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Artigo ANPED. Trabalho e Educação Na Amazônia
Artigo ANPED. Trabalho e Educação Na Amazônia
integrações
Ronaldo Marcos de Lima Araujo1
Abstract:
1. Introdução
Fazemos uma abordagem aqui de algumas particularidades do trabalho na
região amazônica brasileira, considerando-a como parte da realidade nacional,
mas que guarda peculiaridades em relação à situação brasileira.
Partiremos de uma de uma breve caracterização da região, recuperando os
ciclos de desenvolvimento que aqui prevaleceram e identificando alguns
indicadores das desigualdades regionais que a impactam. Após o que faremos
uma abordagem sobre o trabalho que se realiza na Amazônia, destacando o
trabalho nas empresas modernas, o trabalho tradicional e os conflitos que aqui
se verificam decorrentes principalmente das disputas por terras.
Defenderemos as estratégias de integração de saberes como possibilidade de
valorização dos modos de vida tradicionais, mas não somente, enfatizando uma
possível “alternância integrativa”.
Por fim consideraremos alguns desafios para o trabalho e a educação na
Amazônia brasileira.
Nas periferias das grandes cidades, assim como nas áreas rurais da Amazônia
as desigualdades persistentes na sociedade são mais evidentes, devido à
ausência de uma reforma agrária ou urbana capaz de garantir o acesso
democrático à terra e a condições básicas de vida nas cidades, grandes ou
pequenas.
A Amazônia brasileira precisa se compreendida como uma região periférica de
um país de "capitalismo periférico", marcado por imensas desigualdades
econômicas, sociais, educacionais e, também, regionais e que, apesar de ter
promovido a modernização de sua base produtiva, mantem como traço um
"modelo predatório de uso da força de trabalho" (Carvalho, 1994; Fleury, 1993).
Na Amazônia esse caráter predatório também se revela em relação à natureza,
“atingindo o meio ambiente como um punhal que se crava lentamente” (Val,
2007). Para essa pesquisadora do INPA (Instituto Nacional de Pesquisa da
Amazônia), não são os trabalhadores individuais que arruínam o patrimônio
genético da Amazônia, mas empresas consolidadas, nacionais e multinacionais,
que, em busca de riqueza, exploram madeira, minérios e agora petróleo. Estas
deixam como saldo a pobreza do povo e a devastação e a desertificação da
natureza.
No território nacional, dividido em cinco grandes regiões (Norte, Nordeste, Sul,
Sudeste e Centro-Oeste) que possuem características históricas e culturais
específicas, as muitas desigualdades econômicas e sociais, inter e
intrarregionais, é a sua marca. O Norte e o Nordeste são as regiões que
concentram as maiores taxas de pobreza e inúmeros problemas sociais.
Tradicionalmente agrárias, essas regiões abrangem 63% do território nacional,
36% da população e apenas 20% da riqueza nacional. Somente a região Norte,
onde se situa a maior parte da Amazônia, corresponde a 45% do território
nacional, concentrando 8,8% da população nacional (18,5 milhões de pessoas)
mas apenas 5,3% do PIB nacional (IBGE, 2023).
A economia da Amazônia tem sido identificada por diferentes autores a partir de
alguns ciclos. Prates e Bacha (2011) identificam cinco fases de desenvolvimento
da Amazônia. A primeira, no período colonial, se caracteriza pela estratégia da
Coroa Portuguesa de, basicamente, ocupar o território, independente do uso que
poderia ser dado a ele. A segunda é chamada de ciclo da borracha, que
compreende do final do século XIX até os anos 1940, impulsionado pela
implantação do setor automobilístico na Europa e nos Estados Unidos e pelas
grandes guerras mundiais. No seu apogeu a Amazônia “foi responsável pela
produção de dois terços de toda a borracha consumida no mundo” (Ramos,
2014, p. 349). Nesse período ocorreu o primeiro fluxo migratório importante para
a região, um processo de ocupação territorial ao longo dos principais rios da
região no qual se constituiu o sistema de aviamento, que se manteve até os dias
atuais e que favorece a manutenção do trabalho escravo contemporâneo, que
se consolida sobre as dívidas impagáveis do trabalhador2.
na região. Este empreendimento sofreu uma queda brusca a partir de 1910 (grifo nosso)”
(Forline, 2009).
3 “Commodities são produtos de origem agropecuária ou de extração mineral, em estado bruto
4 Evasão e repetência consideradas apenas nas redes estaduais de ensino, que concentram
87% das matrículas do ensino médio.
5 Conferir em https://gt-brasil.netlify.app/.
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As empresas modernas
Mas, não são as grandes empresas as responsáveis pela massa salarial, “são
as pequenas e médias, cuja presença é mais significativa dada a quantidade de
estabelecimentos, o volume de mão-de-obra empregado, os recursos que
mobilizam e a extensão no território e dos recursos apropriados” (Castro, 2009,
p. 43).
6 Explicam Tiriba e Fischer (2012, p. 613-614) que a Produção Associada e Autogestão remete
às “relações econômico-sociais e culturais em que os/as trabalhadores/as têm a propriedade
e/ou posse coletiva dos meios de produção e cuja organização do trabalho (material e simbólico)
é mediada e regulada por práticas que conferem aos sujeitos coletivos o poder de decisão sobre
o processo de produzir a vida social. Diz respeito a um conjunto de práticas coletivas de pessoas
ou grupos sociais que se identificam por compartilhar concepções de mundo e de sociedade
fundadas no autogoverno e autodeterminação das lutas e experiências das classes
trabalhadoras. Ao contrário da heterogestão, os princípios, as regras e normas de convivência
que regem o trabalho associativo e autogestionário são criados e recriados pelos seus
integrantes”. Explicam ainda que “pelo menos, três importantes espaços/tempos do trabalho de
produzir a vida podem ser identificados como trabalho associado, entre eles identificam os
“espaços/tempos das culturas milenares das comunidades e povos tradicionais”, que resistem
“ao modo de produção capitalista, perduram em diversos espaços/tempos, como os povos da
floresta, comunidades indígenas, quilombolas, caiçaras, ribeirinhos e outros povos e
comunidades tradicionais milenares situadas na Ásia, África, nas Américas (México, Peru,
Bolívia, Equador, por exemplo)” (Tiriba; Fischer, 2013, p, 534). O trabalho nas comunidades
tradicionais, para essas autoras, são espaços/tempos “que vivem sob ameaça de mediações de
segunda ordem, (que) persistem no contexto da acumulação flexível, carregando elementos de
produção associada e autogestão” (idem, p. 537).
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7 Para a discussão de uma possível pedagogia social que tenha o trabalho tradicional como
principio educativo seria importante e necessária a retomada da discussão que vem sendo feita
no Brasil por pesquisadoras da área de trabalho e educação, com destaque para Lia Tiriba e
Maria Clara Bueno Fischer, que defendem uma pedagogia da produção associada, na
perspectiva de emancipação das classes trabalhadoras, tendo por horizonte a subversão do
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Para que isso se realize nessa região é necessário “que se tente compreender
a diversidade de processos de trabalho, de modalidade de gestão e de relações
de dominação” (Castro, 2009, p. 48) que aqui se concretizam, sendo imperativo
que se efetivem processos formativos que reconheçam e valorizem os modos de
vida tradicionais.
Para o trabalho tradicional, em particular mas não apenas, a integração entre o
conhecimento científico e o conhecimento dos povos tradicionais dessas regiões
parece ser a estratégia principal para a construção de práticas educativas, tanto
escolares como não escolares, orientadas pelo projeto de formação integral dos
trabalhadores e capazes de promover seu desenvolvimento e articular o
crescimento socioeconômico com a preservação dos seus territórios, das suas
culturas tradicionais e dos conhecimentos historicamente construídos por esses
povos. Essa integração tem sido experimentada pelas organizações de
trabalhadores por meio de estratégias de formação por alternância, embora de
forma pontual.
As políticas educacionais e a formação dos trabalhadores, na perspectiva da
integração, representam uma possível alternativa aos povos dessa região, tanto
das áreas rurais como urbanas, que demandam a valorização do trabalho e o
fortalecimento de um projeto de nação democrática, soberana e multicultural.
A integração entre saberes científicos e saberes dos povos tradicionais dessas
regiões parece ser uma estratégia possível para a construção de práticas
educacionais, escolares ou não, capazes de promover uma formação ampla, o
desenvolvimento sustentável dessas regiões e de articular o crescimento
socioeconômico com a preservação das culturas tradicionais e dos saberes
historicamente construídos por esses povos.
A integração pode ser entendida como:
capitalismo, buscando contribuir para “a criação e recriação de uma cultura do trabalho de novo
tipo. Uma cultura do trabalho ‘que possa materializar um outro sentido para o próprio trabalho,
para economia e para as relações de convivência, não apenas no interior da unidade produtiva,
mas também na comunidade local e no território mais amplo das relações sociais” (TIRIBA, apud
Roik e Faria, 2018, p. 258).
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8 Em outra oportunidade (Araujo e Silva, 2023) destacamos que a formação por alternância,
apesar de ser apontada como estratégia de formação de trabalhadores, não é pauta significativa
de estudos da área de trabalho e educação, no Brasil, ficando restrita à área de educação do
campo. Nesse mesmo artigo sustentamos que a alternância é um conceito em disputa no Brasil,
a partir do ponto de vista da sua compreensão. Ora sendo entendida enquanto estratégia
pedagógica de emancipação dos trabalhadores, ora como estratégia de subordinação dos
trabalhadores aos interesses do capital. Nele recuperamos Ribeiro (2008, p. 137) para afirmar a
Pedagogia da Alternância como “prenhe de possibilidades emancipatórias, ainda que dentro dos
limites estruturais em que se efetua no modo capitalista de produção, em seu atual padrão de
acumulação flexível”.
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Esse novo modelo de desenvolvimento requer, ainda, uma reforma agrária que
garanta a distribuição de terras, a assistência e o fomento à produção, bem como
uma articulação entre valorização do cidadão amazônida, o desenvolvimento
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Referências:
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