúde e de suas determinações, implica numa intervenção pedagógica,
numa mediação que pouco contribui para a compreensão do real por parte do aluno. Sendo
assim, a formação de professores deve contribuir para a superação da formação unilateral e é
nessa perspectiva que fundamentamos nossa pesquisa.
19
INTRODUÇÃO

Nosso estudo, portanto, se insere e se inscreve no embate de projetos que direcionam


a formação de professores de Educação Física, e consequentemente a formação da classe
trabalhadora através da prática pedagógica desse professor em seus diferentes espaços de
atuação. Esse embate é a forma particular que se expressa luta de classes e o embate de
projetos de sociedade entre burguesia e proletariado, tendo como terreno o atual estágio do
capitalismo13.

Partimos do pressuposto de que as ideias dominantes em cada época são as ideias da


classe dominante (MARX e ENGELS, 2007), nesse sentido, a burguesia, enquanto classe
dominante no capitalismo, dita tanto a forma quanto o conteúdo da formação da classe
trabalhadora. Segundo Frigotto (2003), para a perspectiva da classe dominante a educação da
classe trabalhadora deve estar voltada para as demandas do capital, a fim de habilitá-los
técnica, social e ideologicamente para o trabalho. O que implica dizer que a escola ou a
universidade tal como está organizada no contexto desse modo de produção não pode (e nem
é sua intenção) contribuir para a formação do ser humano por completo.

Em contra partida, dialeticamente, a classe trabalhadora busca construir um processo


educativo a partir da apropriação de conhecimentos historicamente produzidos pela
humanidade, que contribuam para o desenvolvimento das capacidades humanas e que
possibilite a compreensão da realidade concreta, a fim de direcionar os próprios interesses dos
trabalhadores.

A educação é, antes de mais nada, desenvolvimento de potencialidades e a


apropriação de “saber social” (conjunto de conhecimentos e habilidades, atitudes e
valores que são produzidos pelas classes, em uma situação histórica dada de relações
para dar conta de seus interesses e necessidades). Trata-se de buscar, na educação,
conhecimentos e habilidade que permitam uma melhor compreensão da realidade e
envolva a capacidade de fazer valer os próprios interesses econômicos, políticos e
culturais (GRYZYBOWSKI, 1986, p. 41-42 apud FRIGOTTO, 2003, p. 26).

Ademais, esse embate no âmbito da formação de professores implica no


direcionamento do processo de humanização (educação) das novas e futuras e gerações. Dessa
forma, se expressa como um problema vital para a humanidade a garantia de uma formação
qualificada dos professores em geral, e em específico a formação de professores de Educação

13
Estamos falando da fase imperialista do capital que se refere ao processo de acumulação capitalista em escala
mundial na fase do capitalismo monopolista (BOTTOMORE, 2012, p. 298) e do caráter neoliberal que os
Estados capitalistas assumiram a partir das décadas do fim da década de 1970 (ANDERSON, 1995). Esse estágio
também é marcado por uma profunda crise econômica que impulsionou transformações na base técnica do
trabalho, e, consequentemente, na redefinição do processo formativo do trabalhador, que, no Brasil de 2018,
ganha novos contornos com a reforma trabalhista e do ensino médio.
20
INTRODUÇÃO

Física, enquanto uma condição primordial para que seja possível elevar o padrão cultural da
classe trabalhadora.

Dentro do esforço local, regional e nacional destacamos a questão da formação de


professores e militantes culturais, sujeitos históricos dos quais depende, em parte,
em função da qualidade da atuação pedagógica, científica e política, os rumos que
podem ter a formação humana de criança, jovens e adultos e a construção da cultura,
em nosso caso, a cultura corporal (SANTOS JUNIOR et al, 2009, p. 33).

Assim, há a necessidade de investigar cientificamente os problemas em torno da


formação de professores, expressos na realidade concreta e objetiva e que necessitam de
respostas igualmente concretas e objetivas. Algumas dessas problemáticas foram levantadas
por Taffarel (1993) no início dos anos de 1990 e perduram até os dias atuais, tais como: a)
processo de formação profissional acrítico, ahistórico e a-científico; b) currículo
desportivizado; c) desconsideração, na graduação, do contexto de inserção social; d) o saber
tratado de maneira fragmentada; e) dicotomia entre teoria e prática; e f) processo de formação
voltado para a estabilização do sistema vigente.

Neste sentido, temos como objeto de estudo a formação de professores de Educação


Física, e em especial o trato com conteúdo saúde nos currículo dos cursos de Educação Física
do município de Feira de Santana (BA).

Assim, é a partir da reflexão sobre a realidade da formação de professores de


Educação Física e das demandas em torno de sua atuação no âmbito da saúde que extraímos o
problema que é o fio condutor dessa pesquisa: Qual a relação entre os marcos teórico-
conceituais do NASF e os projetos formativos dos cursos de Educação Física de Feira de
Santana (BA)?

Escolhemos o município de Feira de Santana por ser a segunda maior cidade da


Bahia, com uma estimativa de 609.913 habitantes14 sendo considerada uma metrópole
composta por outras seis cidades e que demanda a cada dia a ampliação dos serviços de
atenção básica e da formação no ensino superior. Na cidade, como vimos, há 18 equipes do
NASF e segundo os dados do site de cadastro de instituições e cursos de educação superior do
Ministério da Educação, o e-MEC, existem 15 instituições que fornecem um total de 19
cursos de Educação Física no município, sendo 6 cursos presenciais e 13 à distância.

14
Segundo dados do IBGE divulgados no dia 29 de agosto de 2018 e disponível em www.ibge.gov.br
21
INTRODUÇÃO

Quadro 1 – Cursos de Educação Física de Feira de Santana-BA.


Instituição Titulação Modalidade (s)
Centro Universitário Claretiano Licenciatura e À distância
(CEUCLAR) Bacharelado
Centro Universitário Internacional – Licenciatura e À distância
UNINTER Bacharelado
Centro Universitário FACVEST Licenciatura À distância
Centro Universitário Leonardo da Licenciatura e À distância
Vinci – UNIASSELVI Bacharelado
Centro Universitário de Maringá Licenciatura À distância
UNICESUMAR
Centro Universitário Maurício de Licenciatura À distância
Nassau – UNINASSAU
Faculdade Nobre (FAN) Bacharelado Presencial
Faculdade Pitágoras de Feira de Bacharelado Presencial
Santana
Faculdade de Tecnologia e Ciências Bacharelado Presencial
de Feira de Santana (FTC)
Faculdade UNINASSAU Feira de Bacharelado Presencial
Santana
Universidade Anhanguera – Licenciatura e À distância
UNIDERP Bacharelado
Universidade Estácio de Sá Bacharelado À distância
(UNESA)
Universidade Estadual de Feira de Licenciatura Presencial
Santana (UEFS)
Universidade Salvador UNIFACS Bacharelado Presencial
Universidade Tiradentes UNIT Bacharelado À distância

Optamos por analisar somente os cursos presenciais, pois os cursos à distância


demandariam um debate mais aprofundado a respeito dessa modalidade de ensino e não
tivemos condição de realiza-lo no momento. Dos 6 cursos presenciais, um ainda não foi
iniciado e outros dois são bastante recentes, iniciados em 2016 e 2017, nos restando três
cursos para análise.

Como há instituições privadas em nossa pesquisa, por questões éticas e por


solicitação dessas faculdades como condição para fornecimentos dos materiais, não citaremos
os nomes das instituições no processo de análise. Dessa forma, para fins expositivos,
utilizaremos letras em ordem alfabética para denomina-las da seguinte forma: Instituição A,
Instituição B e Instituição C.

Sendo assim, tivemos como objetivo: Identificar a relação entre os marcos teórico-
conceituais do NASF e os projetos formativos dos cursos de Educação Física de Feira de
22
INTRODUÇÃO

Santana (BA). No âmbito específico, objetivamos: analisar os documentos oficiais


(Currículo, Projeto Político Pedagógico, ementas e etc.) dos cursos de Educação Física de
Feira de Santana-BA; investigar a concepção de saúde que fundamenta as propostas de
formação em Educação Física em Feira de Santana-BA; e discutir as bases conceptuais que
devem fundamentar as propostas de formação de professores de Educação Física.

Com base na pesquisa realizada podemos afirmar que as concepções de saúde


expostas nos documentos oficiais dos cursos de Educação Física de Feira de Santana não
expressam a concepção presente nas diretrizes que orientam a atuação no NASF. Isso significa
dizer, que os cursos analisados apresentam uma concepção de saúde que não coadunam com
aquela expressa nas diretrizes do NASF, que compreende a saúde de modo ampliado,
reconhecendo que há uma “complexa rede de condicionantes e determinantes sociais da
saúde” (BRASIL, 2009, p. 18). Dessa forma, os cursos não avançam no modo de explicar o
processo saúde-doença.

Para chegar a este resultado, utilizamos como técnica de pesquisa a análise de


conteúdo, que segundo Bardin apud Triviños (1987) é utilizada nas mensagens escritas, por
serem mais estáveis e constituírem um material objetivo, o que nos dá a oportunidade de
voltar ao objeto sempre que for desejado. Os conteúdos que analisamos foram o projeto
político pedagógico, o currículo e o plano de ensino das disciplinas da área de saúde dos
cursos de formação em Educação Física no município de Feira de Santana-BA.

A análise de conteúdo é constituída por três etapas: pré-análise, descrição analítica e


interpretação inferencial (TRIVIÑOS, 1987). A pré-análise é basicamente o levantamento e
organização do material. Desse modo, nesse primeiro momento realizamos um inventário dos
artigos, monografias, dissertações e teses que tratam de problemáticas relacionadas à
formação de professores de Educação Física e de sua relação com a saúde. Também nessa
etapa levantamos os documentos oficiais dos cursos que serão analisados.

O segundo momento, a descrição analítica, começa já na pré-análise a partir do


estudo dessa bibliografia e documentos mencionados acima. Contudo, nessa etapa acrescenta-
se a análise dos conteúdos dos documentos oficiais dos cursos. Todo esse material fora
submetido a um estudo aprofundado e orientado pelos referencias teóricos e pelas hipóteses.

A última fase, a interpretação inferencial, foi o momento de se apoiar nos dados dos
materiais de informação, garantir uma reflexão aprofundada e apontar “proposições básicas de
transformações nos limites das estruturas específicas e gerais” (TRIVIÑOS, 1987, p. 162).
23
INTRODUÇÃO

Entendemos que essas etapas não são lineares, pois todas elas se relacionam ao longo do
desenvolvimento da pesquisa.

Desse modo, tentamos desenvolver uma reflexão filosófica, que segundo Saviani
(2004) é o ato de se debruçar sobre os problemas que se apresentam na realidade concreta e
objetiva e que abre o caminho para a ciência sob três preceitos básicos: i) ser radical, ii)
rigorosa e iii) e de conjunto.

Ser radical implica ir à raiz do problema, até seus fundamentos, operando uma
reflexão em profundidade. Dessa forma, buscamos compreender o processo de reordenamento
do mundo do trabalho na sociedade capitalista e suas implicações na formação de professores
de Educação Física. Buscamos também discutir as determinações sociais sobre a saúde, as
diferentes explicações a respeito do processo saúde-doença e problematizar a relação entre
Educação Física e Saúde.

A reflexão para ser radical também necessita ser rigorosa, ou seja, ser desenvolvida
sistematicamente, a partir de métodos determinados, que busque questionar o senso comum e
as generalizações que pode ocorrer na ciência. Nesse caso, nos embasamos no materialismo
histórico e dialético, que segundo Frigotto (2000), não é somente um método de análise da
realidade, mas é também uma concepção de mundo ou postura e uma práxis. Dessa forma,
nossa pesquisa parte de uma perspectiva de mundo que visa a superação da sociedade de
classes. É a partir dela que buscamos analisar a realidade concreta e apreendê-la no plano do
pensamento e apontar transformações e novas sínteses para a formação de professores.

Por fim, a reflexão deve ser de conjunto, porque não há a possibilidade de um


problema ser superado de forma individual, sem relacioná-lo com o contexto em que está
inserido. Dessa forma, nos ancoramos em pesquisas anteriores de um conjunto de
pesquisadores que se dedicam em contribuir para a formação das novas e futuras gerações,
tanto através de suas pesquisas como através da ação coletiva organizada em sindicatos,
partidos e movimentos sociais e estudantis.

Para tanto, corroboramos com Kuenzer (1998), ao ressaltar a importância das


categorias de conteúdo e de método, determinadas pelo materialismo histórico dialético, pois
estas serviram/servem de suporte para as intervenções na transformação da realidade, se
conseguimos articular adequadamente as categorias de análise macro e microeconômicas,
teórica e prática, através de um caminho metodológico que nos permita a compreensão do
24
INTRODUÇÃO

concreto pela mediação do abstrato, e do todo através da mediação da parte. Portanto, são as
categorias que direcionaram nossa investigação, análise e exposição.

Sendo assim, tomamos a contradição enquanto as categorias metodológicas centrais


do nosso trabalho – as categorias do próprio método dialético. Segundo Lefebre (1979) apud
Kuenzer (1998), nada existe no mundo sem uma relação ativa de contrários em busca de
superação, mesmo que conservando o que cada um tem de determinado. Desse modo,
buscamos a todo o momento captar o movimento, a ligação e unidade resultante da relação
dos contrários, buscando apreender a riqueza do movimento e da complexidade do real em
suas múltiplas determinações (KUENZER, 1998, p. 65).

As categorias de conteúdo são a aplicação das categorias metodológicas no


particular, determinadas pelo objeto da pesquisa e pela finalidade da investigação. Dessa
forma, definimos enquanto categorias de conteúdo: a concepção de mundo, concepção de
homem (educação), concepção de Educação Física e a concepção de saúde. Elencamos essas
categorias, pois para extrair a concepção de saúde foi necessário identificar a concepção de
mundo, a concepção de ser humano e a concepção de Educação Física dos cursos, haja vista
que essas concepções estão intimamente associadas.
25
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

2. REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA


EDUCAÇÃO FÍSICA

“Segundo a concepção materialista da história, o fator que,


em última instância, determina a história
é a produção e a reprodução da vida real.”
Friedrich Engels

2.1 Considerações sobre a categoria trabalho

Do ponto de vista Marxiano e Marxista, as investigações sobre a educação não


podem desconsiderar sua relação com o trabalho em determinado modo de produção. Dessa
forma, ao passo que tratamos do fenômeno educacional, mais precisamente em sua expressão
singular que é a formação de professores de Educação Física, devemos antes, explicitar sobre
a categoria trabalho e as modificações no mundo do trabalho na atual sociedade e que
determinam também os processos educativos.

Assim, é necessário considerar que o trabalho, intercâmbio orgânico entre o ser


humano e a natureza, é a uma atividade vital para os seres humanos. Pois, é através do
trabalho que o ser humano transforma a natureza para garantir seus meios de subsistência e
suprir suas necessidades, e, ao passo que transformar a natureza, transforma também a si
próprio. Nesse sentido, é pelo trabalho que homem se torna homem (ENGELS, 1999).

Em que pese ser verídico afirmar que os animais também transformam a natureza, a
exemplo das habitações feitas por pássaros, abelhas, castores e formigas, os animais, porém,
modificam a natureza sempre da mesma forma e para suprir uma necessidade imediata sua
e/ou de sua cria. Dessa forma, o animal produz “unilateral[mente]” e sob o domínio imediato
da carência física, enquanto o ser humano produz “universal[mente]”, ampliando para além
da carência física imediata, podendo reproduzir a natureza inteira e sob diferentes formas, e se
defrontar “livre[mente]” com o seu produto (MARX, 2004).

Na sua atividade, os homens não se contemplam em se adaptar à natureza.


Transformam-na, em função das suas necessidades em evolução. Inventam objetos
capazes de os satisfazerem e criam meios para produzirem esses objetos, os
utensílios, e depois as maquinas mais complexas. Constroem habitações, tecem
vestimentos e produzem outros valores materiais. A cultura espiritual dos homens
desenvolve-se igualmente com o processo da produção dos bens materiais; os seus
conhecimentos sobre o mundo que os rodeia e sobre eles mesmos aumentam, a
ciência e a arte tomam impulso (LEONTIEV, 1977, p. 52).
26
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Em suma, a diferença substancial entre o animal e o homem é que o primeiro pode


apenas modificar pelo mero fato de sua presença nela, enquanto que o segundo além de
modificar a natureza, domina-a e obriga a servir-lhe (ENGELS, 1999).

Entretanto, o trabalho modifica-se ao longo da história, e o que era “a atividade vital,


a vida produtiva mesma aparece ao homem apenas como um meio para satisfação de uma
carência, a necessidade de manutenção da existência física” (MARX, 2004, p. 84). A divisão
do trabalho em manual e mental (intelectual) possibilita que a atividade espiritual e a
atividade material, o prazer e o trabalho, a produção e o consumo se apliquem a indivíduos
distintos (MANACORDA, 2000).

Desse modo, as atuais relações de produção impedem o pleno desenvolvimento


humano, formando um ser unilateral, estranhado (Entfremdung) e alienado (Entausserung). O
trabalhador não tem acesso não somente aos objetos mais necessários para a produção e
manutenção de sua vida, mas também é despojado dos objetos de trabalho, impedindo-o de
trabalhar, de realizar a atividade que produz sua humanidade. A apropriação do objeto aparece
como estranhamento, pois quanto mais objetos o trabalhador produz, menos ele pode se
apropriar, ficando cada vez mais dominado pelo seu produto, pelo capital (MARX, 2004).

O trabalhador cada vez mais se empobrece enquanto a força criativa do seu trabalho
passa a se constituir frente a ele como força do capital, como “potência estranha” e
ele “se aliena do trabalho como força produtiva da riqueza”. Todos os progressos da
civilização, todo aumento das forças produtivas, enriquecem o capital e não o
trabalho, acrescentam apenas o poder que domina o trabalho, e daí decorre como
processo necessário que suas próprias forças se coloquem perante os trabalhadores
como estranhas (MANACORDA, 2000, p. 50).

Assim, segundo Frigotto (2005), essa atividade assume duas dimensões distintas e
sempre articuladas: o trabalho como mundo da necessidade e o trabalho como mundo da
liberdade.

O primeiro está subordinado às necessidades imperativas do ser humano


considerado em sua condição de ser histórico-natural que necessita produzir os
meios da manutenção de sua vida biológica e social. É a partir da resposta a essas
necessidades imperativas, que, por sua vez, estabelecem uma relativa variação
histórica, que o ser humano pode fruir do trabalho mais especificamente humano –
trabalho criativo e livre ou trabalho não-delimitado pelo reino da necessidade. [...] A
segunda dimensão da centralidade – o principio educativo do trabalho – deriva de
sua especificidade de ser uma atividade necessária, desde sempre, a todos os seres
humanos. O trabalho constitui-se, por ser elemento criador da vida humana, num
dever e num direito. Um dever a ser aprendido, socializado, desde a infância.
27
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Quando não se socializa este valor, a criança e o jovem tornam-se, no dizer de


Gramsci, espécies de mamíferos de luxo, que acham natural viverem do trabalho e
da exploração dos outros. Não se trata aqui de defender a exploração capitalista
infanto-juvenil, que mutila e degrada a vida da infância e da juventude. Trata-se de
apreender que o ser humano – como ser natural – necessita elaborar a natureza,
transforma-la, e pelo trabalho extrair dela bens úteis para satisfazer suas vitais e
socioculturais (FRIGOTTO, 2005, p. 14-15).

O trabalho se encontra então dividido, assim como a sociedade de classes. Dividido


também está o próprio ser humano, unilateral, incompleto. A essência humana aparece como
essência alienada, nega as relações que o homem mantém com o produto e o processo de
trabalho, com sua própria atividade produtiva, e com os outros homens que se defronta no
processo de trabalho (SAVIANI, 2005). O que nos põe a tarefa de voltarmos a abolir a divisão
do trabalho, agora em um patamar mais alto da humanidade (MANACORDA, 2000).

Só quando o trabalho for efetiva e completamente dominado pela humanidade e,


portanto, só quando ele tiver em si a possibilidade de ser ‘não apenas meio de vida’,
mas ‘o primeiro carecimento da vida’, só quando a humanidade tiver superado
qualquer caráter coercitivo em sua própria autoprodução, só então terá sido aberto o
caminho social da atividade humana como fim autônomo (LUKÁCS, 1978, p. 16
apud NOZAKI, 2005, p. 19).

De acordo com Nozaki (2005), a alienação subordinada pelo metabolismo do capital


tem em si uma contradição: por um lado, potencializa as forças produtivas (cria riqueza,
avanços tecnológicos), por outro, cria relações sociais de extrema desigualdade, por não
socializar o resultado do trabalho humano, ou não realizar as mercadorias por ele produzidas.
Para o autor, fundamentado em Marx e Engels, essa contradição refere-se à tensão entre
capital x trabalho que perpassa uma sociedade cindida em classes sociais. Tal contradição cria
crises que compõem a estrutura do capital.

2.2 O reordenamento do mundo do trabalho na dinâmica da sociedade capitalista

As crises são inerentes ao modo de produção capitalista, sendo um movimento


cíclico, desigual e combinado. “Quando o sistema é saudável, recupera-se rapidamente de
suas convulsões. Quanto menos sadio for, porém, mais prolongadas se tornam as
convalescenças, mais anêmicas as recuperações e maior é a possibilidade de que ele ingresse
numa longa fase de depressão (BOTTOMORE, 2012).”
28
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Para superar as crises, a burguesia utiliza em geral de três artifícios: a intensificação


da exploração da força de trabalho, a destruição das forças produtivas e a conquista de novos
mercados. Todavia, essas medidas não eliminam as crises ad aeternum, ao contrário,
alimentam um novo ciclo de acumulação que tende a promover crises mais gerais e violentas,
com os meios para evita-las cada vez mais limitados (MARX E ENGELS, 2010). Cada novo
ciclo tende a demandar modificações no mundo do trabalho.

Desde já está claro que, em virtude desse ciclo de rotações conexas, que abarca uma
série de anos e no qual o capital está preso por uma parte fixa, tornam-se uma base
material para as crises periódicas em que os negócios passam por fases sucessivas de
depressão, animação média, auge, crise. São bem diversos e díspares os períodos em
que se aplica capital. Entretanto, a crise constitui sempre o ponto de partida de
grandes investimentos novos e forma assim, do ponto de vista de toda a sociedade,
com maior ou menos amplitude, nova base material para o novo ciclo de rotações
(MARX, 1987 apud COGGIOLA E MARTINS, 2006, p. 36).

Por exemplo, após a segunda guerra mundial os principais países capitalistas


lograram de um cenário de prosperidade denominado de Estado de Bem Estar Social. Ao
longo de décadas através do modelo taylorista/fordista de produção e de uma concepção de
Estado Keynesiano foi possível manter altas taxas de crescimento da economia, expansão do
consumo acumulado pela produção em massa e a valorização da força de trabalho e de seu
poder aquisitivo (PANIAGO, 2012).

No entanto, no início da década de 1970, novas contradições são colocadas, o


capitalismo entra novamente em colapso e encerra seus anos dourados a partir de mais uma
crise cíclica, denominada de Crise do Petróleo. Nessa ocasião a tendência decrescente da taxa
de lucro foi provocada pelo aumento do preço da força de trabalho, conquistada por intensa
movimentação dos trabalhadores após a segunda guerra mundial (ANTUNES, 1999 apud
NOZAKI, 2011).

Para Antunes (1997) essa foi uma crise mais profunda do que suas antecessoras, pois
demandou intensas modificações no processo de trabalho e de produção capitalista. Trata-se
então de uma crise de caráter estrutural, a mais aguda do século XX. Muito embora esse
caráter estrutural ou permanente seja questionado por alguns autores como Coggiola e
Martins (2006), é consenso que algo muito significativo se alterou na forma que o regime
capitalista vinha funcionando até então. O que não se alterou foi a essência do capital. A
mesma continua – hoje mais do que nunca – cindida em duas classes antagonicamente
29
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

opostas: a burguesia e o proletariado. Onde o primeiro é o detentor dos meios de produção e


explora o segundo que apenas tem sua força de trabalho para vender.

Logo ficou evidente que o modelo taylorista/fordista, baseado na produção e na


racionalização do trabalho e modelo de Estado keynesiano, de intervenção positiva nos
direitos sociais, eram insuficientes para tirar o capital dessa profunda depressão.

De modo mais geral, o período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a
incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao
capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser melhor apreendidas por
uma palavra: rigidez. Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital
fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que
impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em
mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na
alocação e nos contratos de trabalho (especialmente no chamado setor
“monopolista”) (HARVEY, 2010, p. 135).

Diante desse quadro de rigidez buscam-se novos padrões de produtividade e


emergem novos processos de trabalho. Era um período de salto tecnológico. A automação e a
robótica adentraram por completo ao universo fabril, inserindo-se e desenvolvendo-se nas
relações de trabalho e produção do capital (ANTUNES, 1997). O cronômetro e a produção
em série dão lugar a uma produção flexível. O taylorismo-fordismo abre espaço para o
toyotismo e sua possibilidade de realizar mudanças rápidas, como explica Harvey (2010):

A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com
a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos
mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo
surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de
fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente
intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação
flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual tanto
entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego
no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente
novos em regiões até então subdesenvolvidas (tais como a “Terceira Itália”,
Flandres, os vários vales e gargantas do silício, para não falar da vasta profusão de
atividades dos países recém-industrializados) (HARVEY, 2010, p. 140).

Esse não foi um processo unicamente de ruptura com o modelo de produção anterior,
pois, carrega elementos de continuidade e descontinuidade, a acumulação flexível é algo
relativamente distinto do modelo de produção anterior. Antunes (2002) elenca alguns traços
30
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

dos quais o modelo de acumulação flexível ou toyotismo se diferencia do


taylorismo/fordismo:

1) é uma produção muito vinculada à demanda, visando atender às exigências mais


individualizadas do mercado consumidor, diferenciando-se da produção em série e
de massa do taylorismo/fordismo. Por isso sua produção é variada e bastante
heterogênea, ao contrário da homogeneidade fordista; 2) fundamenta-se no trabalho
operário em equipe, com multivariedade de funções, rompendo com o caráter
parcelar típico do fordismo; 3) a produção se estrutura num processo produtivo
flexível, que possibilita ao operário operar simultaneamente várias máquinas (na
Toyota, em média, até 5 máquinas), alterando-se a relação homem/máquina na qual
se baseava o taylorismo/fordismo; 4) tem como princípio o just in time, o melhor
aproveitamento possível do tempo de produção; 5) funciona segundo o sistema de
kanban, placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque. No
toyotismo, os estoques são mínimos quando comparados ao fordismo; 6) as
empresas do complexo produtivo toyotista, incluindo as terceirizadas, têm uma
estrutura horizontalizada, ao contrário da verticalidade fordista [...] (ANTUNES,
2002, p. 31-32 – itálicos do autor).

Ou seja, o mundo do trabalho modificou-se radicalmente. O proletariado fabril,


industrial, manual, diminui nos países de capitalismo avançado em paralelo a uma
heterogeneização da classe trabalhadora15 com o crescimento no setor de serviços. Os patrões
se aproveitaram da grande quantidade de exercito de reserva (desempregados e
subempregados) e do enfraquecimento do movimento sindical para impor regimes e contratos
de trabalho mais flexíveis. Os direitos trabalhistas foram desregulamentados, flexibilizados,
de modo a dotar o capital do instrumental necessário para sua nova fase de expansão. Assim,
direitos e conquistas históricas do proletariado são substituídos e eliminados do mundo da
produção (ANTUNES, 1997; HARVEY, 2010).

Destaca-se o movimento defensivo da classe trabalhadora nesse período. De acordo


com Antunes (1997), os sindicatos abandonaram a perspectiva socialista tão presente nos anos
60/70 aderindo ao acrítico sindicalismo de participação e negociação, que em geral aceitam a
ordem do capital e do mercado, questionando apenas seus aspectos fenomênicos. A derrocada
da União Soviética e o “fim do socialismo” tão propagado pela mídia contribuíram para esse
período de refluxo da classe trabalhadora.

Outra rigidez apontada por Harvey (2010) se dava no instrumento estatal. A


movimentação da classe trabalhadora nos países centrais forçou os Estados a se
comprometerem com programas de assistência (seguridade social, direitos de pensão, etc)

15
Que Antunes (1997) chama de classe-que-vive-do-trabalho.
31
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

justamente em um período em que a rigidez da produção restringia expansões da base fiscal


para gastos públicos.

A forte deflação de 1973-1975 indicou que as finanças do Estado estavam muito


além dos recursos, criando uma profunda crise fiscal e de legitimação. A falência
técnica da cidade de Nova Iorque em 1975 – cidade com um dos maiores
orçamentos públicos do mundo – ilustrou a seriedade do problema (HARVEY, 2010,
p.137).

Dessa forma, longe de uma compreensão de que a crise é um fenômeno próprio do


sistema capitalista, passam a responsabilizar o Estado em sua fase intervencionista pelos
desequilíbrios financeiros e econômicos provocados. Por essa mesma razão, governos,
intelectuais e organizações passam a se atentar para o Estado como sendo um espaço eficaz
para a reversão da crise que supostamente ele mesmo gerou (PANIAGO, 2012). Hayek, por
exemplo, afirmava que era necessária uma disciplina orçamentária por parte do Estado para
conter os gastos com bem-estar e restaurar a taxa natural de “desemprego” para quebrar os
sindicatos, que, segundo ele, gozavam de excessivo e nefasto poder imposição sobre os gastos
sociais do Estado (ANDERSON, 1995).

Essa lógica neoliberal prevaleceu nos países de capitalismo avançado – inclusive em


países com governos de orientação socialista ou socialdemocrata, como na França – a partir
dos anos 80 com a ascensão de Margaret Thatcher ao governo Britânico e Ronald Reagan ao
governo Norte-americano16, cada qual a seu modo. De acordo com Anderson (1995), os
governos Thatcher realizou um dos pacotes de medidas mais ambiciosos dentre as
experiências neoliberais: elevaram as taxas de juros, diminuíram drasticamente os impostos
sobre altos rendimentos, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves,
impuseram uma nova legislação anti-sindical, cortaram os gastos sociais e lançaram um
amplo programa de privatização.

Nos países mais periféricos do capital, a reestruturação produtiva e as medidas


neoliberais começaram a ter força na viragem dos anos 1980 para 1990. O Brasil, dotado de
relevante parque industrial, experimentou tais medidas pela primeira vez com o governo
Collor de Melo que iniciou o processo de privatização, promoveu a reforma interministerial e
colocou à sua disposição uma série de funcionários públicos. No entanto, é com o governo de

16
Embora o pioneirismo em medidas de cunho neoliberal tenha sido sob a ditadura chilena de Pinochet, quase
um decênio antes dos governos Britânico e Norte-americano.
32
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Fernando Henrique Cardoso (FHC) que ocorre a efetiva implementação do neoliberalismo no


Brasil. FHC foi responsável pela implementação das desregulamentações, privatizações
ataque aos salários e aos sindicatos e abertura econômica ao mercado mundial (MACIEL et
al., 2011).

Após os oito anos do governo FHC, a cartilha seguiu a mesma. Por mais que os
governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Roussef tenham surgido do enraizamento do PT
na classe trabalhadora e, até certo ponto, tenham garantido o crescimento dos direitos sociais
através de diversas medidas – bolsa família, bolsa escola, Programa Universidade Para Todos
(PROUNI), etc. –, não romperam com a lógica neoliberal. Muito pelo contrário. Os governos
de conciliação de classes do Partido dos Trabalhadores intensificaram a transferência de
verbas da iniciativa pública para a privada, as privatizações e as reformas trabalhistas,
sindical, previdenciária e universitária (MACIEL, et al., 2011).

Não satisfeita, a burguesia realizou o processo de impeachment à Dilma e a


substituição da presidenta por Michel Temer para aprofundar as medidas que retiram direitos
do proletariado. Desde então, sobre o pretenso discurso de ajuste fiscal, o governo Temer
aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 – que tramitou no Senado como
PEC 55 – que limita os gastos do governo federal pelos próximos 20 anos.
Concomitantemente, atacou a educação e a saúde com a reforma do ensino médio e a reforma
na Política Nacional de Saúde Básica (PNAB). Como se não bastasse essas medidas,
estabeleceu o maior ataque aos trabalhadores brasileiros com a reforma trabalhista, a
aprovação da terceirização das atividades fim, sem contar na provável reforma da previdência.

É possível observar, portanto, que o Brasil está inteiramente integrado à lógica


imperialista mundial e desde o início dos anos de 1990 até os dias atuais segue a cartilha
neoliberal de retirada de direitos da classe trabalhadora ao passo que retira do Estado
responsabilidades que outrora tinha. Cabe ressaltar que também no Brasil a classe
trabalhadora ao longo desse período se encontrou – e ainda se encontra – dispersa e em
posição defensiva frente a esses ataques.

Contudo, por mais que tenha ocorrido uma grande mudança na capacidade de
intervenção estatal em todo mundo a partir do neoliberalismo – com cada país tendo sua
particularidade – isso não significa que o intervencionismo estatal tenha diminuído de modo
geral, pois, em alguns aspectos a intervenção do Estado alcança hoje um grau bem mais
fundamental, por exemplo, no tocante ao controle do trabalho (HARVEY, 2010).
33
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Segundo Frigotto (2003), o ajuste neoliberal se manifesta no campo educacional e da


qualificação do trabalhador por meio de um “rejuvenescimento” da teoria do capital humano,
que se apresenta após a crise fordista, com uma face mais social.

Os grandes mentores desta vinculação rejuvenescida são o Banco Mundial, BID,


UNESCO, OIT e os organismos regionais e nacionais a eles vinculados. Por esta
trilha podemos perceber que tanto a integração econômica quanto a valorização da
educação básica geral para formar trabalhadores com capacidade de abstração,
polivalentes, flexíveis e criativos ficam subordinadas à lógica do mercado, do capital
e, portanto, da diferenciação, segmentação e exclusão. Neste sentido, os dilemas da
burguesia em face da educação e qualificação permanecem, mesmo que
efetivamente mude o seu conteúdo histórico e que as contradições assumam formas
mais cruciais (FRIGOTTO, 2003, p. 145).

A burguesia trata da educação da classe trabalhadora com grande interesse, pelo fato
desta ser um instrumento fundamental para a manutenção da própria burguesia enquanto
classe dominante (MÉSZÁROS, 2005). Isso porque a educação está situada como importante
mediadora de alguns objetivos da classe dominante, como o de “fornecer os conhecimentos e
o pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão do sistema capitalista” (Idem, p.15).
Dessa forma, para a burguesia é necessário qualificar a formação trabalhador, mas não muito,
pois á ela – a burguesia – é interessante que esse novo tipo de trabalhador atenda apenas às
novas demandas da sociedade capitalista, haja visto que o conhecimento é também uma força
na concretização dos interesses dos trabalhadores (FRIGOTTO, 2003).

Ademais, o sistema educacional é utilizado também para “gerar e transmitir um


quadro de valores que legítima os interesses dominantes” (Idem, p.15). Afinal, a classe que
detém os meios de produção e reprodução da vida detém também os meios para a reprodução
espiritual, ou seja, das ideias e valores necessários para a continuidade do processo produtivo,
como afirmara Marx e Engels:

As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou


seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o
seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a
produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção
espiritual, pelo que lhe serão assim, ao mesmo tempo, submetidas em média as
ideias daqueles a quem faltam os meios para a produção espiritual. As ideias
dominantes não são mais do que a expressão ideal [ideell] das relações materiais
dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, das
relações que precisamente tornam dominante uma classe, portanto as ideias do seu
domínio. Os indivíduos que constituem a classe dominante também têm, entre outras
coisas, consciência, e daí que pensam; na medida, portanto, em que dominam como
classe e determinam todo o conteúdo de uma época histórica, é evidente que o fazem
em toda a sua extensão e, portanto, entre outras coisas, dominam também como
34
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

pensadores, como produtores de ideias, regulam a produção e a distribuição de


ideias dominantes da época (MARX E ENGELS, 2009, p. 67).

Assim sendo, a reestruturação produtiva é acompanhada por modificações no plano


econômico, político e também no plano ideológico. Este último tem como marco o fim da
União Soviética e a queda do muro de Berlim para produção de teorias que propagam o fim
da história, fim das ideologias, fim do socialismo, fim das classes sociais... pressupostos
delineadores da visão pós-moderna17 de mundo, que tem forte influência no campo da
educação através de teorias que Duarte (2011) denominou de “pedagogias do aprender a
aprender”18.

O processo de reordenamento do mundo do trabalho, portanto, exigiu mudanças no


conteúdo do trabalho, que por sua vez, demandou, no campo da formação humana, uma
requalificação do trabalhador. Com isso, houve uma redefinição do conteúdo escolar
necessário para a formação da força de trabalho, priorizando disciplinas essenciais para a
formação das competências exigidas pelo mundo do trabalho. Assim, disciplinas como
informática e língua inglesa tornam-se estratégicas, enquanto que outras, como artes e
educação física, são secundarizadas.

A Educação Física sempre teve um papel importante para classe dominante no


capitalismo, devido a sua intervenção na formação física do trabalhador. Desde suas primeiras
sistematizações e de sua inclusão no sistema escolar, teve por objetivo contribuir para a
formação do trabalhador para atender as demandas do capital de determinada época. Segundo
Soares (1994), a Educação Física integra de modo orgânico o nascimento e a construção da
sociedade capitalista, tinha como tarefa atuar na “preparação” do corpo do soldado para a
defesa da pátria e do corpo do trabalhador para torna-lo mais útil ao capital. Enquanto que o

17
De acordo com Arce (2005) “o ideário irracionalista pós-moderno nega a continuidade temporal, a história, a
universalidade. Nele a realidade não é mais objetiva, mas agora é constituída por diferenças, onde subgrupos
com subculturas disciplinam e regulam a vida social com seus micro poderes invisíveis. A objetividade dar lugar
a subjetividade impossibilitando que o individuo possa compreender as medidas e ideias dominantes que regem
seu cotidiano.”
18
Duarte (2005) afirmar que as teorias pedagógicas que compõem o lema do “aprender a aprender” pertence ao
mesmo universo ideológico do pós-modernismo. Um exemplo é a secundarização da ciência na escola, bem
como, a ausência de referências, já que nessa lógica a incerteza passa a se referenciar como a única verdade.
Duarte (2005) ainda estabelece quatro princípios ou posicionamentos valorativos que demonstram realmente o
que significa o lema do “aprender a aprender”. São eles: i) o de que aprender sozinho é melhor do que aprender
com as outras pessoas; ii) que a função da educação escolar não é a de transmissão do conhecimento socialmente
existente, mas sim de levar o aluno a adquirir um método de aquisição – ou construção – de conhecimentos; iii) é
o de que toda atividade educativa deve ser norteada e dirigida pelos interesses e necessidades dos alunos; iv) é o
de que a educação escolar deve levar o aluno a “aprender a aprender”, pois apenas assim ele estará apto a se
adaptar constantemente às exigências da sociedade contemporânea, marcada por um intenso ritmo de mudanças.
35
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

corpo feminino era “preparado” para o desempenho de sua “nobre tarefa” de reprodução dos
filhos da pátria.

A Educação Física será a própria expressão física da sociedade do capital. Ela


encarna e expressa os gestos automatizados, disciplinados, e se faz protagonista de
um corpo "saudável"; torna-se receita e remédio para curar os homens de sua
letargia, indolência, preguiça, imoralidade, e, desse modo, passa a integrar o
discurso medico, pedagógico... familiar (SOARES, 1994, p. 9).

Mesmo dando grande contribuição para a formação do trabalhador no capitalismo, a


Educação Física acaba perdendo espaço no âmbito escolar, como explica Nozaki:

Ao mesmo tempo em que o campo da formação humana se reconfigura atualmente


para formar um trabalhador polivalente, com capacidade de abstração, raciocínio
lógico, crítica, interatividade e decisão; por outro lado, a Educação Física, como
veio sendo gestada pelos modelos hegemônicos, foi sempre vista como uma
disciplina reprodutora de movimentos. Se considerarmos que historicamente, nos
projetos higienistas, militaristas e esportivistas, essa disciplina era ligada, sob o
ponto de vista dominante, a uma formação de corpo disciplinado a obedecer
subordinadamente, adestrado a repetição de exercícios e visando à aptidão física –
modelo estre próprio do fordismo/taylorismo –, acabou perdendo, sob um poto de
vista imediato, sua centralidade na composição do projeto dominante, como
historicamente costumou ter (NOZAKI, 2005, p. 21).

Para que as transformações no mundo do trabalho alcancem o processo de formação


de professores são necessárias mediações entre a formulação geral da proposta e sua
execução, que se dá através do ordenamento legal para a educação brasileira em todos nos
níveis de educação. Dentre esses ordenamentos legais mediadores, destacamos aqui as
Diretrizes para a formação de professores de Educação Física e os processos de resistências às
últimas modificações.

2.3 Modificações nos processos de Formação e atuação em Educação Física

Dessa forma, cabe aqui, retomarmos um pouco do processo histórico de formação de


professores, para compreendermos esse par dialético formação/atuação que é tão presente nos
debates da área desde os anos 80. Esse período marcado pela reabertura democrática no
Brasil, que impulsionou que debates e ideias progressistas, antes cerceados pela ditadura
militar, pudessem ser difundidos abertamente, sem receio da censura e da repressão.
36
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Tendo suas origens marcadas pela influência de militares e médicos, a Educação


Física no Brasil, desde o século XIX, foi entendida como elemento de extrema importância
para forjar um individuo “forte” e “saudável”, bem como, para reeducação da conduta física,
moral e intelectual, necessárias para a consolidação da “nova” família brasileira pós-colonial,
numa perspectiva eugênica e higiênica (CASTELLANI FILHO, 2013). Dessa forma,
fundamentada na perspectiva positivista de ciência, hegemônica na Europa de fins de século
XVIII e XIX, a Educação Física se consolidou no contexto escolar, sendo associada à saúde
corporal.

Como não poderia ser diferente, a formação em Educação Física se inicia dentro das
instituições militares, com a criação de um curso provisório de Educação Física do Exercito
ao final da primeira década do século XX. Os primeiros cursos civis foram criados na década
de 1930, em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas, ainda sob supervisão dos militares.

Segundo Ventura (2011), num recorte contemporâneo, podemos apresentar a


formação profissional em Educação Física em quatro fases. A primeira delas vai até o final da
década de 60. Nesse período, a formação se dava através da licenciatura, direcionada por duas
fontes de conhecimento, ambas sob um forte aparato tecnicista: a biológica e a pedagógica.
Ao egresso era garantida a atuação em todos os campos, tendo dupla habilitação: a de
professor de Educação Física e a de técnico esportivo – que lhe garantia habilitação
automática para ser treinador dos esportes que fossem oferecidos pela grade curricular do
curso.

Nesse primeiro período, a Educação Física tornou-se conteúdo obrigatório no âmbito


escolar para todos os alunos até 21 anos, devido sua função de preparar fisicamente a força de
trabalho. Mas, sua função não se restringia ao espaço escolar, pois também fora da escola
havia uma orientação para a manutenção e recuperação da força de trabalho (CASTELLANI
FILHO, 2013).

Atendia, assim, a Educação Física, fora do sistema oficial de ensino técnico-


profissionalizante – aquele de responsabilidade direta do Estado – a necessidade de,
através de sua ação, colaborar para que a extensão do controle sobre o trabalhador –
tanto por parte de entidades patronais, quanto por parte do Estado, via Ministério do
Trabalho –, se desse para além de seu tempo de trabalho, já por eles administrado,
incorporando dessa maneira, às esferas de ação, tudo aquilo que girasse em torno da
forma como o trabalhador viesse a ocupar o seu tempo de não trabalho, entendendo-
se como tal tanto o tempo de recuperação de sua força de trabalho como também o
seu tempo livre, expressão do tempo livre que lhe restava da adição do tempo de
trabalho ao tempo de recuperação. O propósito de tal ação vincula-se à intenção de
orientar a ocupação do tempo de não trabalho do trabalhador, no sentido de
37
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

relacioná-lo, ainda que indiretamente, ao aumento de sua capacidade de produção


(CASTELLANI FILHO, 2013, p. 74).

À época, o Brasil estava encerrando um ciclo e iniciando outro: era o fim da


hegemonia agrário-exportadora e o início da predominância da estrutura produtiva de base
urbano-industrial (OLIVEIRA, 2003 apud CRUZ, 2009). Dentro desse contexto econômico-
político-social-cultural que a Educação Física é assegurada nos planos educacionais do
governo a partir dos anos de 1930.

A segunda fase começa a ser germinada com o golpe civil-militar em 1964, mas se
inicia, de fato, com a Resolução CFE-69/1969 que institui as primeiras diretrizes do então
Conselho Federal de Educação (CFE). Tal diretriz extingue a certificação de técnico
esportivo, que passa agora é ser uma função inerente ao licenciado e estabelece duas formas
de licenciatura, a curta – um ano de duração – e a plena – três anos –, com algumas distinções
para intervenções no campo de trabalho (VENTURA et al., S/D).

Esse ciclo é marcado pelo desenvolvimento esportivo em todo mundo a partir do


desenvolvimento tecnológico e que teve grandes implicações na formação em Educação
Física como explica Cruz (2009, p. 73):

Após o fim da segunda guerra (em 1945), o mundo assumiu uma nova configuração,
qual seja a divisão em dois blocos, o capitalista liderado pelos EUA e o comunista
pela extinta URSS. O avanço tecnológico na física, química, astronomia foi enorme,
incidindo diretamente na economia e na forma do Estado gerir os investimentos.
Essa polaridade repercutiu também na Educação Física, por meio da formação de
atletas de alto rendimento, a busca pela quebra de recordes, o desenvolvimento de
técnicas que otimizassem o rendimento dos atletas principalmente russos e norte-
americanos (ginástica, basquetebol, voleibol, por exemplo). Estes elementos
contribuíram para o redimensionamento da formação de professores da área (CRUZ,
2009).

Nesse sentido, a Educação Física ainda calcada na perspectiva da aptidão física foi
permeada por uma noção competitivista que privilegiava a formação de professores com base
no tecnicismo, em detrimento de outras competências, como: pedagógica, histórica, política e
crítica (CRUZ, 2009).
38
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Contudo, foi um período em que cresceu o número de cursos de Educação Física a


partir do programa MEC/USAID19 entre o Ministério da Educação Brasileiro e a United
States Agency for International Development. Segundo Taffarel (1993), é durante o período
militar que surgem inúmeros cursos superiores de Educação Física, dando um salto de 4
escolas superiores no Estado de São Paulo em 1968 para 36 em 1975.

Dessa forma, sob o governo militar ditatorial foi destinado grande esforço para que o
desenvolvimento do esporte no Brasil seguisse a lógica mundial. Mas, o empenho dos
militares foi também para que o esporte, através da Educação Física, servisse como
importante instrumento ideológico para camuflar os recorrentes crimes e repressões ocorridas
no período. Assim, o esporte serviu para canalizar em torno de si, os anseios, frustações e
esperanças dos brasileiros, bem como para desarticular as organizações dos trabalhadores, e,
claro, como forma de tornar os trabalhadores mais produtivos nos locais de trabalho
(CASTELLANI FILHO, 2013).

Ao fim da ditadura militar se inicia a terceira fase com a aprovação do parecer


215/87 que instituiu a Resolução CFE 03/87. No julgamento de Ventura (2011) – e também no
nosso – essas foram as diretrizes que mais movimentaram a formação e intervenção
profissional. Com ela há extinção da licenciatura curta, aumenta o tempo do curso para 4 anos
e divide a formação ao implantar o bacharelado, causando um problema na formação e
intervenção no campo que desde então está mal resolvida (VENTURA et al., S/D).

Novamente aqui as modificações na formação são impulsionadas pelo mundo do


trabalho. Era um momento em que havia expansão do setor de serviços, como clubes e
academias de ginástica, gerando novas demandas para a intervenção do professor de
Educação Física. Desse modo, alguns estudos apresentavam argumento favorável à
fragmentação, pois entendiam que a licenciatura não conseguia abarcar essa crescente
demanda nos espaços não escolares ou não-formais (CRUZ, 2009). A criação da titulação do
bacharelado, portanto, visava atender exclusivamente o mercado não escolar que estava em
expansão.

No entanto, poucos cursos de bacharelado em Educação Física foram oferecidos


pelas instituições no Brasil, pois o curso de licenciatura permitia a atuação em ambos os
19
“Programa de cooperação durante o período ditatorial (1964-1985) celebrado entre o Brasil e os EUA para
formar professores nos EUA e trazer professores dos EUA para o Brasil. Os professores brasileiros deviam
aprender o que de mais “avançado” havia na Educação Física com o compromisso de implantá-lo no Brasil. E os
estadunidenses deveriam implantar os sistemas de ensino que atendessem a economia internacional,
principalmente de interesses das corporações dos EUA aqui. Estes sistemas estavam baseados na teoria do
capital humano” (CRUZ, 2009, p. 74-75).
39
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

espaços – escolar e não escolar – o que retirava o sentido da existência do bacharelado. Além
disso, os currículos não expressavam diferença, aumentando o desinteresse das instituições de
ensino em oferecer essa modalidade (SILVA E SOUZA, 2010).

É nesse período também que os setores mais conservadores da Educação Física


ganham força e conseguem, no ano de 1998, aprovar a regulamentação da profissão 20.
Criando assim o Conselho Federal de Educação Física, o primeiro conselho privado do país
(CRUZ, 2009). Ademais, estes setores tiveram grande influência na redefinição da formação e
na instituição do curso de bacharelado, principalmente no quarto estágio do processo
formativo na Educação Física.

A quarta fase, dá-se no início do século XXI, com a aprovação de diretrizes para as
licenciaturas no geral, pelas Resoluções CNE 01 e 02/2002 e no âmbito da Educação Física
com a Resolução CNE 07/2004. O quadro abaixo ilustra as legislações para a formação em
Educação Física ao longo das fases tratadas aqui:

Quadro 2 – Ciclos da formação em Educação Física e as reformulações curriculares.


Fases Decreto/ Resolução Modalidade Duração do
curso
1ª Fase Decreto-Lei 1212/39 Licenciatura em Educação Física 02 anos
Decreto-Lei 8270/45 Licenciatura em Educação Física 03 anos
2ª Fase Resolução Licenciatura em EF e Técnico 03 anos
69/CFE/69 Desportivo
3ª Fase Resolução Licenciatura e/ou Bacharelado em EF 04 anos
03/CFE/87
4ª Fase Resolução Graduado em Educação Física 04 anos
07/CNE/04
Fonte: Adaptado de Cruz (2009).

A atual fase, que tem como marco a instituição das DCNEF a partir da Resolução
CNE 07/2004 é composta por um conjunto de polêmicas e contradições, o que nos coloca a
necessidade de aprofundar um pouco mais em algumas questões.

De antemão, é importante destacar a maneira aligeira e conturbada que se deu o


processo de construção das atuais DCNEF. Não houve uma participação efetiva de

20
A regulamentação da profissão da Educação Física era discutida desde a década de 1940, mas, ainda não sido
forjada a condição ideal para o ataque conservador (NOZAKI, 2011).
40
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

trabalhadores e estudantes da área, o que resultou em uma falta de aprofundamento do debate.


Cabe salientar também as atuações do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), do
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) e do Conselho Nacional de Dirigentes das
Escolas Superiores de Educação Física (CONDIESEF) que contribuíram diretamente para que
o “consenso possível” fosse formado.

Em síntese, o “consenso possível” foi formado justamente em cima dos pontos que
se apresentavam como mais divergentes da área: 1) a fragmentação na formação com a
possibilidade de mais de uma titulação; 2) o “movimento humano” enquanto objeto de estudo;
e 3) a concepção de formação por competências – que aprofundaremos no próximo capítulo.
(TAFFAREL; LACKS, 2005). Como não havia – e ainda não há – consenso nesses pontos,
podemos afirmar que a ausência de consenso aliada à escassa discussão na formulação das
DCNEF não pode resultar em um “consenso possível”, o que se configura como um falso
consenso.

Desse modo, a conformação atual das DCNEF reafirma a lógica da diretriz anterior
de seguir as determinações do mercado de trabalho ao manter a duplicidade na formação –
licenciatura e bacharelado21. As ingerências inconstitucionais do conselho profissional
serviram para intensificar ainda mais essa divisão, pois diante das proibições aos profissionais
licenciados de exercerem seu trabalho no âmbito não escolar, “forçaram” as instituições a
implementarem cursos de bacharelado. Ademais, as DCNEF estão inteiramente alinhadas às
determinações do momento atual do capitalismo:

Este conjunto de determinações “legais” engessou docentes e discentes que teriam


acesso apenas a conceitos aparentes, abstratos o suficiente para que os egressos dos
cursos de Educação Física tenham uma prática pedagógica mecânica, de forma que
suas intervenções fiquem no simples fazer corporal, desejo expresso da sociedade
produtiva. Trata-se de um modelo de competências no qual o futuro professor deve
assumir a responsabilidade individual pela sua formação, não considerando
concepções críticas de que o trabalho pedagógico seja coletivo e político, nem
percebendo que existe uma política global de formação profissional, cuja orientação
é dada por fatores externos, como o Banco Mundial, o BIRD, o FMI, etc., que têm
ditado as políticas públicas para os países em desenvolvimento (VENTURA, 2011,
p. 91).

21
Segundo Dutra (2011), o termo “curso de Graduação em Educação Física” utilizado na Resolução CNE/CES
07/2004 corresponde, ou deveria corresponder, aos cursos de bacharelado em Educação Física, entretanto, a
Resolução não menciona em nenhum momento os cursos de Bacharelado. Dessa forma, a lei ratifica que tanto
os egressos do curso de Licenciatura quanto os do curso de Bacharelado podem atuar no âmbito não escolar, já
que ambos são cursos de graduação. Apesar disso, CONFEF disseminou a ideia de que de que apenas o Bacharel
pode atuar fora da escola numa tentativa de delimitar/limitar o campo de atuação do Licenciado.
41
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Em contraposição às DCNEF e à divisão da formação, há uma constante


movimentação de professores e estudantes de Educação Física nas diversas esferas da luta
política. Há também, uma sólida produção científica que fornece subsídios teóricos concisos
que demonstram como a divisão na formação/atuação do professor de Educação Física é algo
injustificável no que tange a formação integral do ser humano.

A síntese dessas elaborações pode ser encontrada na proposta de licenciatura


ampliada, proposta de formação construída pelo MEEF em conjunto com a Linha de Estudos
e Pesquisas em Educação Física, Esporte e Lazer (LEPEL), e que, para nós, é a mais
desenvolvida na área tendo em vista a formação humana e superação da atual sociedade. A
Licenciatura Ampliada tem como princípios: 1) trabalho pedagógico como base da identidade
do profissional; 2) compromisso social da formação na perspectiva da superação da sociedade
de classes; 3) sólida e consistente formação teórica e interdisciplinar, em que o trabalho de
pesquisa seja um meio para essa formação; 4) articulação entre ensino, pesquisa e extensão; 5)
indissociabilidade entre teoria e prática; 6) tratamento coletivo, interdisciplinar e solidário na
produção do conhecimento científico; 7) articulação entre conhecimentos de formação
ampliada, formação específica e aprofundamento temático; 8) avaliação permanente em todos
os âmbitos e dimensões; 9) formação continuada; 10) respeito à autonomia institucional e
gestão democrática; 11) condições objetivas adequadas de trabalho (EXNEEF, 2009).

Temos a compreensão de que o conceito é a máxima tradução das propriedades


essenciais de um fenômeno. Dessa forma, a proposta deve ser denominada de licenciatura
ampliada – e não bacharelado/graduação ampliado – por dois motivos básicos: 1) a titulação
de licenciado é a única que nos permite legalmente atuar em todos os campos, como vimos
anteriormente – muito embora, a lei não seja sempre parâmetro; e 2) temos a docência como
identidade profissional.

O primeiro é ratificado duas vezes pelo próprio legislador, o Conselho Nacional de


Educação. Primeiramente com o Parecer CNE/CES 400/2005 e depois com o Parecer
CNE/CES 255/2012 que deixam claro que não há impedimento ao licenciado em exercer sua
profissão em espaços não escolares (FURTADO et al., 2016).

Ademais, estudos como o de SILVA (2011) demonstram que não há diferenças


significativas entre os cursos de licenciatura e bacharelado. O autor analisou a grade
curricular de cursos de uma mesma instituição e concluiu que a grade curricular das duas
habilitações são muito semelhantes, “com a maioria das disciplinas sendo as mesmas em
42
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

ambas as formações, o que poderia levar a crer em mesmos perfis de professores, mesmos
conhecimentos e mesmas práticas” (SILVA, 2011, p. 81).

Em virtude da similaridade do conteúdo dos cursos de licenciatura e bacharelado,


algumas instituições que disponibilizam as duas habilitações utilizam de mecanismos para
facilitar a complementação da formação sem prejuízos no tempo da graduação. A maioria das
instituições que fornecem essa alternativa são privadas, mas Furtado et al. (2016) apresentam
o exemplo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS):

Um dispositivo já existente nas normativas legais da UFRGS para cursos de


graduação que preveem dupla habilitação em sua trajetória formativa, adotado
principalmente pelos cursos de Psicologia e Enfermagem que permite que o
estudante ao ter 75% dos créditos de uma habilitação solicite permanência na
universidade para concluir a outra habilitação pretendida. Nesses cursos o estudante
faz inicialmente a formação como Bacharel, pede permanência e conclui através de
complementação pedagógica a Licenciatura. No caso da ESEF/UFRGS, utiliza-se o
mesmo dispositivo, porém de um modo inverso, ou seja, com ênfase na educação o
estudante inicia sua formação em Educação Física pela Licenciatura e solicita
permanência para cursar o Bacharelado (MOLINA NETO et al, 2012, p. 136 apud
FURTADO et al, 2016, p. 775-776).

Nesse sentido, os estudos e a prática social apontam que não há justificativa plausível
para a não unificação dos cursos. Aqueles que defendem a fragmentação precisam, antes de
qualquer coisa, responder cientificamente se há diferença epistemológica na “natureza” e
finalidade do conhecimento dos cursos de licenciatura e bacharelado. Conforme afirma
Nozaki (2017):

A fragmentação da formação profissional (licenciatura e bacharelado), baseada na


formação para ocupações definidas pelos campos/mercado de trabalho trata-se, antes
de tudo, de uma descaracterização epistemológica da área. A formação de
determinada profissão deve se basear em seu estatuto epistemológico, ou seja, na
produção de conhecimento (áreas científicas e da filosofia) ou nas intervenções
sociais (medicina, direito, engenharias...). O bacharelado é a formação específica de
cada uma dessas áreas, enquanto a licenciatura, a formação para a prática
pedagógica. Em formações cuja a intervenção é a prática pedagógica (pedagogia,
educação física), o bacharelado é a própria licenciatura. Assim, o argumento
epistemológico central dos defensores da licenciatura ampliada é de que, seja no
campo escolar ou fora dele, o objeto de formação da educação física é o trabalho
pedagógico. Este é o ponto central para a defesa da inexistência – ou equivalência à
licenciatura – do bacharelado em educação física (NOZAKI, 2017, p. 77-78).

Ancorados nesse debate, passemos ao segundo ponto: a docência como identidade


profissional. Também não são poucos os estudos que apontam que o trabalho pedagógico está
43
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

presente na natureza do processo de intervenção social do profissional de Educação Física


enquanto elemento fundante, que se desenvolveu historicamente por meio das relações sociais
e educativas humanas (CRUZ, 2009).

Isso significa que somos professores em qualquer que seja nosso campo de atuação,
pois é o trabalho pedagógico que baliza nossa intervenção, seja em escolas, academias,
clínicas, clubes, hotéis e outros (TAFFAREL, 1993). Um exemplo dado por Santos Júnior
(2005) é o trato com a ginástica:

Vejamos o exemplo da ginástica. Esta pode ser tratada de forma idealista, calcada na
perspectiva tradicional de ensino, numa concepção de aprendizagem inatista ou
ambientalista. Como seria esta ginástica? Que diferença terá se for trabalhada na
escola, no clube, na academia, no hotel? As respostas a estas questões levarão,
inevitavelmente, a um conjunto de possíveis diferenças aparentes com profunda
simetria na essência. Em qualquer destes elementos ela será trabalhada sob a
perspectiva instrumentalista, utilitarista (SANTOS JÚNIOR, 2005, p. 129).

Nesse sentido, não há distinção de um mesmo conteúdo em diferentes espaços de


atuação. Seja na escola, na academia ou nos serviços de saúde, os conteúdos não mudam. O
que muda é a forma de trabalhar com esses conteúdos. Significa que a diferença está nos
objetivos do trato pedagógico com dado conteúdo em determinados ambientes de trabalho
(DUTRA, 2013).

Para Ventura (2011), esse pressuposto se materializou a partir da inclusão das


Ciências Humanas e Sociais na Educação Física ao longo dos anos, o que foi fundamental
para qualificar o acúmulo histórico feito pelas Ciências da Saúde e reforçar a possibilidade de
uma formação ampla e sólida. Dessa forma, ao invés de dividir cada vez mais a formação para
atender as demandas de mercado, criando um “muro” entre as Ciências Biológicas e da Saúde
e as Ciências Humanas e Sociais, deve-se aproximar esses conhecimentos para garantir uma
formação qualificada.

Nesse sentido, Taffarel e Lacks (2005) apontam a necessidade de o currículo ser


balizado por conhecimentos originários do campo das Ciências Biológicas/Saúde, mas
também das Ciências Humanas/Sociais, da Terra, das Ciências Exatas, da Filosofia e das
Artes, tendo a história enquanto matriz científica na perspectiva de superar a concepção
fragmentada de ciência, na busca pela compreensão do ser humano a partir de como o homem
se torna homem e como se dá o conhecimento. Inclusive, apenas por meio de uma formação
ampla – que para nós se traduz através da proposta de formação ampliada – que podemos
44
REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO E AS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

expandir as possibilidades de diálogo com as demais áreas que dividem o espaço de trabalho
conosco e compreender essa relação em um patamar mais qualificado.

Segundo Santos Junior et al. (2009), a formação em Educação Física deve se dar com
base no domínio de três eixos chave, que se não estiverem articulados comprometerão as
possibilidades de atuação dos futuros professores: i) o domínio dos macro-conceitos da área
(esporte, saúde, lazer, ginástica, etc); ii) o domínio dos fundamentos para o trato com o
conhecimento (teoria do conhecimento X teoria da aprendizagem – como o conhecimento é
produzido e como o ser humano aprende); iii) o domínio dos elementos específicos da
docência (organização do trabalho pedagógico/teoria pedagógica X metodologias específicas).

Sendo assim, a defesa de uma atuação irrestrita passa pela proposição de um


currículo de formação ampliado. Esse currículo deve ser entendido enquanto um fenômeno
histórico, resultado das relações sociais, políticas e pedagógicas que se expressam na
organização de conhecimentos vinculados a formação dos seres humanos. Implica numa
organização interativa, contrariando a lógica formal, fragmentada, e linear que é concebida
atualmente, onde se relacionam conhecimentos pautados nas tradições culturais e científicas
do nível ou área de formação, estabelecidos por questões que emergem do contexto social
(TAFFAREL; LACKS, 2005).

É necessário que o currículo possa dar conta de uma reflexão pedagógica ampliada e
comprometida com as camadas populares, possibilitando a constatação, interpretação,
compreensão e explicação da realidade complexa e contraditória, e, consequentemente, uma
melhor intervenção nos locais de trabalho do professor de Educação Física. Para tanto, é
necessário que haja uma organização dos conteúdos a partir da lógica dialética, questionando
o objetivo e a função social de cada disciplina, buscando situar sua contribuição particular
para a explicação da realidade social (COLETIVO DE AUTORES22, 2012).

22
Coletivo de Autores diz respeito a o livro Metodologia do Ensino de Educação Física formulado por um
conjunto de autores no início dos anos de 1990 de superar o paradigma dominante na Educação Física e
apresentar uma proposta crítico-superadora para área e que até hoje é tida como grande referência. São sete os
autores com compunha esse coletivo: Carmen Lúcia Soares, Celi Nelza Zulke Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino
Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht.
45
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

3. CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO


COM A EDUACAÇÃO FÍSICA

“(de fraqueza e de doença é que a morte Severina


ataca em qualquer idade, e até gente não nascida).”
João Cabral de Melo Neto

Como vimos, as transformações no mundo do trabalho ditam a forma e o conteúdo


da formação da classe trabalhadora e a formação em Educação Física é uma expressão
bastante nítida dessa relação. A conjuntura econômica e política direcionam os processos
formativos na área desde o surgimento dos primeiros cursos, que por meio de uma perspectiva
eugênica e higienista tinham como objetivo forjar um indivíduo “forte”, “saudável” e
estabelecer uma nova conduta física, moral e intelectual, tidas como fundamentais para o
capitalismo emergente. As últimas transformações na área impuseram uma fragmentação na
formação, e, consequentemente, uma fragmentação do conhecimento que vai se expressar na
concepção de saúde por parte do professor de Educação Física, como veremos mais a frente.

A Educação Física, mesmo estando associada à saúde desde o berço, só foi


reconhecida como profissão que também pertence a esta área em março de 1997 através da
Resolução CNS nº 218, principalmente devido à predominância de Doenças Crônicas Não
Transmissíveis (DCNT) e consequente mudança no perfil de morbidade e mortalidade da
população (RODRIGUES et al., 2013). Para o Ministério da Saúde, as DCNT constituem o
principal problema de saúde no Brasil, sendo responsáveis por 70% das causas de mortes no
país. As doenças cardiovasculares, câncer, diabetes, enfermidades respiratórias crônicas e
doenças neuropsiquiátricas, consideradas as principais DCNT, têm motivado um grande
número de mortes antes mesmo dos 70 anos de idade. Além disso, segundo a Pesquisa
Nacional de Saúde – PNS 2013: percepções do estado de saúde, estilos de vida e doenças
crônicas23, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as principais
doenças crônicas não transmissíveis estão associadas a fatores de risco altamente prevalentes,
tais como: tabagismo, alcoolismo, baixo consumo de frutas, nível elevado de colesterol,
excesso de peso e sedentarismo (IBGE, 2014).

23
“A população pesquisada compreendeu moradores de domicílios particulares do Brasil, exceto os localizados
nos setores censitários especiais (quartéis, bases militares, alojamentos, acampamentos, embarcações,
penitenciárias, colônias penais, presídios, cadeias, asilos, orfanatos, conventos e hospitais). A amostra da
Pesquisa Nacional de Saúde - PNS é uma subamostra da Amostra Mestra do Sistema Integrado de Pesquisas
Domiciliares - SIPD do IBGE, cuja abrangência geográfica é constituída pelos setores censitários da Base
Operacional Geográfica do Censo Demográfico 2010, exceto aqueles com número muito pequeno de domicílios
e os setores especiais” (IBGE, 2014).
46
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

Outra pesquisa governamental, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios


24
(Pnad) , realizada pelo IBGE em parceria com Ministério do Esporte também no ano de
2015, aponta que 62,1% dos brasileiros com 15 anos ou mais são sedentários. Isso significa
que 100,5 milhões de brasileiros nessa faixa etária, não praticavam qualquer esporte ou
atividade física. Entre as mulheres esse índice aumenta para 66,6% e reduz entre os homens
para 57,3%. Nesse contexto a Educação Física tem ganhado destaque no SUS, pois, como é
sabido, as práticas corporais/atividade física são elementos importantes no combate às
doenças crônicas. Conforme ressalta Nardi (2013):

Um estilo de vida inadequado acaba aumentando a ineficiência metabólica, que


contribui substancialmente para a quebra da homeostasia corporal. Tal fato,
lentamente, torna o indivíduo mais suscetível a lesões orgânicas, culminando no
desencadeamento de DCNT.
[...]
Além disso, a prática de exercícios físicos de qualquer natureza pode ser uma
maneira definitivamente significativa para prevenir a perda das capacidades físico-
funcionais causadas pelo processo de envelhecimento (NARDI, 2013, p. 19-20).

Dessa forma, o sedentarismo é reconhecido oficialmente como fator de risco para


diversas doenças. O exercício físico, então, pode beneficiar na detecção, prevenção e
administração na prevalência do estado de doenças como hiperlipidemia, hipertensão,
obesidade, adição de nicotina, diabetes “mellitus”, câncer, osteoporose e declínios de força
relacionados à idade (BURNHAM, 1998 apud ANDRADE, 2001).

É notório, portanto, as contribuições da Educação Física para o âmbito da saúde no


que tange as doenças crônicas. No entanto, as possibilidades de contribuição à saúde vão
muito além desses fatores, sendo necessário ampliar o debate e os argumentos que justificam
a presença da Educação Física no Sistema Único de Saúde.

Dessa forma, os dados aqui apresentados nos fazem levantar questões que, para nós,
são fundamentais para a problematização da relação entre Educação Física e que vão
direcionar as discussões neste capítulo trabalho: As possibilidades de contribuições para a
saúde se limitam ao cuidado com doenças crônicas? A prática de atividade física por si só
garante saúde? Quem tem acesso às práticas corporais/atividade física no Brasil? Tais

24
O Pnad decorre da experiência desenvolvida pela pesquisa Diagnóstico Nacional do Esporte (DIESPORTE)
realizada em 2013 por encomenda do Ministério do Esporte e executada por uma rede de seis universidades
públicas federais. Disponível em: http://www.esporte.gov.br/diesporte/2.html.
47
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

questionamentos remontam respectivamente à mercadorização da saúde na sociedade


capitalista e ao “mito” da relação “causa e efeito” entre Educação Física e saúde.

3.1 Mercadorização da saúde

Para essa primeira questão, apresentamos novos dados com relação ao grau de
instrução, a renda mensal e tempo livre dos brasileiros e sua relação com a prática de
exercícios físicos. Ainda segundo o levantamento feito pelo IBGE, 82,7% das pessoas
maiores de 15 anos, sem instrução escolar, não realizam qualquer tipo de esporte ou exercício.
Essa proporção é menor entre os brasileiros com ensino fundamental completo, 63,4%, e
reduz ainda mais entre aqueles com ensino superior completo, 43,3%.

Quando se trata da questão financeira essa relação também é desproporcional. Das


pessoas que ganham menos de meio salário mínimo, 68,9% são sedentários, enquanto que
entre aqueles de 5 salários mínimos para cima, esse percentual cai praticamente pela metade,
34,8% de sedentários. Já a falta de tempo é um argumento bastante utilizado entre os
sedentários, 38,2% aponta a limitação de tempo como principal fator que impede a prática de
exercícios.

Para endossar nossa analise, Palma (2000) levanta um conjunto de pesquisas


realizadas em diversos países, como Estados Unidos, Suécia, França, Grã-Bretanha e Brasil,
em que os autores procuraram identificar as relações entre as condições socioeconômicas e de
trabalho com o processo de adoecimento e/ou nível de sedentarismo da população. A pesquisa
em que fica mais evidente essa relação, foi realizada por Ludmilla Mourão (1999) com
trabalhadoras domésticas/diaristas brasileiras, como relata Palma (2000):

A autora constatou que estas mulheres têm baixa escolaridade; têm que realizar suas
próprias tarefas domésticas (segunda jornada de trabalho); levam três horas para
chegar ao trabalho e quatro para retornar à residência; saem de casa por volta de
quatro e meia da manhã e chegam entre nove e dez da noite; trabalham seis dias na
semana; e, cujo discurso sobre o que fazem no lazer ou tempo livre é: “o cansaço
não deixa fazer outra coisa”, além de dormir ou assistir TV. A autora revela, então,
como estas mulheres trabalhadores têm uma enorme dificuldade de acesso ao lazer
(PALMA, 2000, p. 101).
48
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

O que procuramos demonstrar com os dados acima é que as condições de vida das
pessoas não só limita o acesso ao lazer, mas desloca as condições concretas que possibilitam
essa relação, que possibilitam a prática de exercícios. Em outras palavras, podemos dizer que
o atual modo de produção e reprodução da vida, baseado na propriedade privada dos meios de
produção e no trabalho assalariado, tem feito com que a cultura corporal se torne, cada vez
mais, artigo de luxo e distinção de classe, materializada em suas condições de acesso, seja
através das aulas de educação física nas escolas ou através da intervenção do professor nos
espaços públicos de saúde.

Nesse sentido, a condição material passa a ser o critério para ter o direito de acessar
os serviços do professor de Educação Física. Critério esse excludente, restritivo e injusto, tal
como é a sociedade capitalista e que expõe um paradoxo, pois de um lado temos centenas de
profissionais desempregados ou mal remunerados e, de outro, milhares de pessoas
necessitando da informação e do conhecimento específico, sem acesso (CARVALHO, 2001b).

Para Carvalho (2001b), a iniciativa privada é quem centraliza as atenções e dita o


processo formativo nos cursos de Educação Física. A formação é voltada mais para as
academias, hotéis, clubes, que reproduzem a lógica de consumo e os interesses das indústrias
de cosméticos, de equipamentos, de beleza e de lazer (CARVALHO, 2001b) do que para os
serviços públicos. Segundo Bagrichevsky e Estevão (2005), a figura do personal training
parece ser exemplar nesse quesito, pois além de reproduzir uma lógica privada de acesso aos
serviços do professor de Educação Física, também pode ser considerado um dos símbolos
pontuais na propagação do individualismo exacerbado.

Para tanto, é ampliado o grau de necessidade individual da mercadoria saúde e das


práticas corporais através dos aparatos ideológicos da burguesia, sobretudo, os meios de
comunicação em massa numa corrente que liga o processo de produção dessa mercadoria com
o processo de criação dos desejos e aspirações de adquiri-la (BAGRICHEVSKY; ESTEVÃO,
2005). Faz-se do consumo da saúde um ato unicamente individual de satisfação das
necessidades dentro do poder aquisitivo de cada um (DELLA FONTE E LOUREIRO, 1997
apud BAGRICHEVSKY; ESTEVÃO, 2005).

A transformação da saúde em mercadoria, porém, não é algo recente. Segundo Della


Fonte e Loureiro (1997, p. 130) apud Bagrichevsky e Estevão (2005), a mercadorização da
saúde é fruto de um longo processo de expropriação da mesma, “de perda de sua condição de
‘premissa existencial’ humana para se transformar em algo apenas recuperado e recuperável
no mercado”.
49
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

Segundo Marx (2013), o modo de produção capitalista aparece como uma “imensa
coleção de mercadorias”. As mercadorias são objetos externos, que através de suas
propriedades, satisfazem as necessidades humanas, sejam necessidades materiais ou
espirituais. A utilidade de cada coisa produzida pelo trabalho humano (material e imaterial)
faz dela um valor de uso que se realiza no uso ou no consumo. Ao passo que essa “coisa” é
produzida para satisfazer a necessidade de outrem mediante a troca por outra “coisa” ou a
venda, então essa “coisa” dispõe de um valor de troca. “A mercadoria é a unidade que
sintetiza valor de uso e valor de troca” (NETTO E BRAZ, 2006, p. 80).

Como tudo no capitalismo está passível de se tornar mercadoria, a saúde não foge a
essa lógica, como afirma Almeida Filho (2011):

como todos os objetos significativos nas formações sociais capitalistas, também os


sentidos da saúde têm sido objeto de disputa em relação a distintos modos de
valoração. Numa vertente politicamente conservadora, na forma de procedimentos,
serviços e tecnologias, fatos e atos de saúde têm sido apropriados como mercadoria
(segundo muitos, indevidamente), com valor de uso e valor de troca definidos em
um mercado peculiarmente estabelecido. Nesse sentido, alguns economistas indicam
tratar-se de um pseudomercado, uma vez que o consumo desses bens e serviços não
se exerce plenamente, além de não implicar submissão às leis econômicas de oferta
e demanda (ALMEIDA FILHO, 2011, p. 144).

A saúde, então uma necessidade humana, um direito declarado na constituição


brasileira25, adota agora um valor de troca (BREILH, 2000 apud MATIELLO JUNIOR,
2002), torna-se uma cara mercadoria que é consumida por meio de produtos ou de serviços.
São incontáveis as ofertas de obtenção de saúde por meio de suplementos alimentícios,
fármacos para emagrecimento, tratamentos em spas, seguros saúde... (BAGRICHEVSKY E
ESTEVÃO, 2005) além das academias de ginástica.

O trabalho no âmbito saúde, desse modo, trata-se de uma atividade específica, na


qual seu produto não é material como um objeto, mas não material, um serviço, em que o
produto não se separa do ato de produção. Segundo Marx (1978), o trabalho não material
realizado para troca, pode resultar em duas possibilidades de mercadorias: 1) mercadorias que
existem isoladamente em relação ao produtor, ou seja, mercadorias que podem circular entre o
processo de produção e de consumo, como o caso de livros, quadros e outros produtos

25
O Art. 196. Da constituição brasileira de 1988 diz que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
50
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

artísticos; 2) ou quando o produto não é separado no ato de produção, como uma aula, seja ela
dada em uma escola, clube ou academia.

Desse modo, podemos dizer que a atividade do professor de Educação Física é não
material e “situa-se na esfera produtiva que transforma serviço em mercadoria”
(CARVALHO, 2001a, p.98). De acordo a noção marxista “serviço não é, em geral, senão uma
expressão para o valor de uso particular do trabalho, na medida em que este não é útil como
coisa, mas como atividade” (MARX, 1978, p. 78).

Tratado da saúde como mercadoria, mesmo que brevemente, vamos para a segunda
questão levantada: a relação atividade física e saúde.

3.2 A relação atividade física e saúde

A segunda questão aqui levantada não está dissociada da primeira. Muito pelo
contrário. É a compreensão de que a prática de exercício físico resulta diretamente no ganho
de saúde, desenvolvida nas universidades e disseminada na população, que possibilita
impulsionar a cultura corporal como uma mercadoria necessária de ser adquirida, mesmo que
para isso tenha que se pagar um preço alto por ela. Mas esse argumento também serve para
aquele que não pode pagar ou não tem tempo para realizar exercícios, pois basta realizar 30
minutos de atividade diária – como descer um ponto antes e ir andando para casa quando
estiver retornando do trabalho – que se tornará mais saudável.

De acordo com Carvalho (2001b), os estudos em saúde na área da Educação Física


partem quase sempre da prerrogativa de que o aumento do gasto de energia gera naturalmente
um efeito positivo no estado de saúde. Para tanto, as formulações se baseiam na descrição de
fatores de risco e na formulação de ações que visam o aumento da adesão a prática de
atividade física principalmente através de programas que promovem essa adesão, como o
“agita São Paulo”26.

Desde os primórdios da Educação Física no Brasil a saúde é tratada a partir de bases


das ciências biológicas e médicas. Como bem recordamos no capítulo anterior, foram médicos
e militares que introduziram os primeiros cursos de Educação Física no Brasil, que mesmo

26
Programa criado no Estado de São Paulo para aumentar o nível de atividade física e combater o sedentarismo.
51
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

voltado para o âmbito escolar tinham como principal conteúdo o exercício físico com
orientações higienistas e militaristas. Como também abordam Anjos e Duarte (2009):

Soares (1994) confirma o exposto, ao apontar que nos tempos da ditadura, sob os
preceitos higienistas e militares, as atividades físicas destinavam-se ao
fortalecimento e doutrinação dos corpos, e a isso, sobretudo, se resumia à atuação
dos profissionais de Educação Física, o que regia sua formação essencialmente
técnico-científica, utilitarista, alienada e alienante. Em outras palavras, Carvalho
(2001 apud FREITAS, 2007) coloca que a área fora moldada pelos anseios sociais e
dos tempos, sendo geralmente associada à atividade física, o que reduzia seus
conteúdos e limitava suas possibilidades de ação. (ANJOS; DUARTE, 2009, p.
1131).

De acordo com Bagrichevsky, Estevão e Palma (2006), esses movimentos eugênicos


e higienistas do início do século passado no Brasil, podem ser considerados os precursores
ideológicos da apologia ao “estilo de vida ativo” tão propagado na área até os dias atuais, a
ponto dessas ideias estarem arraigadas no imaginário popular. As ideias difundidas desde
então desenvolveram uma espécie de “mito27” da atividade física, um padrão a ser seguido e
propagado, pois só com uma “vida ativa” é possível garantir não só saúde, mas também o
corpo belo.

A prática da atividade física que se veicula hoje reproduz, portanto, o “deus” das
culturas arcaicas, haja vista que o homem hoje parece que só se reconhece como
“real” no momento em que se contenta em imitar e repetir, no caso, os movimentos
de um outro. Porém, o que sustenta esta reprodução é o padrão de beleza, saúde e
juventude quase mítico em sua conformação (CARVALHO, p. 37-38, 2001a – grifos
da autora).

É evidente que o exercício físico, desde que tomado os cuidados necessários, pode
contribuir beneficamente para a saúde, argumento que, como vimos, é ratificado por
constatações científicas que indicam a inatividade física como fator de risco para doenças
crônico-degenerativas e que apontam como estratégia de promoção da saúde a utilização das
práticas corporais/atividade física em sua prevenção e tratamento à nível mundial (JESUS;

27
O “mito” da atividade física e saúde é um conceito desenvolvido por Carvalho (2001a). A alusão ao “mito”
se dá, pois essa noção de saúde “arcaica”, “foi, como todo ‘mito’, permeado pela realidade moderna” […]
“Transferem-se para padrões humanos, a serem conquistados, as características da divindade ou do ‘extra-
humano’. O padrão estético almejado de beleza, saúde, conservação do corpo torna-se um ‘mito’, que afeta
os desejos dos indivíduos quando estes pretendem corresponder ao padrão mítico” (CARVALHO, p. 37,
2001a).
52
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

COSTA, 2016). Porém, cabe problematizar esse conceito de promoção da saúde28, na medida
em que em posse desse discurso sustenta-se uma política conservadora que reporta a um
determinado padrão (um “mito”) a ser alcançado, “uma dimensão moral que responsabiliza
cada pessoa por seu próprio adoecimento e ignora a dinâmica sistêmica e variada que
influência os estados de enfermidade humana” (BAGRICHEVSKY; ESTEVÃO; PALMA,
2006, p. 26).

Essa linha de pensamento está ancorada em pressupostos epistemológicos que


restringem a compreensão da realidade e do processo saúde-doença, outro aspecto que cabe
uma problematização. São estudos fundamentalmente quantitativos e positivistas, que limitam
as possibilidades de compreensão do objeto (CARVALHO, 2001a) e que propagandeiam a
necessidade se exercitar em qualquer momento e a qualquer modo, pois é mantendo-se
“ativo” que se obtém saúde (BAGRICHEVSKY; ESTEVÃO; PALMA, 2006).

Nesse sentido, segundo Bagrichevsky e Estevão (2006), a noção da exercitação


corporal como parte sine qua non de um ‘estilo de vida’ saudável assume um caráter de
‘estatuto’ ou ‘modelo’ individualista a ser seguido. A Educação Física de possibilidades
criativas e transformadoras da cultura corporal dar lugar a imitação, reprodução e
mecanização de padrões pré-definidos (QUINT et al, 2005). Trata-se de um vasto repertório
de comportamentos recomendáveis que desconsidera diversos aspectos sociais e atribui ao
indivíduo a responsabilidade pela adoção ou não de um ‘estilo de vida ativo’ e pelo seu estado
de saúde.

É bem verdade que há responsabilidade do sujeito na adesão ou não de práticas que


contribuam para a saúde, porém, é preciso considerar que o indivíduo antes de tomar essa
decisão está situado em uma realidade concreta, determinada socioeconomicamente, e muitas
vezes desfavorável. Como diria Marx em o 18 Brumário de Luiz Bonaparte: “Os homens
fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e
transmitidas pelo passado” (MARX, 2008, p. 207).

Nesse sentido, existem circunstâncias construídas historicamente pela humanidade


que limitam a possibilidade de homens e mulheres transformarem sua própria história coletiva

28
A promoção da saúde é um conceito tradicional, definido como um dos elementos do nível primário de
atenção em medicina preventiva. Foi retomado recentemente com um novo discurso, o pensamento médico
social do século XIX, afirmando as relações entre saúde e condições de vida. Tornou-se uma proposta
governamental em alguns países buscando ampliar os enfrentamentos dos problemas de saúde pública para
além de uma abordagem exclusivamente médica (CZERESNIA, 2009).
53
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

e individual. Mesmo uma pequena mudança de hábito requer condições mínimas. Muitas
pessoas não estão em condições de optar por um ‘estilo de vida ativo’, pois estão lutando
apenas para sobreviver, e, como afirma Palma (2000), nesse contexto de extrema pobreza a
atividade física não tem o menor sentido.

Por outro lado, para aqueles que possuem condições concretas de realizar exercícios
físicos com periodicidade e orientação, seja através dos serviços privados ou dos ainda
escassos serviços públicos, há certa tendência em manter uma relação de dependência dos
praticantes para com os professores, equipamentos e instalações (MATIELLO JUNIOR,
2002). É preciso que o professor de Educação Física atue na perspectiva de deslocar o
“sujeito” de uma posição secundária para situá-lo em primeiro plano (CARVALHO, 2001a).

Essa é uma tarefa levantada também pelas diretrizes do NASF, que aponta como um
dos objetivos “desenvolver ações de educação em saúde reconhecendo o protagonismo dos
sujeitos na produção e apreensão do conhecimento e da importância desse último como
ferramenta para produção da vida” (BRASIL, 2009, p.147). Ressaltam também a necessidade
de desenvolver atividades da cultura corporal de maneira coletiva, articulando essas
atividades com problemáticas que perpassam as relações sociais dessas pessoas tendo em
vista a contribuição para uma formação crítica.

As referências que, com ares de cientificidade, reforçam a lógica hegemônica do


“estilo de vida” via comunicação de massa, contribuem para que haja na população praticante
uma sensação de segurança – pseudosegurança – que desmobilizam as pessoas para buscarem
outros aspectos da vida social que interferem no processo saúde-doença. Para Matiello Junior
(2002), é preciso um esforço multiplicado para alertar a população e os professores de
Educação Física sobre as consequências dessas formulações simplistas.

Não é difícil constatar que a prática dos profissionais da saúde seguem essas
simplificações teóricas. Mendonça (2012) ao investigar a atuação de professores de Educação
Física do NASF de Londrina/PR, observou que também na Educação Física ainda é bastante
presente uma visão meramente biológica do processo de saúde-doença. O trabalho
pedagógico desses profissionais a partir dessa concepção de saúde se resumiu ao
aprimoramento das capacidades físicas, sem a troca de saberes necessárias para que haja
criação, reflexão e contextualização das propostas. Isso demonstra a complexidade dessa
concepção e a dificuldade de compreensão por parte de nossa categoria profissional acerca
das determinações do processo de saúde-doença.
54
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

Segundo Solomon (1991, p.48) apud Matiello Junior (2002, p. 58), ideias
intuitivamente atraentes, impregnadas de qualidades ao mesmo tempo lógicas e mágicas, são
difíceis de se dissipar”. Tendo isso em voga, é preciso discutir as concepções de saúde que
perpassam a prática desses profissionais.

3.2 O conceito de saúde

Diante da mitificação sobre a relação entre Educação Física e saúde, é necessário


compreender as concepções de saúde hegemônicas que moldam esse pensamento em nossa
área, bem como apontar a concepção que mais avança na perspectiva da humanização dos
seres humanos.

De antemão é importante salientar que definir saúde é uma tarefa bastante difícil,
pois é preciso levar em consideração a multiplicidade de determinações que há nesse
fenômeno. Tal dificuldade é reconhecida desde a Grécia antiga (COELHO E ALMEIDA
FILHO, 2003 apud SCLIAR, 2007). Trata-se de um problema filosófico, científico,
tecnológico, político, prático (ALMEIDA FILHO, 2011) e também econômico.

A saúde constitui um objeto complexo, referenciado por meio de conceitos (pela


linguagem comum e pela filosofia do conhecimento), apreensível empiricamente
(pelas ciências biológicas e, em particular, pelas ciências clínicas), analisável (no
plano lógico, matemático e probabilístico, pela epidemiologia) e perceptível por seus
efeitos sobre as condições de vida dos sujeitos (pelas ciências sociais e humanas)
(ALMEIDA FILHO, 2011).

O conceito de saúde reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural de


cada época, lugar ou classe social (SCLIAR, 2007). É, portanto, uma expressão do
desenvolvimento das forças produtivas, das relações sociais e da capacidade de os seres
humanos explicarem a realidade concreta de determinado período histórico.

Segundo Carvalho (2001b), o conceito de saúde está historicamente associado ao


conceito de doença. Mesmo no período em que a racionalidade científica, com base na ciência
positivista, ganhou centralidade no campo da saúde, a especialidade e a organização
institucional das práticas foram balizadas não a partir de conceitos objetivos de saúde, mas
55
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

sim de doença, o que está presente também nas práticas de saúde dos dias atuais
(CZERESNIA, 2009).

Segundo Oliveira e Egry (2000), até o século XIX, o modo de interpretar a saúde foi
dividido em duas grandes abordagens: a ontológica29 e a dinâmica. A primeira entendia a
saúde como algo sobrenatural que adentra o corpo humano. A segunda, dinâmica, entendia
como resultado da falta de equilíbrio entre elementos vitais do organismo.

Na ontológica a doença tem um caráter sobrenatural, extra-físico e a busca da cura


se vinculava a práticas de caráter mágico-religioso. A dinâmica enxergava a doença
como uma desarmonia entre forças vitais, reflete o início da ciência positiva e
orientava a busca pela cura na ingestão de substâncias que deviam propiciar o
reequilíbrio da máquina (COSTA, 2012, pag. 156 e 157).

Predominante na Antiguidade, principalmente entre assírios, egípcios, caldeus e


hebreus, a perspectiva ontológica “atribuía à enfermidade um estatuto de causa única e de
identidade e de entidade, sempre externa ao ser humano e com existência própria”
(OLIVEIRA E EGRY, 2000, p. 10). Nesse sentido, o poder e o domínio das enfermidades
eram atribuídos às entidades mágico-religiosas e aos fenômenos naturais (ARAÚJO E
XAVIER, 2014). A doença era compreendida também como fruto do pecado humano, de
desobediência ao mandamento divino, uma forma de controle e punição divina.

Assim, a concepção mágico-religiosa partia, e parte, do princípio de que a doença


resulta da ação de forças alheias ao organismo que neste se introduzem por causa do
pecado ou de maldição. Para os antigos hebreus, a doença não era necessariamente
devida à ação de demônios, ou de maus espíritos, mas representava, de qualquer
modo, um sinal da cólera divina, diante dos pecados humanos. Deus é também o
Grande Médico: “Eu sou o Senhor, e é saúde que te trago” (Êxodo 15, 26); “De
Deus vem toda a cura” (Eclesiastes, 38, 1-9) (SCLIAR, 2007, p.30).

Assim, a relação com o mundo natural era permeada por uma cosmologia que
envolvia deuses e espíritos bons e maus. A região era o ponto de partida para a compreensão
do mundo e de cuidado (CRUZ, 2011). Desse modo, a cura ou as medidas para que as
doenças não se propagassem, eram atribuídas aos deuses e/ou líderes religiosos.

29
Em alguns autores podemos encontrar outras terminologias, como Modelo mágico-religioso ou Xamanístico.
56
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

Essa concepção mágico-religiosa passou a ser questionada por Hipócrates30 (460-377


a.C.) que a considerava um reflexo da ignorância humana (SCLIAR, 2007). Mas, apesar das
modificações históricas, é possível dizer que essa concepção ainda se faz presente nas
interpretações das doenças carenciais, infecciosas e parasitárias (CANGUILHEM, 1978 apud
OLIVEIRA E EGRY, 2000).

Hipócrates, o pai da medicina, como é considerado, apresentou uma visão racional da


medicina, na qual o corpo humano é a unidade organizada e a doença é a desorganização
desse estado, fruto tanto do desequilíbrio dos fluídos (humores) corpóreos (bile amarela, bile
negra, fleuma e sangue), quanto dos fatores ambientais (ALMEIDA FILHO, 2011).

No modelo hipocrático, a saúde era definida como perfeito equilíbrio entre os


humores e desses com os quatro elementos constituintes do mundo: ar, fogo, terra e
água. O tomo intitulado “Ares, água, lugares” abordava os fatores ambientais
ligados à saúde e à doença, antecipando um conceito ecológico de saúde-
enfermidade (ALMEIDA FILHO, 2011, p. 30-31).

Segundo Berlinguer (1987) apud Carvalho (2001a), a preocupação com as doenças


se dava principalmente pelo fato delas interromperem o processo biológico de reprodução da
espécie. Dessa forma, as enfermidades eram a expressão do desequilíbrio entre o ser humano
e o ambiente. Atualmente, a doença pode ser considerada um sinal de desequilíbrio entre o ser
humano para com o outro ser humano, tendo em vista os antagonismos de classes na
sociedade capitalista.

Na Idade Média, houve um relativo retrocesso desse conceito, pois, ainda que
mantidos os princípios Hipocráticos, o Cristianismo retomou a preocupação com a salvação
do espírito (OLIVEIRA E EGRY, 2000). Era a igreja católica que cuidava dos doentes e que
administrava os hospitais não como um lugar de cura, mas como um espaço de exclusão dos
enfermos do convívio social, assim como de abrigo e conforto dos enfermos (SCLIAR, 2007).

O pensamento de Hipócrates influenciou diversos outros teóricos que tomaram suas


ideias como base ou se predispuseram a critica-lo. No entanto, apenas em meados do século
XVIII, que a concepção ontológica passa a perder força, dando espaço à concepção dinâmica
e novas formas de compreensão do processo saúde e doença (BARROS, 2002). Nesse
contexto renascentista de revolução artístico-cultural, assim como do inicio de revoluções
30
Segundo Scliar (2007), os vários escritos que foram atribuídos à Hipócrates e que formam o Corpus
Hipocraticus, possivelmente fora um trabalho realizados por várias pessoas, talvez em um longo período de
tempo.
57
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

política e econômica, há a substituição do poder religioso pelo dos médicos nos hospitais. A
partir daí os doentes passaram a ser classificados de acordo com os sintomas, sendo
registrados de forma sistemática e permanente (BATISTELLA, 2007).

De acordo com Batistella (2007), ao passo que as doenças foram sendo


acompanhadas estatisticamente, o hospital transformou-se em um local de produção de
conhecimento e de ensino para os médicos-aprendizes. O desenvolvimento da anatomia, dos
primeiros medicamentos químicos, do microscópio e as transformações provocadas pelo
capitalismo impulsionaram os avanços científicos na medicina.

Métodos estatísticos, epidemiologia, organização da profissão médica, fisiologia,


avanços tecnológicos, etiologia, a urbanização, epidemias, a industrialização e a
proletarização, as más condições sanitárias e os altos índices de mortalidade
provocaram revolução sobre a medicina e impulsionaram os avanços científicos. A
possibilidade de diagnosticar, compreender, prevenir e curar doenças transformou-se
em prioridade, tendo como principal finalidade o estabelecimento de medidas de
saúde pública e a formação de sanitaristas que, a partir de medidas de controle
social, proporcionassem saúde e uma melhor qualidade de vida para as pessoas
(ARAÚJO E XAVIER, 2014, 2014, p. 4-5).

Nesse contexto emerge a concepção de saúde enquanto ausência de doença. Segundo


Almeida Filho (2011), Christopher Boorse, filósofo americano e estudioso da biologia e das
ciências biomédicas, foi um dos autores que buscou definir essa concepção. Para Boorse, a
saúde pode ser entendida como eficiência funcional enquanto que a doença ou patologia seria
um defeito ou desvio, ou seja, a ausência de normalidade.

Almeida Filho (2011) apresenta uma crítica a essa noção, pois a considera
insuficiente diante da complexidade do processo saúde-doença.

A perspectiva da saúde-como-ausência-de-doença, apesar de conceitualmente


confortável e metodologicamente viável, de fato não dá conta dos processos e
fenômenos referidos a vida, saúde, doença, sofrimento e morte. Do mesmo modo
que o todo é sempre mais que a soma de partes, a saúde é muito mais do que a
ausência ou o inverso da doença. Trata-se de interessante e crucial problema de
lógica, a ser resolvido pela superação da antinomia entre saúde e doença herdada do
modelo biomédico tradicional. Realmente, não encontro qualquer base lógica para
uma definição negativa de saúde, tanto no nível individual quanto no coletivo,
mesmo em suas versões aparentemente mais avançadas e complexas (ALMEIDA
FILHO, 2011, p. 147).
58
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

Para o senso comum, a pessoa que tem saúde é justamente aquela que não está
doente. Porém, Batistella (2007) nos alerta que nem sempre a ausência de sinais e sintomas
indica a condição saudável. Muitas pessoas se consideram normais mesmo tendo algum tipo
de doença. Ademais, a concepção Boorsiniana exclui as dimensões econômicas, social,
cultural e psicológica do processo saúde-doença (ALMEIDA FILHO E JUCÁ, 2002).

Essa concepção fundamenta o modelo biomédico ou mecanicista predominante


atualmente. Caracterizado por enfatizar os aspectos biológicos e individuais e pela abordagem
mecanicista, o modelo biomédico fragmenta tanto a doença como o corpo humano. Nela, há
uma valorização da medicina e dos medicamentos onde o ambiente hospitalar ganha
centralidade, além de desenvolver uma estrutura de conhecimento cada vez mais
especializada sobre cada função e disfunção orgânica (BATISTELLA, 2007; ARAÚJO E
XAVIER, 2014).

As relações de trabalho no espaço multiprofissional se encontram também


extremamente individualizadas e fragmentadas. Cada profissional faz aquilo que lhe cabe,
desconsiderando a articulação entre os conhecimentos da área de saúde e também as
instâncias territoriais, culturais e ambientais (ARAÚJO E XAVIER, 2014).

Nesse contexto, a saúde ainda hoje é frequentemente pensada em termos negativos,


como a ausência de doença ou de enfermidade (OLIVEIRA E EGRY, 2000). Mesmo com
todo o esforço da Organização Mundial da Saúde (OMS) de apresentar um conceito positivo,
“um completo estado de bem-estar físico, mental e social”. Apesar de ser uma louvável
tentativa de definir um conceito geral de saúde e de buscar a superação do pensamento
negativo, a concepção da OMS também carrega consigo diversas crítica.

De antemão, essa é uma concepção irreal e utópica, pois não há a possibilidade de


definir o que é um completo bem-estar ou mal-estar (SEGRE E FERRAZ, 1997). Trata-se de
uma noção extremamente subjetiva que é impossível identificar ou delimitar (ARAUJO E
XAVIER, 2014).

Os possíveis ganhos em abrangência dessa definição trazem consigo o risco de que o


conceito torne-se assim finalidade de toda atividade humana e não de uma atividade
orientada para a saúde. Além disso, trata-se de uma concepção polar, na medida em
um dos pólos está o bem-estar no seu sentido mais amplo, em certa medida
equivalente ao ideal platônico do BEM, e no outro a ausência pura e simples de
circunstâncias biológicas negativas, tais como a doença, a incapacidade ou a morte
(OLIVEIRA E EGRY, 2000, p. 12).
59
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

Para Nogueira e Palma (2003), pressupor a total ausência de problemas é algo


completamente inatingível (NOGUEIRA E PALMA, 2003). Numa organização social, por
mais que se garantam alguns benefícios, há sempre uma zona de conflito que gera um
constante sentimento de "mal-estar" (SEGRE E FERRAZ, 1997). Olhando para o modo de
produção capitalista, percebemos que numa sociedade divida em classes, pautada na
exploração e opressão do homem pelo homem é impossível atingir um completo "bem-estar".

Dessa forma, as críticas feitas a essa concepção referem-se, geralmente, ao fato dela
aparecer como algo absoluto e indivisível, que utiliza de um termo estático como "estado"
para designar um fenômeno que está em constante movimento e de outro termo pouco preciso
como "bem-estar" (OLIVEIRA E EGRY, 2000).

BARBONI (2002) apud COSTA (2009) defende que é necessário partir do


pressuposto que saúde e doença não são processos estanques e isolados, “mas dois estados de
um só fenômeno”. Suas causas são interligadas e expressam um “gradiente de saúde”, que por
sua vez, estão sujeitos a ações conjuntas de fatores biológicos, fatores ambientais, acesso aos
serviços de saúde, e, também, ao estilo de vida.

Ademais, apesar de superar a dimensão meramente biológica, a concepção


desenvolvida pela OMS mantém a fragmentação do ser humano ao separar as dimensões
biológica, psicológica e social.

O próprio conceito ampliado de saúde avança com relação à noção da OMS. Esse
conceito foi fruto das mobilizações em resposta aos regimes autoritários em diversos países da
América Latina nos anos de 1970 e 1980, que no Brasil se expressou no movimento da
reforma sanitária. A síntese desse pensamento foi formulada durante a VIII Conferência
Nacional de Saúde desenvolvido, em 1986, em meio ao processo de redemocratização do
país. A saúde passou a ser compreendida como resultante das condições de alimentação,
habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade,
acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde. Assim, é resultado das formas de
organização social, de produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de
vida (BRASIL, 1986).

Nessa linha, as diretrizes do NASF apontam que a atuação do professor de Educação


Física nesse âmbito deve se basear em princípios como “a compreensão e contextualização
histórica dos fenômenos, conceitos e determinações que envolvem a prática de atividade física
na contemporaneidade [...] todas imbricadas nas relações sociais” (BRASIL, 2009, p.144).
60
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

Recomendam que os profissionais de Educação Física valorizem as manifestações da cultura


corporal em um contexto de “formação crítica do sujeito, da família [...]”, os quais possam
superar o “aprisionamento técnico-pedagógico dos conteúdos clássicos da Educação Física”
(IBID., p.144).

Assim, o trabalho do professor de Educação Física no serviço público de saúde não


pode ser realizado apenas com base na prática regular de exercícios físicos como meio para
tratar e prevenir doenças. Requer um trabalho coletivo na elaboração de projetos com
corresponsabilidades com as equipes de ESF no atendimento de usuários (PEDROSA; LEAL,
2012 apud MARTINEZ; SILVA; SILVA, 2014).

O desafio proposto pelo NASF é o de justamente superar a lógica fragmentada da


saúde para a construção de redes de atenção e cuidado junto a Estratégia de Saúde da Família.
Os profissionais devem atuar com base na integralidade de conhecimentos, apoiando os
profissionais das equipes de Saúde da Família das equipes de Atenção Básica para populações
específicas (consultórios na rua, equipe ribeirinhas e fluviais), “compartilhando práticas e
saberes em saúde com as equipes de referência apoiadas, buscando auxiliá-las no manejo ou
resolução de problemas clínicos sanitários” (BRASIL, 2014, p. 17). Nesse sentido, diante do
modelo médico centrado, a integralidade se apresenta como principal diretriz do NASF.

Dessa forma, deve-se atuar tomando como objeto os aspectos sociais, subjetivos e
biológicos, direta e indiretamente, dos sujeitos e coletivos de um dado território. Isso implica
um conhecimento ampliado com relação ao processo saúde-doença, para além do modelo de
atenção hegemônico no país, baseado no biologicismo, com ações hospitalocêntricas e
centradas na doença e no médico/profissional da saúde, o que também gera uma demanda
para a formação de profissionais com base nas diversas áreas do conhecimento.

O conceito ampliado de saúde, portanto, se contrapõe ao modelo biomédico, cujo


modelo assistencial está centrado no indivíduo, na doença, no hospital e no médico. Os
postulados apresentados na 8ª conferência nacional de saúde busca resgatar a importância das
dimensões, econômica, social e política no processo saúde-doença na sociedade
(BATISTELLA, 2007).

No entanto, assim como o conceito da OMS, essa perspectiva é alvo de críticas,


justamente por sua amplitude. Segundo Batistella (2007), as críticas decorrem da amplitude e
extensão de sua atuação, pois há o risco de se ver medicalizados todos os âmbitos da
existência (trabalho, alimentação, tempo livre, transporte etc). Essa crítica encontra eco em
61
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

autores que têm estabelecido a crítica ao conceito da promoção, como por exemplo, Lefévre e
Lefévre, que afirma que a responsabilização desses outros setores sobre a saúde pode esvaziar
a ação específica do setor saúde em detrimento de ações políticos globais com alto grau de
generalidade (LEFÉVRE E LEFÉVRE, 2004 apud BATISTELLA, 2007). Todavia, alguns dos
autores que estabelecem essa crítica, como Canguilhem (2005) apud (BATISTELLA, 2007),
concede certa primazia à dimensão individual do processo saúde-doença, excluindo os
determinantes sociais de suas preocupações.

Ao resgatar as dimensões econômica, social e política, o conceito ampliado de saúde


se aproxima da compreensão de que o processo saúde-doença é, sobretudo, determinado
socialmente, problema central para as investigações em Medicina Social (MS) e em Saúde
Coletiva (SCL).

Essa concepção se apropria de categorias marxistas, como classe social, tomando


posição na luta de classes ao lado da classe trabalhadora, pois compreende que as relações de
produção capitalista, baseada na exploração do homem pelo homem, promove a desigualdade
socioeconômica, que por sua vez interfere na forma como produz ou reproduz saúde e nos
processos de luta em defesa da saúde e de outro modelo de sociedade. Conforme Breilh
(2008) apresenta como uma das premissas desse conceito:

a premissa de que a distribuição da saúde e da doença, assim como a resposta social


organizada diante das mesmas, é produto dos conflitos que se dão no interior das
sociedades e que estes conflitos formam parte da batalha pelo poder entre as classes
dominantes que articulam distintas estratégias para manter sua hegemonia e
dominação e os diferentes atores como sindicatos, movimentos sociais, etc. Nas
construções teóricas da MS e da SCL, portanto, se estabelece uma articulação entre a
crítica do que é a sociedade, as formas nas quais produz ou se anula a saúde e as
formas com que dela brotam a defesa da saúde e a luta por uma sociedade melhor,
sem a exploração e o espólio próprios da sociedade capitalista (BREILH, 2008, p.
05).

Ainda segundo Jaime Breilh (2008), um dos precursores desse pensamento, a


organização social capitalista produz iniquidades, diferenças abismais na qualidade de vida
das diferentes classes sociais e que também se expressa nas diversas formas de discriminação
de gênero e etnia. Dessa forma, as iniquidades de classe, gênero e etnia produzem diferenças
nas condições de vida através de distintos perfis de saúde, doença e atenção à saúde.

Nesse sentido, as iniquidades em saúde são consideradas injustas e evitáveis.


Injustas, pois independe da escolha dos indivíduos e evitáveis, já que essas desigualdades não
62
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

são produzidas biologicamente, mas sim pela organização social (WHITEHEAD, 1992 apud
BREIHL, 2008).

Dessa forma, partindo da compreensão de que as iniquidades e desigualdades sociais


limita o pleno gozo dos direitos humanos de grande parcela da população, Breilh (2008),
conceitua a saúde como:

uma necessidade básica de qualquer ser humano, uma vez que ela é um requisito
para que os sujeitos possam alcançar as metas que considerem importantes, bem
como para ter uma participação com êxitos na vida social, pelo que, a desigualdade
social em saúde implica um ato imoral e injusto, dado que vários setores da
sociedade não podem satisfazer essa necessidade básica (BREILH, 2008, p. 06).

Asa Cristina Laurell, outra autora que nos ajuda a pensar a saúde a partir dos
determinantes socioeconômicos, define a saúde como uma necessidade humana cuja
satisfação "associa-se imediatamente a um conjunto de condições, bens e serviços que
permitem o desenvolvimento individual e coletivo de capacidades e potencialidades,
conforme aos recursos sociais existentes e aos padrões culturais de cada contexto específico"
(LAURELL, 1997, p. 86).

Sendo assim, a centralidade do problema está no modo de produção. Para Matiello


Junior (2002), há um equivoco – ingênuo ou não – na área da Educação Física quando os
profissionais se dedicam em melhorar os padrões de movimento do homem moderno na
crença de que é o sedentarismo o maior vilão da humanidade. Ao fazer isso, segundo o autor,
deixam de atuar no cerne da questão, ou seja, na organização produtiva que determina o
desgaste dos trabalhadores.

Assim, compreendemos que as análises que tomam como base as determinações


sociais do processo saúde-doença estão mais próximas de apreender a complexidade desse
fenômeno, pois leva em consideração que esse processo está intimamente ligado a forma
como a sociedade se organiza e produz o seu estilo de vida social, como explicam Fonseca,
Egry e Bertolozzi (2006):

Ainda nesta concepção o processo saúde-doença manifesta-se por meio de diferentes


fenômenos cuja frequência e intensidade variam no tempo e no espaço e podem ser
expressos nos níveis: individual ou singular; do grupo social cujo elemento de
ligação dos seus componentes seja o trabalho (primordialmente da classe social); da
estrutura social (FONSECA, EGRY E BERTOLOZZI, 2006, pág. 22).
63
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

Também esse conceito não é isento de críticas. Batistella (2007) levanta uma crítica a
essa concepção – que também é utilizada ao conceito ampliado de saúde – realizada por
Nascimento (1992):

esta concepção situa a saúde e a enfermidade como fenômenos superestruturais que


reproduzem, como uma resultante ou como um reflexo, uma única dimensão
considerada como determinante absoluta: a base sócio-econômica. Assim, aquela
que se propõe como a forma mais progressista e inovadora de conceituar saúde pode
acabar por resultar politicamente pouco operativa ou simplesmente inibidora de
ações efetivas (NASCIMENTO, 1992, p. 302 apud BATISTELLA, 2007, p. 65).

Contudo, tomando o referencial marxista, reivindicado pela determinação social da


saúde, não há uma determinação exclusiva da base econômica. Friedrich Engels em sua carta
a Joseph Block em 1890 nos explica que as relações sociais humanas são determinadas em
última instância pelo modo de produção e reprodução da vida real, mas que há várias outras
mediações nesse conjunto de relações (formas políticas de luta de classes, formas jurídicas,
concepções ideológicas, visões religiosas, família...) que também determinam. Há uma
relação recíproca entre esses movimentos que por causalidade expressam uma síntese
determinada em última instância pelo movimento econômico.

Dessa forma, conceber saúde deve levar em consideração a complexidade de fatores


entrecruzados e a atribuição de sentido às repercussões sociais daí decorrentes e não somente
a busca pela compreensão de terminologias e seus sentidos semânticos (BREILH, 1991 apud
BAGRICHEVSKY E ESTEVÃO, 2005).

Nesse sentido, a Educação Física, em qualquer que seja seu espaço de intervenção,
não pode ficar isenta da realidade concreta da qual emergem seus alunos e alunas; crianças,
jovens, adultos ou idosos; trabalhadores e filhos dessa classe que sofrem com as condições de
trabalho, moradia, educação e acesso aos serviços de saúde. Lembrando os dizeres de Frei
Betto, Silva (1999) apud Quint et al. (2005) alerta justamente para essa questão.

a Educação Física não pode desconsiderar essa realidade social, econômica e


política, de onde submergem corpos de bicho com aspecto humano (...), crianças
sem infância (...), velhos e velhas carcomidos pela negligência do Estado, jovens
com o presente comprometido e o futuro já morto de perspectivas e de onde também
emergem trabalhadores e trabalhadoras vivendo dos efêmeros atos e simulações de
amar, trabalhar e se divertir (SILVA, 1999 apud QUINT et al., 2005, p. 90).
64
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

O quadro abaixo apresenta a síntese das concepções e possíveis explicações do


processo saúde-doença levantas por nós ao longo desse subcapítulo.

Quadro 3 – Síntese das concepções de saúde:


Concepções Síntese
Ontológica Entende a doença como algo sobrenatural, resultado de
ações de forças alheias ao organismo que se introduz
neste por causa do pecado ou de maldição.
Dinâmica Entende a doença como a desorganização do estado
natural do corpo humano, ou seja, um desequilíbrio
entre o ser humano e o ambiente que era provocado
tanto do desequilíbrio dos fluídos (humores)
corpóreos, quanto dos fatores ambientais.
Saúde como ausência de Entende a saúde como o funcionamento normal do
doenças corpo humano, enquanto que a doença ou a patologia
seria um defeito ou desvio dessa normalidade.
Completo bem-estar Entende a saúde como o completo estado de bem-estar
físico, mental e social, ou seja, a ausência de
negatividades.
Conceito ampliado Entende o processo saúde-doença como resultante das
condições de alimentação, habitação, educação, renda,
meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer,
liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços
de saúde.
Determinação Social do Entende o processo saúde-doença como resultado de
Processo Saúde-doença um conjunto de determinantes históricos, sociais,
econômicos, culturais e biológicos, sendo que a
centralidade está no modo de produção.

As concepções de saúde não se resumem a essas apresentadas aqui. Outros modelos


buscam explicar causais do processo saúde-doença, e, portanto, têm sua relevância, tais como:
o modelo sistêmico31 e o modelo da história natural das doenças (modelo processual)32. Dessa
forma, embora ainda de maneira breve, buscamos apresentar as principais concepções sobre o
processo saúde-doença que fundamentam tanto a prática quanto a formação dos trabalhadores
do campo da saúde, e em especial, do professor de Educação Física.

Consideramos que cada forma de explicar o processo saúde-doença expressa uma


determinada concepção de ser humano e de mundo, que por sua vez, expressa, determinados

31
Essa concepção incorpora a ideia de todo, de contribuição de diferentes elementos do ecossistema no processo
saúde-doença, ao passo que ocorre uma mudança em um determinado elemento, todos os outros também se
modificam. Ao incorporar a noção de todo, essa perspectiva busca um contraponto à visão unidimensional e
fragmentada do modelo biomédico (CRUZ, 2011).
32
Esse modelo visa o acompanhamento do processo saúde-doença em sua regularidade. Busca compreender as
inter-relações do agente causador da doença, do hospedeiro da doença e do meio ambiente e o processo de
desenvolvimento de uma doença, mas não aprofundam em aspectos sociais (CRUZ, 2011).
65
CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CONCEPÇÕES DE SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

interesses de classes. Desconsiderar as relações sociais de produção e reprodução da vida


enquanto determinantes para o processo saúde-doença é desconsiderar o ser humano enquanto
ser sócio histórico fundado por e pela atividade de trabalho. Ao mesmo tempo em que é
também desconsiderar a necessidade de transformação da atual sociedade, pautada na
exploração do homem pelo homem.

Apesar das Diretrizes do NASF não apresentarem a defesa de um projeto histórico


claro, a concepção ampliada de saúde aponta para a necessária eliminação das desigualdades
sociais como um dos fatores determinantes no processo saúde-doença. Dessa forma, defender
a eliminação das desigualdades sociais em suas diversas facetas pressupõe defender a
superação de uma sociedade que é, ao mesmo tempo, a raiz das desigualdades e necessita
delas para mantem sua existência.

Nesse sentido, o conceito ampliado de saúde, juntamente com o conceito de


determinação social do processo saúde-doença, se destacam como possibilidades de avançar
na explicação de um fenômeno tão complexo como é a saúde. Dessa forma, tomaremos como
base essas duas concepções para analisar o currículo dos cursos de Educação Física na cidade
de Feira de Santana.
66
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

4. ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

“Não me peça que eu lhe faça uma canção como se deve


Correta, branca, suave, muito limpa, muito leve.
Sons, palavras, são navalhas.
E eu não posso cantar como convém,
sem querer ferir ninguém”
Belchior

Até o momento, levantamos elementos que fundamentam o debate em torno das


problemáticas e embate de projetos na formação de professores de Educação Física. Vimos
que a educação, e, consequentemente, a formação de professores é direcionada pelas
modificações ocorridas no mundo do trabalho de uma sociedade que é fundada na propriedade
privada dos meios de produção e na venda da força de trabalho, ou seja, uma sociedade
capitalista, que atinge sua fase neoliberal (ou imperialista).

Vimos também que é bastante perceptível essas modificações demandas pelo mundo
do trabalho ao olharmos para o percurso histórico da formação em Educação Física. Ademais,
a relação entre a Educação Física e saúde é um ponto não resolvido dentro dos cursos, pois a
compreensão do processo saúde-doença se apresenta de modo raso, sendo a saúde ainda
pensada em termos negativos. Dessa forma, ainda hoje é negligenciado o debate sobre a
transformação da saúde em mercadoria e sobre as determinações sociais no processo
saúde/doença, limitando as possibilidades de compreensão da realidade e, consequentemente,
do fenômeno saúde.

Diante desses elementos, buscamos analisar a relação entre Educação Física e Saúde
nos cursos de Educação Física da cidade de Feira de Santana – BA, motivados pela inserção
do professor de Educação Física no NASF o que demandou novas questões para a formação
profissional. Tomamos como orientação epistemológica o materialismo histórico dialético
objetivando ultrapassar o conteúdo aparente dos documentos oficiais que orientam os cursos
de três instituições do referido município.

Passamos pela fase de Interpretação referencial, que fora precedida pela pré-análise e
pela descrição analítica (TRIVIÑOS, 1987). Assim, após o levantamento e organização do
material a partir de categorias, buscamos investigar a respeito das concepções que balizam
esses cursos. Fizemos isso a partir da identificação das contradições presentes nos
documentos oficiais dos cursos, ou seja, elencando a categoria “contradição” enquanto
categoria do método dialético. No que tange as categorias de conteúdo, buscamos identificar a
67
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

concepção de mundo, concepção de ser humano, a concepção de Educação Física e a


concepção de saúde presentes nesses documentos.

Concordamos com Taffarel (2010) apud Pinto (2012) quanto à compreensão de que a
produção da saúde está intimamente ligada à produção da vida. Isso significa dizer, que para
entender o processo saúde-doença é necessário compreender como se dá a produção da
própria vida, que por sua vez, está vinculada ao modo de produção e reprodução de bens
matérias e imateriais, à estrutura social atual. Assim, para avançar na compreensão da saúde é
preciso compreender a sociedade, o próprio ser humano, bem como as ideias produzidas nesse
contexto.

Nesse sentido, a investigação das concepções de ser humano e de mundo se faz


necessária, pois a explicação de como o homem33 se torna homem e qual a perspectiva
histórica de formação do ser humano, bem como a defesa do modelo de sociedade que
possibilitará essa formação, é elemento fundamental para a estruturação de um currículo em
qualquer curso que seja. O projeto histórico é o eixo em torno do qual se deve definir as
orientações pedagógicas, em nosso caso, defendemos a formação humana e da formação de
professores de Educação Física na perspectiva do projeto histórico comunista, superador do
das relações destrutivas e pauperizantes da sociedade capitalista (TAFFAREL, 2012).

Um projeto histórico aponta para a especificação de um determinado tipo de


sociedade que se quer construir, evidencia formas para chegar a esse tipo de
sociedade e, ao mesmo tempo, faz uma análise critica do momento histórico
presente. Os partidos políticos (embrionários ou não) são os articuladores dos
projetos históricos. A explicitação de como articulamos essas três instâncias parece
ser essencial à própria pesquisa pedagógica. A necessidade de um projeto histórico
claro não é um capricho. É que os projetos históricos afetam nossa prática política e
de pesquisa, afetam a geração dos próprios problemas a serem pesquisados
(FREITAS, 1995, p. 142).

Neste sentido, as diretrizes do NASF também reforçam a necessidade de uma


concepção de homem que direcione a atuação do professor de Educação Física.

O profissional de Educação Física precisa ter clara sua concepção de ser humano a
nortear sua atuação, bem como defendê-la como princípio orientador do
planejamento, da avaliação e das proposições. Assim, frente à conjuntura atual do
mundo, onde se recrudescem as diferenças sociais e econômicas, e do País, onde o
sistema de saúde se propõe como único, além de universal, integral, equitativo e
participativo, a atuação profissional, orientada pela construção e pelo fortalecimento

33
Refere-se ao gênero humano.
68
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

da autonomia do sujeito, parece ser mais próxima do objetivo de melhorar a


qualidade de vida das pessoas.

É também a concepção de mundo e de ser humano que balizam as explicações em


torno do processo saúde-doença, bem como das proposições pedagógicas para a Educação
Física. De forma que dependendo das concepções que fundamentam os cursos de Educação
Física, estes irão apontar para o processo de formação dos seres humanos para uma
determinada direção: para uma formação unilateral que contribui para a manutenção do atual
modo de produção ou em caminho diametralmente oposto, para uma formação omnilateral,
que pela impossibilidade de desenvolver nesse modo de produção, pressupõe a superação da
sociedade capitalista.

Optamos pela análise das propostas de formação de professores de Educação Física


de Feira de Santana pela importância populacional que da cidade e pelo crescente número de
equipes do NASF e de cursos de Educação Física. Destacamos para análise 3 dos 19 cursos
que há no município. Por questões éticas não citaremos os nomes das instituições, já que há
intituições privadas em nossa análise. Dessa forma, para fins expositivos, denominaremos as
instituições com as letras A, B e C.

Para obter os materiais de análise fomos até as instituições para explicar a pesquisa e
entregamos um ofício às coordenações dos cursos, no qual as coordenadoras assinaram se
comprometendo a colaborar com a pesquisa e a disponibilizar os materiais necessários para o
estudo. Esse movimento só não foi realizado na Instituição A, a única instituição pública
analisada, pois já tínhamos acesso à versão digital do Projeto Político e Pedagógico. Assim,
tivemos acesso à versão digital do Projeto Pedagógico do Curso da Instituição B contendo
planos de ensino, ementas e grade curricular. Da instituição C tivemos acesso a uma parte do
material impresso, contendo grade curricular e ementas das disciplinas e outra parte digital
contendo apenas fragmentos do Projeto Pedagógico do Curso, mas esse fato não
comprometeu nossa análise.

Dessa forma, em nossa análise, nos debruçamos sobre os mais recentes materiais
desses cursos que expressam as concepções necessárias para identificar os marcos teóricos
conceituais. Assim, analisamos a Matriz Curricular, o Projeto Político Pedagógico e as
ementas das disciplinas, que por se tratarem de mensagens escritas nos permitem retornar ao
material sempre que necessário, a partir do método de análise de conteúdo.
69
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

4.1 Caracterização dos cursos

O primeiro curso analisado, denominado por nós de instituição A, trata-se de uma


licenciatura. O documento que baliza a formação atual é o Projeto de Recredenciamento,
datado de 2010. Nele se encontram o Projeto Político Pedagógico do curso, a Matriz
Curricular e as ementas das disciplinas obrigatórias. O curso foi implementado com a
justificativa principal de suprir a carência de professores de Educação Física em Feira de
Santana apontada pela 2ª Diretoria Regional de Educação (DIREC 2)34 para a rede de
educação básica e também para suprir a necessidade de professores nos espaços não escolar
que se encontrava emergente, como academias de ginástica, clubes e outros. Essa
característica multidisciplinar da Educação Física se reflete na alocação do curso no
Departamento de Saúde da Instituição, mesmo sendo um curso de licenciatura.

O aspecto da identidade docente é enfatizado no documento oficial do curso,


compreendendo que não existe uma distinção clara entre licenciado e bacharel, há apenas uma
intenção de reserva de mercado para um ou outro. Dessa forma, salientam que não há
efetivamente nenhum aspecto na formação “que diferencie a identificação do profissional do
objeto de estudo da Educação Física ou mesmo dos saberes que deverão ser mobilizados
quando necessários à prática desses profissionais” (INTITUIÇÃO A, 2010, p 22), a não ser no
campo de atuação. E completam:

Um Licenciado em Educação Física, que deverá atuar, através da atividade docente,


nos diversos espaços de inserção dessa área de conhecimento, e que possa no âmbito
da sua formação inicial – e também na formação continuada – constituir-se como um
educador com identidade e dever próprio de um professor-profissional, com
requisitos técnicos, pedagógicos e científicos capazes de qualificar a sua intervenção
profissional (INTITUIÇÃO A, 2010, p. 23).

O currículo inicial, de numeração 523, era regido pela Resolução CFE 03/1987. No
entanto, com o estabelecimento das novas diretrizes para a formação de professores através
das Resoluções CNE/CP nº 01 e CNE/CP nº 02 e também das novas diretrizes para a
formação de professores de Educação Física através da Resolução CNE/CP nº 07/2004 foi
necessária a construção de um novo currículo, dando origem ao atual currículo, de numeração
528. Esse novo currículo busca avançar em diversos aspectos com relação ao currículo

34
Atual Núcleo Territorial de Educação (NTE) – 19.
70
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

anterior, sobretudo na superação do esportivismo exacerbado e do tecnicismo, da ausência de


uma unidade entre teoria e prática, além da modificação de uma matriz curricular carregada
de pré-requisitos o que transmitia uma lógica linear de construção do conhecimento, entre
outros pontos.

Ademais, as novas DCN para a formação de professores instituíram a carga horária


dos cursos de licenciatura e exigiram a presença da prática como componente curricular desde
o início do curso; e do estágio curricular supervisionado a partir da segunda metade do curso.
Dessa forma, a matriz curricular do curso da Instituição A é composta de 3.445 horas. Dessas,
2205 horas são de disciplinas obrigatórias, 240 horas de disciplinas optativas, 200 horas de
atividades complementares, 400 horas de prática como componente curricular e 400 horas de
estágio curricular obrigatório.

As disciplinas são organizadas por áreas de conhecimento, divididos em 10 áreas


diferentes, a saber: Biológicas e Biomédicas; Esportes; Lazer; Atividade Física e Saúde;
História e Fundamentos da Educação Física; Área Pedagógica; Estágio; Prática Curricular;
Formação Científica e Tecnológica; e Atividades Pedagógicas Complementares.

O segundo curso analisado, Instituição B, trata-se de um bacharelado em Educação


Física. O documento oficial que baliza a formação atual é o Projeto Político do Curso, datado
de 2017. Nele se encontram as orientações gerais do curso e da instituição, junto com o
ementário de disciplinas e a matriz curricular. Segundo o Projeto Pedagógico, o curso foi
criado visando atender as necessidades da população tendo em vista o processo de
municipalização da saúde no Estado da Bahia. Considera também a ausência de profissionais
com formação na área em face da demanda gerada pelo crescimento do número de academias,
pela inserção da Educação Física no SUS e pela demanda contínua de implementação da
ginástica laboral como alternativa de recondicionamento físico nas empresas.

Neste cenário, a Educação Física vem se destacando como uma das áreas de maior
expansão nos mais variados contextos (saúde, cultural, social-comunitária,
organizacional, saúde da família, na área não escolar, esportes radicais, atividade
física para grupos específicos, atividade física para adultos e idosos, esportes de
aventuras, esportes da iniciação ao rendimento, atividades alternativas, recreação,
lazer e etc.). As demandas existentes atualmente possibilitam um crescente
reconhecimento social dos resultados oriundos das intervenções específicas da área
da Educação Física, o que contribui para o desenvolvimento da profissão do ponto
de vista acadêmico, científico, cultural, social e ético (INSTITUIÇÃO B, 2017, p.
24).
71
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

O documento também leva em consideração o baixo índice da prática de atividade


física e sua relação direta com o desenvolvimento de doenças crônico degenerativas como
fator importante para justificar a formação de mais profissionais de Educação Física. Assim,
aponta a necessidade de conscientização da população para a mudança do seu estilo de vida e
incorporação da atividade física em seu cotidiano.

O curso conta com uma carga horária de 3,260 horas, em atendimento ao disposto na
Resolução CNE/CES nº 04/2009, que dispõe sobre a carga horária mínima dos cursos de
graduação considerados da área de saúde, bacharelados em modalidade presencial. Contempla
em sua estrutura curricular conteúdos e atividades que contemplam três dimensões
interdependentes: a dimensão da prática de atividades físicas, recreativas e esportivas; a
dimensão do estudo e da formação acadêmico-profissional e; a dimensão da intervenção
acadêmico-profissional.

O currículo articula as unidades de conhecimento de formação específica e ampliada.


A específica se trabalha as dimensões culturais do movimento humano e a ampliada deve
compreender a relação do ser humano com a sociedade, a natureza, a cultura e o trabalho, em
todos os ciclos vitais. As disciplinas são divididas em seis dimensões: Culturais do
Movimento Humano; técnico-instrumental; didático-pedagógica; relação ser humano-
sociedade; biológica do corpo humano; e produção do conhecimento científico e tecnológico.

A Instituição C, terceiro curso analisado, também diz respeito a modalidade de


bacharelado. Tivemos acesso apenas a fragmentos do Projeto Pedagógico do Curso, mas que
não impede a identificação das concepções almejadas. Também tivemos acesso à totalidade
das ementas das disciplinas e da grade curricular.

O currículo é organizado em: 1) Eixos verticais – aqueles que estruturam as vertentes


de conteúdo necessários à formação e podem ser de formação básica ou específica; 2) Eixos
horizontais – formados pelos conteúdos dispostos em cada semestre letivo e que se articulam
por meio de atividades interdisciplinares e por um projeto integrador; 3) Eixos transversais –
responsáveis por desenvolver capacidades e habilidades associadas a temas que
complementam a formação, como Língua Estrangeira, Formação Humanística, Meio
Ambiente e Gestão e Empreendedores.

Ademais, o curso é constituído por conteúdos curriculares obrigatórios que perfazem


um total de 3.200 horas e possui como balizador o trinômio “aptidão física, saúde e qualidade
72
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

de vida” demonstrando que há uma perspectiva de aprofundamento em torno do campo da


saúde.
Passemos então à exposição das concepções.

4.2 Concepção de mundo

De antemão compreendemos que há diversas concepções de mundo e que essa


categoria pode ser interpretada como especificamente subjetiva. Contudo, numa sociedade
divida em classes diametralmente opostas – burguesia e proletariado –, a luta travada entre
essas classes em diversos âmbitos coloca em evidencia a contradição fundamental desta
categoria que diz respeito a manutenção ou superação da sociedade capitalista. Dessa forma,
analisamos os documentos buscando identificar proposições que apontem para a ruptura ou
conservação do modo de produção atual.

De início o documento da Instituição A apresenta algumas metas do Planejamento


Estratégico geral da instituição que servem como base para os direcionamentos do curso,
como no seguinte trecho:

MISSÃO – Produzir e difundir o conhecimento, assumindo a formação integral do


homem e de profissionais cidadãos, contribuindo para o desenvolvimento regional e
nacional, promovendo a interação social e a melhoria da qualidade da vida, com
ênfase na região do semi-árido (INSTITUIÇÃO A, 2010 apud INSTITUIÇÃO A,
2006, p. 15).

O trecho apresenta a postura que a instituição adota de “formação integral do


homem”, que pode ser interpretado como uma formação para além da unilateralidade, ao
mesmo tempo, aponta a perspectiva de formar “profissionais cidadãos”, termo que é bastante
referendado no modo de produção capitalista. No entanto, o texto não destrincha nem
aprofunda nessas questões deixando em aberto o referencial desses termos.

A ausência de um detalhamento nos termos perpassa todo o Projeto Político


Pedagógico. Apesar disso, o documento reconhece a necessidade de o currículo expressar
determinado projeto político e concepção filosófica, pois, há projetos distintos de sociedade
que se confrontam no processo de direcionamento da formação humana.
73
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

Diante disto, percebe-se que a reforma curricular é um movimento coletivo de


ordem teleológica. É movimento por saber-se provisório (histórico), coletivo por que
é social (relações sociais) e de ordem teleológica porque aponta para uma direção,
um alvo.
No que diz respeito à formação humana, essa direção é sempre orientada por
projetos políticos em confronto, cujo ideário delimita a intenção de conservar ou
transformar a realidade/contexto onde o processo de formação torna-se concreto,
enfim, diz respeito a uma determinada concepção filosófica (INSTITUIÇÃO A,
2010, p. 21).

Reconhece também a necessidade de o egresso ser orientado por uma dimensão


política na perspectiva de uma práxis transformadora da realidade social, mas sem aprofundar
no modelo de sociedade a ser construído:

Analisar e debater os dados do contexto em que estiver inserido; promover


momentos de reflexão individual e coletiva que possibilitem uma práxis
transformadora da realidade social; refletir sistematicamente sobre a sua atuação
profissional, problematizando-a, assim como os fatores que a determinam no âmbito
estrutural e superestrutural (INSTITUIÇÃO A, 2010, p. 30).

Ao tratar do perfil profissiográfico do curso de licenciatura, novamente é apresentada


uma perspectiva transformadora que se contrapõe a lógica mercadológica, mas sem
aprofundar se essa transformação também se refere ao modelo de sociedade.

Tendo como referência a perspectiva de que o professor deve ser um sujeito de


transformação, mesmo considerando que essa perspectiva vai contra os princípios da
educação enquanto mercadoria que tem guiado por uma proposição de formação
profissional tecnicista presente, inclusive, nas próprias diretrizes e encaminhamentos
da formação em nível superior (INSTITUIÇÃO A, 2010, 29).

Outro exemplo dessa contradição é quando se refere à intencionalidade docente. O


curso reconhece que a intencionalidade é essencial ao ato docente, pois o mesmo é político,
intencional e defende um determinado projeto de sociedade, haja vista, a inexistência da
neutralidade. Como podemos ver na seguinte passagem fundamentada em Caldeira (2001):
“Agir por intencionalidade significa que nossa ação é política e, portanto, comprometida com
a construção de um determinado projeto de homem e de sociedade, não existindo ação
humana neutra” (INSTITUIÇÃO A, 2010, p. 24). Todavia, o PPP se mostra “neutro” diante
dos projetos de sociedade ao não apontar uma perspectiva a ser seguida na formação em
Educação Física.
74
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

A Instituição B não foge muito a essa lógica. Não apresenta com clareza sua
concepção de mundo, mas em alguns momentos demonstra qual a sua visão de mundo.
Apresenta como princípios gerais que norteia sua missão: qualidade e busca de excelência;
autonomia; preservação dos valores da ética; da vida e da cultura; compromisso com o
desenvolvimento sustentável e auto-sustentabilidade. Assim, tem por missão

produzir, sistematizar e socializar o saber científico e tecnológico, através do ensino


presencial e a distância, da pesquisa e da extensão, ampliando e aprimorando a
formação de pessoas com reflexão crítica, postura ética e solidária, para o exercício
profissional competente, com vista a contribuir para as inovações, evolução
científica e tecnológica, o desenvolvimento local, regional, estadual e nacional e a
construção de uma sociedade autossustentável (INSTITUIÇÃO B, 2017, p. 19).

Nota-se que o curso indica uma formação crítica, ética e solidária tendo como
horizonte a construção de uma sociedade autossustentável. Complementa essa visão
almejando a formação de profissionais dotados de habilidades relacionadas à sua área, mas,
sobretudo, que sejam conscientes de sua cidadania e “comprometidos com os valores éticos
da República, inserindo-se no mercado para construir uma sociedade livre, justa e solidária,
que possibilite plenamente a vida com dignidade” (INSTITUIÇÃO B, 2017, p. 19). Ainda,
pretende que os egressos participem ativamente como agentes transformadores do processo de
desenvolvimento nacional, contribuindo assim, para a redução das desigualdades sociais e
regionais. Encerra esse pensamento com uma citação de Fernandes (1999):

[...] o ensino superior e a universidade só cumprem a tarefa mais pobre de sua


missão se limitarem a transmitir o saber acumulado e a prover a sociedade de
“técnicos de competência” ou “especialistas de alta qualidade”. Elas devem, antes
mesmo da pós-graduação, transmitir o pensamento inventivo e crítico para não
serem simples agentes da reprodução ideológica da ordem existente e da circulação
das elites dentro do complexo sócio econômico e do sistema de poder. Devem atrair
o talento e gerar saber original, pela pesquisa básica em todos os ramos do saber;
Além disso, tem de abrir-se para o conhecimento e a solução dos dilemas sociais da
sociedade brasileira, do mundo e da crise de civilização (FERNANDES, 1999 apud
INSTITUIÇÃO B, 2017, p. 21).

Em outro momento do texto também encontramos a ideia de formar um profissional


que trabalhe constantemente em prol de uma sociedade “mais saudável”, mas que, a nosso
ver, não altera o conteúdo exibido até então. Dessa forma, a instituição B estabelece uma
noção de mundo livre, justo, igualitário, autossustentavél, “saudável”, com a consequente
75
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

redução das desigualdades sociais, mas não desenvolve com mais profundidade esses
conceitos. De resto, a concepção apresentada no documento oficial do curso não apresenta
nenhuma ação mais radical – no sentido de ir à raiz do problema – frente às desigualdades
sociais ou nenhum modelo alternativo de sociedade diante do modo de produção capitalista.

Assim como as outras, a Instituição C segue a ideia de formar um profissional


consciente de sua cidadania e que contribua para construir e fortalecer a democracia. Mesmo
não tendo acesso a totalidade do PPC da instituição é possível identificar esses elementos nos
eixos que tratam da educação dos direitos humanos.

A Educação em Direitos Humanos emerge como uma forte necessidade capaz de


reposicionar os compromissos nacionais com a formação de sujeitos de direitos e de
responsabilidades. Ela poderá influenciar na construção e na consolidação da
democracia como um processo para o fortalecimento de comunidades e grupos
tradicionalmente excluídos dos seus direitos (INSTITUIÇÃO C, 2016, p. 6).

Em outro ponto do texto, ao tratar da educação das relações étnicos-raciais, o


documento aborda a construção de uma sociedade justa, igual e equânime. A Instituição C
compreende que a educação das relações étnicos-raciais “impõe aprendizagens entre brancos,
negros e índios, trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças e a criação de um projeto
conjunto para construção de uma sociedade justa, igual, equânime” (INSTITIÇÃO C, 2016, p.
9).

Porém o destaque maior no texto é dado à formação profissional para cidadania. O


documento aborda por várias essa perspectiva, que é alçada com um eixo importante no
currículo do curso.

O curso induz o desenvolvimento do espírito crítico e da autonomia intelectual, na


medida em que o objetivo maior da educação baseada em competências é “formar
cidadãos, com domínio da profissão”. Por meio desta afirmação fica evidente que
antes de tudo a INSTITUIÇÃO C35 privilegia a formação de um cidadão preparado
para atender as demandas sociais, além de atuar de forma competente no cenário
profissional (INSTITUIÇÃO C, 2016, p. 12).

Nos chama bastante atenção o fato de nenhuma das três instituições aprofundarem
em suas concepções de mundo. A defesa da cidadania e de uma sociedade democrática

35
Substituímos o nome da instituição pelo termo instituição C.
76
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

tornam-se defesas muito vagas caso seus elementos não sejam aprofundados, gerando
interpretações equivocadas sobre a visão de mundo apresentada no currículo ou a
compreensão de que as instituições não se colocam na tarefa de superação da sociedade
capitalista, sendo este o nosso entendimento.

A simples defesa da democracia pode significar a compreensão que na democracia


atual todos têm os mesmos direitos e as mesmas oportunidades e cabe a cada um se empenhar
ou contar com a sorte para ascender socialmente. As desigualdades então são entendidas como
algo natural e devem todos, independente de classe, buscar a harmonia social (ARCE, 2005).

É bem verdade que a defesa da democracia se faz necessária em um momento tão


conturbado politicamente como esse que vivemos no Brasil, com a ascensão de ideias
conservadoras, por vezes fascistas e nazistas, e a retomada de grupos defensores da ditadura
militar. No entanto, a nosso ver, a superação das desigualdades sociais e a construção de uma
sociedade verdadeiramente justa e igualitária só é possível com a superação da democracia
atual, a qual mantém as relações capitalistas de produção.

Ademais, mesmo apresentando aspectos que apontam para o fortalecimento da


democracia, redução das desigualdades, formação crítica e para a transformação da realidade
social, os três cursos não estabelecem uma crítica à sociedade capitalista, fugindo assim da
necessária posição diante da contradição central entre a manutenção e superação desse modo
de produção. Como vimos, a burguesia trata a educação da classe trabalhadora com grande
interesse, pois é através do processo educativo é fundamental para mantê-la enquanto classe
dominante, bem como, para qualificar o trabalhador para atender as demandas atuais do
mundo do trabalho.

Num contexto neoliberal, a educação da classe trabalhadora tem sido desenvolvida


de modo a formar um ser humano flexível, polivalente, com capacidade de abstração e
criatividade subordinadas pelo mercado, pelo capital (FRIGOTTO, 2003). Desse modo, ao se
furtarem da crítica à sociedade capitalista, os três cursos contribuem para a manutenção do
atual modelo de sociedade.

Em se tratando de instituições privadas pode parecer contraditório que queiramos que


esses cursos tomem partido pela superação da sociedade capitalista e da propriedade privada,
princípio fundamental que permite a existência dessas instituições, e de fato é contraditório.
Contudo, somente com o fim dessas relações sociais será possível o máximo desenvolvimento
das potencialidades humanas.
77
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

4.3 Concepção de ser humano

A relação entre a formação e o mundo do trabalho é outro elemento bastante


controverso no currículo da Instituição A, pois, ao mesmo tempo em que assinala a
necessidade de formação sólida que instrumentalize o egresso para atuar em diversos campos,
com ações transformadoras “em face da dinâmica e das exigências dos processos educativos
nos quais ira se inserir no mundo do trabalho”, defende que o professor tenha uma capacidade
de adaptação às novas e emergentes situações, como no seguinte paragrafo que apresenta as
três demandas principais para o perfil do graduado:

A primeira delas relaciona o papel do professor de um campo de conhecimento em


profundas transformações; a segunda refere-se ao professor inserido numa
sociedade aprendente, onde este precisa se adaptar sempre a situações novas e
emergentes, visando a uma progressiva autonomia profissional com condições para
contribuir na produção de conhecimentos e; a terceira e última demanda, de um
profissional que tenha claro para si o que orienta sua ação em nossa sociedade, com
uma concepção clara de sociedade, homem e educação (INSTITUIÇÃO A, 2010, p.
27 – grifos nossos).

Para não ficar em apenas um exemplo, em outro trecho apontam que o egresso

deverá ser capaz de refletir, assim como, de atribuir sentido a sua reflexão, pois
diante dos desafios da sociedade aprendente e da sociedade da informação ele
deverá ser capaz de aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser,
transformando informações em conhecimentos a serem mobilizados em sua prática
docente (INSTITUIÇÃO A, 2010, p. 28).

O “aprender a aprender” indicado no texto expõe uma concepção pedagógica que


pressupõe a manutenção da realidade atual e o amoldamento do trabalhador às suas exigências
do mundo do trabalho. Duarte (2011) engloba no lema pedagógico denominado por ele de
“aprender a aprender”, diversas concepções pedagógicas que mantêm ligações estreitas com o
ideário pós-moderno e a política neoliberal, e, ao fim e ao cabo, contribuem para que o
indivíduo possa compreender a realidade concreta, complexa e contraditória.
78
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

Nesse sentido, aponta-se para um perfil de formação humanística, pautada na busca


por uma base teórica sólida, tendo a pesquisa como eixo curricular e a gestão
democrática como elementos qualificadores da formação. Trata-se de uma formação
que guarda profunda sintonia com uma pedagogia progressista e crítica
(INTITUIÇÃO A, 2010, p. 26).

A pedagogia das competências, outra concepção pedagógica que engloba o lema do


“aprender a aprender”, também foi encontrada no documento analisado. Porém, esta aparece
de forma mais destacada no texto, tendo o termo “competências” mencionado 7 vezes ao
longo do escrito seguindo as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais.

O egresso do curso de Educação Física deve desenvolver as competências que estão


listadas na Resolução CNE/CP nº 01/2002, relativas à formação de professores de
Educação Básica em Nível Superior, e na Resolução CNE/CES nº 07/2004,
concernentes à formação de profissionais de Educação Física em Nível Superior.
Tendo como referência a perspectiva de que o professor deve ser um sujeito de
transformação, mesmo considerando que essa perspectiva vai contra os princípios da
educação enquanto mercadoria que tem guiado por uma proposição de formação
profissional tecnicista presente, inclusive, nas próprias diretrizes e encaminhamentos
da formação em nível superior (INSTITUIÇÃO A, 2010, p. 29).

Logo após apontar a perspectiva de orientação pelas competências, o documento da


instituição A desenvolve um pensamento mais aprofundado sobre a concepção de homem,
agora, numa perspectiva histórica e de humanização dos seres humanos, que vai de encontro
ao que é preconizado pelas competências. No trecho abaixo, o PPP menciona que os egressos
devem ter a

compreensão das relações do homem com a natureza, com os outros homens e


consigo mesmo, o que implica tratar o conhecimento numa perspectiva
interdisciplinar, resultante das necessidades humanas frente a uma sociedade
complexa e contraditória ainda marcada pela exclusão da maioria das pessoas do
acesso aos bens historicamente produzidos – entre eles a Cultura Corporal de
Movimento (INSTITUIÇÃO A, 2010, p. 30).

A Instituição B também segue a perspectiva da formação por competências


designada pelas DCNEF e apresenta contradições semelhantes as que foram encontradas do
documento da Instituição A. A assimilação da orientação das DCNEF é até mais evidente na
Instituição B, já que mencionam isso em alguns momentos do texto como abaixo quando
falam que o curso de Educação Física da instituição
79
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

trabalha dentro destas discussões, abrangendo, como proposto nas Diretrizes


Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, as
competências para atuar de forma ética e comprometida com os referenciais teóricos
e metodológicos, em nível individual e coletivo, através de ações voltadas para
prevenção e promoção da saúde e da qualidade de vida, frente a questões e
demandas de ordem biopsicofisicossocial em diferentes contextos.
Serão desenvolvidas, entre outras, competências que garantam ações de caráter de
conscientização e prevenção em nível individual e coletivo, voltadas à capacitação
de indivíduos, grupos, instituições e comunidades para proteger e promover a saúde
e a qualidade de vida da população, em diferentes contextos e que tais ações possam
ser demandadas (INSTITUIÇÃO B, 2017, p. 27).

No documento oficial o termo competências aparece ao menos 10 vezes. Dessa


forma, busca desenvolver competências, habilidades e atitudes para uma sólida formação e de
natureza crítica e técnica. Assim, apresenta também um discurso contraditório, pois, ao
mesmo tempo em que se fundamenta na perspectiva das competências, propõe uma formação
generalista e crítico-reflexiva.

O Curso de Educação Física tem como fundamento a formação generalista,


humanística e crítica de profissionais que dominem conteúdos, desenvolvam
habilidades técnico-científicas e competência para atuar no contexto sócio-
políticoeconômico em que está inserido, fundamentados no rigor científico, na
reflexão filosófica e na conduta ética... (INSTITUIÇÃO B, 2017, p. 36).

A Instituição C segue essa mesma concepção de formação por competências,


tomando essa perspectiva pedagógica como norteadora do currículo. O termo “competências”
é mencionado ao menos 18 vezes no fragmento de 29 páginas do PPC que tivemos acesso e
por meio dessa concepção busca-se proporcionar o desenvolvimento de competências e
habilidades em diversos em diversos contextos de linguagens sociocomunicativos,
intercultural, socioambiental, tecnocientífico, ético e humano e liderança empreendedora na
sociedade contemporânea. Para tanto, a proposta curricular a privilegia a pertinência, o
encadeamento lógico e a interação de saberes.

No currículo por competências a integração ocorre por meio das atividades


interdisciplinares e do Projeto Integrador que perpassa todos os componentes
curriculares do período, de modo a propiciar o desenvolvimento do perfil de
competências do semestre (INSTITUIÇÃO C, 2016, p. 5).
80
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

Entendem que esse modelo de formação contribui para que os alunos desenvolvam
pensamento crítico e para a formação integral e humana dos alunos. Há um eixo no currículo
designado para estruturar aspectos da formação humanística que contribuam para desenvolver
as habilidades e competências já citadas acima. Além de que, os componentes curriculares de
formação humanística buscam fornecer

uma sólida base de conhecimentos gerais que permitem uma compreensão mais
ampla da formação profissional, estimulando o pensamento crítico e sensibilizando
o estudante para as questões sociais, políticas, direitos humanos, culturais, étnico-
raciais e éticas que envolvem sua atuação como cidadão, pessoa e profissional
(INSTITUIÇÃO C, 2016, p. 8).

O documento ainda destaca a necessária “integração dos saberes que representa a


cisão com a fragmentação dos conteúdos e aponta para uma formação generalista”. No
entanto, essa formação generalista é voltada para que o profissional seja capaz de “se adaptar
as constantes mudanças típicas da atual sociedade tecnológica (p. 18)”. Ainda, se ancoram no
conceito de “laboratividade” – no lugar de empregabilidade – e concebem que as
competências desenvolvidas contribuem para a formação de um trabalhador polivalente “que
pode, quando bem preparado, ser mais autônomo para decidir seu percurso no mundo do
trabalho” (p. 22).

Conforme demonstramos em estudo anterior (ALMEIDA, 2015), as DCNEF são


orientadas pelas pedagogias das competências, concepção pedagógica alinhada às concepções
hegemônicas presentes no Brasil atualmente. Tanto a legislação geral, através das Resoluções
CNE/CP nº. 01/2002 e CNE/CP 02/2002 tanto a legislação específica através da Resolução
CNE/CP 07/2004 apontam para a orientação por competências. Segundo Pinho (2012), a
formação baseada nas competências e habilidades também está presente na maioria das
diretrizes dos cursos considerados da área saúde, das 14 carreiras profissionais da área 11
apresentam essa orientação. Isso nos permite afirmar que há um projeto de formação por
competências em curso no Brasil mediado pelas legislações de âmbito geral e específico tendo
em vista a uniformização dos cursos de formação inicial.

A concepção de competência hegemônica no Brasil atualmente é a desenvolvida por


Philippe Perrenoud. O autor define as competências como “uma capacidade de agir
eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem
limitar-se a eles” (PERRENOUD, 1999, p. 32 apud MARTINS, 2004). Perrenoud aponta que
81
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

a construção das competências encontra-se intimamente ligada a prática social e não a ações
isoladas e descontínuas, ou seja, a partir de situações vividas ou resolutas pelo individuo.
Dessa forma, a formação orientada pelas competências se caracteriza por essa relação
indivíduo-situação que influi sobre os conhecimentos necessários para o individuo resolver as
demandas sociais, que por sua vez, giram em torno das velozes mudanças da sociedade
contemporânea e das adaptações que o mercado de trabalho exige do trabalhador (MARTINS,
2004).

Essa vinculação proposta por Perrenoud, entre a prática social (realidade) e a


construção do conhecimento destaca-se por ter uma positividade explícita e uma negatividade
oculta. O potencial positivo explícito se dá na construção do conhecimento a partir da
realidade social – algo que reconhecemos como bastante relevante, pois abre a possibilidade
de compreender os indivíduos enquanto sujeitos dessa realidade que a efetivam e que poderão
transformá-la –, entretanto, o aspecto negativo ocultado na formação por competência se dá
ao tomar a realidade social atual como sua base valorativa, sendo que os valores
predominantes no momento atual são regidos pela economia de mercado (MARTINS, 2004).

A pedagogia das competências, ao reproduzir essa base valorativa, se apresenta como


braço pedagógico do neoliberalismo, conforme Santos Junior (2005) explica mais
detalhadamente:

Alguns estudiosos que têm tratado da questão das Competências, como MACHADO
(1998); FREITAS (2000); RAMOS (2001), entre outros, indicam que tal referência
constitui-se no braço pedagógico do neoliberalismo à medida que tem como
características – latentes ou patentes – a ênfase no individualismo
(responsabilizando cada uma na sua formação); exacerbação da competição
(quebrando a noção de categoria visto que não há mais uma política global de
formação, mas sim, um rol de competências para se disputar a fim de estar “melhor
qualificado” no sentido da empregabilidade); o fetiche do indivíduo (esta crença
bizarra de que é possível tornar o indivíduo descolado das relações sociais); a
flexibilização e o aligeiramento da formação (entendido como radicalização da
desqualificação da formação dos professores); a ideia do mercado como grande
regulador da qualidade (posto que é “quem” vai dizer no final quem é mais ou
menos competente) e a simetria invertida (desenvolver habilidades que o mercado
exige já na formação acadêmica) (SANTOS JÚNIOR, 2005, p.56-57).

Assim, segundo Taffarel e Santos Júnior (2005), a formação de professores com base
nas competências assume um papel estratégico para a garantia de desenvolvimento
subordinado dos países periféricos, a partir da lógica de ter a educação como um instrumento
de “alívio a pobreza” nesses países, e mais especificamente no Brasil, onde a grande
82
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

estratégia é prometer nos documentos e nunca cumprir na prática. Nessa lógica o sentido da
educação modifica-se. Se antes o professor contribuía na formação para o trabalho, agora
deve ter a capacidade de “transformar o aluno em cidadão mutante, proativo, aspirante ao
trabalho e tolerante nos momentos em que se encontre sem emprego” (SHIROMA;
EVANGELISTA, 2003, p. 86 APUD TAFFAREL; SANTOS JÚNIOR, 2005).

Trata-se da necessidade de formação de um trabalhador flexível que esteja disponível


para as mudanças que ocorrem nos processos de trabalho. Em suma, forma-se para a
empregabilidade ao invés de formar buscando o máximo desenvolvimento das
potencialidades humanas tendo em vista uma formação omnilateral.

4.4 Concepção de Educação Física

O único ponto que está definido claramente no documento da Instituição A é o


objeto de estudo da Educação Física: a Cultura Corporal de Movimento. Apesar de citar em
dois momentos a perspectiva pedagógica da Cultura Corporal, é a cultura corporal de
movimento que fundamenta o eixo epistemológico do curso.

Assim, o primeiro aspecto em referência à concepção filosófica que dará base à nova
formação do Licenciado em Educação Física, trás em seu bojo a compreensão da
Educação Física como uma área de intervenção historicamente construída que têm
seu eixo epistemológico de estudo nos elementos da Cultura Corporal de
Movimento.
Ao considerarmos a Cultura Corporal de Movimento como eixo epistemológico
deste curso, defende-se que tal matriz teórica constitui-se como totalidade formada
pela interação de distintas práticas sociais da atividade humana, tais como a dança, o
jogo, a ginástica, as lutas, a capoeira e o esporte que, por sua vez, ganham forma
através das práticas corporais. Como práticas sociais, refletem a atividade produtiva
humana de buscar respostas às suas necessidades. Compete assim à Educação Física,
dar tratamento pedagógico, na escola ou em outros espaços educativos, aos temas da
Cultura Corporal de Movimento, reconhecendo-os como dotados de significado e
sentido, portanto construídos historicamente, tendo, dessa forma, como objeto de
estudo a expressão corporal como linguagem (INSTITUIÇÃO A, 2010, p. 21-22).

A Cultura Corporal de Movimento é designada enquanto objeto de estudo da


Educação Física pela proposição pedagógica crítico-emancipatória36. Segundo Silva (2011),

36
Segundo Silva (2011), a abordagem crítico-emancipatória foi desenvolvida nos anos 1980 e 1990 enquanto
perspectiva que se conta hegemônica na área, tendo em vista fomentar um prática pedagógica com interesses
transformadores da realidade circundante. O principal precursor dessa abordagem é o professor Elenor Kunz
83
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

essa concepção está vinculada a concepção de unilateral de homem, uma vez que delimita a
educação apenas à formação da consciência dos homens como fica evidente a partir da ideia
de “uma educação de crianças e jovens para a consciência crítica e emancipada” (KUNZ,
2004b, p. 9-10 apud SILVA, 2011). Segundo o autor, essa perspectiva apresenta o projeto
histórico que baliza a concepção e evita citar termos como “dialética” e “projeto histórico”, no
entanto, compreende que a estrutura social tem papel preponderante no destino do ser humano
e que mudanças realmente concretas somente acontecem de forma juntamente com o conjunto
de mudanças na estrutura sócio-político-econômica (KUNZ, 2004 apud SILVA, 2011).

Ainda que a proposição crítico emancipatória avance em relação às concepções


dominantes da Educação Física37 como na preocupação em capacitar o aluno para “conhecer,
reconhecer e problematizar os sentidos e significados nesta vida, através da reflexão crítica”
(KUNZ, 2004 apud SILVA, 2011), tal perspectiva se pauta na fenomenologia enquanto teoria
do conhecimento. A fenomenologia “é uma concepção que se fundamenta, principalmente, na
capacidade de interpretação do próprio pesquisador. Quer dizer, é o pesquisador que termina
decidindo o que é isso, o que é aquilo” (ESCOBAR, 2012, p. 129-130). No entanto, a
realidade existe de maneira independente do que pensamos sobre ela, ou seja, a realidade
existe independente da consciência dos indivíduos sobre ela.

A Instituição B, por sua vez, também deixa evidente sua concepção e se baseia na
perspectiva do Movimento Humano, compreendendo que a prática de suas manifestações e
expressões culturais devem orientar a formação e atuação profissional na educação física em
suas diversas possibilidades.

Na perspectiva da Educação Física, a prática das manifestações e expressões


culturais do movimento humano é orientada para a promoção, a prevenção, a
proteção e a recuperação da saúde, para a formação cultural, para a educação e
reeducação motora, para o rendimento físico-esportivo, para o lazer, bem como para
outros objetivos decorrentes da prática de exercícios e atividades físicas, recreativas
e esportivas a dimensão do estudo e da formação acadêmico-profissional e; a
dimensão da intervenção acadêmico-profissional (INSTITUIÇÃO B, 2017, p. 43).

sendo as primeiras elaborações os livros “Ensino e Mudança” (1991) e “Transformação didático-pedagógica do


esporte” (1994).
37
Silva (2011) utiliza as sistematizações de Castellani Filho (2008) e Darido e Rangel (2008) em relação às
concepções pedagógicas da Educação Física. Castellani Filho ao fim da década de 1980 agrupos as concepções
em três tendências: i) da Biologização da Educação Fisica; ii) da Psico-pedagogização da Educação Física; iii) e
da tendência emergente que se vincula a uma proposta transformadora de Educação Física. Sendo as duas
primeiras consideras dominantes na área. Já Darido e Rangel organizaram as concepções dominantes na área em:
i) higienista; ii) militarista; iii) esportivista; iv) e recreacionista.
84
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

A perspectiva do Movimento Humano localizada na concepção Desenvolvimentista38


de Educação Física, compreende como objetivo básico da Educação Física a “aprendizagem
do movimento” e assume que é tarefa do professor o desenvolvimento das capacidades
perceptivo-motoras e das capacidades físicas. Dessa forma, Silva (2011) argumenta que esta
concepção está vinculada a uma formação unilateral, principalmente por restringir a formação
apenas ao desenvolvimento de habilidades motoras. Ao não definir sua concepção de projeto
histórico, a concepção desenvolvimentista será o aspecto político do pedagógico, “atrelando-
se a uma teoria educacional tradicional (pedagogia tradicional) sintonizada com o
desenvolvimento do projeto histórico capitalista” (SILVA, 2011, p. 61).

A Instituição C é que apresenta sua concepção de forma mais confusa. Primeiro, o


documento apresenta a concepção de Cultura Corporal de Movimento como norteadora da
formação do Bacharel, compreendendo seus conteúdos como historicamente vinculados à
Educação Física como ginástica, jogos, lutas, das e esporte.

A formação do Bacharel em Educação Física está baseada nos três Pilares que
configuram as macro áreas de atuação do Bacharel, a saber: Esporte, Lazer e Saúde,
todos permeados pelos conteúdos da cultura corporal de movimento historicamente
vinculados à Educação Física que são a ginástica, o jogo, as lutas, a dança e os
esportes (INSTITUIÇÃO C, 2016, p. 5).

Mais a frente, ao tratar dos planos didáticos, se expressa (torna-se...) a perspectiva da


Atividade Física/Movimento Humano, entendendo que as expressões culturais desta
concepção se dão através das diferentes manifestações da cultura corporal das atividades
físicas nas formas de ginástica, jogos, lutas danças, lazer, recreação e outros.

Em todo caso, apresenta as duas concepções indicadas nas instituições A e B, e,


como vimos, ambas refletem concepções de homem e de mundo em consonância com o atual
modelo de sociedade. De acordo com a análise de Silva (2011), a proposição pedagógica para
a Educação Física que apresenta a construção/consolidação da teoria da prática e como
elemento fundamental a formação omnilateral é a perspectiva crítico-superadora. Essa
concepção defende enquanto objeto de estudo e ensino da Educação Física as atividades que
configuram uma ampla área da cultura, denominada de cultura corporal.

38
A abordagem Desenvolvimentista tem como o Go Tani principal teórico. Entre os principais livros está
“Educação Física Escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista” (1988), escrito por Tani e
colaboradores.
85
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

4.5 Concepção de Saúde

Buscamos identificar a concepção de saúde não só através do Projeto Político


Pedagógico dos cursos, mas também das ementas dos componentes curriculares que tratam da
relação atividade física/saúde. Para tanto, fizemos levantamento das disciplinas que tenham
em seu título ou ementa as palavras: “saúde”, “saúde coletiva” e/ou “saúde pública”.

As três instituições analisadas ainda que, em alguns momentos dos seus respectivos
documentos, usem termos que dão a entender uma posição de ruptura com o modelo
biomédico de pensar a saúde, também usam termos que nos permitem inferir uma concepção
reducionista no modo de compreender o processo saúde-doença. Novamente, há ausência de
uma defesa clara e aprofundada da concepção de saúde que baliza a formação nesses cursos
de Educação Física, interfere diretamente.

A Instituição A é a que aborda menos os aspectos relacionados à saúde em seu


currículo. Em se tratando de uma licenciatura nos parece que as abordagens em torno da
saúde foram subsumidas aos aspectos pedagógicos e esportivos, embora o PPP do curso
compreenda de forma correta que o licenciado pode atuar em todos os campos de atuação e
direciona seu processo formação tendo em vista essa compreensão.

O documento do curso cita que o eixo “Atividade Física e Saúde” deve tratar de
“aspectos da relação atividade física e saúde inserida na superação do entendimento dos
elementos de causa e efeito será a tônica desta área” (INSTITUIÇÃO A, 2010, p. 38) o que
indica a compreensão de uma noção ampla de saúde/doença, mas que não é desenvolvida,
nem sequer mencionada em nenhum outra passagem do texto.

O outro elemento citado no documento da Instituição A é o termo “promoção da


saúde”. Ele aparece nas ementas das disciplinas “Atividade física e saúde coletiva” e
“treinamento desportivo”, mas também de forma bastante pontual demonstrando pouco
aprofundamento nos aspectos relacionados à saúde.

A “promoção da saúde” se expressa com maior frequência no documento das


Instituições B e C, sendo tratado como um dos objetivos da intervenção profissional. Essa
presença mais frequente do conceito pode ser explicado pelo fato de seres cursos de
bacharelado, o que historicamente têm implicado uma ênfase maior no âmbito da saúde em
relação a outros aspectos da área, mesmo que no geral a formação não seja tão distinta da
licenciatura, conforme já explicamos através do estudo de Silva (2011).
86
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

No PPC da Instituição B a “promoção da saúde” está articulada com a prevenção,


proteção e recuperação da saúde tendo em vista a qualidade de vida em nível individual e
coletivo, como no trecho abaixo:

Na perspectiva da Educação Física, a prática das manifestações e expressões


culturais do movimento humano é orientada para a promoção, a prevenção, a
proteção e a recuperação da saúde, para a formação cultural, para a educação e
reeducação motora, para o rendimento físico-esportivo, para o lazer, bem como para
outros objetivos decorrentes da prática de exercícios e atividades físicas, recreativas
e esportivas a dimensão do estudo e da formação acadêmico-profissional e; a
dimensão da intervenção acadêmico-profissional. (INSTITUIÇÃO B, 2017, p. 43).

Também nas ementas das disciplinas da Instituição B a noção de “promoção da


saúde” está presente trazem. Isso fica expresso nas ementas de três disciplinas da grade
regular do curso: “medidas e avaliação em educação física”, “exercício físico para grupos
especiais” e “projeto multidisciplinar”. Nesses dois últimos componentes curriculares
acrescenta-se a ideia de que o “educador físico” atua como um “agente promotor de saúde”.

A Instituição C também menciona a promoção da saúde no momento de apresentar o


perfil desejado para cada semestre. Menciona que no 6º período deve-se desenvolver a
“capacidade de interrelacionar os conhecimentos técnicos-instrumentais para a aplicação da
atividade física na promoção da saúde em indivíduos e coletividades.” (INSTITUIÇÃO C,
2016, p. 3). Além disso, “promoção da saúde” está presente nas ementas de 4 disciplinas do
curso: “introdução a educação física e esportes”, “projeto integrador em educação física I”,
“projeto integrador em educação física II” e “atividade física e qualidade de vida”. Contudo,
nenhuma das três instituições apresentam uma definição sobre “promoção da saúde”.

A promoção, bem como a prevenção da saúde, são conceitos que pressupõem a saúde
como algo amplo e dependente de vários condicionantes. No entanto, segundo Czeresnia
(2009), a compreensão do conceito de promoção da saúde pode se dar em duas perspectivas:
progressista ou conservadora. A concepção progressista ressalta o papel do Estado na
construção de políticas públicas intersetoriais, voltadas à melhoria da qualidade de vida das
populações. Desse modo, promover saúde abrange diversos aspectos, de maneira global, e
incorpora elementos físicos, psicológicos e sociais. A concepção conservadora enfatiza uma
dimensão liberal da promoção da saúde, reforçando a tendência de diminuição das
responsabilidades do Estado, delegando aos sujeitos, progressivamente, “a tarefa de tomarem
conta de si mesmos” (CZERESNIA, 2009, p. 44).
87
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

Ademais, a Instituição B compreende que a intervenção profissional deve ter por


objetivo a “a ampliação e o enriquecimento cultural das pessoas”, tendo em vista “aumentar
as possibilidades de adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável”
(INSTITUIÇÃO B, 2017, p. 28). Contudo, revela ideias que responsabiliza o individuo por
sua saúde quando propõe “conscientizar a população acerca da necessidade de mudanças no
seu estilo de vida, levando-as a incorporar a prática de atividades físicas ao seu cotidiano”. Ou
seja, recomenta a adoção de um estilo de vida ativo, sem problematizar outros fatores que
determinam diretamente as possibilidades de uma vida mais saudável.

A par das evidências de que o homem contemporâneo utiliza-se cada vez menos de
suas potencialidades corporais e de que o baixo nível de atividade física é fator
decisivo no desenvolvimento de doenças degenerativas, sustenta-se a proposição da
necessidade de conscientizar a população acerca da necessidade de mudanças no seu
estilo de vida, levando-as a incorporar a prática de atividades físicas ao seu cotidiano
(INSTITUIÇÃO B, p. 27, 2017).

Sendo assim, compreendemos que as três instituições analisadas não especificam


qual a concepção de saúde que fundamenta os respectivos cursos de Educação Física e, ao
menos a Instituição B, indica uma visão restrita do processo saúde-doença ao adotar o
conceito de “estilo de vida ativo”. A noção de “estilo de vida” reproduz uma ideia
conservadora que dissemina um determinado padrão – um “mito”, segundo Carvalho (2001a)
– a ser obtido.

Essa ideia ignora a dinâmica sistêmica e variada que influência diretamente o estado
de enfermidade humana e através de uma dimensão moral, responsabiliza cada individuo pelo
seu próprio adoecimento (BAGRICHEVSKY; ESTEVÃO; PALMA, 2006). Sabemos que boa
parte dos brasileiros não têm condições materiais concretas para sobreviver ou sobrevivem de
maneira tão precária que falar em um “estilo de vida ativo” a ser seguido soa de forma
utópica, pois para essas pessoas as possibilidades de escolha são mínimas.

Ademais, a noção de “estilo de vida ativo” está vinculada a uma concepção de saúde
que supervaloriza os aspectos biológicos em detrimento dos demais elementos que interferem
no processo saúde-doença, ou seja, uma concepção que se distancia da compreensão da saúde
de maneira ampliada. Essa proposta tem origem ainda no movimento eugênico e higienista do
início do século XX no Brasil e posteriormente foi fortalecida pelos “movimentos da saúde”
que contribuiriam para a adoção de programas privadas e a produção de bens de consumo
88
ANÁLISE DOS CURSOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE FEIRA DE SANTANA (BA)

numa perspectiva mercadológica da saúde (BAGRICHEVSKY et al., 2006 apud PINHO,


2012)

As referências científicas que reproduzem essa lógica contribuem para que a


população se sinta segura – no caso, pseudosegurança – ao praticar exercício físico, e, por
conseguinte, podem deixa de buscar outros aspectos da vida social que interverem no
processo saúde-doença. Nesse sentido, entendemos como fundamental que o currículo de um
curso superior tenha explícito e de forma concisa os aspectos teóricos e epistemológicos que
orientam a formação, tendo em vista uma formação que avence no processo de humanização a
partir compreensão dos determinantes em torno da saúde/doença e da realidade concreta.
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O tempo é a minha matéria, o tempo presente,


os homens presente. A vida presente”
Carlos Drummond de Andrade

Nossa pesquisa teve como objetivo principal identificar a relação entre os marcos
teórico-conceituais do NASF e os projetos formativos dos cursos de Educação Física de Feira
de Santana (BA). Nesse sentido, elaboramos a seguinte pergunta síntese: Qual a relação entre
os marcos teórico-conceituais do NASF e os projetos formativos dos cursos de Educação
Física de Feira de Santana (BA)?

O resultado final a que chegamos, e que, uma vez obtido, contribui para o embate de
projetos que direcionam a formação humana, bem como, servirá de base para novos estudos
em torno da formação de professores de Educação Física, é o de que, os documentos oficiais
dos cursos de Educação Física de Feira de Santana (BA) não expressam a concepção de saúde
presente nas diretrizes do NASF e na lei orgânica do SUS, a saber: a noção ampliada de
saúde, que inclui determinantes econômicos e sociais, tais como, alimentação, trabalho,
emprego, renda, habitação, educação, meio ambiente, transporte, lazer, acesso a posse da terra
e aos serviços de saúde como condições necessárias para se garantir a saúde.

Entendemos, portanto, que as instituições A, B e C mantêm uma noção limitada com


relação ao processo saúde-doença, pois, não demonstram levar em consideração as múltiplas
determinações desse fenômeno. Os três cursos analisados reproduzem as explicações
hegemônicas que primam pelo aspecto biológico e que tratam a relação entre Educação Física
e Saúde como “causa e efeito”. Dessa forma, ao menos em seus documentos oficiais, os
cursos analisados não contribuem para uma formação que atenda às diretrizes do NASF e que
avance na explicação da saúde/doença.

Embora os documentos das três instituições não apresentem de forma explícita e


aprofundada suas concepções – o que já demonstra uma posição pela “neutralidade”39 diante
dos projetos de formação em disputa na atualidade –, o auxílio de outras categorias de
conteúdo nos possibilitou fazer essa inferência, a saber: concepção de mundo, concepção de
ser humano e concepção de Educação Física. Exceto a concepção de Educação Física, essas
categorias também são pouco desenvolvidas e apresentam elementos contraditórios, ora de

39
Tomar posição pela neutralidade significa contribuir para a manutenção das concepções hegemônicas.
90
CONSIDERAÇÕES FINAIS

crítica ora adequação ao modelo capitalista de sociedade e suas mediações. Ao fim e ao cabo,
não apresentam uma crítica radical ao capitalismo, demonstrando por vezes convergência à
manutenção do modo de produção atual.

Os desdobramentos dessa posição se repetem na concepção de ser humano, haja vista


que todas as instituições expressam a pedagogia das competências como teoria que orienta a
formação, perspectiva objetiva levar o indivíduo a “aprender a aprender”, pois somente dessa
maneira terá competência para se adaptar às exigências da sociedade capitalistas e suas
mudanças constantes. Também apresentam concepções de Educação Física – “Cultura
Corporal de Movimento” e “Movimento Humano” – que apesar de trazerem importantes
contribuições para área não questionam o modelo de sociedade atual nem a formação
unilateral “ocultando a permanência dos antagonismos estruturais na sociedade capitalista
avançada” (MÉSZÁROS, 2004, p. 194 apud SILVA, 2009, p. 6).

Devido às limitações de nossa pesquisa não conseguimos explorar outras questões


presentes nos cursos e que interferem o processo formativo, como a distribuição de disciplinas
e áreas científicas no currículo, o trato dado aos componentes voltadas para a saúde
coletiva/saúde pública no currículo, a interdisciplinaridade e outras lacunas que podem ser
investigadas por dissertações ou monografias de base. Contudo, o resultado de nossa pesquisa
se alinha ao de outros autores que tratam da relação física/sáude nos cursos de formação em
Educação Física, como Pasquim (2009), Anjos e Duarte (2009), Pinho (2011), Pinto (2012) e
Santiago, Fe e Pedrosa (2014), e que demonstram por vários caminhos que os cursos de
Educação Física no Brasil apresentam problemas significativos na formação, tendo em vista a
atuação na saúde pública.

Alguns destes problemas não são nada recentes, pois desde os primeiros cursos de
Educação Física no Brasil, orientados por médicos e militares, a saúde é tratada de modo
restrito, se limitando ao conhecimento das ciências biológicas e médicas. É nessa época que
surge a ideia do “estilo de vida ativo”, disseminado no imaginário popular até os dias atuais
que somente com uma “vida ativa” é possível adquirir saúde, consolidando assim um padrão
de beleza, saúde e juventude quase mítico.

Neste sentido, a noção de exercitação corporal assume o caráter fundamental, um


‘estatuto’, para o estabelecimento de uma vida saudável por parte do individuo. Compreensão
essa que deve ser problematizada, pois além de desconsiderar os aspectos sociais no processo
de saúde-doença, também individualiza esse processo e culpabiliza unicamente o individuo
pela adoção ou não de um ‘estilo de vida ativo’ e pelo seu estado de saúde.
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este pensamento está ancorado em pressupostos epistemológicos, fundamentalmente


quantitativos e positivistas que limitam a compreensão do processo saúde-doença e,
consequentemente, a compreensão da realidade. Isso se traduz na Educação Física na restrição
das possibilidades criativas e transformadoras da cultura corporal, em contrapartida, cresce
sem questionamentos a reprodução e mecanização de padrões pré-definidos.

Compreendemos que o professor tem papel fundamental como mediador do processo


de aquisição humana particular do legado objetivado historicamente pela prática social. Dessa
forma, não pode realizar qualquer tipo de mediação, mas se empenhar em desenvolver ao
máximo uma mediação que possa contribuir para qualificar a imagem do real a ser construída
subjetivamente nos indivíduos. Atividade esta que não é simples. Para isto, aquele que se
coloca na tarefa de auxiliar na transmissão do conhecimento precisa estar devidamente
qualificado. Sendo assim, para a valorização do professorado é necessário, entre outras coisas,
o reconhecimento “da formação e o trabalho do professor em toda sua complexidade, como
fundamentalmente, condição para a plena humanização dos indivíduos, sejam eles alunos,
sejam eles professores” (MARTINS, 2010, p.29 apud MARSIGLIA; MARTINS, 2013, p. 99).

No entanto, na sociedade capitalista, é a classe dominante que dita a forma e o


conteúdo da formação da classe trabalhadora. A burguesia direciona a educação dos
trabalhadores e de seus filhos para atender as demandas do capital tendo em vista a
habilitação técnica para o trabalho e a reprodução da ideologia dominante. Isto é, a educação é
utilizada como um instrumento fundamental para manter o atual modo de produção.

O recente reordenamento do mundo do trabalho capitalista, impulsionado, sobretudo,


pela crise da década de 1970, impôs mudanças na base técnica das forças produtivas exigindo
uma redefinição do processo formativo do trabalhador. Nesse sentido, as políticas
educacionais desenvolvidas desde então seguem a risca a cartilha imperialista para garantir o
conjunto de valores e técnicas necessárias para que o processo produtivo acompanhe o atual
estágio de desenvolvimento do capital, lhe garantindo uma sobrevida.

Atualmente, através do governo de Michel Temer/PMDB, novas mudanças são


implementadas para favorecer o capital e assolar ainda mais a vida dos trabalhadores. É o
caso da terceirização das atividades fins, da reforma trabalhista e da provável reforma da
previdência que pode configurar um ponto de não retorno nos direitos e nas legislações
trabalhista. Apoiado no pretenso discurso de ajuste fiscal, o governo ainda estabeleceu um teto
de gastos públicos pelos próximos 20 anos, o que no papel significa ampliar o sucateamento
das instituições públicas e as desigualdades sociais, já que ao mesmo tempo em que alega ser
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS

necessário congelar os investimentos nos serviços públicos, ignora dívidas bilionárias das
empresas multinacionais.

No âmbito educacional, o governo atual estabeleceu a reforma do ensino médio que


retira disciplinas importantes da grade curricular e contribui para cercear dos filhos da classe
trabalhadores conteúdos fundamentais para compreensão da realidade. Ademais, no campo da
saúde, há uma nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) que ao invés de ampliar a
cobertura e melhorar a qualidade do cuidado no SUS tem como proposta a redução dos gastos
com a saúde e reduz a composição das equipes de atenção básica.

Este cenário aponta para a desumanização dos seres humanos, sobretudo, da classe
trabalhadora e é referendado pela política pública de educação no Brasil. As atuais Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores e as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação de Professores de Educação Física privilegiam a formação acelerada,
fragmentada e calcada na construção de competências e habilidades para atender as demandas
do mundo do trabalho. Nesse bojo, também se encontra a maioria das diretrizes para os cursos
considerados da área de saúde, o que demonstra a uniformização na concepção de formação
dos cursos do ensino superior.

A educação a partir dessa perspectiva utiliza, dentre outros artifícios, da


desqualificação docente ainda em seu processo de formação e da secundarização do
conhecimento científico para limitar o acesso da classe trabalhadora à cultura produzida pela
humanidade o que consequentemente também contribui para limitar a capacidade destes de
compreender a realidade concreta. Essa lógica perversa faz com que no âmbito da Educação
Física, a cultura corporal se torne cada vez mais artigo de luxo e distinção de classe,
materializada em suas condições de acesso.

Nós, enquanto educadores marxistas, nos colocamos a la contra a esse projeto de


formação que desqualifica e desumaniza o professor. Nesse sentido, realizamos a crítica aos
currículos no âmbito da Educação Física que apresentam conceitos rasos e concepções em
consonância com o projeto hegemônico. Em contrapartida, defendemos uma proposta de
formação que mesmo nos limites do capital e a partir das contradições desse sistema possa
educar tendo como base uma consistente base teórica e como horizonte uma formação
omnilateral. Para isso, é fundamental que os professores sejam capazes de constatar,
compreender, explicar e intervir na realidade concreta.
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na relação entre Educação Física/Saúde isso significa uma formação que considere a
saúde como síntese das múltiplas determinações a que submetem os seres humanos. Como
Pinho (2011) utilizando as contribuições de Pistrak (2009):

Educar para atualidade pressupõe organizar o conteúdo da relação educação


física/saúde considerando a totalidade das relações a que se submetem os homens e
suas necessidades primordiais. Educar para atualidade é compreender a saúde como
premissa primeira da história do homem, ou seja, ter saúde não é deixar de ter
doença, ter saúde é ter a possibilidade de fazer história e fazer suas necessidades,
quer sejam de caráter material ou espiritual, serem satisfeitas. Educar para a
atualidade é compreender a atividade física como um elemento da cultura corporal e
não como um instrumento com a função de adaptar o corpo ao modo de vida
capitalista (PINHO, 2011, p. 97-98).

Essa proposta de formação superadora na Educação Física, se traduz na Licenciatura


Ampliada, proposta formulada pelo MEEF em conjunto com o grupo LEPEL que visa romper
com a fragmentação do conhecimento. A licenciatura ampliada compreende como
fundamental a unificação dos cursos de licenciatura e bacharelado, mas, vai para além desse
aspecto, prima pela história enquanto matriz científica e apresenta princípios40 que devem
direcionar o processo formativo do professor de Educação Física, tais como a articulação
entre conhecimentos de formação ampliada, formação específica e aprofundamento temático
fundamental que abrange a relação do ser humano com a natureza, a sociedade, o trabalho e a
educação e da cultura corporal com a natureza humana, a territorialidade, o trabalho e a
política cultural, elementos fundamentais para a compreensão da relação Educação Física-
Saúde.

É claro que é um desafio a materialização da proposta de licenciatura ampliada, pois,


são elementos variados e complexos que se chocam com realidade atual das instituições de
ensino superior no Brasil, dos docentes e dos discentes. No entanto, é a proposta que mais
avança no sentido de contribuir para uma formação mais humana, tendo em vista a
perspectiva omnilateral, mesmo que sob a égide do capital ao mesmo tempo que aponta para
superação dessa sociedade.

40
Outros princípios são: 1) trabalho pedagógico como base da identidade profissional; 2) compromisso social da
formação na perspectiva da superação da sociedade de classes; 3) sólida e consistente formação teórica e
interdisciplinar, em que o trabalho de pesquisa seja um meio para essa formação; 4) articulação entre ensino,
pesquisa e extensão; 5) indissociabilidade entre teoria e prática; 6) tratamento coletivo, interdisciplinar e
solidário na produção do conhecimento científico; 7) avaliação em todos os âmbitos e dimensões; 8) formação
continuada; 9) respeito à autonomia institucional e gestão democrática; 10) condições objetivas e adequadas de
trabalho.
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste sentido, apontamos a importância de os docentes engrossarem as fileiras dos


que defendem a qualificação da formação dos professores de Educação Física, utilizando de
greves, manifestações e produções científicas como instrumentos de luta em prol dessa
bandeira. Tendo a clareza que essa luta é parte constituída de uma luta mais ampla pela
superação da sociedade capitalista – já que dentro desse sistema não há alternativas de
realização plena do ser humano – e construção do projeto histórico socialista, pois só em
outro modo de produção poderemos alcançar o pleno desenvolvimento do ser humano, isto é,
uma formação omnilateral.
95
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