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Pierre Levy CIBERCULTURA editoralil34 colegéo TRANS Pierre Lévy CIBERCULTURA Traducao Carlos Irineu da Costa editoral—l34 I AS TECNOLOGIAS TEM UM IMPACTO? A METAFORA DO IMPACTO £ INADEQUADA Nos textos que anunciam coléquios, nos resumos dos estudos oficiais ou nos artigos da imprensa sobre o desenvolvimento da mul: timidia, fala-se muitas vezes no *impacto” das novas tecnologias da informagio sobre a sociedade ou a cultura. A tecnologia seria algo compardvel a um projétil (pedra, obus, missil?) e a cultura ou a socie~ dade a um alvo vivo... Esta metafora bélica é criticavel em varios sen- tidos. A questo nao é tanto avaliar a pertinéncia estilistica de uma figura de retérica, mas sim esclarecer 0 esquema de leitura dos fend- menos — a meu ver, inadequado — que a metfora do impacto! nos revela. As técnicas viriam de outro planeta, do mundo das méquinas, frio, sem emogdo, estranho a toda significagao e qualquer valor humano, como uma certa tradigio de pensamento tende a sugerir*? Parece-me, pelo contrario, que nao somente as técnicas so imaginadas, fabrica- das ¢ reinterpretadas durante seu uso pelos homens, como também é © proprio uso intensivo de ferramentas que constitui a humanidade enquanto tal (junto com a linguagem e as instituiges sociais comple- xas). Eo mesmo homem que fala, enterra seus mortos ¢ talha 0 silex. Propagando-se até nés, o fogo de Prometeu cozinha os alimentos, endurece a argila, funde os metais, alimenta a maquina a vapor, corre nos cabos de alta-tenséo, queima nas centrais nucleares, explode nas armas e engenhos de destrui¢o. Com a arquitetura que o abriga, retine € inscreve sobre a Terra; com a roda e a navegacao que abriram seus horizontes; com a escrita, 0 telefone ¢ 0 cinema que o infiltram de signos; com 0 texto e o téxtil que, entretecendo a variedade das maté- | Ver Mark Johnson, Gerge Lakoff, Les métaphores dans la vie quotidienne, Paris, Minuit, 1985. 2 £, por exemplo, a rese (que exponho de forma caricatural aqui) de Gilbert Hottois em Le signe et la technique, Paris, Aubier- Montaigne, 1984 Ciberculeura 21 rias, das cores ¢ dos sentidos, desenrolam ao infinito as superficies onduladas, luxuosamente redobradas, de suas intrigas, seus tecidos e seus véus, o mundo humano é, ao mesmo tempo, técnico. Seria a tecnologia um ator auténomo, separado da sociedade e da cultura, que seriam apenas entidades passivas percutidas por um agente exterior? Defendo, ao contrario, que a técnica é um Angulo de anélise dos sistemas sécio-técnicos globais, um ponto de vista que enfatiza a parte material ¢ artificial dos fendmenos humanos, € nao uma entidade real, que existiria independentemente do resto, que te- ria efeitos distintos e agiria por vontade propria. As atividades huma- nas abrangem, de maneira indissolivel, interagdes entre: — pessoas vivas e pensantes, —entidades materiais naturais e artificiais, — idéias e representagdes. E impossivel separar 0 humano de seu ambiente material, assim como dos signos e das imagens por meio dos quais ele atribui sentido a vida e ao mundo. Da mesma forma, ndo podemos separar o mundo material — e menos ainda sua parte artificial — das idéias por meio das quais os objetos técnicos so concebidos e utilizados, nem dos humanos que os inventam, produzem e utiliza. Acrescentemos, en- fim, que as imagens, as palavras, as construgdes de linguagem entra- nham-se nas almas humanas, fornecem meios e razdes de viver aos homens e suas instituigdes, so recicladas por grupos organizados ¢ instrumentalizados, como também por circuitos de comunicagao e me- mérias artificiais®. Mesmo supondo que realmente existam trés entidades — téeni ca, cultura e sociedade —, em vez. de enfatizar o impacto das tecnolo- gias, poderiamos igualmente pensar que as tecnologias sio produtos de uma sociedade e de uma cultura. Mas a distine3o tracada entre cultura (a dinamica das representagdes), sociedade (as pessoas, seus lagos, suas trocas, suas relacdes de forca) e técnica (artefatos eficazes) s6 pode ser conceitual. Nao hé nenhum ator, nenhuma “causa” realmente indepen- dente que corresponda a ela. Encaramos as tendéncias intelectuais como 5 Como é possivel que formas institucionaise téenicas materiais transmitam idéias... e vice-versa? Esta é uma das principaislinhas de pesquisa do empreendi- mento midialigico iniciado por Régis Debray. Ver, por exemplo, seu Cours de médiologie génerale, Paris, Gallimard, 1991, Transmettre, Paris, Odile Jacob, 1997, a bela revista Les Cabiers de Médiologie. 2 Pierre Lévy atores porque ha grupos bastante reais que se organizam ao redor destes recortes verbais (ministérios, disciplinas cientificas, departamentos de universidades, laborat6rios de pesquisa) ou entao porque certas forcas esti interessadas em nos fazer crer que determinado problema é “pura- mente técnico” ou “puramente cultural” ou ainda “puramente econémi- co”. As verdadeiras relagdes, portanto, nao sao criadas entre “a” tec- nologia (que seria da ordem da causa) e “a” cultura (que sofreria os efei- tos), mas sim entre um grande ntimero de atores humanos que inven- tam, produzem, utilizam e interpretam de diferentes formas as técnicas'. “A TECNICA” OU “As TECNICAS”? De fato, as técnicas carregam consigo projetos, esquemas imagi- natios, implicacdes sociais e culturais bastante variados. Sua presen- ‘ga e uso em lugar e época determinados cristalizam relagGes de forca sempre diferentes entre seres humanos. As maquinas a vapor escravi- zaram os operdrios das indiistrias téxteis do século XIX, enquanto os computadores pessoais aumentaram a capacidade de agir e de comu- nicar dos individuos durante os anos 80 de nosso século. O que equi- vale a dizer que nao podemos falar dos efeitos sécio-culturais ou do sentido da técnica em geral, como tendem a fazer os discipulos de Heidegger’, ou mesmo a tradigao saida da escola de Frankfurt®. Por exemplo, seré legitimo colocar no mesmo plano a energia nuclear ea eletrénica? A primeira leva em geral a organizagoes centralizadas, controladas por especialistas, impde normas de seguranga bastante estritas, requer escolhas a prazo muito longo ete. Por outro lado, a eletrénica, muito mais versdtil, serve to bem a organizagdes pirami- dais quanto a distribuicao mais ampla do poder, obedece a ciclos tecno- econémicos muito menores etc’. 4 Desenvolvemos longamente este assunto em nossa obra As tecnologias da inteligéncia, Sao Paulo, Editora 34, 1993. Ver também os trabalhos da nova an: tropologia das cigncias e das técnicas, por exemplo, Bruno Latour, La science en action, Paris, La Découverte, 1989. 5 Vero famoso artigo de Heidegger, “O sentido da técnica”, que gerou uma umerosa descendéncia intelectual entre filésofos e sociélogos da técnica, em par- ticular, bem como entre os pensadores criticos do mundo contemporiineo em geral © A técnica encontra-se sempre do lado da “razdo instrumental”? 7 O paralelo entre a eletrénica ¢ a energia nuclear foi desenvolvido sobretudo por Derrick De Kerckove em The Skin of Culture, Toronto, Sommerville Press, 1995. Cibercultura 23 Por tras das técnicas agem reagem idéias, projetos sociais, uto- pias, interesses econémicos, estratégias de poder, toda a gama dos jogos dos homens em sociedade. Portanto, qualquer atribuigao de um sen- tido tinico a técnica s6 pode ser dubia. A ambivaléncia ou a multipli- cidade das significagdes e dos projetos que envolvem as técnicas s40 particularmente evidentes no caso do digital. O desenvolvimento das cibertecnologias € encorajado por Estados que perseguem a poténcia, em geral, € a supremacia militar em particular. E também uma das grandes questdes da competigio econdmica mundial entre as firmas gigantes da eletrdnica ¢ do software, entre os grandes conjuntos geo- politicos. Mas também responde aos propésitos de desenvolvedores e usuarios que procuram aumentar a autonomia dos individuos e mul- tiplicar suas faculdades cognitivas. Encarna, por fim, o ideal de cien- tistas, de artistas, de gerentes ou de ativistas da rede que desejam me- Ihorar a colaboragio entre as pessoas, que exploram e dao vida a di ferentes formas de inteligéncia coletiva e distribuida. Esses projetos heterogéneos diversas vezes entram em conflito uns com 0s outros, mas com maior freqiiéncia —e voltarei a falar nisso mais tarde — alimen- tam-se e reforcam-se mutuamente. A dificuldade de analisar concretamente as implicagdes sociais e culturais da informatica ou da multimidia é multiplicada pela ausén- cia radical de estabilidade neste dominio. Com excegao dos prineipios logicos que fundamentam 0 funcionamento dos computadores, 0 que podemos encontrar de comum entre os monstros informaticos dos anos 50, reservados para célculos cientificos e estatisticos, ocupando andares inteiros, muito caros, sem telas nem teclados e, em contrapartida, as maquinas pessoais dos anos 80, que podem ser compradas ¢ manu- seadas facilmente por pessoas sem qualquer formagao cientifica para escrever, desenhar, tocar musica e planejar 0 orcamento? Estamos falando de computadores em ambos os casos, mas as implicagdes cog- nitivas, culturais, econdmicas e sociais so, evidentemente, muito di- ferentes. Ora, o digital encontra-se ainda no inicio de sua trajetoria. A interconexao mundial de computadores (a extensio do ciberespaco) continua em ritmo acelerado. Discute-se a respeito dos proximos pa- drées de comunicagéo multimodal. Tacteis, auditivas, permitindo uma visualizagao tridimensional interativa, as novas interfaces com 0 uni- verso dos dados digitais sao cada vez mais comuns. Para ajudar a navegar em meio & informagao, 0s laborat6rios travam uma disputa de criatividade ao conceber mapas dindmicos do fluxo de dados ¢ 24 Pierre Lévy desenvolver agentes de software inteligentes, ou knowbots. Todos esses sdo fendmenos que transformam as significagdes culturais e sociais das cibertecnologias no fim dos anos 90. Dados a amplitude e o ritmo das transformagies ocorridas, ain- da nos é impossivel prever as mutagdes que afetarao o universo digi- tal apés 0 ano 2000. Quando as capacidades de meméria e de trans- missio aumentam, quando sio inventadas novas interfaces com 0 cor- po € o sistema cognitive humano (a “realidade virtual”, por exemplo}, quando se traduz 0 contetido das antigas midias para o ciberespago (0 telefone, a televisio, os jornais, os livros etc.), quando o digital co- munica ¢ coloca em um ciclo de retroalimentagao processos fisicos, econmicos ou industriais anteriormente estanques, suas implicagdes culturais e sociais devem ser reavaliadas sempre. A TECNOLOGIA £ DETERMINANTE OU CONDICIONANTE? [As técnicas determinam a sociedade ou a cultura? Se aceitarmos a ficgdo de uma relacao, ela é muito mais complexa do que uma rela- go de determinagao. A emergéncia do ciberespago acompanha, tra- duz e favorece uma evolugio geral da civilizag3o. Uma técnica é pro- duzida dentro de uma cultura, e uma sociedade encontra-se condicio- nada por suas técnicas. E digo condicionada, nao determinada. Essa diferenga é fundamental. A invengao do estribo permitiu o desenvol- vimento de uma nova forma de cavalaria pesada, a partir da qual fo- ram construidos o imagindrio da cavalaria e as estruturas politicas € sociais do feudalismo. No entanto, o estribo, enquanto dispositivo material, nao é a “causa” do feudalismo europeu. Nao ha uma “cau- sa” identificdvel para um estado de fato social ou cultural, mas sim um conjunto infinitamente complexo e parcialmente indeterminado de processos em interacao que se auto-sustentam ou se inibem. Podemos dizer em contrapartida que, sem o estribo, ¢ dificil conceber como cavaleiros com armaduras ficariam sobre seus cavalos de batalha € atacariam com a langa em riste... O estribo condiciona efetivamente toda a cavalaria e, indiretamente, todo o feudalismo, mas nao os de- termina, Dizer que a técnica condiciona significa dizer que abre algu- mas possibilidades, que algumas opgdes culturais ou sociais nao po- deriam ser pensadas a sério sem sua presenca. Mas muitas possibili- dades so abertas, ¢ nem todas sero aproveitadas. As mesmas técni- ‘cas podem integrar-se a conjuntos culturais bastante diferentes. A agri- cultura irrigada em grande escala talvez tenha favorecido 0 “despo- Cibercultura 25 tismo oriental” na Mesopotamia, no Egito ¢ na China mas, por um lado, essas sao civilizagdes bastante diferentes e, por outro, a agricul- tura irrigada por vezes encontrou um lugar em formas sécio-politicas cooperativas (no Magreb medieval, por exemplo). Confiscada pelo Estado na China, atividade industrial que escapou aos poderes pol cos na Europa, a impressao nao teve as mesmas conseqiiéncias no Oriente ¢ no Ocidente. A prensa de Gutenberg nao determinou a cr se da Reforma, nem o desenvolvimento da moderna ciéncia européia, tampouco o crescimento dos ideais iluministas e a forca crescente da opiniao publica no século XVIII — apenas condicionou-as. Conten- tou-se em fornecer uma parte indispensavel do ambiente global no qual essas formas culturais surgiram. Se, para uma filosofia mecanicista in- transigente, um efeito é determinado por suas causas e poderia ser de- duzido a partir delas, o simples bom senso sugere que os fendmenos culturais e sociais nao obedecem a esse esquema. A multiplicidade dos fatores e dos agentes proibe qualquer calculo de efeitos deterministas. Além disso, todos os fatores “objetivos” nunca sao nada além de con- digdes a serem interpretadas, vindas de pessoas e de coletivos capazes de uma invengao radical. Uma técnica nao é nem boa, nem ma (isto depende dos contex- 10s, dos usos e dos pontos de vista), tampouco neutra (jé que é condi- cionante ou restritiva, jé que de um lado abre e de outro fecha 0 es- pectro de possibilidades). Nao se trata de avaliar seus “impactos”, mas de situar as irreversibilidades as quais um de seus usos nos levaria, de formular os projetos que explorariam as virtualidades que ela trans- porta e de decidir 0 que fazer dela. Contudo, acreditar em uma disponibilidade total das técnicas ¢ de seu potencial para individuos ou coletivos supostamente livres, es- clarecidos e racionais seria nutrir-se de ilusdes. Muitas vezes, enquanto discutimos sobre os possiveis usos de uma dada tecnologia, algumas formas de usar ja se impuseram. Antes de nossa conscientizagao, a di- namica coletiva escavou seus atratores. Quando finalmente prestamos atengao, é demasiado tarde... Enquanto ainda questionamos, outras tecnologias emergem na fronteira nebulosa onde sao inventadas as idéias, as coisas e as praticas. Elas ainda estao invisiveis, talvez pres tes a desaparecer, talvez fadadas ao sucesso. Nestas zonas de indeter- minagao onde o futuro € decidido, grupos de criadores marginais, apai- xonados, empreendedores audaciosos tentam, com todas as suas for- as, direcionar o devir. Nenhum dos principais atores institucionais. 26 Pierre Lévy — Estado ou empresas — planejou deliberadamente, nenhum grande 6rgdo de midia previu, tampouco anunciou, o desenvolvimento da in- formitica pessoal, o das interfaces graficas interativas para todos, 0 dos BBS® ou dos programas que sustentam as comunidades virtuais?, dos hipertextos!” ou da World Wide Web!!, ou ainda dos programas de criptografia pessoal inviolavel!?. Essas tecnologias, todas impreg- nadas de seus primeiros usos e dos projetos de seus criadores, nasci- das no espirito de visiondrios, transmitidas pela efervescéncia de mo- vimentos sociais e praticas de base, vieram de lugares inesperados para qualquer “tomador de decisées”. ‘A ACELERAGAO DAS ALTERAGOES TECNICAS E A INTELIGENCIA COLETIVA Se nos interessarmos sobretudo por seu significado para os ho- mens, parece que, como sugeri anteriormente, o digital, fluido, em constante mutagao, seja desprovido de qualquer esséncia estavel. Mas, justamente, a velocidade de transformacao é em si mesma uma cons- tante— paradoxal — da cibercultura. Ela explica parcialmente a sen- sagao de impacto, de exterioridade, de estranheza que nos toma sem- pre que tentamos aprender movimento contemporaneo das técni- cas. Para o individuo cujos métodos de trabalho foram subitamente alterados, para determinada profissdo tocada bruscamente por uma revolucao tecnolégica que torna obsoletos seus conhecimentos e savoir- * BBS (Bulletin Board System) é um sistema de comunicagies do tipo comu- rio, baseado em computadores conectados através da rede telefénica. ° Comunidade virtual é um grupo de pessoas se correspondendo mutuamente por meio de computadores interconectados. "© Hipertexto é um texto em formato digital, reconfiguravel e fluido. Ele é ‘composto por blocos elementares ligados por links que podem ser explorados em. tempo real na tela. A nogdo de hiperdocumento generaliza, para todas as catego- rias de signos {imagens, animagées, sons et.), 0 principio da mensagem em rede mével que caracteriza o hipertexto, '© A World Wide Web é uma fungao da Internet que junta, em um tinico & imenso hipertexto ou hiperdocumento (compreendendo imagens ¢ sons), todos os documentos e hipertextos que a alimentam. ® Para uma explicagio mais detalhada sobre as questées relacionadas & criptografia, consultar, no capitulo XIV, sobre o conflito de interesses € as inter retagdes, a seco sobre 0 ponto de vista dos Estados, Cibercultura 7 faire tradicionais (tipégrafo, bancario, piloto de avido) — ou mesmo a existéncia de sua profisséo —, para as classes sociais ou regides do mundo que nao participam da efervescéncia da criagao, produgao e apropriagao hidica dos novos instrumentos digitais, para todos esses a evolugao técnica parece ser a manifesta¢do de um “outro” ameaca- dor. Para dizer a verdade, cada um de nés se encontra em maior ou menor grau nesse estado de desapossamento. A aceleracao ¢ tao forte ¢ to generalizada que até mesmo os mais “ligados” encontram-se, em graus diversos, ultrapassados pela mudanga, j4 que ninguém pode participar ativamente da criaco das transformagées do conjunto de especialidades técnicas, nem mesmo seguir essas transformacaes de perto, Aquilo que identificamos, de forma grosseira, como “novas tec- nologias” recobre na verdade a atividade multiforme de grupos hu- manos, um devir coletivo complexo que se cristaliza sobretudo em volta de objetos materiais, de programas de computador e de dispositivos de comunicagao. E 0 processo social em toda sua opacidade, é a ativi- dade dos outros, que retorna para o individuo sob a mascara estran- geira, inumana, da técnica. Quando os “impactos” sao negativos, se~ ria preciso na verdade incriminar a organizagao do trabalho ou as relagdes de dominagao, ou ainda a indeslindvel complexidade dos fendmenos sociais. Da mesma forma, quando os “impactos” sao ti- dos como positivos, evidentemente a técnica nao € a responsavel pelo sucesso, mas sim aqueles que conceberam, executaram e usaram de- terminados instrumentos. Neste caso, a qualidade do processo de apro- priagao (ou seja, no fundo, a qualidade das relagdes humanas) em geral € mais importante do que as particularidades sistémicas das ferramen- tas, supondo que os dois aspectos sejam separaveis. Resumindo, quanto mais rapida € a alteragao técnica, mais nos parece vir do exterior. Além disso, 0 sentimento de estranheza cresce com a separacao das atividades e a opacidade dos processos sociais. E aqui que intervem o papel principal da inteligéncia coletiva!3, que é um dos principais motores da cibercultura. De fato, o estabelecimen- to de uma sinergia entre competéncias, recursos ¢ projetos, a consti- tuigdo manutengio dinamicas de memérias em comum, a ativagio de modos de cooperagio flexiveis ¢ transversais, a distribuigao coor- denada dos centros de decisio opdem-se a separagao estanque entre Ver Pierre Lévy, A inteligéncia coletiva, Sa0 Paulo, Edigies Loyola, 1998. 28 Pierre Lévy as atividades, as compartimentalizagdes, & opacidade da organizagao social. Quanto mais os processos de inteligéncia coletiva se desenvolvem —o que pressupée, obviamente, o questionamento de diversos pode: res —, melhor € a apropriagio, por individuos e por grupos, das alte- rages técnicas, e menores sio os efeitos de exclusdo ou de destruigao humana resultantes da aceleragao do movimento tecno-social. O ciber- espaco, dispositive de comunicagao interativo e comunitario, apresenta- se justamente como um dos instrumentos privilegiados da inteligén- cia coletiva. E assim, por exemplo, que os organismos de formagio profissional ou de ensino a distancia desenvolvem sistemas de apren- dizagem cooperativa em rede. Grandes empresas instalam dispositivos informatizados de auxilio a colaboragao e a coordenagao descentraliza- da (os “groupwares”). Os pesquisadores e estudantes do mundo in- teiro trocam idéias, artigos, imagens, experiéncias ou observagées em conferéncias eletrénicas organizadas de acordo com os interesses ¢s- pecificos. Informatas de todas as partes do planeta ajudam-se mutua- mente para resolver problemas de programagao. O especialista de uma tecnologia ajuda um novato enguanto um outro especialista o inicia, por sua vez, em um campo no qual ele tem menos conhecimento: A INTELIGENCIA COLETIVA, VENENO E REMEDIO DA CIBERCULTURA © ciberespago como suporte da inteligéncia coletiva é uma das principais condiges de seu proprio desenvolvimento. Toda a histéria da cibercultura testemunha largamente sobre esse processo de retroagao positiva, ou seja, sobre a auto-manutengao da revolugio das redes digitais!4, Este é um fendmeno complexo ¢ ambivalente. Em primeiro lugar, o crescimento do ciberespaco nao determina automaticamente o desenvolvimento da inteligéncia coletiva, apenas fornece a esta inteligéncia um ambiente propicio. De fato, também vemos surgir na orbita das redes digitais interativas diversos tipos de formas novas... — de isolamento ¢ de sobrecarga cognitiva (estresse pela comu- nicagao ¢ pelo trabalho diante da tela), — de dependéncia (vicio na navegagao ou em jogos em mundos virtuais), 4 Pode-se encontrar uma boa descrigio desses processos Fe de Rosnay, L homme symbiotique, Paris, Seuil, 1995. Gibercultura 29 — de dominagao (reforgo dos centros de decisio e de controle, dominio quase monopolista de algumas poténcias econdmicas sobre fungdes importantes da rede etc.), — de exploracao (em alguns casos de teletrabalho vigiado ou de deslocalizagio de atividades no terceiro mundo), —emesmo de bobagem coletiva (rumores, conformismo em rede ou em comunidades virtuais, acimulo de dados sem qualquer infor- magio, “televisao interativa”), Além disso, nos casos em que processos de inteligéncia coletiva desenvolvem-se de forma eficaz gracas ao ciberespaco, um de seus principais efeitos é o de acelerar cada vez mais o ritmo da alteragéo tecno-social, o que torna ainda mais necessaria a participagao ativa na cibercultura, se ndo quisermos ficar para tras, e tende a excluir de maneira mais radical ainda aqueles que nao entraram no ciclo positi- vo da alteragio, de sua compreensao e apropriagao. Devido a seu aspecto participativo, socializante, descomparti- ‘mentalizante, emancipador, a inteligéncia coletiva proposta pela ci- bercultura constitui um dos melhores remédios para o ritmo deses- tabilizante, por vezes excludente, da mutagao técnica. Mas, neste mes- mo movimento, a inteligéncia coletiva trabalha ativamente para a ace- leragio dessa mutagao. Em grego arcaico, a palavra “pharmakon” (que originou “pharmacie”, em francés) significa ao mesmo tempo veneno € remédio. Novo pharmakon, a inteligéncia coletiva que favorece a cibercultura é a0 mesmo tempo um veneno para aqueles que dela nio participam (e ninguém pode participar completamente dela, de tio vasta e multiforme que é) ¢ um remédio para aqueles que mergulham em seus turbilhdes e conseguem controlar a propria deriva no meio de suas correntes. 30 Pierre Lévy 0. AINFRA-ESTRUTURA TECNICA DO VIRTUAL A EMERGENCIA DO CIBERESPACO Os primeiros computadores (calculadoras programaveis capazes de armazenar os programas) surgiram na Inglaterra e nos Estados Unidos em 1945, Por muito tempo reservados aos militares para cai culos cientificos, seu uso civil disseminou-se durante os anos 60. Ja nessa época era previsivel que o desempenho do hardware aumenta- ria constantemente. Mas que haveria um movimento geral de virtua lizagao da informagao e da comunicagao, afetando profundamente os dados clementares da vida social, ninguém, com a excegio de alguns visiondrios, poderia prever naquele momento. Os computadores ain- da cram grandes maquinas de calcular, frdgeis, isoladas em salas re- frigeradas, que cientistas em uniformes brancos alimentavam com car- tes perfurados e que de tempos em tempos cuspiam listagens ilegi- veis. A informatica servia aos calculos cientificos, as estatisticas dos Estados ¢ das grandes empresas ou a tarefas pesadas de gerenciamento (folhas de pagamento etc.). A virada fundamental data, talvez, dos anos 70. © desenvolvi- mento e a comercializacao do microprocessador (unidade de calculo aritmético e logico localizada em um pequeno chip eletrénico) dispa- raram diversos processos econdmicos e sociais de grande amplitude. Eles abriram uma nova fase na automagao da produgio industrial: robética, linhas de produgao flexiveis, maquinas industriais com con- troles digitais etc. Presenciaram também o principio da automagio de alguns setores do terciario (bancos, seguradoras). Desde entao, a busca sistematica de ganhos de produtividade por meio de varias formas de uso de aparelhos eletrénicos, computadores e redes de comunicagao de dados aos poucos foi tomando conta do conjunto das atividades econémicas. Esta tendéncia continua em nossos dias. Por outro lado, um verdadeiro movimento social nascido na Cali- fornia na efervescéncia da “contracultura” apossou-se das novas pos- sibilidades técnicas e inventou o computador pessoal. Desde entio, 0 computador iria escapar progressivamente dos servigos de processa- Cibercultura 31 mento de dados das grandes empresas e dos programadores profissio- nais para tornar-se um instrumento de criagao (de textos, de imagens, de misicas), de organizagao (hancos de dados, planilhas}, de simula- ¢io (planilhas, ferramentas de apoio a decisio, programas para pes- quisa) e de diversao (jogos) nas maos de uma proporgao crescente da populacio dos paises desenvolvidos. Os anos 80 viram o preniincio do horizonte contemporaneo da multimidia. A informatica perdeu, pouco a pouco, seu status de tée- ¢ de setor industrial particular para comegar a fundir-se com as telecomunicagdes, a editoracao, o cinema e a televisao. A digitalizagao penetrou primeiro na producao e gravagao de misicas, mas os mi croprocessadores ¢ as memérias digitais tendiam a tornar-se a infra- estrutura de producio de todo 0 dominio da comunicagao. Novas formas de mensagens “interativas” apareceram: este decénio viu a invasao dos videogames, o triunfo da informatica “amigavel” (inter- faces graficas e interag6es sens6rio-motoras) ¢ 0 surgimento dos hi- perdocumentos (hipertextos, CD-ROM). No final dos anos 80 ¢ inicio dos anos 90, um novo movimento sécio-cultural originado pelos jovens profissionais das grandes metr6- poles e dos campus americanos tomou rapidamente uma dimensao mundial. Sem que nenhuma instincia dirigisse esse processo, as dife- rentes redes de computadores que se formaram desde o final dos anos 70 se juntaram umas as outras enquanto o ntimero de pessoas e de computadores conectados a inter-rede comecou a crescer de forma exponencial. Como no caso da invengao do computador pessoal, uma corrente cultural espontnea e imprevisivel impds um novo curso a0 desenvolvimento tecno-econdmico. As tecnologias digitais surgiram, entao, como a infra-estrutura do ciberespago, novo espago de comu- nicagao, de sociabilidade, de organizagao e de transagao, mas também novo mercado da informagao e do conhecimento. Neste estudo, nao nos interessa a técnica em si. Contudo, é ne- cessirio expor as grandes tendéncias da evolugao técnica contempo- nea para abordar as mutagdes sociais ¢ culturais que as acompanham. A esse respeito, o primeiro dado a levar em conta é 0 aumento expo- nencial das performances dos equipamentos (velocidade de céleulo, ca- pacidade de meméria, taxas de transmissio) combinado com uma baixa continua nos precos. Em paralelo, no dominio do software tém havido melhorias conceituais ¢ tedricas que exploram 0 aumento de poténcia do hardware. Os produtores de programas tém se dedicado ni 32 Pierre Lévy a construcdo de um espago de trabalho e de comunicagao cada vez mais “transparente” e “amigavel”. As projegdes sobre 0s usos sociais do virtual devem integrar esse movimento permanente de crescimento de poténcia, de redug3o nos custos ¢ de descompartimentalizagao. Tudo nos leva a crer que estas trés tendéncias irdo continuar no futuro. Em contrapartida, é impos- sivel prever as mutagdes qualitativas que se aproveitardo desta onda, bem como a maneira pela qual a sociedade ir4 apropriar-se delas ¢ alterd-las. E neste ponto que projetos divergentes podem confrontar- se, projetos indissoluvelmente técnicos, econdmicos ¢ sociais. O TRATAMENTO Do ponto de vista do equipamento, a informatica retine técnicas, que permitem digitalizar a informagao (entrada), armazena-la (mem6- ria), trata-la automaticamente, transporté-la e colocé-la a disposicao de um usuario final, humano ou mecinico (saida). Estas distingdes sao conceituais. Os aparelhos ou componentes concretos quase sempre misturam diversas fungoes. Os érgios de tratamento de informagao ou “processadores”, que hoje se encontram em chips, efetuam calculos aritméticos e logicos sobre os dados. Eles executam em grande velocidade e de forma ex- tremamente repetitiva um pequeno mimero de operagdes muito sim- ples sobre informagées codificadas digitalmente. Das lampadas aos transistores, dos transistores aos circuitos integrados, dos circuitos integrados aos microprocessadores, os avangos muito r4pidos no tra- tamento da informagio beneficiaram-se de melhorias na arquitetura dos circuitos, dos progressos em eletronica ¢ fisica, das pesquisas apli- cadas sobre materiais etc. Os processadores disponiveis tornam-se, a cada ano, menores, mais potentes!, mais confiaveis e mais baratos. Estes progressos, como no caso das memérias, tém caracteristicas ex- ponenciais. Por exemplo, a lei de Gordon-Moore (que tem se mostra- do exata nos tiltimos 25 anos) prevé que, a cada dezoito meses, a evo- lugao técnica permite dobrar a densidade dos microprocessadores em termos do nimero de operadores légicos elementares. Ora, essa den- sidade traduz-se quase linearmente em velocidade e poténcia de cél- culo. Podemos ainda ilustrar essa rapidez de evolugao dizendo que a "A poténcia de cilculo é geralmente medida em milhdes de instrugdes por segundo (MIPS). Cibercultura 33 poténcia dos maiores supercomputadores de hoje estar disponivel em um computador pessoal ao alcance da maior parte dos bolsos em dez anos. ‘A MEMORIA Os suportes de gravagao e leitura automaticas de informages si0 geralmente chamados de “meméria”. A informagao digital pode ser armazenada em cartoes perfurados, fitas magnéticas, discos magnéti- cos, discos éticos, circnitos eletronicos, cartes com chips, suportes biolégicos etc. Desde o inicio da informatica, as memérias tém evoluido sempre em diregdo a uma maior capacidade de armazenamento, maior miniaturizagao, maior rapidez de acesso e confiabilidade, enquanto seu custo cai constantemente. Os avangos das memérias so, assim como os das unidades de processamento, exponenciais: no interior do volume ocupado por um disco rigido de microcomputador de 10 megabytes? em 1983, podia- se armazenar 10 gigabytes de informacao em 1993 — ou seja, mil ve- 2es mais. Temos visto essa taxa de crescimento ha trinta anos, € apa- rentemente ira continuar pelo menos até 2010 (quer dizer, até onde é possivel prever). De 1956 a 1996, os discos rigidos dos computadores multipli- caram por 600 sua capacidade de armazenamento e por 720 mil a den- sidade da informagao armazenada, Em contrapartida, 0 custo do me- gabyte passou, no mesmo periodo, de 50 mil a 2 francos?, A tecnologias de meméria usam materiais e processos bastante variados. Futuras descobertas em fisica ou em biotecnologia, persegui- das ativamente em varios laboratérios, provavelmente levardo a pro- gressos hoje inimaginaveis. A TRANSMISSAO A transmissdo de informagées digitais pode ser feita por todas. as vias de comunicagao imaginaveis. Pode-se transportar fisicamente 2 As capacidades de armazenamento dos suportes de memoria sio medidas em bits (unidade de codificagao elementar: 0 ou 1) ou em bytes (8 bits). O byte corresponde ao espaco de meméria necessario para codificar um caracter alfabé tico. Um kilobyte (Kb) = 1.000 bytes. Um megabyte (Mb) = 1.000.000 bytes. Um gigabyte (Gb) = 1.000.000.000 bytes. > Fonte: IBM. 34 Pierre Lévy 08 suportes (discos, disquetes etc.) por estrada, trem, barco ou avido. Mas a conexo direta, ou seja, em rede ou on-line (“em linha”) € evi- dentemente mais rapida. A informagao pode usar a rede telefanica classica, contanto que seja modulada (codificada analogicamente de forma adequada) ao entrar na rede telefénica e desmodulada (redi- gitalizada) quando chegar a um computador ou outro equipamento digital na outra ponta do cabo. O aparelho que permite a modulacao e desmodulagao da informagao digital, ¢ que portanto permite a co- municacio de dois computadores via telefone, chama-se “modem”. Volumosos, caros ¢ lentos nos anos 70, 0s modems passaram a te na metade dos anos 90, uma capacidade de transmissao superior a da linha telefonica de um usurio médio, De uso comum, os modems so hoje dispositivos miniaturizados e muitas vezes encontram-se integra- dos aos computadores na forma de placa ou circuito impresso. As informagdes podem viajar diretamente em sua forma digital, através de cabos coaxiais de cobre, por fibras éticas ou por via hertziana (ondas eletromagnéticas) e portanto, como ocorre quando usam a rede telefénica, passar por satélites de telecomunicagao. Os progressos da funcao de transmissio (taxa de transferéncia, confiabilidade) dependem de diversos fatores. O primeiro destes é a capacidade de transmissdo bruta. Neste campo, esperam-se melhorias sensacionais nas fibras éticas, Estdo sendo feitas pesquisas atualmente, em varios laboratérios, sobre uma “fibra negra”, canal ético do qual um tinico fio, tao fino quanto um fio de cabelo, poderia conter todo o fluxo de mensagens telefénicas dos Estados Unidos no Dia das Maes {data em que ha o maior tréfego na rede). Um equipamento minimo com esta fibra negra teria mil vezes a capacidade de transmissao her- tziana em todo o espectro de freqiiéncias. O segundo fator de melhoria reside nas capacidades de compres- sao ¢ de descompressdo das mensagens. De fato, so 0s sons e as ima- gens em movimento que mais consomem capacidade de armazena- ‘mento e de transmissao. Alguns programas ou circuitos especializados em compressdo podem analisar as imagens ou os sons para produzir simplificagdes ou descrigdes sintéticas dos mesmos, que chegam a ser milhares de vezes menos volumosas que sua codificacao digital inte- gral. Na outra ponta do canal de transmissio, um modulo de des ‘compressdo reconstréi a imagem ou 0 som a partir da descrigao rece- bida, minimizando a perda de informacao. Ao comprimir ¢ descom- Primir as mensagens, transfere-se uma parte das dificuldades de trans- Ciberculeura 35 missio (e de gravagao) para o tratamento que esta se tornando, como acabo de dizer, cada vez mais barato e mais rapido. terceiro fator de melhoria na transmissio reside nos avangos em matéria de arquitetura global de sistemas de comunicacao. Neste campo, o principal progresso é sem diivida a generalizagao da comu- tagao por pacotes. Esta arquitetura descentralizada, na qual cada né da rede é “inteligente”, foi concebida no final dos anos 50 em respos- ta a cendrios de guerra nuclear, mas s6 comegou a ser experimentada em escala natural no final dos anos 60, nos Estados Unidos. Neste sis- tema, as mensagens sao recortadas em pequenas unidades do mesmo tamanho, 0s pacotes, cada um dos quais munidos de seu endereco de partida, seu endereco de destino e sua posi¢ao na mensagem comple- ta, da qual representam apenas uma parte. Computadores roteadores, distribuidos por toda a rede, sabem ler essas informagées. A rede pode set materialmente heterogénea (cabos, via hertziana, satélites etc.), basta que 0s roteadores saibam ler os enderecos dos pacotes ¢ que falem uma “linguagem” em comum. Se, em determinado ponto da transmissio, algumas informagdes desaparecerem, os roteadores podem pedir que o remetente as envie novamente. Os roteadores mantém-se mutuamente informados, em intervalos regulares, sobre o estado da rede. Os pacotes podem, entio, tomar caminhos diferentes de acordo com problemas de destruigao, pane ou engarrafamento, mas serao finalmente reagru- pados antes de chegarem a seu destinatario, Esse sistema € particular- mente resistente a incidentes, porque é decentralizado e sua inteligén- cia € “distribuida”. Em 1997, esta funcionando apenas em algumas redes especializadas (entre as quais aquela que suporta a espinha dor- sal da Internet), mas o padrao de comunicagéo ATM (Asynchronous ‘Transfer Mode), que funciona de acordo com a comutagao por paco- tes, foi adotado pela Unido internacional das telecomunicagdes. No futuro, deve ser aplicado ao conjunto das redes de telecomunicagao € prevé uma comunicacao digital multimidia de alta capacidade. Alguns nimeros daréo uma idéia dos progressos feitos no domi- nio das taxas de transmissio de informagdes. Nos anos 70, a rede Arpanet (ancestral da Internet), nos Estados Unidos, possuia nés que suportavam 56 mil bits por segundo. Nos anos 80, as linhas da rede que conectava os cientistas americanos podiam transportar 1,5 milhdes de bits por segundo. Em 1992, as linhas da mesma rede podiam trans- mitir 45 milhdes de bits por segundo (uma enciclopédia por minuto). Os projetos e pesquisas em desenvolvimento prevéem a construcao de 36 Pierre Lévy linhas com a capacidade de muitas centenas de milhares de bits por segundo (uma grande biblioteca por minuto). As INTERFACES Usamos aqui o termo “interfaces” para todos os aparatos mate- riais que permitem a interacdo entre o universo da informacao digital ¢ 0 mundo ordinério. Os dispositivos de entrada capturam e digitalizam a informagio para possibilitar os processamentos computacionais. Até os anos 70, boa parte dos computadores eram alimentados com dados por meio de cartdes perfurados. Desde entdo, o espectro de acdes corporais ou de qualidades fisicas que podem ser diretamente captadas por dispo- sitivos computacionais aumentou: teclados que permitem a entrada de textos ¢ o fornecimento de instrucdes aos computadores, 0 mouse por meio do qual é possivel manipular “com a mao” as informagées na tela, superticies sensiveis & pressao dos dedos (tela sensivel ao toque), digitalizadores automaticos de som (samplers), médulos de software capazes de interpretar a palavra falada, digitalizadores (ou scanners) de imagens e de textos, leitores 6ticos (de cédigo de barras ou outras informagées}, sensores automaticos de movimentos do corpo (data- gloves ou datasuits), dos olhos, das ondas cerebrais, de influxos ner- vosos (usados em algumas préteses), sensores de todos os tipos de grandezas fisicas: calor, umidade, luz, peso, propriedades quimicas etc. Apés serem armazenados, tratados e transmitidos sob a forma de niimeros, 0s modelos abstratos sao tornados visiveis, as descrig6es de imagens tornam-se de novo formas e cores, os sons ecoam no ar, 08 textos so impressos sobre papel ou exibidos na tela, as ordens dadas a autématos sao efetuadas por acionadores etc. A qualidade dos su- Portes de exibigdo ou de saida da informagao é evidentemente deter- minante para os usuarios dos sistemas de computadores e condiciona em grande parte seu sucesso pritico e comercial. Até os anos 60, a maior parte dos computadores simplesmente nao tinha monitores. As Primeiras telas exibiam apenas caracteres (letras e niimeros). Hoje jé dispomos de telas planas a cores em cristal liquido, e estao sendo fei- tos estudos para a comercializacao de sistemas de exibicao estereos- c6pica de imagens. Aevolugio das interfaces de saida deu-se no sentido de uma me- lhoria da definigdo e de uma diversificagao dos modos de comunica- 0 da informacao. No dominio visual, além das imagens na tela, a Cibercultura 37 qualidade dos documentos impressos a partir de textos ou de imagens digitalizadas passou, em menos de dez anos, por um avango conside- ravel que, ao apagar a distincao entre impresso e manuscrito, trans- formou a relago com 0 documento escrito. No dominio sonoro, bas- ta lembrar que a maioria dos alto-falantes difunde uma miisica arma- zenada (¢ muitas vezes produzida) digitalmente. Além disso, a sintese de voz a partir de textos progride rapidamente. No dominio das mo- dalidades tacteis e proprioceptivas, 0 retorno de forga* aplicado a manches, joysticks e outros controles manuais, ou mesmo a sensagio de lisura ou rugosidade, ampliam a ilusao de realidade na interagio com mundos virtuais. Em termos de interfaces, ha duas linhas paralelas de pesquisa e desenvolvimento em andamento. Uma delas visa a imersio através dos cinco sentidos em mundos virtuais cada vez mais realistas. A “reali- dade virtual” € usada, em particular, nos dominios militar, industrial, médico e urbanistico. Nesta abordagem das interfaces, o humano é convidado a passar para 0 outro lado da tela e a interagir de forma sens6rio-motora com modelos digitais’. Em outra diregao de pesqui- sa®, chamada de “realidade ampliada”, nosso ambiente fisico natural €coalhado de sensores, cAmeras, projetores de video, médulos inteli- sgentes, que se comunicam e esto interconectados a nosso servigo. Nao estamos mais nos relacionando com um computador por meio de uma interface, ¢ sim executamos diversas tarefas em um ambiente “natural” que nos fornece sob demanda os diferentes recursos de criaco, infor- magao e comunicagao dos quais precisamos. A maioria dos aparelhos de comunicagio (telefone, televisio, copiadoras, fax etc.) trarao, de uma forma ou de outra, interfaces com o mundo digital e estarao interconectadas. Poderiamos dizer 0 mesmo de um niimero crescente de maquinas, de aparelhos de medicao, de objetos “ndmades” (PDAs — assistentes pessoais digitais —, telefo- nes celulares etc.), de veiculos de transporte individual etc. A diver- sificagao ea simplificagao das interfaces, combinadas com os progressos da digitalizagao, convergem para uma extensao e uma multiplicagao dos pontos de entrada no ciberespaco. No Brasil, usamos com mais freqiiéncia o termo farce feedback. (N. do T.) 5 Jaron Lanier é o principal expoente desta linha de pesquisa. ® Representada sobretudo por Bill Buxton, 38 Pierre Lévy Osmose de Char Davies 5 Setembro de 1995. Vocé participa do simposio inter- nacional das artes eletrénicas, que neste ano acontece em Montreal, A reserva para a visita foi feita com muitos dias de antecedéncia, para que fosse possivel explorar Osmose, 0 mundo virtual de Char Davies, uma artista canadense. No momento marcado, chegando a cabine especialmente equi- pada no primeiro andar do Museu de Arte Contemporanea, vocé encontra uma pequena sala cheia de computadores, cabos e aparelhos eletrénicos de todos os tipos, onde um assistente 0 convida a subir em uma plataforma onde hé um dispositivo infravermelho para captar seus movimentos. Ligeiramente assustado, uma parafernalia razoavelmente pesada é colocada ao redor de seu peito. Depois, colocam em sua cabeca um capacete contendo dculos-telas estereos- cépicos e fones de ouvido. “Para subir, inspire. Para des- cer, expire.” O deslocamento através da respiragao foi des- coberto por Char Davies através do mergulho submarino, do qual ela é adepta fervorosa. “Para avangar, incline o cor- po para frente. Para recuar, incline-o para trds. Vocé tem vinte minutos, Entendeu? Nao esté apertado demais?” Ain- da que nao se sinta exatamente confortavel, vocé faz um sinal com a cabeca dizendo que esta tudo bem. Agora vocé se encontra langado no espaco sideral. Uma miisica suave, flutuante, csmica, acompanha a gravitacao trangiiila, 0 lento movimento giratdrio que o leva em dire- ¢4o ao planeta brilhante, bem abaixo, que é 0 seu destino. Vocé parece ter se tornado o feto que retorna a Terra no final de 2001, Uma Odisséia no Espago de Stanley Kubrick. Em camera lenta, entra no mundo em que é chamado a nascer, atravessando camadas de cédigos de computador parecidas com nuvens, depois ventos de palavras ¢ frases, para finalmente aterrissar no centro de uma clareira. A partir de agora, vocé controla seus movimentos. Primeiro sem jeito, depois com mais seguranca, experimenta uma maneira estranha de deslocar-se. Inspirando profundamente, sobe acima da clareira. Animais parecidos com vaga-lumes, que dancavam nas proximidades da floresta, vem escolté-lo. Um Pantano coberto por vit6rias-régias e estranhas plantas a- Giberculeura 39 40 quaticas brilba sob seus olhos. Esse mundo é doce, organico, dominado por uma vegetagao onipresente. Ao inclinar-se para frente, voce vai em diregao a uma grande drvore que parece constituir o eixo da clareira sagrada. Surpresa: a0 entrar em contato com a casca da drvore, penetra no alburno ¢, como se fosse uma molécula dotada de sensagoes, toma os canais que carregam a seiva. Concentrando-se para ins- pirar profundamente, sobe pelo interior da drvore até chegar 4 folhagem. Cercado por capsulas de clorofila de verde ten- 10, chega agora a uma folha onde assiste & complicada danca da fotossintese. Saindo da folha, voa novamente sobre a clareira. Desce rumo ao pantano com profundas expiracdes, No caminho, cruza novamente uma revoada de vaga-lumes (ou seriam espiritos?) da qual emanam estranbos sons de sininhos distantes, Virando a cabeca, é possivel vé-los afas- tarem-se rumo & floresta enquanto chegam, atenuados pela distancia, os tiltimos ecos das sinetas celestiais. Agora vocé se encontra bem préximo a superficie do pantano, onde os reflexos e jogos de luz fazem com que permaneca algum tempo. Depois cruza a superficie da dgua. Um peixe com nadadeiras ondulantes o recebe no mundo aquatico.. Ap6s visitar 0 pantano, atravessa o mundo da floresta, o mundo mineral, e depois um espaco estranho, listrado com linhas de escrita, que deve ser percorrido através de sua res- piracao e dos movimentos do peito para decifrar frases de fildsofos: englobando a natureza, este é 0 mundo do discur- so humano. Por fim, chega ao mundo da informatica, povoa- do apenas por linhas de cédigo. Pensa ter tempo de voltar para estes diferentes mundos, mas jd estd tomado por um mo- vimento ascendente que o leva de forma calma, mas firme, a deixar o planeta Osmose. A vida neste universo possui ape- nas um tempo. Enquanto o globo no qual vocé existiu e sen- ti, por um curto instante, afasta-se agora no fundo do es- paco sideral, vocé lamenta nao ter usado satisfatoriamente 0 periodo de imersdo. Onde vocé ird reencarnar agora? Os principios que nortearam a concep¢ao de Osmose sdo opostos aos que governam os videogames. Nao é possi- vel agir com as maos. A postura de apreender, manipular ou combater encontra-se necessariamente contrariada. Ao con- Pierre Lévy trario, para evoluir neste mundo vegetal e meditativo, vocé é levado a concentrar-se na respiragao e nas sensagées cines- tésicas. E preciso estar em osmose com esta realidade virtual para conbecé-la. Movimentos bruscos ou répidos nao sao efi- cazes. Por outro lado, comportamentos suaves ¢ a atitude contemplativa sao “recompensados”. Em vez de cores fortes, os mundos da érvore, do pantano, da clareira e da floresta oferecem a vista um camafeu sutil de verdes e marrons que evocam mais as tinturas vegetais do que o cintilamento tec- nolégico das imagens geradas por computador. Osmose mar- caa saida das artes virtuais de sua matriz original de simula- oo “realista” e geométrica, Este obra apresenta um desmen- tido marcante para aqueles que querem ver no virtual ape- nas a busca do “projeto ocidental elou machista de dominio da natureza e manipulagao do mundo”. Aqui, o virtual foi explicitamente concebido para incitar ao retiro, d autocons- ciéncia, ao respeito 4 natureza, a uma forma “osmética” de conhecimento e de relacionamento com 0 mundo. A PROGRAMAGAO, O ciberespaco no compreende apenas materiais, informagdes ¢ seres humanos, é também constituido e povoado por seres estranhos, meio textos meio maquinas, meio atores, meio cenarios: os programas. ‘Um programa, ou software, é uma lista bastante organizada de instru- Ges codificadas, destinadas a fazer com que um ou mais processadores executem uma tarefa. Através dos circuitos que comandam, os pro- gramas interpretam dados, agem sobre informagdes, transformam ou- ‘ros programas, fazem funcionar computadores e redes, acionam m- quinas fisicas, viajam, reproduzem-se etc. Os programas sao escritos com 0 auxilio de linguagens de pro- gramacio, cédigos especializados para escrever instrucdes para pro- cessadores de computadores. Hé um grande niimero de linguagens de Programacao com maior ou menor grau de especializagdo em deter- minadas tarefas. Desde o inicio da informatica, engenheiros, matema- ticos ¢ lingiiistas trabalham para tornar as linguagens de programa- $40 0 mais proximas possivel da linguagem natural. Podemos distin Buir entre as linguagens de programagao herméticas ¢ muito proximas da estrutura material do computador (linguagens de maquina, assem- blers) e as linguagens de programagao “avancadas”, menos dependen- Ciberculeura 41 tes da estrutura do hardware e mais proximas do inglés, tais como Fortran, Lisp, Pascal, Prolog, C etc. Hoje ha algumas linguagens de “quarta gerac4o”, que permitem a criagao de programas por meio do desenho de esquemas ¢ manipulagdo de icones na tela. Sao criados am- bientes de programagao que fornecem “blocos” basicos de software prontos para montagem. O programador passa, portanto, menos tem- po codificando e dedica a maior parte de seu esforgo a concepcio da arquitetura do software. Ha “linguagens de autoria” que permitem que pessoas nao-especializadas criem por conta prépria alguns programas simples, bases de dados multimidia ou programas pedagogicos. Os PROGRAMAS Os programas aplicativos permitem ao computador prestar ser vicos especificos a seus usuarios. Vamos mostrar alguns exemplos clas sicos. Alguns programas calculam automaticamente o pagamento dos empregados de uma empresa, outros emitem faturas para clientes ou permitem 0 gerenciamento de estoques, enquanto outros ainda sio capazes de comandar maquinas em tempo real de acordo com infor- mages fornecidas por sensores. Hé sistemas especializados que per- ‘mitem detectar a origem de panes ou dar conselhos financeiros. Como © proprio nome ja diz, um editor de textos permite a redagio, modifi- cago e organizacao de textos. Uma planilha mostra uma tabela com niimeros, mantém a contabilidade, ajuda a tomar decisdes de ordem financeira ou monetaria. Um gerenciador de bancos de dados permi te a criagdo de um ou mais bancos de dados, a localizagao rapida da informacao pertinente segundo diversas chaves de pesquisa, bem como a apresentacao da informacdo de varios angulos de acordo com as necessidades. Um programa grafico possibilita que graficos impecé- veis sejam produzidos de forma simples. Um programa de comunica- do permite 0 envio de mensagens ¢ 0 acesso a informagées armaze- nadas em outros computadores etc. Os programas aplicativos estio cada vez mais abertos a personalizacao evolutiva das fungdes, sem que seus ustidrios sejam obrigados a aprender a programar. Os sistemas operacionais so programas que gerenciam os recur- sos dos computadores (meméria, entrada ¢ saida etc.) e organizam a mediagao entre o hardware e o software aplicativo. O software apli- cativo nao se encontra, portanto, em contato direto com o hardware. E por isso que um mesmo aplicativo pode funcionar em diferentes ti- pos de hardware, desde que tenham 0 mesmo sistema operacional. 42 Pierre Lévy Se nem todos os dados sio programas, por outro lado, todos os programas podem ser considerados como dados: devem ser acessados, arquivados ¢ lidos pelos computadores. Sobretudo, eles mesmos po- dem ser objeto de calculos, tradugées, modificagdes ou simulagoes por parte de outros programas. Como um programa pode fazer © papel de uma colegio de dados a serem traduzidos ou tratados por outro programa, é possivel colocar diversas camadas de programas entre hardware ¢ 0 usuario final. Este s6 se comunica diretamente com a diltima camada e nao precisa conhecer a complexidade subjacente ao aplicativo que esté manipulando ou a heterogencidade da rede que percorre. Via de regra, quanto mais espesso for o “mil folhas” de pro- gramas que usamos, mais as redes serdo transparentes e mais facilmente serdo executadas as tarefas humanas. Do COMPUTADOR AO CIBERESPAGO E desta forma que hoje navegamos livremente entre programas e hardware que antes eram incompativeis. De fato, gragas 4 adogao de padrdes para programas e hardware, a tendéncia geral é 0 estabe- lecimento de espacos virtuais de trabalho e de comunicagao descom- partimentalizados, cada vez mais independentes de seus suportes. Note se também 0 uso crescente de padrées descritivos da estrurura de do- cumentos textuais (SGML) ou multimidia (HTML, Hi Time®), os quais permitem conservar intacta toda a informacio, apesar das mu- dancas de suportes de programas e hardware. O padrio VRML" per- mite a exploragio de imagens tridimensionais interativas na World ‘Wide Web, por intermédio de qualquer maquina ligada a rede. O uso crescente do padrio VRML deixa prever a interconexao de mundos virtuais disponiveis na Internet e projeta 0 horizonte de um ciberespago parecido com um imenso metamundo virtual heterogéneo, em trans- formacao permanente, que conteria todos os mundos virtuais. Durante muito tempo polarizada pela “maquina”, anteriormente ? Standard Generalised Mark up Language. * Hypertext Mark up Language. ° Hypermedia Time-based Structuring Language. }Vireual Reality Modeling Language. Note-se que 0 padrdo VRML, atual- mente usado na Web, organiza a exploragao de modelos tridimensionais com 0 luso de um mouse, ¢ nao pela imersio com visores estereoscépicos e datagloves. Cibercultura 43 fragmentada pelos programas, a informatica contemporinea — pro- gramas e hardware — esta desconstruindo 0 computador em benefi- cio de um espaco de comunicagao navegavel e transparente, centrado na informagao. Um computador é uma montagem particular de unidades de pro- cessamento, de transmissao, de meméria e de interfaces para entrada ¢ saida de informages. Mas computadores de marcas diferentes po- dem ser montados a partir de componentes quase idénticos, e compu- tadores da mesma marca contém pegas de origens muito diferentes. ‘Alem disso, 0s componentes do hardware (sensores, memérias, pro- cessadores etc.) podem ser encontrados em outros lugares que nao os computadores propriamente ditos: cartées inteligentes, terminais de bancos, robds, motores, eletrodomésticos, automéveis, copiadoras, fax, cAmeras de video, telefones, radios, televisies, até os nés das redes de comunicagao... em qualquer lugar onde a informagao digital seja pro- cessada automaticamente. Por tltimo, e mais importante, um com- putador conectado ao ciberespago pode recorrer as capacidades de meméria e de calculo de outros computadores da rede (que, por sua ver, fazem 0 mesmo), ¢ também a diversos aparelhos distantes de lei- tura e exibigdo de informagdes. Todas as fungdes da informatica sao distribuiveis e, cada vez mais, distribuidas. O computador nao é mais, um centro, ¢ sim um n6, um terminal, um componente da rede uni- versal calculante. Suas fungdes pulverizadas infiltram cada elemento do tecno-cosmos. No limite, ha apenas um nico computador, mas é impossivel tracar seus limites, definir seu contorno. £ um computador cujo centro est em toda parte ¢ a circunferéncia em lugar algum, um computador hipertextual, disperso, vivo, fervilhante, inacabado: 0 ciberespaco em si. 44 Pierre Lévy

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