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EDUCACAO an | Escota & DEMOCRACIA CUS CMe ST ee OCT Este livro se propée a atingir dois objetivos: refle- Pee eet tee eter CORE RRs es Re a eae Re ete ee eee ccs Roa Oe TRUSTE Cet One te ORO CORR Reo ea) Coen ren ene CUM mon Ws rele CROCE Re OMe eos Sree Mee MSle octet Re en Ce een eee RM cert ae RS Cerca Pee een nce Rect Pete OR Cae Reco Man eer ree es CtCsTg tem sr eee ee Teo St te) Crrteartar Ren ere * Magistério Oe guerra Cesc Se atere I EpUCAGAO EM PAUTA- Escoia & DEMOCRACIA S[k) 4 oe CTS SLAC ee CON an DEMOCRACIA E PARTICIPACAO ESCOLAR PROPOSTAS DE ATIVIDADES J Dna TN Educaco em Pauta: Escola ¢ Democracia A série Escola e Democracia publcaritabalhos que tém como objetivo construcio de uma realidad escolar mis democritca contemplam: + a construgio de relagbesintepessoais democrticas + a transormacio dos contetidos escolares + a reesirataigio do espagoe da institugio escolar + a consteugio da cdadanin JOSEP H. PUIG * ANNAN. NOVELLA SUSAGNA ESCARDIBUL + XUS MARTIN DEMOCRACIA E ParTicipacdo ESCOLAR PROPOSTAS DE ATIVIDADES ‘Tradugio: Maria Cristina de Oliveira Coordlenacao € revisio técnica: Ulisses F Arautjo Errors MODERNA Sill eon penne tence aay Cereb peri vemoe eons ~ Dale ita tg lenis OF ‘eno benisedotie, bent Ind pr ee sient: saN 8516027190 ‘da payee iu prgue eeond (© Borrow Mopuexa Loa, 2000 Sumario Intropucio, 9 ‘A Parriciracao Na EscoLa, 15 Aproximaguo a educagao moral, 15 CO que entendemes por educacto moral, 17 Vias escolares da educagio moral, 18 Via pessoal, 18 Via curtcular, 20 Via insiucional, 20 Por que uma escola democratica?, 22 O que € uma escola democrética?, 25 Valores e préticas em uma escola democratica, 28 ‘Valores para uma escola democratica, 29 Priicaspedagéeicas para uma escola demacritica, 31 A patticipacio como dislogo e a¢do cooperativa, 32 Espacos de ditlogo, 33 Espacos de aco coopera, 34 Didlogoe acto cooperatva como tomadade consciencia, 35 “Trabalho escolar, convivénciaeatividades de integragao, 36 Pensat e regular oabalho escolar, 37 Pens eregulara convivénca escolar, 38 Pensate regular satvidades de intgraczo escolar, 38 Os Esracos be Constauco pe una Esco Dewocratica, 41 Intervenco centrada nos sujetos, 41 ‘A formacto da personalidade moral, 42 ‘Atutora como uma relaco intrpessal, 46 Como se prepara urna entrevista, 49 Auividades de auzocanhecimento, 52 Exerccios de ato-regulacto, 57 Intervengao centrada em pequenos grupos, 60 ‘A vida moral dos pequenos grupos, 61 A toria como uma acto sobre os pequenos grupos, 65 -Acrganizagto dos pequenos grupos na sala de aula, 69 Exercicios de afirmacto grupal, 72 trabalho cooperative, 76 Intervencio centrada no grupo-classe, 79 Accultura moral do grupo-casse, 81 Atutoria como uma organizacéo do grupo-cse, 84 A organizagio das atvidades, 88 Espagos, éenicas e responsabilidades na sala de aula, 91 O seciograma, 95 Intervengao centrada na escola, 99 (© clima moral das escolas, 100 A gesto da escola como uma intervengio educativa, 103 O consetho de representantes, 106 Projetos globais:festas, campanhas ¢ excursdes, ‘valag das instiuigbesescolares, 112 109. 3 A Assewmea ve Cuasse, 117 O que é uma assembleia?, 117 Defincao de assembleia de classe, 118 Conteddos implicitos na asemblea, 119 Como apresentar a assembleia ao grupo-casse, 120 Rotinas e responsabilidades, 121 As rotinas da sssembleia, 121 A coondenagdo da asemblea, 123 Mecanismos de comunicacao e de memorizagio, 124 Quadro para propor temas a assembleia, 125 Alousa como gua durante aassembleia, 127 O carts ea cademeta dos acordos, 127 Preparar a ordem do dia, 128 De que se fala nas assembléias?, 131 Temas de trabalho escolat, 132 ‘Temas de organizacio das atividades, 132 “Temas de convivencia, 133 Temas informatvos, 133 Como organizar a discussao de um tema?, 135 Apreseriacio dotema, 137 Desenvolvimento da diseussio, 137 Define concustes, 138 Propostas de trabalho e conflitos de convivencia, 139 Propostas de trabalho, 140 Confitos de convivencia, 141 Lidando com “pequenos problemas”, 143 O didlogo nas assembléias, 146 Dara palavea, 148 Fungdes comunicativas, 149 Atitudes pessoais no dialogo, 151 Aletvidade evspeito, 151 Acolher a diversidade, 151 tude de exgencia, 152 CCompromisso com valores universis, $3 Tecnicas que facilitam o didlogo, 154 Diretvdade na forma, porém ndo no conteido, 155 Resposa-ellexo, 156 Obstaculos ao dialogo, 158 Procedimentos ¢ valores, 161 Ajudar utilizar procedimento ea vver valores, 163 ‘Audra conceituar procedimentase valores, 163 Os resultados da assembleia, 164 Esclarcer a stuacio, 164 Planejare combiner planos de aco, 165 Elorarregras, 165 Como por em pritica 0s acordos?, 167 Recursos paraa memorzacio, 169 Recursos para a mudanca de comportamento, 170 Recursos para a regula imediata, 170 Recursos para aavaliagdo, 170 4 Propostas Dinaricas para 4 Particiracdo Escorar, 171 Apresentagio, 171 Propostas didaticas para o primeiro ciclo do Ensino Fun- damental, 175 Osamigos do zoologica, 175 Os conse do grande leto, 179 Astegrasde convivéncia, 182 As responsabilidades na sala de aula, 185 Desentendimentos com os amigos e as amigas, 188 ‘Atantaryga ic dentro do casco, 192 Propostas didaticas para o segundo ciclo do Ensino Fun- damental, 195 AMaité mudou de escola, 195 De quaiscemasfalamos nas assembleia?, 198 © que podemos fazer com as regras?, 202 Colaborar com os compankeiros eas compankiras, 205 0 jogo dos cartes, 207 Observando «nossa sal de aula, 209 Bisuiocraria, 213 InTRODUGAO Hist tiszo se propoe a ating dois objetivos:refletir acerea do sentido da participagao do alunado na vida da escola e sugerir ‘aos educadores ¢ as educadoras ideias € recursos tteis para a realizacao dessa finalidade. Interessa-nos, de maneira especial, a participagao do alu- nado na vida da escola, pois consideramos isso um dos pilares da formagao humana, Na participacao escolar sio trabalhadas ques- tes importantes como: aprendizagem da convivencia, autono- mia, cooperacdo, sentido de justica e dialogo. Além disso, a parti- cipagdo dos jovens e das jovens estudantes na vida do grupo-classe eda escola é, provavelmente, uma das melhores aprendizagens de democracia que pode ser realizada durante a idade escolar. Esses no s2o 0s tinicos motivos que validam a necessidade de uma escola participativa, mesmo que se constituam, sem nenhuma duvida, nos dois argumentos essenciais. E por tudo isso que nos ‘gatifica contribuir a favor de uma escola aberta & participagéo cemocritica dos alunos e das alunas. Por outro lado, temos a intencao de que este trabalho seja uma contribuigao, fundamentada teoricamente, 0 melhor posstvel,a favor da participacao dos jovens ¢ das jovens na vida escolar. Pretendemos, sobretudo, que seja uma ferramenta itil aos/as docentes que, dia apés dia, esforgam-se para a construgdo de uma escola democratica, Tentamos traduzir as valores que inspiram a democracia em priticas pedagégicas que Ihes dao 9 Democnacta & Panricieacho EscoLAR — Paovostas oe ATIviDADEs vida e que se adaptam as circunstancias e possibilidades da es- cola. Os valores ¢ os principios democréticos sao elementos fun- damentais e imprescindiveis, mas nao sao suficientes para cons- truir uma escola participativa. E preciso encontrar formas pedagogicas que os corporifiquem nas situacdes escolares con- cretas. E precisamente por isso que este livro propée um leque de recursos pedagégicos que auxiliarao na configuracao de uma escola democritica Dividimos o contetido desta obra em quatro capitulos. O primeiro — A participacdo na escola — tem um carater emi- nentemente tedrico ou de fumdamentacao. Depois de relacionar aescola democratica a educacao moral, procedemos & caracteri- zacao desse modelo, assinalando os valores e as priticas pedago- gicas que o definem. Para isso, aplicamos o conceito de partici- ppacao guiada e analisamos os elementos pedagogicos que a compdem: o didlogo e a acto cooperativa. Finalmente, descre- vemos os ambitos em que se dé a participacio do alunado na escola: o trabalho, a convivéncia e as atividades de integracao. O segundo capitulo — Os espacos de construcdo de wma escola democratica — estrutura-se de acordo com uma descri- cdo da escola por niveis: os sujeitos, os pequenos grupos, o agrupo-classe e 0 conjunto da instituicdo escolar. Os educado- res e a5 educadoras devem intervir de maneira espectfica e di- ferente em cada um desses niveis. Essa é2 tarefa que se preten- de destacar nos diferentes itens do capitulo. Dessa maneia, depois de uma caracterizacéo da natureza moral das quatro instancias e do papel educativo dos tutores e dos professores em cada uma delas, propusemos diversas formas de interven- cto, apropriadas a cada nivel. Intnopucio. O terceiro capitulo — A assembleia de classe — desti- na-se exclusivamente a caracterizar esse momento essencial da patticipagao escolar. O seu objetivo consiste em discutir as su- cessivas fases de uma assembléia: preparacto, realizacio e apli- caco dos acordos feitos. Alem do mais, também slo apresenta- dos alguns recursos e algumas recomendagdes que podem ser de utilidade para conduzir adequadamente cada um desses mo- ‘mentos. Em todos os casos, assim como pretendemos no capitu- Jo anterior, trata-se de traduzir os valores proprios de uma esco- la democratica em praticas pedagdgicas de participacio escolar. capitulo final — Propostas ddaticas para a participagao escolar — apresenta um conjunto de atividades para faclitar 0 tr balho a respeito do sentido das assemibleias escolaes, dos diversos valores ¢ dos procedimentos que as caracterizam. Apresentamos questdes como: a utilidade das assembleias, a participacao eo di- logo, as normas ¢ os acordos, a colaboracao e o grupo, os proble~ ‘mas os conflitos, a auto-regulactoe,finalmente, 0 sentido de per- tencer & comunidade escolar. Entendemos que a consideragto sistematica desses temas ¢ uma ajuda inestimavel para a participa ho signifcativa nas assembleias de classes. As atividades constam, de duas partes: uma parte se destina ao trabalho direto com o alu- nado e a outra, destinada as educadoras e aas educadores, aborda algumas indicacoes para a aplicacao das mesmas atividades. Que- remos que essas atividades nao sejam tomadas propriamente como ‘uma preparacio para as assembleias, aplicadas obrigatoriamente antes de comecé-las, mas que sirvam de reflexao e conscientizacao acerca das assembleias que se far80 durante todo o ano escola Finalizamos esta introducao, comentando brevemente © processo que se desenvolveu nesta obra que agora vocé tem 14 Denocnacia ¢ Pasticipagao Escouak — PhoPostas oF ATIviDADES em mos. Podemos consideré-la como o resultado de um inte- resse dos autores e das autoras pelo tema, Interesse esse adquiri- do, com no minimo, duas ajudas inapreciiveis. A primeira € a influéncia devido as leituras das autoras e dos autores que tra- tam essas quest6es. Este ndo é o lugar para enumerd-las, uma vez que elas estao relacionadas na bibliografia, mas é sim o lugar idéneo para reconhecermos tudo o que devemos a autores como Celestin Freinet e Joaquim Franch. Sem diivida, agradar-nos-ia colocar esta obra no interior da tradigao que se criou com os trabalhos deles. A segunda ajuda recebemos dos professores e das pro- fessoras da Escola Sao Miguel, de Cornella, em Barcelona. O trabalho com participacdo ¢ as assembleias de classe &, ha mui- tos anos, um dos marcos que distinguem essa escola. A enorme colaboracio que mantivemos com as mestras ¢ os mestres da escola, cremos, enriquecet-nos, pois assitn o sentimos. Nao po- demos deixar de citar Maria Altirriba, Magda Baquiés, Isabel Bar- bera, Angels Baro, Pilar Claramunt, M: Lluisa Gali, Josep Go- mez, M. Cinta Margelef, M. José Martin, Roser Millan, Paqui Mutioz, Conxita Pallarés, Eulélia Puig, Consol Rodriguez, Rosa Rovira, Vicene Sanchez (+) e M. José Vives. Seminatios e traba- Thos conjuntos em sala de aula ajudaram-nos a consolidar 0 que ia sendo discutido e a enfrentar as dificuldades. Dessa colabora- cio surgiui o texto que aqui apresentamos. Um texto que, como tantos outros no ambito das cigncias sociais, aspira a apresentat, de maneita clara, ordenada e otimizada, aspectos destacaveis da realidade, neste caso, da realidade escolar. Quisemos fazé-lo com 2 intencao de contribuir a difusio de idéias e de praticas que valeria a pena generalizar para a comunidade educacional. Ape- sar disso, somos conscientes de que se trata de uma obra aberta, 12 Intnocucka ou talvez, de uma obra inacabada. Quer dizer, de uma proposta que, para ser usada com proveito, devers ser adaptada a sua realidade concreta de cada docente ¢ a idade dos alunos com quem esteja trabalhando. Desta maneira, aproveitando o que seja bom naquilo que pudemos oferecer, deixando de lado o que nao seja utile pensando novos recursos para suprir as deficiencias que sejam detectadas, sera possivel concluir esta proposta de fomentar a participacao escolar. Durante a realizacdo deste estuda, recebemnos apoio do Instituto de Ciencias da Educagao (ICE) da Universidade de Bar- celona, que constantemente facilitou a colaboragao entre a Es- cola Sto Miguel, os professores ¢ 0s pesquisedores da Faculdade de Pedagogia. Contamos também com a ajuda da Fundacao Jau- me Bofill, que nos permitiu registrar um consideravel ntimero de assembléias, a partir das quais, posteriormente, pudemos es- tudar coma intencdo de aleancar os objetivos que haviamos pla- nejado. Queremos agradecer, também, a ajuda que, nas discus- sdes dos semindrios ou em outras circunstancias, recebemos de Maria Busca, Patricia Cabré, Albert Esteruelas, Sonia Miquel, Ana Pittel, Cinta Portillo, Hugo del Pozo, Héctor Salinas e Jaume T- lla. E dizer, para terminar, que este trabalho insere-se em uma das linhas de investigacao do Grupo de Pesquisa em Educacao Moral (GREM) da Universidade de Barcelona. 13 ] A ParticipAcAo NA ESCOLA Aproximacao A EpucacAo Mora Hf sastante comum dizer e, em boa parte, € certo que a educagao humana resulta de processos de instrucio e de proces- sos de formagao, No entanto, também ¢ certo dizer que a instru- fo acaba enriquecendo sempre a construgao da personalidade € que a formacdo demanda, inevitavelmente, a assimilacto de conhecimentos informativos. Desse modo, a instrugao e a for- ‘magao nao podem ser consideradas tio diferentes, tampouco € 10 otiginal a distingao entre o saber informativo e o saber nor- mativo. Apesar de tudo, e assumindo a simplicidade e a ambi- giidade da formula, entendemos que a educagio € 0 resultado dla soma de instrucao e de formacio. A educacdo é instrucao na medida em que prepara os jovens € as jovens para se adaptar e para melhorar o mundo dos saberes culturais,instrumentais e cientificos. Falamos de instru- «ao para nos referir & aprendizagem de conhecimentos tio vari- ados como a leitura ea escrita, o célculo ea matemtica, a lingua e-aliteratura, a anatomia dos seres vivos e a ecologia, a historia € a arte e, mais adiante, o conjunto de saberes necessérios para seguir cotretamente a profissao que cada um acaba desenvol- vendo, Em todos esses casos, a instrucao tem muito de trans- 15 | Ld Denocnacia € Panticipacho Esco.an — PRoPostas oe ATW DADés missto de saberes informativos necessarios para se viver eficaz- mente no mundo cultural e profissional A educagao ¢ formacio na medida em que prepara os jovens € as jovens para se relacionar da melhor maneira possivel com o mundo dos seres humanos: consigo mesmo, ‘com 0s outros e com o conjunto de regras e normas de con vencia que configuram a vida social, Falamos de formacao para nos referir a uma aprendizagem complexa de conheci- mentos, significagdes e vivéncias que podem se concentrar, por exemplo, em formas de vida, em crencas, em capacida- des de juizo moral e de auto-regulacdo, em normas e leis so- ciais, em conhecimento ¢ construcao de si mesmo, em valo- res € atitudes e, também, em pautas de critica e de conduta ‘como as que esto implicitas na Declaracio Universal dos Di- reitos Humanos. Saberes e capacidades imprescindiveis para conviver de maneira justa e solidaria com as outras pessoas. A formacao, como vimos, pode ser considerada sinonimo de educagao moral ou de educacao em valores, tem muito de reconstrugao dialogica de saberes significativos para cada um. € para a sociedade emt seu conjunto. Se voltarmos ao inicio, podemos continvar dizendo, com a maxima prudéncia, que a educacao € o resultado da instrucao e da formacao: da educagao intelectual e da educa- cio moral. Novamente queremos afirmar que o intelecto tam- bém da forma a vida civica e moral, e que a moralidade nao pode ficar a margem do conhecimento nem da sua aplicacéo. Apesar de tudo e mesmo que as das linhas educativas sigam insepardveis, aqui nos preocuparemos especialmente com a edu- cacao moral. 16 A Paanicinacio wa Escoua 0 que entendemos por educacao moral? A educacéo moral busca facilitar a aprendizagem de uma maneira de conviver justa e feliz no interior de uma comu- nidade social perpasseda por multiplos conflitos, mas também. plena de normas e de valores. Para conseguir essa convivéncia justa e feliz, as vezes, nao € suficiente adotar as normas sociais ¢ as formas de vida que provém da tradicdo e dos costumes da propria comunida- de, como dizem os defensores da educacio moral como uma socializacao. As escolas contribuem nesta modalidade educati- va, transmitindo as regras ¢ os valores considerados positivos. ‘Também sabemos que conseguir isso é bastante dificil e de- manda um notavel esforco. A aceitacao dos valores sociais, em geral, significa ter de renunciar a desejos pessoais: conviver € aprender a tolerar, aprender a compreender diferencas e apren- der a limitar a propria vontade Aeducacao moral nao pode se limitar, de nenhuma maneira, 4 socializacdo. Primeiramente, porque nem todos consideram que € desejavel aplicar os mesmos valores ¢ res- peitar normas idénticas diante de situacdes similares. E, em segundo lugar, porque freqdentemente lidamos com peque- nos ou grandes conflitos de valores para os quais nao ha so- luces socialmente prefixadas. Nesses casos, a educacdo mo- ral deve ser entendida como uma construcio da personalidade e das formas de convivencia civica. Assim, a educacto moral esta mais proxima da aprendizagem critica e da criatividade aplicadas a vida pessoal e social. Atingir essa disposi¢ao para a inovacao moral e usa-la em situacées de conflito ndo é mui- zp J __Denocnacia € Paaticiagho Esco.an — Prosostas ot AnIvIDADES to facil. Aleangar a autonomia que a educacto moral compor- ta demanda impulsos, responsabilidades e riscos. Tudo isso & bastante complexo, mas imprescindivel para se obter a felici- dade e a justica Em sintese, queremos entender a educacao moral nao apenas como um processo no qual se adota formas sociais esta- belecidas, mas também como um processo do qual se critica algumas normas de convivéncia e, por isso, novas maneiras de vida sio propostas. Educacao moral é, portanto, aprender o sig- nificado das normas que definem a vida social, bem como cons- truir novas formas significativas de vida. VIAS ESCOLARES DE EDUCACGAO MORAL Se usarmos novamente a linguagem de uma manei- ra um pouco imprecisa, podemos dizer que a escola trabalha a educacio moral seguindo trés vias diferentes e algumas ve- es inter-relacionadas: a via pessoal, a via curricular e a via institucional. Via pessoal Entendemos por via pessoal o conjunto de influencias educativas que derivam diretamente da maneita de ser e de fazer dos educadores e das educadoras, em especial quando determinam o tom da relacao pessoal com seu alunado. Nao é necessario insistir muito nesse ponto, pois sabemos muito bem que a relacao interpessoal tanto é um espaco de educacio mo- ral insubstituivel, como também um tipo de experiéncia que r 18 ‘A Panticieacko wa Escota pode dar forca e credibilidade a todos os outros momentos de formacao. Quando falamos de via pessoal, referimo-nos 20 ca- rater da professora e do professor e a maneira como define as acées didrias da vida da sala de aula. Referimo-nos tam- bem as atitudes que o professorado manifesta por considerar que sao mais educativas ou as reagdes e as decisdes imediatas que € necessério tomar diante das diversas questdes e contli- tos que enfrenta. Também podemos incluir, na via pessoal, a maneira de se posicionar em relagao aos valores em que a educadora ou o educador pessoalmente acredita; se 0 expres- sa oui nao aos alunos e, em todos os casos, em quais condi- es e como considera que o fara. Em resumo, se a educadora ou educador cré que deve ficar neutto ou se considera me- Thor se posicionar e defender uma opcao de valor. Finalmente, na via pessoal é preciso incluir também algumas das fungdes ligadas & tutoria! Via curricular Entendemos por via curiclar o planejamento ¢ a exe- ccugao de atividades pensadas especificamente para trabelhar a for rmagéo moral dos jovens e das jovens. Podemos pensar essasativi- es exols de Gage erste um espocone grade hana chemada utr destnoc, {2 Inos Geos co pengjomarto ge oidodes @ cscssbo de uestbes 202408 00 sono de S00, Ese taboo €desenvolrdo por um pofessortce que code Ser So preressr cs nema, O ator au 6 hom possi dues ingles, arte a5 un Cesoconse:occonpenhorento ciucval dos oknes, ccaruncofao coms anil, regula do crupo-dasse, 0 concixho de sersées de ecenran ten ede casei, oxgonanyio de cdedes estas ete 19 Denocnacta € Panricieacko Escousk — Provostas dlades em relagao a0 contetido das éreas curiculares¢ dar um trata- mento transversal 3 edtucacio moral, bem. como podemos destinar uum espago espectfco para trabalhar sistematicamente questdes de valores nao incluidas no contetdo das areas, como se costuma fazer no espago destinado a tutora, Seja como for, em todas essassitua- .8es propomos a discussio de temas pessoais ou sociais que impli- quem alguma dificuldade ou conflito de valores. Temas propostos ‘ou insinuados nos contetidos das éreas curriculares, ou mesmo que sejam novos, mas que representem questdes relevantes para os alu- nos: temas relacionados a questoes como a paz, o multiculturalis- mo, a relagao com os amigos ¢ as amigas, o autoconhecimento, 08 direitos humanos, entre muitos outros. A via curricular, porém, no acaba aqui. Também de- vetnos incluir a maneira como se trabalha em todos os momen- tos escolares. Uma educacto baseada em trabalhos individuais € compattivos nao ter 0 mesmo efeito na formacto moral dos alunos e das alunas do que uma educacio permeada pela coope- racio € pelo uabalho em equipe. Portanto, podemos conchuir que a abordagem dos contetidos referentes a valores ¢ & maneira dle organizar o trabalho escolar formam os dois pilares da via curricular da educacao moral Via institucional Entendemos por via institucional o conjunto de ativi- dlades educativas que se derivam da organizacao da escola e do grupo-classe € que tem como pressuposto a participaczio demo- cratica do altnado, o que tomna possivel enfrentar, por meio do didlogo, os problemas de convivéncia e de trabalho gerados na vida escolar, podendo conduzi-los da melhor maneira possivel e = 20 A Paaticivagio wa Escou com a participagao de todos. As atividades escolares de educa- fo moral podem ser muitas e bastante variadas, porém munca se poderd substituir a forga e a eficacia das experiéncias reais ¢ diretas que a vida coletiva coloca & disposigao de todos os seus membros. A participacao democratica do professorado e do alu- nado em foruns de didlogo nos quais se apresentam os proble- mas de convivencia e de trabalho € 0 pano de fundo imprescin- divel de qualquer atividade de educacéo moral e uma fonte privilegiada de experiéncias morais significativas. Essas experi- éncias tem, sem a menor divida, consequéncias formativas im- portantissimas, dentre as quais destacamos: 0 desenvolvimento do juizo moral, a consolidacio do respeito muituo, a compreen- fo reciproca, a solidariedade, a cooperagao ¢ a integracao cole- tiva. Essas experigncias permitem a discussio objetiva dos con- flit e isso ajudara as alunas e os alunosa ser capaz de se colocar no lugar dos seus companheiros e companheitas, bem como a adquirir atitudes dialogicas. E também formativa a criacto de habitos de autogoverno que facilitam a obtencfo de acordos co- letivos e, finalmente, a coeréncia entre 0 juizo e a acao moral, tanto dentro quanto fora da escola. Embora a educacao moral seja uma tarefa que deva ser realizada dentro e fora da escola e mesmo que na escola estejam presentes, simultaneamente, as vias pessoal, curricular e institu- ional, aqui daremos énfase especial a via institucional. Isso nao mplicara deixar completamente de lado as vias de intervencdo pessoal e curricular, mas representara pensar mais especifica- mente a respeito dos elementos que configuram a participagéo dos alunos e das alunas na vida da escola. Pensamos que exis- tem motives suficientes para nos aprofundarmos nessa vertente da educagéo moral 2103 Dewocnacta Panticioacao EscoLan — Paopostas of ATIviDADes POR QUE UMA ESCOLA DEMOCRATICA? Por que € importante trabalhar a via que denomina- ‘mos institucional? Por que é preciso dedicar-se ao tema da part- cipacdo do alunado e do professorado na vida da comunidade escolar? Por que, alinal, € preciso propor o tema da democracia escolar como uma possibilidade de educagao? ‘Sao perguntas que demandam poucas justificativas, Ja que se trata de uma necessidade amplamente sentida e acei- ta no mundo contemporaneo, Contudo, apesar da sua impor- tancia evidente, € um tema que tem tido muitos altos e baixos. De fato, uma vez reconhecido 0 acerto da critica & escola tradi- cional e autoritaria ¢ abandonadas também as tentativas radi- cais de autogestio, a relexao sobre a participacao dos jovens ¢ das jovens na vida da instituigio escolar vern apresentando um notivel decréscimo. Por outro lado, pensamos que existem bons motives para retomar o tema com o maximo vigor. E nao ape- nas para responder &s perguntas que foram apresentadas no inicio deste item, mas também para tentar desenvolver um pensamento que possibilita a construgdo de uma escola basea- dana participacdo e no didlogo, Porém, centremo-nos, primei- Tamente, nos motivos que justificam os esforgos para edificar uma escola democratica, Patece-nos, em primeiro lugar, que todas as institui- oes que configuram uma sociedade democratica devem ser regidas por critérios de igualdade, de liberdade, de participa- fo ¢ de justiga. Alem do mais, no caso da escola, isso tera de ser feito, porque € a instituigdo encarregada de ensinar a ju- ventude 0 que significa viver democraticamente ¢ isso somen- 22 A Panticipacho na Esco te se alcanga vivendo democraticamente. Sabemos, porém, que nao é possivel, nem seria bom, confundir a realidade de uma sociedade democratica com a de uma escola democratica. Os critérias ¢ as normas que regulam a organizacao de uma socie- dade democratica no podem imitar-se mimeticamente numa escola. As instituigées escolares tem de apresentar férmulas ori- ginais que, respeitando as suas singularidades, implantem o mesmo espirito de igualdade, de participacao e de justica. Em uma escola, 0 alunado e o professorado nao tém as mesmas responsabilidades nem estdo em igualdade de condigdes quan- to a conhecimentos e experiéncia, mas podem conversar de igual para igual, podem respeitar e entender um ao outro € podem, finalmente, participar na organizacio ¢ na realizacdo de todo tipo de iniciativas. Desde uma outra perspectiva, a reflexio sobre a partici- pacdo de alunos e professores na vida da escola é um bom sistema para promover a conscientizacio e, na medida do possivel, con- trastar 0s efeitos perversos do denominado curriculo oculto. E cer- to que a escola, além de instrir e formar ou, precisamente, ins- truindo e formando, realiza outras fungses menos evidentes que, como nos mostra a sociologia da educacao, séo freqiientemente injustas. Muitas vezes, sem ser consciente e quase sempre sem intengio de fazé-lo, a escola transmite preconceitos e habitos que promovem maneiras injustas entre os jovens e as jovens que as freqdentam, fazendo-os competitivos, agressivos, sexistas e dis- criminatdrios, Diante dessa vertente da realidade escolar, que nao é boa nem tinica parte, pensemos que, como educadores e educa- doras, precisamos tentar transformar esta ealidade escolar. E para transformar este lado oculto da escola, ha de se comecar tomando consciéncia do que realmente a escola faz e como o faz, qual € 0 230 Denocnacia Panricipacio Escouas — Phorostas of ATivioases lugar, o papel ea atitude de cada um e quais 80 0s caminhos € as possibilidades de modificar as pratcas que transmitem contrava- lores. Um bom caminho para se aproximar desse abjetivo é con- versa, todos juntos, alunado e professorado, acerca de tudo o que passamos de tudo o que vivemos na escola. Conversar para ima- sginar outras possibilidades. Planejar com a participacio dos alunos e das alunas € considerar um tema que hoje preocupa de maneira especial os educadores e as educadoras: a disciplina, Quanto a disciplina, no a entendemos como uma saudade da escola autoritaria, mas comoa vontade de que cada um, de maneira autonoma, respeite asnormas de convivencia, Poclemos entio falar do ponto de con- fuencia entre disciplina e participacao democratica. Ese é tam- bem um dos motivos que justificam uma proposta democratica para a escola: alcancar uma disciplina nao-impositiva, uma dis- ciplina sentida por todos como resultante de acordos. Uma dis- iplina, portanto, aceita e resultante de um pacto, que no fira seja reconhecida e querida por cada um. Pensemos que uma Aisciplina entendida dessa maneira exige uma boa dose de patti- cipacao e de didlogo Finalmente, sem pensar que este seja ui motivo me- nos importante, acreditamos que a participacao democratica permite uma gama de experiencias basicas aos estudantes para a sua educacéo moral. Enfrentar os problemas que inevitavelmen- te, se apresentam na vida coletiva, sem refuté-los nem solucio- 1né-los mecanicamente, mas conversando com justica esolidarie- dade, sto vivencias que deveriamos propotcionar aos noscos alunos e alunas. A via institucional deve ensinar a resolver dif culdades, mas também deve ensinar a compantlhar os bons A Pan 0 na Escoun momentos com os companheiros, as companheiras, os professores e as professoras, assim como ensinar a aproveitar os recursos e a5 tradicdes tteis para a convivéncia em qualquer instituigdo escolar. Propusemos tralar o tema da escola como uma comu- nidade democratica pelos motivos que acabamos de comentar e, alem do mais, pensando que assim fartamos uma contribuicdo & educacdo moral. Agora nos cabera precisar um pouco mais 0 que entendemos por uma escola democtatica. O QUE £ UMA ESCOLA DEMOCRATICA? Antes de responder a essa pergunta, teremos de nos propor algumas questées prévias. Realmente faz sentido falar de uma escola democratica? E possivel uma escola democra- tica? Foi dito diversas vezes e parece que com boa parte de tazio que a democracia é um conceito util para definir a or ganizacao politica da sociedade, no entanto, € inadequado para caracterizar as instituicdes sociais como: familia, escola ¢ hospitais. Nessas instituicdes sociais estao implicados agentes sociais que tém status e interesses bem diferentes. Essas insti- tuicdes foram pensadas para satisfazer algumas necessidades humanas que, de maneira inevitavel, implicam a acao de su- jeitos com capacidade, papeis e responsabilidades muito di- ferentes. Sao alheios a idéia de participacdo igualitaria. Os pais € as maes tem um papel assimétrico com respeito aos filhos ¢ as filhas, da mesma maneita que 0s professores ¢ as professoras o tém com respeito aos seus alunos e as suas alu- nas, ott os médicos ¢ as médicas com respeito aos seus paci- Zoe Devocnacia £ Panricieagao EscoLan — PRopostas of ATIVIOADES entes € as suas pacientes. E nesse sentido que dissemos que para essas instituigdes nao serve o qualificativo de democrati- as, pois nao sao horizontais nem igualitarias. Nao obstante, a situagdo parece-nos ainda mais com- plexa. Os agentes dessas instituigdes sociais ndo so iguais em relacio aquilo que regula a instituiggo, porém isso néo significa que petdem a sua qualidade de cidadaos e cidadis de uma soci- edade democratica. Nem todos os membros da instituicdo tem o mesmo status, mas, em troca, todos t8m os mesmos direitos como idadto e cidada. O fato de pertencer a uma instituicdo social com fungdes especificas nao elimina a condicéo desejével de membro de uma sociedade democratica, Em relacio a essa mes- ‘ma instituigao, nao fica excluida a sua participacio no seio de uma sociedade democratica nem desaparece a obrigacao de ex- pressar, de alguma maneira, 0s valores e as préticas democrati- cas. Portanto, entendemos que instituiges como escola, familia € hospitais devem pensar formulas que tornem possivel uma boa combinacio entre o cumprimento da sua funcio espectlica — que provavelmente implicaré uma relagao assimétrica eo cum- primento dos principios democraticos — que requer formulas de modo a respeitar a igualdade entre todos os membros da ins- tituigao. Nesse sentido, pensamos que ¢ possivel continuar qua lificando as escolas cotno demacraticas, bem como as outras ins- tituigdes que acabamos de mencionar. Serao democraticas quando conseguirem um bom equilibrio no jogo da assimettia funcional e da simetria democratica Juntamente com os motives que expusemos, acredita- ‘mos que a escola também pode ser qualificada de democratica 26 A Panticiragio wa ESCOLA nna medida em que prepara o alunado para viver em uma socie- dade democratica. Essa preparacao nao deve supor, de maneira alguma, uma copia mimética das formas politicas das socieda- des democriticas. A escola deve preparar para a democracia, propiciando priticas pedagogicas que respeitem 0 espitito ¢ os valores da democracia, que se expressem em formas educativas adaptadas as peculiaridades de cada sitnagao escolar. Uma esco- la seré democritica quando os seus valores ¢ as suas praticas respeitarem os principios democraticos, sem copiar as formas especificas de conducao da democracia politica. A escola demo- crética prepara para a vida democratica mediante formulas que a prefigure, sem imité-la Se aprofundarmos um pouco mais essa discuss40, podemos dizer que uma escola democratica é uma institui- Gio que se propée instruir ¢ formar alunos e alunas por meio da participacdo, juntamente, com professores e professoras, no transcorrer das tarelas de trabalho e convivencia docente. Uma escola democratica pretende que os alunos e as alunas sejam protagonistas da propria educacio e que o fagam parti- cipando ou tomando parte direta em todos aqueles aspectos do processo formativo posstveis de deixar em suas maos. Ca- berda ela ter cuidado e nao limitar em excesso 0 que pode ser feito pelos jovens e pelas jovens, porém também cabera a ela atribuir nao responsabilidades ¢ tarefas que no podem assu- mir, De fato, uma escola democratica deseja que a participa- cao de alunos e alunas e a responsabilidade dos educadores das educadoras sejam complementarios, de acordo com as idades ¢ as diferentes circunstancias de cada escola, Uma es- cola democratica é uma escola que facilita a participacao dos jovens e das jovens sem negar, contudo, o papel e a responsa- ies Druccnacia ¢ Pansiciracdo Bsca.at — Phososres OF A bilidade dos educadores e das educadoras. Além disso, uma escola democratica €, sobretudo, uma instituigao que facilita em niveis acessiveis a participacdo do aluno, esperando que adquira a autonomia e a responsabilidade que permitem in- crementar paulatinamente a amplitude de sua participacao na comunidade Em uma escola democratica deve haver um clima aberto que possibilite a todos tomar parte na vida da instituigao. Por sua vez, 0s limites e as normas que sao considerados basicos para regular a vida dessa mesma escola devem ser bem claros. O que quetemos dizer € que uma escola democtatica deve haseat- se na participacao de todos que integram a comunidade escolar ede cada grupo-classe, desde o papel que cabe a cada um e com oslimites que, em cada caso, sejalogico estabelecer. A participa- ao democratica deve construir um clima que permita a uns e a outros tomar parte ativa na instituigeo docente, de maneira que Possam coordenar os respectivos pontos de vista — desejos, ob- Jetivos, obrigacdes e responsabilidades —, rudo convergindo em Drojetos em que se reconhecam o sentido que tém o conjunto das tarefasescolares. VALORES E PRATICAS EM UMA ESCOLA DEMOCRATICA Uma escola democritica esta aberta& participacdo de todos os seus membros, respeitando, porém, o caréter simulta- hneamente simétrico e assimeétrico das relagdes mantidas entre o corpo docente e o alunado, Com a intencio de definiro signifi cadio que essa formulagao possa ter nas nossas escolas e que, de fato, €a tarefa a que nos propomos nesta obra, assinalaremos, 7 28 A Panicpagho wa Escoua em primeiro lugar, os elementos que configuram uma institui- Ao escolar democratica A construcio de um clima escolar democratico supée estabelecer um conjunto de valores que delimitem e referenci- em as praticas pedagogicas que, de acordo com esses valores, definem a vida e o trabalho escolar. Portanto, os valores e aS praticas so os dois pilares de uma escola democratica. Falar somente em valores poderia tornar inviavel uma escola demo- crética, porque faltam os recursos concretos que os insiram na vida didria da instituigao. Por outro lado, centrar-se exclusiva mente nas praticas pedagdgicas nao seria recomendavel, ja que, pouco a pouco, vao se distanciando do sentido democratico e acabam se convertendo em rotinas com pequena forca educati- va, Trata-se de conseguir que os valores indiquem o horizonte desejavel da escola e que dotem de significado as priticas edu- cativas concreias. Da mesma maneira, essas priticas devem re- fletir, no cotidiano, alguns procedimentos com contetido educa- tivo coerente com os valores democraticos pretendidos. Pensar uma escola democratica significa estabelecer os valores que de- vem guiar os métodos que fardo posstvel a sua concretizacao em cada instituicao. Valores para uma escola democratica E impossivel conceber uma escola democratica sem considerar alguns valores que orientam o seu funcionamento. A melhor organizacao escolar e as melhores propostas curriculares perdem o sentido se nao se coordenarem aos valores que a esco- Ja defende, Os valores podem estar formulados claramente ou podem ficar implicitos na mente dos educadores e das educado- 2) T__ Denocracie ¢ Panricioacte Esco — Propostas o€ Arivipaoe ras, mas devem ser guias que motivem verdadeiramente o traba- tho do coletivo docente. Estamos, em primeiro lugar, diante da necessidade de trabalhar os valores que dinamizam a agao edu- cativa, porque tem 0 apreco da comunidade escolar. Porém, em. segundo lugar, convém evitar que os valores sejam objeto de uso minucioso ou excessivamente meticuloso. Os valores no ser- ver pata determinar detalhadamente como devem ser as prati- cas pedagégicas da escola, Fixar uma metodologia pedagogica € uum problema de outra natureza, Sem duivida alguma, os educa- dores e as educadoras deverao dedicar-se a essa tarefa, mas na0 poderao resolvé-la unicamente a partir de uma reflex ética. Os valores sio horizontes normativos que assinalam a direcio que devern tomar as praticas pedagogicas e sto tambem reguladores que ajudam a detectar os erros para poder teparéclos, Além dis- 50, 05 valores no permitem assinalar com exatidéo como de- vem ser as metodologias pedaggicas nem tampouco define com detalhes a imagem de uma escola democratic. Quais 08 valores que podem servi de horizonte e de reguladores de uma escola demacritica? Como sempre, ¢ dificil, talvez imposstvel, fazer uma lista completa dos valores que de- vem inspirar uma escola democratica. As circunstancias concre- tas de cada instituigao costumam demandar alguns valores ¢ re- legar outros. Uma escola democratica devera basear-se em um conjunto de valores que tenham vinculos com a liberdade, a autonomia, o desenvolvimento do espirito crtico, da iniciativa e da esponsabilidade, Ao mesmo tempo, uma escola democratica se apoiard também em valores como a cooperacio e a solidarie- dade, 0 espirito de grupo e a tolerancia, Finalmente, uma tercei- 1a linha de valores estaré constituida por valores procedimen- tais, como o dialogo e a auto-regulacdo. O intercambio de pontos 730 1A Paaticivagio wa ESCOLA de vista e a vontade de cumprir as normas que foram criadas entre todos ¢ todas sto valores que inspiram o funcionamento de uma escola democratica Praticas pedagégicas para uma escola democratica Se, assim como vimos, uma escola democratica nao é possivel sem alguns valores que a inspizem, também nao se con- cebe uma escola democratica sem um conjunto de praticas pe- dagogicas que concretizem essa vontade em cada instituigao. A maneita dos educadores ¢ das educadoras atuarem, a forma de organizar as aulas e os grupos, as metodologias ¢ técnicas que se aplicam e, por final, a diversidade de aspectos que configuram 0 curriculo sao as praticas que revelam uum tipo ou outro de esco- Ja, Em nosso caso, trata-se de ver como serio essas praticas que concebem uma escola democratica Uma escola democrética supde colocar em prética um conjunto de atividades que impulsionem a participacto. As pré- ticas de participaco que tornam possivel aos alunos e as alu- nas tomar parte ativa e significativa na vida da escola, quer dizer, nas quest6es relativas a0 trabalho escolar, 8 convivencia € & integracao. Assim, como destacamos, este livro pretende fazer uma proposta concreta de praticas de participacto, e quan- do falamos de assembléia de classe e de todos os recursos em- pregados para poder conduzi-la adequadamente, estamos tos referindo a uma das praticas de participacao mais representati- vas de uma escola Finalmente, vale a pena dispensarmos alguns instantes para advertir que essas praticas de participacto nao supdem a ex- 341d egiamtsae en ice Dewocnacta € Panricieacko EscoLan — Pnovosias of ATivioants clusio dos educadores e das educadoras, mas que devem contar com uma intense ajuda dees. De fato, usando livremente uma ex- pressio que foi popularizada por Barbara Rogofl, podemos dizer que se trata de priticas de participacdo guiada, Quer dizer, proces- sos pedlagogices que demandem intervencao dos educadores e das ceducadoras, A tarefa das pessoas adultas € levara cabo as atividades juntamente com 0s ovens eas criancas,jé que, provavelmente, ndo seriam capazes de realizélas sozinhos. No tema que nos ocupa, trata-se de ver que uma partcipacéo completamente autonoma de alunos e alunas € um objetivo a longo prazo e que para alcangé-lo é preciso um processo de aprendizagem em que é essencial a contri- buigdo da pessoa adulta. Nao se trata, pois, de limitar o nivel de participacio dos/das jovens, mas de ampliar a sua efcicia format va, gracas a colaboracio das educadoras e dos educadores, O con- ceito de participacao guiada € um melo de operativizar a situacko simétrica ¢ assimeétrica que ocorre na escola. Por fim, trata-se de que as pessoas adultas instituam praticas pedagdgicas nas quais 2 fungao de suporte e de ajuda contribua para aumentar a autonomia dos alunos e das alunas. A PARTICIPAGAO ESCOLAR COMO DIALOGO E ACAO COOPERATIVA Participar ndo € somente deixar para as alunas e os alunos fazer atividades nem é deixar prevalecer unicamente sua opiniao, Participar é envolvé-los na vida escolar mediante a pa- lavra e a ago cooperativa, Participar na escola ¢ dialogar e levar a cabo projetos coletivos. O uso exclusivo de uma dessas duas lnhas geraria uma formula insuficiente de participagao P32 A Pannicieagio na EscOuA Cenirar a participacao na palavra ou no didlogo pode- ria cair mum verbalismo sem significacao e, acima de tudo, pou- co eficaz para influir na vida da escola, Nao se trata apenas de falar sobre coisas que aconteceram € que nos preocupam, mas de procurar maneiras de intervir que sejam compreensiveis ¢ aceitaveis para todos. Por outro lado, centrar a participacao so- mente na acdo ou na gestéo de projetos poderia incorrer num ativismo imposto e, provavelmente, sem uma finalidade clara. O ativismo, se nao estiver acompanhado de uma compreensio cla- ra dos motivos que 0 impulsiona, € pouco eficaz para desenca- dear mudancas na cultura das escolas. Umaescola democritica define-se pela participacio do alunado e do professorado no trabalho, na convivencia e nas atividades de integracéo, Uma escola democratica, porém, en- tende a participacao como um envolvimento baseado no exerci- cio da palavra e no compromisso da aco. Quer dizer, uma par- ticipagao baseada simultaneamente no dialogo e na realizacio dos acordos e dos projetos coletivos. A participacto escolar au- téntica une o esforco para entender com o esforca para intervi. Espacos de didlogo A participagao democratica na escola demanda mo- mentos em que prevalecem a palavra ou o didlogo. Momen- tos em que estudantes e educadores possam planejar temas de trabalho e da vida escolar que Ihes preocupam ou que Ihes interessam, Temas sobre os quais poderao debater, isto é, pen- sar, opinar, escutar pontos de vista diferentes, comparar as posturas expressadas, buscar argumentos e posigdes melho- res; assim como acordar normas, solugdes € projetos de acao. Some Dewocnacia € Pasviciacko Esca.an — Phopostas o¢ ATWIDADES Nesse processo de didlogo, provavelmente conseguirao anali- sar os fatos com que se preocupam e acordar solucdes, po- rém, acima de tudo, podem melhorar a compreensao sobre seus companheiros e suas companheiras. Além da sua fungdo de entendimento, o didlogo serve também para ampliar a pro- pria perspectiva sobre os temas que sdo tratados, gracas a melhor compreensio acerca das outras pessoas. Finalmente, © diélogo € também uma ferramenta de compromisso. Dito de maneira répida, aquilo a respeito do que se fala € mais facil de aceitar, de ver claramente e, acima de tudo, de se compro- meter para cumprir. O didlogo coletivo cria o sentimento de responsabilidade diante dos companheiros e das companhei- ras. As assembléias e 0 outros momentos de didlogo escolar nos permitem deliberar a respeito dos temas que os interes- sam, acordar solugdes, normas e projetos de acdo, melhorar a compreensio muitua e, finalmente, sentit-nos mais compro- metidos com os acordos que se devem adotar. Espacos de aco cooperativa [A patticipagao democratica na escola necessita também, de um momento para.aacao ou.a concretizacao dos acordos e dos projetos previstos. E preciso fazer aquilo que se combinou, Tao importante como participar do debate ¢implicar-se na implemen- tacio pratica dos acordos ou dos projetos que foram decididos. ‘Uma escola democratica, baseada na participacio de todos, no pode somente se limitar a dar a palavra aos seus alunos e as suas alunas, mas também deve colocar em suas maos a realizacao das tarefas que sejam realmente possiveis de fazé-las. Consegue-se essa pparticipacto tanto com palavra quanto com acdes. 34 ‘A Pannicipagao wa ESCOLA © envolvimento pratico dos alunos supoe, de um lado, o cumprimento pontual dos acordos que se tomam nas assembleias e, em outros momentos, de didlogo escolar: ser capazes de realizar corretamente as rotinas da semana, cum- prir as regras que regulam a convivéncia da classe ou con- cluir as tarefas que o grupo havia previsto, Por outro lado, a implementacao envolve também o planejamento e a execucao de projetos complexos, Planos que requerem um elevado es- pirito de cooperacdo e que possibilitem a organizacao de um grande mimero de pessoas para realizacao de tarefas diferen- tes, Organizar as festas tipicas, preparar visitas extemas, pla- nejar uma semana cultural séo exemplos clissicos desses mo- mentos de participacao escolar. Didlogo e ago cooperativa como tomada de consciéncia Temos dito que a participacao democratica supoe dis- logo cacao cooperativa, Porém, ampliando e precisando as fun- cbes que comentamos até aqui, pensamos que o didlogo e a.actio cooperativa também so meios de tomar consciencia do conjun- to da experiéncia escolar. A vida escolar nao se limita a acordar solugdes diante das dificuldades e a planificartarefase projetos. Aeescola tem algumas fungdes sociais ¢ pessoais bem positivas que é preciso conhecer. O sentido da escola nao fica oculto ou escondido na mente dos jovens e das jovens. O alunado deve tomar consciéneia da utilidade e do sistema de funcionamento da escola. A escola tem explicacdes sobre a sua organizacdo que as jovens e os jovens devem conhecer. Contudo, a tomada de consciéncia também pode relacionar-se aos aspectos mais nega- 3573 + Panricioxcho Esco.at — PaoPostas oF Arivioaces tivos do curriculo oculto. Dessa maneira, analisando as verten- tes em que a escola deveria se transformar, € possivel contribuir para acelerar as mudancas necessaries A tomada de conscigncia €, ento, 0 resultado da pala- vyra que facilita a reflexao acerca da vida escolar e, ao mesmo tempo, o resultado da ago cooperativa que atua como um cata- lisador que poe em destaque os sistemas de organizacio, de fun- cionamento e de poder da escola, Palavra e ago ampliam a compreensto da escola e realizam a transformacéo. TRABALHO ESCOLAR, CONVIVENCIA E ATIVIDADES DE INTEGRAGAO ‘Aeescola democratica defende valores vinculados a au- tonomia, & cooperacio, ao dilogo e a auto-regulacao. Além do mais, uma escola democratica deve planejar préticas de partici pacdo coerentes com esses valores. Priticas formadas por pro- cessos de didlogo e de acdo cooperativa, porém priticas que, com o decorrer do tempo, possam provocar também processos de tomada de consciéncia da realidade didria da vida escolar, assim como do sentido global da escola. O diélogo, a acio coo- perativa e a tomada de consciéncia aplicam-se ao trabalho esco- lar, a convivencia e as atividades de integracao. A participacao e a tomada de consciéncia concretizam- se na atividade, na relacio e na integracdo, Quer dizer, trata-se de tomar parte ativae significativa na regulagio desses trés am- bitos da vida escolar, Porem, isso significa que, simultaneamen- te, toma-se consciencia do funcionamento e do sentido da esco- la: pensa-se e melhora-se 0 conjunto da vida escolar. P96 A Paaricieagio wa Escoua Pensar e regular 0 trabalho escolar Esta claro que a escola é uma instituigao construida para facilitar a aprendizagem da juventude. Portanto, um dos ambitos de participacdo indispensaveis €, precisamente, o do trabalho escolar. Seria um contra-senso pensar uma escola de- moctatica e nao aplicar os seus principios na atividade mais importante que desenvolve. A escola deveria buscar formulas que permitissem aos seus alunos organizar ¢ tornar-se respon- saveis pelos espacos cada vez mais amplos do processo de apren- dizagem. E evidente que muitos aspectos desse processo esto nnas mos dos educadores e das educadoras ¢ nao parece ade- quado imaginar abandoné-los. Porém, sem negar essa eviden- cia, pensemos também que resulta desejavel estimular a auto- nomia ea transferéncia de responsabilidades na aprendizagem, assim como 0 reconhecimento do sentido da atividade que se leva a cabo na escola. Talcomo acabamos de afirmar, trata-e de evar alunos ¢ alumas a tomar parte na organizacao do trabalho escolar e também de descobrir 0 sentido pessoal e social da escola, Frequentemente percebemos que a escola no tem significado para os alunos e, em conseqiéncia, desaparece qualquer motivacao para as atividades. Pode-se tentar inverter esse processo, propiciando uma transparen- cia maior da escola, que permita captaclhe o sentido e a utiidade pessoal e socal. E sabido, porém, que a sociologia tem destacado a impossbilidade quase estrutural de a escola ser atrativae ttl aos jovens e as jovens de determinados grupos sociais. Isso € certo, nas, juntamente com medidas de ordem social, econémica e poli tica, ¢ desde uma perspectiva puramente pedagogica, nao parece que exista qualquer outro camino que nao seja a omada de cons- 37 T_ Dewocnacia € Panricipacao Esct an — Provostas oF Arivioanes ciencia das mecanismos escolarese da posi de cada um em rela- loa escola. Esse é0 legado de autores tao diferentes como Lorenzo Milani com a escola de Barbiana, Paulo Freie ou Paul Wiis Pensar e regular a convivéncia escolar Sea aprendizagem € uma funcéo indiscutivel da esco- Ja, a relagio ¢ a convivencia sto hoje algumas das realidades mais importantes da instituicao docente, A escola é um espaco conde vivem pessoas adultas e jovens durante um grande perio- do de horas por dia e de dias na semana. Isso supe uma fonte de experiencias de socializacao e de educacao moral de grande aleance, Nenhuma escola pode esquecer a organizacio das rela- ves interpessoais e da convivéncia, No nosso caso, trata-se de ver que essa é uma tarefa que recai as pessoas adultas que guiam a vida escolar, porém em parte deve ser também de responsabi- lidade das jovens e dos jovens. Quer dizer, eles devem ter, nas suas mos, a possibilidade de regular a sua vida em comum. Tal ‘como nos indica Piaget, & preciso que os jovens e as jovens te- nham experiéncias reais de convivéncia e que possam responsa- bilizar-se de conduzit-se por eles mesmos. Trata-se de propiciar ‘mecanismos de autogoverno e de autonomia escolar. Em doses ena intensidade que em cada caso seja posstvel, a escola demo- cratica deve abrir um espaco a participacao e & convivencia. Pensar e regular as atividades de integragao escolar A escola é uma instituigdo de trabalho, de convivencia e de vida, Portanto, na medida em que é um espaco de vida, recai sobre ela a necessidade de organizar os acontecimentos que P38 A Paariciragto wa Es fazem parte da vida das pessoas e da coletividade. Nesse senti- do, ndo conseguimos imaginar uma escola que nao seja a Tesso- nincia das celebracdes proprias da comunidade, que nio acolha 0s momentos de festa dos seus alunos, que nao se envolva em campanhes reivindicativas e solidarias ou que nao organiza mo- rmentos de jogos, esporte e competigio. Uma escola democratica € uma escola permeavel a sensibilidade dos seus cidadaos e as necessidades dos seus usuarios e usuarias. Porém, assim como vvimos a respeito do trabalho e da convivencia, a integracao deve também ser uma oportunidade de participacao, Os jovens e as jovens tém, como sempre, um duplo papel: o de participar nas atividades e o de participar na sua organizacio. Isso faz parte das taefas de uma escola democratica Para fazer uma escola democratica baseada na parti- cipagto nos ambitos do trabalho, da convivencia e das ativida- des de integracdo cabe pensar o tipo de préticas pedagogicas {que sejam préprias aos diferentes niveis que compdem as ins- Lituigdes: 0s sujeitos, os pequenos grupos, o grupo-classe e a escola. Esta obra dedicara o capitulo seguinte a essas questoes. Em seguida, vamos nos centrar no estudo das assembléias como um momento privilegiado, mesmo que nao o tinico, de parti cipacio escolar 397: 2 Os Espacos bE ConsTRUGAO DE UMA EscoLa DEMOCRATICA INTERVENGAO CENTRADA NOS SUJEITOS AXicumas reflextes educaivas tendem a dar proridade a for macao dos grupos e da coletivdade, Acreditam, com boas razbes, ‘que intervir sobre esses niveis acaba repercutindo na educacio das personalidades individuais, Existem porém algumas outras tendén- cias que consideram que € proprio da aco educativa influirsobre os individuos singulares, Consideram também, com boas raz6es, que 0 melhor modo de ajudar ur sujeito € trabalhar com ele de manera direta e imediata. A relacio educativa pessoal seria o meio privilegia- do dessa opcao, De nossa part, pensamos que a intervencao educa- tiva deve ser multipla, diferencia simultanea, Quer dizer, deve rea- Tizar-se em dlversosnivets educativos: os suites, os pequenos grupos, 0 grupo-casse€ ainstituigao escolar em conjunto. Em cada um se deve intervir de maneira diferente, de acordo com a sua natureza e com as suas possbildades.E,finalmente, poderiamos dizer que es- sas intervengoes costumam produzir entrlacamentos entre elas No primeito item, referiremo-nos, exclusivamente, a in- tervencto do tutor ou da tutor, orientada a formar a personalidade ‘moral dos seus alunos ¢ alunas. Comecaremos a analisar 0 que en- ait Democnacia ¢ Panticipacio EscoLan — PRoPosTAS DE ATIVIDAGES tendemos por personalidade moral e quais tipos de attudes pesso- ais favorecem o seu desenvolvimento. Posteriormente, apresentare- ‘mos algumas recomendaces para contribuir nesta tarefa, Tratare- mos especialmente da entrevista pessoal, das atividades de autoconhecimento e dos exercicios de auto-regulaco A formagio da personalidade moral? Se entendemos que a educacdo € instrucéo e forma- 20, estamos dizendo que com a educacéo queremos cumprir dois objetivos: ensinar conhecimentos e formar a personalidade moral dos nossos alunos. Se ensinar conhecimentos ¢ algo rela- tivamente claro, nao sucede o mesmo com a formacao moral. 0 que pretendemos ver aqui € precisamente isso: 0 que entende- ‘mos por personalidade moral? Os jovens e as jovens quando chegam a escola ja co- ‘megaram a elaborar —e o continuario durante muito tempo — alguma coisa que denominamos de personalidade moral, Um conceito que nao designa somente uma coisa, mesmo que possa parecer, mas umas quantas. A personalidade moral esta consti- tuida por uma trama formada pelos seguintes elementos * Acconsciencia de si mesmo e a capacidade que outorga de dlirigir-se com autonomia, * A inteligencia moral ou o conjunto de capacidades que per- + mitem deliberar e atuar em situacdes sociais. + A experiencia biogrifica singular que modelaa identidade, os valores e a maneira de ser. 2 FUIG.J. (1998). Acanaanta do gersanallage moa! Sbo Polo. ic. 42 Os Eseacos oF Coustaucto 0 une Escoua A personalidade moral éa figura que cada sujeito mo- dela com esses trés elementos. Vejamos um por um. Desde as experiéncias mais iniciais de relacdo com 0 mundo e sobretudo de inter-relacdo com as pessoas adultas e com as outras criangas, 0s meninos e as meninas vao reconhe- cendo o sen corpo, o seu status de membro de uma familia ou de amigos ou amigas dos companheiros e companheiras, con- seguindo perceber as suas necessidades e, assim, dando um asso apds outro para reconhecer-se a si mesmos, quer dizer, construindo 0 seu eu. A personalidade moral requer, em pri- ‘meio lugar, haver conseguido este auto-reconhecimento: cons- truir uma idéia de si mesmo que define um espaco desde onde possam dirigir as operacdes de deliberacdo e de aco. Um es- paco onde o ew erige um centro de controle de si proprio, mes- ‘mo que, em principio, seja débil, inseguro ou muito depen- dente, Trata-se de experimentar-se a si mesmo como um ei capaz de ter iniciativas Posteriormente, quando os jovens ¢ as jovens come- ‘cam a se reconhecer como individus capazes de se governar, também comeca o momento da responsabilidade. momento em que ja vale a pena perguntarse por que fazem o que fazem e dizem 0 que dizem: lentamente ¢ com esforco vao se tomnando amos e senhores de sua conduta e das suas opinioes e, para tan- to, sto capazes de responder uma coisa ou outa Nao obstante, no comeco respondem sobre suas idéias e suas condutas apelando a raciocinios heteronomos. Quer di- zer, tendem a assumir as opinides, as normas ¢ os comporta- mentos como algo imposto desde o exterior, rigidamente e que é preciso respeitar obrigatoriamente, Assim é a responsabilidade 4373 Denocracia & Panricipacao ESCOLAR — PRovostas oF ATivioanés heteronoma: uma responsabilidade que sempre se apsia em al- gum tipo de seguranca, imposicao ou necessidade externa. So- ‘mente num segundo momento serio capazes de se dirigir a si mesmos e de responder a respeito dos proprios atos a partir de juzos autonomos. Avs poucos, do conta de que as condutas e as opinies nao esto predeterminadas nem totalmente impos- tas, mas que cada sujeito tem a capacidade e o direito de decidir como sera sua posicao, A responsabilidade nao é delegada do exterior, mas assumida como do proprio sueito. ‘A consciéncia capaz de responder sobre suas idéias ¢ seus atos € somente um aspecto da petsonalidade moral, Para que a consciéncia possa funcionar como um espaco de delibera- G4 ¢ ditecao moral, deve ter um conjunto de capacidades ou inteligencia moral que the permita enlrentar-se as experiencias sociais. Cada uma das capacidades morais tem uma funcdo ptd- pria no julgamento das experéncias sociomorais e entre todas essas se realiza 0 funcionamento da consciéncia moral. Agir de acordo com a propria consciéncia € utilizar 0 conjunto de capa- cidades que formam a inteligencia moral. A seguir exporemos algumas destas capacidades psicomorais mais relevantes que a escola devera desenvolver e ensinar a utilizar. * Autoconhecimento: construir e valorizar positivamente proprio eu; conhecer-se a si mesmo; integrar a experiéncia biografica e projeté-la ao futuro. * Comhecimento das outras pessoas: desenvolvimento da ca- pacidade empatica e de adogao de perspectivas sociais, * Juizo moral: desenvolver a sensibilidade moral e a capaci- dade de raciocinar acerca dos problemas morais de uma maneira justa e solidéria 44 (Os Espacos oF ConsraUCkO DE Uma EscoLa, + Habilidades dialogicas: desenvolver as capacidades para tro- ccar opinides e para raciocinar a respeito dos pontos de vista dos outros interlocutores ¢ interlocutoras visando ao acordo, + Compreensao critica: desenvolver as capacidades para ad- quiririnformagao e para contrapor os diferentes pontos de vista sobre a realidade, a fim de compreendé-la, compro- metendo-se com sua mudanga, + Auto-regulagdo: buscar a coeréncia entre 0 juizo e a acdo moral. Adquitir os habitos desejados construir, volunta- riamente, um cardter moral proprio, + Tomada de conscigncia: desenvolver as habilidades que permitam conceituar, regular e valorar aos processos cog- nitivos, emocionais e de conduta que pertencem a0 ambito sociomoral. ‘A formacao da personalidade moral requer a constru- ao de um eu responsivel, o desenvolvimento das capacidades psicomorais de deliberacio e acto e, finalmente, a elaboracio dos proprios valores, a identidade ea maneira de ser. Alguma coisa que, em conjunto e metaforicamente, podertamos consi- derar como personagem, quer dizer, o papel que todos repre- sentam ou, talvez melhor, 0 papel que somos. Cada individuo acaba sendo de uma determinada maneira que o distingue dos outros, que o faz tnico e que o caracteriza. A formaco da perso- nalidade moral requer que os jovens e as jovens modelem este tecido de valores, idéias, crencas, experiéncias, costumes, hibi- tos, amizades, desejos, esperancas e de outras vivéncias biogrs- ficas que acabam configurando uma maneira de ser propria de cada individuo. Nao se trata, porém, de algo imposstvel de edu- car. Estamos modelados por muitos fatores, alguns dos quais 457% Democnacia € Pasmicipagao Escola — Propostas Dé ATiviod oF sto inacessiveis a acdo educativa, porém a sua progressiva confi- guracéo permite que a intervencao educativa seja, a0 menos, uma influéncia entre muitas outras. Educar a personalidad moral significa ajudar a cons- truir uma consciéncia capaz de responder com autonomia, for mar a inteligéncia morale influir na modelagem da identidade. Além do mais, ¢ fazer essas es coisas a0 mesmo tempo. A tutoria como relacao interpessoaP Um dos objetivos destas paginas consiste em mostrar que a construgio da personalidade moral é uma das finalidades da escola que se realiza conjuntamente em todas os seus espacos € momentos. Nao obstante, aqui queremos chamar a atencio especial ao ambito da relacdo interpessoal entre o docente, na sua fungio de tutor, e cada um de seus alunos individualmente Queremos referir-nos ao esforco de personalizacio que a educa- cdo sempre deve considerar. O educador ou a educadora, além de um docente que vé suas alunas e seus alunos como aprendi- zes, também deve se preacupar em dar respostas as necessida- des particulares. Sabe que educa pessoas concretas e que deve formar personalidades completas Uma vez delimitado esse momento de formacio da personalidade moral por meio da relagdo interpessoal, tentare- ‘mos apontar de que maneira a tutora ou o tutot pode realizar essa tarefa, Na medida em que consideramos a acdo tutorial como 3. NERROQUN (1691) Loran ds co Rober Cat iw, Messe pebles FOGES,¢ (198), ees 6 contiseenpuoe Boca Foi 75158 7 46 Os Eseagos o¢ Constnucto ot uaa Escoua.. ‘uma relacio interpessoal, o/a docente devera propiciar, com sua atitude, uma relagao cordial, afetuosa e respeitosa a cada um de seus altunos ou de suas alunas, Conseguir uma relagao humana dessa qualidade requer manifestar certas habilidades ou capaci- dades que contenham o que descrevemos a seguir. Compreender O primeito aspecto a ser considerado € a capacidade da tutora ou do tutor de se colocar em lugar do joven ou da jovem, sempre fazencio um esforco de compreensio do seu ponto de vis- tae dos motivos que o levaram a se manifestar ou a se comportar de determinada maneira. Qualquer conduta sempre tem uma ex- plicagao, corresponde a interesses, sentimentos ou razdes nem. sempre explicitos, porém que influem de uma maneira decisiva ‘em quem os experimenta. Compreendé-los, sem emitir juizos va- lorativos, permitira uma aproximacdo a realidade do jovem ou da jovem e abrira canais de comunicacdo na relacao interpessoal. Frequentemente, 0s nossos alms ¢ as nossas alunas tém verda- deiras dificuldades, nao somente para se expressar, mas também para conhecer os motivos que os levaram a agir de determinada maneira, Nesses casos, a tutora ou o tutor deve se esforcar para entender os/as estudantes e para ajudilos a se reconhecer. Questionar Em segundo lugar, queremos destacar aquelas interven o6es do tutor ou da tutora destinadas a estimular os alunos € as alunasa tomar consciéncia de suas experiéncias pessoais, colocan- do-se constantemente em contato com eles. Referimo-nos & habili- 47°: J__Dewocnacia ¢ Paaniciracko Esco.an — Prorostas of Anivioanes dade para ratar com cada jovem sobre temas como: o porque ce seu ‘comportamento com os outros companheitos ¢ com as autras com- panheiras ox consigo mesmo, a seriedade ou falta de interesse com que assumem as responsabilidades, as tarefas ou a participacéo na sala de aula, Com freqtiéncia, os alunos e as alunas demonstram incoeréncia e atitudes negativas; é preciso analisé-las, bem como ela- Dorar com eles, para que produzam avancos qualitativos na sua for macio, O fato de ajudéc-los a “dar nomes” a tudo isso, denota uma atitude de respeto eacolhida incondicional, que pode ser de grande ajuda no processo de construcio da personalidade Valorizar ‘Um outro fator que se pode consideraréa vontade do tutor ou da tutora de se fixar nos progressos que os seus alunos fazem, mes- mo que, aparentemente, nao sejam muito significativos. E comum que, pela quantidade de alunos, &tutora ou 20 tutor passem despercebidos (8 pequenos avancos que realizam. Por outro lado, é sabido que os jovens e as jovens de qualquer idade sio especialmente senstves as demonstracoes de aprovacio por parte das pessoas adultas, Os efeitos que tem para of estudanteo fato de que o tutor ou atutorareconheca o seuesforco, que oanime a continuar progredindo, que ofélicite por ‘uma tarefa bem-feta ou que he aplauda por uma boa ideia sio, certa- ‘mente, muito mais importantes do que tenemos aimaginar. Interessar-se Tado 0 que se expos até aqui nao ser possivel se 0 tutor ou a tutora ndo estiver junto ao estudante, se nao o obser vat, se nao trabalhar com ele, se nao Ihe perguntar o que esta mao) 5 EseAcos oF Constnucdo oe une Es acontecendo ou nao se envolver no seu projeto de formacio pes- soal; também se nao o considerar um ser tinico, dotado de re- cursos que o permitam alcangar 0 que se prope. Somente a medida em que o jovem ou a jovem percebe que o tutor ou a tutora esta interessado em tudo o que acontece com ele/ela, a tu- toria individualizada tera um papel significativo no processo de construcio da personalidade moral Precisamos admitir que, finalmente, as atitudes ou ha- bilidades que destacamos neste item nem sempre se cristali- zam ou se transmitem mediante palavras e discursos, Um olhar de aprovagao, um gesto amavel, um tapinha nas costas ou uma brincadeira oportuna podem ser formas de comunicagao nao verbal mais expressivas, mais eficazes e até mais contundentes que as palavras Como se prepara uma entrevista? A entrevista ¢ um dos recursos mais emblemticos da intervencao tutorial, quando se dirige a formacao individualiza- da dos alunos. Consiste basicamente em uma forma de conversa em umaatitude de dislogo. A entrevista tem como finalidade o conhecimento mais profundo da outra pessoa, A vontade de com- preender 0 outro individuo e de acolhé-lo em sus realidade sao elementos basicos os quais nos limitamos a mencionar, ja que foram tratados no item anterior. A entrevista 6, ent2o, uma tée- 4, PASCUAL AN. (1986), Conexto 36 vias y saree humana Modi Noten ODL G. (1989), Qu séjo?Baceloro, Alem, PUIG J. (1995). (a tence meal en le orsaners obgarore Berceono, Hosowle, 151-157, 49 Democnacia & Panticipagko EscoLan — Paovostas OF ATIVIDADES nica insubstituivel e completamente necessatia ao conhecimen- todo educando, Gracas a entrevista ¢ possivel uma relacao dire- tae intensa na comunicagéo, dificil de se conseguir por meio de outras estratégias. Partindo dessa idéia, tentaremos proporalgu- ‘mas questdes que exemplificam a maneira como aplicamos as entrevistas individuais em nossas escolas. Uma primeira questao faz referéncia ao conteido da entrevista: de que vamos falar com os nossos alunos com as nossas alunas? Mesmo que a essa pergunta o tutor ou a tutora devam responcler em cada caso particular, acreditamos que exis- tem temas muito recorrentes. As tarefas escolares € as questoes académicas sto um aspecto importante para tratar com cada es- tudante: como esta indoma escola, que dificuldades tem ou como ‘organiza seu tempo sto alguns exemplos. A entrevista pode ser uma boa ocasiao para ajudar as altnas e os alunos a reconhecer 0s progressos realizados de que talvez eles/elas nao tenham se dado conta, ou para ajudé-los a tomar consciéncia de algumas dificuldades no processo de aprendizagem e expo-los a necessi- dade de dedicar mais esforco e concentracao. Um outro aspecto que se pode tratar seré a relaco com os companheiros e as com- panheiras de classe, a sua implicacao nas dinamicas de grupo e, por fim, tudo aquilo que faz referencia a convivencia com as otras pessoas. A partir do objetivo que aqui propomos, este aspecto sera especialmente significativo, Da mesma maneira, a vida do menino ou da menina, fora da escola, sera um outro tema que se poder tratar durante a entrevista: Quais as ativida- des que faz? Quanto tempo dediica, em casa, as taefas escolares? Quantas horas assiste & televisdo? Quanto tempo passa com os companheiros ¢ as compantheiras e que tipo de atividades reali- zam? Como sto as suas relacdes familiares? Que responsabilida- 50 Os Eseagos o¢ Constnucko Dr uaa Escoua des domésticas assume? Participa de outras intituicées educati- vvas, como grupos de lazer, equipes desportivas ¢ outros? Mesmo estes trés ambitos — tarefas escolares, relagdes de grupo e vida fora da escola — estando presentes em qualquer entrevista, evi dentemente nao se esgotam as suas possibilidades. O tutor om a tutora devem estar abertos @ outros temas que tém uma grande influencia na vida dos jovens e das jovens, especialmente quan- do aparecem problemas Depois de apontar 0 conteiido que pode ter uma en- tevista, apresentamos uma segunda questo: Quais as funcaes quea entrevista deve ter? Entendemos que a entrevista deve cum- prir duas fungées. A primeira € a de aprofundar o conhecimento a respeito de cada estudante, por meio do dislogo, acerca dos temas apontados. A segunda € a de estabelecer pactos que aju- dem o jovem ou a jovem a progredir no ambito de que mais necessite. Por exemplo, controlar as suas reagoes nas atividades de lazer, participar com mais freqiiencia nas discussoes de sala de aula, modificar a forma como gasta o tempo fora da escola, concentrar-se nas tarelas individuais, nao se aborrecer quando algo nao esta de acordo com o que queria ou respeitar as regras da sala de aula, Se ofa estudante e 0 tutor ow a tutora tomam. rota desses pactos que sio estabelecidos, sera mais facil para o jovem ouajovem recordar com que se comprometeu e sera mais facil revis-Los na entrevista seguinte. Nao é necessétio estabele- cer uma grande quantidade de acordos, mas sim centrar priori- tariamente a atencio e 0 esforco sobre poucos, um ou dois, Uma terceira questao refere-se aos aspectos mais for- mais da entrevista: Quando ¢ onde serd realizada? Acreditamos que, atendendo a essa pergunta, pode-se diferenciar dois tipos 54 7¢

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