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ESTÉTICA:

de Platão a Peirce
LUCIA SANTAELLA

Estética:
de Platão a Peirce

EDITORA C0D3S
Estética: de Platão a Peirce.
Copyright © 2017, Lucia Santaella.

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Editor, revisor, diagramador e ilustrador: Thiago Mittermayer | Fonte da capa: Civane Norm criada por Jeremy Dooley

Catalogação:
SANTAELLA, Lucia. Estética: de Platão a Peirce. São Paulo: Editora C0D3S, 2017.

Número ISBN: 978-85-54863-00-5

1. Estética 2. Semiótica 3. Filosofia


DEDICATÓRIA

Para Brooke Williams e John Deely sob cujo teto, num inverno inimaginavelmente gélido, mas envolvida no
calor, carinho, alegria e desprendimento de suas amizades límpidas, este livro começou a ser escrito.
SUMÁRIO

ABERTURA

INTRODUÇÃO GERAL

PRIMEIRA PARTE
As estéticas filosóficas: introdução

1. As aparições do belo
2. A gestação do gosto e do sublime
3. A emergência da estética
4. O apogeu da estética
5. A multiplicação das estéticas

SEGUNDA PARTE
A estética de C. S. Peirce: introdução

6. A estética como filosofia e ciência


7. Os dilemas da estética
8. A estética e as artes
9. A semiótica de Peirce
10. A estética à luz da semiótica

NOTAS FINAIS

REFERÊNCIAS
ABERTURA

Fui despertada para a importância da estética peirceana, ao assistir a uma das mais belas palestras apresentadas
no congresso dos 150 anos do nascimento de Peirce, realizado em Harvard, USA, em setembro de 1989. Falando
sobre “A Sedução do Ideal”, Richard J. Bernstein conseguiu, por quase uma hora, o que poucos conseguem por
alguns minutos: manter uma ampla plateia sintonizada num mesmo ponto da emoção e deleite intelectual, suspensa
no fio da voz e vida de sua inteligência e sensibilidade. Fui fisgada, talvez para sempre, na rede dessa sedução.

No primeiro semestre de 1990, criei coragem e preparei um curso sobre a estética peirceana, no programa de
pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC/SP. Foi nessa ocasião que, ainda com dificuldade, em meio a
muitas incertezas, decidi acercar-me pela primeira vez do tema. Tal aproximação foi paradoxal. Ficou numa visão
panorâmica, de sobrevoo da questão.

Em 1992, munida de bibliografia adicional sobre o assunto, no livro A assinatura das coisas: Peirce e a literatura
(Editora Imago), voltei à estética, tentando olhá-la mais de perto. Mesmo assim, ficaram ainda algumas zonas de
nebulosidade que, naquele momento, não consegui atravessar.

Em um dos capítulos do livro Metodologia semiótica: fundamentos, que defendi como livre-docência na
ECA/USP, em dezembro de 1993, retornei mais uma vez à estética e avancei talvez um pouco mais. Isso me
encorajou a dar, no segundo semestre desse mesmo ano, novamente um curso de pós-graduação sobre a estética
peirceana, mais monográfico, com uma visão mais de frente e específica. Saí desse curso com um turbilhão de ideias
na cabeça, talvez sugestivas, mas bastante assistemáticas.

Encontrando, durante o início de 1994, condições objetivas ideais para o desenvolvimento de um trabalho
intelectual absorvente, criei finalmente coragem para enfrentar o touro à unha.

Embora o tempo, esse implacável admoestador do pensamento, venha certamente me trazer a autocrítica deste
trabalho, devo confessar que esta foi a primeira vez que deixei o tema da estética peirceana sem me sentir em dívida.
Se a investigação, segundo Peirce, é um processo que é conduzido para nos livrar da insatisfação da dúvida, rumo ao
repouso temporário numa crença, mesmo sabendo-a provisória, esta foi verdadeiramente uma investigação. Que ela
esteja num livro, para ser compartilhada, livra-me do peso de consciência, ou talvez do egoísmo que um repouso da
dúvida, em nível puramente individualista, certamente acarretaria. Aliás, nessa externalização, nessa entrega ao
outro, para que este a devolva diferida, reside o traço fundamental, ainda segundo Peirce, que faz uma investigação
ser científica.

O levantamento do material bibliográfico necessário à execução deste livro, inclusive a consulta aos manuscritos
de C.S. Peirce, foi feito na Universidade de Indiana, durante os meses de novembro-92 a abril-93, sob os auspícios
do CNPq. A escritura do trabalho se deu nos meses de janeiro a março de 1994, também em Indiana, com auxílio da
CAPES. A ambas as instituições meus agradecimentos sinceros.
Lucia Santaella,
Bloomington, março de 1994.
INTRODUÇÃO GERAL

A palavra “estética” é derivada do grego aisthesis, significando sentir. A raiz grega aisth, no verbo aisthanomai,
quer dizer sentir, não com o coração ou com os sentimentos, mas com os sentidos, rede de percepções físicas
(Barilli, 1989, p. 2). O termo é hoje tão largamente utilizado que pode servir para qualificar tanto as filosofias do
belo, quanto a elegância de uma fórmula matemática, os objetos artísticos, ou até mesmo um crepúsculo, as
cercanias do mar, um rosto trabalhado pelo tempo (como diria Borges). Na história da Filosofia, contudo, essa
palavra encontrou designações relativamente bem definidas. O primeiro a utilizá-la filosoficamente foi Alexander
Gottlieb Baumgarten (1714-1762), em 1735, no texto denominado Reflexões filosóficas sobre algumas questões
pertencentes à poesia, onde ela foi definida como a ciência da percepção em geral. Na sua obra posterior,
Aesthetica, essa ciência da percepção foi tomada como sinônimo de conhecimento através dos sentidos, a “perfeição
da cognição sensitiva” que encontra na beleza o seu objeto próprio (Cohen e Guyer, 1982, p. 1).

A partir de Baumgartem, a primeira grande obra a dar forma e conteúdo à estética filosófica foi a terceira crítica
de Immanuel Kant (1724-1804), a Crítica do julgamento, de 1790, mais especificamente na sua primeira parte,
“Crítica do Julgamento Estético”. Embora não se possa considerar essa terceira crítica isoladamente do contexto
geral das outras obras monumentais de Kant, a crítica do julgamento tem um certo grau de autonomia, na medida em
que circunscreve um conjunto de desafios intelectuais com os quais estamos até hoje fadados a nos defrontar,
quando tentamos compreender os problemas relacionados com as regiões mais sensíveis do nosso pensamento,
sentimento, discurso e ação.

Embora a palavra em si, no contexto filosófico em que ela viria a ser inserida, só tenha aparecido em 1735, as
questões relativas à estética, no Ocidente, tiveram sua origem no mundo grego, mais especialmente no pensamento
de Platão (428-348), em cuja obra encontramos a primeira teoria da arte e do belo de que temos notícia. De fato, foi
Platão quem levantou os problemas relativos à criação, para os quais foram dadas as mais diversas interpretações
através do tempo e com os quais nos debatemos até hoje, tais como a natureza da inspiração, a relação da criação
com a emoção, o impacto e efeitos da arte sobre o receptor, as antinomias entre o conhecimento verdadeiro e a
ilusão das paixões, as consequências do descomedimento e as virtudes da temperança... Se Platão levantou esses
problemas, Aristóteles (por volta de 384-322 a.C.) foi o primeiro a lhes dar formalização na sua Poética, obra que,
sem margem de erro, pode ser qualificada como a teoria da arte e critica mais influente em toda a história do
Ocidente. Enfim, os problemas estéticos são tão antigos quanto a filosofia, tendo recebido, nos muitos séculos que
transcorreram desde Platão até os nossos dias, as mais diversas entonações e interpretações. Embora toda a primeira
parte deste livro esteja planejada para a discussão panorâmica dos autores e obras filosóficas que marcaram a
compreensão da estética que o Ocidente foi gradativamente tecendo através dos séculos, este não é o objetivo central
do presente livro. Ao contrário, o que se pretende desenvolver aqui é um estudo monográfico das concepções
estéticas, ou melhor, da teoria estética criada por Charles Sanders Peirce (1839-1914), cientista, matemático, lógico
e filósofo norte-americano, criador da moderna ciência semiótica. Nessa medida, a compreensão do
desenvolvimento histórico da estética filosófica ocidental figurará na primeira parte como uma espécie de moldura
ou contextualização para que se possa julgar, por comparação, de um lado, o grau de originalidade e relevância da
contribuição que Peirce veio trazer para o tema. De outro lado, para que se possa avaliar a importância dessa
contribuição para o ambiente intelectual contemporâneo, no qual, sob o rótulo de pós-moderno, pós-modernismo ou
pós-modernidade, as questões relativas ao estético voltaram a ocupar o centro candente das atenções de intelectuais,
filósofos ou não, em todo o mundo.

Peirce não deixou nenhum tratado sobre estética. Aliás, não obstante tenha, quando jovem, estudado, com muito
cuidado e paixão, as cartas Sobre a educação estética da humanidade, de Johan Christoph Friedrich von Schiller
(1759-1805), e fosse um grande conhecedor da obra de Kant, não obstante tivesse um grande interesse pelas artes e
fosse bom conhecedor da literatura, por várias vezes, ele se declarou um ignorante em estética. Se ele próprio não
ocultou sua ignorância, como justificar este estudo monográfico que aqui pretendo apresentar ao leitor?

Cada vez mais, especialmente a partir de 1900, a estética passou a ocupar um lugar proeminente na arquitetura
filosófica de Peirce a um tal ponto que, sem a compreensão aprofundada do papel fundamental por ela
desempenhado como alicerce da ética e, por extensão, da própria lógica ou semiótica, não é possível entender o seu
segundo pragmatismo, que ele rebatizou sob o título de pragmaticismo, para diferenciar dos vários pragmatismos
que nasceram sob sua inspiração, mas dos quais Peirce discordava inteiramente. Numa carta dirigida a William
James (1842-1910), em 25 de novembro de 1902 (CP 8.255), ao recolocar seu pragmatismo em novas bases, Peirce
enfaticamente afirmava sua visão da preponderância da estética sobre as outras disciplinas filosóficas:

Mas eu pareço ser o único depositário, no presente, do sistema completamente desenvolvido, que se mantém unido, não podendo receber
qualquer apresentação apropriada em fragmentos. Minha própria visão de 1877 era crua. Mesmo quando dei minhas palestras em
Cambridge, não havia chegado ao cerne da questão, deixando de ver a unidade da coisa toda. Não foi senão depois disso que obtive a prova
de que a lógica deve estar fundada na ética, da qual ela é um desenvolvimento mais elevado. Mas mesmo então, por algum tempo, fui tão
imbecil a ponto de não ver que a ética, do mesmo modo, está fundada sobre a estética, — pela qual, desnecessário mencionar, eu não quero
significar leite e água e açúcar.

Várias são as dificuldades, até hoje não completamente transpostas, que levaram a grande maioria dos intérpretes
de Peirce a uma desatenção no que se refere à importância da estética para a compreensão do todo de sua obra, e
mesmo ao conhecimento da originalidade de sua visão da estética como disciplina filosófica. Ao morrer, ele deixou
12.000 páginas publicadas em vida, em artigos nas mais diversas revistas e dicionários científicos e filosóficos. Os
manuscritos não publicados que sua segunda mulher, Juliette, entregou à biblioteca de Harvard após seu
falecimento, no entanto, chegavam perto de 90.000 páginas. Quase ao final de sua vida, com alguma exasperação
Peirce confessou que era tal o estado de desordem dessas páginas que ninguém, nem ele mesmo, seria capaz de
organizá-las. Enganou-se. Graças ao inestimável trabalho de uma equipe de investigadores, sob a coordenação de
Max H. Fisch, os manuscritos foram ordenados, paginados e, muitos deles, inclusive datados. Mas, até que isso
acontecesse, passaram-se décadas. Enquanto isso, durante pelo menos quarenta anos, a única parcela acessível de
sua obra reduzia-se às 6.000 páginas publicadas nos Collected Papers. O valor dessa coletânea não deve
evidentemente ser minimizado, mas seus limites não podem também deixar de ser apontados. A seleção temática
dos escritos não permite sequer entrever o desenvolvimento histórico das ideias de Peirce. Mas, pior do que isso, a
extrema fragmentação a que seu pensamento foi submetido para poder caber em 6.000 páginas deu origem a um
verdadeiro folclore de leituras equivocadas e mal-entendidos sobre sua obra. O trabalho mais recente de
esclarecimento de muitos desses equívocos, por parte daqueles que têm buscado o acesso aos manuscritos, tem sido
duplo: corrigir, de um lado, e reinterpretar de outro.

A partir da organização dos manuscritos, foi instalado em Indianápolis, em 1976, o Peirce Edition Project,
projeto ambicioso para a publicação cronológica, em trinta volumes, de escritos peirceanos criteriosamente
selecionados de acordo com as normas mais modernas de editoração. Depois de quase vinte anos de existência, no
entanto, esse projeto só conseguiu chegar até agora ao quinto volume, o que muito tem frustrado as esperanças de
avanço nas pesquisas sobre a obra peirceana, levando à suposição de que infelicidades semelhantes às que
assaltaram a vida de Peirce estejam continuando a assaltar sua obra. De qualquer modo, todas essas precauções
bibliográficas estão sendo tomadas para explicar as principais razões que levaram à negligência quase sempre
involuntária de seus intérpretes em relação à estética, entre outros tópicos igualmente, e pelos mesmos motivos,
negligenciados de sua obra, os quais não vem ao caso serem aqui analisados.

Assim sendo, a principal razão da falta de interesse na estética peirceana tem derivado da certeza antecipada e
equivocada de seus comentadores de que não há uma teoria estética em sua obra e, mesmo que houvesse, ela não
passaria de uma série de fragmentos esparsos e descosidos que não chegariam a se integrar em um todo que pudesse
fazer sentido. Embora, de fato, as referências peirceanas à estética estejam espalhadas nos mais diversos escritos,
afirmação que só tende a se confirmar em função da fragmentação a que esses escritos foram submetidos nos
Collected Papers, um dos objetivos deste livro, talvez o principal, é o de evidenciar não apenas que há uma teoria
estética em Peirce, mas também que essa teoria tem coerência, além de relevância para a discussão de questões que
estão sendo debatidas contemporaneamente.

O LUGAR DA ESTÉTICA NA OBRA PEIRCEANA

Assim como Kant, Peirce tinha uma concepção arquitetônica da filosofia, mas só por volta de 1900 — depois de
quase quarenta anos de trabalho científico dedicados às mais diversas áreas do saber, que iam da matemática, física,
astronomia e química até a história, psicologia e principalmente a lógica concebida como semiótica, para a qual sua
grande vocação intelectual se dirigia —, foi quando Peirce conseguiu configurar a arquitetura de sua filosofia. Uma
vez que já publiquei um estudo aprofundado sobre o diagrama peirceano das ciências, contendo fartas discussões
sobre o lugar ocupado pelas disciplinas filosóficas nesse diagrama (Santaella 1992), basta mencionar aqui que Peirce
era, antes de tudo, um cientista. Em função disso, a filosofia foi por ele concebida como um dos gêneros da ciência.
Vale notar que seu conhecimento das ciências não se deu meramente através de livros, mas na prática efetiva dos
laboratórios. A palavra ciência não tinha para ele, portanto, um sentido metafórico. E por ter praticado nas mais
diversas espécies de ciências, além de nunca ter negligenciado o que hoje chamamos de humanidades, sua
concepção da filosofia como ciência não significava simplesmente tomar como modelo alguma ciência constituída e
reconhecida, digamos a física, por exemplo, e passará avaliar quaisquer outras áreas da ciência a partir desse
modelo.

Em oposição a qualquer visão estática, modelar e hierárquica das relações entre as ciências, durante toda a sua
vida, Peirce devotou enorme respeito e desenvolveu grande admiração pelas diferenças de estratégias e métodos que
existem no interior de cada ciência, considerando inclusive a importância das transformações históricas pelas quais
os métodos vão passando, no decorrer do tempo, dentro de uma mesma ciência. A partir desse ponto de vista, assim
como qualquer outra área do saber, a filosofia foi por ele entendida como ciência, na medida em que ela também
deve fazer uso, à sua maneira, de hipóteses e encontrar, também à sua maneira, os meios de validação de suas
hipóteses. Mas, para que isso se realize, a filosofia não precisa estar submetida a nenhum modelo externo. Conforme
será visto mais detalhadamente na segunda parte deste livro, no diagrama filosófico peirceano, as relações entre as
disciplinas científicas são relações necessariamente dialógicas, num sistema dinâmico de trocas, em que ciências
mais abstratas fornecem princípios às menos abstratas, enquanto estas abastecem aquelas com dados concretos.

Muito bem, tudo isso para dizer que a estética peirceana é uma entre várias disciplinas que se configuram no
interior de uma arquitetura filosófica concebida como ciência. Por tudo que possa soar estranho à primeira vista, a
estética é, para Peirce, uma disciplina filosófica e científica cujo conteúdo só pode se tornar compreensível quando
examinado nas múltiplas relações existentes entre a estética e as demais disciplinas filosóficas, do mesmo modo que
o diagrama filosófico peirceano como um todo só pode se tornar compreensível nas relações que a filosofia
estabelece com áreas científicas extrafilosóficas. O estudo dessas relações, tendo em vista o desenho do perfil
específico da estética na filosofia científica de Peirce, será, conforme já foi sugerido, o assunto da segunda parte.

Durante muitos anos, os estudos da obra peirceana estiveram divididos em duas tendências quase opostas e
incomunicáveis: de um lado, os estudos levados a cabo por filósofos, de outro, aqueles realizados por semioticistas.
Por várias ocasiões, tive a oportunidade de discutir essas duas tendências, chamando a atenção para o fato de que o
retrato da obra peirceana que cada um desses grupos nos apresenta é tão diferencial que eles não parecem estar
trabalhando com a obra de um mesmo autor. É certo e notório que há uma pluralidade tão impressionante de
aspectos a serem explorados na obra de Peirce que, muitas vezes, eles não parecem vir de uma só pessoa. Contudo,
não é a isso que estou tentando me referir, mas ao problema de que os interesses que levam os filósofos, de um lado,
a ler Peirce, e os interesses dos semioticistas, de outro, são tão discrepantes a ponto de eles terem se constituído em
dois grupos de leitores separados, antagônicos e aparentemente inconciliáveis. Em síntese: enquanto os filósofos só
tendem a se interessar por temas tradicionalmente tidos como filosóficos, teimosamente ignorando o papel que a
lógica ou semiótica — por ocupar exatamente a posição do coração no diagrama das disciplinas filosóficas — tem a
desempenhar no pensamento de Peirce, os semioticistas, por sua vez, só dão relevância para alguns aspectos isolados
da semiótica, especialmente as definições e classificações de signos, negligenciando completamente as raízes
filosóficas e as interações com as outras disciplinas de onde a semiótica extrai o seu sentido.

Embora de uns poucos anos para cá esteja ocorrendo uma necessária e salutar aproximação entre os filósofos e
semioticistas de extração peirceana, a interpretação do pensamento de Peirce continua até hoje, infelizmente,
marcada por esse antagonismo de base. Ora, mesmo se tratando de um dos aspectos mais negligenciados de sua
obra, a estética também foi marcada pelo sinete dessa divisão. De um lado, destacam-se alguns poucos intérpretes
que apresentaram estudos da estética peirceana como disciplina filosófica De outro lado, aparecem os intérpretes,
também poucos, que, provavelmente desconhecendo os escritos de Peirce voltados especificamente para a discussão
da importância da estética na sua filosofia, especialmente para o papel por ela desempenhado na definição do seu
pragmaticismo evolucionista, procuraram reconstruir, a partir da teoria dos signos, o que poderia ter sido ou o que
poderia vir a ser uma estética semiótica, ou melhor, em que medida a semiótica peirceana pode nos ajudar a pensar
questões estéticas.

Havendo no estado da arte, uma tal divisão entre os intérpretes, ela será tomada também como uma das
referências deste livro. Assim sendo, o nono capítulo estará voltado especificamente para a discussão de uma
estética semiótica de linha peirceana. Em resumo, o livro seguirá a seguinte estrutura: As Estéticas Filosóficas,
primeira parte; A Estética Filosófica de Peirce, segunda parte. Os cinco capítulos da primeira parte seguirão uma
sequência tanto quanto possível histórica, no sentido mais simples da palavra história, quer dizer, numa cronologia
quase linear, que só será deliberada ou involuntariamente interrompida sob força das necessidades criadas pela
argumentação de algumas ideias. Os cinco capítulos da segunda parte tratarão da estética peirceana em
profundidade, desde suas relações com o quadro mais amplo da obra e das outras disciplinas filosóficas até os
dilemas que tiveram que ser enfrentados para que a estética se sustentasse como uma filosofia científica. Serão
também trabalhadas as relações entre estética e semiótica. Visualmente, a primeira parte pode ser comparada a uma
linha horizontal e a segunda a uma linha vertical. O livro traz a esperança de que o virtual ponto de encontro dessas
duas linhas possa produzir no leitor algumas faíscas de iluminação.

Não obstante minha consciente predileção pelas simetrias, devo confessar que o plano deste pequeno livro,
evidentemente simétrico, sob qualquer ângulo de observação, não parece ter sido ditado por essa predileção, mas
sim pelas exigências do próprio assunto e do material que encontrei sobre ele. Assim creio que tenha sido, a menos
que, certamente à minha revelia, o inconsciente esteja me pregando mais uma de suas peças.
PRIMEIRA PARTE
AS ESTÉTICAS FILOSÓFICAS

INTRODUÇÃO

Conforme foi mencionado na introdução geral, esta parte tem por finalidade criar uma moldura histórica relativa
às mais conhecidas e influentes teorias estéticas que nasceram no seio da filosofia no Ocidente, para que se possa
projetar, dentro desse contexto, na segunda parte do livro, a concepção da estética desenvolvida por C. S. Peirce.
Não há, nem poderia haver, nesta modesta moldura, qualquer intenção de aprofundamento. Todos os filósofos que
serão mencionados nesta primeira parte escreveram copiosamente e foram autores de obras complexas. O
conhecimento sério e sutil de um único filósofo é empresa para uma vida inteira. Não se pode ocultar, assim, o
quanto há de leviandade e consequente simplificação em qualquer tratamento de mais de vinte séculos de filosofia
em algumas dezenas de páginas. Mas existem momentos em que esquematizações se fazem necessárias.
Acreditando que esta parte é um desses momentos, penso, com isso, estar até certo ponto justificada para trocar a
profundidade de uma visão microscópica e vertical pela simplicidade de uma visão de conjunto ou panorâmica.

Numa síntese muito generalizada, pode-se dizer que as estéticas filosóficas do Ocidente passaram, pelo menos,
por três fases diferenciais bem demarcadas: 1) o nascimento das teorias do belo e do fazer criador nas obras de
Platão e Aristóteles, que se estenderam, não obstante as particularidades específicas de cada período histórico, pelo
mundo latino, a Idade Média e a Renascença. 2) O deslocamento da ênfase no objeto da beleza para o sujeito que a
percebe, a partir da reação de Anthony Ashley Cooper, Lorde de Shaftesbury (1671-1713), aos avanços das ciências
físicas e aos desafios apresentados pelas filosofias de René Descartes (1596-1650) e Thomas Hobbes (1588-1679).
Nessa vertente, mas mais propriamente dentro do espírito empiricista de John Locke (1632-1704), tiveram origem as
teorias inglesas do gosto que, aparecendo pela primeira vez, em 1712, nos escritos de Joseph Addison (1672-1719),
receberam desenvolvimentos sistemáticos nas obras de Francis Hutcheson (1694-1740) e David Hume (1711-1776).
Exposto às questões emergentes da percepção, do desinteresse, da apreciação, do sublime, e sensível especialmente
aos apelos do “paradoxo do gosto”, levantados por Hume, Kant veio fazer de sua terceira crítica, a da faculdade do
juízo ou julgamento, a obra inaugural da idade de ouro da estética, que, estendendo-se pela proeminência do estético
dentro do idealismo absoluto de Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775-1854), encontrou seu apogeu na
Estética de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). 3) A partir do século XIX, com Arthur Schopenhauer
(1780-1860), Friedrich Nietzsche (1844-1900) e, no século XX, com Martin Heidegger (1889-1976) e as estéticas
fenomenológicas, o descentramento da secular preocupação como belo viria produzir a explosão e atomização cada
vez mais crescente da estética em versões particularizadas e diferenciais. Destacando-se as figuras exponenciais e
influentes de Benedetto Croce (1866-1952) e John Dewey (1859-1952), cujas obras deslocaram a questão do belo
para os conceitos de “arte como expressão” e de “arte como experiência”, a estética filosófica, propriamente dita, foi
cedendo terreno para as incontáveis teorias da arte que foram e continuam sendo desenvolvidas por estudiosos,
muitas vezes poetas, como foi o caso dos românticos ingleses e alemães e, depois, dos simbolistas franceses, muito
especialmente Paul Valéry (18711945), situados mais fora do que dentro da filosofia. Só recentemente, a partir dos
anos 80 deste século, os debates sobre a pós-modernidade viriam recolocar as questões estéticas de volta ao centro
da cena das artes, cultura e filosofia.

São, de fato, inumeráveis as teorias da arte que os dois últimos séculos viram nascer. Na medida mesma em que
foi se dando o movimento descendente do ocaso do belo, ia se dando, em movimento contrário, a emergência, por
todos os centros e cantos do globo, de teorias da arte numa quantidade e profusão tais que qualquer pretensão de
descrevê-las transformou-se numa empresa talvez impossível. Por isso mesmo, a moldura, que será aqui
configurada, não inclui, de um lado, as obras criativas ou ensaísticas, realizadas por poetas e artistas ao longo dos
séculos, as quais evidentemente influenciaram grandemente os filósofos na construção de suas estéticas, num
processo inevitável de intercomplementaridade criativa e intelectual. De outro lado, serão também excluídas
quaisquer teorias da arte não explicitamente filosóficas. Por uma questão de coerência em relação ao recorte
necessário para atingir os propósitos que este livro visa atingir, só serão incluídas, nesta primeira parte, as estéticas
nitidamente filosóficas que se originaram no Ocidente.

Buettner (apud Tilghman, em Dickie et al., 1977, p. 160) nos diz que “em oposição à estética, que é a
investigação filosófica da arte e beleza, a teoria da arte investiga as ideias dos artistas, num esforço de explicar a
variedade de fenômenos tanto na vida quanto na obra dos artistas”. Sendo mais gerais, as filosofias da estética,
portanto, tratam os problemas específicos e concretos, com os quais as artes lidam, apenas como ilustração ou
exemplificação para suas abstrações conceituais. Assim se deu em Platão, assim continuou se dando em todas as
outras estéticas nascidas no interior da filosofia, até pelo menos o final do século XIX, como se verá a seguir.
1. AS APARIÇÕES DO BELO

Embora polêmicas e mesmo contraditórias, as ideias sobre a natureza da arte que tiveram seu nascimento na obra
de Platão marcaram a história da estética ocidental, mantendo-se vivas até hoje. Note-se, antes de tudo, que a
concepção que Platão tinha das artes em nada se assemelha ao modo como passamos a conceber a arte
especialmente a partir do Renascimento. As atividades práticas, artesanais, todos os resultados de trabalhos
realizados com as mãos eram vistos, pelos gregos, como inferiores e colocados em oposição aos produtos do
intelecto, aos frutos do pensamento, de natureza mais nobre e transcendente. Vem daí uma das razões para a
sobrevalorização platônica da filosofia em relação às artes, pois estas eram vistas por ele como téchne, saber fazer,
saber construir, que corresponderia ao termo inglês craf, num paradigma similar ao da produção de móveis ou da
construção de navios, por exemplo.

De qualquer modo, Platão foi o primeiro a desenvolver uma teoria das artes inserida no contexto mais amplo de
uma filosofia do belo que reinou soberana por séculos, continuando até hoje a inspirar muitos autores. Há dois
conceitos básicos em sua teoria: o conceito de mímese, de um lado, e o do entusiasmo criador, de outro. Interessante
observar que, enquanto o primeiro é mais facilmente aplicável às artes visuais, o segundo se aplica mais às artes
verbais e música. As consequências que Platão extraiu de ambos, no entanto, foram similares.

Existe uma leitura padronizada e simplificadora da teoria platônica que a reduz a oposições binárias muito
nítidas e despidas de ambiguidade. Assim sendo, de sua concepção da realidade verdadeira como um universo
abstrato e ideal de formas e ideias deriva a concepção da realidade ou aparência sensível como imitação (mímese) ou
cópia imperfeita do ideal. A orientação eminentemente visual de seu entendimento da arte, que restringia suas
formas de realização basicamente à pintura e escultura, o levou a conceber a arte como imitação da imitação, quer
dizer, aparência de segunda ordem e, consequentemente, duplamente afastada do ideal e da verdade. Ora, esse
conceito de mímese, por mais que possamos dele discordar, é, sem qualquer sombra de dúvida, um conceito
originário, o primeiro a detectar e discutir o problema fundamental do qual nenhuma forma de arte pode escapar: o
problema da sua duplicidade, que veio receber, ao longo dos séculos, as mais variadas denominações, entre elas
representação, expressão, ilusão, semblante, simulação etc., todas elas, no entanto, não passando de deslocamentos
ou variações em torno de um mesmo tema, o da mímese, levantado por Platão.

O segundo conjunto de questões, mais relativo à arte poética e secundariamente à música, não chegando
propriamente a se constituir num conceito tão redondo quanto o de mímese, deriva das relações da arte com quem a
produz e quem a recebe: a inspiração na porta de entrada e o despertar das emoções e paixões na porta de saída da
poesia. Alimentado pela positividade do comedimento, virtude dominante na cultura grega, Platão foi levado a
enxergar como fontes de perigo, de um lado, o toque de loucura, a irracionalidade do entusiasmo presente no talento
especial dos poetas, de outro lado, as comoções do impacto emocional da arte poética sobre o receptor. Em função
disso, a arte verbal foi vista por ele como antagônica às formas de conhecimento, aos raciocínios discursivos
propiciados pela filosofia. Em síntese, para Platão, a poesia não produz cognição, estando muito mais do lado das
pressões irracionais pelas quais o ser humano pode ser subjugado do que das forças do intelecto, só estas capazes de
conduzi-lo para a ascese ao mundo das verdades ideais.

Se ficarmos presos apenas ao diálogo Ion e ao livro X da República (Platão, 1966), que são os textos mais
citados, quando se discute a teoria da arte de Platão, não podemos escapar de uma visão estritamente dicotômica e
negativista da arte e da poesia conforme a que está acima exposta. Quando outros textos platônicos são levados em
consideração, especialmente Fedro, o Sofista e o Simpósio, contudo, algumas ambiguidades e muitas gradações
conceituais começam a emergir juntamente com a mais inspiradora dentre todas as teorias do belo, enfim, quase
tudo daquilo que fez de Platão o fundador da estética filosófica e continua a fazer dele uma fonte de consulta
imprescindível para a compreensão das grandes questões levantadas pela arte. De acordo com Hofstadter e Kuhns
(1976, p. 3-5), quatro temas gerais podem ser extraídos dos escritos platônicos sobre as artes: 1) a ideia geral de arte,
téchne, cujo princípio está na medida; 2) os objetivos e deficiências do conceito de mímese; 3) o conceito de
inspiração, entusiasmo, loucura ou obsessão, como condições necessárias à criação; 4) o conceito de loucura erótica
e sua conexão com a visão do Belo.
A medida é um conceito extensivo em Platão, abraçando os princípios do bem e da beleza. Saber fazer pressupõe
o conhecimento dos fins almejados e dos melhores meios para atingi-los. No cerne desse conhecimento está a noção
de medida unindo tanto o poeta que sabe que tamanho exato uma fala deve ter e o pintor que sabe em que proporção
uma figura deve aparecer, quanto o cidadão que sabe que distribuições são apropriadas para as funções na sociedade.

Entre as artes, a superior é aquela de um produtor divino, o Demiurgo, que compôs o universo imitando as ideias
verdadeiras e as formas imutáveis. Seguindo o Demiurgo, o legislador também concebe a comunidade humana de
acordo com as Ideias do Bem, da Justiça e da Verdade. Em terceiro lugar na hierarquia, estão os poetas e os artistas
que também visam aos ideais, mas, diferentemente do Demiurgo, eles podem falhar no conhecimento da realidade
última, produzindo meras aparências da natureza sensível. Quando o artista, por outro lado, é guiado pela visão da
educação que o filósofo possui, sua imitação será verdadeira (eikastika), em oposição à falsa imitação (fantastika), o
julgamento do falso e do verdadeiro dependendo das finalidades morais da pólis.

Há algo no fazer artístico que transcende as regras e o saber fazer, algo que vai além da téchne. É a inspiração. O
poeta traz em si o sopro do divino. Nessa medida, a concepção platônica da loucura não é meramente negativa. Há
nela algo de nobre e enaltecedor e é dela que advém a complexa noção do belo em Platão.

São quatro os tipos de loucura: a profética, a iniciatória, a poética e a erótica. Esta última leva os homens a
entrever a beleza eterna do mundo habitado pelos deuses. O desejo inatingível do amante conduz sua alma à
contemplação da forma imutável do belo. Enquanto a loucura poética liga o poeta à sua musa, a loucura erótica liga
o indivíduo à forma de divindade que lhe é própria, com sua forma especial de beleza, esta também uma sombra ou
imitação do belo eterno. Finalizando, portanto, tudo que é humano é imitativo, submetendo-se a um princípio de
julgamento que é geral e coletivo baseado nas necessidades da comunidade, São essas necessidades que também
controlam as inspirações divinas da arte.

Quando se passa de Platão para Aristóteles, a tendência mais imediata é pensar que, enquanto a teoria da arte do
primeiro está espalhada por sua obra, a de Aristóteles está concentrada sistematizada numa obra específica, a
Poética (Aristóteles, 1940). Essa conclusão, embora muito comum, é enganosa. Se pretendemos extrair a teoria da
arte aristotélica só da Poética, ficaremos com uma visão parcial e tendenciosa. Sem negar o valor antológico dessa
obra, o papel por ela desempenhado no todo da filosofia da arte de Aristóteles é um papel especializado, pois a
Poética lida apenas com um tipo de téchne, um tipo de arte imitativa, a poesia e, dentro desta, o teatro e, dentro
deste, a tragédia. Embora esta seja, de fato, a forma de arte privilegiada por Aristóteles, a Poética só é capaz de nos
fornecer um retrato incompleto das concepções de arte, da beleza, do bem artístico e da relação entre arte e natureza
desenvolvidas por Aristóteles em passagens que aparecem tanto na Metafisica e na Ética quanto na Retórica e na
Política (Aristóteles, 1964), passagens estas, aliás, que amplificam e nos ajudam a compreender melhor a própria
Poética (Hofstadter e Kuhns, 1976, p. 78-138).

Para Aristóteles a arte é, antes de tudo, resultado de uma habilidade especial para o fazer, não o fazer maquinal,
repetitivo, mas aquele capaz de transfigurar os materiais a ponto de alcançar um poder revelatório. A arte será tanto
mais bem realizada quanto mais a perfeição de sua forma, na segurança do método, for capaz de atingir a unidade
satisfatória de um todo eficaz e auto-sustentado. O belo, portanto, é o fruto ou resultado do domínio que o artista tem
da téchne, de quão habilmente ele é capaz de utilizar os meios da composição, tendo em vista a simetria, harmonia e
completude. São essas condições da téchne que estão pressupostas na Poética, na qual, seguindo seu método de
definição que procede de acordo com a análise de um assunto segundo sua divisão em gênero e espécie, Aristóteles
buscou chegar a uma completa definição de seu objeto, a arte poética trágica.

De acordo com Dickie et all (1977, p. 6), a Poética não exibe a justeza de estrutura, o rigor dos argumentos e a
sistemática da exposição que são típicos de outras obras aristotélicas, porque os manuscritos que deram origem a
essa obra vieram muito provavelmente de uma série de notas de palestras a partir das quais ele pretendia escrever
um tratado completo. De todo modo, é o primeiro estudo minucioso dos princípios estruturais das obras de arte, o
primeiro tratado sistemático a lidar com a arte poética como um fazer genuíno do qual se origina um todo orgânico,
ideia matriz na concepção da obra de arte que tem perdurado por mais de vinte séculos.

O conceito básico no entendimento aristotélico da arte é também o de mímese, mas entendida dentro de
pressupostos e finalidades bastante diversas das platônicas. Segundo Eva Schaper (1968, p. 57-67), a mímese, para
Aristóteles, deriva de uma necessária relação de adequação que deve haver, entre arte e vida, arte e natureza. O que a
arte imita, assim, é a atividade produtiva da natureza. Aqui, a mímese não é mais imitação como cópia de algo
prévio, não é a produção da semelhança, num ato de fidelidade a um original qualquer que seja, mas é criação ou
poiesis. A imitação poética visa à criação de algo novo, por isso mesmo, só a arte pode ser mimética, o que significa
deslocar o conceito de mímese do sentido de cópia para o de representação e transformação. Representação,
portanto, não quer dizer reprodução, mas sim apresentar algo como se fosse real. O estudo das exigências estruturais
e dos princípios formais das obras poéticas advém, desse modo, da necessidade de diferenciar a construção poética,
que é mimética, de outras espécies de construção históricas e cognitivas, por exemplo.

A arte não imita coisas, ideias ou conceitos. Ela mostra como a natureza trabalha e assim o faz através da
construção de suas próprias criações, daí seu poder transfigurador. As obras não são réplicas ou cópias, mas ficções
reveladoras, produtos da imaginação criativa orientada para o fazer, imaginação produtiva. A arte está voltada para
os princípios formativos que operam na natureza e na vida, imita-os e os encarna em estruturas feitas pelo homem.
Na junção da téchne, sabedoria na operação com os meios, com a poiesis, capacidade criadora, o poeta é capaz de
revelar poeticamente verdades concernentes à natureza e à vida que não apareceriam sem a sua intervenção. A arte,
sob esse ponto de vista, tem muito pouco ou nada a ver com a exigência de correspondência a qualquer modelo
preestabelecido, mas sim com o estabelecimento de representações convincentes, internamente procedentes, quer
dizer, verossimilhantes. E eis aí, na verossimilhança, mais um dos conceitos originados em Aristóteles,
indispensável à teoria e crítica de arte e literatura até os nossos dias.

Analisar o modo, a maneira como os resultados acima podem ser atingidos, foi o objetivo da Poética que
começa com uma classificação das artes miméticas até chegar à forma trágica, a privilegiada por Aristóteles porque,
nela, o objeto da imitação são as ações humanas arquetípicas. Quando estas são colocadas sob uma luz relevadora, a
arte atinge seu mais alto objetivo: o efeito catártico através do qual o receptor passa por uma experiência
purificadora e educativa.

Embora aparentemente oposta à filosofia da arte platônica, a aristotélica emprestou dela muitos de seus
conceitos, entre eles especialmente o de téchne e o de mímese. Também para Aristóteles, toda arte é uma forma de
téchne, cujo exercício depende de uma série de requisitos. Mas ao invés de colocar esses requisitos nas forças
misteriosas que emanam do divino, ele os trouxe para as habilidades e poderes especiais do artista para configurar,
através da força de sua imaginação, estruturas criadoras, poiesis. Também para Aristóteles, toda arte é mimética,
Diferentemente de Platão, contudo, a arte não é cópia servil de uma realidade que a transcende, mas mantém com a
natureza, especialmente a humana, uma relação de correspondência e complementaridade criativa e reveladora. O
exemplo mais claro da distinção radical, na compreensão da mímese, que separa Aristóteles de Platão está na
consideração aristotélica da música como a mais mimética de todas as artes. Uma vez que a música não tem poderes
para copiar a aparência do mundo exterior, fica aí claro o conceito de mímese como construção representativa que
não está voltada para um objeto ou aparência, mas, para a apresentação de uma forma reveladora, no caso da música,
a forma emocional dos sentimentos humanos.

A maior diferença entre Platão e Aristóteles reside nas consequências que cada um deles extraiu de sua filosofia
para a apreciação e avaliação da arte. Se, para Platão, a arte pode ser fonte de ilusão e levar ao engano por alimentar
as paixões, para Aristóteles, a arte é valiosa porque reparadora das deficiências da natureza, especialmente as
humanas, trazendo com isso uma contribuição moral inestimável. Rejeitando o idealismo metafísico de seu
antecessor, Aristóteles depreciou o papel que a beleza e o amor erótico desempenham na discussão da arte. Tratando
a beleza como uma propriedade objetiva da obra de arte e mesmo da natureza, em lugar da busca inspirada do Belo
que Platão considerava como um dos fins últimos da arte, deslocou sua ênfase para os benefícios morais que a arte
pode trazer. Finalmente, embora distinta das formas de cognição próprias da filosofia e do conhecimento racional, a
arte não deve ser, segundo Aristóteles, identificada com a desrazão. Não há, para ele, uma dicotomia rígida entre o
racional e o irracional, mas um jogo de forças complementares entre os poderes imaginativos e construtivos da arte e
as faculdades intelectivas da filosofia.

As obras de Platão e Aristóteles foram fontes hegemônicas de inspiração para os filósofos que os seguiram por
muitos séculos, só tendo essa hegemonia entrado em crise com o advento da filosofia moderna, a partir do
racionalismo cartesiano e do empiricismo de Locke. Antes que isso ocorresse, no entanto, dependendo da filiação ou
inclinação ontológica do filósofo, sua visão da arte penderia para o idealismo platônico ou para o realismo
aristotélico. Passando uma vista rápida sobre alguns desses filósofos, que trouxeram contribuições para a filosofia da
arte, há que ser mencionado, antes de tudo, um texto de fonte discutível, provavelmente do século I a.C., que viria
influenciar grandemente o apogeu da estética no ocidente e cuja autoria tem sido conferida a Longino (III d.C.).
Trata-se do ensaio Sobre o sublime (Longino 1965, ver também Coleman, 1974, p. 12-2). Duas questões,
principalmente com referência à literatura são levantadas nesse tratado: 1) qual é a qualidade que faz uma obra ser
grande ou sublime? 2) Como a qualidade pode ser produzida? Há recursos retóricos que fazem aflorar o sentimento
do sublime, mas ele também depende de uma disposição da alma, uma habilidade para absorver “grandes
concepções” e alimentar paixões fortes e impetuosas. Através de suas habilidades retóricas, o artista traz à tona
sentimentos de êxtase na afinidade da alma com o supra-sensível. O estranho e o grandioso, em oposição ao
prosaico, contribuem para o efeito estético: “O que é útil e necessário parece caseiro, mas o que é estranho é
maravilhoso”, de onde decorre o sublime como “eco da grande alma... a nоta que soa da grande mente”.

Em Plotino (por volta de 205-270 d.C.), iremos encontrar uma metafísica do belo que trouxe influências, de um
modo ou de outro, para a filosofia cristã e o Renascimento italiano, de um lado, o neo platonismo da escola de
Cambridge, no século XVII, e o romantismo alemão do século XIX, de outro. Ao mesmo tempo que Plotino (1957)
levou a filosofia platônica às suas consequências lógicas, ele também a temperou com um misticismo quase
irracional. Aceitou a distinção platônica básica entre as essências imutáveis reais, objetos da inteligência, e as coisas
particulares e mutáveis, objetos dos sentidos. Da perfeição do Uno, que transcende toda existência, emana a divina
inteligência da qual podemos participar, dela advindo uma terceira divindade, a alma do mundo, que se manifesta
em nossas almas e cria o mundo sensível. Essas sucessivas emanações, exceto a matéria, tendem a retornar para a
origem de onde partiram. A beleza física, então, Será fruto da unificação da multiplicidade informe da matéria sob a
força de algum caráter essencial. “Na natureza isso será produzido pela alma do mundo, na arte pela alma do mundo
manifesta na alma humana”. Mais bela do que qualquer beleza física, contudo, é a qualidade essencial apreendida e
possuída pela inteligência, pois “o fundamento da possibilidade de toda unidade, de toda beleza, é o Uno” (Carritt,
1931, p. 43-44).

Foi com Plotino, na sua concepção da natureza simbólica de todos os produtos humanos, retomada pela filosofia
alemã do século XIX, que o caráter simbólico da arte recebeu sua primeira formulação. Não apenas o belo é um
símbolo da harmonia cósmica, mas esta só pode ser sugerida através de metáforas de natureza poética. Sua visão
lírica das emanações do belo assemelha-se aos eflúvios de uma cascata etérea: “O Bem irradia a beleza de si mesmo
e é a fonte da beleza, enquanto a beleza, em si mesma, é segunda na ordem das emanações”. A beleza daquilo que é
produzido pelo homem é uma imitação da Beleza e do Bem puros. Em relação à beleza do que é criado, o belo
natural é incompleto. Daí as artes tentarem aperfeiçoá-lo e enobrecê-lo, o que as coloca no meio do caminho entre o
Belo puro e as belezas relativamente obscuras da natureza, e do que decorre que a arte é um símbolo duplo: da
realidade inferior, que ela engrandece, e da realidade última, que ela espelha (Hofstadter e Kuhns, 1976, p. 140-
141).

Em Santo Agostinho (354-430), a filosofia de Plotino recebeu sua tradução cristã. O desafio a ser enfrentado
nessa tradução estava em encontrar as justificativas religiosas para a questão do belo, o grande problema advindo da
gratificação sensória imediata que a arte produz. Mesmo que a harmonia divina esteja refletida na natureza e na arte,
os objetos perceptivos atraem os sentidos para as coisas terrenas, conturbando a contemplação do eterno e imutável.
Vem daí que, para Agostinho, quanto menos sensória fora arte, mais ela espelhará a ordem divina. A música é,
assim, superior à pintura, mas são as palavras da escritura que estão mais adaptadas aos poderes da compreensão
humana. Em síntese: na medida em que a arte concorda com as verdades da fé e reflete as harmonias do poder
criador divino, ela está justificada.

Num livro primeiramente publicado em 1956, traduzido para o inglês em 1988, Umberto Eco defendeu a tese de
que o sistema filosófico de Santo Tomás de Aquino (por volta de 1225-1274) inclui uma teoria estética coerente.
Segundo Eco (ibid., p. 6), os medievais apossaram-se de vários temas, problemas e soluções do mundo clássico,
usando-os no contexto de uma sensibilidade nova e diferente. Desse modo, eles só estavam dispostos a receber a
beleza na sua aparição como realidade puramente inteligível, como harmonia moral ou esplendor metafísico, mas, ao
mesmo tempo, não conseguiam descartar totalmente a beleza sensível simplesmente porque um valor mais alto,
especialmente no nível teórico, era conferido à beleza do espírito. De fato, a tensão entre o teórico e o prático, que se
expressou no pensamento medieval, gerou uma tentativa de conciliação desses dois lados irreprimíveis da beleza, na
concepção que eles desenvolveram da experiência estética. Santo Tomás não formulou uma teoria estética específica
e homogênea num corpo explícito de escritos, nos diz Eco (ibid., p. 19), mas há um papel fundamental
desempenhado pela beleza no seu pensamento, como restauradora de uma ordem e equilíbrio que emergem através
da síntese de eventos causais e contradições empíricas.

Ele entendia a beleza como uma propriedade transcendental e constante do ser. Ser é aquilo que pode ser visto
como belo. Todos os seres contêm as condições constantes da beleza, uma vez que o universo, como obra de seu
criador, é necessariamente belo, uma enorme sinfonia de beleza. O mundo de Aquinas, Eco explica (ibid., p. 47), era
uma hierarquia de existentes que adquiriam seu valor individual através da participação, estabelecida dentro de
limites estáveis e definidos. Todo belo é bom, e tudo que é bom o é por estar associado numa perfeição definida com
um certo ato de existir. O belo e o bem estão fundados na forma, que é a razão porque algo está em ato, ou tem
atualidade, sendo bom por si mesmo.

Num lindo ensaio sobre “Beleza e Imitação”, Jacques Maritain (1882-1973) compôs o belo de Santo Tomás
numa orquestração poética que merece ser ouvida (apud Rader, 1966, p. 26-34):

O belo é o que dá alegria, não qualquer alegria, mas alegria no conhecimento; não a alegria peculiar ao ato de conhecer, mas uma alegria
superabundante, extrapolando tal ato devido ao objeto conhecido. Se algo exalta e delicia a alma pelo simples fato de ser dado na intuição da
alma, é bom de ser apreendido, é belo. A beleza é essencialmente o objeto da inteligência, pois o que conhece, no pleno sentido da palavra, é
a mente, apenas ela aberta para a infinitude do ser. [...] “O belo se relaciona à visão e audição entre todos os sentidos porque esses dois são
maxime cognoscitive” [...] O belo conatural ao homem é aquele que vem deliciar a alma através dos sentidos e suas intuições. Esse também o
belo particular de nossa arte, que trabalha sobre uma matéria sensível para o regozijo do espírito. Ela tem o sabor do paraíso terrestre porque
restaura, por um breve momento, a paz simultânea e a delícia da mente e dos sentidos.

A seguir, Maritain acrescentou que a beleza delícia a mente porque ela apresenta essencialmente uma certa
excelência ou perfeição na proporção das coisas à mente, de onde advêm as três condições que Santo Tomás
determinou para a beleza: integridade, porque a mente gosta de ser; proporção, porque à mente agradam a ordem e
unidade; e, acima de tudo, brilho e claridade, porque a mente gosta da luz e da inteligibilidade. Um certo esplendor
foi, de fato, um caráter essencial da beleza para os antigos: splendor veri (da verdade), em Platão; splendor ordinis
(da ordem), “a unidade é a forma de toda beleza”, em Agostinho; splendor formae (da forma), com precisão
metafísica da linguagem, para Aquinas. A “forma”, Maritain explicou, “o princípio determinando a perfeição
particular das coisas, ao constituir e completar as coisas na sua essência e qualidade, é o segredo ontológico de seu
ser mais íntimo, sua essência espiritual, seu mistério operativo, é sobretudo o princípio peculiar da inteligibilidade, a
claridade peculiar de todas as coisas”. Toda beleza sensível envolve um certo deleite dos olhos ou do ouvido, ou da
imaginação, mas não pode haver qualquer beleza se a mente não estiver, do mesmo modo, deleitada.

Para Aquinas, obviamente muito mais aristotélico do que platônico, não há uma separação rígida entre sentidos e
mente. O brilho da forma, não importa quão puramente inteligível ele possa ser, em si mesmo, é apreendido nos
sentidos e pelos sentidos, a intuição da beleza artística estando no pólo oposto complementar da abstração das
verdades discursivas. Enfim, o belo é essencialmente prazeroso, por sua própria natureza incita o desejo e produz
amor, enquanto a verdade como tal apenas ilumina.

Ao final de sua tese, Umberto Eco conclui que o mundo medieval entrou em crise não apenas devido às
dificuldades de conciliação das forças opostas que lutavam em seu interior, mas porque a realidade foi se tornando
cada vez mais prática e as pessoas não encontravam, nas abstrações medievais, instrumentos de conhecimento para
sua vida cotidiana. O esplendor do belo inteligível de uma certa forma, se viu sombreado pela irrupção do prosaico.

Com o fim da era medieval, a obra mais influente do renascimento italiano foi o comentário do Simpósio de
Platão, na obra De amore (1475), sob autoria do humanista, Marsilio Ficino (1433-1499). Mais que um mero
comentário, essa obra (Ficino, 1985) se constitui num verdadeiro tratado do belo. No universo sonhado por Ficino, a
criação é o processo dominante, conduzido pela necessidade do amor, tal qual uma corrente em movimento de
espiritualidade divina, viajando de Deus para o mundo e deste de volta a Deus. A beleza visível é o meio para a
beleza inteligível. Este meio se realiza através do amor humano, enquanto a beleza inteligível só pode ter realização
divina. Daí as duas Vênus, a celestial e a terrestre, na pintura renascentista italiana. Com Platão lido à luz de Plotino,
criou-se, então, uma nova tradição neo platônica, mais propriamente conhecida como o humanismo renascentista
italiano.

Ao mesmo tempo, o Renascimento viria trazer o desenvolvimento da autonomia do belo frente à esfera moral. A
arte, até então genericamente concebida, iria codificar-se em subdivisões específicas, passando a mímese a ser
entendida como imitação da beleza natural. O advento do capitalismo mercantilista e o antropocentrismo nascente
exigiriam o reconhecimento “das qualidades especificamente humanas do artista, capaz de produzir objetos belos”.
O valor dos objetos artísticos seria, daí раrа а frente, duplo: “espiritual e material, quer dizer, mercantil”. Durante os
séculos XVI e XVII, as ideias estéticas de Aristóteles viriam ganhar importância por toda a Europa. Estando
implícita no neoclassicismo uma síntese do racionalismo e a exaltação da natureza, estava preparado o terreno para a
autonomização da esfera artística do século XVIII (Jiménez, 1992, p. 27-29).
Enquanto isso, ainda na Itália, Giambatista Vico (1668-1744) trabalhava na majestosa Scienza nuova (1725), que
Benedetto Croce (1866-1952), na sua Aesthetica (1922, p. 225), viria considerar como um dos pontos inaugurais da
estética moderna, inauguração, aliás, tão monumental quanto a da estética hegeliana, embora menos específica.
2. A GESTAÇÃO DO GOSTO E DO SUBLIME

A terceira crítica kantiana germinou em terreno fértil, que começou a ser semeado com uma série de questões
cruciais levantadas pelos autores da escola iluminista inglesa, no século XVIII, situados prioritariamente dentro do
espírito do empiricismo. As ideias, como as famílias, têm história, nos diz Coleman (1974, p. 120). Embora os tenha
retrabalhado, ajustando-os ao contexto de sua filosofia, Kant incorporou muitos dos lugares-comuns sua época. As
fontes das principais ideias que a Crítica do julgamento levou à discussão nasceram dentro de um contexto peculiar,
que teve um de seus primeiros ancestrais muito provavelmente na tradução francesa, de 1674, que Nicolás Boileau
(1636-1711) fez do tratado Sobre ο sublime, de Longino. Na introdução à tradução, o autor fazia uma distinção entre
o sublime em si e o estilo sublime, o primeiro só pode ser atingido pelos pensamentos elevados, o segundo pela
retórica. Boileau foi um neo classicista, que entrelaçou Descartes e Aristóteles, propondo uma concepção do belo
subordinado ao verdadeiro, cuja fonte última estava na natureza, inclusive a natureza humana. Verdade e beleza
encontraram aí uma fundamentação naturalista, muito bem equacionada pela razão (Jiménez, 1992, p. 29). Não é por
coincidência que, para Boileau, nem mesmo a grandeza do sublime estaria autorizada a violar o senso de
propriedade, devendo ser colocada dentro da moldura de uma linguagem simples, despida de figuras.

Não foi na França, contudo, que, naquele momento, o sublime encontraria notoriedade e começaria a fazer
história, mas na Inglaterra, primeiramente através de Shaftesbury, que derivou de Boileau seu interesse pelo assunto.
Para Shaftesbury, o sublime chegou em boa hora. Com o avanço expressivo das ciências físicas e o advento do
racionalismo e do empiricismo, ele tentava encontrar meios alternativos para a defesa dos valores estéticos contra os
ataques do relativismo e das concepções mecânicas do universo. Shaftesbury era um neo platônico, filiado
intelectualmente aos platonistas de Cambridge. Sua atração pelo sublime foi uma atração natural. Embora Platão
nunca tivesse mencionado o sublime como uma categoria distintiva do estético, o poder da arte, para ele, estava na
manipulação psíquica, nas formas de êxtase e fascinação que a obra exerce sobre a alma. Ora, Platão amava a arte,
mas amava, ainda mais, o estado. A mais alta e verdadeira forma de arte era aquela capaz de fortalecer as fibras
morais da alma, unindo os homens como seres políticos. Aí está um embrião do sublime, ligado à elevação moral.

Shaftesbury, por seu lado, sob as pressões do materialismo mecanicista, em 1711, no seu Características dos
homens, maneiras, opiniões e tempos (Shaftesbury, 1900), buscou reafirmar os valores da natureza através da beleza
como um valor independente em si mesmo. A beleza da natureza pode ser apreciada através de uma sensibilidade
especial que se expressa no julgamento estético. O poder criativo da natureza se espelha no poder criativo da mente
poética, ambos manifestações correspondentes da harmonia divina. Essa harmonia pode ser fruída em exercícios de
gosto, apreciação, discernimento. Os julgamentos do belo também podem ser criativos. A natureza não é apenas
bela, mas também sublime. Na experiência religiosa do sublime, repousa a concepção humana do infinito. Para
Shaftesbury, a experiência do sublime é essencialmente estética. Nasceu aí o conceito de desinteresse estético. O
julgamento do belo advém de uma apreensão imediata, quase inocente, que se distingue de qualquer finalidade
moral ou utilitária (Hofstadter e Kuhns, 1976, p. 239-241).

Shaftesbury não teve nenhuma ligação com o empiricismo, mas enquanto o racionalismo tinha muito pouco a
falar sobre a estética e o sublime, os empiricistas encontraram em ambos uma espécie de tubo de ensaio para suas
discussões sobre percepção, sensação e cognição. Não demorou muito para o sublime se popularizar. Isso se deu nos
escritos de Addison. Fortaleceu-se, na tradição, o consenso de que a estética moderna começou com Baumgarten.
Discute-se, no entanto, que suas formulações inaugurais encontram-se, antes disso, na Inglaterra, nos trabalhos de
Addison Sobre os prazeres da imaginação, publicados no Spectator, em 1721 (Addison, 1965). Tanto quanto em
Shaftesbury, o sublime não foi, aí, separado da beleza, mas passou a ser visto como um dos tipos de beleza, a
incomum, inusitada. Addison distorceu a distinção entre o que é expresso e o como é expresso, além de distinguir
entre o falso e o verdadeiro sublime, este sendo algo que eleva e assombra a imaginação, dando grandeza à alma. À
teoria do sublime teria, assim, de esperar por Edmund Burke (1729-1797) para encontrar sua primeira discussão
sistemática e coerente. Antes disso, as observações esparsas sobre a teoria do gosto, que já apareciam nos textos de
Addison, iriam encontrar seu desenvolvimento mais pleno nas obras de Hutcheson e Hume.

Addison definirá o gosto como a faculdade da alma que discerne o belo com prazer e as imperfeições com
desprazer. As perguntas formuladas por ele, para a discussão dessa faculdade, resumem-se nas seguintes: 1) Qual é o
caráter do sentimento do belo? É um prazer interior, ... uma alegria e um deleite, eis a resposta. 2) O que há nos
objetos para causar isso? Como resposta, foram apresentados três tipos de beleza, a percebida entre os membros da
mesma espécie, a da arte e natureza e, por fim, a beleza da semelhança. 3) Qual é o estado otimizado que nos torna
mais receptivos para perceber a beleza? Resposta: o desinteresse estético (Kivy, 1977, p. 254).

Se o estilo de Addison apresentava uma certa displicência, até charmosa, dois de seus sucessores mais
sistemáticos, Hutcheson e Hume, iriam tentar criar uma verdadeira “lógica” do discurso estético. Se Os prazeres da
imaginação marcaram os primórdios do discurso moderno sobre a estética, seu primeiro tratado está na Investigação
a respeito da beleza, Ordem, Harmonia, Design, o primeiro entre dois ensaios que Hutcheson publicou juntos, em
1725 (Hutcheson, 1973), sob o título de Investigação sobre a origem de nossas idéias do belo e da virtude.
Encarnado num modelo perceptivo, esse tratado levou às últimas consequências, imortalizando a noção de “senso de
beleza”. Hutcheson acreditava que a idéia de beleza nascia de uma qualidade complexa por ele chamada de
uniformidade em meio à variedade. A apreensão da beleza tem um caráter diferente, um “gosto” diferente de
qualquer outro tipo de prazer dirigido para finalidades práticas. Embora suas idéias fossem muito sugestivas,
Hutcheson se perdeu na lógica de sua argumentação. Mas Hume, atraído pelas afinidades com essas ideias, iria levá-
las à frente, tentando resolver seus paradoxos no seu Sobre o padrão do gosto, um dentre vários ensaios publicados
sob o título de Quatro dissertações, em 1757, e talvez um dos frutos estéticos mais ricos, amadurecido no
Iluminismo inglês. Uma visão de conjunto das aquisições, nas semelhanças e diferenças entre os criadores da teoria
do gosto, permite apreciar melhor as dificuldades que Hume teve que enfrentar sem conseguir solucionar.

Segundo Dickie et al (1977, p. 219-221), o primeiro grande ponto comum a ligar todos esses teóricos ingleses
estava na percepção, modo através do qual são conhecidos os objetos do mundo com suas características. O segundo
ponto estava na faculdade do gosto. Quanto à natureza dessa faculdade, surgiram diferenças. Addison falou
vagamente em imaginação. Hutcheson, em sentido interno da beleza, que reage àquilo que os sentidos externos
apreendem. Burke, como se verá mais adiante, rejeitou a noção de uma faculdade subjetiva do gosto, substituindo-a
pela propensão para experimentar o prazer e a dor. Hume não problematizou a faculdade do gosto em si, mas suas
consequências lógicas. O terceiro ponto estava no produto mental, o prazer, advindo da reação produzida pela
faculdade do gosto. O quarto ponto estava voltado para o tipo de objeto ao qual a faculdade do gosto reage, aqui se
encontrando o pomo da discórdia entre os teóricos. Para Hutcheson, era a uniformidade na variedade, para Burke,
uma série de propriedades dos objetos. Hume também mencionou certas qualidades dos objetos, enquanto o último
dos teóricos do gosto, Archibald Alison (1757-1839), nos seus Ensaios sobre a natureza e princípios do gosto, de
1790, escreveu sobre a percepção de algo que é um signo de, ou é expressivo de uma qualidade da mente, nobreza,
por exemplo (Alison, 1968). O quinto ponto concentrava-se no julgamento do gosto, pelo qual se queria significar
que um objeto percebido, em virtude de alguma característica, que lhe é própria faz com que a faculdade do gosto
reaja, produzindo o prazer. Por fim, o último grande ponto de união entre todos estava na noção de desinteresse, que,
de uma forma ou de outra, estava implicada na própria natureza da faculdade do gosto.

Assim se desenhava o estado da questão, quando Hume colocou em discussão o paradoxo do gosto. Embora o
senso comum concorde com a filosofia cética ao considerar estéril a disputa sobre questões de gosto, esse mesmo
senso-comum é capaz de descartar certos julgamentos como sendo não apenas improcedentes, mas até mesmo
ridículos. Desse modo, o paradoxo para Hume, se expressava como se segue (Mothersill, 1977, p. 27): dado que a
preferência estética depende do sentimento, que é distinto da evidência factual e observação, e dado que os
indivíduos evidentemente diferem em relação ao que gostam ou não em termos de poesia e arte, como podem existir
algumas opiniões que são imediatamente descartadas como falsas e outras sobre as quais há certa concordância?
Hume achava que o caminho para a solução desse dilema, estava no gosto. Havendo certas qualidades que são
universalmente agradáveis, devem existir “leis do gosto”. Os bons críticos são aqueles que sabem detectar essas
qualidades nas obras de arte o veredito conjunto de tais críticos produz o “padrão do gosto”. Ora, Hume foi
totalmente incapaz de indicar caminhos de respostas tanto relativos à natureza dessas leis quanto ao estatuto de tal
padrão. O paradoxo foi herdado por Kant com o novo título de “antinomia do gosto”.

Dentro desse grupo de destacados teóricos da apreciação estética, aquele que levou mais a sério a questão do
sublime, inserindo-a numa “lógica” do gosto com pretensão de validade intersubjetiva, e apresentado-a sob uma
entonação mais fisiológica, foi Burke, ao publicar, em 1757, a sua Investigação filosófica sobre a origem de nossas
ideias do sublime e do belo (Burke, 1958).

De acordo com Coleman (1974, p. 124-126), para Burke, sensações agradáveis podem ser positivas ou envolver
a remoção ou diminuição da dor. O sublime pertence a esse último tipo, além de depender de paixões ligadas à
autopreservação, ou paixões ligadas à dor e perigo. Essas paixões são um deleite quando temos uma ideia da dor e
do perigo, sem estarmos realmente experimentando tal situação… Qualquer coisa que excite esse deleite, Burke
chamou de sublime, começando sua análise com a estupefação, ou aquele estado em que nossos movimentos ficam
suspensos em algum ponto do horror. “A mente é ultrapassada, assoberbada pela imensidade do objeto contemplado;
ficamos estáticos, incapazes de nos mover”. Mas o sublime tem graus que vão da estupefação e horror à “admiração,
reverência e respeito”. Tudo que opera de algum modo análogo ao terror é uma fonte do sublime, ou seja, é produtor
da emoção mais forte que a mente é capaz de atingir.

Em síntese: segundo Burke, o sublime não procede da beleza apaziguada, mas da desunião e conflito das
faculdades. Ele é capaz de remover a finitude do ser ao revelar sua ausência de fronteiras. Confrontada com o
sublime da natureza ou da arte, nossa liberdade fica exposta. A beleza une e civiliza por meio da forma; o sublime
não tem forma, mas desperta os sentimentos morais mais profundos.
3. A EMERGÊNCIA DA ESTÉTICA

Quando se passa dos ensaios ingleses sobre o gosto para as analíticas do belo e do sublime de Kant, o nível de
complexidade da discussão cresce numa ordem tal que as teorias do gosto ficam parecendo balbucios de crianças
aprendendo a falar a língua materna. A rigor, não foi apenas dos ingleses que Kant herdou a constelação de questões
nas quais iria concentrar suas analíticas. Numa das passagens da Crítica do julgamento, ele declarava que as
questões da estética, nas críticas do gosto do seu tempo, estavam agudamente divididas entre o racionalismo e o
empiricismo (Kant, 1929, p. 25-26). Embora Descartes não tenha escrito quase nada sobre estética, por mais de um
século seu método e metafísica influenciaram profundamente as concepções sobre a natureza da arte. Assumia-se,
nessas concepções, que a natureza e a razão são idênticas, de modo que as regras que governam as ciências também
governam as artes. Aristóteles era muitas vezes considerado como o grande descobridor das regras da crítica, do
mesmo modo que Newton iria, depois, descobrir as leis da Física. Não se negava, com isso, que a arte fosse
expressiva, uma vez que o modelo cartesiano previa a descrição minuciosa das mudanças até mesmo fisiológicas da
emoção. Sendo, no entanto, a verdade da representação e a perfeição os fins últimos da arte, o artista deveria passar
por um treinamento das paixões que não diferia muito do treinamento do cientista (Coleman, 1974, p. 7-8).

Dentro desse contexto racionalista, em 1746, Charles Batteux (1713-1780) publicou, na França, seu famoso
tratado sobre As belas artes reduzidas a um mesmo princípio (Batteux, 1969), no qual todas as artes se reduziam ao
princípio da mímese, entendida como beleza natural. Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781), contemporâneo
alemão de Batteux, autor do não menos famoso Laocoonte, publicado em 1766, também tomava como pressuposto
um fim comum e definível para as artes, mas baseava seus critérios de pureza e imitação em regras determinadas de
perfeição (Lessing, 1957). Foi enorme a influência do tratado de Batteux sobre o iluminismo francês e sobre a
concepção das artes que iria dominar no Ocidente até meados do século XIX. Foi só então que, sob o impacto das
tecnologias industriais, a partir do impressionismo, as vanguardas artísticas iriam colocar a mímese, concebida como
imitação da natureza, numa crise para a qual não haveria mais qualquer possibilidade de retorno, muito
especialmente porque essa crise só veio se acentuar depois que o advento das recentes tecnologias de simulação
começou a colocar a própria noção de natureza e de realidade em questão.

Foi em Batteux que o ideal renascentista de especialização das artes, necessária para o culto individual do artista
e para a mercantilização dos objetos de arte, atingiu o seu ápice, pois, ao criar o conceito de “belas artes”, Batteux as
codificava nas cinco artes nobres, ou seja, a pintura, a escultura, a música, a poesia e a dança, além de mencionar
outras duas relacionadas com elas, a arquitetura e a eloquência. Estava semeado o terreno para o nascimento da
noção do artista como indivíduo de gênio, tematizada por Kant e dominante na estética romântica. A codificação das
cinco belas-artes se generalizou com tal rapidez que, no século XIX, o adjetivo “belas” foi dispensado e o sentido da
palavra arte foi ainda mais estreitado, deixando de fora o artesanato e a ciência. No século XX, quando as
vanguardas artísticas já colocavam em questão a própria noção de arte, as ideologias institucionais da arte
estreitavam ainda mais o seu sentido, limitando-o apenas às artes plásticas e, mais especificamente, àquelas que
podem ser expostas em museus e galerias.

Denis Diderot (1713-1784), outro esteta do iluminismo francês, contemporâneo de Batteux, foi, segundo
Jiménez (1992, p. 35-36), um caso particularmente interessante, porque, embora imerso no ideal iluminista da
universalidade do belo como uma qualidade transcendental e essencial da natureza, relativizou o caráter absoluto e
substantivo do belo, através do sensualismo e materialismo que constituíam as diretrizes básicas de seu pensamento.
Em 1752, nas suas Investigações filosóficas sobre a origem e natureza do belo, Diderot (1968 e 1981) falava do
“belo fora de mim, belo real” e do “belo em relação a mim, belo percebido”. “O que constitui a dimensão universal
da estética, sob o caráter variável e fluido da beleza, é a existência de um fundo cultural que conduz a percepção das
relações” (...). Situada a beleza na percepção das relações, tem-se a história de seus progressos no correr dos tempos.
“O caráter relativo do belo fica, assim, enlaçado no desenrolar evolutivo de uma qualidade universal da natureza
humana: a capacidade de perceber relações”, conclui Jiménez.

Não foi a França, mas a Alemanha que viu nascer a primeira exposição rigorosamente cartesiana da estética. Ela
veio com o tratado Aesthetica, escrito em latim e publicado em 1750, por Baumgarten (1961). Em 1735, nas suas
Reflexões filosóficas acerca da poesia, Baumgartem (1954) via a estética como a equivalente sensual da lógica, quer
dizer, a estética estava para a sensorialidade, conhecimento inferior, do mesmo modo que a lógica estava para o
pensamento, conhecimento superior. Já no primeiro parágrafo da Aesthetica, esta era tomada como a scientia
cognitionis sensitivae, “teoria das artes liberais, gnoseologia inferior, arte de pensar belamente, arte da razão
análoga”. O que ele queria investigar não era nem o mero gosto, nem as meras sensações — o sentimento que se
registra num sujeito em resposta a um estímulo —, mas um modo de conhecimento. Como seus mestres
racionalistas, especialmente Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), ele havia aprendido a dividir o conhecimento
em dois tipos: aquele que nos dá ideias claras para a vida prática e aquele que nos dá ideias distintas através do
exame das partes elementares das coisas. Também aprendeu a distinguir entre as funções superiores e inferiores da
psiqué. Mas Baumgarten voltou sua atenção para uma espécie de conhecimento intermediário, um modo de
percepção em que o todo não é reconhecido para propósitos práticos, nem pode ser submetido aos procedimentos
analíticos da ciência ou filosofia. Utilizando definições formais, axiomas, provas e corolários, o autor visava
demonstrar que a percepção sensitiva tem uma estrutura formal própria, cujas perfeições a ciência estética tem por
função revelar. Tomando a razão teórica por modelo, buscava dar legitimidade para a estética, invocando para isso a
razão analógica, como forma de saber sobre aquilo que a esfera da arte revela e de que a razão por si mesma não
pode dar conta. Nesse novo contexto, o belo ressurgiu convertido em finalidade, em objeto teórico de uma nova
disciplina, a estética, que é “a perfeição do conhecimento sensitivo enquanto tal”, perfeição que não é outra coisa
senão a beleza (Jiménez, 1992, p. 30-31).

Foi de Baumgarten que Kant herdou a palavra “estética”. Inseriu-a, contudo, num contexto quase totalmente
diferencial, revestindo-a de sentidos originais que vieram se constituir nas ideias-chave a partir das quais as
concepções estéticas da era moderna se desenvolveram. Para Baumgarten, a estética repousava sobre princípios
intuitivos últimos. Todos os ramos do conhecimento começavam com noções fundamentais que requeriam
“percepções intelectuais” semelhantes às “percepções diretas” das relações matemáticas. Kant não aprovava o
intuicionismo da estética racionalista, uma vez que o apelo à intuição não dava espaço para se resolver
racionalmente os desacordos em matéria de gosto, além de que fundar a estética sobre a perfeição intuída significava
fornecer conceitos determinados para os objetos estéticos. Do mesmo modo que recusava os pressupostos do
racionalismo, Kant também discordava dos princípios empiricistas, especialmente do seu caráter psicológico,
individualista, de um lado, e do caráter derivativo das propriedades estéticas, extraídas de propriedades não-estéticas
dos objetos, de outro. Para as teorias subjetivistas, o belo não se referia a uma propriedade dos objetos, mas estava
associado a alguma espécie particular de sentimento do sujeito. Determinar se “x é belo” não significava testar se
algum conceito de uma propriedade objetiva se aplicava a “x”, mas sim testar se algum conceito de prazer se
aplicava ao sentimento de um sujeito sobre o objeto (Cohen, 1982, p. 224). Kant não esposou as linhas mestras desse
tipo de subjetivismo. Nem racionalista, nem empiricista, mas filiada a essas duas vertentes do iluminismo, dando a
ele sua maior expressão, a obra kantiana, e mais especialmente, neste caso, sua estética, criou, desse modo, uma via
intermediária, a idealista, trazendo uma nova interpretação para a secular relação da estética com o belo e o prazer.

Kant estava tão interessado nos problemas da arte e da estética que, já em 1764, antes mesmo da sua primeira
Crítica, a da razão, ele publicou o ensaio Observações sobre o sentimento do belo e do sublime (Kant, 1960), no
qual a palavra estética ainda não aparecia, o prazer era visto como uma sensação ou um sentimento e as diferenças
entre o belo e o sublime eram tratadas de maneira simplificada, longe das complexidades que emergiriam na sua
terceira crítica, a do julgamento, de 1790 (Kant, 1952). O que torna essa terceira crítica especialmente difícil é a sua
íntima conexão com os temas das duas primeiras, A crítica da razão pura, de 1781, e A crítica da razão prática, de
1788 (Kant, 1929 e 1914, respectivamente). Do mesmo modo que a primeira visou à sistemática explicação dos
elementos a priori do entendimento, a segunda buscou explicar os pressupostos da moralidade, ou, em termos
kantinos, da “liberdade”. O problema dessas duas críticas, em síntese, estava em determinar, de modo não circular e
não teleológico, a verdadeira fundação das atividades do sujeito, este novo princípio da filosofia. Por que somos
capazes de sintetizar as intuições na forma de leis? Por que, contra as inclinações naturais, temos a capacidade de
escolher o rumo de nossas ações em nome de um dever mais alto? Seria esta capacidade independente, ou teria ela
uma orientação que a liga ao modo como vemos a própria natureza funcionar? Seria estranho que não houvesse
nenhuma conexão, pois, para Kant, nossa faculdade cognitiva e nossa liberdade são autodeterminadas.

Numa carta para K. L. Reinhold, em 1787, Kant anunciava ter descoberto um terceiro princípio a priori, distinto
dos anteriores. Esse princípio diz respeito à natureza do prazer e do julgamento do belo. Segundo Coleman (1974, p.
5), com a explicação transcendental do julgamento e da faculdade do prazer e desprazer, Kant conseguiu construir a
grande ponte de ligação entre o suprasensível e o fenomenal. Atuando como um termo intermediário entre o
entendimento e a razão e entre as faculdades da cognição e do desejo, o julgamento prescreve uma regra a priori
para o sentimento de prazer e desprazer. Esse julgamento é difícil de explicar porque ele fornece uma regra que se
diferencia tanto de um princípio cognitivo para o entendimento quanto de um princípio prático para a vontade.

No fim da introdução à Crítica do julgamento, há um quadro sintético que nos oferece uma visão panorâmica da
esfera da filosofia tal como Kant a entendia. Para cada um dos três domínios, natureza, liberdade e arte, existe um
princípio a priori: conformidade à lei, ao propósito final e à finalidade, respectivamente. Estes correspondem ao
emprego das três faculdades cognitivas fundamentais, a saber: entendimento, razão e julgamento, que, por sua vez,
correspondem às três faculdades da mente humana: faculdade da cognição, do desejo e faculdade do prazer e
desprazer (Kant, 1993, p. 42). O tema específico da terceira crítica é a análise da espécie de julgamento que se
expressa em proposições do tipo: “Isto é belo”. Como podemos apresentar julgamentos que têm uma voz universal
ou que se proclamam como geral e universalmente válidos, quando esses julgamentos estão fundados naquilo que
aparentemente é a mais subjetiva dentre todas as nossas respostas aos objetos, isto é, o prazer? Como podemos fazer
julgamentos que têm seu fundamento na subjetividade e que são, ao mesmo tempo, racionais? Enfim, o julgamento
do gosto que, para Kant, é o julgamento estético não coloca seu objeto dentro de um conceito determinado, mas, ao
contrário, apenas expressa um certo prazer que qualquer um teria condições de experimentar diante daquele objeto.
Como pode esse tipo de julgamento ter uma validade geral de alguma espécie? Como podem o prazer e a validade
universal se compatibilizarem?

Para aqueles que estão relativamente familiarizados com as duas críticas anteriores, não surpreende que Kant
apresente uma dialética e uma antinomia também na sua terceira crítica, não surpreendendo também o extremo
formalismo de sua exposição distribuída, na sua primeira parte, em duas grandes divisões: 1. “Analítica da
Faculdade de Juízo Estética” e 2. “Dialética da Faculdade de Juízo Estética”. A primeira divisão, por sua vez, se
subdivide em dois livros: 1.1. “Analítica do Belo” 1.2. “Analítica do Sublime”. O primeiro livro, então, se
desenvolve em quatro momentos, cada um deles contribuindo na formação geral do julgamento do belo (Kant, 1993,
p. 47-89).

Vários sentidos para a palavra “julgamento? podem ser encontrados em Kant. No caso do julgamento estético,
de um modo geral, ele estava preocupado com a explicação de um poder de discernimento ou capacidade de julgar
no seu funcionamento particularmente estético, que podem ser expressos numa afirmação ou proposição. Esse
julgamento deve ser “puro”, quer dizer, não deve ter nenhum traço empírico ou material, dizendo respeito apenas à
forma ou estrutura daquilo que se apresenta à mente. Recorde-se aqui que, já na primeira crítica, se as aparências
devem se apresentar de acordo com leis necessárias, então a mente deve estar de posse de certos conceitos a priori.
Embora supridos por dados empíricos, esses conceitos são conhecíveis independentemente de qualquer experiência
empírica, pois, ao contrário, devem ser capazes de fornecer as formas de toda experiência possível. Julgar e usar
conceitos a priori são atividades paralelas, se é que não se trata da mesma atividade apenas descrita de maneira
diferente.

Já é bastante conhecido o fato de que, na primeira crítica, Kant tentou chegar a uma lista exaustiva dos conceitos
a priori, através da análise das propriedades do julgamento que haviam sido descritas na lógica aristotélica. Se todos
os dados empíricos são abstraídos de um dado julgamento, isolando-se as puras formas do entendimento, os
julgamentos sempre funcionarão sob quatro rubricas, cada uma delas apresentando três momentos, assim
distribuídos: l. Quantidade (universal, particular, singular); 2. qualidade (afirmativa, negativa, infinita); 3. relação
(categorial, hipotética, disjuntiva) e 4 modalidade (problemática, assertiva, apodítica). Ora, na terceira crítica, Kant
apenas modificou a terminologia dessa mesma tabela lógica, chamando as quatro rubricas de quatro momentos.

Numa visão panorâmica, os quatro momentos assim se expressam: Primeiro momento: Gosto é a faculdade de
apreciar um objeto ou um modo de representação através de um prazer ou aversão, independentemente de qualquer
interesse. O objeto de tal prazer é chamado belo. Segundo momento: O belo é aquilo que, sem depender de um
conceito, quer dizer, independentemente de um conceito, agrada universalmente. Terceiro momento: O belo é a
forma da finalidade em um objeto, mas na medida em que é nele percebido independentemente da representação de
um fim. Quarto momento: O belo é aquilo que, independentemente de um conceito, é conhecível como um prazer
necessário. Embora Kant não tenha descrito esses quatro momentos na forma de paradoxos, reservando a linguagem
da “tese-antítese-síntese” para a exposição daquilo que ele veio chamar de “antinomia do gosto”, Coleman (1974, p.
32-33) faz dos quatro momentos uma apresentação na forma de tese-antítese, que ajuda sobremaneira no
entendimento dos problemas que estão pressupostos na análise de cada um deles, como se segue:
1. Qualidade: a tese indica o que é admitido em todos os ângulos, que o estético está intimamente conectado
com o prazer em algum sentido ou outro desse termo vasto. A antítese indica, não obstante, que tais prazeres são
“desinteressados”, “desprendidos” e “impessoais”.

2. Quantidade: a tese indica que o julgamento estético é singular na sua forma, isto é, ele julga representações
particulares relacionadas com sentimentos de prazer e desprazer. A antítese reclama, no entanto, que tais
julgamentos produzem um assentimento universal com validade intersubjetiva.

3. Relação: A tese argumenta que o julgamento estético não se baseia numa noção precisa daquilo que o objeto
deveria ser, como é o caso nos julgamentos cognitivo e moral. A antítese reclama que o julgamento estético está
baseado na finalidade do objeto, ou sobre uma noção instável de completude ou pré-adaptação às faculdades
cognitivas.

4. Modalidade: A tese mantém que o julgamento estético deve ser nosso próprio julgamento, quer dizer,
autônomo e baseado nos nossos próprios sentimentos, em oposição a julgamentos emprestados do veredito de outras
pessoas. A antítese mantém que semelhantemente a quaisquer julgamentos ou crenças, os estéticos logicamente
exigem a concordância de todas as pessoas.

Há três tipos de prazer: “o agradável”, “prazer no bom” e “prazer no belo”. Costuma-se confundir “o agradável”
com o “prazer no belo”. Segundo Kant, isso acontece porque também se confunde a sensação do prazer com a
sensação de algo objetivo, daí ele preferir chamar o primeiro de sentimento, entendido como a capacidade de
experimentar prazer ou dor, quando uma representação mental está presente. Assim sendo, os objetos de cada um
desses prazeres são: sensações, no caso do agradável, conceitos, no caso do bom, e formas perceptivas, no caso do
sentimento de prazer. Enquanto os dois primeiros tipos de prazer são interessados, o prazer no belo é desinteressado,
o que quer dizer que experimentamos tal prazer sem nos interessarmos pela existência do objeto que o produz. Só
esse tipo de prazer pode dar origem ao puro julgamento do gosto.

Ligada à exigência acima vem a exigência de que, no julgamento estético, nossa voz tenha um caráter universal,
que seja harmoniosa em relação à voz dos outros, visto que essa universalidade é reguladora dos sentimentos. O
gosto, portanto, é cognitivo, mas baseado em conceitos “indeterminados”, ou melhor, conceitos que só são
determinados quanto à forma, sendo esta caracterizada como capaz de promover liberdade subjetiva. Mas, para se
entender o conceito kantiano de forma, é necessário estabelecer em primeiro lugar, a diferença entre sensação e
forma. Na primeira, há o efeito agradável e esse efeito é subjetivo, mas a sensação é objetiva, é um dado de
sensação, como, por exemplo, a sensação agradável que temos com a visão do verde de uma campina. Na maior
parte das vezes, a sensação diz respeito aos dados dos sentidos inferiores: cheiro, gosto e toque, pois Kant os
diferenciava dos sentidos superiores, a saber: visão e audição, mais caracterizadores da forma.

Na sensação, temos o prazer do agradável, que é pessoal e contingente, podendo ocorrer na relação com objetos
puramente privados. O prazer do belo, ao contrário, é universal e necessário, só existindo em relação a objetos que
são públicos. Qualquer apelo ao que pode ser chamado de “matéria” da sensação não pode ser usado para justificar
nossas exigências de que os outros concordem com nossos julgamentos, pois tal apelo se reporta a algo privado.
Assim sendo, para se requerer a concordância dos outros nos julgamentos do belo, não se pode apelar para os dados
dos sentidos, uma vez que estes são contingentes. Só a forma pode satisfazer a condição de universalidade. Mas essa
forma não é conceitual, nem corresponde à mera organização estrutural de algo. No julgamento do gosto, segundo
Kant, opera um tipo muito distintivo de formalismo, que envolve duas noções bem difíceis: a da finalidade e a do
jogo livre das faculdades cognitivas.

Kant tinha um modo muito complexo de classificar os fins. Diferentemente das causas finais de Aristóteles, a
finalidade da forma em Kant não está necessariamente relacionada com aquilo que algo busca ou a que algo tende,
nem é ainda aquilo em função do qual algumas criaturas agem. Para Kant, pessoas e coisas têm fins e são fins em si
mesmas. A finalidade é classificada de acordo com quatro eixos: subjetiva-objetiva, formal-real, interna-externa e
condicional-incondicional (quer dizer relativa-absoluta). Os fins que dependem da vontade de uma pessoa, por
exemplo, são subjetivos, reais, externos e relativos. O fim, que uma pessoa é em si mesma, é objetivo, real, interno e
absoluto. As coisas utilitárias têm fins subjetivos, reais, externos e relativos. Ainda de acordo com essa classificação,
os fins dos objetos belos são subjetivos, formais, internos e, surpreendentemente, absolutos. E finalidade da forma
quer dizer que a forma é um fim para a percepção, podendo ser considerada tanto do ponto de vista da natureza
quanto do ponto de vista dos sujeitos que julgam (McCloskey, 1987, p. 6-8).
Não há nada que a natureza possa fazer que não tenha um propósito. Por outro lado, um dos traços mais
inerentes à mente é o de se aproximar de qualquer coisa que seja sob a rubrica do propósito, ou melhor da finalidade.
Só a forma da finalidade, segundo Kant, pode satisfazer as condições da concordância universal, implícita em nossos
julgamentos do belo, que devem ser públicos ou interpessoais, reguladores e válidos em si mesmos. Para Kant, o
julgamento do belo é uma das espécies de julgamento reflexivo, quer dizer, aquele julgamento de um particular em
busca de um conceito ou regra universal. Já o julgamento determinado é aquele em que o universal é dado e sob o
qual um particular é englobado. Os julgamentos práticos são determinados, quer dizer, temos um conceito
determinado concernente ao que é útil ou prudente, por exemplo, e aplicamos o conceito a uma situação particular.
Mesmo uma escolha particular pressupõe uma regra determinada, a do imperativo categórico. Os julgamentos
cognitivos também pressupõem propósitos determinados, que são descobertos através da investigação empírica de
certos assuntos ou pela análise racional. O belo, por sua vez, pressupõe o que Kant chamou de conceito
indeterminado. Como resolver no entanto, o paradoxo entre a finalidade selando toda experiência humana e a falta
de um propósito definido e determinado no julgamento estético?

A resposta kantina é de uma originalidade radical. A finalidade pode existir independentemente de um fim.
Trata-se da finalidade da forma, finalidade sem fim, na medida em que não somos capazes de colocar suas causas na
vontade (Kant, 1952, p. 61-62). O que distingue o objeto belo de outros objetos é que nenhum fim extrínseco ou
determinado pode ser estipulado para ele. Um objeto estético tem finalidade apenas na medida de sua forma inerente
e de sua adaptabilidade às demandas do gosto puro. E o prazer que emerge da finalidade sem fim é totalmente
distinto do agradável. Assim, as formas finais para a percepção são aquelas que estão aptas ou são apropriadas para
colocar os poderes cognitivos, da imaginação e do entendimento, num jogo harmonioso e livre. Esse jogo, segundo
Coleman (1974, p. 64), “parece envolver uma espontaneidade para a elaboração de imagens ou ‘imposição de
formas’ por parte da imaginação, não de acordo com determinados conceitos, mas somente em relação aos
sentimentos subjetivos do prazer e desprazer”.

Em síntese: na experiência do belo, nossos poderes cognitivos jogam livremente, ao mesmo tempo que se
relacionam, de algum modo, com a “forma” do objeto mais do que com seu “conteúdo” sensório. Nesse jogo livre,
estabelece-se uma harmonia entre a imaginação e o entendimento, que produz uma espécie de entretenimento dos
poderes mentais e gera prazer desinteressado. É em razão disso que Kant confinou o belo puro a padrões orgânicos
ou mesmo padrões não reconhecidos como orgânicos, mas que estimulam nossas faculdades perceptivas a uma
atividade harmoniosa e livre. As belezas da vida, na natureza e na arte, adulteram-se quando misturadas aos
conceitos de uso, tipo e perfeição. Existem, contudo, certos objetos cuja contemplação produz efeitos estéticos
profundos não meramente devidos à sua beleza, mas mais propriamente devidos à sua grandeza e poder. Para esses
objetos e efeitos, Kant aceitou o termo sublime, num sentido similar ao que os pensadores iluministas do seu tempo
colocaram em circulação.

Embora tenha derivado muitas de suas observações semi-empíricas de uma herança intelectual que havia
começado em Longino e Lucrécio, estendendo-se por Boileaux e os empiristas ingleses, especialmente Burke, a
quem Kant parecia apreciar bastante, embora tenha feito uso do mesmo estoque de imagens, em voga no seu tempo,
sobre a sublimidade dos aspectos selvagens e informes da natureza, fazendo referências ao oceano, aos alpes, à
basílica de São Pedro etc., a grande diferença de Kant em relação aos seus contemporâneos estava na sua
preocupação com as bases epistemológicas tanto do belo quanto do sublime, preocupação esta expressa na analítica
filosófica ou “transcendental” de ambos.

Tanto quanto o belo, o sublime também não pressupõe um julgamento dos sentidos, nem um julgamento
logicamente determinado, mas sim um julgamento reflexivo, quer dizer, o julgamento do sublime não equivale à
exposição autobiográfica de uma emoção pessoal por mais elevada, majestosa e inspiradora que ela possa ter sido,
nem esse julgamento depende de um conceito definido ou de uma concepção cognitiva precisa. Mas há entre ambos
os julgamentos, o estético e o sublime, pelo menos uma grande diferença. Os julgamentos estéticos, para Kant, são
julgamentos relativos ao belo — seja este belo livre ou dependente. Disto ele derivou a autonomia da estética e sua
postulação de que o valor estético é intrínseco e não derivativo. Já os julgamentos do sublime envolvem valores que,
embora intrínsecos, pois não têm um valor meramente instrumental, são derivativos. A importância de se contemplar
o sublime deriva da importância das ideias intelectuais e morais que suplementam a mera percepção das coisas que
descrevemos como sublimes. É o estado da mente no momento da contemplação que é sublime, mais do que os
objetos que estimulam esse estado. Não se pode nem mesmo julgar que coisas podem ser consideradas sublimes,
sem se apelar para ideias intelectuais ou morais que providenciem uma base para a comunicação do prazer no
sublime. É por isso que, para aqueles que desejam cultivar sua sensibilidade moral, a contemplação do sublime é
muito mais importante do que a contemplação do belo. É por isso também que as ideias kantianas a respeito do
sublime são sugestivas e provocantes. Sugestivas porque servem de elo de ligação entre a analítica do belo, que
antecede, e a das artes, que se segue à analítica do sublime. Provocantes porque esta última, segundo a opinião dos
intérpretes de Kant, parece apresentar muito mais inconsistências do que as outras duas.

A analítica do sublime é aberta através de um exercício de comparação entre os julgamentos do belo e do


sublime. Ambos provocam prazer, embora cada um o provoque a seu modo; ambos são julgamentos reflexivos e não
julgamentos de sentido ou de entendimento; ambos expressam o acordo entre uma dada intuição da faculdade da
imaginação e a faculdade dos conceitos ou Razão. Por fim, ambos são julgamentos singulares que professam
validade universal a despeito de sua natureza não cognitiva, quer dizer, são logicamente singulares na forma, mas
universais no propósito.

Há, no entanto, várias diferenças importantes que separam o belo do sublime. A mais óbvia: o belo é formal,
limitado e relativo ao entendimento discursivo e por vezes até mesmo lúdico. O sublime é informe, selvagem,
invocando as ideias quase intuitivas da razão (Kant, 1993, p. 90-91). A beleza encoraja o avanço da vida, o sublime
o suspende. Brincamos com a beleza, mas respeitamos o sublime. Enquanto a beleza, por si mesma, parece se
adaptar à nossa sensibilidade, o sublime desconcerta e ultraja a imaginação, lançando-nos num esforço de
compreensão que ultrapassa a faculdade imaginativa e forçando-nos a abandonar nossa sensibilidade meramente
empírica em direção a um reino mais elevado. O sublime rompe com as formas, nos lança no caos e na perplexidade
ao conturbar os padrões comuns de grandeza e magnitude, negando qualquer propósito à natureza. É por isso que,
para o belo na natureza, buscamos um fundamento externo a nós, enquanto o sublime nos arremessa de volta a nós
mesmos em busca de nossos próprios recursos morais. Os objetos julgados sublimes não exibem a finalidade da
natureza, mas apenas produzem um emprego final de uma representação pela imaginação. Se é correto chamar os
objetos de belo, não é correto chamá-los de sublimes, pois, nestes, a apresentação da sublimidade é descoberta na
mente, e é esta, mais do que os objetos, que expõe o caráter de sublime. Daí o sublime não se referir a objetos ou
coisas externas a nós, mas a certas disposições da alma despertadas por um objeto que pinça a atenção do
julgamento reflexivo de um certo modo. Em síntese, o sublime em geral é tudo aquilo para o qual não há padrão de
comparação porque todos os padrões se tornam inadequados, uma vez que a fonte da sublimidade não se encontra no
mundo dos sentidos ou na natureza, mas deve residir em certas ideias compartilhadas pela humanidade.

O mesmo procedimento, adotado na analítica do belo, foi adotado com o sublime, também analisado em
momentos: o “prazer” do sublime deve ser universalmente válido na categoria da quantidade, independente do
interesse, na qualidade; subjetivamente final, na relação; e necessário, na modalidade. Qualquer julgamento do
sublime deve ser universalmente válido, mas, por estar baseado no informe, enquanto o belo repousa na forma, a
analítica de tal julgamento difere da analítica da beleza. Enquanto o belo parece ser a apresentação de um conceito
indeterminado do entendimento, o sublime parece ser um conceito indeterminado da razão. O belo tem limites e é
contemplativo. Diante dele, a mente se sente em casa no jogo livre de suas faculdades, a imaginação reconhece
formas que advêm de suas próprias leis. O sublime, por sua vez, é ilimitado. O sentimento do sublime é provocado
porque o objeto que o estimula não exibe a forma e a harmonia que a imaginação livremente ditaria. Sendo o objeto
do sublime informe, imenso e poderoso, é a natureza humana, ela mesma, que é ultrajada, ao experimentar o
sentimento do sublime cujo traço característico está num movimento mental que se combina com a apreciação do
objeto. Sendo o sublime também estético, esse movimento deve ser um movimento sentido, ou um sentimento que a
imaginação reporta à faculdade da cognição ou do desejo, de onde advém a divisão do sublime em matemático, no
primeiro caso, e dinâmico, no segundo caso.

O sublime matemático diz respeito àquilo que é tão grande em tamanho a ponto de ser incomensurável. A
imaginação se aturde e não consegue atinar com o que está sendo percebido, não conseguindo dar conta de nenhuma
completude. Esse desamparo em face de uma experiência sensória rebelde só é redimido com a introdução de uma
ideia da razão, com o pensamento, não a síntese, de uma totalidade. O sublime dinâmico diz respeito àquilo que é
tão poderoso ou exerce tal poder a ponto de parecer nos ultrapassar. Neste caso, não é a imaginação que se aturde,
mas é o medo da destruição que nos assalta. A única coisa que pode redimir essa situação parece ser o pensamento
de um poder de correção, um poder que nenhuma força natural ou sobrenatural pode ultrapassar. Novamente aqui,
trata-se de uma ideia da razão, mas agora de uma razão prática, que nos ajuda em face de algo que afronta a
sensibilidade, neste caso, uma sensibilidade prática (McCloskey, 1987, p. 98-99). No sublime matemático, a
sensação de limitação produz o seu oposto, a sensação de que também temos uma capacidade, a da razão, que não
está limitada pela sensorialidade. O sublime dinâmico, por sua vez, provoca em nós uma resistência que nos leva a
querer medir forças com a natureza. Em qualquer um dos dois sublimes, o suprasensível se torna disponível de
modo negativo, produzindo o alargamento da alma, num território em que a imaginação não tem fronteiras.

De acordo com Coleman (1974, p. 105-106), diferentemente da finalidade do belo, na qual a forma do objeto
parece pré-adaptada para se acomodar à nossa sensibilidade e poderes cognitivos, a finalidade do sublime consiste
em nossa compreensão do reino das finalidades morais. Embora o objeto esteja de algum modo ajustado para evocar
o sentimento do sublime, a inadequação de qualquer representação sensível da ideia põe em relevo nossa finalidade
pessoal como agentes morais num universo em que reinam os fins. Assim sendo, o sublime não exige qualquer tipo
de dedução: sua mera exposição é suficiente para justificar sua pretensão de validade universal. E, uma vez que a
harmonia última da sensibilidade com a razão é revelada na análise, não precisa ser feita nenhuma referência ao
objeto que ocasiona o sublime. A própria harmonia da sensibilidade com a razão é um princípio a priori da
finalidade subjetiva. Esse não é, contudo, o caso do objeto do belo. Neste, uma dedução é necessária porque uma
referência à forma do objeto deve ser feita.

Uma boa parte da “Dialética do belo” trabalha com a “antinomia do gosto” que, à semelhança da crítica da razão
pura e da razão prática, apresenta um paradoxo aparentemente insolúvel que precisa ser resolvido para trazer a
“razão em harmonia consigo mesma”. Para ser dialético, o poder de julgamento deve ser, antes de tudo,
racionalizante, quer dizer, seus julgamentos devem estar propensos à universalidade, sendo, portanto, a priori, pois é
da antítese de tais julgamentos que a dialética consiste. Para Kant, um julgamento de gosto deve, de algum modo,
ser conceitual, pois se fosse não-conceitual não passaria de uma exposição autobiográfica de sentimentos subjetivos
de prazer e dor. Vem daí a distinção que deve existir no “gosto privado” ou “julgamento de preferência” e
“julgamento estético”.

Antes de entrar na discussão da antinomia do gosto propriamente dita, Coleman (1974, p. 131) elaborou uma
tabela da localização do belo e do sublime no mapa lógico de Kant. Por ser muito instrutiva, valeria a pena recuperar
essa explanação aqui. Na primeira crítica, Kant (1929, p. 320) havia nos apresentado uma bela síntese do seu mapa
lógico, como se segue:

O genus (gênero) é a representação em geral (representatio). Subordinada a ela, vem a representação com consciência (perceptio). Uma
percepção que se refere apenas ao sujeito como uma modificação de seu estado é sensação (sensatio), uma percepção objetiva é
conhecimento (cognitio). Esta é ou intuição ou conceito (intuitus vel conceptus). O primeiro se refere imediatamente ao objeto e é singular, o
segundo se refere a ele mediatamente por meio de um traço que várias coisas podem ter em comum. O conceito é ou empírico ou puro. O
conceito puro, na medida em que tem sua origem apenas no entendimento (e não na sensibilidade pura), é chamado de noção. Um conceito
formado de noções e que transcende a possibilidade da experiência é uma ideia ou conceito da razão.

A partir dessa passagem, Coleman nos diz que os nichos próprios ao belo e o sublime pareceriam ser: 1. um
conceito empírico ou 2. um conceito puro; 3. uma noção ou 4 uma ideia. Mas há razões para Kant não ter colocado o
belo em nenhuma dessas quatro “espécies”. O belo não poderia ser um conceito empírico, nem poderia ser um
conceito puro, pois julgamentos do belo não são singulares, nem conotam um “traço que várias coisas têm em
comum”. Não sendo nem empírico, nem a priori, nem uma noção, nem uma ideia da razão, e não sendo nem mesmo
um ideal, a que gênero, então, pertence o belo?

Como já vimos, Kant considerou o julgamento do belo como uma “função” ou mesmo uma “disposição” que
implica em se impor a forma do belo sobre uma multiplicidade sensível através de conceitos indeterminados, de
acordo com sentimentos de prazer e desprazer.

Tais conceitos indeterminados são empíricos, no caso do belo, enquanto, no caso do sublime, as ideias da razão
são indeterminadamente produzidas. Do mesmo modo que o entendimento é relativamente livre ao construir
conceitos empíricos, quando se trata do julgamento estético, ele alcança o limite da sua liberdade. Tendo isso em
vista, o paradoxo do belo pode agora ser apresentado. Se o julgamento do belo repousa sobre conceitos, então se
trata de um julgamento que poderia ser provado racionalmente, quer dedutiva quer indutivamente. Kant não caiu
nessa simplificação. Para ele, a estética racionalista se reduz ao puro analitismo, enquanto a estética psicológica
escorrega no mero relativismo. Ele queria evitar qualquer um desses dois extremos. Assim sendo, não poderia
aceitar também que os julgamentos estéticos fossem apenas fragilmente conceituais, porque então eles teriam uma
validade apenas autobiográfica. Formalmente, portanto, a antinomia se expressaria do seguinte modo:

1. Tese: o julgamento do gosto não se baseia em conceitos, pois, se assim fosse, então poderia haver
controvérsia, e argumentos lógicos teriam de ser levantados: tal julgamento seria claramente cognitivo.

2. Antítese: o julgamento do gosto é baseado em conceitos; se não fosse, então não se poderia nem mesmo
contestar ou brigar sobre questões de gosto: tal julgamento seria puramente e meramente pessoal (Coleman, 1974, p.
135).

O modo como Kant resolveu a antinomia foi brevemente apresentado por Coleman (ibid., p. 144), mais ou
menos nos seguintes termos: como seres fenomênicos, fisiológicos e psicológicos, as pessoas têm gostos variados e,
muitas vezes, caprichosos. Dado que um puro julgamento estético do gosto é universalizável, na medida em que
voltamos a atenção estritamente para a forma estética, quer dizer, a finalidade da forma perceptiva, então uma
“dimensão suprasensível” deve ser postulada. Como seres racionais, temos “faculdades” que estão enraizadas num
substrato “noumênico”, que deve ser o mesmo para todos como fundamento para a correção intelectual, moral e
mesmo estética. O mero conceito racional puro do suprasensível na base do objeto (e do sujeito que julga) como
Objeto do sentido, e portanto, como fenômeno, é exatamente tal conceito.

Juntamente com essa análise lógica mais estrita da antinomia, no contexto mais amplo da dialética do
julgamento, Kant desenvolveu um alargamento de sua concepção do estético até alcançar uma série de questões que
viriam a ser fundamentais na formação intelectual da estética moderna. Grande parte da terceira crítica foi dedicada,
assim, à discussão do postulado básico de que, não obstante a diferença que vai entre o julgamento e a criação das
obras de arte, de um lado, e a avaliação e origem da beleza natural, de outro, quer dizer, não obstante o fato de que
os conceitos têm um papel irredutível, no primeiro caso, enquanto estão ausentes, no segundo, assim mesmo, há
profundas similaridades entre as formas assumidas pela racionalidade humana nesses dois domínios e seu
significado para o do nosso pensamento e ação. É nesse ponto da discussão que a ideia do gênio foi introduzida,
ideia que viria correr no sangue, alojando-se na alma e coração da estética romântica.

Se for assumido que alguns objetos belos são produzidos por pessoas que agem propositadamente para produzi-
los assim, então uma explicação para a criação da beleza se torna necessária. Quando produzimos propositadamente
qualquer coisa que seja, o produto de tal produção se ajusta, de um modo ou de outro, a um conceito que lhe é
antecedente. Qual é o conceito utilizado para a produção de um objeto belo? Nenhum, é claro, pois, se houvesse um
tal conceito, ele seria o mesmo a ser utilizado para julgar os objetos. E Kant já havia argumentado sobejamente
sobre a inexistência de regras prontas para a apreciação do belo. Então, como pode alguém produzir
propositadamente algo belo? Somente se houver uma capacidade especial para isso, diferente de qualquer
capacidade comum, quer dizer, uma habilidade para o fazer que está de acordo com algo semelhante a um conceito,
mas que não é um conceito. Kant chamou de gênio essa capacidade ou talento. E aqui foi encontrado o delicado
ponto de compatibilidade entre o julgamento do gosto e o fazer do gênio, para os quais se faz necessário, antes de
tudo, o equilíbrio entre as exigências da finalidade sem fim da forma, de um lado, com a liberdade da imaginação,
de outro.

Enfim, a grande preocupação de Kant, segundo Cohen et all (1982, p. 7), parece ter sido a de mostrar que há
uma fonte especial do sentimento na interação livre entre a base sensória da nossa imaginação e nossas outras
faculdades cognitivas. Com isso, ele fez “a sugestão revolucionária de que uma compreensão mais global do
desenvolvimento racional das capacidades humanas requer não a subordinação de todo sentimento ao entendimento
— ou o reverso — mas a interação entre essas capacidades”. No reconhecimento do prazer implicado tanto no belo
quanto no sublime, está uma clara rejeição, de um lado, à ideia platônica de que uma subordinação do sentimento à
razão é desejável, de outro lado, uma rejeição também à concepção de Hume da submissão necessária da razão à
paixão. Isso tudo, sem perder a ligação do belo com a moralidade, pois ao final do livro, Kant discutiu a ideia da
beleza como símbolo da moralidade. No equilíbrio do sentimento e da regra, encontramos o caminho para sentir o
impacto das ideias morais as quais, sem o sentimento do belo e do sublime, permaneceriam como meros postulados
da razão prática. Foi este o fio que a estética de Schiller puxou de Kant, na intermediação que faria entre Kant e
Hegel.

Num belo artigo onde busca explicar por que a beleza é um símbolo da moralidade em Kant, Cohen (1982, p.
221-236) toma como ponto de partida uma interpretação bastante sugestiva daquilo que o objeto belo é e faz. Há um
sentido em que um objeto belo não tem qualquer característica, assim como há um sentido em que o julgamento do
belo não diz respeito a nenhum objeto. Há três modos através dos quais as coisas fazem sentido para nós: 1. quando
algo nos dá prazer sensório; 2. quando contemplamos algo a fim de compreendê-lo; 3. quando utilizamos algo para
alguma finalidade. No caso do objeto belo, não se trata de nenhuma dessas três alternativas e, não obstante, ele faz
sentido para nós, um sentido ou coerência, portanto, que é, em princípio, inexplicável. Cohen levanta, então, a
hipótese de que o julgamento do gosto, em Kant, é o caso limite, ao mesmo tempo que é o emblema da habilidade
humana para extrair sentido das coisas. Tendo como referência nossa capacidade para julgar em termos de
interesses, conceitos e propósitos, no julgamento do gosto, Kant destacou apenas um desses aspectos: o propósito ou
finalidade, mas caracterizou esse propósito de modo perturbador. O belo, ele disse, é a finalidade de um objeto, na
medida em que é percebido no objeto sem qualquer representação de finalidade. Ao ser julgado, portanto, o objeto
exibe a finalidade sem fim. O belo desperta a harmonia de nossas faculdades cognitivas, harmonia que é atingida
sem o uso de conceitos. Ora, sem conceitos, não podemos considerar o objeto em termos de qualquer finalidade.
Mesmo assim, ele tem finalidade para as nossas faculdades cognitivas. Mera congruência sem qualquer conteúdo
material. O belo exibe apenas a forma da finalidade Após essa exposição, Cohen levanta a pergunta crucial qual é a
similaridade formal que pode haver entre o objeto belo e a vontade do bem?

Ao exibir a forma da finalidade, o belo parece adequado para a realização de um fim, o que corresponde
exatamente à noção kantiana de vontade, a qual, na medida em que age, assim o faz na busca de um fim. Essa é a
característica definidora da ação humana. Mas o objeto belo só exibe a forma da finalidade, sem estar ligado a
nenhuma finalidade atual. Ora, a vontade do bem também não age na busca de qualquer fim externo, além de que o
fim interno, de que ela dispõe, não tem conceito. A vontade do bem, no julgamento que dela fazemos como alguma
coisa inqualificadamente boa, parece agir sem qualquer finalidade de qualquer espécie. Do mesmo modo que o
objeto belo só exibe a forma da finalidade, também a vontade do bem só exibiria da forma da ação. Exposta a
analogia entre ambos, vem a segunda pergunta crucial. O que se passa para que, além de serem análogos, o objeto
belo seja ainda um símbolo da vontade do bem, e não o contrário?

Um dos traços mais sugestivos da teoria moral de Kant está na sua postulação de que insistir na nossa
humanidade individual requer, por uma questão de lógica, o reconhecimento da humanidade do outro. Nossa
dignidade depende da consideração da dignidade do outro. Tratar o outro como um fim é tratar a si mesmo como um
fim e vice-versa. O objeto belo, diz Cohen, é o símbolo da ideia desta espécie de outro. Nosso engajamento no belo
simboliza uma vontade do bem, no ato mesmo de ter a vontade do bem. Nossa humanidade essencial se revela de
dois modos: fazer sentido das coisas e exercer uma influência sobre elas. Como caso limite e como emblema da
nossa habilidade de fazer sentido das coisas, o puro julgamento do gosto é a espécie de experiência pura em que um
aspecto de nossa humanidade essencial se revela, sendo simultaneamente o mais próximo que podemos chegar do
seu segundo modo de revelação. Se o objeto belo é uma apresentação indireta do conceito de vontade do bem, então
ele indica esse conceito de modo metafórico ou analógico. A experiência moral é uma questão de engajamento. Kant
mostrou que essa experiência é paralela em profundidade e complexidade à experiência do belo. Se o belo não for
apenas um símbolo da moralidade, mas o símbolo da moralidade, então apenas a experiência do belo tem a espécie
de riqueza necessária para simbolizar a experiência moral.
4. O APOGEU DA ESTÉTICA

As ideias da ação, especialmente a do bem, não podem ser demonstradas empiricamente. Deve ter sido na
capacidade dos poetas e artistas para transformar as ideias abstratas da razão em imagens sensórias que Kant
percebeu a beleza como símbolo da moralidade. Esta foi a ideia mestra que, nas suas cartas Sobre a educação
estética da humanidade, de 1801, Schiller (1968) tentaria levar a consequências radicais, ao conceber a arte como
fonte, meio e fim para a educação estética do ser humano. Mas, diferentemente de Kant, procurou tornar a
moralidade disponível não apenas através da compulsão, mas, antes de tudo, através do prazer. Com o equipamento
adicional de ser ele mesmo artista e poeta, Schiller quis levar bem longe a noção da percepção estética como uma
influência mediadora ligando o sensório tanto à verdade quanto à virtude, aos sentimentos morais e disposições que
são as fontes da ação razoável.

Segundo Wilkinson e Willoughby (1967, p. 23), ninguém apreciou mais o rigor das distinções kantianas do que
Schiller, distinções que, ao discriminarem o belo em relação a muitas outras coisas com as quais ele era confundido,
tais como a perfeição, o bem, o verdadeiro, além de outras coisas menos nobres, tais como o prazeroso, o agradável,
foram capazes de libertar a beleza de sua antiga subserviência afins que lhe eram estranhos, religiosos, didáticos,
hedonistas, assegurando-lhe, assim, uma autonomia própria. No momento histórico em que a arte estava sendo
diferenciada de outros tipos de engenhos e habilidades humanas, ao definir a beleza em termos do tipo de
julgamento que ela produz, Kant criou um critério específico para a arte, ao mesmo tempo em que ampliou o campo
da estética, originalmente visado por Baumgartem como ciência da percepção sensitiva, para abraçar não só as obras
de arte, mas também as belezas da natureza e, além disso, fenômenos relativos à conduta humana. Esta última
especialmente foi a porta que Schiller abriu mais largamente para explorar com inteireza sua ideia de educação
estética.

Não obstante sua admiração, existiam pontos com os quais Schiller sentia que Kant estava em falta. Era fácil
dizer que o belo consistia apenas na forma, ou definir uma resposta estética pura como prazer desinteressado, se um
arabesco, digamos, era o modelo de que se partia. Como ficavam, contudo, as artes representativas? Como ficava a
tragédia com sua imemorial encenação de urgências vitais expressas no sacrifício, morte, renascimento? Como
ficavam as artes cujos materiais não despertam prazer, mas, ao contrário, evocam os tabus e medos mais viscerais
não menos do que as mais altas esperanças e árduas lutas morais? E o prazer do jogo livre da imaginação, só poderia
ser atingido na ausência de interesses vitais e, mais do que isso, perturbadores? Enfim, onde localizar, na experiência
estética, os estados febris da existência humana?

Se a arte pode educar, ela tem de acertar contas também com o caos. Não importa quão belas as formas possam
ser, elas não irão além da periferia de nossa vida sensível, se não enfrentarem também as paixões e pulsões que estão
nas raízes indômitas da vontade e do desejo. O escrúpulo com as definições ascéticas não levou Kant ao abandono
das conexões mais profundas da arte com a vida, deixando cuidadosamente fora de alcance as zonas mais obscuras e
incompreensíveis da psiqué humana? Como construir uma crítica do ato moral puro sobre uma visão tão parcial das
forças que movem a humanidade? Como pode, além disso, a liberdade, a mais insubordinada dentre todas essas
forças, ser expressa no modo imperativo?

Eram as perguntas acima que assaltavam Schiller na sua insubmissão a Kant. Não era apenas à falta de graça ou
de flexibilidade do modelo kantiano que ele objetava, mas principalmente à sua ideia de liberdade como sinônimo
de autocoreção bem-sucedida. Ao ser moral, afinal, não estava destinada nenhuma liberdade de escolha além da
servidão ao auto-respeito e auto-rejeição, tanto quanto não existia para o ser sensível qualquer outra forma de
sentimento senão a da oscilação entre o prazer e a dor. Quantas das pluridimensões, visíveis na existência
fenomênica humana, não tiveram de ser sacrificadas para garantir a pureza dos conceitos? Estava longe de Schiller o
desprezo pelos conceitos. Mas a mais simples ideia de educação pressupõe que os ideais expressos nas abstrações
teóricas sejam capazes de iluminar o caminho de uma orientação geral voltada para a prática e para as possibilidades
e rebeldias do contingente, enfim, para a dinâmica processual e transformativa que é a insígnia mesma de todas as
formas de vida. Essas foram as questões cruciais que Schiller, o filósofo poeta, tratou de enfrentar.
Como não poderia deixar de ser, não existe consenso quanto à interpretação da obra de Schiller. Aliás, existem
dúvidas sobre sua consideração como filósofo. Tal dúvida não é casual. Afinal, sua obra em nada se assemelha a um
tratado sistemático, obediente a todas as regras do bom comportamento analítico. Para alguns, suas cartas
apresentam uma sequência infindável de contradições insolúveis. Para outros, trata-se de paradoxos deliberados e
não de contradições inadvertidas. De todo modo, deixando-se as disputas de lado, parece, de fato, verdadeiro que,
acolhendo sínteses assimétricas no seu método perspectivista, o discurso de Schiller não segue uma lógica linear. A
abertura de suas ideias, o caráter febril dos problemas que ele ensejou enfrentar não poderiam mesmo conduzir a
uma filosofia sistemática, daí o poder de sugestão que exala e o alto grau de inspiração que pode ser extraído de sua
obra.

Em meio às controvérsias, uma das leituras mais ponderadas das contradições mais importantes em que Schiller
se envolveu foi desenvolvida por Dieter Henrich (1982, p. 237-257), no seu ensaio sobre “Beleza e liberdade, a luta
de Schiller com a estética de Kant”. O ponto de partida de Schiller, segundo Henrich, foi bastante distinto do
kantino. Embora a levasse em consideração, ele não estava interessado em uma teoria transcendental das
possibilidades do conhecimento. Como poeta, foi conduzido à filosofia porque se sentia atraído mais pelos
problemas do que pelas soluções acerca da natureza humana, especialmente pela dualidade dessa natureza animal,
sensual, voluptuosa e, ao mesmo tempo, racional, ascética, ideal. O que mais o atraía, no entanto, e por isso mesmo,
além de poeta, se tornou filósofo, era a questão do padrão moral da ação humana e a possibilidade de seu
aperfeiçoamento, daí o ideal educativo que ele visava. A justificativa de sua poesia dependia, para ele, daquilo que
há na beleza, que vai além da beleza. Se o belo, na obra de arte, na poesia, atrai o ser humano, então deve haver, na
essência mais íntima da vida, um fundamento para essa atração. Ele buscou, assim, ligar a integridade do significado
do belo diretamente à razão prática, à essência moral do homem. “É através da Beleza que atingimos a liberdade”
(Schiller, 1980, p. 27). Segundo Henrich, a definição da beleza, para Schiller, expressava-se do seguinte modo:

A beleza é liberdade na aparência. Enquanto, no entendimento, o fundamento de nosso ser moral se revela
através da reflexão, na forma bela e na obra de arte, ele nos confronta sob a forma da intuição. Liberdade aqui
significa ser completamente autodeterminado, desenvolver-se de acordo com necessidades íntimas, independente de
forças externas. Do mesmo modo que um ser moral é aquilo que é inteiramente em si mesmo, assim também uma
forma bela nos confronta como uma forma que toma seu curso livremente, sem barreiras, uma forma na qual todas
as partes compõem um todo harmonioso repousando num único fundamento.

Schiller concebeu a liberdade e a moral inteiramente dentro do espírito da ética kantiana, como único meio
através do qual o ser humano pode estar uno consigo mesmo e composto na sua essência mais íntima. Kant havia
levado em consideração o caráter prazeroso e vivificante do belo, mas sem se dar conta das emoções profundas que
podem ser despertadas na apreensão de uma grande obra de arte e que só podem ser explicadas na sua relação com a
essência mais íntima do homem, sua consciência moral.

Com sua definição do belo como liberdade na aparência, Schiller pensava ter encontrado um princípio objetivo
para a beleza, nos diz Henrich, uma vez que a objetividade, para ele, não tinha o sentido kantiano de conhecimento
dos objetos. Daí sua descrição da autoconsciência da subjetividade na experiência da beleza. O prazer estético é
absorvido no objeto e a consciência se consuma totalmente no objeto apreendido. Embora, certamente, isso só possa
se manter subjetivamente, o sujeito não o experiência como subjetivo. Ao contrário, um ato de objetivação se põe
em curso no tão falado jogo da imaginação. Não se trata do jogo do sujeito consigo mesmo, ocasionado pela intuição
de um objeto. Nesse ato, ao contrário, o sujeito se joga inteiramente no objeto, o estado intencional do sujeito é um
estado objetivo. Para fornecer uma fundação adequada para essa observação acurada daquilo que acontece no
coração da subjetividade, Schiller teria de abandonar a base segura do sistema kantiano, necessidade que ele não
chegou a reconhecer. Segundo Henrich, no entanto, há sugestões sobre essa objetivação nos escritos de Schiller. São
essas sugestões que ele coloca em discussão no seu texto.

Schiller entendeu o amor como a unificação da razão com a sensibilidade. No caso do belo, isso não é
problemático, pois a liberdade, um conceito da razão, visa se espelhar naquilo que é sensivelmente representado. Se,
no caso do estético, o ato de objetivação aparece como um ato de sensualidade, parecia fazer sentido, para Schiller,
definir então o amor como uma inclinação da razão para se unir ao objeto sensível. Essa explicação ajusta-se ao
belo, mas não ao amor, se este for entendido como uma relação substancial entre duas pessoas de igual valor. Ao
dizer que o amor é uma inclinação da razão, Schiller aplicou à razão um conceito psicológico que pertence à
sensibilidade. Tentou, portanto, interpretar a objetivação da subjetividade, que não fazia parte do sistema kantiano,
utilizando conceitos extraídos da teoria kantiana da subjetividade.
A razão, para Kant, é a faculdade que desenvolve representações espontaneamente. A sensibilidade, em
contraste, é a faculdade através da qual nos colocamos numa relação receptiva em relação ao mundo. Schiller tomou
esse dualismo como base de sua teoria da subjetividade, confiando na sua correção para a filosofia prática, na qual
“a moralidade exige que superemos os obstáculos sensoriais que atravessam o nosso caminho”. Mas essa oposição
entre o racional e a sensibilidade não é suficiente para explicar a objetivação da razão. “Nesse esquema, a razão, o
coração da subjetividade, necessita de uma externalização, de uma contraparte externa, passivamente recebida, que,
do ponto de vista do dualismo kantiano, teria de ser descrita como inclinação e sensibilidade, mas isso não leva a
nada além de um fato bruto de atração opaca para o eu”. Com isso, Schiller abriu um flanco que a filosofia kantiana
não estava equipada para atender (Henrich, 1982, p. 250).

O ponto de maior discordância, nem sempre advertida, de Schiller com Kant, estava na sua interpretação do
sentido da beleza. O belo como liberdade na aparência produz uma ligação direta da estética com a ética. Mas que
espécie de liberdade é essa? Uma coisa parece certa. Não há aqui uma simples correspondência com a famosa
analogia kantiana da beleza como símbolo da moralidade. A liberdade moral deveria ter, para Schiller, alguma outra
propriedade além e acima da autossuficiência, que não comparecia na ética de Kant. No ideal de moralidade de
Schiller, o eu concreto não precisa persistir no conflito insolúvel com a lei da razão kantiana. O caráter
verdadeiramente moral não cumpre seu dever apenas sob compulsão, mas porque lhe agrada a harmonia consigo
mesmo que sela a perfeição da natureza humana. É a estrutura da autocompreensão moral, do eu consigo mesmo e,
nessa medida, livre em si mesmo, que Schiller viu espelhada na beleza. É a liberdade moral no sentido de harmonia
interior, a harmonia perfeita de um ser moral, que se objetiva na beleza.

Novamente aí, diz Henrich, ao manter a moldura conceitual kantiana, Schiller não conseguiu fundamentar a
originalidade de sua proposta. O ideal da vida moral, que, para ele, consistia na união da sensibilidade com o
entendimento, mal pode ser diferenciado do conceito de uma pura consciência ou vontade sagrada. E a estrutura dos
afetos morais tem muito pouco em comum com aquilo que comumente chamamos de sensibilidade e que Schiller
chamava de pulsão natural. Ele via claramente, contudo, que, se todo afeto nobre da alma harmoniosa é realmente
devido à sensibilidade, então a razão, em situações particulares que requerem a energia moral, novamente deve se
separar da sensibilidade, energicamente se opondo às suas seduções. Mas isso ocorre num ato que é experienciado
como sublime e não como belo. Mais tarde, Schiller tentaria equacionar o harmonioso com a alma sublime, dizendo
que a ação moral verdadeira se caracteriza por dois momentos, harmonia e sublimidade. Mas ele não demonstraria
nem a necessidade, nem a possibilidade de que assim fosse. Enfim, Schiller tomou todo o reino do prazer estético
como ponte para uma reflexão sobre a essência humana que é fundamentalmente moral. O desenvolvimento
consistente desse ponto de partida, segundo Henrich, poderia ter levado Schiller a uma concepção unificada do belo
e do sublime. Faltaram-lhe os meios conceituais para isso. O desenvolvimento mais complexo dessa iniciativa teria,
assim, que esperar por uma nova fundação no idealismo especulativo de Schelling e especialmente de Hegel.

Do mesmo modo que Schiller e outros idealistas, Schelling colocou como problema ultrapassar as divisões que
se tornaram dominantes na filosofia a partir de Kant, tanto a divisão do sujeito-objeto, quanto, mais particularmente,
a compartimentação das faculdades humanas em entendimento, razão e sensibilidade. Schelling deu à intuição o
papel unificador da relação sujeito-objeto, mas, para ele, tratava-se de se perguntar como fazer sentido dessa
unificação a partir de nossa perspectiva de seres em luta com nossas divisões e finitude. Nosso pensamento não
pode, por si, articular um modo de superar essas divisões, porque a divisão está na natureza mesma da reflexão. Sem
aceitar as respostas dadas a essas questões por seus antecessores, particularmente Johann Gottlieb Fichte (1762-
1814), Schelling buscou um novo caminho que desembocou num idealismo transcendental com feições próprias.

Com Schelling, portanto, a filosofia romântica alemã se tomou mais completamente idealista. Com ele também,
à estética, pela primeira e única vez, foi concedido um lugar de honra junto à filosofia como a expressão última e
absoluta daquilo que é verdadeiro e tem valor. De fato, a preocupação constante e maior de sua obra foi, em
primeiro lugar, a de construir uma síntese da arte e da filosofia, na medida em que, para ele, ambas são
representativas, cada uma a seu modo, das mesmas verdades. Em segundo lugar, relacioná-las com o corpo
disponível de representações compartilháveis, mantidas por uma comunidade: uma “mitologia”.

De acordo com Hofstadter e Kuhns (1976, p. 344-345), a filosofia de Schelling pode ser dividida em cinco
períodos. O primeiro período, o de ruptura com Fichte, foi devotado à filosofia da natureza, assunto que continuou a
absorvê-lo por toda a sua vida. O segundo período, marcou o advento de seu pensamento mais original que
apareceu, em 1800, no Sistema de idealismo transcendental (Schelling, 1978). O terceiro período, conhecido sob o
nome de filosofia da identidade, no qual a filosofia da natureza e o idealismo transcendental foram colocados em
unidade, corresponde à série de palestras, dadas em 1802-1803, em Jena, e repetidas em Würzburg, em 1804-1805,
sobre a Filosofia da arte (Schelling 1989) o quarto período foi devotado à filosofia da liberdade e o quinto à
filosofia da religião, incluindo aí sua filosofia positiva da existência em contraste com a filosofia “negativa” anterior,
puramente racional.

A pergunta colocada pela filosofia da natureza era a seguinte: como chegar à inteligência, partindo da natureza?
Schelling “via a natureza como um sistema evolutivo, não no sentido darwiniano, mas como um sistema em que a
natureza é um espírito ou mente ou inteligência que se desenvolve de acordo com leis próprias”. No idealismo
transcendental o movimento, exatamente inverso, passou a se expressar do seguinte modo: como é possível, a partir
do ego, atingir um mundo completamente realizado? E aqui, o ego era visto, de um lado, como um agente produtivo
que cria por si mesmo, estágio por estágio, o resultado final, de outro lado, como um agente intuitivo, capaz de
apreender o que ele produz através de uma intuição intelectual. A filosofia é uma recriação autoconsciente do
processo do ego. A habilidade para essa recriação depende de um talento especial, a contraparte, no insight
filosófico, da genialidade do artista, e a recriação só pode ser realizada em estágios que vão do teórico ao prático, na
seguinte gradação: da sensação à inteligência, da intuição produtiva à reflexão, e, por fim, desta ao ato de vontade.
Aqui começa a filosofia prática, relativa à construção da lei moral que conduz à filosofia da história. Esta é
interpretada como uma revelação do absoluto e o problema central que nela se coloca assim se expressa: Como se
pode chegar à harmonia entre a natureza e a liberdade? Como pode haver harmonia entre o teórico e o prático? A
estas perguntas, certamente herdadas de Kant, Schelling respondeu através da arte.

O Sistema de idealismo transcendental começa com as formas inferiores do espírito, que funcionam à maneira
dos organismos naturais, e ascende até as formas mais elevadas, que culminam na arte. Há sempre uma tensão na
consciência, tensão que a consciência, ela mesma, não pode inteiramente compreender e que só a arte pode entender,
porque é, ao mesmo tempo, consciente e inconsciente e um meio não-conceitual de expressão. A filosofia confia na
“intuição intelectual, no sentido de ser o pensamento sobre o pensamento, que é um processo produtivo, mas
dirigido para o interior, enquanto a arte está voltada para o exterior, refletindo o inconsciente nos seus produtos. Há
um excesso na subjetividade que só a arte é capaz de apreender. Schelling insistiu na concepção da arte como uma
unidade entre as atividades conscientes e inconscientes, tomando partido dela na sua tentativa de levar a filosofia a
confrontar-se com aspectos da autoconsciência que Kant havia colocado num reino a que a filosofia não podia ter
acesso (Bowie, 1990, p. 88–97).

Na obra de arte, a harmonia ou identidade entre sujeito e objeto, natureza e liberdade, consciente e inconsciente
apresenta-se objetivamente como um objeto para a intuição estética, que é a intuição intelectual tomada objetiva e
universalmente válida. A arte é, assim, filosofia objetivada, o grande organon da filosofia. Isso faz do Sistema de
idealismo transcendental, segundo Simpson (1984, p. 19), uma obra prima do idealismo alemão, de um lado, porque
prefigurou algumas das questões cruciais da filosofia hegeliana, de outro lado, porque incorporou o reconhecimento
do outro, a par do elemento do tempo biográfico e histórico, numa dimensão ética e política que sintetizou, em
argumentos unificados, tópicos com que a filosofia de Fichte havia lidado de modo separado.

Embora Hegel aprovasse a insistência de Schelling no significado crucial da arte para a filosofia, o lugar de
honra que este último concedeu à arte seria logo perdido no sistema hegeliano. Embora ambos tivessem em comum
a busca de superação das divisões do sujeito, Schelling não via a filosofia como sendo capaz de apreender o absoluto
de um modo conceitualmente articulado. Ele sustentava, por isso, a necessidade de uma noção de verdade que
dependesse da intuição, uma forma de acesso ao mundo não articulável em conceitos, daí sua insistência na estética.
Para Hegel, isso significava uma falha na capacidade de levar avante as exigências do conceito, o processo completo
de reflexão necessário para a revelação da verdade conceitual da arte. Em razão disso, Hegel subordinou a arte à
filosofia, chegando, simultaneamente à controversa conclusão sobre a morte ou o fim (Auflösung) da arte, quer
dizer, à conclusão de que a arte, como meio para a verdade, havia chegado, a um ponto de esgotamento. Ao mesmo
tempo em que produziu a mais sistemática estética ou filosofia da arte de todos os tempos, Hegel paradoxalmente
anunciou a necessidade de algo que fosse além da arte para dar expressão ao Absoluto.

A influência de Hegel sobre o pensamento ocidental foi e continua sendo incomensurável. Ele desenvolveu, no
seu mais alto grau, os temas da metafísica no Ocidente, funcionando como uma espécie de grandiosa síntese final
dessa metafísica. Como fruto dessa mesma imensa influência, criaram-se vários estereótipos de Hegel, dentre os
quais fizeram fama as apropriações políticas dos hegelianos de direita e dos hegelianos de esquerda. Mais
recentemente, veio à tona uma espécie de interpretação congelada de sua obra, bastante popularizada no movimento
estético-crítico que, a partir da repercussão da obra de Jacques Derrida, nos Estados Unidos, recebeu o nome de
desconstrucionismo Nessa interpretação, Hegel aparece como o filósofo logocêntrico por excelência. O real é o
racional, o racional é o real, era o seu mote. A mais alta categoria da sua lógica estava na Ideia Absoluta que é o Ser
na sua mais rica determinação. Ora, isso não significa levar a tradição racionalista-idealista do logos ocidental muito
mais longe do que Platão poderia jamais ter sonhado? Além disso, Hegel insistia na ideia de formatar a verdade
dentro de um sistema que pretendia configurar todas as coisas numa ordem totalizante. Mas o que é ainda pior: ele
teria também tentado ler a completude da história como estágios essenciais de um progresso dialético. E, para
finalizar esse quadro negro, com ele, no seu sistema, o secular caminho da filosofia deveria encontrar seu fim.

De acordo com Desmond (1986, p. 90-101), a interpretação acima corresponde a uma leitura estática e bastante
infiel de Hegel, daí ele propor um caminho de abertura destinado a revelar a dinamicidade que está embutida na
ideia de dialética de que Hegel foi o fundador. O conceito de dialética é muito amplo, significando coisas diferentes
para diferentes autores. Em meio às diferenças, há um traço comum: a dialética tem algo a ver com conflito, que já
se manifestava no conflito de opiniões da dialética socrática, nas disputas das escolas medievais em relação a
questões controversas, nas antinomias do Verstand kantiano, na luta de classes marxista. O conceito hegeliano de
dialética é coetâneo a esses sentidos, com o adendo de que, para ele, a dialética em a ver com o princípio de
articulação ele mesmo, além de que a dialética está tanto na ordem lógica do pensamento, quanto na ordem do ser,
quer dizer, na ordem ontológica. Disso se conclui, em primeiro lugar, que a realidade, tal como foi configurada por
Hegel, não pode ser congelada numa substância desvitalizada. A natureza do ser está no devir. Tudo tem alguma
identidade determinada, mas essa identidade é complexa, definindo-se como um processo inerente de diferenciação.
Para ser, algo tem de diferir de si, tornar-se diferente de si. No devir, a realidade está, ao mesmo tempo, em si
mesma e não inteiramente em si mesma, pois o processo dialético, que é o processo de articulação, movimenta-se
em direção à sua mais completa determinação.

Um dos grandes avanços da filosofia kantiana, segundo Hegel, estava em mostrar que o entendimento (Verstand)
caminha para uma série de antinomias ou contradições fundamentais. A dialética hegeliana seguiu exatamente no
fluxo da ruptura do entendimento consigo mesmo em polaridades, contradições, antíteses e oposições. Contudo, para
Hegel, o confronto com o negativo libera um poder positivo. Na sua noção de Aufhebung, integram-se as três
dimensões de negação, transcendência e preservação, ou unidade dialética que abraça o equívoco, mas vai além do
seu poder de negação e de dissolução. Daí que o Absoluto seja a identidade da identidade e diferença, o que quer
dizer que, através do processo de formação dialética, o dinamismo original vai ganhando forma e avançando em
seus diferentes estágios até se juntar num todo mais rico. Sob esse ponto de vista, o Absoluto hegeliano não é visto
como uma unidade conceitual de pensamento totalitário, mas muito mais como uma força de absolvição, em vez de
dissolução ou fechamento. A partir disso, Desmond conclui (ibid, p. 100) que Hegel não é nem um platonista nem
um cartesiano (logocentrismo), num extremo, mas não é também um nietzscheano (niilismo), no outro extremo. Ele
não congelou a forma, de um lado, nem a dissolveu, de outro. A forma é movimento fluido e dinâmico, nem a forma
estática, nem processo puro, mas a formação do processo ele mesmo.

Para se compreender o lugar que a arte veio ocupar no Espírito Absoluto, é preciso acompanhar, mesmo que
brevemente, alguns dos principais argumentos hegelianos. Segundo Bowie (1990, p. 116-130), a filosofia hegeliana,
assim como a dos outros idealistas pós-kantianos, tentou revelar como o processo do pensamento e o processo da
realidade são, ao fim e ao cabo, idênticos. O grande problema estava no modo como isso poderia ser revelado. Para
Schelling, a revelação poderia ser realizada pela arte. Hegel, contudo, considerou que isso representava um deficit na
filosofia de Schelling porque este estabelecia o ponto de indiferenciação entre o subjetivo e o objetivo já no início,
sem provar que essa é a verdade.

Enfrentando de modo original o problema de como a Mente ou Espírito (Geist) articula-se a si mesmo, Hegel,
antes de tudo, perguntou em que sentido o subjetivo se constitui, em que sentido eu sou eu mesma. Em consonância
com a negação dialética, a resposta diz que só refletida no outro eu me torno eu. Mas como posso saber que o
reflexo de minha consciência no outro é, de fato, um reflexo da minha consciência?

Na Fenomenologia do espírito, de 1807, Hegel (1979) apresentou os estágios do processo de auto-


reconhecimento no outro. Ao refletir minha consciência na consciência do outro, revela-se o fato de que a
consciência só pode se desenvolver pela via da sua relação com o Espírito, a estrutura geral da consciência que ela
compartilha com os outros. É por isso que, para Hegel, o finito, o mundo empírico, o evanescente, mundo da
experiência cotidiana, está continuamente negando-se a si mesmo, num processo ininterrupto de mudança. A
verdade, assim, está no processo ele mesmo, no fato de que tudo que é finito está continuamente sendo transcendido.
Onde Kant opôs aparências e “coisas em si mesmas”, Hegel quis provar que as aparências são, de fato, a essência da
realidade. No momento em que compreendemos a natureza transitória de toda realidade, o transitório cessa de ser
transitório e se torna aquilo que permanece. O movimento do todo só é explicável através daquilo que ele não é, daí
a Ideia do movimento. A finalidade da filosofia está na explicação da Ideia que é o verdadeiro ser das aparências da
realidade, das quais a Ideia é inseparável, uma vez que, negando a si mesmas como aparências, as aparências são
necessárias à Ideia.

Segundo Hofstadter e Kuhns (1976, p. 378-38l ), a verdade em Hegel não é meramente uma substância, mas é o
sujeito, uma identidade viva que se autodesenvolve. É o todo cuja a essência se completa através de seu próprio
desenvolvimento. Nessa medida, a verdade só pode ser considerada atual se ela for um todo espiritual
autodeterminante, cujo caráter fundamental está no autoconhecimento ou autoconsciência. O mais alto nível de
evolução do espírito ou mente foi chamado de Absoluto. Num estágio mais baixo, chamado de “mente objetiva”, o
estágio da lei, moralidade, do estado e da história do mundo, o Espírito se realizou na atualização. Mas agora, “no
estágio da Mente Absoluta, sua tarefa é aquela de se conhecer em sua própria essência”, quando ele se torna para si
mesmo seu próprio Ser. Essa culminação da auto-identidade se junta à atualidade histórica de modo curioso, pois o
Espírito Absoluto é essencialmente religião no sentido lato, compreendendo três formas: arte, religião em si e
filosofia. “Embora o Espírito se erga acima da historicidade atual ao se realizar a si mesmo nesses estágios de
autoconhecimento, o processo de realização é histórico, isto é, ocorre no tempo. Nos mais altos estágios, o Espírito
unifica o eterno e o histórico”.

Não é de surpreender que a noção do Absoluto tenha vindo carregada de temporalidade, ao mesmo tempo que a
nega. Na medida em que, na história do pensamento, toda aproximação da verdade revelou-se relativa e transitória, o
Absoluto não poderia ser mais uma versão da tentativa de fixar um princípio absoluto. Hegel fará, ao contrário, da
relatividade, do movimento da negação, o Absoluto. Este aparecerá no tempo, enquanto não apreender o conceito
puro, quer dizer, não abolir o tempo. Para isso, o pensamento deve ser o pensamento de si mesmo, caso contrário, o
infinito se tornaria dependente do finito. Conclusão: as tensões e contradições da realidade, que a filosofia tenta
compreender, já parecem conter em si mesmas o gérmen de sua resolução, porque são contradições que estão no
pensamento e, como tal, seguem as necessidades do infinito movimento do pensamento.

A mente absoluta é o estágio de liberdade autoconsciente no qual a Mente se reconcilia com seus opostos. Isto é
a verdade cujo nome é a Ideia, verdade em si mesma e por si mesma, Mente ou Espírito na sua forma absoluta, cujo
primeiro estágio de desenvolvimento está na arte. O pilar da estética hegeliana, portanto, está no conceito de
verdade. Mas que espécie de verdade a arte, especificamente, expressa? Se a Ideia se manifesta concretamente na
arte, religião e filosofia, o conteúdo dessas experiências só pode estar na Ideia. “O seu mais alto destino, tem-no a
arte em comum com a religião e a filosofia. Como estas, também ela é um modo de expressão do divino, das
necessidades e exigências mais elevadas do espírito” (Hegel, 1972, vol. 1, p. 42). Mas, qual é a diferença no modo
como a Ideia se expressa em cada um desses tipos de experiências humanas?

A arte é a aparição sensória da Ideia. Ela só pode mostrar a aparência da Ideia para os sentidos, ficando para a
filosofia a tarefa de explicar a Ideia, quer dizer, explicar o ser verdadeiro das aparências da realidade. Disso decorre
a postulação básica da teoria estética hegeliana de que a verdade da obra de arte só emerge completamente pela via
de sua articulação conceitual. A arte é, assim, uma revelação inferior da mesma verdade que a religião e a filosofia
atingem de modo mais adequado. Ou melhor: enquanto estas são a revelação de alguns dos aspectos da verdade,
daqueles que só podem ser expressos pela reflexão, a arte, por seu lado, revela a verdade sensorialmente. A arte ou o
belo é, assim, a aparência sensível da Ideia.

Ao dizermos que a beleza é a ideia, queremos dizer que a beleza e verdade são uma só e mesma coisa. Com
efeito, o belo tem de ser verdadeiro em si. Mas, observando mais atentamente, deparamos com uma diferença entre
o belo e a verdade. A ideia é verídica porque é pensada como tal em virtude de sua natureza e do ponto de vista da
sua universalidade. O que então se oferece ao pensamento não é a ideia na sua existência sensível e exterior, mas no
que tem de universal. Contudo, a Ideia também se deve realizar exteriormente e adquirir uma existência definida
enquanto objetividade natural e espiritual. A verdade como tal também existe, quer dizer, também se exterioriza.
Desde que, assim exteriorizada, a verdade se oferece à consciência e o conceito fica inseparável da manifestação
exterior, a ideia não só é verdade como também é beleza. O belo define-se, pois, como a manifestação sensível da
ideia. O sensível e a objetividade não mantêm, na beleza, qualquer independência; ambos têm de abandonar a
imediatidade do seu ser, visto que se apresentam como existência e objetividade do conceito, como uma realidade
que representa o conceito formando um todo com a sua objetividade, quer dizer, uma manifestação do conceito
(Hegel, 1972, vol. 1, p. 210-211).

Desde Schiller, e também em Schelling, o entendimento do belo havia se deslocado da natureza para a obra de
arte. Foi do vocabulário básico de Schiller que Hegel também tomou emprestado o termo através do qual passaria a
designar a essência da obra de arte, na sua unidade de oposição e reconciliação, do belo e sublime: a obra de arte, em
Hegel, passaria a ser o “ideal”, que é a Ideia em forma sensória, o devir do pensamento reflexivo em que
pensamento e forma sensível se conformam um ao outro e convergem em uma unidade imediata. O ideal não é um
simples conteúdo predeterminado que é imposto do exterior sobre o veículo sensório de sua expressão. Ao contrário,
ele aparece num processo de auto-articulação, que nasce e prossegue a partir da auto-atividade artística. Assim, o
conteúdo artístico, embora provenha da Ideia, é autodeterminado, tendo, portanto, de ser diferenciado do conteúdo
que nasce de uma determinação externa, tal como ocorre na imitação.

A arte em uma limitação que só pode ser superada pela filosofia, porque, para atingir a verdadeira identidade do
conhecedor e do conhecido, a arte ainda precisa de um elemento limitador de externalidade, quer dizer precisa de
uma forma sensória para se conhecer a si mesma, ficando, assim, presa numa separação. Muito embora essa
separação não seja tão extrema quanto a separação ou dualidade irremediável da imitação, a verdadeira forma do
autoconhecimento não está no autoconhecimento sensório da arte, mas no autoconhecimento racional da filosofia.

Não há, contudo, uma oposição entre filosofia e a arte porque a obra de arte torna concreto um significado
universal. A forma da obra de arte nasce dela de modo imanente. Sua concretude não é nem uma particularidade
empírica nem uma forma universal desencarnada. Seu processo de concretização é um processo de formação ativa,
onde os dualismos do particular e universal, do sensível e inteligível não operam de modo arbitrário. A arte é, mais
propriamente, um universal poético que produz a emergência e concreção (poiesis) do significado universal da Ideia,
a encarnação concreta do seu ser. Sendo a aparência a emergência concreta e, portanto, a revelação sensória do
universal, a obra de arte é, para Hegel, um universal concreto. O concreto é o individual, mas o individual é a união
da particularidade e da universalidade.

Em síntese, ao apresentar uma certa completude compacta, a obra de arte implica no seguinte: 1. ela envolve a
ideia de origem dinâmica; 2. ela torna concreto um certo processo de emergência; 3. ela traz à luz a totalidade rica
de uma universalidade concreta. O poder criativo da arte revela-se, assim, numa conjunção complexa de auto-
atividade e receptividade dos valores últimos, ou seja, daquilo que a religião representa como sendo a união do
humano e divino. Por colocar o homem perto da inteligibilidade plena, a arte tem um lugar no Espírito Absoluto, o
que não quer dizer que ela esteja, para Hegel, separada da história. Ao contrário, a arte representa um esforço
imaginativo de extrair da história um significado essencial, elevando a existência sensória a um plano espiritual
(Desmond, 1986, p. 8-64).

Há, evidentemente, pelo menos três visões sobre a natureza geral e as finalidades da arte que Hegel rejeitou: 1. a
imitação da natureza como fim último da arte; 2. a experiência humana do mundo como finalidade da arte; 3. a
mitigação das paixões como objetivo final da arte. Resta uma quarta visão que, à primeira vista, parece ser aquela
que Hegel esposou: a revelação da verdade como fim da arte. Não é este o caso, porém. Embora, de fato, a obra de
arte apresente a verdade de uma forma sensória, ela não pode ser vista como um meio, ou como um instrumento,
para a realização desse fim, pois ele é independentemente válido, por sua própria conta, fora da esfera da arte. Para
explicar essa questão, Mitias (1980, p. 71-75) apresenta, de forma muito clara, os traços distintivos da arte para
Hegel no que se segue.

Primeiro: o objeto de arte é um artefato criativamente feito pelo homem, não sendo o resultado nem de uma
atividade mecânica, nem da inspiração, mas sim fruto da habilidade do artista de produzir uma forma que dá corpo
ao “Ideal”, de modo concreto e expressivo. Segundo: o objeto artístico é sensório, uma entidade física e o lugar de
uma experiência perceptiva, sendo a análise da beleza em geral a questão própria da estética. O objetivo último do
artista é criar um objeto belo. Terceiro: o objeto de arte também se dirige à mente. O espírito é igualmente afetado,
encontrando alguma satisfação no objeto. Assim sendo, o aspecto sensório só tem direito à existência na medida em
que existe para a mente, e não qua sensório. Finalmente, a obra de arte imita o Ideal, quer dizer, o Belo. Ideal, assim,
não se confunde com Ideia. Esta, na sua aparição como o belo da arte, não é a Ideia em si, no modo Absoluto em
que a lógica metafísica tem de apreendê-la, mas é apenas a ideia tal como ela toma forma na realidade e tal como se
apresenta em unidade imediata e correspondência com essa realidade. Na sua forma do belo na arte, a ideia não é
nem abstrata nem conceitual. Ela é concreta e presa dentro de uma forma determinada. Não é um objeto do
pensamento, mas da intuição imediata. Vem daí a impossibilidade do entendimento para compreender o Belo. Disso
se conclui que: 1. a obra de arte é um fim em si mesma, não se prestando a nenhuma finalidade pedagógica ou
moral; 2. a verdade que a obra de arte revela apresenta-se à percepção estética como o belo, um objeto que não se
apresenta nem para os sentidos nem para o entendimento, mas para a imaginação, produzindo uma espécie muito
peculiar de satisfação imaginativa; 3. a experiência estética é imediata, intuitiva, sendo muito pobre
conceitualmente. O belo é a unidade imediata da natureza e do espírito na intuição. A verdade que a arte revela não é
cognitiva nem conceitual, mas artística, quer dizer, bela ou Ideal.

Hegel não esposou, portanto, nenhuma teoria existencialista do estético. Sua visão foi, contrariamente,
eminentemente intelectualista. Segundo Mitias (ibid., p. 68), o conteúdo da obra de arte, de um lado, e o traço
caracterizador da arte, de outro, para Hegel, não são qualidades abstratas ou essências coladas misteriosamente ao
objeto artístico. Trata-se, isto sim, de um conteúdo ideal, e, como tal, da capacidade do objeto de realizar uma
experiência de beleza. Tendo recebido o batismo do espiritual, a arte só extrojeta aquilo que se formou em harmonia
com o espírito. Em si, o objeto não é belo, é um potencial para uma experiência de beleza.

Embora a estética hegeliana esteja firmemente plantada no contexto moderno do poder criativo e da expressão
subjetiva, na sua contextualização mais ampla, essa expressão está atada à afirmação metafísica do belo. A natureza
do belo, ideal de toda arte, consiste no conhecimento da realidade e de seus conceitos, não através de abstrações,
mas na fusão imediata de um objeto que se auto-contém. Daí, em oposição a Kant, a insistência hegeliana no
estatuto superior do belo nas obras de arte, em oposição ao belo natural, pois a beleza depende de um
desenvolvimento da mente e não do prazer encontrado numa contemplação imediata da natureza (Hegel, 1972, vol.
1, p. 28). O belo é sensível e supra-sensível, universal, sem ser abstrato. Mas essa universalidade não se assemelha à
universalidade formal do belo estético em Kant. O belo hegeliano é um concreto universal que traz algumas
semelhanças, segundo Desmond (1986, p. 105-153), com o conceito transcendental do belo na tradição aristotélico-
tomista.

Enquanto a estética platônica havia encapsulado o belo no caráter intrínseco da coisa em si mesma, definindo a
sincronia da psiqué em resposta a esse caráter, Kant capturou o estético na ênfase moderna sobre o sujeito, definindo
a significância do objeto em termos da contribuição constitutiva que o sujeito lhe dá. Hegel, por sua vez, costurou o
antigo no moderno, através de sua compreensão do aspecto metafísico do belo, de um lado, e da sua apreensão do
poder original do artista e da contribuição que esse poder traz para a expressão do significado estético, de outro.

Provavelmente, mais do que ninguém, Hegel prezou a perfeição e a universalidade da beleza na Grécia clássica,
mas foi bastante crítico em relação à generalidade abstrata a que essa universalidade ficou reduzida, em Platão.
Havia, para ele, contudo, algo no eidos platônico que deveria ser mantido e remediado, numa concepção genuína do
belo que combinasse universalidade metafísica coma determinação da particularidade real. Vinham daí suas reservas
quanto à estética kantiana. Embora Kant tivesse premiado a filosofia com uma espécie de recomeço, as antíteses
fixas ainda se mantiveram na sua filosofia, estando a unidade proposta por ele meramente na forma de ideias
subjetivas da razão, para as quais nenhuma realidade poderia, de fato, corresponder. Daí a unidade orgânica e o
caráter teleológico do belo, tanto na natureza quanto na arte, tenderem a ser vistos e julgados, por Kant, apenas sob o
ponto de vista de uma reflexão subjetiva.

É certo que faltou a Santo Tomás de Aquino, por sua vez, um sistema dialético de integração do universal e do
particular, mas é na sua metafísica do belo que se encontra a concepção de beleza mais próxima da hegeliana.
Evidentemente, a estética hegeliana foi fundada em território pós-kantiano, no qual o conceito de transcendência
está inseparavelmente atado à questão da subjetividade, referindo-se, então, às condições próprias do sujeito
conhecedor que tornam possíveis o conhecimento e não mais se referindo, como acontecia na tradição aristotélico-
tomista, estritamente ao conhecimento dos traços universais dos objetos. Mas se examinarmos o belo como uma
imagem concreta da Ideia, levando-se em conta a noção hegeliana do concreto universal, encontraremos, em seu
pensamento, alguns fundamentos para juntar o sentido de transcendência de Kant com o sentido do transcendente
que vem da tradição aristotélico-tomista. É nesse contexto que a negação do belo como uma mera abstração, mas, ao
mesmo tempo, a afirmação de seu caráter cognitivo deve ser compreendida.

Assim, a manifestação sensória da Ideia, expressa na arte, não se confunde com a generalidade abstrata do
universal imutável, nem se confunde com a transitoriedade do particular, mas é a unidade do universal e particular,
da liberdade e da necessidade, do espiritual e natural, do infinito, mas ainda determinado. Os diferentes graus
atingidos pela harmonia da Ideia, nas suas formas sensórias, não são aleatórios, mas dependem do grau de
concretude e determinação através dos quais a Ideia é apreendida e expressa, no seu processo evolutivo rumo ao
conceito. Cada um desses graus tem um método próprio de externalização ou corporificação, um meio sensível no
qual se expressa de acordo com o estágio de desenvolvimento em que se encontra, na direção de uma diminuição
progressiva do valor do sensório. Cada forma é efetiva, até certo ponto, como uma representação do Espírito
Absoluto (Hegel, 1972, vol. 1, p. 162). Em razão disso, Hegel dividiu a arte em estágios evolutivos, cada um deles
com os meios próprios e adequados à corporificação sensória da Ideia. Esses estágios começaram na arte simbólica,
a forma primeira e mais próxima da natureza, passando pela arte clássica, para terminar na arte romântica. Do
mesmo modo que a arte como um todo é uma síntese dialética entre o sensório e o racional, a arte romântica é uma
síntese entre a arte simbólica e a clássica.

Na fase simbólica, o conteúdo ideal se manifesta numa forma externa, apontando apenas para a Ideia como algo
distinto dela. O meio mais adequado, que a arte encontra para se encarnar nesse estágio, é a arquitetura, na qual as
formas da natureza são abandonadas em prol de formas que derivam dos poderes da mente humana. O elemento
sensório e o Espírito Absoluto aproximam-se aí, mas não chegam a encontrar um ponto de unificação. Por isso, a
esfinge foi, para Hegel, um símbolo do simbólico: o Espírito humano tenta emergir do reino animal, mas não chega
a ser plenamente bem-sucedido. O corpo animal permanece. A expressão perfeitamente harmoniosa da mente
humana universal teria de esperar pela arte clássica para atingir sua forma ideal.

A arte clássica une sentido e corporeidade, pois só a externalidade do homem é capaz de revelar o espiritual
numa forma sensória. Daí a Ideia encontrar sua expressão na escultura da forma humana, na qual a Ideia se
desenvolve exatamente até o grau que é mais adequado à apresentação sensória. O conteúdo ideal alcança aí o mais
alto nível que o material imaginativo sensório pode concretamente expressar. Por isso, a Ideia só se sente em casa no
reino sensorial, sob a forma da arte clássica. Nesse sentido, essa arte representa a perfeição da beleza artística.
Embora perfeita na expressão humana da forma, atingida através da escultura, a arte clássica depende de uma certa
imaturidade do intelecto. O Espírito aqui adquire uma existência autoconsciente, junto com as emoções, ideias e
propósitos dessa existência. As qualidades universais da forma humana são idealmente receptivas à unidade da
forma e conteúdo através da qual o Espírito entra na forma da escultura. Contudo, a unidade da arte clássica evita os
aspectos genuinamente subjetivos da autoconsciência pessoal, terminando por encontrar a instabilidade.

A emergência da arte romântica introduz, de acordo com Hegel, a última forma determinada de arte.
Compreendê-la apropriadamente significa compreender o significado que o fim da missão da arte, na revelação do
Absoluto, adquiriu dentro do sistema hegeliano. Quando a individualidade espiritual penetra no seu próprio templo,
um terceiro estágio da consciência humana é atingido. A unidade da aspiração religiosa e da fraternidade, na fé,
esperança e caridade, é puramente ideal e não poderia se contentar com qualquer signo externo, nem se encarnar em
qualquer forma natural. O espírito subjetivo de cada indivíduo se torna muito mais importante através de sua relação
com a divindade, que se reflete na relação com seus iguais. Hegel supôs que o meio para expressar essa ideia estava
na tríade romântica da pintura, música e poesia (Carrit, 1962, p. 106).

A beleza, na sua forma mais apropriada e no seu conteúdo mais apto, não é mais a finalidade da arte. Em vez de
tentar expressar a verdade externamente, a arte romântica compreende que a verdade do pensamento é independente
da contingência, fisicalidade e externalidade. Não importa qual conteúdo externo é usado nessa arte, pois mesmo os
mais prosaicos objetos da vida cotidiana podem ser utilizados uma vez que a verdade não mais depende deles. Por
isso mesmo, a música é a forma-chave da arte romântica. Sua tarefa não é ecoar a objetividade, mas sim o modo
como o eu interior se move dentro de si mesmo, de acordo com sua subjetividade, no interior de sua alma. Cada uma
das formas românticas da arte, pintura, música e poesia, fornece um tipo de síntese próprio para as formas prévias da
arte. A pintura absorve as representações dos ambientes arquitetônicos e os utiliza como cenário para as
representações humanas emprestadas da escultura. A poesia, então, combina qualidades essenciais da pintura e da
música para atingir a perspectiva mais inclusiva de todas as formas de arte.

Na arte romântica, o conteúdo ideal está tão evoluído que já contém muito mais do que qualquer material
sensório imaginativo pode expressivamente corporificar. É a arte da subjetividade, seu conteúdo é o Absoluto que se
sabe na sua própria espiritualidade infinita e que Hegel identificou com o Deus cristão. Na passagem da pintura para
a música e desta para a poesia, há um movimento crescente de espiritualização. Na pintura, o meio já é idealizado
porque é capaz de representar o espaço de três dimensões em apenas duas. A música, cujo meio está constantemente
evanescendo, é altamente expressiva de uma luz interior. A poesia, finalmente, que tem na linguagem seu meio, é a
mais espiritual de todas as artes, a arte universal que contém em si a totalidade de todas as outras formas de arte
(Hegel, 1972, vol. 1, p. 149-175).
Numa análise que sintetiza de modo muito lúcido a questão, postulada por Hegel, do fim da arte, a partir do
romantismo, Jiménez (1992, p. 73-74) diz que, para se entender a posição de Hegel, é preciso levar em conta que,
para realizar sua essência, a arte deve ir além de si mesma, superando-se. A dissolução, quando dialeticamente
compreendida, significa que, na medida mesma em que a arte foi incrementando o pensamento que levava em seu
interior, ela foi se aproximando do ponto em que o pensamento desbordou dos seus limites. A arte, religião e
filosofia coincidem no conteúdo e na finalidade de levar o espírito absoluto ao seu auto-reconhecimento, mas
diferem na forma como realizam essa finalidade. A arte, como primeiro estágio, externaliza um saber imediato e
sensível, a religião corresponde à consciência representativa e, na filosofia, o espírito atinge o nível de livre
pensamento. Assim sendo, a morte da arte não é senão a própria arte transcendida numa forma mais elevada.
5. A MULTIPLICAÇÃO DAS ESTÉTICAS

As conferências hegelianas sobre a arte só foram publicadas em 1835. Antes disso, entre a publicação das
palestras de Schelling e as de Hegel, Schopenhauer, em 1819, publicou a primeira edição de sua obra O mundo
como vontade e representação (Schopenhauer. 1969). Levou algum tempo para que as ideias aí expressas
chamassem qualquer atenção Esse ostracismo, contudo, seria devidamente compensado, uma vez que o
voluntarismo e o pessimismo da razão, marcas registradas de Schopenhauer, viriam exercer enorme influência não
apenas sobre Nietzsche, mas também sobre Sigmund Freud (1856-1939) e, num outro extremo, Ludwig
Wittgenstein (1889-1951), isso se não mencionarmos os artistas e poetas que claramente absorveram suas ideias. Em
razão disso, não há teoria contemporânea da arte que não tenha, de uma forma ou de outra, absorvido a força que a
vontade e a descrença nos poderes da razão passaram a desempenhar no pensamento ocidental a partir de
Schopenhauer.

Embora se dissesse sucessor da tradição que ia de Platão a Kant, em detrimento da filosofia pós-kantiana,
especialmente a hegeliana pela qual ele nutria imensa antipatia, Schopenhauer parece ter articulado uma espécie de
pensamento inteiramente diferente de tudo que pudesse ser encontrado na tradição. Mas, assim que superada uma
primeira impressão surpreendente que sua obra produz, começam a aparecer alguns traços de ligação com Kant, não
o Kant das três críticas, mas aquele menos conhecido, particularmente o da Antropologia (Kant, 1974). Um certo
pessimismo kantiano — aparente nas considerações sobre a inevitabilidade do egoísmo, na força fundamental da
pulsão sexual e urgência da autopreservação, na ubiquidade da dor e na função da agressividade e competição como
forças naturais — veio, de fato, fazer eco em Schopenhauer. Mas, por outro lado, embora não conscientemente
consentida, há também na sua noção de vontade uma nítida absorção do tratamento que Fichte deu à pulsão (trieben)
e que Schelling deu à força (kraft).

Para Schopenhauer, a causa e essência do mundo está numa força cega ou tendência anterior à matéria e à
consciência, que ele personificou na Vontade, ou Vontade de Viver. Dessa força derivam a matéria, os vegetais,
animais, até o homem, em sucessivos graus de auto-objetivação. Para qualquer coisa que existe deve ter pré-existido
uma tendência, a partir da qual toda existência consiste em discórdia, e, na vida orgânica especialmente, ela se
manifesta como desejo insaciável e voraz, cuja dor é obliterada e cuja crueldade é apaziguada apenas pelo
intolerável pânico do medo. A criatura que não está fugindo está perseguindo, alimentando sua própria dor ou
luxúria no outro, fornecendo, através do peso do trabalho, novas vítimas para a praga cósmica. O ser humano é
aquele que bebe dessa taça mais amargamente, pois ele é o olho através do qual o universo observa a si mesmo e se
sabe infernal. Mesmo a ciência não passa de um serviço sacrificado da Vontade.

Só restam duas alternativas que podem se abrir para o indivíduo: o ascetismo ou a arte. O primeiro é mais
elevado porque tende a durar através do tempo como uma condição subjetiva, através da qual podemos nos livrar da
ética convencional. A criação estética é uma fonte mais provisória de alívio, embora seus produtos sobrevivam para
os outros experimentarem. A arte nasce de um excesso de Vontade, que vai além do que é necessário para atender à
demanda do desejo saciável e das necessidades práticas (Simpson, 1984, p. 162). Só a contemplação estética pode
nos livrar da escravidão, pois, nela, o quando, o porquê e o para quê das coisas deixam de existir para nos
concentrarmos apenas no “o quê”. Totalmente absorvidos na percepção de um objeto, podemos escapar de nossa
individualidade e vontade, continuando a existir como puro espelho do objeto: com sua beleza nos identificamos,
nela nos regozijamos. O que é então conhecido não é algo individual, mas a ideia, quando o conhecedor cessa de ser
um indivíduo para se tornar um puro sujeito conhecedor. Nesse caso, contemplamos o belo. Quando, a despeito da
atração, instala-se uma relação hostil com nossa vontade, da qual devemos nos desprender a fim de nos entregamos
ao puro conhecimento, então o objeto é chamado de sublime. A sublimidade é, assim, proporcional à nossa
dificuldade de considerar um objeto sem relacioná-lo com nosso vontade. Há graus de beleza e sublimidade
dependendo do grau de objetivação da Vontade ao qual o objeto pertence: numa tragédia, o homem atinge seu maior
grau de sublimidade, do mesmo modo que uma bela mulher é mais bela do que uma bela gata por exemplo.

A arte é mais universal representação da realidade ao mesmo tempo em que a mais especificamente sensorial.
Dentre todas as linguagens e todas as artes, a música é a superior porque afeta diretamente a Vontade, quer dizer, os
sentimentos, paixões e emoções do ouvinte. É a música que melhor representa as forças inconscientes que motivam
nossas representações do mundo. É a forma de conhecimento que, no seu poder revelatório, nos libera mais
completamente do mundo ao qual estamos ligados através da força intolerável da Vontade (Carritt, 1962, p. 82-94).

Embora tenha ficado longe de produzir uma obra tão monumental quanto a de Hegel, não há como ignorar
Schopenhauer, quando se deseja compreender o estado de espírito que passaria a dominar a filosofia a partir do
século XIX. São ecos da Vontade, por exemplo, que irão aparecer no vitalismo de Henry Bergson (1859-1941). No
outro lado do Atlântico, o norte-americano George Santayana (1863-1952) nitidamente também beberia nas fontes
de Schopenhauer, que, lido à luz de Platão, iria lhe dar inspiração para produzir, em 1896, o seu Senso do belo
(Santayana, 1955). Contudo, mais dominante do que esses dois filósofos, na insinuação de uma filosofia que se
tornaria inseparável da crítica da própria filosofia, foi, sem dúvida, Nietzsche. Ora, sem a referência a Schopenhauer,
torna-se quase impossível compreender por onde Nietzsche iniciou sua análise da arte. Em 1871, mais de vinte anos
antes que Santayana produzisse o reaparecimento do belo no seu canto de cisne tardio, com O nascimento da
tragédia, Nietzsche (1927) já havia dado início à sua devastadora crítica da metafísica, colocando em crise definitiva
as antigas confianças na razão filosófica.

Através de um olhar penetrante no lado irracional da cultura grega, que o Ocidente reprimiu, ele concluiu que as
origens da arte e de toda criatividade devem ser encontradas nos aspectos duais da natureza humana, por ele
chamados de apolíneo, derivado do deus Apolo, e dionisíaco, obviamente derivado de Dionísio. Foi da distinção
kantiana entre o belo e sublime que Schopenhauer parece ter extraído sua distinção entre a música, como expressão
direta da Vontade, e as artes, como representações expressivas das ideias. Essa, por sua vez, deve ter sido a base da
divisão nietzscheana, mais geral, entre o lado dionisíaco, mais presente na música e na tragédia, e o lado apolíneo,
mais presente nas artes plásticas.

A arte apolínea é a arte do sonhador enfeitiçado pelo charme do seu sonho e incapaz de vê-lo na sua natureza
ilusória de sonho. Apolíneo se refere, assim, àquele estado de repouso absorto diante de um mundo visionário, onde
as belas e ilusórias aparências descansam no esquecimento do devir. Esse mundo de completude e beleza harmônica
nos reconcilia com a intolerável irracionalidade da vida e ação humanas. Dionísio, por outro lado, refere-se à energia
promíscua da vida, à intoxicação da orgia que destrói os limites da forma, da unidade fixa e da perfeição
estabilizada. Refere-se ao devir extenuante, à crescente autoconsciência sob a forma da voluptuosidade incontrolável
do criador também consciente da cólera violenta do destruidor. Combinando criação e destruição, Dionísio é o outro
de si mesmo. Os recursos retóricos do gênio se exaurem nas contradições que intentam descrever essa condição.
Temos, assim, dois componentes: 1. pura expressão, forma, domínio espiritual; 2. pura matéria, paixão cega tão
horrível quanto divina na sua indeterminação. O belo nasce na junção de ambos, na tragédia grega ou na música,
consideradas como o ideal de toda arte.

Para Nietzsche, a existência só pode ser entendida e justificada em termos estéticos, do que decorre que a
investigação levada a cabo pela ciência ou é um equívoco, ou uma rival da arte. Neste último caso, a ciência é uma
espécie de ilusão, similar à ilusão da arte. Dentre as táticas da ilusão, a mais provocativa é a tragédia, que se
distingue pela visão que ela apresenta, uma visão do horror da natureza e do ato inatural que subjaz a tudo que o
homem pensa ser nobre na conduta. Como essa visão se expressa? Foi para responder a essa questão que Nietzsche
recorreu à sua distinção entre o apolíneo e o dionisíaco. A integração que a tragédia processa desses dois lados
permanece como uma das maiores conquistas da humanidade. Conquista que só desapareceu porque a vitalidade
pessimista da tragédia pode ser insuportável, o que provocou a sua substituição pela filosofia, na sua pretensão de
domesticar a natureza dentro de abstrações compreensíveis e inteligíveis. Com isso, os elementos dionisíacos, os
mais preciosos e vitais da vida humana, foram perdidos. Daí Nietzsche ter proposto o retorno da filosofia à sua
subordinação pré-socrática à tragédia. Desmantelando a forma, restaurando a inocência do devir, só assim a poiesis e
o mythos podem ser resgatados do predomínio asfixiante do logos.

Como podemos superar a metafísica sem perder aquilo que, a partir da terceira crítica de Kant, se tornou
inseparável da própria metafísica, ou seja, a estética e a arte como vitais à experiência humana? Para responder a
isso, Nietzsche radicalizou, muito mais do que Schelling o fizera antes dele, o significado da arte e da beleza.
Enquanto para Schelling a arte comparecia para manter o edifício da metafísica de pé, para Nietzsche o edifício foi
dinamitado para que as forças da indeterminação, soterradas sob suas fundações, pudessem voltar a emergir. A força
dionisíaca que produz a tragédia e que a música nos permite contemplar é anterior a qualquer imposição ética e a
qualquer dominação sob o nome da verdade. A única resposta possível para nossa facticidade e fragilidade está na
capacidade humana para criar ilusões que dão sustento à vida. Essa capacidade para a criação de aparências, que
Nietzsche chama de arte, incluindo a ciência e a religião também nessa categoria, advém da força ruptora de
Dionísio.

Certamente, tal proposta parece impossível, mas muito próxima dela, na sua remarcável originalidade e ousadia,
estaria, algum tempo depois, o pensamento heideggeriano. A história da filosofia ocidental é a história do
esquecimento da fonte da verdade. Esta não se confunde com a correspondência simples e referencial entre
proposições definidas e uma realidade externa e fixa, mas é um evento de desvelamento e revelação. Os pré-
socráticos estavam próximos da verdade primordial, mas a metafísica ocidental, desde Sócrates, foi cada vez mais
estreitando a noção de verdade sob a égide de um ideal lógico. Disso resultou o esquecimento do Ser. Recuperar o
Ser significa, assim, tirar o véu do que foi encoberto, acirrar as tensões que foram ocultas pela metafísica. Essa é,
simplificadamente, a tese heideggeriana, que, na medida em que avançou, foi dando à arte um desempenho de
relevo.

No seu famoso ensaio sobre A origem da obra de arte, publicado originalmente em 1950 e baseado em
conferências dadas em 1935 e36, em Freiburg im Breisgau, Zurich e Frankfurt, Heidegger (1971) evidenciou que a
arte é um meio privilegiado para o acontecimento da verdade. Marcando o período de reversão no seu pensamento,
que passou de uma ênfase anterior na ansiedade e niilismo para a primazia afirmativa do Ser, esse ensaio aponta para
a obra de arte como o lugar em que a verdade se estabelece, produzindo uma luz e sombra, através das quais aquilo
que é mostra-se. A origem da obra não diz respeito apenas às obras de arte como entidades individuais, mas também
à origem da existência histórica humana em si mesma, pois a arte tem a função de revelar a responsabilidade que
cabe ao ser humano no preenchimento do seu destino (Hofstadter e Kuhns, 1976, p. 648-649).

A filosofia heideggeriana passou por diferentes fases. Em todas elas, manteve-se constante sua crítica a Hegel.
Ao se considerar como a autoconsciência do filosofar, o sistema hegeliano se tomou imune às experiências originais
e imprevisíveis. Ora, são exatamente esses tipos de experiência que a arte segundo Heidegger, está mais apta a
proporcionar. Transpor sua substância para uma tradução conceitual significa destruir seu poder revelatório.

Os abalos que Nietzsche e Heidegger produziram na crença nos poderes da razão iriam ser complementados e
ainda mais acentuados pela radicalidade da descoberta freudiana do inconsciente. A influência dessa tríade de
subvertores sobre a filosofia continental, em particular sobre o pensamento francês pós-estruturalista, especialmente
na figura de Jacques Derrida, foi muito profunda. Mas mais impressionante seria a repercussão que, sob o nome de
desconstrucionismo, as ideias de Derrida exerceriam sobre as áreas das humanidades, nos Estados Unidos, nos anos
80 do nosso século anterior. Não resta dúvida que Nietzsche foi um divisor de águas a partir do qual a confiança na
razão parece ter se tornado irrecuperável. Mas, se Hegel esteve sempre, de uma forma ou de outra, na mira da crítica
à razão, não se pode deixar de notar que tiveram algo de profético os seus prognósticos sobre a morte da arte e sobre
o descanso final da filosofia em seu sistema.

O próprio advento dos pensamentos de Nietzsche, Freud, Heidegger e a crítica implacável, que Karl Marx
(1818-1883) desferiu sobre a futilidade e a “miséria da filosofia”, parecem funcionar como indicadores seguros de
que a filosofia como sistema totalizante e unificador atingira, em Hegel, um ponto de esgotamento. De um modo
geral, a demolição das fundações metafísicas da história correu em duas direções. De um lado, Marx, o primeiro a
falar na morte da filosofia, previu sua realização na história, o que tornava a filosofia supérflua, do mesmo modo
que a mitologia vai se tornando supérflua na medida mesma em que a tecnologia vai sendo capaz de controlar as
forças da natureza. De outro lado, Nietzsche submeteu o otimismo do Idealismo ao seu teste mais radical, ao
questionar a legitimação dos elevados objetivos históricos, coletivamente imputados, na postulação de uma nova
conexão entre a subjetividade e sua força motriz, por ele chamada de “vontade de poder” (Bowie, 1990, p. 219).

Enquanto isso, as revoluções pelas quais os sistemas artísticos viriam passar, a partir de meados do século XIX,
confirmando, sob um certo ponto de vista, os prognósticos hegelianos, também funcionariam como comprovações
vivas de que a ideia de arte, que o Ocidente fixou desde o Renascimento, havia chegado a um fim. A multiplicação
dos pensamentos e escolas filosóficas, de um lado, e o estilhaçamento dos sistemas artísticos, de outro, levaram a
uma pulverização de tendências teóricas e atividades de criação que não tem cessado de se expandir. As correntes
estéticas, tanto no nível teórico quanto no nível da criação, têm se multiplicado a tal ponto que qualquer tentativa de
mapeá-las num panorama global e representativo destina-se irremediavelmente ao fracasso. Tendo isso em vista, as
pinceladas que serão dadas a seguir sobre as tendências estéticas do final do século passado para cá não têm
qualquer pretensão de esgotamento documental, mas apenas a intenção de sugerir a própria dificuldade da tarefa.
Dentro de uma proposta de re-leitura de Hegel à luz de Marx, Georg Lukács (1885-1971) tentou erguer, com sua
Estética (1966-67), um enorme e sistemático edifício teórico sobre a arte, no qual a verdade estética deixou de
pertencer ao domínio essencial da filosofia para se transformar na revelação crítica da estrutura concreta da
sociedade capitalista. Se a complexidade da dialética hegeliana parece ter aí se gastado em clichés simplificadores,
ela voltaria a recuperar sua força especulativa no neomarxismo do frankfurtiano Theodor Wiesengrund Adorno
(1903-1969).

De acordo com Bubner (1980, p. 25), se há uma obra em nosso tempo que merece uma comparação moderada
com a monumental estética de Hegel, na profundidade de sua reflexão e na riqueza dos detalhes concretos de suas
análises, esta obra é a Teoria estética, de Adorno (1980). Seu pessimismo em relação a qualquer progresso da
racionalidade humana, aliado à desconfiança tipicamente marxista em qualquer teoria pura, o levou a considerar a
estética como única saída possível para o ceticismo radical. Mantendo o antigo valor hegeliano da verdade, mas
deslocando a prioridade desse valor da filosofia para experiência estética, Adorno evidenciou que a filosofia deve
aprender com a estética que o pensamento conceitual não é tudo. Aо revelar uma verdade que lhe é própria, a arte
evidencia quão dilatado é o reino da verdade e quão pouco território desse reino é ocupado pelas reflexões
conceituais. Há muito para ser compreendido que escapa às formas de controle do pensamento filosófico tradicional.

Numa linda e lúcida apresentação da estética adorniana, Bowie (1990, p. 53-67) diz que a conhecida
concentração de Adorno na autonomia estética deriva da sua compreensão de que o ordenamento da natureza pela
ciência e a penetração das formas da mercadoria, em todas as esferas de troca capitalista, dominam a relação do
sujeito com o objeto. De acordo com a teoria marxista, como se sabe, na medida em que a sociedade capitalista se
desenvolve, tudo se reduz ao princípio da equivalência através do princípio da troca. A forma da mercadoria é a
forma do “reflexo”: aquilo que o objeto é qua mercadoria torna-se totalmente definível por sua relação negativa com
os outros objetos dentro de um sistema diferencial, que Marx muito corretamente equacionou com uma espécie de
metafísica. A verdade sensória do objeto não está empiricamente disponível, pois seu valor deriva do mercado. No
capitalismo, os objetos são definidos por seu valor de troca, que se constitui na relação com outros valores de troca,
que não têm nada a ver com o ser intrínseco do objeto, quer no seu valor de uso, quer como um objeto estético. Foi
desse aspecto-chave do pensamento marxista que Adorno extraiu os princípios de sua original teoria do significado
político da autonomia estética e da pertinência filosófica da música.

Ainda de acordo com Bowie (ibid., p. 258), Adorno insistia no acerto kantiano ao manter que nenhuma teoria
estética é possível sem o pressuposto de que a estética deve envolver um momento de desejo imediato livre, mas ele
insistia também no fato de que a autonomia estética deveria ser vista historicamente, o que produz a instabilidade do
puramente estético. A despeito disso, a intraduzibilidade da música para um outro meio fez com que ela se tornasse,
a partir do fim do século XVIII, um índice da autonomia estética, seu paradigma podendo ser aplicado às demais
artes. A autonomia resulta da falta de uma racionalidade finalista na arte, o que lhe dá o mesmo caráter que Kant
havia detectado no prazer estético.

O desenvolvimento da arte na modernidade está ligado à liberação do sujeito das compulsões teológicas, fator
que é melhor exemplificado na música. “A partir do romantismo, e especialmente em Wagner, a música foi se
tomando mais e mais capaz de encontrar uma linguagem que expressa o que Schopenhauer via como ‘a história
secreta da Vontade’: todos aqueles aspectos da vida interior dos seres humanos que não podem ser adequadamente
representados na linguagem verbal”. Mas, ao mesmo tempo, a música foi mais e mais se amarrando às convenções.
Essa mesma convenção penetrou, de acordo com Adorno, nos sujeitos cujas experiências a arte expressa. A
modernidade traz consigo um potencial para o empobrecimento da subjetividade, o que faz desta um terreno fértil
para a semeadura das políticas totalitárias. Nem a música, aparentemente tão livre de imposições ideológicas, pode
estar à margem desse estigma. Afogada em repetições características do pensamento conceitual, ela corre o risco de
perder seu estatuto estético (Bowie, ibid., p. 261).

Adorno conectou sua visão da arte à “dialética do iluminismo”. Os produtos da subjetividade autônoma, ciência
e tecnologia, que deveriam nos auxiliar na superação das ameaças da natureza externa, acabam por aprisionar o
sujeito numa objetividade da mesma ordem daquela que supostamente deveria ter sido superada. A crise ecológica,
segundo Bowie (ibid., p. 263), é o melhor exemplo dessa dialética. A radicalidade com que Adorno enfrentou essas
questões foi prefigurada na avaliação pessimista que Schopenhauer fez da natureza fundamental da subjetividade e
da sua concepção da arte como desvio da pulsão à autopreservação da Vontade. Adorno tendeu, porém, a um
hegelianismo invertido, onde o progresso do Espírito é, na realidade, o progresso da razão instrumental, uma lógica
da desintegração que também encontra eco na noção heideggeriana de que a história da modernidade é uma história
da “subjetificação” do Ser.

Bowie termina nos dizendo que, diferentemente de Schopenhauer, Adorno não chegou a postular um completo
isolamento da arte em relação à razão, isolamento que nasce da descrença de qualquer interferência positiva da arte
contra a instrumentalização da razão. O pessimismo adorniano não estava fundado num veredito a respeito da
natureza essencial da razão, mas numa reflexão histórica quanto à falha das esperanças idealistas de uma
reconciliação da subjetividade autônoma com a ordem geral da sociedade. Mas, diferentemente de Heidegger e dos
pós-estruturalistas, ele sustentou a esperança numa subjetividade que não estaria plantada apenas na autopreservação
e que poderia sustentar a individualidade contra as forças objetivas que militam contra ela. A arte foi o lugar onde
essas esperanças surgiram. Longe de ser um mero escape de uma subjetividade negativa, como foi concebida por
Nietzsche e especialmente por Schopenhauer, a arte, e mais particularmente a música, apontam para uma
subjetividade que não precisa necessariamente experimentar a individualidade como um tormento.

Adorno fez parte de um grupo de intelectuais frankfurtiano que deixou marcas profundas nas concepções da arte,
cultura e sociedade na segunda metade do século XX, nos quatro cantos do globo. Nesse grupo, além de Adorno,
destacam-se Marcuse e Walter Benjamin (1892-1949). Curioso notar que, de enquanto as concepções estéticas de
Marcuse serviram de bandeira de liberação para os movimentos contraculturais dos anos 60, a teoria da indústria
cultural desenvolvida por Adorno deu-lhe fama nos anos 70, quando se dava a expansão da lógica do consumo na
explosão das mídias. Já as teses sobre a política da história, desenvolvidas por Benjamin, junto com suas ideias
originais em relação ao caráter estético e emancipatório das novas mídias, o colocariam no centro das atenções nos
anos 80, quando os debates sobre a pós-modernidade começaram a trazer à baila a crise das concepções lineares da
história e das visões elitista arte que imperaram desde o Renascimento.

A teoria estética na Alemanha, no século XX, baseou-se largamente na tensão entre as tradições hegeliana-
marxista e a existencialista-hermenêutica. Esse é o caso de Hans Georg Gadamer, que, tido muito embora como
sucessor de Heidegger, desenvolveu uma tese quase-hegeliana similar à de Adorno de que a verdade é a essência da
arte, como um deslocamento também similar de que seu domínio foge da alçada da filosofia. Em Verdade e método
(1977), a influência hegeliana na concepção de sua filosofia da arte, mesclada à ontologia heideggeriana, o levou a
considerar a arte como paradigma da compreensão hermenêutica.

Para se ter uma ideia da constelação diferencial de tendências e correntes estéticas, cuja proliferação,
principalmente nos países centrais, foi se dando a partir de fins do século XIX, na primeira edição de sua antologia
sob o título de Um livro moderno de estética, de Melvin M. Rader (1935) divide o campo em doze principais
tendências estéticas com seus respectivos representantes, na seguinte ordem: 1. A Teoria do Jogo, representada por
Konrad Lange e Karl Groos; 2. Teorias Voluntaristas, desenvolvidas por Nietzsche, Freud d DeWitt H. Parker; 3.
Teorias Emocionalistas, de Eugene Véron, Leo Tolstoy, Yrjö Hirn; 4 Teorias Hedonistas, de Henry Rutgers
Marshall e George Santayana; 5 Teorias da Intuição e Técnica, de Croce, Bergson e Bernard Bosanquet; 6. Teorias
Intelectualistas, de Maritain e Ramon Fernandez; 7. Teorias da Forma, de DeWitt H. Parker, Clive Bell, Roger Fry e
Rhys Carpenter, 8. Teorias da Empatia, de Theodor Lipps e Vernon Lee; 9. Teorias do Desprendimento Psicológico,
de Edward Bullough e José Ortega y Gasset; 10. Teorias do Isolamento e Equilíbrio, de Hugo Münsterberg, Ethel D.
Puffer e o trio C. K. Ogden, I. A. Richards e James Wood; 11. Teorias da Influência Cultural, de Oswald Splenger e
Lewis Mumford; 12. Teorias Instrumentalistas, de William Morris e Alfred North Whitehead.

Na terceira edição revisada e expandida do mesmo livro, publicada em 1966, Rader amplia ainda mais a lista, de
doze para quinze, renomeando as categorias das tendências e mudando muitos autores de seus lugares prévios. Num
flagrante inegável do deslocamento, bem característico na época, da preocupação com as teorias estéticas para as
teorias da arte, os itens passam a ser nomeados tendo em vista a definição da arte. Vale a pena transcrever a lista
para se tomar conhecimento dos novos autores incluídos e das novas categorias em que os antigos nomes passaram a
se integrar. O livro está dividido em três partes, tendo cada uma seu próprio título. Assim, a primeira parte,
recebendo o título de “Arte e o Processo Criativo”, inclui: 1. Arte como Semelhança, com Konrad Lange, Samuel
Alexander e Oscar Wilde; 2. Arte como Beleza, com Maritain e Santayana; 3. Arte como Expressão Emocional, com
Verón, Tolstoy e Hirn; 4. Arte como Intuição, com Bergson, Croce e Joyce Gary; 5. Arte como Satisfação do
Desejo, com Nietzsche, Freud, Carl Gustav Jung e Christopher Caudwell; 6. Arte como Experiência Viva, com
Dewey e Whitehead; 7. Pode a arte ser definida? com Wittgenstein e Morris Weitz. A segunda parte, com o título de
“A Obra de Arte”, inclui 8. O “Corpo” da Obra, com Margaret MacDonald, Bosanquet e David Wight Prall; 9,
Expressividade, com Charles W. Morris, Susanne K. Langer, Rudolf Arnheim, A. Richards e W. N. Sullivan; 10.
Forma, com R. Fry, C. Bradley, D. H. Parker, D. W. Gotshalk e Meyer Shapiro; 11. Forma e Função, com Horacio
Greenhough e Mumford. A terceira parte, recebendo o título de “Apreciação e Crítica", inclui 12. Empatia e
Abstração, com Venon Lee, Theodor Lipps e Wilhelm Worringer, 13. Distância e Desumanização, com Bullough,
Ortega y Gasset e Kenneth Clark; 14. Isolamentos e Sinestesia, com Hugo Musterberg e o trio Odgen, Richards e
Wood; 15. Crítica, com David Hume, Theodore Meyer Greene, Stephen Pepper e Louis Arnaud Reid.

Não obstante a tentativa de abraçar todas as tendências, não comparece, em nenhum dos dois livros, uma
corrente teórica para a qual, numa outra antologia, os autores (Dickie et all, 1977) dão destacada relevância: as
teorias da atitude estética que o tornaram bastante conhecidas no mundo de língua inglesa e tiveram seus principais
representantes em Herbert S. Langfield com seu livro Atitude estética (1920) e E. M. Bertlett com seu livro sob o
título de Tipos de julgamento estético (1937). Tendo suas fontes de origem nas ideias de Schopenhauer, essas teorias
o encontraram continuidade até os anos 60, em obras como a de Jerome Stolnitz sobre a Estética e a filosofia da
crítica da arte (1960).

Na década de 70, ao tentar mapear o território da estética contemporânea àquela data, destacando a importância,
na primeira metade do século, de obras como as de Santayana (1955), Croce (1922, 1953), Dewey (1925, 1953) e
Robin George Collingwood (1925, 1958). Harold Osborn (1972) diz que sistematizações unificadas da estética
podem ser encontradas especialmente nas obras de Susanne Langer, nos Estados Unidos (953, 1957) e Luigi
Pareyson, na Itália (1965). Osborn chama a atenção, muito bem lembrada, para as distinções bastante remarcáveis
entre os métodos anglo-americanos da estética e os métodos continentais, nascidos, de um lado, do método
fenomenológico da investigação filosófica de Edmund Husserl (1859-1938), de outro lado, nascidos, na França, da
combinação da fenomenologia com o existencialismo de Jean Paul Sartre e, vale acrescentar, de Maurice Merleau-
Ponty (1908-1961), cuja obra filosófica, sem dúvida uma das mais importantes do século, tem profundas
implicações para a estética (1945, 1969). Na Polônia, fez escola o método estético também fenomenológico de
Roman Ingarden (1893-1970) que repercutiu na influente obra de Mikel Dufrenne (1953-1967).

A seguir, Osborn (1972, p. 2-3) acrescenta que a influência de Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (1889-1951)
sobre o pensamento estético, embora indireta, é real, não podendo, por isso, ser negligenciada. Ela é exercida
principalmente através da aplicação ao discurso estético de modos de pensar sobre o sentimento, emoção, intenção e
mesmo certos aspectos da percepção, trabalhados na filosofia geral da mente a partir de sugestões contidas nos
últimos escritos de Wittgenstein, junto com novas ideias sobre critérios, norma, explicação etc.

O que se pode concluir de tudo isso é que o número das teorias estéticas, substituídas em grande medida, neste
século, por teorias da arte, foi crescendo numa tal ordem que se pode afirmar, como o fez Margolis (apud Osborn,
ibid., p. 5). que aquilo que chamamos de estética não é de modo algum um ramo da filosofia, mas muito mais um
sistema bastante solto de questões concernentes ao nosso interesse nas artes. Ele teria razão se não tivesse sido
desdito pelo ressurgimento da preocupação com o estético ou antiestético que começou a invadir a paisagem cultural
contemporânea, mais fortemente a partir dos anos 80, nos acirrados e controversos debates sob o nome de pós-
moderno, pós-modernismo ou pós-modernidade.

Tendo o belo caldo decididamente no esquecimento, dada a sua evidente inadequação para pensar questões
estéticas frente à demolição dos valores que as vanguardas artísticas implacavelmente realizaram contra as noções
de arte herdadas do Renascimento, o sublime começou a ser revalorizado como meio para a compreensão dos
enigmas da criação. Não é de estranhar a frequência com que esse tema começou a aparecer nos escritos de vários
críticos da atualidade, assim como não é de estranhar que esteja na crista dos debates ditos pós-modernos. Não sem
razão, é Kant, e não Hegel, que está sendo posto na ordem do dia, tendo sua terceira crítica merecido a atenção
recente de Jean François Lyotard (1991), um dos mais famosos arautos da pós-modernidade.

Em síntese, há evidências notórias de um renascimento das preocupações com a criação de uma estética original,
que leve em conta as novas complexidades, até mesmo brutais, com que o mundo contemporâneo está nos
desafiando. Era para esse rumo que a obra de Felix Guatarri (1930-1992) estava apontando (Guatarri, 1992), quando
esse pensador foi infelizmente colhido por uma morte inesperada.

Por mais instigante que possa soar a sugestão da apresentação de um panorama histórico e conceitual sobre as
relações da estética com a pós-modernidade, essa sugestão não será aqui seguida, porque a rede de seus intrincados
fios conduziria nossas ideias para longe das preocupações mais urgentes que este livro se colocou como finalidade
atender. Deixando vivo na memória o quadro das estéticas filosóficas, a segunda parte visará, conforme já foi
anunciado na introdução geral, à apresentação monográfica da estética peirceana perfilada dentro da moldura desse
quadro.
SEGUNDA PARTE
A ESTÉTICA DE C. S. PEIRCE

INTRODUÇÃO

Os primeiros contatos de Peirce com a filosofia deram-se na adolescência, aos 12 anos, com a Lógica de
Whateley, experiência que foi, mais tarde, muitas vezes rememorada para explicar a origem de sua paixão pela
lógica e as razões pelas quais não conseguia ver absolutamente nada no mundo senão sob o prisma da semiótica, o
outro nome que, mais para o fim de sua vida, ele daria para a lógica concebida em sentido muito lato. O segundo
contato, um pouco mais tarde, se deu através das cartas de Schiller, que ele leu com todo o fervor de uma
adolescência intelectualmente inquieta. Foi Schiller, aliás, que o levou para Kant, cuja Crítica da razão pura, pouco
tempo depois, ele saberia de cor.

A partir de Kant, seu cometimento com a lógica seria levado até o fim de seus dias. Muito diferentemente de
Kant, contudo, Peirce concebeu a lógica como lógica da ciência, a arte de entender os métodos de investigação
utilizados pelas mais diversas ciências. A semiótica ou doutrina dos signos, da qual ele foi o moderno fundador,
aconteceu, na sua vida, como uma consequência da sua investigação dos mecanismos de pensamento e raciocínio
que estão nas bases, dando suporte aos métodos através dos quais as ciências conduzem suas investigações para
atingir os resultados por elas almejados. Muito cedo, Peirce se deu conta de que não há nenhuma forma de
pensamento e, consequentemente, nenhuma forma de raciocínio que possa se realizar apenas através de símbolos.
Daí sua preocupação com o estudo preliminar de todos os tipos possíveis de signos, como meio para compreender os
tipos de raciocínio que estão na base dos métodos. Assim sendo, conforme será melhor visto nos próximos capítulos,
ele passou a dividir a ciência semiótica em três ramos: 1. gramática pura ou especulativa, 2. lógica crítica ou lógica
propriamente dita e 3. retórica especulativa ou metodêutica. Entre esses três, o primeiro, que diz respeito ao estudo
dos signos propriamente dito, e que é, de resto, a parte mais conhecida de sua semiótica (infelizmente muitas vezes
tomada como o todo da semiótica peirceana), funciona apenas como um estudo preliminar, uma propedêutica para a
investigação dos métodos de raciocínio, da força de seus argumentos e da validade de suas conclusões, investigação
esta que ocupa o coração da sua semiótica, sendo chamada de lógica crítica, a qual, por sua vez, dá sustento à
finalidade última da semiótica, a saber, a metodêutica ou ciência do método utilizado pelas inteligências científicas.

Embora suas filosofias apresentem diferenças radicais, à semelhança de Kant, Peirce concebeu a filosofia como
uma arquitetura, caracterizada, porém, não apenas como uma arquitetura filosófica, mas científica, quer dizer, como
uma filosofia científica. Conforme já discuti em vários outros trabalhos, especialmente Santaella (1987, 1992), a
concepção peirceana da ciência em nada se assemelha aos princípios metafísicos e positivistas vigentes no período
em que ele viveu e, bastante popularizados, depois de sua morte, pela tradução especifica que o Círculo de Viena
deu a esses princípios. Não obstante estivesse contextualizada numa arquitetura sistematicamente concebida, sua
concepção de ciência tem uma abertura e dá respaldo às liberdades da criação e descoberta a tal ponto que,
paradoxalmente, algumas de suas ideias podem até ser cotejadas com as ideias rebeldes e insubordinadas sobre os
métodos da ciência, apresentadas por Paul Feyerabend, o enfant terrible da atual história e filosofia da ciência.

Peirce foi, antes de tudo, um homem da ciência, ou melhor, das ciências, tendo praticado uma quantidade
assombrosa de ciências no decorrer de uma vida atribulada e cada vez mais crescentemente malsucedida. Foi
químico, físico, astrônomo, matemático, conhecedor de biologia, zoologia, geologia, assim como de filologia e
literatura. Mas foi lógico por paixão e vocação, adepto de uma concepção de lógica que não foi reconhecida no seu
tempo, e que, aliás, não foi reconhecida até hoje entre os lógicos, se é que algum dia o será. Ora, foi exatamente essa
concepção de lógica, como a lógica dos métodos de investigação utilizados pelas ciências, que o levou a se
transformar também num historiador, preocupado com a história das ciências e com os ensinamentos que essa
história pode trazer para a compreensão das transformações pelas quais os métodos passam no decorrer do tempo.
Não é de estranhar, em função disso, que acerca da ciência estejam muito mais próximas daquelas defendidas por
uma filosofia da ciência que leva em conta as contribuições da história do que por aquela que se aprisiona na crença
dos métodos fixos. Mas, uma vez que a lógica esteve, no passado, dentro do reduto da filosofia, lendo os filósofos
para seu rastreamento da lógica, Peirce acabou por se transformar também num filósofo, muito embora tenha sido
um filósofo de calibre inusitado. Uma das razões da sua peculiaridade localiza-se, sem dúvida, no fato de que sua
filosofia buscou integrar, num todo coeso, a filosofia, a lógica e a ciência, de um modo nunca havia sido tentado
antes. Toda leitura dos escritos de Peirce que não levem em conta essa integração ficarão à margem da compreensão
dos ideais e objetivos que guiaram sua obra.

Em síntese, a filosofia peirceana é uma filosofia científica. Segundo ele, a filosofia deveria superar o estado
insatisfatório em que se encontrava na sua época. Se a ciência, de seu tempo, sob seu ponto de vista, não parecia
lidar senão com fantasmas, a filosofia, pior ainda, lidava com fantasmas de fantasmas. Para sair do mero jogo de
palavras, ela deveria utilizar, evidente com as devidas adaptações e adequações, os mesmos de descoberta,
formulação, validação, teste e comprovação de hipóteses que qualquer ciência que se preze é obrigada a utilizar. É
dentro desse ideário que sua arquitetura filosófica foi construída. Uma arquitetura, vale completar, que não se
sustenta isoladamente, mas inserida como uma parte apenas de um imenso diagrama das ciências com as quais a
filosofia deve entreter relações das mais diversas espécies.

Mas, enfim, o que tudo isso tem a ver com a estética? É o que o leitor deve estar, com toda a razão, se
perguntando. Para apressar uma parcela da resposta, a estética é uma das disciplinas filosóficas e científicas, dentro
da arquitetura filosófica de Peirce, que, por sua vez, é apenas uma parte, cumprindo determinados tipos de
finalidades no interior de um imenso diagrama das ciências. Se a primeira leitura filosófica que Peirce fez na vida foi
a de uma obra sobre estética, paradoxalmente, a estética só chegou muito tardiamente a ocupar um lugar na
construção de sua filosofia científica. Pode-se dizer que a estética chegou por último, para ocupar, incrivelmente, o
primeiro e mais relevante lugar entre todas a disciplinas filosóficas por ele concebidas. Sob esse aspecto, o da
primazia, prioridade do papel que a estética tem a desempenhar na filosofia, Peirce se aproximaria de Schopenhauer,
Nietzsche e Adorno, muito embora não tenha partido, como os dois primeiros, de uma aversão em relação a uma
pretensa natureza negativa da razão da qual a estética nos permitiria escapar, nem compartilhou do pessimismo
adorniano quanto à vocação instrumentalista da razão.

A filosofia peirceana apresenta uma tendência para o otimismo, uma das razões para a sua impopularidade,
frente à moda niilista que tem predominado no pensamento filosófico ou não, desde Schopenhauer. Foi esse mesmo
niilismo, aliás, que acelerou a crise da metafísica, mas ao mesmo tempo contribuiu para o equívoco, que se tornou
corrente, de que a metafísica idealista da razão só pode ser superada sob a forma do niilismo. O otimismo implícito
no pensamento peirceano, e que justamente a sua estética permitirá melhor entrever, não o impediu de prever o
império da perversão nas sociedades contemporâneas, quando, segundo ele, o “Evangelho da Ganância” traria como
consequência a explosão em tempestade diluviana da ordem social, abrindo o tempo de um mundo tão
profundamente em ruínas quanto a filosofia da ganância o mergulhou em culpa (CP 6.292-3). A alternativa de uma
esperança não-teológica, inédita em relação a todo o passado filosófico do Ocidente, que a estética peirceana abre
para esse estado de coisas é uma das finalidades das exposições que estarão presentes nos próximos capítulos.

A estética de Peirce satisfaz quase à perfeição as metas sonhadas por Schiller de amalgamar razão e sentimento,
conciliar os rigores do pensamento às liberdades do espírito, de integração do intelecto à ética e à estética, enfim, do
estético para o crescimento humano. Por incrível que pareça, no entanto, os caminhos que Peirce percorreu para
chegar a isso não têm diretamente a ver com Schiller. É fato que ele leu com interesse profundo e, como tal, deve ter
absorvido os ideais de Schiller. Mas a estética não compareceu no pensamento peirceano para atender tardiamente a
esses ideais, mas sim às necessidades impostas pela releitura crítica que Peirce impôs, na primeira década do século
e na maturidade de sua vida, ao seu primeiro pragmatismo, 1878. Peirce havia lido Schiller na adolescência.
Cinquenta anos transcorreram, e toda uma obra prioritariamente voltada para a lógica foi desenvolvida, antes que ele
voltasse a pensar na estética. Se houve qualquer influência de Schiller sobre ele, trata-se, portanto, daquela
misteriosa espécie de influência que se dá através do esquecimento, o qual, segundo Borges, é a forma mais
profunda da memória.
6. A ESTÉTICA COMO FILOSOFIA E CIÊNCIA

A obra de Peirce é oceânica, de uma imensidão tamanha que seus limites se perdem de vista. A maior
dificuldade que se tem de enfrentar, quanto se trata de discutir um dos aspectos de sua obra, é o da decisão quanto ao
ponto de partida, dificuldade que só aumenta quando se está consciente de que os conceitos de suas muitas teorias
estão tão intimamente conectados a ponto de não permitirem sua atomização sob pena de desfigurá-los. Mas há
pontos de vista e caminhos de entrada privilegiados que permitem a aproximação de uma parte da obra sem que se
percam os nervos de ligação com a topografia do território restante. Peirce, ele mesmo, por duas ocasiões, fez
indicações mais ou menos seguras desses caminhos.

Nas notas por ele deixadas para uma autobiografia intelectual e que Kenneth Laine Ketner organizou e trouxe à
publicação, em 1983, fica relativamente claro que o ponto de partida privilegiado, espécie de chave de abertura para
a compreensão de qualquer aspecto de sua obra, está na classificação das ciências de que, como já foi mencionado,
sua arquitetura filosófica é uma parte. Essa mesma indicação voltou a ser insinuada no longo manuscrito (L 75) que
Peirce escreveu para requerer uma bolsa de estudos ao Instituto Carnegie. A bolsa foi sumariamente recusada, por
razões de perseguição pessoal e não por falta de mérito, conforme foi documentadamente demonstrado na biografia
de Peirce que J. Brent (1993) publicou recentemente. De todo modo, o manuscrito ficou e funciona como um
belíssimo roteiro para a leitura das intrincadas interconexões que as partes da obra entretêm com o todo. Vem daí a
insistência enfática que tenho dado à arquitetura filosófica dentro do diagrama das ciências, em todos os meus
trabalhos sobre Peirce.

Ele passou longos anos tentando chegar a uma classificação das ciências que o satisfizesse. Conforme já discuti
longamente em um outro livro (Santaella, 1992, p. 59-99), especificamente no capítulo sob o título de “Tempo da
Colheita”, essa satisfação foi difícil de ser atingida porque a classificação não existia como uma parte solta de sua
obra, mas dependia, para ter qualquer coerência, do encontro de soluções para problemas cruciais que ele passou
anos tentando resolver. A classificação das ciências e sua arquitetura filosófica estavam completamente baseadas na
lógica das três categorias fenomenológicas. Ora, embora estivesse trabalhando nas categorias desde seu ensaio
inaugural “Sobre uma nova lista de categorias”, de 1867, foi só na passagem do século que ele veio lhes dar crédito,
o que serviu como guia para a formulação de um diagrama das ciências e, dentro dele, de sua filosofia, que fosse
mais confiável. Numa apresentação muito sintética, as ciências foram divididas em ciências da descoberta, da
revisão e aplicadas. Priorizando as primeiras, ele as dividiu, em ordem decrescente de abstração, em: 1. Matemática,
2. Filosofia e 3. Ciências especiais. Quanto mais abstrata a ciência, mais ela é capaz de fornecer princípios para as
menos abstratas. Do mesmo modo que a filosofia extrai da matemática muitos dos seus princípios, é da filosofia que
as ciências especiais recebem seus princípios. Estas se dividem em dois grandes tipos: 1. físicas e 2. psíquicas,
apresentando, cada um desses tipos, um grande número de subtipos, ramificações e gradações. Uma vez que a
estética não foi concebida por Peirce como uma ciência especial, não será dada aqui qualquer atenção para a
discussão do quadro das ciências especiais. É necessário, porém, chamar a atenção para o fato de que, embora não
sendo prioritariamente uma ciência especial, devem existir, segundo Peirce, estéticas aplicadas, questão que será
detalhada mais à frente.

Dentro do diagrama das ciências, o papel que a filosofia desempenha é dos mais fundamentais, pois só a
matemática é mais abstrata e, portanto, mais genérica do que a filosofia, de modo que é na filosofia que todas as
grandes questões a respeito da experiência humana são discutidas. Entre essas questões, certamente se destaca a
estética. Daí Peirce ter se recriminado por só ter enxergado muito tardiamente o papel desempenhado pela estética
na constituição da filosofia. Para se entender esse papel, contudo, é preciso visualizar a estética no quadro das
ciências filosóficas que foi desenhado por ele, visto que, de acordo com sua concepção pragmatista das ciências, o
significado de cada ciência só aparece na rede de inter-relações que ela entretém com as demais. Num diagrama, o
quadro aparece do seguinte modo:

Filosofia
1. Fenomenologia
2. Ciências Normativas
2.1. Estética
2.2. Ética
2.3. Lógica ou Semiótica
2.3.1. Gramática Pura
2.3.2. Lógica Crítica
2.3.3. Metodêutica
3. Metafísica

Para Peirce, a filosofia em geral tem por tarefa descobrir o que é verdadeiro, limitando-se, porém, à verdade que
pode ser inferida da experiência comum que está aberta a todo ser humano a qualquer tempo e hora. A primeira e
talvez a mais difícil tarefa que a filosofia tem de enfrentar é a de dar à luz as categorias mais universais da
experiência. Essa tarefa é da alçada da fenomenologia, uma quase ciência que tem por função fornecer o fundamento
observacional para o restante das disciplinas filosóficas. As ciências normativas são assim chamadas porque estão
voltadas para a compreensão dos fins, das normas e ideais que regem o sentimento, a conduta e o pensamento
humano. Elas não estudam os fenômenos tal como aparecem, que dizer, na sua aparência, pois essa é a função da
fenomenologia, mas os estudam na medida em que podemos agir sobre eles o eles sobre nós. Elas estão voltadas,
assim, para o modo geral pelo qual o ser humano, se for agir deliberadamente e sob autocontrole, deve responder aos
apelos da experiência. Usando os princípios da lógica, a metafísica investiga o que é real, na medida em que esse
real pode ser averiguado na experiência comum. É dela a tarefa de fazer a mediação entre a fenomenologia e as
ciências normativas, desenvolvendo uma teoria da realidade.

A descrição acima das ciências filosóficas, bastante abstrata na sua brevidade, deverá ir se esclarecendo e
concretizando pouco a pouco na medida em que as apresentações e discussões forem avançando. No que diz respeito
à fenomenologia, para começar, seu conteúdo deve ficar bem claro se quisermos compreender as ciências
normativas, visto que estas estão alicerçadas naquela, o que significa que é da fenomenologia que ciências
normativas emprestam seus princípios. Tendo por função observar os fenômenos encontrados na experiência
comum, para extrair deles as mais simples generalizações, a fenomenologia é o alicerce de toda filosofia, pois seus
conceitos simples e elementares dão sustento a todo o edifício. Não é por acaso que Peirce passou quase quarenta
anos indo e voltando às categorias, pois sabia que qualquer equívoco, no nível desses conceitos elementares,
colocaria em risco a validade de todas as outras disciplinas de sua filosofia.

Um dos Primeiros ensaios que Peirce publicou, quando ainda bastante jovem, foi “Sobre uma nova lista de
categorias”. A palavra “nova” tinha como referência as antigas listas de categorias de Aristóteles, Kant e Hegel, às
quais a sua se contrapunha. O resultado do seu estudo o levou a postular três e não mais do que três elementos
formais de toda experiência, inicialmente denominados: 1. Qualidade, 2. Relação e 3. Representação. Ele ficou tão
assustado e ao mesmo tempo frustrado com o resultado, na redução que este impunha à intrincada complexidade da
experiência a uma gradação de apenas três elementos, que, pelo menos ao nível do consciente, o estudo foi
abandonado por muitos anos, suas atenções se voltando para outros problemas aparentemente não relacionados com
as categorias. A despeito do deliberado abandono, dezoito anos depois, as categorias retornaram com força
redobrada, passando então a se estender do pensamento para toda a natureza.

O retorno das categorias se explica porque as pesquisas indutivas, que Peirce realizou nas várias áreas das
ciências, foram lhe trazendo, ao longo dos anos, confirmações empíricas para as categorias. Daí para a frente, ele
passaria a tratá-las com mais respeito. Em 1902, quando sua arquitetura filosófica estava atingindo um ponto
relativamente satisfatório, a doutrina das categorias passou a pertencer à ciência da fenomenologia, concebida como
a primeira e mais elementar disciplina da filosofia. As categorias foram, a partir daí, ainda mais generalizadas: a
primeira delas, sob o nome de primeiridade, era ainda qualidade monádica, mas agora entendida no sentido de
talidade indiferenciada, não-analisável. Onde quer que haja indefinição, acaso, espontaneidade, frescor,
originalidade, indeterminação, sentimento flutuante e desencarnado, aí haverá primeiridade. A segunda categoria,
chamada de secundidade, é díada, dualidade, matéria, oposição, ação-reação, comoção, afecção, vividez, surpresa,
dúvida, conflito, dependência, negação. A terceira categoria ou terceiridade é continuidade, generalidade,
crescimento, mediação, inteligência, tempo. Em síntese, na primeiridade, temos o ser da possibilidade qualitativa
positiva; na secundidade, o ser do fato atual; e na terceiridade, o ser da lei que governará fatos no futuro.

Trata-se de categorias formais, não-conteudistas. Não são noções fixas, mas ideias muito genéricas e frágeis,
assemelhando-se a finos esqueletos do pensamento. Seu grande poder de generalização lhes garante a
universalidade, quer dizer, sua aplicabilidade a qualquer fenômeno de qualquer espécie que seja, mas sob o preço,
aparentemente, de uma capacidade analítica baixíssima. Se elas são elementos formais de todo e qualquer fenômeno,
quer dizer, de tudo aquilo que de algum modo aparece, então elas só seriam capazes de nos dizer muito pouco sobre
a singularidade de cada fenômeno, isto é, sobre o que cada fenômeno tem de particular, de sui generis. Isso seria, de
fato, verdadeiro, caso a primeira categoria não fosse justamente a da qualidade, talidade, daquilo que faz de um
fenômeno o que ele é, e se a segunda categoria não fosse a do aqui e agora, que nos obriga a perceber o fenômeno na
sua irredutível singularidade.

Explicando melhor: as categorias peirceanas estão, sem sombra de dúvida, no limite da generalidade, a
primeiridade correspondendo ao que há de mais indefinível na vida e no mundo, a secundidade ao que há de mais
existencial, e a terceiridade ao de mais infinito. Concluir, a partir disso, contudo, que, por serem abstratas e gerais,
elas nos levam ao esquecimento, ou inelutavelmente nos distanciam do qualitativo, singular e existencial, seria
incorrer num equívoco, uma vez que a primeiridade e secundidade lidam exatamente com esses aspectos dos
fenômenos: tanto sua talidade irredutível, quer dizer, aquilo que faz com que algo seja o que é, irrepetível, quanto
sua existência concreta e material, ocupando um lugar no tempo e no espaço. Com isso, a fenomenologia peirceana
realiza a proeza de integrar o geral no particular, o concreto no abstrato, dentro de uma lógica ternária que não busca
se livrar do fato bruto, de um lado, além de incluir o acaso e a indefinição, de outro.

O mais importante neste ponto, no entanto, é se levar em consideração o papel fundamental desempenhado por
essa lógica ternária no conteúdo e ordenação da arquitetura filosófica de Peirce. Os números, no diagrama dessa
arquitetura, não são meramente ordenadores, mas indicadores do conteúdo lógico-relacional que está em operação
em cada um dos itens do diagrama. Onde o número 1 estiver, ele indica que a primeira categoria, a da qualidade,
sentimento, acaso, indeterminação, está sendo pressuposta, onde houver o número 2, o existente, ação, aqui e agora,
o universo dual da secundidade está operando, e onde houver o número 3, o governo da lei, a continuidade e o
crescimento, que são próprios da terceiridade, estão implicados. As subdivisões indicam que se trata de um tipo de
hierarquia analógica, estruturada de acordo como princípio de recursividade das categorias. Assim sendo, para
ficarmos apenas num exemplo, enquanto a fenomenologia é apenas primeiro, a estética é o primeiro do segundo,
quer dizer, como ciência normativa ela está marcada pela secundidade, mas, diferentemente da ética, que é
secundidade mais pura, a estética está no nível da primeiridade dessa mesma secundidade.

Assim sendo, só o esquema por si mesmo já pode servir como fonte para nossa compreensão de alguns dos
caracteres fundamentais que podemos esperar que a estética tenha. Como ciência normativa, ela é uma ciência
puramente teórica. Sendo aquela que imediatamente sucede à fenomenologia, são as descobertas desta ciência, no
caso, a descoberta das categorias, com alguma ajuda da matemática, que fornecerão os princípios fundamentais da
estética. O que o esquema por si mesmo não pode explicar é que princípios são esses, ficando a pressuposto que,
para conhecê-los, tem-se que estudar a fenomenologia, antes de se entrar na estética. Vem daí a rápida descrição que
apresentei acima das categorias, pois, sem isso, ficaria impossível entender o próprio diagrama. Por pertencer à
segunda divisão da filosofia, a estética possuirá um dualismo fundamental em comum com as outras ciências
normativas, mas diferentemente das outras, ela tem a primeiridade como traço distintivo. De que consiste o dualismo
das ciências normativas é uma questão que o diagrama por si mesmo não responde, do mesmo modo que não
responde de que consiste o traço específico e distintivo da primeiridade da estética. Este último, aliás, foi uma das
grandes dificuldade que Peirce teve de enfrentar para chegar à sua concepção da estética.

Para responder às questões que o diagrama deixa em aberto, a revisão que Peirce impôs ao seu pragmatismo, na
primeira década do século passado, parece ser o caminho mais promissor, especialmente porque essa revisão esteve
indissoluvelmente atada à estruturação das ciências normativas e do papel que elas passaram a desempenhar na
definição do próprio pragmatismo. Por volta de 1902 ele se deu conta de quão crua tinha sido sua primeira
apresentação da máxima pragmática, em 1878, no seu texto sobre Como tornar claras as nossas ideias (CP 5.388-
410). Tendo identificado o significado dos conceitos intelectuais com os efeitos acessíveis aos sentidos e com a ação
e reação, ele havia deixado de ver que a ação só pode ser entendida em termos de propósito e que propósito é
essencialmente pensamento. Essa autocrítica foi precipitada pelas várias versões do pragmatismo, que foram feitas e
popularizadas por outros filósofos da época e com as quais Peirce radicalmente discordava. Segundo ele, os
“raptores do seu filhote”, nominalistas inveterados, nunca conseguiram entender que qualquer pragmatismo
autêntico deve ser necessariamente realista e que “a verdadeira natureza do pragmatismo não pode ser entendida sem
as categorias” fenomenológicas (CP 8.256).

Enquanto as versões populares e melosamente humanistas do pragmatismo tomavam a ação como a finalidade
última da vida, a onipresença, quer dizer, a interação indissolúvel das três categorias lhe dizia que o fim é algo que
dá sua sanção à ação, pertencendo, portanto, à terceira categoria, a do pensamento. Este envolve ação, mas não pode
ser identificado com ela e vice-versa. A terceiridade é um ingrediente fundamental da realidade, mas não constitui o
todo da realidade. O ser concreto do pensamento (terceiridade) é dado pela ação (secundidade), do mesmo modo que
a ação é governada pelo pensamento, o qual, além do mais, não pode ser entendido nominalisticamente, quer dizer,
como um conteúdo de que a consciência é continente. Consciência, para Peirce, pode significar qualquer uma das
três categorias: 1. sentimento, indefinição, o caos do acaso; 2. ação, surpresa, luta; 3. pensamento, inteligência,
aprendizagem. Mas, se ela for significar pensamento, este está muito mais fora de nós do que dentro. Somos nós que
estamos no pensamento, e não ele em nós. Acrescentando-se que, desde 1868, Peirce já concebia o pensamento
como signo, os pressupostos do seu segundo pragmatismo começam a se tornar mais claros.

Toda ação supõe fins, mas os fins, sendo gerais, estão no modo de ser do pensamento-signo que não está
simplesmente na consciência, mas permeia todos os fenômenos. Qualquer outra coisa que qualquer coisa possa ser,
ela também é um signo: esse era o mote peirceano. O universo inteiro está impregnado de signos. O seu novo
entendimento do pragmatismo o levou a considerar que seu aspecto mais relevante está no fato de que o
pragmatismo busca os fins. Esse fim, ou aquilo que é o bem humano supremo, consiste num processo de evolução
no qual os existentes crescentemente vão dando corpo aos ideais que são reconhecidos como razoáveis. Esta seria a
chave para a estética, mas Peirce só chegaria com clareza a ela aos 71 anos, quatro antes de sua morte. Antes disso,
muitas incertezas tiveram que ser trabalhadas.

Desde 1868, numa ascendência evidente da ética sobre a lógica, ele já postulava que esta última está enraizada
num princípio social. Seu interesse pela ética atravessou toda a sua vida. No entanto, até finais dos anos 80, não
chegou a considerá-la como uma ciência teórica, mas apenas como uma arte ou talvez uma ciência prática. Essa
consideração veio sofrer modificações, de um lado, porque sua investigação na lógica dos relativos, nessa década,
conduziu-o ao reconhecimento de que a lógica não é autossuficiente. De outro lado, por volta de 1882, ao tentar
diferenciar a moralidade da ética pura, enxergou a importância de uma ética teórica e começou a desconfiar de uma
conexão muito mais profunda entre a ética e a lógica do que ele supusera até então.

Curley (1969, p. 91-92) diz que, ao reconhecer que a lógica não é autossuficiente, Peirce foi provavelmente
estimulado a se perguntar se havia alguma pista para as fundações da lógica na ética. A renovação do seu interesse
na ética foi provocada pela ebulição intelectual que se seguiu à redescoberta e popularização da noção de
pragmatismo realizadas por William James. Peirce foi forçado a reavaliar sua descrição do pragmatismo nos seus
escritos de 1877-78 à luz da ênfase que James colocava sobre a significância da máxima pragmática como uma regra
para guiar as ações humanas individuais.

Em 1901, ele se deu conta, tanto quanto James se dera, da importância dos fins ou ideais na filosofia. Mas,
diferentemente deste último, ao recusar que a finalidade do pragmatismo fosse apenas a de servir a finalidades
individuais, que acabam sempre por se deteriorar em fins individualistas, enfatizando o papel do autocontrole no
pensamento lógico. Peirce postulou que a ética é o alicerce da lógica. Um ano mais tarde, viria postular que a ética,
por sua vez, está alicerçada na estética e que a esta cabe a descoberta do ideal supremo, summum bonum da vida
humana. Muitas dúvidas e incertezas, contudo, o assaltavam por essa época, quanto à natureza desse ideal que
caberia à estética trazer à luz. “A estética e a lógica parecem pertencer a universos diferentes”, ele dizia. “Foi só
recentemente que fui persuadido de que essa aparência é ilusória e de que, ao contrário, a lógica precisa da ajuda da
estética. Mas o assunto não está muito claro para mim” (CP 2.197).

O desenvolvimento da sua teoria do método indutivo como um método que, se levado suficientemente longe,
tende a se autocorrigir conduziu Peirce ao reconhecimento da importância que o longo curso do tempo tem para as
nossas considerações sobre a verdade e os ideais. Acreditando que o fim ideal do pensamento nasceria através da
experiência futura, ele compreendeu que as ciências normativas teriam por tarefa examinar as leis de conformidade
das coisas aos fins, estando aí a razão pela qual foram chamadas de normativas. Em uma passagem esclarecedora,
ele afirmava:

Uma ciência normativa é aquela que estuda o que deve ser. Como, então, ela pode diferir da engenharia, medicina, ou qualquer outra ciência
prática? Se, entretanto, a lógica, ética e estética, que são as famílias das ciências normativas, forem simplesmente as artes do raciocínio, da
conduta da vida, e das belas-artes, então elas não pertencerão ao ramo das ciências teóricas, que são aquelas que estamos aqui considerando.
Não há dúvida de que elas estão proximamente relacionadas às três artes correspondentes, ou ciências práticas. Mas aquilo que faz a palavra
“normativa” necessária (e não puramente ornamental) é precisamente o fato bem singular de que, embora essas ciências estudem o que deve
ser, isto é, os ideais, elas são, na verdade, as mais puramente teóricas entre as ciências puramente teóricas (CP 1.281).
Normativo é, assim, o estudo do que deve ser, o que exclui de seu campo tanto a compulsão incontrolada, quanto
o determinismo rígido. Com as ciências normativas, Peirce estava repensando os fins, propósitos, valores, metas e
ideais que atraem e guiam a conduta deliberada (Santaella, 1993, p. 217). A tarefa das ciências normativas, em
síntese, estava em descobrir “como Sentimento, Conduta e Pensamento devem ser controlados supondo-se que eles
estejam sujeitos, numa certa medida, e apenas numa certa medida, ao autocontrole exercido por meio da autocrítica e
da formação propositada de hábitos, tal como o senso comum nos diz que eles, até certo ponto, são controláveis”
(MS 655, p. 24).

Embora não tenha chegado nem perto da concepção freudiana da natureza sexual do inconsciente, Peirce
reconheceu o território do inconsciente nas zonas mentais às quais estamos submetidos e sobre as quais não
podemos exercer nenhum autocontrole. Ora, uma das indicações mais seguras da insuficiência da lógica está no fato
de que ela só lida e só pode lidar com o raciocínio sob a tutela do autocontrole e da autocrítica, “afastando de seu
campo toda a neblina e errâncias dos pensamentos fora de nosso controle”. Peirce afirmou (CP 2.119-218) que o
raciocínio é o controle consciente do processo inferencial que se desenvolve através da interpretação do
conhecimento perceptivo. Mas, uma vez que as interpretações são muitas, várias direções ficam abertas ao
raciocínio. Quando se opta por uma direção entre muitas, essa escolha deve ser posta sob a avaliação crítica da
lógica. É nesse sentido que a lógica é normativa, visto que algum critério de como se deve pensar precisa ser
utilizado para se julgar se um raciocínio é bom ou mau. Mas esse critério depende da descoberta anterior do
propósito último do pensamento ele mesmo, propósito este que cabe à ética determinar (Santaella, 1993, p. 216).

Se há algo que não podemos desempenhar inconscientemente, é o raciocínio, pois este é deliberado, crítico e
autocontrolado. É por isso que o raciocínio é uma espécie de conduta submetida à crítica, no sentido de aprovação
ou rejeição. Operações mentais similares ao raciocínio, mas realizadas inconscientemente, não podem ser chamadas
de raciocínio. Uma vez que este é uma espécie de conduta voluntária e deliberada, somos responsáveis por suas
consequências. Tal conduta, portanto, está sob o domínio da ética, que é a teoria da conduta deliberada e
autocontrolada (Fann, 1970, p. 39-40 apud Santaella, 1992, p. 124-125).

Na necessidade, que a lógica tem de recorrer à ética para determinar a natureza do seu propósito, está o principal
motivo de sua insuficiência, quer dizer, de sua falta de autossuficiência. A lógica ocupa-se do raciocínio como
atividade deliberada ou conduta, tendo por objetivo discriminar formas boas ou más de raciocínio. Ela estabelece
criticamente as regras que devem ser seguidas ao raciocinar, mas precisa recorrer ao propósito ou meta que
justifique essas regras. “A lógica é o estudo dos meios para atingir a meta do pensamento, mas é a ética que define a
meta” (CP 2.198).

Costuma-se definir a ética como a ciência do bem e do mal. Peirce discordou disso. O que constitui a tarefa da
ética é justamente desenvolver e justificar as razões pelas quais certo e errado são concepções éticas. Para ele, o
problema fundamental da ética não é o que é certo, mas o que estou deliberadamente preparado para aceitar como
afirmação daquilo que quero fazer, o que tenho em mira, o que busco? Para onde a força da minha vontade deve ser
dirigida?” (CP 2.198). Sendo uma ciência da descoberta e normativa, a ética não diz respeito aos princípios da
justiça, e, menos ainda, à justiça de qualquer lei específica; nem diz respeito aos valores de vários tipos de conduta,
nem ainda a questões especificamente morais, visto que tudo isso caberia mais propriamente numa investigação
paralela, dentro de uma ciência ética prática ou aplicada.

Enquanto a moral está diretamente preocupada com o pronunciamente de um curso de ação como certo e de um
outro curso de ação como errado, a ética, como ciência teórica e normativa, tema ver, isto sim, com as normas e
ideais que guiam nossas ações. É, por isso mesmo, a verdadeira ciência dos fins. Daí ela ocupar o lugar da
secundidade entre as ciências normativas, a lógica estando para a terceiridade assim como a estética está para a
primeiridade. A ética e a lógica são normativas porque “nada pode ser tanto logicamente verdadeiro ou eticamente
bom sem um propósito para sê-lo” (CP 1.575). Depois de mostrar a relação íntima entre a lógica e a ética, Peirce
avançou na especulação de que a ética, por sua vez, tem seu fim último na estética.

Embora estivesse usando nomes tradicionais — estética, ética e lógica —, ele estava claramente dando a esses
nomes novos significados cujo núcleo irradiador de sentido estava na noção de autocontrole. Ora, não há
autocontrole sem autocrítica, do mesmo modo que não há autocrítica sem um ideal regulador que venha de fora, de
uma comunidade capaz de um crescimento indefinido de conhecimento no longo curso do tempo. A dependência da
lógica na ética fica imediatamente compreensível. O que surpreende é o fim último da ética e, extensivamente, da
lógica ter sido localizado na estética.
Peirce começou a ver, cada vez com mais clareza, que “não podemos evitar perguntas sobre o que deve ser a
aplicação última, na verdade, a meta suprema, o ideal maior que nos seduz e no qual devemos nos empenhar”
(Bernstein, 1990, p. l97). Descobrir qual seria a natureza dessa sedução ou força de atração última na sua pureza é o
que ele passou a considerar como sendo o objetivo da estética, passando a acreditar que seria não apenas possível
responder a essas questões, como seria possível dar a elas respostas científicas.

As características mais profundas das ciências normativas só poderiam ser encontradas na estética. Por lidar com
o ideal em si mesmo, cuja mera materialização adensa a atenção da ética e da lógica, a estética deveria conter o
coração, a alma, o espírito das ciências normativas. Essa era a tarefa que sua estética filosófica e científica deveria se
prestar a enfrentar. Mas, para chegar a soluções satisfatórias, que, aliás, só foram atingidas em 1910, muitos dilemas
tiveram que ser trabalhados, conforme o próximo capítulo tratará de discutir.
7. OS DILEMAS DA ESTÉTICA

Num dos mais preciosos ensaios sobre as ciências normativas na interação em que Peirce as colocou, Thomas
Curley (1969, p. 99) diz que todo pensamento lógico implica a adoção de um padrão de ação. A verdade dessa
afirmação não deve estar baseada em nenhum impulso vago para a consistência, mas em uma determinação ética
sobre qual deve ser a aspiração de toda atividade humana deliberada Sem um raciocínio consciente e crítico não há
deliberação. É nesse sentido que toda atividade humana deliberada entra dentro do contexto da lógica como exemplo
do esforço para atingir um fim ético. Do mesmo modo que a lógica repousa no alicerce da ética, esta também está
fundada no contexto da ciência da estética. Peirce afirmou que a ética deve estar alicerçada sobre uma doutrina que,
sem de modo algum fazer considerações sobre como nossa conduta deve ser, divide idealmente os possíveis estados
de coisas em duas classes, aqueles que são admiráveis e aqueles que não são admiráveis, e assume definir
precisamente o que é que constitui a admirabilidade de um ideal. Seu problema é determinar por análise o que é que
se deve deliberadamente admirar per se, em si mesmo, independentemente daquilo a que se é conduzido e
independentemente das suas aplicações sobre a conduta humana. Chamo essa investigação de Estética (CP 5.36).

Num artigo sobre as ciências normativas, tão precioso quanto o de Curley, Vincent Potter (1966, p. 14, apud
Santaella, 1993, p. 219) sintetiza de maneira esclarecedora a relação das três ciências que lidam com os fins. A ação
humana é ação raciocinada que, por sua vez, é deliberada e controlada. Mas toda ação deliberada e controlada é
guiada por fins, objetivos, os quais, por seu lado, devem ser escolhidos. Essa escolha também, se for fruto da razão,
deve ser deliberada e controlada, o que, ao fim e ao cabo, requer o reconhecimento de algo que é admirável em si
mesmo para ser almejado. A lógica como o estudo do raciocínio correto é a ciência dos meios para se agir
razoavelmente. A ética ajuda e guia a lógica através da análise dos fins aos quais esses meios devem ser dirigidos.
Finalmente, a estética guia a ética ao definir qual é a natureza de um fim em si mesmo que seja admirável e
desejável em quaisquer circunstâncias independentemente de qualquer outra consideração de qualquer espécie que
seja. A ética e a lógica são, assim, especificações da estética. A ética propõe quais propósitos devemos
razoavelmente escolher em várias circunstâncias, enquanto a lógica propõe quais meios estão disponíveis para
perseguir esses fins.

O ideal que Peirce tinha em mente é o fim último em direção ao qual o esforço humano deve se dirigir. Trata-se
do ideal mais supremo para o qual nosso desejo, vontade e sentimento deveriam estar voltados. O ideal dos ideais, o
summum bonum, que não precisa de nenhuma justificativa e explicação. A questão da estética, portanto, é
determinar o que pode preencher esse requisito de ser admirável, desejável, em e por si mesmo, sem qualquer razão
ulterior (CP 2.199). É da estética que vem, assim, a determinação da direção para onde o empenho ético deve se
dirigir, daquilo que deve ser buscado como ideal mais elevado. Os meios para atingir esse ideal, contudo, são uma
função da lógica, pois dela depende o processo de raciocínio autocontrolado através do qual o ideal pode ser
atingido. Mas que ideal é esse? Eis a questão.

Cada ser humano, por mais simples e desintelectualizado, por assim dizer, que ele possa ser, é sempre movido,
consciente ou inconscientemente, explícita ou confusamente, por um ou vários ideais maiores ou menores. São as
metas que buscamos alcançar, os planos feitos a longo prazo, os sonhos que acalentamos e que conduzem nossos
passos. Se as condições de adversidade e a luta pela sobrevivência nua e crua não se tornaram tão brutas e
assoberbantes a ponto de transformarem o ser humano num mero escravo do existir cotidiano, se a vida foi benévola
o suficiente para não machucar o corpo ou o espírito com dores irremediáveis, bem do fundo do nosso ser, vem uma
questão. Não importa quão vago, incerto ou inadvertido possa ser o modo como ela se apresenta, trata-se sempre
daquela interrogação crucial que não cessa de interpelar cada um de nós: “o que justifica a minha vida?”.

As respostas que buscamos, mesmo sem saber, os caminhos que trilhamos, quase sempre errantes, apontam para
algo: um ponto mais ou menos indefinido, muito ou pouco além de nós. A religião, as grandes ou pequenas causas, a
ânsia do poder ou do dinheiro são as adesões pessoais mais comuns. Em termos sociais, coletivos, a universalidade
do ideal, que sempre foi meta e alvo da filosofia, encontrou uma forma mais definida de expressão na paradoxal
liberdade kantiana, vindo a se traduzir no ideário da “liberdade, igualdade, fraternidade”. De modo geral, a ética tem
sido o território de alocação do ideal coletivo supremo. Para simplificar a complexidade dessa questão que, aliás,
ficou bastante mais complicada depois que a psicanálise colocou nela o seu dedo (Lacan, 1988), para chegarmos
mais direta e rapidamente ao ponto, de acordo com Peirce — e aí está um aspecto radical de originalidade no seu
pensamento, e de sua consequente diferença em relação ao passado — sem abandonar as exigências da lógica, nem
o chamamento da ética, o ideal que move o empenho ético está além da ética. O bem supremo, universal, válido para
a humanidade como força de atração última, o admirável sem qualquer razão ulterior não é determinado pela ética,
mas pela estética, da qual a ética é uma especificação. Que ideal é esse? De que consiste esse admirável? É com isso
que Peirce se debatia, quando o reconhecimento da insuficiência da lógica o levou para a ética. Mas a descoberta da
generalidade desta, como ciência puramente teórica, que não se confunde com a moralidade, o levou para a estética.
Daí ele ter mencionado com ironia, por essa época, que, por estética, ele não queria significar “leite e água e açúcar”
(CP 8.255).

Diferentemente de Curley (1969), e mesmo de V. Potter (1966) e B. Kent (1987), que também escreveram sobre
a estética peirceana, na discussão que será apresentada a seguir não será seguida a ordem cronológica dos escritos
que Peirce dedicou ao assunto. Para facilitar a vida e o entendimento do leitor, preferi organizar as ideias em função
da coerência dos argumentos e não necessariamente na sequência temporal dos dilemas que Peirce foi enfrentando e
tentando resolver.

Por ser uma ciência em nível de primeiridade, algumas pistas do que a estética deve ser já podem ser
encontradas aí. Em primeiro lugar, para ser fiel ao seu nível próprio de primeiridade, ela deve ter um aspecto
monádico, ligada às ideias de indeterminação, acaso, o imediato na sua imediaticidade, qualidade, sentimento,
originalidade, fresco, desmaterialização. Mas, enquanto a fenomenologia é uma ciência, ou melhor, uma quase
ciência puramente em nível de primeiridade, daí ser apenas quase uma ciência, a estética, por sua vez, é uma ciência
normativa, que visa aos fins, estando, consequentemente, sob a égide da secundidade, daquilo que age sobre nós, e
ao qual, de uma forma ou de outra, mais ativa ou mais passivamente, nós respondemos. Estando ligada aos fins, ela
deve, consequentemente, falar aos propósitos humanos, a palavra “humanos” significando pertencente à comunidade
da espécie humana, do que decorre que esses fins não podem ser egoístas, capazes de satisfazer apenas os desejos de
qualquer indivíduo particular, mas devem ser universalmente desejáveis.

Além de estar marcada pela secundidade, a estética também está numa relação inseparável com as outras duas
ciências normativas. Isso está de acordo com uma das descobertas da fenomenologia que diz que as categorias são
onipresentes, quer dizer, em qualquer fenômeno, qualquer que seja, há um dosagem simultânea de primeiridade,
secundidade e terceiridade. A exclusividade e exacerbação de apenas uma das categorias são, segundo Peirce, não só
ilusórias, mas a fonte do todas as distorções e fanatismos. Assim sendo, embora um desses níveis possa dominar, ele
nunca aparece em estado puro. O fato das ciências normativas estarem distribuídas em três níveis indissolúveis —
estética ou primeiridade ética ou secundidade e lógica ou terceiridade — é um indicador da presença das três
categorias operando no seu interior. Mas essa lógica da inseparabilidade nos leva também a esperar que, dentro de
cada uma dessas ciências, haja uma interação das três categorias. Assim sendo, embora a estética em si mesma,
como ciência normativa, esteja sob a dominância da secundidade, e, dentro dessa secundidade, esteja em nível de
primeiridade, deve haver nela algo de terceiridade. O quê? Cumpre examinar.

Além disso tudo, há ainda uma questão que Peirce não podia negligenciar: o ideal que a estética teria por tarefa
determinar não poderia ser incompatível com as descobertas que ele, no período da elaboração das relações entre as
ciências normativas, estava fazendo a respeito de seu novo pragmatismo, que, de resto, só se definiria mais
acabadamente na medida mesma em que o ideal estético encontrasse alguma definição. De acordo com o
pragmatismo, esse ideal não deveria ser um resultado estático, mas algo que tivesse um caráter processual, um fim
que pudesse sempre antecipar uma melhoria constante e interminável nos seu resultados. Conforme já foi
mencionado no capítulo anterior, o pragmatismo já lhe ensinara que o ideal deve se constituir num processo de
evolução através do qual os existentes mais e mais dão corpo a uma classe de gerais, que no curso do seu
desenvolvimento, mostram-se razoáveis (CP 5.433). Não é difícil ver que os ventos do passado não sopravam a
favor das exigências a que a estética peirceana devia atender, nem os ventos idealismo metafísico, de um lado, nem
os de seus subvertores, de outro.

Peirce estava convicto de que a função da estética havia sido obstruída e inibida por sua definição como uma
teoria do belo. A concepção do belo não é senão o produto dessa ciência, e uma alternativa bem inadequada é aquela
de tentar dominar o que é que a estética busca tornar claro. Daí ele ter localizado o ideal estético no admirável. Veja-
se como essa ideia foi discutida:
A ética pergunta para que fim todo esforço deve ser dirigido. Essa questão obviamente depende da questão sobre o que deveria ser aquilo
que, independente do esforço, nós gostaríamos de experimentar. Mas, para apresentar a questão da estética, na sua pureza, devemos eliminar
dela não apenas qualquer consideração acerca do esforço, mas todas as considerações sobre ação e reação, incluindo toda consideração
acerca de nossa recepção do prazer, tudo, em síntese, que pertença à oposição entre ego e não-ego. Não temos em nossa língua uma palavra
com a generalidade requisitada. O grego kalós (“admirável”), o francês beau apenas se aproximam, sem atingi-la diretamente na testa. Fine
seria uma substituta patética. Beautiful é mau, porque um modo de ser kalós depende essencialmente de a qualidade ser não-bela. Talvez,
contudo, a frase “the beauty of the unbeautiful” (o belo do não belo) não fosse chocante. Mas “beauty” (beleza) é ainda muito superficial.
Usando-se kalós, a questão da estética é — Qual é aquela qualidade que, na sua presença imediata, é Kalós? Desta questão a ética deve
depender, do mesmo modo que a lógica depende da ética. A estética, portanto, embora eu a tenha negligenciado terrivelmente, aparece
possivelmente como a primeira propedêutica para a lógica, e a lógica da estética aparece como uma parte distinta da ciência lógica que não
deve ser omitida (CP 2.199).

Essa passagem é importantíssima porque ela nos leva a assistir à luta que Peirce travava para encontrar,
ensaiando em várias línguas, a palavra exata que correspondesse ao nível de generalidade máxima de uma qualidade
imediata, positiva e simples na sua imediaticidade, independente de qualquer pressão, dualidade ou materialização,
de qualquer efeito, qualquer reação, vividez ou afecção. Enfim, algo perfeitamente livre e indeterminado na sua
liberdade, puramente admirável, em si e por si mesmo, sem qualquer razão ulterior que lhe tolhesse a liberdade de
ser, sem nenhum imperativo, de qualquer espécie que seja, nem o imperativo frágil, e à primeira vista imperceptível,
da própria beleza.

Do mesmo modo que a ética não está diretamente preocupada com o que é certo e errado, mas sim com aquilo
que deveria ser o alvo do esforço humano, a estética não está voltada para o que é belo ou não-belo, mas sim para
aquilo que deveria ser experimentado por si mesmo, em seu próprio valor. Peirce sabia, nos diz Curley (1969, p. 95),
que é difícil, quase impossível, descrever verbalmente a qualidade de uma experiência como essa, experiência que,
quase impossivelmente, não deveria ter nenhum traço de dualidade. Que a beleza não podia ser essa qualidade, nem
mesmo a beleza etérea, eterna e imutável de Platão, fica suficientemente claro, quando compreendemos que o belo
pressupõe necessariamente o seu contrário, sendo, portanto, dual. Ora, essa qualidade e essa experiência, a do
admirável, que Peirce lutava com as palavras para apresentar, corresponde justamente, como já foi visto, ao ideal em
direção ao qual todo empenho ético deve se dirigir.

Outro conceito que a tradição havia tornado tão pesado quanto o do belo, na sua aparência de leveza, era o
conceito que, casado com a beleza, compunha o par mais poderoso da estética: o prazer. Em uma dentre as inúmeras
passagens em que Peirce refutou a natureza de sentimentos elementares para a dor e o prazer, imortalizados por
Kant, a discussão tem início do seguinte modo:

Se a distinção entre Boa ou Má Lógica é um caso especial [da distinção entre] Boa e Má Moral, no mesmo ato, a distinção entre Boa e Má
Moral é um caso especial da distinção entre o Bem e o Mal estético. Ora, admitir isso não é apenas admitir o hedonismo, o que nenhum
homem na integridade dos seus sentidos, e que não tiver sido cegado por alguma teoria ou algo pior, pode admitir, mas, também, tendo a ver
com a distinção essencialmente Dualista do Bem e do Mal — que é manifestamente um caso da Categoria do Segundo —, busca-se a origem
de tal distinção no Sentimento Estético, que pertence à Categoria do Primeiro (CP 5.110).

A objeção aí exposta tem várias implicações. Em primeiro lugar, a dependência da ética sobre a estética parece
pressupor que o bem e o mal são, ao fim e ao cabo, redutíveis às categorias hedonistas daquilo que é imediatamente
prazeroso ou doloroso. Há muitos problemas aí envolvidos, mas o mais importante deles reside numa interpretação
equivocada dos termos prazer e dor. Em primeiro lugar, prazer e dor são signos de satisfações e desejos; eles
funcionam bem quando usados inteligentemente, mas seria um erro confundi-los com os desejos dos quais eles são
signos. Eles são muito suscetíveis à mudança e, em si mesmos, não carregam qualquer razão saudável para se agir
de um certo modo, dada a influência que eles exercem no modo puramente Brutal de agir, só podendo ser
considerados motivos racionais, na medida em que são signos verídicos de necessidades reais (Kent, 1987, p. 159).

Em segundo lugar, “é um grande erro supor-se que os fenômenos de prazer e dor são prioritariamente fenômenos
de sentimento” (CP 5.112). Não vindo diretamente nem da razão nem do sentimento, qual é, enfim, o estatuto do
prazer e da dor? Antes de tudo, vale considerar que a dor em si mesma, per se, no nível de primeiridade, no qual, do
mesmo modo que qualquer outro fenômeno, a dor também se define, ela não é nada além de um puro sentimento,
não envolvendo, como tal, nenhuma relatividade, dualidade ou pluralidade de qualquer espécie que seja. Ela não é
nada mais do que parece ser, isto é, uma qualidade de sentimento sui generis. Mas esse aspecto primeiro não esgota,
de modo algum, sua natureza. O mesmo ocorre com o prazer, com a diferença de que, por ser mais complexo do que
a dor, dificilmente pode ser entrevisto no seu aspecto puramente monádico. Assim sendo, na complexidade de suas
naturezas, prazer e dor foram descritos por Peirce do seguinte modo:
Esses fenômenos não consistem dominantemente de qualquer Sentimento-qualidade comum de Prazer e de qualquer Sentimento-qualidade
comum de Dor, mesmo que se considere que há tais Qualidades de Sentimento; mas eles principalmente consistem [de uma] dor [que está]
na Luta para dar a um certo estado da mente o seu quietus, e [de um] prazer [que se encontra] num modo de consciência peculiar aliado à
consciência de se fazer uma generalização, na qual não o Sentimento, mas, ao contrário, uma Cognição é o principal constituinte (CP 5.113).

Enquanto o sentimento da dor, também aliado ao estado mental da dúvida, está dominantemente sob o tutela da
secundidade, devido à reação que ele provoca no sujeito, que sempre luta por se livrar dele, o sentimento de prazer,
por seu lado, que foi aliado ao estado mental da crença, entra dentro do predomínio da terceiridade, uma vez que há,
no prazer, uma generalização cognitiva. No entanto, por serem sentimentos que têm uma natureza opositiva,
evidentemente dual, eles não poderiam se colocar sob a dominância da primeiridade, na qual deveria estar segundo
Peirce, a característica primordial do sentimento estético, muito mais do que na secundidade.

Além do equívoco quanto à natureza interna do prazer, localizar nele a meta última do estético parecia
inaceitável a Peirce. É certo que o prazer é o único sentimento perfeitamente auto-satisfatório, o que explica sua
longa carreira, por tantos séculos, como personagem principal da estética, sem deixar de lembrar a importância do
papel que ele passou a desempenhar na teoria psicanalítica de Freud. Contudo, a irrefreável gratificação egoísta de
um desejo, que está implícita no prazer, como summum bonum da estética, soava abominável aos ouvidos de Peirce,
pois isso levaria à doutrina de que todos os modos mais elevados de consciência, com os quais estamos
familiarizados dentro de nós, tais como o amor e a razão, só podem ser bons na medida em que estiverem a serviço
do prazer individual. Na sua defesa de uma primeiridade na estética, que, nem de longe, se confundia com o prazer,
ele dizia:

Todo pronunciamento sobre o Bem e o Mal certamente entra dentro da categoria do segundo; e, por essa razão, tal pronunciamento chega à
voz da consciência numa absolutização da secundidade que não encontramos nem mesmo na lógica, e, embora eu ainda seja um ignorante
em estética, aventuro-me a dizer que o estado mental estético é tão mais puro quanto mais perfeitamente ingênuo, despido de qualquer
pronunciamento crítico, e o crítico de estética funda seus julgamentos sobre o resultado de ter recuado a tal estado ingênuo puro — e o
melhor crítico é o homem que o treinou para fazer isso do modo mais perfeito (CP 5.111).

Entretanto, para defender a estética na sua dimensão mais pura, Peirce acabou por se deparar com problemas que
não deviam ser simplesmente contornados, mas atravessados. Se o summum bonum da estética é uma qualidade de
sentimento, então, ao fim e ao cabo, a ética e, extensivamente, a lógica estariam fundadas sobre o sentimento. Ora, a
qualidade imediatamente presente do sentimento não pode ser submetida a nenhuma crítica, visto que simples
qualidades não são boas nem más, elas simplesmente são o que são em si mesmas, independente de qualquer outra
coisa. Em si mesma, por exemplo, no seu puro ser de qualidade, a cor vermelha pode ser considerada má ou boa? E
as notas lá, ou si ou dó sustenido, o que têm a ver com o bem ou o mal? Peirce se aproximou desse problema por
vários ângulos. Em primeiro lugar, ele concluiu que, na medida em que um objetivo e consistentemente perseguido,
esse objetivo não pode ser criticado (CP 5.132-3). Mas, se essa conclusão for levada para a ética, ela colocará o
egoísta numa posição eticamente coerente.

Numa outra alternativa de análise para o mesmo problema, Peirce argumentou que o ser humano só é levado a
fazer discriminações porque nossas simpatias são limitadas ou porque introduzimos considerações morais nas
coisas, de modo a guiar nossas ações de acordo com ideias moralmente apropriadas e contra as ideias que são
consideradas inadequadas para certos propósitos (CP 5.127). Ora, o ideal estético, elo pensou, deveria ser admirado
deliberadamente em si mesmo, não importando para onde ele nos conduz. Entretanto, um tal sentimento de
admiração, que anula todas as distinções, destruiria o caráter essencialmente normativo tanto da ética quanto da
lógica, uma vez que ambas estariam fundadas sobre uma ciência que não pode fazer qualquer distinção entre o bom
e o mal, além de que a estética, ela mesma, perderia também o atributo de secundidade que, como ciência
igualmente normativa, ela não poderia perder.

Numa tentativa de recuperação do aspecto de secundidade da estética, Peirce foi levado a considerar o admirável
à luz do prazer e desprazer como qualidades de sentimento. A questão do sentimento ser prazeroso ou não reside na
atração ou repulsão que ele exerce sobre nós, de modo que prazer e desprazer são, imediatamente, caracteres da ação
que o sentimento excita (MS 283, p. 35 apud Kent, 1987, p. 54). Então seria possível distinguir entre o que nos atrai
e aquilo que repelimos, o atraente e o repulsivo. Esforço e resistência, os dos pólos caracterizadores da secundidade,
estariam aí envolvidos, o que daria à estética exatamente aquilo que ele estava buscando. Contudo, para garantir a
harmonia do conjunto, o mesmo tipo de secundidade, que é caracterizador da estética, deveria ter seu paralelo nas
outras duas ciências normativas. Ora, esse tipo de dualismo, entre o atraente e o repulsivo, não poderia ser estendido
para a ética e a lógica.
Buscando incansavelmente a saída para o impasse, Peirce chegou a uma conclusão bastante instigante, mas,
infelizmente, ainda não inteiramente satisfatória. Ele passou a conceber o sentimento estético como um tipo misto de
sentimento, localizado num ponto privilegiado entre a mera qualidade do sentir e a atração intelectiva, um peculiar
tipo de prazer produzido por uma “simpatia intelectual”. Negando, assim, que o admirável da estética seja
completamente uma questão de sentimento imediato, afirmava:

É o prazer estético que nos interessa aqui, e ignorante como sou em Arte, tenho, não obstante, uma boa capacidade para o prazer estético; e a
mim parece que, se no sentimento estético nós atentamos para a totalidade do Sentimento — e especialmente para a Qualidade do
Sentimento total presente na obra de arte que estamos contemplando —, trata-se, no entanto, de uma espécie de simpatia intelectual, um
senso de que há um sentimento que se pode compreender, um sentimento razoável. Não consigo dizer exatamente o que ele é exatamente,
mas é uma consciência pertencente à categoria da Representação, embora apresentando algo na categoria da Qualidade de Sentimento (CP
5.113).

De acordo com essa afirmação, a estética não é mais uma questão de pura primeiridade, embora esteja
relacionada a essa categoria. A simpatia intelectual seria fruto, assim, dessa bela mistura entre primeiro e terceiro de
que a obra de arte seria um dos exemplares mais privilegiados, mixagem mais que perfeita da gratificação, prazer,
felicidade, e até mesmo júbilo, alegria, que se esgotam em si mesmos, com a razão que sempre olha para a frente,
para um futuro sem fim, esperando infinitamente melhoria e o aperfeiçoamento dos seus resultados (CP 1.611-14).

O aparecimento do intelecto introduz, assim, o elemento necessário para as distinções duais que as ciências
normativas devem fazer à luz de processos de raciocínio. Peirce estava aqui já bastante próximo da solução a que ele
finalmente chegaria. No entanto, há distinções duais que também a estética deve fazer à luz do intelecto. Não foi por
acidente que ele foi levado à conclusão de que o exame do admirável deve resultar de uma avaliação crítica e
consciente da estética. Essa questão o conduziria, felizmente, para uma direção que livraria sua estética do
exclusivismo subjetivo, pois deslocaria sua atenção até então restrita à qualidade de sentimento para a qualidade ou
peculiaridade do objeto que suscita o sentimento do admirável. Para isso, a pergunta a ser respondida era a seguinte:
“O que significa o bom estético?”.

Curley (1969, p. 102) diz que Peirce estava bem consciente de seu conhecimento limitado de estética, para ser
capaz de responder ao bom estético satisfatoriamente, por isso ele teve o bom senso de colocar nos seus
pensamentos o rótulo de “sugestões”. A primeira delas é a de que o objeto esteticamente bom deve ser definido na
categoria da primeiridade, o que, aliás, já retira, de saída e felizmente, qualquer possibilidade de se encontrarem
respostas precisas e definidas sobre o bom estético: “À luz das categorias, devo dizer que um objeto, para ser
esteticamente bom, deve ter uma multiplicidade de partes relacionadas umas às outras de um modo tal que confere
uma qualidade imediata, simples e positiva à sua totalidade” (CP 5.132).

A afirmação acima sugere que qualquer objeto unificado seria esteticamente bom, além de que novamente,
também sob o ângulo do objeto, o dualismo, necessário à estética, mais uma vez, desapareceria. Pensando nessa
dualidade, Peirce concluiu que não há o esteticamente mal; e, “desde que por bom, nesta discussão, nós estamos nos
referindo meramente à ausência do mal ou de falhas, não haverá algo como o bom estético. Só podem existir
qualidades estéticas variadas” (CP 5.132). Os problemas mais evidentes que surgem daí relacionam-se, em primeiro
lugar, à ausência de razão para se preferir um objeto estético a outro e, por extensão, um ideal estético a outro, o que
deixaria a estética novamente órfã da secundidade. Há dois modos de solucionar esse problema. De um lado,
passando para a ética a tarefa de testar se o ideal estético pode ser estabelecido como o fim último para o qual toda
atividade humana deveria ser dirigida. Mas, assim, a estética perderia sua característica fundamental de determinar
qual seria o ideal supremo.

O segundo modo reside na consideração de que, sendo o propósito da estética definir o que é bom em geral, isso
resgataria, sob um certo ângulo, a dimensão de secundidade que lhe é própria, pois seu fundamental dualismo estaria
na tarefa de descobrir leis relacionam os sentimentos ao que é bom de um modo geral. Além de atar as duas pontas
até então analisadas de modo separado, a saber, a qualidade de sentimento e o objeto que a suscita, a conclusão
acima começou a dirigir Peirce para a reta final da solução a que ele chegaria. Se o ideal estético estivesse ligado a
um conjunto particular de circunstâncias, ele não seria um ideal último que deve se colocar como força condutora da
atividade humana, independentemente do fluxo dos acontecimentos e da evanescência das circunstâncias. A
sugestão peirceana correu então na seguinte direção:

A fim de garantir a imutabilidade sob quaisquer circunstâncias, sem o que não seria um fim último, este deve ter como requisito estar de
acordo e o desenvolvimento livre da qualidade estética do próprio agente. Ao mesmo tempo deve estar também de acordo como requisito de
não tender, com o tempo, a ser perturbado pelas reações do mundo lá fora sobre o agente, mundo esse que está pressuposto na própria ideia
de ação. Parece claro que essas duas condições só podem ser atendidas simultaneamente se a qualidade estética em direção à qual o
desenvolvimento livre do agente tende e a ação última da experiência sobre ele forem partes de uma mesma totalidade estética (CP 5.136).

Para ser verdadeiramente final, a meta deve preencher esses requisitos. Qual pode ser essa meta, que, sem
ignorar que o mundo lá fora produz interferências inevitáveis no agente, incorpora o desenvolvimento livre do
agente, ao mesmo tempo em que garante que essa liberdade não será, a longo prazo, perturbada pelas imprevisíveis e
inevitáveis vicissitudes do mundo? Além disso, e mais importante ainda, a qualidade que atrai o desenvolvimento
livre do agente é a contraparte no sujeito de uma qualidade estética total cujo outro lado está na ação última que a
experiência exerce sobre ele. Encontrar aquilo que pode atender a todos esses atributos parece estar perto do
impossível.

O reexame crítico do pragmatismo havia levado Peirce a considerar, em primeiro lugar, que o ideal pragmático
não deveria satisfazer os desejos de qualquer indivíduo particular, mas estar voltado para os propósitos humanos
coletivos. Para responder a essa exigência, preenchendo o requisito de ser uma meta completamente satisfatória, o
ideal deve ser evolutivo, estando seu significado pleno apenas num futuro distante sempre concretamente adiado.
Um futuro idealmente pensável, mas materialmente inatingível, porque só aproximável assintoticamente. O
pragmatismo havia descoberto que, no processo de evolução, aquilo que existe vai, mais e mais, dando corpo a
certas classes de ideais que, no curso do desenvolvimento, se mostram razoáveis. Esse ideal foi caracterizado como
“o crescimento contínuo da corporificação da potencialidade da ideia” (MS 283, p. 103 apud Kent, 1987, p. 158).

Ora, as ideias são transmitidas na mente, de um ponto a outro no tempo, por meio do pensamento, quer dizer, por
meio de signos imateriais ou imaginários, conforme Kent prefere chamá-los. Mas as ideias não são pensamentos
materializados; elas são “uma certa potencialidade, uma certa forma que pode ou não ser encarnada num signo
externo ou interno”. Pois bem, continuou Peirce (MS 283, p. 4), para que a função do signo seja preenchida, e para
haver o crescimento da potencialidade da ideia, sua corporificação deve se dar não apenas através de símbolos, mas
também através de ações, hábitos e mudanças de hábitos. Ora, na potencialidade, há primeiridade, na corporificação,
há secundidade, e na ideia, há terceiridade. Os três juntos compõem aquilo que Peirce passou a considerar como o
summum bonum estético, coincidente com o ideal pragmatista último: o crescimento da razoabilidade concreta. Ao
mesmo tempo em que engloba as três categorias, esse ideal tem de levar em conta o autocontrole na aquisição de
novos hábitos como método através do qual o ideal pragmático pode ser atingido. O modo como essa solução
preenche todos os requisitos, que Peirce havia estipulado para a meta estética do admirável, será a seguir examinado.

Uma vez que a razão é a única qualidade livremente desenvolvida através da atividade humana do autocontrole,
em outras palavras, estando na autocrítica a essência da racionalidade, Peirce identificou o ideal estético, fim último
do pragmatismo, com o crescimento da razoabilidade concreta, não a razoabilidade abstrata, perdida na neblina do
ideal, nem a razoabilidade estática que, como tudo que é estático, termina em opressão, mas a razoabilidade concreta
em crescimento, em processo, em devir. Segundo Bernstein (1990, p. 200-203), “Peirce nunca recuou em sua sólida
crença de que há uma verdade a ser conhecida e que nós mesmos somos participantes do desenvolvimento da Razão
que está sempre em estado de incipiência e crescimento. Somos participantes da criação do universo (...). A única
coisa que é desejável sem razão para o ser é apresentar ideias e coisas razoáveis”. Isso quer dizer que somos
responsáveis pelo alargamento e realização da razoabilidade concreta; é através de nossos atos, feitos e pensamentos
encarnados que ela vai se concretizando, rumo a um final em aberto cujo destino não podemos saber de antemão.
Vem daí um dos motivos pelos quais Peirce afirmou estar ressuscitando Hegel, se bem que numa roupagem
estranha. Razoabilidade, para ele, não se confunde, assim, com razão exclusivista, mas com uma racionalidade que
incorpora elementos de ação, sentimentos, assim como de todas as promíscuas misturas entre razão, ação e
sentimento, que aparecem na comoção, afecção, prazer, querer, vontade, desejo, emoção…

Peirce estava ciente de que não há nenhuma garantia de que o ideal estético-pragmático possa ser atingido. A
única regra da ética, nessa medida, é aderir a esse ideal e ter esperança de que ele poderá ir sendo aproximado,
pouco a pouco e no longo curso do tempo. Uma vez que a conduta deliberada é conduta guiada pelo ideal estético,
os pensamentos devem ser avaliados em termos de sua contribuição para o crescimento da razoabilidade no mundo
(Curley, 1969, p. 103-104). A palavra “concreta” indica que a razoabilidade pode ir se atualizando através de nosso
empenho resoluto para favorecer seu crescimento. Esse empenho é ético, meio através do qual a meta do ideal
estético admirável se materializa, do mesmo modo que a Lógica é o meio através do qual a meta ética se corporifica
(Santaella, l992, p. 129).
Há dois aspectos importantes que ainda restariam para discussão a partir deste ponto. O primeiro deles diz
respeito ao alargamento de sentido pelo qual Peirce fez passar as ciências normativas e sua noção de mente.
Conceber a mente como algo restrito apenas à mente humana seria alimentar a tendência para a perpetuação das
separações cartesianas entre mente como imaterial e matéria como puramente quantitativa. Evitando dar reforço à
posição nominalista de que todo pensamento é uma construção arbitrária da mente humana, Peirce expandiu
significativamente a noção de mente para concebê-la como um atributo, uma “tendencialidade” para o crescimento,
aprendizagem, que já está presente num protoplasma e que se espraia por toda a natureza em nível micro e macro. O
assunto é demais complexo, pressupondo a entrada mais profunda na semiótica e metafísica, não podendo ser
perseguido neste livro. O tópico só foi mencionado porque esse alargamento, no modo de conceber a mente, como
co-extensiva à terceiridade ou generalidade, trouxe consequências para o ideal estético do crescimento da
razoabilidade concreta. Para sermos breves, basta dizer que o fato de a terceiridade não ser um privilégio humano,
levou Peirce a postular — sem resvalar por nenhum idealismo racionalista ou panteísta ou religioso — uma
harmonia essencial entre a natureza e o homem, um concerto estético entre a alma do universo e a alma humana.
Dada a complexidade desse assunto, ele será guardado para uma outra ocasião.

O segundo aspecto diz respeito à indagação mais do que natural que deve estar na cabeça do leitor, sobre os
modos como o crescimento da razoabilidade concreta pode se dar. Já tive oportunidade de formular, em outras
ocasiões, a hipótese de que a arte e a ciência devem ser os meios privilegiados para esse crescimento. A questão da
ciência, tive a ocasião de aprofundar num outro trabalho (Santaella, 1993). Quanto à relação da estética peirceana
com as artes, esse é justamente o assunto que será apresentado no próximo capítulo.
8. A ESTÉTICA E AS ARTES

Nadando contra a corrente da tradição, Peirce não concebeu a estética como uma ciência do belo. Buscou uma
qualidade mais elementar e menos dual do que o belo, encontrando-a em algo que pode ser aproximadamente
traduzido na palavra “admirável”. Buscando incessantemente o atributo do admirável, ele acabou por localizá-lo no
crescimento da razoabilidade concreta, conforme foi discutido no capítulo anterior. Esse atributo temo poder de
integrar, de um só golpe, a continuidade da terceiridade, expressa no crescimento, a atualização da secundidade, que
se expressa na concreção, e a potencialidade da primeiridade, expressa na razoabilidade. De fato, para Peirce, não há
nada mais plástico e passível de crescimento do que a razão, visto que ela está sempre em estado de incipiência e
incompletude. Razoabilidade é, assim, sinônimo de potencialidade da ideia, algo dinâmico, sempre em processo de
materialização em signos internos ou externos.

Localizado o ideal estético no crescimento da razоabilidade, algumas questões ficam em aberto. Para analisar
uma dessas questões. B. Kent (1987, p. 160-163) apresenta a seguinte argumentação. Se o pragmatista aceita que o
summum bonum está na adoção de um ideal por si mesmo, sem qualquer razão ulterior, em que sentido esse ideal é
apropriado a uma ciência que permite às pessoas discriminar criações da imaginação e sentimentos em geral? Se
Peirce estava certo em manter que as ciências normativas descobrem leis que relacionam os fins aos sentimentos, no
caso da estética, à ação, no caso da ética, e ao pensamento, na lógica, então a tarefa da estética não pode estar
confinada apenas à descoberta do summum bonum estipulado pelo pragmatismo.

A resposta para o problema acima está, segundo Kent, escondida numa sequência alternativa do manuscrito 283
(p. 35), onde Peirce afirmava que devia haver uma ciência do idealmente admirável. Aquilo que é admirável na sua
apresentação sensória terá sua dignidade degradada, se não for reconhecido como um caso especial do idealmente
admirável de um modo geral. Esse insight permitiu que Peirce incorporasse dentro da estética tanto o ideal
pragmático quanto uma determinação especial desse ideal, apropriada à discriminação do sentimento. A seguir, Kent
apresenta uma descrição sintética do conteúdo dessa disciplina, de uma maneira que nunca foi apresentada por
Peirce, mas que ela julga estar de acordo com as pistas que ele deixou nos vários manuscritos por ela pesquisados.
Vale a pena sintetizar aqui as sugestões de Kent, pois elas ajudarão a recordar, de maneira didática, as conclusões do
capítulo anterior, acrescentando, agora, esse segundo lado da estética que Kent chama de determinação especial do
ideal.

A estética é uma ciência teórica na qual o fenômeno é examinado à luz de nossa habilidade de interagir com ele.
Aí reside o dualismo fundamental que a estética compartilha com as outras duas ciências normativas. Como a
primeira dentre as ciências normativas, ela examina o fenômeno na sua primeiridade, dividindo-se em: 1. fisiológica,
2. classificatória e 3. metodológica.

1. Fisiológica. A primeira tarefa da estética está na investigação do ideal geral. Levando em conta as descobertas
da fenomenologia, que a estética deve, de fato, levar em conta, as três categorias do fenômeno, primeiridade,
secundidade e terceiridade, devem comparecer nesse ideal geral. No seu nível de primeiridade, o ideal deve ser algo
que satisfaça em si mesmo, sem se reportar a qualquer outra coisa. Já vimos que um estado de puro prazer, embora
preencha esse requisito, deixa de preencher o outro requisito de estar em relação com as outras duas categorias. Só
um ideal que esteja continuamente em evolução pode preencher ambas as exigências, além de que deverá ser um
ideal com o qual os seres humanos possam interagir. Peirce acabou por encontrar o que buscava no ideal pragmático
do crescimento contínuo da corporificação da potencialidade da ideia, e chegou até a sugerir que, havendo uma
afinidade entre a alma do universo e a alma humana, o ideal perseguido pelos humanos deve apresentar alguma
coincidência com os desígnios da natureza.

Entretanto, o primeiro nível da estética também diz respeito ao estudo da sua determinação especial ou sua
aplicação aos fenômenos na sua primeiridade. “Se isto requer um exame da fisiologia daquilo que é imediatamente
contemplado, das criações da imaginação, das formas ou de todos os três juntos dependerá do modo como o ideal for
compreendido”, Kent completa.

2. Classificatória. É a divisão que investiga as condições de conformidade dos produtos e ações humanas ao
ideal. Este é o nível em que o dualismo é mais pronunciado.

3. Metodológica. Aqui são estudados os princípios que governam a produção de objetos estéticos; quer dizer, o
sentimento imediato, as criações da imaginação, e/ou as possíveis formas. O ideal estético é promovido, alimentado
pelo cultivo de hábitos de sentimento. A seguir, Kent discute mais detalhadamente essa questão do hábito, para
terminar lembrando a importância desse estudo como uma propedêutica para a ética e a lógica.

Sem deixar de apontar que, no nível da metodologia, fica evidente a relação da estética com as obras de arte,
antes de se discutir especificamente essa relação, seria necessário recuar um pouco na argumentação sobre as
ligações entre o ideal pragmático, o ideal estético e uma ciência das criações da imaginação. Retorno, assim, à
indagação que me parece mais crucial. Se o ideal estético se localiza no crescimento da razoabilidade concreta,
como se dá a concretização da razoabilidade e, mais ainda, como se dá seu crescimento? Peirce não chegou a
responder sistematicamente a essa interrogação, deixando apenas sugestões e pistas. Seguindo essas pistas, encontrei
caminhos de resposta que me parecem instigantes e remarcavelmente férteis para a reflexão sobre as relações entre a
estética filosófica e as obras de arte.

A pista mais óbvia está na conclusão imediata de que, em primeiro lugar, não há nenhuma garantia externa para
que a razoabilidade se concretize. O estado de coisas admirável não pode ser determinado aprioristicamente, pois, se
assim fosse, haveria nele algo de impositivo e opressivo que lhe esvaziaria, imediatamente, o caráter de admirável.
Nem poderia ser, muito menos, fruto de uma imposição externa, de qualquer tipo que seja, por mais disfarçada que
seja. Trata-se, pois, de uma meta ou ideal que descobrimos porque nos sentimos atraídos por ele como tal, e nele
ficamos imantados. Sendo uma adoção deliberada, ela dá expressão à nossa liberdade no seu mais alto grau. Muito
próxima dessa ideia está a expressão “força estranha” que Caetano Veloso utilizou para caracterizar a força de
atração e concentração lúdica, mas, ao mesmo tempo de absorção quase insana na sua arte, que caracteriza o artista e
que, de resto, caracteriza também o cientista. Mas qualquer pessoa pode conhecer o poder dessa “força estranha”,
quando é movida pela atração a um ideal admirável, ainda vago e impreciso, que só vai se definindo na medida
mesma em que houver empenho na sua realização concreta.

Não sendo definido a priori, nem sendo buscado sob efeito de qualquer tipo de força externa, quer esta força seja
operada pela violência, quer pelas formas mais sutis (e, por isso mesmo, psiquicamente mais opressivas) de
submissão consentida, o ideal tem o “perfil indeterminado, necessariamente ambíguo e potencial, característico de
tudo aquilo que continuamente recua porque só pode ser alcançado numa aproximação assintótica” (Santaella, 1992,
p. 127-128). Ora, para Peirce, só na razoabilidade, ou razão criativa — aquela que incorpora a complexidade dos
elementos da ação, surpresa, conflito, dúvida, insight, emoção e, até mesmo o principalmente, os sentimentos mais
vagos e incertos — pode ser encontrado o atributo próprio desse ideal. Mas como é que esse ideal pode crescer?

A interação indissolúvel das três ciências normativas nos conduz para a resposta. A razoabilidade concretiza-se e
cresce na medida mesma em que nós adotamos o ideal da razoabilidade, somos guiados por ele, empenhamo-nos
eticamente nele, enquanto a lógica nos fornece os meios do autocontrole crítico do pensamento para atingi-lo. Esse
autocontrole é possível pelo cultivo de hábitos de pensamento, de ação e de sentimento, e pela mudança desses
hábitos tão logo isso se prove necessário. Esse é simplificadamente o cerne do pragmatismo peirceano. O
crescimento da razoabilidade concreta, como ideal determinado pela ciência da estética, está, assim, muito de acordo
com as descobertas levadas a efeito dentro do pragmatismo evolucionista, atendendo perfeitamente às suas
exigências. Para entender essas exigências, no entanto, é preciso compreender a noção muito original de hábito que
Peirce desenvolveu.

De acordo com o pragmatismo, o significado dos conceitos intelectuais localiza-se num futuro condicional que
se atualiza pela mediação do hábito. Para deslindar essa afirmação cifrada, é necessário observar que, desde 1868,
Peirce já havia chegado à conclusão de que um pensamento só pode ser interpretado em outro pensamento, e que
esse processo é teoricamente infinito. Mas, por volta de 1907, na sua teoria dos interpretantes, relacionada com o
pragmatismo, ele estava buscando um interpretante lógico último que, livrando-se do nominalismo, garantisse a
ligação não apenas do pensamento, mas do ideal do pensamento com o mundo concreto e real. Analisando vários
tipos de processos mentais que poderiam se candidatar para preencher essa exigência, entre eles a expectativa, o
desejo e mesmo o conceito, Peirce concluiu que só o hábito responderia ao requisito da ligação da mente com o
mundo. Obviamente, sua concepção de hábito estava bem longe daquilo que corriqueiramente entendemos por
hábito. Mas, antes de se penetrar nesses detalhes, cumpre analisar quais são as características do interpretante lógico
que lhe permitem ser equacionado com o hábito.
A teoria peirceana do interpretante é extremamente complexa para ser detalhada aqui. Para as finalidades do
argumento que está sendo exposto, basta dizer que o interpretante, como foi tecnicamente definido, é o terceiro
termo da relação triádica que caracteriza o signo. O signo, conforme será visto mais detalhadamente no próximo
capítulo, é algo de natureza aberta, quer dizer, é qualquer coisa de qualquer espécie que seja — um pensamento,
ação, sentimento, imagem, palavra, biblioteca, museu, delírio, a projeção de um filão da nossa imaginação, os
objetos que nos cercam no mundo cotidiano, enfim, qualquer coisa pode funcionar como signo na medida em que
está para outra coisa, seu objeto, que também pode ser qualquer coisa, definindo-se como objeto porque se torna
presente pela mediação do signo. Ora, essa mediação, ao encontrar um intérprete, produz na mente desse intérprete
um efeito, efeito este que também pode ter uma natureza muito aberta, desde um sentimento, uma ação, até um
pensamento ou uma ideia abstrata e mesmo uma ideia meramente potencial. É esse efeito, assim amplamente
concebido, que Peirce chamou de interpretante.

Em síntese, signo é algo que, ao representar uma outra coisa, seu objeto, produz um efeito, o interpretante, na
mente daquele que recebe esse objeto indiretamente, quer dizer, pela mediação do signo. Como os efeitos têm
naturezas várias, Peirce foi levado a classificar esses interpretantes. Conforme já desenvolvi em outros trabalhos
(Santaella, 1995), as classificações são várias, mas aquela que nos interessa aqui é a divisão dos interpretantes ou
efeitos produzidos pelo signo em emocional, energético, lógico. O emocional está ligado ao sentimento, primeiro
efeito que o signo perceptível ou imperceptivelmente sempre produz. O energético, como o próprio nome diz, está
ligado a um esforço, a uma ação física ou mental. O interpretante lógico corresponde ao nível geral, coletivo do
interpretante.

Ao estudar a natureza do interpretante lógico, então visto como conceito intelectual, Peirce percebeu que sua
função é a de regular e governar ocorrências particulares, pois eles estão implicados no comportamento de algum ser
consciente, transmitindo algo que vai além do mero sentimento ou de um fato existencial, quer dizer, transmitindo o
“seria” ou “faria” que é habitual em todo ato interpretativo. Ora, nenhum conjunto de eventos, por maior que seja,
pode jamais preencher o significado daquilo que “seria” (CP 5.467). Só o hábito é capaz dessa real continuidade,
não apenas porque ele pode ser exercido em várias ocasiões, mas porque ele regula os eventos que ocorrem sob seu
governo. Enquanto os eventos existentes são descontínuos, o hábito é continuidade, garantia de que os particulares
irão se repetir de acordo com uma certa regularidade. É por isso que Peirce caracterizou o conceito ou interpretante
lógico como um hábito operativo.

Quando interpretamos uma frase, numa conversa qualquer com alguém, para ficarmos neste exemplo bem
simples, sempre sentimos algo, nem que seja o mero assentimento de que estamos entendendo o que está sendo dito
a nós. Também há sempre um certo esforço maior, menor ou imperceptível envolvido. Mas nós só somos capazes de
entender o que está sendo dito porque uma regra ou princípio condutor da interpretação está sendo atualizado.
Enquanto o evento da interpretação, quer dizer, sua ocorrência aqui e agora é descontínua, o princípio-guia garante a
continuidade das interpretações em outras ocasiões, assim como garante que haja algum ponto de contato entre o
sentido que o emissor da conversa quer transmitir e aquilo que o receptor é capaz de receber. Embora existam mal-
entendidos, distorções, perdas e ganhos, extravios, nessa remessa de sentido, não se pode negar que algum ponto de
contato ocorra, caso contrário estaríamos submersos para sempre numa Babel incontornável. É justamente esse
princípio-guia que Peirce chamou de hábito.

Parece claro que o hábito tem a natureza de uma lei. Trata-se, porém, de uma lei muito flexível, em cuja
concepção se encontra um outro traço da extrema originalidade de Peirce. A lei do hábito é a lei da mente.
Diferentemente das leis físicas, no entanto, para Peirce (1992, p. 292), “a lei da mente se assemelha às forças não
conservadoras da física, tal como a viscosidade e coisas do tipo, que são devidas à uniformidade estatística no
encontro de trilhões de moléculas”. Isto quer dizer que a lei da mente é móvel, aberta, volátil, do que decorre que a
lei do hábito é a lei de adquirir novos hábitos. Consumou-se aí, na plasticidade da mente, na sua tendência para
adquirir novos hábitos, o encontro daquilo que Peirce tanto buscou, o interpretante lógico último cuja natureza, para
estar de acordo com o pragmatismo evolucionista, não poderia ser estática. Entendendo por mudança de hábito as
modificações de uma pessoa em relação à ação do pensamento, da conduta e do sentimento, nada estaria mais apto
do que tal mudança para preencher a função de um futuro condicional com uma referência geral de natureza
hipotética; nada, enfim, poderia estar mais apto para entrar em sintonia com a tendencialidade, a natureza evolutiva
do interpretante final pragmatista, cuja direção é guiada pelo ideal estético.

Como se pode ver, a noção de hábito a que Peirce chegou é liberalmente ampla. Embora tenha partido da noção
aristotélica de qualquer estado durável, no qual, sob circunstâncias de um certo tipo, o sujeito seria levado a agir de
um modo definido (Kent, 1987, p. 162-163), essa noção foi alargada para ocupar a espinha dorsal do seu
pragmatismo. Pensamentos são hábitos mentais e os hábitos são padrões de ação que preparam o organismo, no
caso, o organismo humano, para ocorrências futuras possíveis. A generalidade do hábito é tanta que ele não pode
nunca ser exaurido em nenhuma série dada de ocasiões atuais. “Tudo que é geral”, Peirce dizia, “pertence ao futuro.
Enquanto o passado é feito de fatos atualizados”, o passado é fait accomplit, nenhum fato geral, por outro lado,
pode ser completamente atualizado. Ele é uma potencialidade tendo seu modo de ser localizado no futuro (CP
2.148). Essa é a natureza do hábito.

Entretanto a essência da racionalidade está na autocrítica. Os hábitos de pensamento, que conduzem nossas
ações, não devem ser seguidos cegamente, mas devem ser abalizados por um autocontrole operado através da
autocrítica. De acordo com Curley (1969, p. 94), a aceitação consciente de um hábito de pensamento, que, para
Peirce, tem a natureza da inferência lógica, envolve uma expectativa de que o curso futuro da experiência tornará
aquele hábito eficaz. A distinção normativa entre bem e mal envolve não apenas a referência ao fim supremo do
pensamento, mas também a questão se essa expectativa será preenchida ou não. Uma vez que Peirce nunca cessou
de esperar que o ideal último do pensamento surgirá através da atualização das experiências futuras, tanto o fim
último do pensamento, o admirável, quanto sua atualização se juntam numa única perspectiva.

Cada ciência normativa considera um aspecto particular do ideal geral. Desse modo, cada uma retificará e
adicionará conteúdo às outras, aumentando, assim, a compreensão desse geral. Mas à estética cabe um papel muito
importante e original na sua relação com o autocontrole, pois vem dela o controle do controle, quer dizer, é em
função de uma referência ao ideal estético último, sempre imediatamente inatingível, que qualquer princípio ético é
controlado, o que evita, assim, a deterioração da ética em moralismos estratificados, ao mesmo tempo em que o
dinamismo evolutivo do ideal evita que o pensamento fique paralisado no conforto de crenças desvitalizadas. É
exatamente neste ponto que a indagação sobre a ligação da estética com as obras de arte se torna imprescindível.
Para respondê-la, Peirce nos fornece algumas pistas que não podem ser perdidas.

Numa passagem muito clara, cujas indicações foram seguidas para finalizar o Capítulo 6 deste livro, Peirce dizia
que a estética “lida com o ideal em si mesmo, cuja mera materialização cativa e absorve a atenção da prática [ou
ética] e da lógica” (CP 5.551). Não há sombra de dúvida, a partir dessas palavras, que o ideal estético não é
meramente uma projeção indefinidamente adiada da imaginação, mas deve materializar-se em algo e que esse algo
fisga as outras duas ciências normativas. Em uma outra passagem, ainda, Peirce dizia que a estética “considera
aquelas coisas cujos fins são os de encarnar qualidades de sentimento” (CP 5.129). Avançando nessa mesma ideia, o
que ele deixou aí claro é que há coisas que têm por finalidade corporificar qualidades de sentimento, dar ocasião
para que qualidades de sentimento se atualizem no mundo. Ora, muitas coisas podem dar corpo a qualidades de
sentimento, mas as coisas que, de modo mais cabal, o fazem são, sem dúvida, as obras de arte. As funções históricas
e concepções históricas da arte mudam consideravelmente, mas há algo que parece permanecer em meio à mudança:
o fato de que elas sempre encarnam, dão corpo físico a qualidades de sentimento.

É claro, a partir do que foi discutido até aqui, que Peirce não via com bons olhos o isolamento e exclusividade da
qualidade de sentimento na obra de arte. Onde houver exclusivismo, isolamento, atomização ou exagero de qualquer
categoria, como já foi mencionado, lá haverá uma espécie de sopa biótica propícia ao aparecimento dos fanatismos
cegos e das distorções da irracionalidade ou da hiper-racionalidade, que é apenas o outro lado do irracionalismo. De
um modo geral, o que as obras de arte fazem é justamente escapar de qualquer um desses exageros, a ponto de
podermos lançar a hipótese de que elas são exatamente aqueles tipos de signos que misturam as três categorias de
maneira mais idealmente harmônica. Que Peirce estava de acordo com essa hipótese pode ser entrevisto na
passagem em que, mencionando a qualidade estética, ele dizia que se trata aí “da impressão total inanalisável de uma
razoabilidade que se expressou numa criação. É um puro Sentimento, mas é um sentimento que é a impressão de
uma Razoabilidade que Cria. É uma Primeiridade que realmente pertence à Terceiridade na sua realização da
Secundidade” (MS 310, p. 9).

Não fica difícil, em função das indicações acima, postular que as obras de arte, por serem objetos privilegiados
de revelação do ideal, devem ser — não obstante sua aparente fragilidade discursiva e ideológica, ou talvez como
fruto dessa mesma fragilidade — o modo mais poderoso de crescimento da razoabilidade concreta. A forma como
isso se dá está indicada em um outro escrito de Peirce, onde ele afirmou que, “se a conduta deve ser cuidadosamente
deliberada, o ideal deve ser um hábito de sentimento que cresceu sob a influência de um curso de autocrítica e
heterocrítica, a estética sendo a teoria da formação deliberada desses hábitos de sentimento” (CP 1.573-1.575). Se
assim for, então a arte é um dos ou o mais privilegiado dentre os objetos de estudo da estética.
O ideal estético é nutrido pelo cultivo de hábitos de sentimento. Sendo as obras de arte aquelas coisas que
encarnam qualidades de sentimento, os hábitos de sentimento só podem ser cultivados através da exposição de nossa
sensibilidade às obras de arte. Em vista disso, por mais que se possam criticar os museus e suas extensões, no tempo
histórico que estamos atravessando, eles cumprem essa imprescindível tarefa de nos colocar na presença de obras de
arte que fisgam nossa sensibilidade com vistas à mudança de hábitos estereotipados e deteriorados de sentir.

Os hábitos de pensamento são sempre muito arraigados e difíceis de serem modificados, do que decorre que os
hábitos de ação também o são, visto que nossos pensamentos e nossas crenças funcionam como guias para a
conduta. No entanto, as dificuldades que se apresentam para a mudança de hábitos de pensamento são
incomparavelmente menores do que aquelas que se apresentam para a mudança de hábitos de sentimento. Não há
nada mais profundamente enraizado no espírito humano do que os hábitos de sentir. Enquanto o pensamento e a
ação podem se modificar através de argumentos lógicos ou da força do bom senso, os hábitos de sentimento só se
modificam através do sofrimento ou da exposição constante do sentimento a objetos ou situações capazes de
produzir sua regeneração.

Sem que Peirce, ele mesmo, estivesse consciente do fato, sua estética, se levada às consequências que ela
permite entrever, realizaria quase à perfeição o sonho de Schiller da educação estética da humanidade, sonho, aliás,
que, sob uma outra aparência, a da educação dos sentidos humanos, foi também sonhado por Marx. O mais
importante é que a estética peirceana está indissoluvelmente atada à ética e à lógica. Os objetos estéticos, no dizer de
Peirce, porque materializam, dão corpo ao ideal da razão criativa, atraem e fisgam as outras duas ciências
normativas, ao mesmo tempo em que há nesses objetos algo da ordem da ação e do pensamento. As obras de arte
não são apenas ambíguas encarnações de qualidades de sentimento, mas formas de sabedoria, de um tipo que fala à
sensibilidade, ao mesmo tempo em que convida a razão a se integrar ludicamente ao sentir.

Se a estética está ligada como carne e osso à ética e à lógica, deve haver algo de lógico na estética e algo de
estético na ciência, ao mesmo tempo em que a ética diz respeito, em ambas, ao modo como seus produtos se
direcionam para o ideal. Que existe uma ligação da estética com a lógica, do artista com o cientista e vice-versa,
ficará mais claro a partir do próximo capítulo, quando for apresentada a questão da abdução, ou dom para a
descoberta, que é parte essencial do ser humano, tanto quanto é do pássaro o dom de voar. Além disso, contudo, há
uma hipótese imediata que surge, a partir do que foi exposto neste capítulo, que propõe que a estética e os objetos de
arte, em que ela se materializa, lidam com sentimentos-guias, enquanto a lógica e seus produtos precípuos, que a
ciência cria, funcionam como meios propícios para a efetivação desses sentimentos no mundo. A arte guia, enquanto
a ciência fornece os meios para que a razoabilidade cresça em direção ao ideal, sempre futuro, sempre em aberto.
Não é senão como fruto dessa abertura e dessa futuridade que a arte é sábia sem saber.

É verdade que, tanto quanto Marx, a estética peirceana não previu, com a profundidade que a história do século
XX está exigindo, a dimensão da miséria e a força da perversidade humana, vindo daí uma das razões para a
assoberbante atualidade de Freud. Em que medida a dominância da perversidade é apenas uma condição histórica,
de modo que o sonho de Marx e os ideais postulados por Peirce terão ainda condições de ser sonhados, é uma
indagação que não se pode, pelo menos por enquanto, responder, mas que, nem por isso, pode deixar de ser feita.
9. A SEMIÓTICA DE PEIRCE

São poucos os autores, mesmo entre os especialistas, que se dedicaram ao tema da estética peirceana. Além de
poucos, esses autores estão nitidamente divididos em dois grupos. No primeiro grupo, apresentando uma maior
fidelidade às fontes, fidelidade muito provavelmente devida ao conhecimento mais profundo que esses estudiosos
têm da obra peirceana, a estética foi discutida dentro do espírito em que ela foi concebida nos escritos de Peirce, isto
é, como uma disciplina filosófica, a primeira dentre as ciências normativas. Foi dentro desse espírito também que os
Capítulos 6, 7 e 8 deste livro foram escritos, num diálogo aberto com esses estudiosos, que foram aqui fartamente
citados em função do muito que aprendi com eles.

O segundo grupo de autores tratou o tema da estética sob um ângulo possível e até necessário, mas jamais
previsto por Peirce. Desconhecendo voluntária ou involuntariamente a vocação nitidamente filosófica e
eminentemente teórica da estética, esses autores procuraram extrair da fenomenologia e semiótica peirceanas uma
possível teoria estética. A maioria desses comentadores tomou como base, para isso, algumas passagens em que
Peirce fazia menção a problemas estéticos e a obras de arte, aliás, as mesmas passagens que foram trabalhadas no
Capítulo 7, sob o título de “Dilemas da Estética”.

Entretanto, em vez de buscar a coerência dos fragmentos através de sua contextualização no todo da obra, ou dos
problemas que Peirce estava enfrentando naquela circunstância específica, esses comentadores tomaram os
fragmentos como sugestivos para se buscar a construção de uma estética semiótica que, segundo eles, seria aquilo
que mais propriamente poderia ser extraído da obra peirceana. A opção por essa alternativa não é surpreendente. Os
primeiros artigos, que serviram como base para os subsequentes, datam de uma época em que se pensava que Peirce
não havia feito outra coisa de valor a não ser criar uma semiótica altamente classificatória, paralela e até mesmo
isolada de um sistema filosófico no qual poucos estavam interessados. Não havia ainda qualquer desconfiança
quanto à necessidade de se considerar sua semiótica como a espinha dorsal de uma arquitetura filosófica da qual ela
é inseparável.

No próximo capítulo, os textos desse grupo de intérpretes serão comentados, para que se possa ajustar o roteiro
da viagem que eles empreenderam e que é, sem dúvida, válida, contanto que certas confusões sejam evitadas e
algumas exigências, que a obra peirceana impõe, sejam atendidas. Antes disso ser realizado, contudo, a função do
presente capítulo é fazer uma apresentação muito breve do panorama da semiótica, entre outras coisas, para que os
leitores não familiarizados com a obra de Peirce, e especialmente com sua semiótica, não se sintam perdidos nas
discussões que serão levadas a efeito no próximo capítulo.

É certo que, desde os trabalhos pioneiros de Haroldo de Campos (1971) e Décio Pignatari (1970 e 1974),
existem hoje no Brasil algumas obras de apresentação da semiótica peirceana, o que dispensaria a tarefa que este
capítulo pretende levar a efeito. No entanto, sua inserção se justifica não só para atenuar possíveis dificuldades de
leitores imaginários, mas em função da necessária defesa do nível de incomparável generalidade com que Peirce
concebeu sua semiótica, sem o que ficaria difícil perceber os vários tipos de relações que a semiótica e a estética
podem estabelecer entre si.

O grande interesse de Peirce, desde os 12 anos de idade, sempre foi dirigido para a lógica. Ele sabia que era
nessa direção que o seu talento corria, com a mesma naturalidade com que um rio busca o mar para desaguar. Seu
dom maior, provavelmente alimentado pela simpatia e reforço de seu pai, o matemático Benjamin Peirce, estava na
arte de raciocinar. Tudo que Peirce fez, todas as atividades científicas que praticou tinham a lógica em mira. Sua
estética e mesmo sua ética, aliás, não foram senão consequências de sua descoberta de que a lógica não é
autossuficiente. Ele se aprofundou tanto no estudo da lógica que acabou se deparando — como sempre acontece,
quando se penetra muito profundamente numa área do conhecimento — com a insuficiência ou incompletude
daquele campo de estudo em si mesmo. Essa incompletude inelutável está no cerne de sua concepção do signo.
Todo signo, por fatalidade congénita, está destinado a ser incompleto. Dessa falha inalienável nem mesmo o signo
artístico pode se livrar, não obstante este seja o signo que mais obstinadamente sonha com a completude, conforme
essa questão será mencionada no próximo capítulo.
Depois de poucos anos de estudo de lógica, Peirce percebeu uma grave questão que, infelizmente até hoje, não é
levada em consideração pelos lógicos. Em primeiro lugar, numa batalha travada contra os fortes remanescentes
cartesianos presentes no ocidente, ele afirmou que todo pensamento, todo raciocínio, se dá em signos. Em seguida,
se deu conta, muito simplesmente, de que não há raciocínio possível, não há pensamento possível, nenhuma
linguagem — nem mesmo e muito menos a linguagem da própria lógica e da matemática — seria possível sem o
uso de uma diversidade de signos. Quer dizer, nenhum pensamento é conduzido apenas através de símbolos. Além
disso, ele ainda percebeu que cada tipo de signo está apto a representar o que representa em função de sua natureza
específica. Para determinadas necessidades ou para determinadas realidades, há signos que são mais apropriados do
que outros. Mas além disso ainda, na medida em que sua investigação sobre essa questão avançava, ele foi também
levado a concluir, com base nas conclusões de sua fenomenologia, aliadas às conclusões extraídas da experiência,
que não há exclusividade no mundo dos signos. Toda manifestação sígnica, no pensamento, na linguagem, seja lá de
que tipo for, atualiza uma mistura mais ou menos equilibrada de tipos de signos. Em síntese, o pensamento e as
linguagens só podem existir e sobreviver na promiscuidade. No mundo das linguagens, tudo é mistura, a mistura é a
vida, ou o espírito, como queria Valéry.

A semiótica, como estudo de todos os tipos possíveis de signos, nasceu, para Peirce, como uma consequência
natural, naturalíssima, das descobertas que ele foi fazendo dentro da própria lógica. É por isso que, na sua obra,
semiótica não é senão um outro nome que foi dado para a lógica ela mesma. Na medida em que seus estudos iam
avançando, trazendo-lhe a constatação da incompletude da lógica, a ética e a estética foram aparecendo para realizar
as tarefas teóricas que a lógica ou semiótica não podia realizar por si mesma. Ao mesmo tempo, ele foi percebendo
que as tarefas teóricas internas à semiótica também se distribuíam em três subciências: 1. a gramática especulativa
ou gramática pura; 2. a lógica crítica ou lógica propriamente dita e 3. a retórica especulativa ou metodêutica.

Assim sendo, conforme já foi visto no Capítulo 6, quando o diagrama de sua arquitetura filosófica foi
brevemente colocado em discussão, as três ciências normativas — estética, ética e lógica ou semiótica —, que
correspondem ao nível de secundidade dessa arquitetura como um todo, ocupam o coração da filosofia peirceana.
Dentro delas, a ética, muito em sintonia com seu pragmatismo, ocupa o lugar da secundidade e o correspondente
coração das ciências normativas. Dentro da semiótica, a lógica propriamente dita, que é o estudo dos tipos de
raciocínio e da força e validade de seus argumentos, está em nível de secundidade, exatamente no coração da
semiótica propriamente dita. A ênfase que estou dando a esses corações não é casual. A secundidade é a categoria da
efetividade, daquilo que se atualiza. Entre aquilo que é possível (primeiridade) e a mediação (terceiridade), interpõe-
se aquilo que é responsável pela realização concreta. As ciências normativas são, então, ladeadas pela
fenomenologia, base de toda a filosofia, e pela metafísica, onde a tarefa da filosofia termina. Do mesmo modo que
as ciências normativas são uma consequência da fenomenologia, a metafísica também não pode dispensar os
princípios que ela recebe das ciências normativas, muito particularmente da semiótica.

Há muitos fatores que prejudicaram, por muitos anos, um melhor entendimento e divulgação da semiótica de
Peirce. Para os propósitos deste capítulo, foram selecionados quatro desses fatores. São eles: 1. o conhecimento
indireto de sua obra pela via de Charles William Morris (1901-1979); 2. a ênfase que foi colocada apenas no
primeiro ramo da semiótica e nas classificações de signos; 3. a tendência, difícil de ser ultrapassada, de se considerar
apenas o signo linguístico como signo; 4. a tendência, também bastante arraigada, na tradição filosófica, de se
entender o significado de “representação” apenas dentro dos limites do racionalismo.

Se Morris teve o mérito de acordar o interesse de muitos estudiosos para a obra peirceana, a simplificação a que
ele submeteu a divisão dos três ramos da semiótica em sintático, semântico e pragmático tem provocado confusões
difíceis de serem corrigidas. Conforme os próprios termos indicam, esses níveis ficam estritamente presos dentro de
uma moldura linguística. Como se isso não bastasse, filiado a correntes positivistas de pensamento, Morris lhes deu
uma interpretação fundada em ideias psicológicas comportamentalistas. É certo que Morris nunca falou em nome de
Peirce. Pretendeu estar criando uma teoria própria. As analogias na nomenclatura e nos esquemas triádicos o traem,
contudo. Fica difícil não ouvir Peirce quando se lê Morris. Mas é justo aí que todos os problemas começam.
Tomam-se gatos por lebres.

Nada estava mais longe do pensamento de Peirce do que uma semiótica psicológica, compreensível dentro de
um paradigma positivista. Tenho colocado, em todas as ocasiões, muita ênfase no nível de generalidade ímpar da
semiótica de Peirce, visto que ela está fundada numa noção de signo tão ampla ao ponto de se poder dar
verdadeiramente razão à sua consideração de que “qualquer outra coisa que qualquer coisa possa ser, ela também é
um signo”. Para se ter uma ideia dessa generalidade, a citação a seguir é bastante sugestiva:
(...) incluindo sob o termo “signo”, qualquer pintura, diagrama, grito natural, dedo apontando, piscadela, mancha em nosso lenço, memória,
sonho, imaginação, conceito, indicação, ocorrência, sintoma, letra, numeral, palavra, sentença, capítulo, livro, biblioteca, e, em resumo,
qualquer coisa que seja, esteja ela no universo físico, esteja ela no mundo do pensamento, que — quer corporifique uma ideia de qualquer
espécie (e nos permita usar amplamente esse termo para incluir propósitos e sentimentos), que esteja conectada com algum objeto existente,
quer se refira a eventos futuros através de uma regra geral — leva alguma outra coisa, seu signo interpretante, a ser determinado por uma
relação correspondente com a mesma ideia, coisa existente ou lei (MS 774, p. 4).

De fato, como a passagem acima deixa evidente, Peirce levou a noção de signo tão longe ao ponto de seu
interpretante, quer dizer, o efeito que o signo produz, não ter de ser necessariamente uma palavra, uma frase ou um
pensamento, mas poder ser uma ação, reação, um mero gesto, um olhar, um calafrio de regozijo percorrendo o
corpo, um desfalecimento, devaneios incertos e vagos, uma esperança, estados de desespero, enfim, qualquer reação
que seja, ou até mesmo algum estado de indefinição do sentimento que sequer possa receber o nome de reação. Tudo
isso é signo, na semiótica peirceana. Não podem ser minimizadas, consequentemente, as implicações dessa
concepção liberal e generosa para se pensar a estética, para se compreender o fato estético, cujo encontro, de acordo
com Borges, pode nos felicitar em qualquer situação — num crepúsculo outonal, na leitura de um poema, na troca
de um olhar.

Além das consequências para se pensarem questões estéticas e as produções criativas humanas ou não-humanas,
estas visíveis no evidente poder criador da natureza, a ampliação do conceito de signo, para cobrir não só o reino do
pensamento, mas também as zonas da ação e do sentimento, além de suas misturas, produz uma ruptura radical com
a tradição racionalista do ocidente, com o mérito de não ter de pagar, para isso, o preço do niilismo, ou das apologias
explícitas ou disfarçadas do irracionalismo. Longe, muito longe, está de Peirce, portanto, a restrição da noção de
signo apenas ao signo linguístico.

Há, no entanto, um outro ponto de prejuízo no modo como a sua semiótica costuma ser divulgada, que precisa
ser corrigido. Existe uma tendência a se confundir a semiótica apenas com seu primeiro ramo, o da gramática
especulativa, isto é, aquele que classifica, descreve e analisa todos os tipos possíveis de signo. Novamente não há
nada mais infiel aos propósitos, que Peirce visava dar à semiótica, do que essa restrição. A base lógica para se
entender a divisão em três ramos científicos está, de um lado, nas categorias, de outro, na própria definição do signo.
Tendo chegado a essa definição, a própria lógica interna do signo acabou por determinar a divisão da semiótica em
três ramos.

Sendo o signo algo que, de um certo modo e numa certa medida, intenta representar, quer dizer, estar para,
tornar presente alguma outra coisa, diferente dele, seu objeto, produzindo, como fruto dessa relação de referência,
um efeito numa mente potencial ou real, devem, portanto, existir: 1. estudos voltados para o signo em si mesmo,
suas potencialidades, limites, enfim, sua natureza interna; 2. as relações de referência do signo aos objetos que ele
intenta representar, incluindo-se aqui necessariamente as verdades e mentiras dessas relações; 3. a eficácia
comunicativa do signo. Mas, uma vez que a semiótica era, para Peirce, sinônimo de lógica num sentido amplo, e
estando sua preocupação fundamental voltada para os métodos de raciocínio empregados por uma inteligência
científica, os três ramos acima sugeridos foram ampliados consideravelmente, para dar conta da sua compreensão do
método científico (ver sobre isso em Santaella, 1993). De qualquer modo, para os propósitos deste capítulo, os
níveis mais simples são suficientes para serem tomados como base de explicação dos três ramos da semiótica.

O primeiro ramo, também chamado de lógica originaliana ou gramática especulativa, ou gramática pura, está
para a primeira categoria, que determina o caráter das coisas a partir de sua aparência, assim como o segundo ramo,
o da lógica obsistencial ou lógica crítica, que determina as relações de referencialidade dos signos, está para a
segunda categoria e o terceiro ramo, o da lógica “transuacional” ou retórica especulativa, também chamado de
metodêutica, que determina o tipo de interpretação que damos para as coisas, a partir da mediação dos signos, está
para a terceira categoria. Conforme já foi mencionado mais acima, não são as categorias apenas que estão
conduzindo essa divisão, mas também a lógica triádica interna ao signo, na qual, de resto, as categorias também
operam. Se o signo é algo que se refere a uma outra coisa diferente dele, seu objeto, determinando um efeito numa
mente potencial ou real, seu interpretante, então, a primeira divisão ou gramática especulativa corresponde ao exame
do signo em si mesmo, enquanto a segunda divisão ou lógica crítica corresponde ao estudo de tudo que é relativo à
relação do signo com aquilo que ele representa ou substitui, seu objeto, e a terceira divisão corresponde ao estudo da
relação do signo com todos os tipos de efeitos interpretativos por ele produzidos.

Numa breve consideração de cada um desses três ramos da semiótica, o primeiro deles, o da classificação dos
signos, foi certamente o que ficou mais conhecido, pagando, para isso, o preço que toda popularização de conceitos
acaba por pagar, quer dizer, o preço da simplificação, Assim sendo, a mera menção do nome de Peirce já traz à
mente a divisão dos signos em ícones, índices e símbolos. Embora essa seja, de fato, a classificação de signos central
e não coincidentemente mais célebre, ela faz parte de um amplo conjunto de tipos, subtipos e gradações, sempre
triádicas, com o que Peirce pretendia dar conta de todas as modalidades e processos de representação através de
signos.

Numa visão panorâmica, a primeira classificação é aquela que leva em consideração o signo em si mesmo, a
qualidade de sua aparência, o seu caráter, sua natureza em si, independente de qualquer outra coisa. Trata-se,
portanto, de um ponto de observação que toma como referência apenas o signo no nível de primeiridade, naquilo
que o define por si mesmo. Sob esse aspecto, ele pode ser:

1.1. Qual-signo, algo que se apresenta como mera qualidade, simples aparência, primeiro do primeiro, portanto.
Uma nota musical prolongada, por exemplo, considerada simplesmente na sua qualidade de som, ou uma cor rosa,
puramente rosa, independemente do corpo material no qual a cor rosa está encarnada, só a cor em si mesma, apenas
a qualidade na sua pureza, simples e singela.

1.2. Sin-signo, algo singular ou conjunto de singulares, numa relação existencial com qualquer outra coisa
diferente dele, seu objeto, segundo do primeiro, portanto. Por exemplo, qualquer coisa que tenha existência, não
apenas no mundo matérico, mas em qualquer mundo, inclusive o da nossa imaginação.

1.3. Legi-signo, algo de natureza geral, tendo o caráter de uma lei ou regra que governará ocorrências
particulares, fazendo com que o efeito a ser produzido numa mente interpretativa apresente alguma conformidade
com essa lei ou regra, um terceiro do primeiro, evidentemente. Qualquer palavra, ou qualquer elemento pertencente
a qualquer sistema codificado são exemplos de legi-signos.

Quando o signo é considerado na sua relação com o objeto, sendo portanto considerado na sua secundidade, ou
seja, quando o tipo de referencialidade que ele expressa, ou melhor ainda, quando o modo como ele torna seu objeto
presente é posto em foco, uma nova tríade aparece. Note-se que é a mesma tríade anterior, mas vista agora sob um
outro ângulo, o da relação que o signo, anteriormente considerado em si mesmo, pode ter com seu objeto. A segunda
tríade depende, assim, da primeira, porque o tipo de relação do signo com seu objeto varia na medida mesma em que
varia a natureza do signo ou vice-versa. Assim sendo:

2.1. Se o signo for um quali-signo, mera qualidade, na sua relação com o objeto, ele será um ícone, quer dizer,
um signo que funciona como tal, que pode representar algo, seu objeto, meramente em função de suas qualidades
internas, qualidades que ele possuiria do mesmo modo, existisse o objeto ou não. Tratando-se de simples qualidades,
o único tipo de relação que o quali-signo pode ter com aquilo que ele torna presente é uma relação de semelhança.
Isso quer dizer que o quali-signo, na realidade, não pode representar coisa alguma, pois qualidades não têm, em si
mesmas, poder para representar nada. Mas, ao mesmo tempo, as qualidades têm uma grande força de sugestão, elas
atraem poderosamente o demônio das analogias, podendo se assemelhar a muitas outras qualidades. Quando a
comparação de uma qualidade com outra qualidade, qualquer que seja, é acionada, estamos diante de um quali-signo
ou quase-signo icônico. A semelhança dos olhos de uma linda jovem com a cor oliva e o tipo característico de brilho
de uma azeitona, por exemplo. Numa versão mais simplificada, e algo distorcida, o ícone é tomado como um tipo de
signo que representa seu objeto por semelhança. Assim, o desenho de um gato seria o ícone de um gato. A distorção
fica por conta do fato de que não se trata aí de um ícone na sua simplicidade, mas de um signo mais complexo, que
mistura caracteres de iconicidade e indexicalidade. O ícone em si não poderia incluir relações de referência, como
ocorre no caso de qualquer desenho figurativo, onde a figura se refere a algo fora dela. Mas, uma vez que há uma
semelhança qualitativa na forma da aparência de um gato e na forma desenhada do gato, esse aspecto de semelhança
corresponderia ao ingrediente icônico desse signo complexo.

2.2. Se o signo for um sin-signo, algo singular ou conjunto de singulares, então ele estará existencialmente
conectado a algo também singular ou conjunto de singulares ou contínuo de individuais, seu objeto, que está fora do
signo e é diferente dele. Neste caso, o signo funciona como um índice desse objeto do qual, aliás, o sin-signo
indicial é uma parte. A Praça dos Três Poderes como índice de Brasília, por exemplo, ou uma foto em close dos
olhos de azeitona da linda jovem, como índice de sua beleza ou de sua juventude, ou de sua natureza de fêmea, ou
de sua mera existência, ou de uma série infindável de outras coisas que uma foto tem o poder de indiciar.
2.3. Se o signo for uma lei, legi-signo, tendo portanto a capacidade de governar as ocorrências particulares ou
réplicas dessa lei, em relação ao objeto que ele representa, ele será um símbolo, ou seja, algo que se constitui como
signo porque é usado e entendido como tal, através de uma convenção ou lei de que ele é portador. A pomba branca,
mensageira da paz, ou o crucifixo como símbolo do cristianismo, qualquer conjunto ordenado de palavras em
qualquer língua são todos exemplos de símbolo.

O terceiro ângulo, obviamente em nível de terceiridade, a partir do qual o signo pode ser examinado, é aquele
que diz respeito ao tipo de efeito que ele está apto a produzir, e, de fato, de uma forma ou de outra, produzirá numa
mente ou em qualquer equipamento interpretador, quando seu encontro com essa mente ou equipamento se efetivar.
Os tipos, também três, são os seguintes:

3.1. Quando se trata de um quali-signo icônico, esse signo se apresentará para ser interpretado em nível de
possibilidade. Qualidades de aparência, só funcionam como signo porque a uma mente interpretadora alguma
qualidade lembra ou sugere outra. Ora, essa relação de comparação, que estabelece uma relação de semelhança entre
duas qualidades, só pode funcionar como uma hipótese interpretativa. Esse tipo de interpretante, quase sempre
produzido sob efeito da apreensão de meras qualidades, é chamado de rema, ou signo remático. Por exemplo,
olhando para as configurações de um grupo de nuvens, supomos ver vagamente, nessas formas, um rosto familiar. O
rosto só pode ser tomado como objeto da forma das nuvens através de uma relação de comparação cujo resultado, o
da semelhança, é puramente hipotético.

3.2. No caso do sin-signo indicial, por se tratar de um existente relacionado a um outro existente, ele se
apresentará para ser interpretado como um signo de fato, chamado de dicente. O exemplo mais otimizado desse tipo
de interpretante está na transmissão de um jogo de futebol por um radialista. O ângulo de visão específico, que sua
localização no espaço lhe dá do jogo, em síntese, o seu olhar, é o signo indicial daquele jogo que está ocorrendo
diante dele, sendo o jogo, no caso, o objeto do signo “olhar”, enquanto as sentenças que ele vai armando, no
acompanhamento passo a passo do jogo, funcionam como interpretante dicente. É óbvio que, sob outros pontos de
vista, o olhar pode funcionar como ícone, assim como o jogo, sob um outro ângulo de abordagem e análise, pode
muito bem funcionar como signo e não objeto, pois essa mobilidade analítica é parte integrante do funcionamento
dos signos.

3.3. Quando se trata de legi-signos simbólicos, o interpretante que esse tipo de signo está apto a produzir é
chamado de argumento, quando as regras interpretativas para a produção do interpretante já estão inclusas no
próprio signo, não dependendo, como no caso do dicente, de uma aferição exterior. A ordem lógica das relações das
premissas para a conclusão é o que dá sustento ao interpretante.

As três tríades apresentadas acima são apenas as mais fundamentais. Peirce chegou a trabalhar, com alguma
profundidade, as combinatórias ou misturas possíveis entre essas três tríades, que dão origem a dez classes de signos
(CP 2.227-2.273). Entretanto, a relação triádica do signo, em 1. signo, 2. objeto e 3. interpretante é apenas a mais
grosseira. Essa relação foi examinada microscopicamente, por Peirce, numa surpreendente sutileza de detalhes, do
que resultou que o signo tem dois objetos (na realidade, subdivididos cada um em três, resultando em seis
modalidades de objetos), tendo também pelo menos três graus do interpretante (numa visão mais aprofundada, o
interpretante aparecerá realmente em doze níveis). Essa microscopia deu origem a dez tricotomias, sete novas, além
das três anteriores discutidas acima. As combinatórias dessas dez tricotomias dão então origem a sessenta e seis
classes de signos. Embora esse nível de detalhamento possa parecer insano à primeira vista, seu poder analítico não
deve ser descartado. Apesar da importância dessas subdivisões prismáticas para a análise de processos concretos de
signos, e muito especialmente dos signos estéticos, que devem muito provavelmente produzir os tipos de misturas
sígnicas mais complexas, não entrarei nesse nível de informação especializada aqui, visto que já dediquei um outro
trabalho a isso (Santaella, 1995).

O tipo de signo mais complexo é, sem dúvida, o legi-signo-simbólico-argumental. Quando chegamos nesse
ponto de sua maior complexidade, a gramática especulativa cede seu espaço para o segundo ramo da semiótica, a
lógica crítica, que tem por finalidade estudar as diferentes espécies de argumento, incluindo-se nesse estudo a
determinação da validade ou grau de força de cada uma das espécies de argumento. Tendo seu ponto de partida ou
propedêutica nas distinções dos diferentes tipos e misturas entre signos, o segundo ramo da semiótica passa a lidar
com a estrutura do raciocínio. Do mesmo modo que, na gramática especulativa, a noção de signo foi ampliada
consideravelmente, deixando de se restringir apenas ao símbolo, na lógica propriamente dita, foi descoberto um tipo
de raciocínio ou quase raciocínio que se constitui em um dos pontos de maior originalidade dessa segunda divisão
da semiótica. Trata-se do conceito de abdução ou lógica da descoberta.

O estudo observacional do raciocínio, que sempre se dá em signos, levou Peirce à conclusão de que só há três e
não mais do que três tipos de estrutura de raciocínio ou argumento: a dedução, a indução e a abdução,
correspondendo à terceiridade, secundidade e primeiridade, respectivamente. Além de modificar substancialmente a
compreensão dos dois primeiros tipos, especialmente a da indução, a introdução da abdução foi uma novidade
impar.

Depois de quase cinquenta anos dedicados direta ou indiretamente ao tema, o entendimento a que Peirce chegou
dos três tipos de raciocínio pode ser sintetizado nos seguintes termos: a dedução é o processo de inferir as
consequências prováveis e necessárias de uma hipótese. A indução, que apresenta pelo menos nove modalidades,
das formas mais fortes às mais frágeis, é, simplificadamente, o processo de se testar uma hipótese. A abdução refere-
se ao processo de quase-raciocínio a partir do qual é gerada uma hipótese plausível a respeito de um fato
surpreendente. É um tipo de argumento originário que se refere ao ato criativo de invenção de uma hipótese
explicativa para um fenômeno ainda sem explicação. O mais importante a se levar em conta é que esses três tipos
lógicos de raciocínio não são privilégio exclusivo nem da lógica como disciplina, nem das outras diversas ciências,
mas trata-se, isto sim, de formas de pensamento que empregamos de modo rudimentar cotidianamente. São as
formas pelas quais o pensamento se organiza em qualquer situação e das quais a lógica e os métodos de raciocínio
empregados nas ciências são uma sofisticação, pois representam os casos em que as formas de raciocínio são
submetidas à disciplina do autocontrole.

Assim sendo, muito mais do que se pode imaginar à primeira vista, os três tipos de raciocínio são de
fundamental importância não apenas para entender os procedimentos dos métodos científicos, mas também os
processos de pensamento empregados tanto pelo artista ao criar seus objetos estéticos, quanto pelos receptores no
ato de apreensão e talvez compreensão desses objetos. Dentre os três tipos de raciocínio, a abdução é a responsável
por todas as descobertas e iluminações, onde quer que elas ocorram, num laboratório científico, no atelier de um
artista, ou no dia-a-dia de qualquer pessoa comum. Os argumentos abdutivos formulam sinteticamente explicações
tentativas para todas as situações nas ciências, nas artes, ou fora delas, em que algo surpreendente se apresenta,
reclamando uma resposta. Quando algo produz surpresa, a abdução é o processo de pensamento que surge,
engendrando uma conjectura. Esse processo tem a forma de uma inferência que, embora seja frágil, é lógica, ao
mesmo tempo em que brota no flash de um insight. Por mais que sua definição pareça incorrer na contradição dos
termos, trata-se, de fato, de um instinto racional de uma inferência lógica que é simultaneamente, um insight, trata-
se, enfim, de uma adivinhação que é a representante mais legítima da capacidade criadora da razão e que a razão,
paradoxalmente, não pode explicar.

O terceiro ramo da semiótica, a retórica especulativa ou metodêutica, é a teoria dos métodos de investigação. A
lógica crítica, ou o segundo ramo, no exame que faz do valor e força de cada tipo de argumento ou raciocínio
funciona como uma espécie de alicerce sobre o qual se erige a metodêutica, que tem por função analisar os métodos
a que cada um dos tipos de raciocínio acima dá origem. A metodêutica nasceu, assim, como consequência
necessária, em primeiro lugar, da descoberta peirceana de que os tipos de raciocínio se constituem também em tipos
de métodos empregados pelas ciências, em segundo lugar, da descoberta subsequente de que esses mesmos métodos
se constituem em estágios de toda e qualquer investigação científica, na seguinte sequência: abdução, ou descoberta
de uma hipótese; dedução, ou extração das consequências da hipótese; indução ou teste da hipótese.

Se o terceiro ramo da semiótica não parece estar diretamente conectado com questões concernentes à estética,
esse já não é o caso dos dois primeiros ramos, muito especialmente daquilo que diz respeito à abdução, sem a qual
nenhuma criação seria possível. Assim sendo, quais luzes a semiótica pode trazer para a estética é o que será visto
no próximo capítulo.
10. A ESTÉTICA À LUZ DA SEMIÓTICA

Foram diversas as teorias semióticas que surgiram a partir do século XIX. Diferenciando-se da linguística, que
tem por objeto a linguagem verbal, as semióticas se abriram para a investigação de processos de signos dos mais
variados tipos, desde a literatura e todas as linguagens visuais, tais como pintura, fotografia, cinema, até a
arquitetura, a música etc, entre outros campos de abrangência. Dada essa vocação para o não-verbal, não é
surpreendente que teorias estéticas tenham surgido em todas as correntes da semiótica, principalmente porque os
processos de signos artísticos são desafiadores, exercendo sempre uma grande atração sobre os estudos da
linguagem, na medida em que funcionam como tubos de ensaio para testar a eficácia ou o fracasso dos conceitos.

Winfried Nöth (1998) escreveu para uma Enciclopédia de Semiótica, editada por P. Bouissac, um artigo
panorâmico de apresentação e descrição das teorias estéticas que nasceram no interior das diferenciadas correntes da
semiótica. Dado o caráter quase exaustivo com que as diversas tendências foram arroladas e discutidas nos seus
traços mais gerais, esse panorama será aqui tomado como referência, para que se possam posteriormente
compreender e mesmo avaliar os traços distintivos de uma estética semiótica de extração peirceana.

Segundo Nöth, a primeira grande distinção entre as teorias estéticas semióticas e as não-semióticas está no fato
de que as primeiras não falam mais em “objeto” estético, mas sim em “signo” estético. A obra de arte, seja ela de
que tipo for, mesmo uma escultura, não importa quão imponente possa ser na sua realidade matérica, não é mais
tratada como um objeto, mas como um tipo especial de signo, cujos processos de produção e recepção constituem
processos peculiares de semiose. Para se traduzir isso em termos peirceanos, se a “semiose” significa “ação do
signo”, sendo esta a ação que leva o signo a ser interpretado em um outro signo, então, as semioses específicas da
arte produziriam processos interpretativos especiais e característicos.

Assim sendo, continua Nöth, as teorias semióticas procuraram criar, cada uma a seu modo, suas próprias teorias
da arte, visando, ao mesmo tempo, a uma reinterpretação, sob um ponto de vista semiótico, das teorias estéticas
tradicionais. Não obstante as diferenças, as estéticas semióticas têm em comum suas fundações ou pontos de partida
ou pontos de referência em teorias dos signos. Do ponto de vista sistêmico, as linhas das estéticas semióticas podem
ser agrupadas nos domínios da semântica, pragmática e a teoria dos códigos. Sob o ponto de vista da história da
semiótica, Nöth apresenta as escolas que se seguem abaixo:

1. A estética semiótica clássica cuja fundação remonta a Baumgarten e Lessing, visto que o primeiro
explicitamente postulou uma semiótica como um ramo da estética, enquanto o Laocoonte de Lessing (1957) propôs
uma teoria da mimese nas artes poéticas e pictóricas.

2. A estética semiótica peirceana, que Nöth apresenta como não sendo um tópico central na filosofia do autor,
trata dos problemas estéticos a partir de vários pontos de vista, tendo se transformado na fundação da semiótica
estética da Escola Bensiana de Stuttgart (ver, por exemplo, Bense, 1971). Seria importante adicionar que a afirmação
de Nöth sobre a não-centralidade da estética na filosofia peirceana é só parcialmente verdadeira, visto que, depois de
1900, a estética passou a desempenhar um papel central na definição do seu novo pragmatismo, conforme este livro
já discutiu amplamente.

3. A estética semiótica de Charles Morris desenvolveu uma teoria fundada no behaviorismo, tendo, na
caracterização da arte como um signo icônico de valor, seu ponto central de apoio.

4. A estética da escola de Praga ou teoria estruturalista da arte é “uma teoria funcional que define a essência da
arte dentro da dimensão pragmática da semiose” (ver, por exemplo, Mukarovsky, 1977).

5. A estética glossemática é uma teoria da arte desenvolvida na moldura da glossemática de Louis Hjelmslev
(1899-1965). Tendo sido aplicada primeiramente ao campo da literatura, encontrou sua chave para a natureza do
signo estético na teoria da conotação. Valeria acrescentar aqui que Roland Barthes (1915-1980), na sua fase
semiológica (1971), utilizou largamente o conceito de conotação extraído de Hjelmslev.
6. A semiótica estruturalista da arte, desenvolvida primeiramente na França, está especialmente voltada para a
pintura, caracterizando-se pela análise imanente das propriedades dos signos.

7. A semiótica soviética da arte, “enraizada no formalismo russo, na glossemática e na cibernética”, desenvolveu


uma teoria da arte como um sistema semiótico secundário, construído a partir do modelo da língua (ver Lotman,
1970, por exemplo).

8. A teoria estética informacional aproxima-se do fenômeno estético sob um ponto de vista matemático. Essa
aproximação, adotada tanto pela escola de Bense na Alemanha quanto pelos semioticistas soviéticos, busca “definir
o fenômeno estético através da originalidade, inovação e harmonia em termos dos conceitos matemáticos de ordem,
simetria, complexidade, probabilidade, informação e entropia”. Uma obra que foi desenvolvida também nessa
direção e que ficou muito conhecida é a de A. Moles Teoria da informação e da percepção estética (1958).

9. A semiótica da arte de Umberto Eco, a partir de sua famosa Obra aberta (1969), entre suas outras obras muito
mais famosas, está baseada na teoria dos códigos e da mensagem aberta.

10. A teoria simbólica da arte de Nelson Goodman (1968) é considerada por muitos como um dos avanços mais
instigantes na estética semiótica, enquanto outros a criticam por ser inadequada aos propósitos de uma teoria da arte.
Nöth chama atenção para o fato de que Goodman evidentemente não usa o termo semiótica para qualificar sua
filosofia da arte, mas isso não passa de uma questão meramente terminológica.

11. A teoria semiogenética da arte, com uma perspectiva evolucionista, tem suas raízes na etologia e na
zoosemiótica Assim, no seu “Prefigurações da arte”, Sebeok (1981) estudou o aparecimento de formas estéticas
visuais e musicais entre os animais, e Koch (1984) “desenvolveu uma teoria semiogenética da evolução artística da
natureza à cultura”. Sebeok vê rudimentos da arte já nos paralelismos morfológicos da natureza, que “ele associa
com um valor de sobrevivência biológica porque o prazer, associado à percepção de tais objetos estéticos, promove
a instrumentalização essencial de sobrevivência na classificação dos objetos do ambiente”. Koch, por seu lado,
encontra prefigurações da arte nos rituais de corte e outras formas de comportamento ritualizado, cuja função
biológica é a de amplificar a gratificação primária.

Embora não tenha sido incluída na lista de Nöth, merecem menção as teorias estéticas que têm se inspirado nos
escritos de Derrida, ou naquilo que ficou conhecido sob o nome de desconstrucionismo e que deve ser classificado
no elenco das estéticas semióticas. Um exemplo importante dessa tendência encontra-se, na América Latina, no
trabalho de Rosa Maria Ravera (1988).

O restante do artigo de Nöth foi dedicado à discussão das estéticas semióticas a partir de um ponto de vista
sistêmico, dentro das três categorias de agrupamento já mencionadas acima: 1. a semântica da arte, 2. a pragmática
da arte e 3. os códigos estéticos. Definindo a semântica da arte como um tipo de aproximação da obra de arte como
um signo que deriva sua qualidade estética de um tipo particular de significado ou modo de referência, foram
incluídos, nesse grupo, Peirce, Morris e Goodman. Na estética peirceana, foi especificada, dentro da ordem
semântica, a tricotomia sígnica do ícone-índice-símbolo, com a ressalva de não existir consenso sobre o tipo de
signo que melhor caracteriza a essência da arte. Uma outra especificação semântica da semiótica peirceana está na
relação do signo com o interpretante. Sob esse ponto de vista, Bense caracterizou a obra de arte como um rema, isto
é, como um signo de possibilidade qualitativa que não afirma nada, enquanto, sob o ângulo da natureza do signo em
si mesmo, ainda de acordo com Bense, a obra se apresenta como polifuncional: é um sin-signo devido ao seu caráter
inovador e criativo, mas, na sua materialidade, é um quali-signo, assim como é também um legi-signo se os aspectos
de convencionalidade são levados em consideração.

Na intersecção entre o semântico e o pragmático, a teoria estética de Morris está toda ela alicerçada nos critérios
de iconicidade e valor. Por ter propriedades em comum com seu referente ou designatum, o ícone apresenta esse
referente diretamente. O ícone estético é um signo cujo referente é um valor. Sendo o valor uma propriedade do
objeto relativa a um ato de interesse do intérprete, o signo estético só existe no processo de interpretação, do que
decorre a contraparte pragmática da estética morrisiana.

A filosofia da arte de Goodman é estritamente cognitiva, estando, segundo Nöth, em oposição diametral às
teorias expressivas da arte, de que as obras de Croce e S. Langer são exemplos exemplares. Para Goodman, existem
linguagens da arte, sendo as obras algo semelhante a enunciados num sistema de símbolos. A partir de algumas
distinções semióticas, “Goodman distingue cinco sintomas da arte: 1. densidade sintática (os símbolos não têm
articulação finita ou diferenciação), 2 densidade semântica (os símbolos distinguem-se por diferenças mínimas), 3.
abundância sintática (muitos traços dos símbolos são significantes), 4. exemplificação e 5. referência múltipla e
complexa”.

As teorias pragmáticas da arte propõem que, ao invés de se buscar o sentido da arte na sua estrutura sintática ou
na função referencial, este nasce a partir de um ato de atenção estética, “uma atitude semiótica específica no
processo de recepção estética”. Os primeiros a desenvolver explicitamente tal proposta foram os semioticistas da
escola de Praga, especialmente na obra de Mukarovski, tendo encontrado sua forma de expressão principalmente no
conceito de estranhamento.

Nöth encerra seu texto com as teorias dos códigos estéticos que podem ser encontradas mais particularmente nas
obras de Iuri Lótman (1922-1993) e Eco. Para o primeiro, a pluralidade dos códigos artísticos está baseada nos
modelos das teorias da informação e da comunicação. As mensagens estéticas são inovadoras porque se baseiam
numa estética da oposição segundo a qual o receptor tenta decifrar a mensagem inovadora da obra, tomando por
base um código diferente daquele utilizado pelo criador. Com isso, o texto artístico pode adquirir significados
diferenciais para o criador e o receptor. Segundo Eco, as mensagens inovadoras são geradas em processos de
codificação e sobrecodificação, sendo o código estético resultante de uma dialética entre mensagens inovadoras e
convencionais, as primeiras abertas e as segundas fechadas.

Tendo em vista o panorama acima das variadas estéticas semióticas, torna-se mais fácil indagar sobre a real
natureza ou vocação de uma estética semiótica de linha peirceana. Bastante influenciado pela proposta da escola
bensiana ou escola de Stuttgart, Nöth apresenta a estética de Peirce como uma teoria semiótica das obras de arte.
Essa alternativa é, sem dúvida nenhuma, perfeitamente possível de ser pensada, tanto é que foi assim proposta
também por todos aqueles que refletiram sobre uma estética peirceana à luz da semiótica, cujos artigos serão
discutidos mais à frente.

No entanto, não foi, de modo algum, para um tal tipo de propósito que a semiótica foi originada, nem foi dessa
ordem a relação prioritária originalmente determinada para a estética e a semiótica. Tanto uma quanto a outra,
conforme já foi sobejamente discutido neste livro, foram concebidas como ciências normativas, as mais teóricas
dentre todas as ciências possíveis, só perdendo em abstração para a matemática e a fenomenologia. A generalidade
de ambas, aliás das três, com a inclusão da ética, consequentemente, é de tal ordem que elas jamais poderiam
desempenhar o papel de ciências aplicadas. São, ao contrário, ciências heurísticas, quer dizer, ciências da descoberta
elaboradas num nível exclusivamente teórico, de abstração máxima. Ciências dessa ordem, sem nenhum vínculo
com as aplicações práticas, podem parecer impossíveis ou inócuas, se não se levar em consideração que, para Peirce,
cada ciência é em si mesma incompleta, só se viabilizando nas relações que ela estabelece com as demais. Assim
sendo, o papel que as ciências heurísticas e teoréticas, num extremo, têm a desempenhar é distinto das funções das
ciências aplicadas, no outro extremo, o que não quer dizer que elas não sejam interdependentes.

O fato da estética e da semiótica ou lógica aparecerem, na arquitetura peirceana, como ciências normativas não
significa que não devam existir teorias estéticas e mesmo semióticas menos abstratas e mais específicas, além de que
devem também existir tanto estéticas quanto semióticas estritamente aplicadas e mesmo práticas. A relação entre
todos esses níveis é de complementaridade e não de exclusão. O diagrama das ciências foi vislumbrado por Peirce
segundo uma natureza dialógica e pragmática, quer dizer, de acordo com os efeitos concebíveis de cada ciência. Pois
bem, os efeitos de uma ciência só podem ser concebidos à luz de uma outra ciência. Tendo isso bem compreendido,
podemos então interrogar que tipo de ciência os comentadores de Peirce pretendem elaborar quando tomam os
conceitos da semiótica para pensar uma estética.

Trata-se, evidentemente, de uma apropriação perfeitamente válida, de conceitos teóricos da semiótica que
versam sobre a natureza, comportamento, potenciais e limites dos signos, com a finalidade de se pensar uma teoria
estética aplicável à leitura e interpretação dos signos artísticos. Peirce não previu explicitamente isso, o que não tira,
em absoluto, o valor da iniciativa. Não é aí, portanto, que surgem os problemas que os textos dos comentadores da
estética peirceana apresentam, mas em outros tipos de equívocos, como se verá a seguir.

Não são muitos aqueles que se aventuraram em reflexões sobre o caráter de uma estética semiótica de extração
peirceana. Seguindo a ordem meramente cronológica em que os artigos desses comentadores foram aparecendo,
passarei a apresentá-los tendo em vista uma avaliação dos fatores positivos e negativos da empresa que foi por eles
levada a efeito.

Salvo alguma falha de informação, o primeiro a pensar uma estética semiótica, a partir dos escritos deixados por
Peirce, foi M. Oliver Hocut, no seu artigo “As fundações lógicas da estética de Peirce”, de 1962. Tomando por base
algumas passagens em que Peirce fez referência à estética, o texto está recheado de pequenos e grandes equívocos.
Partindo de três premissas básicas — 1. a arte como ícone, 2. a beleza como kalós e 3. o senso da beleza como um
interpretante emocional —, Hocutt discute a tese básica de que se o signo estético é um ícone, seu objeto só pode ser
a beleza e o efeito que esta produz, um interpretante emocional. Para a defesa dessa tese, o artigo é desenvolvido
sobre uma série de conceitos tradicionais, ou talvez preconceitos, a respeito da arte, beleza, sentimento etc. O
conceito peirceano de ícone puro, por exemplo, é distorcido para se amoldar à noção de essência ou ideal platônico.
A palavra kalós é interpretada como beleza e harmonia, em franca e ingênua oposição ao sentido vago do admirável
que Peirce lutou para encontrar. Para completar, se é que fui capaz de bem compreender as tortuosidades do texto, o
signo estético ou ícone, mais uma vez em diametral e ingênua oposição a Peirce, tem seu interpretante emocional em
algo como um sentido da beleza, que é compreendido como um sentimento que tem seu objeto na qualidade kalós,
compreendida como uma totalidade resultante de um ordenamento das partes de uma maneira essencialmente
racional.

Não obstante os equívocos evidentes, o artigo aponta para algumas questões substanciais, tais como a
importância do papel desempenhado pelo ícone na constituição do signo estético, a abertura e ambiguidade do
objeto do ícone e a ênfase colocada na fenomenologia como base para a estética.

Em 1972, C.M. Smith publicou o artigo “A Estética de Charles S. Peirce”. Demonstrando uma familiaridade
relativamente mais intensa com os textos de Peirce, o texto tem um grande poder analítico, que se revela no exame
das variações de graus e tipos de iconicidade, todos eles importantes tanto para a reflexão quanto para a descrição de
signos estéticos. Outra questão fundamental focalizada no texto é a da impressão de imediaticidade como
propriedade da experiência estética. É também o único artigo que aponta para o papel desempenhado pelo insight na
contemplação estética.

Cinco anos mais tarde, foi a vez de J. Jay Zeman publicar o artigo “O Signo Estético na Semiótica de Peirce”.
Um dos traços positivos do texto está em apontar, com propriedade, para a fundação da semiótica na estética, o que
corrige a errônea interpretação anterior de Hocutt de que a estética peirceana está fundada na lógica. Outro traço
positivo encontra-se na ênfase que o autor coloca na fenomenologia, discutindo a importância das categorias de
primeiridade, secundidade e terceiridade para se pensar em questões estéticas. Infelizmente, abandonando no meio
do caminho suas discussões sobre qual poderia ser o caráter do signo estético à luz da semiótica peirceana, Zeman
passou a presumir esse caráter a partir da noção de experiência estética de Dewey. Se tal opção contribui para a
compreensão da estética deste último, nada nos adianta sobre o entendimento da estética de Peirce, prestando a esta,
de fato, um mau serviço, visto que gera o equívoco de que poderia não haver diferença entre ambas.

E. F. Kaelin, em 1980, publicou suas “Reflexões sobre a Estética da Peirce”, nas quais o autor se limita a
sintetizar os artigos anteriores de Hocutt e de C. M. Smith para, a seguir, realizar com o auxílio de Morris algo
semelhante ao que Zeman realizara com o auxílio de Dewey. Em vez de efetivamente refletir sobre a estética
peirceana em seus próprios termos, o autor pede o socorro da estética semiótica de Morris, criando no leitor a
impressão de que os gatos são lebres.

Mais três anos, e um outro artigo voltado para “Peirce e a Escola de Praga sobre o Papel Fundamental do Signo
Estético” era publicado por Kim Smith. Embora não tenha nada de novo, trata-se de um texto mais bem cuidado e
mais moderno, no sentido de que começa a levar em consideração algo que passou a se tornar uma constante desde
os anos 80: a consciência de que não se pode discutir, sob pena de distorções, nenhum fragmento da obra peirceana
isolando-o do todo. A partir de uma leitura relativamente fiel à complexidade do ícone, Smith passa a colocar toda a
ênfase da questão estética no efeito de unidade que o ícone produz no intérprete.

Levando em consideração quase todos os textos acima mencionados, que lhe antecederam no tratamento da
questão, Herman Parret publicou, em 1990, um artigo sob o título de “Fragmentos Peirceanos sobre a Experiência
Estética”. O título do artigo já funciona como índice de um certo tipo de compreensão da estética de Peirce.
Acreditando na fala de seus antecessores, Parret não colocou em questão a presunção de que a estética peirceana não
passa, efetivamente, de um conjunto de fragmentos. Mas a contribuição importante e original do artigo está na
compreensão do interpretante emocional. Enquanto os outros comentadores levaram esse tipo de interpretante ao pé
da letra, compreendendo-o como um efeito emotivo, Parret discute esse equívoco, evidenciando que o feeling
(sentimento), em Peirce, não pode ser confundido com avaliação emocional nem com julgamento perceptivo. Para
dar conta do amálgama entre sentimento e intelecto que Peirce tomou como característico do efeito estético, Parret
nomeia a metáfora como signo estético por excelência.

Há, além desses seis textos, alguns artigos relacionados mais indiretamente com o tema da estética, como, por
exemplo, o artigo de V. Tejera (1993) sobre “A Semiótica Peirceana e a Estética da Literatura”. Entretanto, por não
estarem focalizando nem direta nem explicitamente a reconstituição da estética de Peirce, artigos desse tipo, mesmo
que relevantes para o assunto que abordam, não serão aqui comentados.

A característica comum de todos os textos acima mencionados está na ausência de qualquer menção à semiótica
filosófica e ao papel por ela exerce tanto na constituição das ciências normativas, quanto na redefinição do
pragmatismo peirceano. Consequentemente, fica também mal compreendido, por todos eles, a maneira muito
peculiar com que a estética foi concebida como ciência. Revelando um desconhecimento quase completo da
classificação peirceana das ciências e do sentido que a palavra “normativa” adquiriu nesse contexto, alguns
comentadores, C. M. Smith e Kaelin, por exemplo, chegam a afirmar que Peirce concebia a estética como ciência
exata.

Por desconhecerem a estética filosófica, os textos igualam-se na ênfase que é posta quase exclusivamente na
classificação dos signos, o que não é uma coincidência, visto que, por muito tempo, a semiótica peirceana foi
reduzida pelos comentadores apenas à classificação de signos. Como consequência dessa redução, conceitos
importantíssimos para a estética, tais como acaso, abdução ou lógica da descoberta são desconsiderados ou
simplesmente ignorados pelo simples fato de não fazerem parte diretamente da teoria dos signos. Embora Zeman
seja o único a chamar atenção para a importância das fundações da estética na fenomenologia, o aprofundamento na
análise das categorias, que é condição sine qua non para a construção de uma estética semiótica de linha peirceana,
não foi levado às consequências necessárias.

Não sem razão todos os comentadores parecem siderados pela importância do ícone para se pensar nas questões
estéticas mais fundamentais. Realmente, a originalidade peirceana foi radical ao introduzir um tipo de signo ou
quase-signo cuja natureza oscila entre ser signo e ser coisa, quer dizer, um signo que não deixa de ser uma coisa, ou
uma coisa que fica na iminência nunca consumada de ser signo. Enfatizando que a estética considera os objetos
simplesmente na sua apresentação (CP 5.36) ou aquelas coisas cujos fins estão na corporificação de qualidades de
sentimento (CP 5.129), não fica difícil concluir que o ícone é o signo estético por excelência, visto que “nenhum
Ícone puro representa nada além de Forma, nenhuma Forma pura é representada por nada a não ser um Ícone (...)
pois, em precisão de discurso, os Ícone nada podem representar além de Formas e Sentimentos” (CP 4.544).

De fato, sendo algo que se apresenta na proeminência da primeiridade, que é aquilo que tem frescor,
originalidade, sendo espontâneo e livre, enfim, algo de natureza monádica, o ícone parece preencher muitas das
condições do signo estético. No entanto, esse preenchimento se torna muito mais sutil e eficaz quando a noção do
ícone não é isolada nem da lógica triádica na qual ele se define, de um lado, nem do restante das classificações
sígnicas, de outro. Infelizmente, esses aspectos foram negligenciados pela maioria dos comentadores acima
mencionados.

Em primeiro lugar, trata-se de se levar em consideração que o ícone se refere a um dos ângulos apenas entre
muitos outros através dos quais qualquer signo deve ser observado. Quando uma boa parte desses ângulos é posta
em evidência, tornam-se muito mais compreensíveis as razões pelas quais uma estética extraída da semiótica
peirceana não apenas faz bastante sentido como também parece ser imprescindível. Antes de tudo, cumpre recordar
e enfatizar que todo signo tem uma natureza triádica, tendo um certo tipo de propriedade em si mesmo que, irá
determinar o tipo de relação que ele pode manter com o objeto que o determina e ao qual ele se refere, assim como
determinará o tipo de interpretante ou efeito interpretativo que ele está apto a produzir numa mente. Ora, quando
falamos em ícone, estamos levando em consideração apenas a relação do signo com seu objeto. É certo que, para
estar numa relação icônica com seu objeto, fica pressuposta a natureza que esse signo tem em si mesmo, ou seja, fica
pressuposta a sua natureza de um quali-signo. Cumpre, contudo, iluminar as consequências que esse fator traz para a
estética.

Um quali-signo é uma qualidade que é um signo, quer dizer, trata-se de algo que se apresenta monadicamente,
que exibe pura e simplesmente suas qualidades, e nada mais, sejam elas quais forem - cor, forma, volume, textura,
luz, brilho, dimensão, volume, proporção, peso, densidade, som, movimento, ritmo, cheiro... É claro que, para exibir
suas qualidades, algo tem de existir no mundo (quer dizer, ser um sin-signo), além de que, para existir e continuar
existindo, sem desaparecer no instante mesmo em que aparece, esse existente precisa se conformar ou estar de
acordo com certas leis (quer dizer, ser também um legi-signo).

No entanto, há coisas ou fenômenos que se apresentam proeminentemente como simples qualidades e muito
pouco ou quase nada além delas. Essas coisas são predominantemente quali-signos. Justamente por serem
proeminentemente quali-signos são apenas quase-signos, visto que simples qualidades não têm nenhum poder de
referência. Mas exatamente por terem pouco ou nenhum poder de referência, as qualidades têm um alto poder de
sugestão. Quaisquer qualidades podem se assemelhar a quaisquer outras. Para isso, basta que elas pareçam
semelhantes para uma mente interpretadora. Ora, o reino das qualidades é o reino das correspondências, um reino
sem limites, nem regras, nem cerceamentos. Quando muito, o que pode haver é uma tendência das qualidades a se
organizarem em sistemas de leis. Assim são, por exemplo, as cores, ou o som. É em razão disso, por exemplo, que,
quando o ser humano faz música, ele apenas puxa a corda da natureza.

Sendo um quali ou quase-signo, algo só pode ser um ícone. Uma vez que uma propriedade monádica, como é
aquela das qualidades, é não-relacional, não fazendo referência direta a algo externo, mas apenas se apresentando na
sua talidade, tal qual é, o quali-signo que, na relação com seu objeto é um ícone, só pode se referir a algo externo em
virtude de caracteres que lhe são próprios e que ele possuiria de qualquer modo, independentemente da existência de
qualquer outra qualidade que possa ser semelhante a ele. É verdade que o quali-signo icônico só funciona como
signo quando essa semelhança é estabelecida. Contudo, não é a semelhança que faz do ícone o que ele é, mas apenas
a qualidade da aparência que lhe é própria.

Ora, quando encontram uma mente interpretadora, o efeito que qualidades estão aptas a produzir são efeitos
também qualitativos, quer dizer, são qualidades de sentimento, tão-só e apenas sentimentos, não necessariamente no
sentido de comoção corpórea, sensação física ou emoção codificada. Embora o sentimento possa ser acompanhado
por essas variações e complicações, quanto mais a qualidade for proeminente, mais ela tenderá a produzir meros
sentimentos desprendidos, suspensos no tempo e no espaço em grandes ou pequenas cápsulas fugidias de eternidade.
Cápsulas que aparecem com a mesma rapidez com que desvanecem, pois o ser humano está equipado para a
prontidão interpretativa, não podendo separar o sentir do pensar. Mesmo assim, no entanto, o máximo que
qualidades podem produzir como efeito intelectivo são comparações, hipóteses de semelhanças.

Parecem falar por si as relações íntimas da tríade acima com as condições de tudo aquilo que é chamado de
objeto estético, fato estético ou experiência estética. Aliás, uma das coisas que a lógica ternária da semiótica
peirceana apresenta de melhor é que essa lógica permite e exige que sejam tratadas de modo integrado as três mais
importantes questões com as quais a estética sempre se debateu, ou seja, 1. a questão do objeto estético em si (que,
semioticamente, de resto, passa a ser visto como “signo” estético, para evitar sua confusão com o termo “objeto”,
tecnicamente definido como aquilo a que o signo se refere ou a que o signo pode ser aplicado); 2. a questão da
referência, quer dizer, da relação que o signo estético mantém com tudo aquilo a que ele pode porventura se aplicar;
3. a especificidade do efeito ou interpretante característico que o signo estético está apto a produzir no intérprete.
Enquanto o exame do signo em si mesmo, dos seus caracteres, de suas qualidades proeminentes, envolve o que
costumeiramente é chamado de imanência, a relação signo-objeto permite entrever com base na imanência, a
objetivação ou contextualização do signo, isto é, as situações a que ele se reporta, os objetos a que ele se refere, ao
mesmo tempo em que ambos, signo em si e signo-objeto, permitem compreender os processos interpretativos pelos
quais o signo pode passar, quer dizer, por que o signo é capaz de produzir o efeito que ele está apto a produzir.

Organizam-se, desse modo, num caleidoscópio de relações triádicas, os conceitos - tais como unidade,
imediaticidade, suspensão dos sentidos - com os quais as teorias estéticas sempre trabalharam, sem conseguir
integrá-los coerentemente. Resumindo, portanto, são os caracteres próprios do estatuto eminentemente qualitativo do
signo estético que vão determinar as relações sempre ambíguas e indecidíveis que esse signo está fadado a manter
com seus objetos sempre apenas possíveis. E é essa ambiguidade, nas aplicações do signo a algo que está fora dele,
que é responsável pelo efeito de abertura interpretativa, impressão de unidade indiscernível na imediaticidade do
sentimento, que o signo estético preponderantemente produz. É por isso que, mesmo que um signo estético se refira,
à primeira vista, a algo externo, como pode acontecer numa pintura e, muito mais, numa fotografia, ou no cinema,
ou no vídeo, o que faz do estético aquilo que ele é, não é a referência, mas a ambiguidade dela. São as qualidades
intrínsecas do signo que se colocam em primeiro plano, pois, se assim não fosse, ele não estaria apto a produzir o
efeito de suspensão do sentido, ou desautomatização dos processos interpretativos entorpecidos pelo hábito,
suspensão esta responsável pela regeneração perceptiva, mudança de hábito de sentimento na qual se consubstancia
o efeito característico que faz desse signo o que ele é: estético. Não importa quão diferentes possam ser as teorias do
estético, em todas elas há sempre uma ênfase comum que é colocada justamente nessa questão do efeito
caracterizador do estético como tal. Sobre isso, Jorge Luis Borges (1899-1986) apresentou passagens admiráveis
(1976, p. 12 e 1983, p. 126, respectivamente):

A música, os estados de felicidade, a mitologia, as caras trabalhadas pelo tempo, certos crepúsculos e certos lugares querem nos dizer algo,
ou disseram algo que não deveríamos ter perdido, ou estão para dizer algo, esta iminência de revelação, que não se produz, é, talvez, o fato
estético.

Foi isso o que sempre ensinei, limitando-me ao fato estético, que não precisa de definição. O fato estético é algo tão evidente, imediato e
indefinível quanto o amor, o gosto da fruta, a água. Sentimos a poesia como sentimos a presença de uma mulher, uma montanha ou uma
baía. Se ela é sentida de imediato, por que diluí-la em outras palavras, que certamente serão mais frágeis do que nossos sentimentos?

Numa passagem bastante similar às de Borges e que, de resto, faz eco a um ponto de vista a respeito da
constituição do estético que não parece ter sido, em qualquer ocasião, refutado por nenhum daqueles que se
dedicaram à discussão do tema, Peirce afirmava (CP 5.132):

Então, não obstante minha incompetência nisso, a tarefa se me impõe de definir o esteticamente bom - um trabalho que muitos artistas
filosóficos já fizeram tantas tentativas de realizar. À luz da doutrina das categorias, pode ser dito que um objeto, para ser esteticamente bom,
deverá ter uma multiplicidade de partes, relacionadas umas com as outras de tal modo a conferir uma qualidade positiva, imediata e simples
à sua totalidade, e não importa, qualquer que seja o esteticamente bom, qual qualidade particular essa totalidade tenha. [Não importa] se a
qualidade é capaz de nos enojar ou assustar ou nos perturbar a ponto de nos colocar fora do humor próprio ao prazer estético, fora do humor
de simplesmente contemplar a corporificação da qualidade — do mesmo modo como, por exemplo, os Alpes afetavam os povos dos velhos
tempos, quando o estágio da civilização era tal que uma impressão de grande poder estava inseparavelmente associada com a apreensão
vívida e o terror — mesmo assim, o objeto permanece esteticamente bom, muito embora as pessoas nessas condições fiquem incapacitadas
para ter dele uma contemplação estética calma.

Entretanto, diferentemente de muitas teorias do estético, que se restringem à ênfase apenas no efeito
indiscernível que o objeto ou o fato estético são capazes de produzir no receptor, perfazendo o que vem a se
constituir naquilo que é chamado de experiência estética, a semiótica peirceana nos fornece elementos teóricos para
refletir sobre muitas outras características do estético, uma dessas características estando na mistura inextricável do
sentimento e da razão, da afecção não apenas sensível, mas também intelectiva que marca o estético com o perfil
que lhe é próprio. De resto, na contemplação estética, que se faz acompanhar do sentimento, misturado à afecção,
sensação e promessa de intelecção, estão indissoluvelmente atadas as três categorias. Era para essa inseparabilidade
das categorias que Peirce (CP 5.113) queria chamar atenção, quando fazia menção à simpatia intelectual ou
razoabilidade do sentimento que o efeito estético produz:

Mas é o prazer estético que nos interessa; não obstante seja um ignorante em Arte, tenho uma boa capacidade para o prazer estético; e
parece-me que, embora no prazer estético nós consideremos a totalidade do sentimento — e especialmente a Qualidade de Sentimento total
resultante que se apresenta na obra de arte que estamos contemplando — mesmo assim é uma espécie de simpatia intelectual, o senso de que
aí está um Sentimento que se pode compreender, um Sentimento razoável. Não sou capaz de dizer exatamente o que ele é, mas se trata de
uma consciência que pertence à categoria da Representação, embora representando algo da categoria da Qualidade de Sentimento.

Tal afirmação nos leva quase inevitavelmente a compreender a obra de arte como um tipo muito particular de
signo que é capaz de dar forma, encarnar qualidades de sentimento. Nada pode haver de mais vago, incerto,
indeterminado e impreciso do que qualidades de sentimento. A obra de arte seria aquela instância semiótica muito
rara, capaz de realizar a proeza de dar corpo e forma ao incerto e indeterminado. E ela assim o faz através do
exercício daquilo que Peirce intraduzivelmente chamou de Musement (“uberdade”), fonte da abdução que é
exercitada pela força meiga de uma razão aventureira, razão que se entrega à aventura, que brinca, razão lúdica.

É certo que está muito longe de existir em Peirce qualquer coisa semelhante a uma discussão específica ou uma
análise das complexidades do estético, tal como aquela que pode ser encontrada na terceira crítica de Kant e da qual,
como já foi mencionado, de passagem, Lyotard (1991) nos fornece uma versão analítica preciosa. São
multidimensionais, no entanto, os instrumentos que sua teoria de signos nos fornece para a formulação de uma
estética semiótica. Uma vez que a discussão aprofundada dessa questão seria capaz de atingir a extensão de um
outro livro, limito-me aqui a fornecer algumas pistas para serem seguidas e levadas adiante, quem sabe, por alguém
que se interesse por elas.

Parece, de fato, que a contemplação estética se produz na mistura inextricável das três categorias, envolvendo
elementos próprios ao sentir, à porosidade sensória do deleite (primeiridade), assim como ao esforço interpretativo
implícito na percepção, na observação entre distraída e atenta de um objeto (secundidade), além da promessa de
compreensão e assentimento intelectivo com que esse objeto nos acena (terceiridade). Mesmo que assim seja, a
teoria dos interpretantes de Peirce nos fornece elementos para perceber que, muito embora o signo possa apresentar
potencial para o advento de processos interpretativos multifacetados, densos e complexos, isso não significa que
esses processos tenham de realmente se efetivar quando o signo atinge o receptor. Ao contrário, dependendo do
receptor, o interpretante pode muito bem estacionar no nível puro e simples de uma qualidade de sentimento, sem
que o receptor seja levado à atividade mais combativa de realização de um esforço interpretativo, tendo em vista
responder ao aceno intelectivo do signo. É o que acontece, por exemplo, quando receptores não especializados
ouvem música. O interpretante pode perfeitamente permanecer no nível de um sentimento indeterminado, enquanto,
de outro lado, os especialistas são capazes de ir mais além e, sem perder a qualidade de sentir, chegar a atá-la à
compreensão intelectual da composição.

Entretanto, o mais importante da semiótica, como meio de compreensão do estético, não está apenas no elenco
variado de interpretantes que ela arrola, mas no exame das classes e misturas sígnicas que ela permite. O ícone, por
exemplo, que parece, de fato, poder ser eleito como o signo estético por excelência, não deve ser tratado à maneira
de um monólito como é comum acontecer. Se até mesmo o signo mais corriqueiro e habitual está longe de aparecer
em estado puro, o que dizer do signo estético, que é aquele que provavelmente leva o potencial de misturas sígnicas
à potência mais elevada? Pois bem, são essas misturas que a semiótica peirceana nos permite discriminar em
detalhes e variação de ângulos, tanto nas relações internas do signo, quanto na sua relação com o objeto e com o
interpretante.

Em síntese, a semiótica peirceana não é outra coisa senão uma teoria sígnica do conhecimento, original o
suficiente para incorporar promiscuamente ao conhecimento todos os elementos do sentir, da percepção, afecção,
emoção, ação, surpresa, dúvida e transformação. É essa promiscuidade que permite dar conta dos desafios que o
signo estético apresenta, oferecendo-nos meios para compreender, sob uma nova luz, conceitos que têm atravessado
séculos, entre os quais, a imediaticidade do efeito estético, a peculiaridade do sentimento por ele provocado, a
ambiguidade do signo, as imprecisões criativas das suas relações com o objeto e o contexto, e as inesgotáveis
potencialidades interpretativas que ele apresenta.

Se, de fato, há uma imediaticidade peculiar ao sentimento estético, à luz da semiótica como uma teoria da
mediação sígnica, essa imediaticidade nunca pode ser confundida com a mística de um efeito não mediado, pois a
qualidade de sentimento, que é a resposta mais imediata e primeira, pura e porosa que podemos ter das coisas já
funciona como uma fina película mediadora, como uma forma rudimentar de predicação. Se o efeito estético nos
envolve num sentimento à primeira vista não-cognitivo, a inseparabilidade das categorias nos faz ver que, longe de
se tratar aí de uma exclusividade do sentimento, trata-se, isto sim, de uma espécie muito peculiar de mistura
inextricável entre o sentir e o pensar que dá ao estético seu matiz característico. Entretanto, por mais que o efeito
estético seja preponderante, a ênfase que a semiótica coloca no signo em si mesmo não permite que se perca de vista
a objetividade do signo. É essa objetividade que possibilita a reflexão. Por mais que o sentimento prepondere, o
signo está lá, objetivamente lá, ao qual podemos sempre retornar tanto pela via de uma convivência calma e
continuada, quanto pela via da razão lúdica ou do esforço reflexivo.

Se o signo estético não tem um compromisso direto com o contexto, quer dizer, se ele não está explícita e
diretamente atado a uma causa externa, ele é, no entanto, o signo que mais intimamente se aproxima do real. Na sua
modalidade de quase-signo, entre ser signo, sendo coisa, o signo estético é raro porque é o único tipo de signo que
arranha o impossível do real. Por ser o mais fictício de todos os signos, muito mais atrelado às suas próprias
determinações internas do que às externas, ele é, no entanto, o mais revelador, porque na sua ambiguidade é capaz
de flagrar o cerne da realidade, lá onde o ambíguo e o indeterminado fazem sua morada. Essas são, enfim, algumas
das questões que uma estética semiótica de linha peirceana deixa entreabertas, reclamando por explorações mais
cuidadosas.
NOTAS FINAIS

O título “Notas Finais”, em lugar de conclusão, é fiel ao espírito do que será aqui brevemente desenvolvido. Não
se trata de concluir. Isso seria ilusório, dadas as inúmeras possibilidades de rotas de aprofundamento que se abriram
no decorrer deste trabalho, desde, por exemplo, o estudo comparativo da estética peirceana com as estéticas
filosóficas legadas pela tradição ou com a de qualquer outro filósofo, ou ainda, de outro lado, a comparação das
estéticas semióticas com a peirceana, até a relação mais detalhada da estética e da semiótica de Peirce ele mesmo.

Uma vez que os capítulos foram pontilhados, aqui e ali, de algumas considerações mais generalizantes, a
finalidade destas notas é a de complementar esses pontilhamentos, sintetizando as principais ideias e marcando, com
um pouco mais de ênfase, o teor da contribuição que Peirce trouxe para o tema e a relevância atual dessa
contribuição.

Antes de mais nada, devo confessar que, cada vez mais, tenho perdido a noção da medida em que meus trabalhos
apresentam uma fidelidade estrita às palavras e ao pensamento de Peirce. É evidente que fidelidade completa não
existe. É a própria semiótica, de resto, a primeira a nos evidenciar que toda leitura e toda interpretação é
inalienavelmente um processo de tradução. Há, consequentemente, sempre uma distorção, para piorou para melhor,
avanços ou recuos, um pouco de verdade e um pouco de mentira em qualquer interpretação da palavra do outro.
Entretanto, o que estou tentando colocar aqui em discussão não é uma concepção ingênua de fidelidade, mas o fato
de que, quando convivemos, por muitos anos e muito intimamente, com a obra de um autor, chega-se a um
determinado ponto nessa convivência em que se instala um grau de familiaridade e cumplicidade tal com o
pensamento do outro que já não somos mais capazes de marcar os limites — se é que isso, em qualquer momento,
seja possível — entre onde começam as ideias que são nossas e não do outro, até onde o outro, de fato, chegou a
formular aquelas ideias e em que medida somos nós que estamos afirmando a partir de um lugar onde não havia
originalmente senão sugestões e indícios.

Enfim, quando paramos de meramente ler um autor para começar a adivinhar os desígnios do seu pensamento?
No caso de Peirce, isso se dá de forma muito acentuada, tendo em vista as condições quase calamitosas de
desagregação física da obra que ele deixou para a posteridade, o que tornou o acesso a ela uma experiência
inevitavelmente fragmentária. Bernstein (1990, p. 196) pondera com muita justeza que “envolver-se em diálogo
crítico com Peirce exige não somente pensar através do que ele diz, mas pensar além do que ele fala”. Isso é,
verdadeiramente, o que aconteceu neste livro, onde grande parte das ideias expostas não veio diretamente de Peirce,
mas foi inferida, deduzida — e por quê não? — quase adivinhada a partir de Peirce.

Numa breve síntese, sua estética pode ser vista, conforme já foi mais ou menos claramente discutido, sob pelo
menos três aspectos, ou melhor, dois aspectos, sendo que o primeiro deles se subdivide em dois níveis. Tal como ele
a concebeu explicitamente, ela é uma disciplina filosófica que tem por função determinar qual é a meta suprema da
vida humana, uma meta para ser adotada deliberadamente, sem nenhuma imposição de nenhuma espécie. Ora, para
ser uma adesão livre, deve ter por finalidade um estado de coisas que se auto-recomenda independentemente de
qualquer consideração ulterior. A pista para encontrar algo tão raro, Peirce foi buscar no kalós grego, algo que toda
alma vagamente deseja e muito mais vagamente percebe — um ideal admirável, tendo a única forma de excelência
que uma ideia desse tipo pode ter: a excelência estética.

Mas qual é afinal esse ideal? Não levou muito tempo para ele ser definido como sendo a essência da razão em si
mesma. Faz parte dessa essência a sua incompletude inelutável. É como a personalidade de uma pessoa, dizia Peirce,
que consiste nas ideias em que ela vai acreditar e, com base nessas crenças, não importa quão imprecisas elas sejam,
essa pessoa vai agir e produzir, fazendo suas ideias se desenvolverem nos momentos em que as ocasiões
efetivamente surgirem (CP 1.615). Quando essas ideias estarão plenamente, completamente realizadas? Nunca. É
mais ou menos em função disso que a morte de todo ser humano, por mais tardia, sempre parece precoce. Assim é a
razão. Sua essência é nunca estar completa. E suas realizações parciais, cabem a nós desenvolvê-las, fazê-las
crescerem.

Entretanto, uma coisa é se aspirar, com maior ou menor intensidade, a uma meta, outra coisa é se adotar e se
empenhar deliberadamente na concretização dessa meta. Peirce estabeleceu essa diferença quando concebeu a ética
como um ato voluntário para a realização do ideal. Mas uma coisa é ter um ideal individual, autocentrado, outra
coisa é cultivar e se empenhar em ideais cujas finalidades não se esgotam em qualquer indivíduo, não importa o
montante de importância que esse indivíduo possa se dar, ou que os outros, por um motivo ou outro, podem lhe dar.
A razão, como processo dinâmico, cujos fins nos são ocultos, mas que, não obstante, dependem de nós, de cada um
de nós, para serem configurados e atingidos, é, para Peirce, o ideal Supremo da vida humana. Na sua metafísica, ele
viria a ligar a lei da razão com o agapismo, a lei do amor evolutivo. O amor como o sentimento que dá ocasião para
a razão se corporificar. É assim que um cientista se apaixona por uma ideia, uma tenra ideia, ainda sem força, que
ele passa a cultivar, a cuidar dela como cuidamos de flores, sem nenhuma outra expectativa a não ser a de que elas
nos respondam com vida. Embora soe instigante, continuar no caminho dessa ideia levaria estas notas finais para
direções imprevistas.

Segundo Bernstein (1990, p. 199), a concepção peirceana do admirável é um amálgama do Bem platônico com
aquilo que Kant entendia por ideias reguladoras da razão. Contudo, além do fato de que, para Peirce, o ideal está
sempre em processo de transformação, um outro ponto de sua originalidade está em que o ideal não tem a referência
do seu desenvolvimento numa meta traçada pelo Absoluto, mas é adotado por um agente pela mediação de um
hábito de sentimento o qual, através de seu caráter de determinação eficaz, modificará a ação do agente em função
desse ideal. Com maior originalidade ainda, Peirce acrescentou que esses hábitos de sentimento, através dos quais
aderimos ao ideal, estão sujeitos ao autocontrole e à autocrítica, esta, por sua vez, sujeita à heterocrítica. Os ideais se
desenvolvem, são corrigidos (Potter, 1966, p. 28-29). Modificam-se no tempo, pois, se assim não fosse, a
razoabilidade não poderia crescer.

Numa integração harmônica e dinâmica das faculdades humanas — pensamento (autocrítica), ação
(autocontrole) e sentimento (atração pelo ideal) — atadas num único nó, ao mesmo tempo em que a irredutibilidade
de cada uma é garantida, as ciências normativas têm por finalidade estudar essa integração. A lógica é o estudo dos
meios de atingir a meta do pensamento. A princípio, Peirce considerou a ética como responsável pela definição
dessa meta. Depois viu com mais clareza que é à estética que cabe essa determinação, sendo a aquisição de hábitos e
a mudança de hábitos de pensamento, ação e sentimentos, através do autocontrole e da autocrítica, aquilo que efetiva
essa determinação.

Toda ação tem um motivo: mas um ideal só pertence a uma linha de conduta que é deliberada. Dizer que a
conduta é deliberada implica que cada ação, ou cada ação importante, é revista pelo agente à luz do julgamento se é
desejável que sua conduta futura seja modificada ou não. Seu ideal é a espécie de conduta que o atrai para essa
revisão. Sua autocrítica, seguida por uma resolução mais ou menos consciente que, por sua vez, excita uma
determinação do seu hábito, modificará, com a ajuda da sequela, uma ação futura, mas não será, de um modo geral,
uma causa impulsionadora da ação. É quase uma disposição puramente passiva para um modo de fazer o que quer
que ele seja levado a fazer. Embora isso afete a sua própria conduta e a de mais ninguém, a qualidade de sentimento
(pois não passa de uma mera qualidade de sentimento) é a mesma, quer sua conduta ou aquela de uma outra pessoa,
real ou imaginária, seja o objeto do sentimento, quer ela esteja conectada com o pensamento de qualquer ação ou
não. Para a conduta ser cuidadosamente deliberada, o ideal deve ser um hábito de sentimento que cresceu sob a
influência de um curso de autocrítica e heterocrítica; e a teoria da formação deliberada de tais hábitos de sentimento
é o que deve ser significado por estética (CP 1.574).

Esse é, assim, o primeiro nível do primeiro aspecto da estética, a teoria da formação deliberada de hábitos de
sentimento em função de um ideal de razoabilidade concreta cuja criação e crescimento depende da pequena função
de cada um de nós, no sentido de tornar o mundo mais razoável, sempre que nos cabe fazê-lo (CP 1.615).

O segundo nível, ainda do primeiro aspecto da estética filosófica, nível este que Peirce apenas sugeriu, sem
chegar a desenvolver, caracteriza-se como uma determinação especial do primeiro nível, sendo, por isso mesmo,
menos abstrato do que este. Tem por objetivo estudar os fenômenos na sua primeiridade, quer dizer, estuda tudo
aquilo que permite promover o ideal estético, transformando, desenvolvendo, transformando outra vez, e
interminavelmente hábitos de sentimento. É nesse nível que são estudados os princípios que governam a produção e
recepção de objetos estéticos. Embora não seja privilégio exclusivo da arte, uma vez que há inumeráveis fenômenos
estéticos, não necessariamente artísticos, que são capazes de incitar o autocontrole para a criação de novos hábitos
de sentimento, os produtos artísticos são privilegiados porque, de um modo geral, têm como finalidade prioritária
exatamente a regeneração da sensibilidade perceptiva, no intercâmbio e integração que promovem entre a razão, o
esforço e o sentimento.
O segundo aspecto da estética peirceana não foi diretamente sugerido por Peirce, mas pode muito bem ser
inferido a partir do que ele nos legou. Tanto pode que, conforme foi desenvolvido no Capítulo 10, um grupo de
comentadores dedicou-se exatamente à tarefa de refletir sobre qual poderia ser a natureza de uma estética baseada na
teoria geral dos signos. Sendo a semiótica a teoria de todos os tipos possíveis de signos, entre esses tipos estão
certamente aqueles que poderiam ser considerados como signos estéticos por excelência. Uma tal exclusividade é
altamente discutível, visto que aquilo que deve mais presumivelmente existir são certas misturas privilegiadas de
signos, e não um único tipo especial de signo estético. De qualquer modo, a ideia de uma teoria especificamente
estética poder ser inferida da semiótica faz muito sentido.

De fato, poucas teorias estão tão bem equipadas para pensar os desafios e sutilezas da experiência estética e das
produções artísticas em geral quanto a semiótica peirceana, em primeiro lugar, porque ela está fundada sobre uma
fenomenologia não-racionalista, não-logocêntrica, que leva em consideração toda e qualquer experiência, desde o
sentimento mais tenro e o pensamento mais incerto até uma ideia abstrata, tanto quanto possível precisa e altamente
elaborada da ciência, sem excluir a faticidade dos nossos encontros concretos com o mundo, faticidade esta
considerada e integrada dentro de uma teoria da percepção rica e complexa. Em segundo lugar, e consequentemente,
porque se trata de uma semiótica que faz um mergulho em profundidade no universo dos signos, o que lhe dá um
grande poder discriminatório para a análise de processos sígnicos das mais diversas espécies, e nos mais variados
graus de misturas. Além disso ainda, porque foi dentro da semiótica que se deu o nascimento do conceito
originalíssimo de abdução, o quase raciocínio responsável por todas as descobertas e iluminações humanas, cujos
processos são imprescindíveis para a estética, tanto do ponto de vista da produção quanto da recepção de fatos e
objetos estéticos, ou melhor, de signos estéticos, para sermos mais fiéis à letra e ao espírito da semiótica de Peirce.

Uma estética semiótica de linhagem peirceana é, aliás, perfeitamente pensável não só pelas razões acima, mas
porque, de uma certa forma, ela estava prevista na concepção pragmática que Peirce tinha das ciências. Quer dizer,
nenhuma ciência é suficiente em si mesma, nem tem sentido em si mesma, sua natureza só podendo se expressar
através dos tipos de relações que ela mantém com as demais. Uma constante dessas relações está no fato de que as
ciências mais abstratas fornecem princípios para as menos abstratas e as menos abstratas fornecem dados para
aquelas.

Assim sendo, a fenomenologia e a estética, por exemplo, fornecem seus princípios para a semiótica, e esta lhes
abastece com os seus dados, no caso as definições e tipologias de signos. Enfim, abastece com a compreensão dos
modos de significar, denotar e conotar dos signos, além dos diversos graus de interpretação que eles podem gerar,
sem esquecer os desígnios da ação humana, tendo sua mediação nos signos. Um indicador flagrante da interação
indissolúvel entre a estética o a semiótica está, só para ficarmos em um único exemplo, no papel desempenhado pelo
interpretante lógico último ou mudança de hábito, estudado dentro da semiótica, para a definição do ideal supremo
da estética, o crescimento da razoabilidade.

Nesta época em que vivemos, de colapso dos ideais, de apologia da multiplicação etnológica e ideológica dos
discursos e dos vocabulários, época que alimenta um certo tédio e até mesmo desprezo e ironia contra qualquer
pretensão de universalidade dos conceitos, a estética filosófica peirceana pode, e sem dúvida deve, para alguns
ouvidos, soar como uma luta obsoleta pela defesa de pressupostos fundamentais universalizantes. Há pelo menos
duas questões que devem ser levadas em consideração aí.

Se a estética filosófica de Peirce parece soar como pré-nietzscheana e pré-heideggeriana, no abandono que estes
promoveram de qualquer epistemologia e metafísica, é preciso levar em conta que Peirce foi o primeiro a descartar
essas duas palavras e os significados que elas carregaram através dos séculos. Não há dúvida de que, nele, ainda se
mantém a busca de ideais universais, mas dentro de uma moldura diferencial daquela do passado. Para ele, a
universalidade dos valores e da verdade não se legitima ao nível do Absoluto, nem a história é um meio de ascese a
esse Absoluto. Ao contrário, nada pode estar além das relações que os homens entretêm pela mediação dos signos. A
palavra “princípios”, no contexto peirceano, não quer dizer base confiável para um conhecimento claro, indubitável
e seguro. Ele não desconstruiu o cartesianismo a partir de fora, como outros filósofos modernos fizeram, mas o
desconstruiu a partir de dentro. “Princípios” significa, assim, tão só e apenas conceitos mais abstratos, e sempre
falíveis, que podem servir de base para conceitos menos abstratos, e que só são utilizados, tanto uns quanto outros,
na medida mesma em que não foram ainda refutados ou transformados.

A outra questão diz respeito ao segundo aspecto da estética, o de uma estética semiótica, inferida dos escritos de
Peirce, a qual, por ter um caráter apenas analítico, estaria à margem da crítica aos ideais. Não estaria, no entanto,
livre da crítica à universalidade, visto que se trata de um aspecto que se baseia em conceitos tomados como
universais, tanto quanto, dentro dos pressupostos do falibilismo peirceano, os conceitos podem ser universais.
Embora seja necessário, no contexto de um outro tipo de discussão, levar adiante as considerações acima, fazê-lo
agora só nos conduziria para bem longe destas notas finais. Cumpre, portanto, para reatar o fio que conduz à rota de
chegada, retomar algumas ideias que ficaram vagando pelo caminho.

A estética de Peirce, sob qualquer ponto de observação, tem um caráter bastante diferencial em relação às do
passado. Tendo demolido os dois alicerces fundamentais — a beleza e o prazer — o casal perfeito que, durante
séculos, serviu de apoio às estéticas filosóficas, diferentemente de outros filósofos subvertores que só ficaram na
demolição, Peirce reconstruiu cuidadosamente um edifício filosófico para, segundo ele, poder ser habitado por um
tempo mais longo do que o edifício hegeliano foi habitado. Isso não significa que não sejam encontrados em Peirce
ecos ou traços de muitos outros filósofos, com a exceção, talvez, de Descartes, o qual ele estava perto de abominar.
Mas isso não deve passar, no fundo, de uma forma de também demonstrar respeito. Tanto é assim que o diálogo com
Descartes ocupou anos do seu pensamento e muitas páginas daquilo que sua obra apresenta de mais relevante. Nessa
medida, Descartes também fez eco em Peirce, nem que seja um eco pelo avesso.

Numa amostragem muito ligeira e a passos largos de uma constelação entre outras possíveis, pode-se dizer que,
de Platão, Peirce extraiu a atração pelos ideais e pelo amor como aquilo que dá ocasião para a aparição e adesão a
esses ideais. Diferentemente de Platão, os ideais não são estáticos, eternos e imutáveis, mas sujeitos ao acaso, à
variedade e ao crescimento, estando expostos, para isso, às vicissitudes e, até mesmo, às brutalidades do real. De
Aristóteles e dos escolásticos, absorveu a paixão pela destilação analítica da lógica e dos conceitos, tendo herdado
de Aristóteles, transformando-o, um dos conceitos mais originais do seu pensamento, o de abdução. Do iluminismo,
ele trouxe o interesse na compreensão dos processos mentais, utilizando com desenvoltura, num quadro conceitual
totalmente renovado, as três faculdades da mente humana — pensamento ou entendimento, vontade ou desejo e
sentimento. De Kant, ele herdou a obstinação pela organização arquitetônica dos conceitos, assim como a defesa dos
valores da razão. Mas, enquanto Kant via as condições de possibilidade do conhecimento como sendo operações
categoriais da nossa consciência, para Peirce, o conhecimento só pode se dar pela mediação de signos, internos e,
especialmente, externos. Somos nós que estamos nos signos e não eles em nós, de modo que a noção de consciência
e subjetividade, dominante desde os iluministas, é subvertida pela primazia da linguagem como fator paradoxal de
alienação, mas, simultaneamente, de presentificação do mundo.

Quanto a Hegel, segundo suas próprias palavras, Peirce ressuscitou numa roupagem estranha. O que Hegel
chamou de dialética, ele chamou de continuidade, ou seja, processos de mudança e crescimento proporcionados por
mediação. Mas, enquanto Hegel teve de recorrer ao Absoluto para encontrar uma escora e um telos para as
mudanças, Peirce viu na mudança a essência inalienável da própria razão, que, sem perder nunca a interação com os
fatos brutos do mundo, está sempre em estado de incompletude, num processo cujo fim está permanentemente em
aberto. Em qualquer ponto em que estejamos desse processo, só podemos saber que estamos em um ponto qualquer
do meio do caminho. Nem por isso pode-se estar livre da responsabilidade ética para com a verdade, visto que os
signos são falíveis, e o ser humano, como signo que é, também é altamente falível, mas passível de autocorreção. A
esperança de que as investigações, quando levadas suficientemente longe, chegarão, eventualmente, a se autocorrigir
é a única garantia que temos de que algo da verdade, que está sempre em processo, pode ser atingido.

As possíveis correspondências de Peirce com a contemporaneidade são evidentes devido ao privilégio que as
questões da linguagem ganharam no seu pensamento e que vieram se tornar a nota dominante na filosofia do século
XX. Questões cujas origens são em geral imputadas a Wittgenstein ou tomadas como reserva privilegiada do pós-
estruturalismo foram fartamente discutidas por Peirce em incansáveis variações de ângulos. O aspecto mais
relevante da sintonia de Peirce com a contemporaneidade, conforme já sugeri em outro trabalho (Santaella, 1993),
está no fato de que ele inaugurou uma nova teoria do conhecimento, ou, melhor dizendo, uma teoria sígnica do
conhecimento, como quer K. O. Oehler (1979), tão radicalmente distinta daquela que a tradição filosófica nos legou
que é a única teoria do conhecimento de que se tem notícia, que não é incompatível com a descoberta freudiana do
inconsciente. Sem abdicar da confiança na razão, Peirce relativizou essa confiança frente às determinações de forças
enigmáticas que a razão está longe de poder controlar, dominar e muito menos compreender.

Em meio a esse quadro, sem dúvida delineado com bastante grosseria de traços, há apenas dois filósofos, aliás,
quase filósofos, com cujas concepções a estética peirceana poderia ser aproximada. São eles: Schiller e Friedrich
Ernst Daniel Schleiermacher (1768-1834). De acordo com Bowie (1990, p. 146-175), a obra sobre estética e
hermenêutica, deixada por Schleiermacher, foi ignorada ou muito prejudicada por leituras e avaliações equivocadas,
o que significa dizer, segundo ele, que a apreciação dessa obra, que foi feita, por exemplo, por Gadamer em Verdade
e método (1977), necessita de revisão radical. Schleiermacher foi o primeiro filósofo a impulsionar o “giro
linguístico”. Embora enraizado na tradição idealista alemã, sua atenção à linguagem o conduziu para insights que
transcendem a moldura idealista. Ele não acreditava na habilidade da filosofia para articular o Absoluto. Absoluto,
Unidade mais elevada, Identidade do Ideal e do Real eram, para ele, esquematas. Sua inclinação para a práxis e a
afirmação de que, em todas as áreas do conhecimento, não se parte senão de princípios arbitrários antecipam muitas
das formulações wittgensteinianas.

Embora tenha dado a elas uma interpretação renovada, foi da escola de Schleiermacher que Peirce extraiu a
noção de que estética, ética e lógica são ciências normativas, tendo o termo normativo, em verdade, sido inventado
por essa escola. Há, contudo, várias noções, também originadas em Schleiermacher, que foram encontrar eco em
Peirce. Analogias podem ser encontradas, antes de tudo, na importância dada à linguagem como mediação
intransponível e na concepção do pensamento como atividade. Schleiermacher foi o primeiro a sugerir que uma
dialética adequada não poderia dispensar uma teoria da descoberta. Peirce seria, mais tarde, o grande inventor dessa
teoria.

No que diz respeito à estética, as semelhanças entre ambos aparecem quando se focaliza o segundo nível do
primeiro aspecto da estética peirceana, quer dizer, o nível em que a estética leva em conta os objetos considerados
simplesmente na sua presentificação, considerando aquelas coisas cujos fins são os de corporificar qualidades de
sentimento. Para Schleiermacher, a arte como produto da liberdade humana é o objeto próprio da estética. Em
Peirce, a relação da arte com a liberdade é um bocado mais complexa. Entre as coisas que têm por finalidade
corporificar qualidades de sentimento, destacam-se certamente as obras de arte. A exposição a elas proporciona a
transformação de hábitos estereotipados de sentimento e a criação de novos hábitos de sentir capazes de levar ao
cultivo do admirável. A adesão deliberada ao ideal daquilo que é admirável sem nenhuma razão ulterior dá
expressão máxima à liberdade humana.

Mais próximas do que as de Schleiermacher são as analogias de Peirce com Schiller, assunto que Jeffrey
Barnouw (1988) estudou em profundidade. Para este, a concepção peirceana da estética, como uma disciplina
voltada para a formação deliberada de hábitos de sentimento que deveriam governar nossas respostas, nossa
prontidão para agir de certos modos em certas circunstâncias, foi moldada pela noção schilleriana da educação
estética como cultivo da capacidade de sentir. Embora Peirce, desde a adolescência, muito provavelmente não tenha
nunca mais relido Schiller, em 1906, ao indicar os nomes dos autores de quem seu novo pragmatismo recebera
influências, deu relevo ao nome de Schiller, como se segue:

O Pragmatismo faz o pensamento consistir no metabolismo inferencial vivo dos símbolos cujo propósito repousa nas resoluções condicionais
gerais para agir. Quanto ao propósito último do pensamento, que deve ser o propósito de tudo, isto está acima da compreensão humana; mas
de acordo com o estágio de aproximação que meu pensamento fez disso — com a ajuda de muitas pessoas, entre as quais devo mencionar
Royce (no seu O mundo e o indivíduo), Schiller (nas suas Adivinhações da esfinge), assim como, aliás, o famoso poeta (nas suas Cartas
estéticas) Henry James, o velho (no seu Substância e sombra e nas suas conversações), junto com Swedenborg ele mesmo —, é através da
replicação indefinida do autocontrole sobre o autocontrole que o devir é engendrado, e pela ação, por meio do pensamento, um ideal estético
cresce (...) Esse ideal, ao modificar as regras do autocontrole, modifica a ação, modificando a experiência também — tanto a do próprio
indivíduo quanto a de outros, e este movimento centrífugo se liga a um novo movimento centrípeto, e assim por diante (CP 5.402).

Mencionando especificamente a tragédia, Schiller afirmava que só quando a arte atinge seu efeito estético mais
elevado é que ela pode ter qualquer influência benéfica sobre a moral; mas ela só pode atingir esse efeito estético
mais elevado através do exercício de uma liberdade completa. A palavra “estética” era usada por ele num sentido
capaz de recuperar a sensorialidade, a sensação, ambos os termos se referindo ao reino do sentimento. Não se
tratava, contudo, de um sentimento reduzido a si mesmo, mas de um sentimento mediador ou integrador da sensação
e da razão, um sentimento que é produzido por meio de um conceito. Quando o prazer advém de uma representação
mental ou reconhecimento de uma concordância ou propósito, ele é livre e ajustado para ser estético. Só aquele
estado, na constituição humana, em que razão e sensorialidade, dever e inclinação, o ativo e o passivo se
harmonizam pode originar a beleza do jogo e assim satisfazer o sentido estético (Barnouw, 1988, p. 615-619).

São evidentes as analogias com Peirce nos argumentos acima sobre a necessidade de um concerto das faculdades
humanas, mais especialmente, no apontamento do sentir como meio de integração entre a razão e a sensação, que
caracteriza o estético. Mas, antes de tudo, foi na noção de disposição estética que Schiller quase antecipou o original
conceito peirceano de hábito, sem o qual não há como compreender a estética deste último. Para completar as
analogias, cumpre mencionar a importância que foi dada por ambos à liberdade no contexto da estética.

A partir disso, pode-se afirmar com alguma segurança que, embora Schiller, de fato, tenha antecipado vagamente
muitas das ideias que seriam mais plenamente desenvolvidas por Peirce, foi este quem criou para Schiller
exatamente a moldura conceitual, liberada das amarras kantianas, que ele tanto buscara, sem ter tido condições de
realizar por si mesmo, Certamente, se Peirce tivesse levado a efeito só essa empresa, já não seria pouco. Mas está
apenas nisso a relevância de sua estética?

No seu belo e instigante artigo “A Sedução do Ideal” (aquele mesmo que funcionou como fisgamento tão
intenso, no seu início, e tão pouco abrandado, no decorrer dos anos, ao ponto de conduzir minhas ações até a feitura
deste livro), R. Bernstein (1990) faz uma crítica bastante ponderada da estética peirceana. Não obstante sua
admiração pela coragem especulativa de Peirce, ele questiona se, enfim, há razões para acreditarmos na pertinência,
ou mais ainda, na mera existência de ciências normativas, especialmente porque Peirce, ele mesmo, disse muito
pouco, não indo nada além de obscuras sugestões sobre os procedimentos e métodos de investigação a serem
empregados por um tal tipo de ciência. Anterior a esse questionamento, contudo, aparece um outro, ainda mais
crucial: é possível se pensar em um summum bonum, um ideal supremo válido para toda a humanidade,
independente das infinitas variações de tempo, espaço, história, raça, cor, credo, gênero, independente enfim de
todas as contradições antagônicas (contradições de classe) e as contradições não-antagônicas (vida-morte, amor-
ódio, velho-novo, macho-fêmea...)?

Para responder a essas questões, os ventos, evidentemente, não têm soprado a favor de Peirce, desde sua morte
até os nossos dias. Tanto é assim que a resposta negativa às perguntas acima vem tão imediatamente que parece
dispensar o tempo a ser gasto em qualquer reflexão mais demorada sobre o assunto. De fato, a moda epistemológica,
desta segunda metade do século, é a da não-epistemologia, moda que só tem se acentuado nestes últimos anos: a dos
pontos de vista iconoclastas, da negação sumária de quaisquer fundações, vindo com esta a negação, muitas vezes
irônica e até mesmo cínica, de toda e qualquer espécie de universalismo, fundamento, princípio, categorização,
ideal, em suma, a negação de todos os gerais, em prol da apologia do singular, relativo, das multiplicidades, enfim.

Apesar das dificuldades que as posições defendidas por Peirce, com toda certeza, apresentam para nós
atualmente, após os questionamentos necessários, Bernstein defende, no seu texto, que Peirce estava “lutando com
uma questão crítica — questão essa que continua nos perseguindo até hoje”. Bernstein enfatiza o verbo “lutando”
porque, quando entendemos essa luta, podemos compreender mais profundamente o que Peirce estava tentando
articular.

Antecipando e, na realidade, inspirando aquilo que estaria no cerne do pensamento de Jürgen Habermas e
mesmo de Karl Otto Apel, Peirce queria se colocar na defesa apaixonada do poder “teimosamente transcendente”
(no dizer de Habermas) de um ideal de razoabilidade concreta que, “embora já seja sempre antecipado, não pode
nunca ser completamente e definitivamente realizado”(...). “Peirce sabia”, continua Bernstein, “que podemos
fracassar e podemos trair esse ideal de diferentes maneiras. Mas podemos nos abrir para ele e nos empenhar
resolutamente para favorecer seu crescimento”.

De fato, o significado da palavra “normativo”, no novo contexto que Peirce abriu para ela, é bastante paradoxal,
visto que desemboca no ideal mais aberto e libertário. Não há nenhuma regra, nenhuma norma, nem rígida nem
mesmo flexível, que possa servir como critério suficiente para determinar, em qualquer momento que seja, qual é o
conteúdo efetivo do ideal da razoabilidade. Mesmo assim, não se trata de um ideal vazio ou vão. É algo por cuja
qualidade qualquer ser humano, em condições relativamente normais de saúde psíquica e física, se sentirá
naturalmente atraído. Não correspondendo a um estado definido de coisas, a razoabilidade funciona como uma
promessa. Quando Peirce nos diz que “a única coisa que é realmente desejável, sem razão para o ser, é apresentar
ideias e coisas razoáveis” (apud Bernstein, 1990, p. 203), ele estava deixando a questão em aberto para mostrar que
nosso questionamento acerca do razoável nunca pode cessar, o que funciona como um convite para aderirmos a esse
questionamento, fazendo da razoabilidade uma promessa operativa.

Peirce conhecia, mais do que ninguém, a intensidade com que a razão, a partir de forças que estão dentro dela
mesma, pode ser fragilizada, tanto pelas poderosas tendências irracionais que a viram pelo avesso, quanto pelos
perigos sempre iminentes de sua falsa concretização nas mais variadas formas da razão instrumental. É em função
disso que ele pensou ser tão vital nos empenharmos resolutamente na realização da razoabilidade concreta, tornando
o mundo mais razoável sempre que nos cabe fazê-lo. Como participantes ativos, na criação do universo, podemos
nos tornar receptivos à sedução desse ideal, cultivando hábitos críticos coletivos de autocontrole reflexivo. Não há,
no ser humano, riqueza maior do que a do autocontrole, que é conseguido através da autocrítica, esta, por sua vez,
atingida através da heterocrítica. Ora, o autocontrole, em última instância, depende de uma comparação das nossas
ações com um ideal admirável por si mesmo, independente de qualquer outra coisa que não seja ele mesmo. Nisso se
constitui a razoabilidade concreta.

Bernstein termina seu texto dizendo que, mesmo se hoje ouvimos as ideias de Peirce com um ceticismo
saudável, ainda podemos sentir a atração e escutar o chamamento que ressoa no apelo apaixonado para nos
dedicarmos à materialização do ideal de razoabilidade concreta em nossos hábitos críticos de pensamento, ação e
sentimento, o que significa continuar no questionamento do significado desse ideal. Peirce dizia que “aquilo que
deve ser encorajado é meditação, reflexão, devaneios (sob controle) em relação a ideais”. Mas, neste ponto, ele
repentinamente se interrompeu para exclamar: “Oh, não, não, não! Ideais é uma palavra fria demais. Quero dizer
aspirações apaixonadas e admiradas...” (MS 675, p. 15-16).

Se é certo que exclamações apaixonadas podem soar com uma veemência imprópria, neste tempo blasé que
estamos atravessando, é certo também que já se faz ouvir a necessidade da busca de um ponto de equilibração entre
os extremos generalizantes do passado e os extremismos relativistas do presente. Então, quem sabe, a luta
apaixonada e impetuosa de Peirce possa encontrar ouvidos mais abertos e atentos para a sua escuta.
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