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Instituto de Artes da UNESP – Departamento de Música


1º semestre -TEORIA MUSICAL - Ritmo e Acústica Musical.
Prof. Marcos Pupo Nogueira

TEXTO 1.1. Pulso, Batida, Tempo e Tactus - Acentos

ALGUMAS REFERENCIAS SOBRE A ORIGENS DO CONCEITO DE PULSO

Muitos pesquisadores, levados pelo senso comum ou por afirmações em


tratados teóricos e práticos de diversos estilos, épocas, povos e culturas, concordam
que o pulso seja um dos fatores fundamentais do tempo musical (ritmo e métrica) -
sua referencia mais básica, ‘quase sempre’ presente.

Três perspectivas teóricas para a origem do conceito:


1. O pulso deriva de um conceito natural relacionado à fisiologia humana (batimentos
cardíacos), posição defendida por vários autores, entre eles, Neil Todd, que
fundamenta o conceito natural de pulso, a partir de pesquisas ligadas à cognição
musical e fisiologia humana. (Todd, 1999:5).
Sobre a origem natural de pulso encontramos num tratado musical antigo a seguinte
afirmação: “Os médicos concordam que uma medida exata de uma unidade de tempo curta
deve ser acomodada aos movimentos iguais do pulso estabelecendo a ársis e a tésis1, que
eles chamam de diástole e sístole” (Gaffurio, 1496: livro 2, cap. 1, fol. aai).
COMENTÁRIO: O que Gaffurio denomina “unidade de tempo” pode ser interpretado como uma
unidade referencial (tactus) composta por duas partes, ársis e tésis (sístole e diastole), as
menores unidades de pulso.

1Ársis e tésis são termos empregados muitas vezes de forma diversa na prosódia e na música. Em
musica ársis é unidade que antecede o apoio, enquanto tésis corresponde à parte apoiada. Na poesia
IA - UNESP – Teoria Musical I Ritmo e Métrica– Prof. Dr. Marcos Pupo
Nogueira

TEXTO 1.2. CONCEITOS DE MÉTRICA/RITMO


As inter-relações entre pulso, acento, métrica e ritmo são amplas e
diversas, principalmente por apresentarem variantes de enfoque teórico e
prático em diferentes momentos históricos e tradições de culturas musicais
mundo afora.
Quando estudamos ritmo abre-se um campo para rediscussão da famosa
dualidade ritmo/métrica, ou acento métrico/acento rítmico. Christopher Hasty
defende que ritmo comporta uma complexa rede de situações que não seriam
opostas quando se coloca de um lado a periodicidade, mensuração ou regras,
propriedades normalmente atribuídas à métrica e, por outro lado,
expressividade, espontaneidade e liberdade, comumente associadas ao ritmo.
Hasty harmoniza aspectos que normalmente são tratados como opostos ou
muito específicos e afirma que a métrica representa um “intrincado papel de
repetição duracional” e é um, entre os muitos ingredientes do ritmo musical.
Defende que ritmo pode significar tanto regularidade quanto espontaneidade,
tanto uma propriedade objetiva que pode ser medida quanto algo que não pode
ser compreendido pela razão, mas apenas ser experimentado. Ou ainda o ritmo
pode ser compreendido como “uma ordem que permite repetição e ao mesmo
tempo uma ordem particular e irrepetível” (Hasty, 1997: 3-4).
Podemos refletir ouvindo o exemplo abaixo sobre os conceitos de
periodicidade e espontaneidade:
Exemplo 1 Haydn Sinfonia nº103, I mov. Allegro con spirito

https://drive.google.com/file/d/19xSKfdkrCb2DYT1rERQkjT3eSrhPE93U/view?usp=sharing
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COMENTÁRIO: A periodicidade é dada pela repetição isócrona das batidas de q . ,

agrupadas duas a duas no metro notado (6/8) ou de modo mais amplo de


quatro em quatro e em outro nível pela pulsação isócrona de colcheias. A
“espontaneidade” rítmica pode ser atribuída aos acentos rítmicos criados pelas
ligaduras de duas colcheias e quatro semicolcheias (acentos fenomenais de
articulação).
***
Nesta tensão apontada por vários autores, um deles Hasty, entre dois
polos do ritmo vamos nos aventurar comentando as diferentes concepções de
tempo medido e o fluir contínuo do tempo, de periodicidade e não
periodicidade.
De todos os parâmetros musicais presentes na notação tradicional
ocidental, as questões relacionas à métrica são as mais ambíguas, omissas e
imprecisas. Na notação tradicional vigente o tempo e as alturas são
representados graficamente de modo contínuo da esquerda para direita em dois
eixos. No eixo vertical temos a disposição das alturas e no eixo horizontal a
representação das durações. Como observado por Justin London em seu
“Hearing in Time”, “o que nunca é totalmente notado em nosso conhecido
sistema de pautas, pausas, notas, hastes e barras, é a métrica” (London, 2004:
60). A métrica, conjugada sempre com o ritmo, é um fator musical que como
todos os outros independe de ser notada ou não. Embora a notação musical seja
produto de um extraordinário desenvolvimento do conhecimento humano, é
possível produzir música, estudar todos seus elementos, tanto teoricamente
quanto na prática interpretativa e analítica, sem o recurso da notação gráfica,
como ocorre na etnomusicologia, por exemplo.
***
Métrica é medida e proporção, ou seja o elemento do ritmo que melhor
podemos medir. No entanto há tratadistas para os quais métrica é algo diverso
de ritmo, como podemos ler em Cooper e Meyer:
“embora teóricos tanto da Renascença quanto modernos, tem
se referido à mensuração da recorrência regular de acentos, como
ritmo, não é em nossa definição. E parece que tem resultado somente
confusão denominar estes aspectos de organização temporal com
medida, ‘rítmo’. Eles são métrica.” (Cooper e Meyer, 1971, 4)

Cooper e Meyer em seu estudo, “The Rhythmic Structure afirmam que


“metro é a medida do número de pulsos entre acentos recorrentes mais ou
menos regulares”, pressupondo uma “pulsação adjacente” que estabeleça a
unidade de medida. Esta afirmação sugere uma estrutura rítmica estável em que
o metro tende a ser regular, e que ações que introduzam irregularidades não
devem prejudicar. Os autores consideram que o pulso que é medido, e se
submete a uma configuração de acento e não acento (diríamos, apoio e não
apoio), não mais seja chamado de pulso, mas sim de batida (beat) , tornando-se
a unidade fundamental da métrica (Cooper e Meyer, 1971, 4).

***

Simha Arom em seu monumental volume, “Poliphonies et Polyrythmies


instrumentales d’Afrique Centrale”, rediscute a terminologia sobre ritmo na
teoria ocidental e sua relação com o contexto etnomusicológico da musica
centro-africana. A principal questão apontada por Arom é o conceito de métrica
e sua relação com ritmo: “Uma característica essencial da musica africana mais
tradicional é a ausência de acento regular” (Arom, 1994: ?184). Ou seja, o autor
não reconhece na musica centro-africana tradicional a existência do conceito
específico de métrica. O argumento de Arom, é que “em sua maioria as línguas
africanas são linguagens tonais e não possuem ênfases dinâmicos”. Arom
conclui que as rítmicas africanas “estão livres do confinamento linguístico de
um acento de ênfase” e do que chamamos de métrica e seus acentos de
intensificação regularmente espaçados – do tempo forte e fraco ou apoiado e
não apoiado. Nesta perspectiva a métrica ocidental moderna se refere, portanto,
à distribuição regular dos acentos de ênfase. Ao se referir especificamente à
musica ocidental moderna, Arom inclui os aspectos relacionados à métrica como
fatores rítmicos. O argumento de Arom passa por uma breve definição de ritmo:
“Para ser ritmo, sequências de eventos auditivos
precisam estar caracterizadas como elementos
contrastantes. Este contraste deve ser criado de três
modos diferentes: por acentos, por timbre , ou por
durações. Na prática, entretanto, esses três parâmetros
usualmente operam juntos (embora numa larga
variedade de maneiras)”. (AROM, 1994:202)
Exemplo 2 (sonoro) Musica para Ongo Ensamble (Republica Centro Africana)

https://drive.google.com/file/d/1y37NfOOm7GoCD5tWP3hXywzyTK1F4qqX/view?usp=sharing

Para Arom, ritmo é contraste, e metro é o ritmo em sua forma mais


simples, com durações idênticas (pulsações) cujo único contraste é devido à
acentuação regular.
***
Ao rastrearmos alguns dos tratados mais influentes em que métrica é
definida podemos concluir que o assunto tem poucos pontos de concordância
geral entre os teóricos. No entanto, Lester, ao admitir a mesma constatação,
considera que há ao menos duas condições básicas definindo o metro que
parecem possuir unanimidade: que haja “um fluxo de batidas ou pulsos” e que
estes pulsos (ou batidas) se organizem como elementos acentuados e não
acentuados. (Lester,1986:45).
Outra questão bastante polemica se refere ao modo como ouvimos a
métrica, lembrando aqui que a primeira batida de um determinado metro não é
necessariamente “forte” e sendo assim a pergunta é como sentimos a métrica se
não há um referencial aparente que agrupe as batidas? Justin London, ligado á
psicologia e teoria da cognição da música, revela que de inicio o metro
sincroniza a nossa atenção com algumas das “características regulares da
superfície musical”, e quando um padrão métrico se estabelece em nossa mente
“pode ser mantido mesmo em face de uma superfície musical contrária, por
exemplo, sincopas, acentos em contratempo” (London, 2002: 531-532). Algo
semelhante afirma David Temperly quando assinala que o metro é apreendido a
partir da percepção dos eventos da peça, mas ao ser estabelecido o metro, os
eventos que se sucedem não necessariamente o reforçam, e mesmo podem
entrar em conflito com ele. Conclui que “uma estrutura métrica é melhor
entendida como algo na mente do ouvinte mais do que estar presente na música
de modo direto” (Temperley, 2000: 66-67).
London tem razão ao apontar as insuficientes definições de elementos
básicos da métrica, mas é preciso ter em conta que sua definição de métrica se
limita a alguns tipos de musica em que a métrica é “estável” e que haja
regularidade de apoios e não apoios, algo que nem sempre acontece. Quando
London afirma que a percepção métrica, após ser estabelecida, se mantém
mesmo quando contraposta à uma “superfície musical contrária” com suas
sincopas, acentos fenomenais e contratempos, o autor parece entender a
métrica se contrapõe ao ritmo. Com estas afirmações London parece indicar a
separação de ritmo e métrica e em sua publicação, Hearing in Time, de 2004,
define os termos desta distinção: “Em termos psicológicos, ritmo envolve a
estrutura do estímulo temporal, enquanto o metro envolve nossa percepção e
cognição de tais estímulos (London, 2004: 4).
Wallace Berry em ,“Structural Funtions in Music”, de 1976, considera “a
demarcação métrica” como um dos diversos tipos de agrupamento em música,
um tipo especial de agrupamento que se constitui numa estrutura que não é
necessariamente regular e muito menos coincidente com o compasso notado.
Exemplo 3 Mozart, Sinfonia 41, II movimento

https://drive.google.com/file/d/13MN7jf_MpfWdx7-wzWkRSBgPxQhxdmIQ/view?usp=sharing

COMENTÁRIO: Para demonstrar seu conceito de demarcação métrica


como uma estrutura diversa do compasso notado, Berry apresenta este exemplo
em que o apoio métrico fica deslocado por um ênfase dado à segunda batida do
compasso, um ênfase duracional, melódico, dinâmico, textural e com suporte
anacrusico (primeiro tempo do compasso notado do fragmento acima).

Berry define métrica como um fenômeno relacionado ao modo como os


eventos são agrupados por diferentes impulsos que definem e configuram os
agrupamentos métricos e exatamente por isso qualifica-os em quatro tipos: o
iniciativo (apoio tético), que inicia uma unidade métrica; o antecipativo
(ancrúsico), que prepara o início; o reativo que transmite para frente a energia
do impulso inicial; e o conclusivo que conclui uma unidade métrica. Para Berry
metro é deste modo um “aspecto de agrupamento, ou partição, que é por sua vez
um aspecto vital do ritmo” (Berry,1987, 317-320).

Exemplo 4 Beethoven, Sonata opus 22, I

https://drive.google.com/file/d/1Z2Z48aJKhSfr4RGLYHSMGsbax9cLV8BU/view?usp=sharing

COMENTÁRIO: O grupo inicial de semicolcheias é um impulso antecipativo para


o compasso 1 e repetido no compasso 2. A partir do compasso 3 Berry analisa o
fragmento como um grande grupo antecipativo que conclui na mínima
pontuada. No compasso 3 este impulso antecipativo conta com a contribuição
de impulso iniciativo, reativos que prolongam o efeito antecipativo até o
conclusivo que define o agrupamento

A abordagem de Berry de métrica parte de um ponto em que o conceito


de acento não tem exatamente o mesmo sentido de acento métrico como
discutido em 1.3., mas sim como um referencial auditivo de configuração do
agrupamento métrico em que desdobra o antigo conceito de ársis e tésis. em
algo mais próximo do que se denomina de agrupamento rítmico. Berry parece
não separar ritmo de métrica.
***
Esther Scliar, compositora e professora gaúcha, apresenta uma referencia
que merece atenção em “Elementos de Teoria Musical”, publicado
postumamente em 1985. Scliar afirma que, em relação ao número de tempos
(batidas), há dois tipos de compassos (metros), “primitivos ou derivados”. Os
compassos primitivos são os binários e os ternários. A autora conclui que “todos
os demais são derivados”. (Scliar, 1985: 34-35). Esta teoria adotada por Esther
Scliar encontra eco numa referencia de Lester, quando afirma que “dois
significados distintos para o termo metro composto são correntes”. O primeiro
indica que metro composto é “qualquer metro contendo mais do que três
batidas (beats) por compasso”, o que incluiria as formulas de compassos 4/4,
6/8, 6/4, 9/8, 5/4, e todas as demais acima de três tempos. Afirmação que
contrasta com outras vertentes teóricas que definem o metro composto
(derivado) como aquele em que cada batida é dividida por três. Lester conclui
que aprecia mais a primeira possibilidade, a mesma citada por Scliar, pois o
metro simples (ou primitivo) indica um nível de agrupamento métrico enquanto
“metros compostos indicam dois ou mais níveis” (Lester, 1986: 267, n.1).
Importante neste ponto ter em mente que a primeira possibilidade é,
provavelmente, mais adequada para a compreensão da questão dos níveis
estruturais da métrica, assunto que será abordado mais a frente.
Exemplo 4 Mozart, Sonata K 331,I

3/8 + 3/8 etc.

https://drive.google.com/file/d/1GKB1p9vyKHqt6qrX6qOtyJo5ufvtj3ek/view?usp=sharing
2

2. Outra causa, ainda baseada na natureza, entende o pulso como integrado às periodizações
definidas e estudadas pela física desde uma perspectiva macro da rotação dos planetas, ou
micro dos movimentos periódicos que caracterizam, por exemplo, as ondas sonoras
mecânicas ou as ondas eletromagnéticas. Nesta perspectiva o próprio movimento periódico
apresenta, em cada um dos seus ciclos, também duas partes extremas (picos e vales da
onda).

Figura 1

3. Outra possibilidade, nada relacionada à natureza, localiza a origem do pulso musical


apenas como numa unidade arbitrária criada para medir o tempo musical como os relógios
implacavelmente marcam nossas horas e que teria o metrônomo como fundamento.
3

Antes de entrarmos na exposição de conceitos teóricos de pulso, ouça os seguintes


exemplos musicais e responda as questões seguintes:

a) Quais dos exemplos ouvidos apresenta pulso regular e periódico?


b) Há algum exemplo em que é impossível ou muito difícil perceber um pulso regular
c)Se possível perceber um pulso contínuo, em que exemplo(s) ele parece instável ou
irregular

Exemplo 1- Igor Stravinsky(1882-1971) – Sagração da Primavera (1913) – Presságios de


Primavera
https://drive.google.com/file/d/1N3i6aOXYxBxyEcN8Rm0If6oLwHtU_KNS/view?usp=sharing

Exemplo 2 - Thelonious Monk (1917-1982) – Pannonica.


https://drive.google.com/file/d/1PjRwZ9x6eJfrGE8Yh5uif563BWWaLjTs/view?usp=sharing

Exemplo 3 - Puer natus est- Cantochão medieval, Antifona de natal


https://drive.google.com/file/d/123ftRE5YDmx4FyNsqC_JQ2ULcvK92up4/view?usp=sharing

Exemplo 4 - J. S. Bach (1685-1750), Ária, Suíte orquestral nº3


https://drive.google.com/file/d/1bIEavRKjs68GFi3zRhrxzcM0SYg0ZZ-q/view?usp=sharing

Exemplo 5 - K. Penderecki (1933), “Lamento para as vitimas de Hiroshima


https://drive.google.com/file/d/1YKx8YkeuUtSF99XyYcg21k5wp3j-pK9J/view?usp=sharing

Exemplo 6 – Paulinho da Viola (1942) – Quem é do mar não enjoa


https://drive.google.com/file/d/1Ue7hQiXadwzvwux_VGzDfhx0N0HGKt-F/view?usp=sharing

Exemplo 7 - Dave Brubeck, (1920-2012)- Rondo alla turk


https://drive.google.com/file/d/1FB2FE7dtTyKSsecmukFffQ3aJNDesddf/view?usp=sharing
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Pulso: alguns conceitos teóricos

(Cooper e Meyer, 1971, 3)


• Série de estímulos recorrentes e regulares
• Sua percepção pode ser subjetiva.
• Possuem a propriedade de se “fixarem na mente e musculatura
do ouvinte (ou interprete), mesmo que o som tenha sido interrompido”.

(Arom, 1994)
• “Sequência ininterrupta de pontos de referência para a organização do fluir do
ritmo”... “tanto as pausas como os sons, são definidos em relação à pulsação”. Numa
composição a várias vozes de textura polifônica “a pulsação é também o
denominador comum de todas as partes”.

(Lerdahl e Jackendorff, 1990, 18)
• O pulso (beat) é uma unidade de referencia, “idealizações, utilizadas pelos
interpretes e percebidas pelo ouvinte a partir do sinal musical”. Pulsos não são
durações, mas “correspondem a pontos geométricos mais do que as linhas
desenhadas entre eles”.

(Boone, 2000:3)
• O autor afirma que pode ser mais fácil captar o tempo em “termos de pontos
articuladores do que pela passagem conectando aqueles pontos”, mas conclui,
apontando para a figura abaixo, que “juntos, pulso e duração, podem ser pensados
como constituindo a completa identidade rítmica” (Boone, 2000: 3).

Figura 1
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(Berry, 1987, 305)


• “Unidade regular e recorrente com que se mede os períodos de tempo e suas divisões
em algum nível - os pulsos são a base para contagem, regência e para indicações
metronômicas. Em grande parte da música o pulso recorre regularmente em algum
nível, principalmente no nível do compasso notado. Outros tipos de música,
entretanto, especialmente o canto litúrgico da Idade média, precisam ser vistos como
indiferentes à pulsação”

(Hasty, 1997: 129)


• “Ambos, pulso e batida (beat), implicam numa sequencia de divisões iguais e ideais
que podem estar subjacentes a uma sequência heterogênea de durações reais.” . Mais
à frente o autor realiza uma distinção entre pulso e beat afirmando que prefere “usar
a palavra ‘beat’ (batida) num sentido não convencional para se referir somente a
durações percebidas sem considerar a periodicidade” e acrescenta que por pulso
“entende um de uma de série de divisões iguais implícita na notação métrica e
separadas de questões de percepção”.

(Kramer,1988:97)
• Kramer considera os pulsos mais flexíveis que as batidas (beats) da métrica e
também como “literalmente ouvidos e não intuídos”, diversamente do que ocorre,
segundo ele, com as batidas da métrica. Kramer se opõe a outros autores ao
considerar que a pulsação não é neutra e provavelmente não exatamente isócrona,
como afirmam os autores citados anteriormente.

(Bianca Thomas Ribeiro /José Eduardo Gramani Ribeiro, 2017: 70-71)


• Em extrato destacado do texto da autora. ela deduz dos exemplos práticos de
Gramani uma diferenciação entre tactus (batida) e pulsação em que esta última se
refere aos valores curtos que podem ser agrupados pelo tactus em dois ou três
(métrica aditiva, a ser estudada mais à frente).
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Em certos tipos de música o pulso pode ser entendido como fundamento de uma
métrica aditiva em que o nível mais básico (rápido) da pirâmide serve de base para ritmos
mais complexos e com agrupamentos rítmicos definidos por sucessões ou simultaneidades
em que ocorrem combinações binárias e ternárias do pulso básico. Nesse caso, há uma
diferença (ou conflito) entre batida (tempo) e pulsação. O conceito de métrica aditiva a
partir de pulsações curtas, também conhecido como Pulso Rápido Comum (PRC), embora
sujeito a muitas críticas quanto ao seu uso generalizado, tem sido bastante utilizado para o
estudo da multimetria e polirritmia, assuntos a serem desenvolvidos no subcapítulo 1.3
dedicado ao estudo do ritmo/métrica.

OS FRAGMENTOS MUSICAIS SEGUINTES SÃO EXEMPLOS DAS PROPRIEDADES


INDICADAS ANTERIORMENTE:

EXEMPLO 1. Stravinsky –Sagração da Primavera, Presságios da Primavera

https://drive.google.com/file/d/1hmRwkADJFFLCek8ZARRWMuiD7J8Oe07p/view?usp=sharing

COMENTÁRIO: A percepção dos pulsos acontece pela recorrência quase mecânica das
colcheias na notação do compositor. Não há agrupamentos métricos de fato, apenas barras
de compasso. Na partitura de orquestra as colcheias nas cordas vem acompanhadas sempre
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da indicação de arco para baixo para se evitar a periodicidade métrica de tempos fortes e
fraco.

EXEMPLO 2. Thelonious Monk - Pannonica

https://drive.google.com/file/d/17EXXw-5_Ay-JspuIZU-gSAfYVk9-Xnpx/view?usp=sharing

COMENTÁRIO: Thelonioud Monk, um dos criadores do estilo bebob, flexibiliza


bastante o ritmo e o pulso, mas sem deixar de manter a pulsação oscilando entre a
proporcionalidade e a regularidade. Abaixo uma transcrição simplificada de
Pannonica de Monk realizada pelo guitarrista Yvan Jacques. Thelonious flexibiliza a
pulsação, alternado instabilidade com regularidade.

EXEMPLO 3.

https://drive.google.com/file/d/1cu9ok6irTc_E0LpaBA86QuCtkyLNnVrp/view?usp=sharing

COMENTÁRIO: O pulso pode ser flexível e estar relacionado diretamente à prosódia


latina neste fragmento de cantochão. A notação nesta transcrição se dá em pauta de 4
linhas e neumas quadrados. Berry, em definição anterior, classifica o canto litúrgico da
Idade Média como “indiferente à pulsação”, no entanto percebe-se, ao ouvir tradições
do canto, que há uma pulsação básica associada às sílabas do texto.
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EXEMPLO 4. - J. S. Bach (1685-1750) – Suíte orquestral nº 3 – II. Ária

https://drive.google.com/file/d/17pqozv-HtNxD67KUe1xeFdqDdXTDonI7/view?usp=sharing

COMENTÁRIO: No fragmento acima a pulsação organiza a percepção do tempo que se


desdobra de modo divisivo entre mínimas, semínimas, colcheias, semicolcheias e
fusas. Qualquer que seja o nível de figura tomada como referência de batida (tempo ou
beat) - a colcheia ou a semínima parece ser a mais adequada - ocorrerá sempre por
meio de múltiplos de um valor maior.
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EXEMPLO 5. - K. Penderecki (1933), “Lamento para as vitimas de Hiroshima”

https://drive.google.com/file/d/1-WR1Xm9gVZbMBKsP81kbCuF3zHL-9Nwe/view?usp=sharing

COMENTÁRIO: O pulso como elemento de percepção parece estar ausente no


fragmento acima. Os eventos sonoros que vão compondo a narrativa musical ocorrem
dentro de marcas definidas por segundos que o regente distribui temporalmente a
partir de uma lógica de proporção gráfica.
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EXEMPLO 6. - A. C. Jobin (1927-1994) –Luiza

https://drive.google.com/file/d/1-un_3Su8RZoXMQcpmvNMz4dumLg2WAq3/view?usp=sharing

COMENTÁRIO: O pulso flutua ligeiramente e as colcheias são expressivamente


desiguais.

EXEMPLO 7. - Adnan Saygun, opus 38

https://drive.google.com/file/d/1_qpQ4kd-UHNvIcGQyrGEAl_nKMSqpg3N/view?usp=sharing
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COMENTÁRIOS: É possível aplicar o conceito de métrica aditiva (Pulso Rápido


Comum) em que o único valor possível para o pulso é a semicolcheia. As semicolcheias
se agrupam irregularmente para produzir os quatro batidas (desiguais) em cada
compasso (4;3;2;5). Ver redução rítmica em seguida.

Batida, Tactus e Tempo

Batida é um conceito mais específico do que o de pulso. Batida é o fundamento


da métrica, aquele fator referencial que articula o fluir contínuo do tempo, - a régua
do ritmo e que agrupa e organiza os pulsos. Batida é aquele elemento recorrente
que sentimos mais de imediato quando ouvimos vários tipos de música (mas nem
todos).
Neste trabalho a palavra ‘batida’, não é apenas como uma tradução literal do
inglês, ‘beat’, mas utilizada principalmente pelo apelo perceptivo que o termo tem em
português, como marcação, batucada, cadencia e bateria. Exemplo é a ‘batida’ da bossa
nova, inventada por João Gilberto ao violão, a ‘batida da rua’, pontuando vários
gêneros da musica das comunidades do Rio e de São Paulo, ou as alusões afetivas na
vizinhança da palavra, como no belo samba-canção de Ataulfo Alves e Paulo Gesta, no
refrão, “quero morrer numa batucada de bamba/na cadencia bonita do samba”.
Batucada, batida e cadencia sugerem a união dos conceitos de métrica e ritmo.

Exemplo 8 – T.Jobim /N.Mendonça - Chega de Saudade (João Gilberto)


https://drive.google.com/file/d/1GGtBcNKzEN5oATmwWuqRLbVIlmtn6P4F/view?usp=sharing

COMENTÁRIO: O Bordão do violão é a batida básica que é combinada ao ritmo


suavemente sincopado dos acordes,

BATIDA x TEMPO. Batida, assim como beat ou tactus, é uma unidade métrica
perceptível, muitas vezes isócrona, que mede o fluir do ritmo, mas não
necessariamente o nível do compasso notado. A palavra tempo é uma terminologia
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vaga ou de sentidos múltiplos em língua portuguesa, pois também se refere a


andamento ou, de modo mais abstrato, à passagem do “tempo’. Podemos aplica-lo
apenas aos elementos recorrentes do compasso notado que às vezes coincide, outras
vezes não, com a percepção das batidas.
Batidas não são necessariamente isócronas, ou seja, não mantem os mesmos
intervalos de tempo. Teleff Kwifte, musicólogo norueguês, considera melhor
interpretar um 7/8 como sendo composto por três batidas desiguais (semínima +
semínima + semínima pontuada) - ou as duas outras ordenações das mesmas batidas -
, enquanto a pulsação é representada pelas sete colcheias. O autor norueguês conclui
que é musicalmente mais natural que na performance o “nível de batida seja o foco
principal e que prestar muita atenção às subdivisões é prejudicial para acertar o
ritmo.” (Kwifte, 2007: 70)

TACTUS - Em Lerdhal e Jackendoff o termo tactus é usado como sinônimo de batida.


Ruth DeFord, em artigo de 1996, observa a complexidade do termo como utilizado na
Renascença, e o define inicialmente como o gesto usado para dirigir a musica, batendo
em alguma coisa (com o pé, com as mãos) ou simplesmente realizando um movimento
no ar. Qualquer que fosse o tipo de gesto ele seria formado por um par, baixo/cima
(apoio e não apoio) com os dois elementos com a mesma duração ou o primeiro duas
vezes mais longo que o segundo.
O elemento fundamental da métrica é a batida (beat ou tactus) , ou ainda mais básico,
o gesto da pulsação que em geral se divide em dois elementos: ársis e tésis. A relação
entre ársis e tésis pode ser isócrona ou não isócrona. No primeiro caso o contraste é
somente de percepção de peso ou apoio em que se estabelece a relação básica (ou
primitiva) de métrica binária. No segundo, o contraste é duracional e a relação se dá
entre curto e longo ao se estabelecer a unidade básica de métrica ternária em que a
duração longa é o dobro da curta.
Figura 2

A relação entre ársis e tésis pode ser isócrona ou não isócrona. No primeiro caso o
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contraste é de percepção de apoio em que se estabelece a relação primitiva de métrica


binária. No segundo, o contraste é duracional e a relação se dá entre curto e longo ao
se estabelecer a unidade primitiva de métrica ternária.

ACENTOS

Parece haver consenso de que métrica seja basicamente um agrupamento de


pulsos articulado por algum tipo de acento. Em alguns estudos teóricos mais recentes
o acento métrico é aquele que define um agrupamento métrico em algum nível, ou
seja, a primeira batida acentuada do agrupamento, a parte apoiada do metro, ou ainda
o ‘tempo forte’ do compasso notado relacionado basicamente ao antigo conceito de
tésis. O acento rítmico, por sua vez, abarca genericamente todas as demais categorias
de acentos adicionados ao fluir musical, para criar contornos rítmicos específicos e
estabelecer contraste e tensão com os acentos métricos, estes periódicos e contínuos.
O ‘acento métrico’ pode ser considerado ainda o “ponto focal ou o núcleo do
ritmo, ao redor do qual as batidas não acentuadas se agrupam”, como definido pela
dupla Cooper e Meyer em seu estudo, The Rhythm Structure of Music (1960:8). O
acento rítmico propriamente dito pode ser definido como uma intervenção voluntária
e consciente no ataque de um som especifico.
Alguns trabalhos como o de Joel Lester, The Rhythms of Tonal Music, buscam
diferenciar os vários tipos de acento e o argumento de Lester sustenta que “o
denominado acento métrico pode ocorrer tanto se a nota recebe ou não uma
intensificação dinâmica”. A proposição neste texto é de que o primeiro tempo de um
agrupamento métrico não seja chamado de ‘tempo forte’, mas sim de batida apoiada –
algo semelhante ao termo em inglês conhecido como down beat. Lembrar que o antigo
conceito de ársis e tésis de certa maneira implica numa dualidade apoio/não apoio
que está algo distante de considerar a tésis como um acento dinâmico.
Segundo Lerdahl e Jackendorff, há três tipos de acento em música: o acento
fenomenal, o estrutural e o métrico. Com a expressão acento fenomenal os autores
denominam “qualquer evento que cause uma ênfase ou pressão sobre o fluir musical”.
Entre os eventos capazes de criar tal ênfase são fatores acentuais os “pontos de
ataques de altura, mudanças bruscas de dinâmica ou timbre, notas longas, saltos
melódicos relativamente grandes, mudanças harmônicas e assim por diante”. Em
relação ao termo acento estrutural os autores se referem a um tipo de acento
14

“causado por pontos de gravidade melódico/harmônico na frase ou seção


(especialmente a cadência)”. Quanto ao terceiro tipo, definem acento métrico “como
qualquer batida (beat) relativamente forte em seu contexto métrico” (LERDAHL e
JACKENDOFF, 1990: 17). A definição dos autores indica que as batidas dentro de um
agrupamento métrico possuem diferentes forças ou pesos como demonstrado na
figura abaixo retirada do texto de Lerdahl e Jackendorff :

Figura 3 A representação é do nível métrico (do compasso notado) de dois


compassos quaternários. Os pontos horizontais se referem a batidas (beats) e os
pontos verticais representam a força relativa a cada batida.

Com o recurso dos pontos os autores expõem que o apoio (acento) métrico é
aquele com maior peso na hierarquia métrica. Na figura acima o apoio métrico mais
destacado é o primeiro seguido na hierarquia pelo terceiro. Em outras situações
musicais é possível que um grande apoio ocorra de dois em dois (ou mais) compassos
notados, ou seja, aqueles indicados pela fórmula de compasso). Com o recurso dos
pontos os autores analisam metricamente o fragmento inicial do primeiro movimento
da Sinfonia 40 de Mozart. Verifique que figuras são representadas por cada uma das
linhas horizontais de pontos.

Exemplo 8 Mozart - Sinfonia 40 (sol menor), I movimento (inicio) (LERDAHL e


JACKENDOFF, 1990: 27

https://drive.google.com/file/d/1CPI6YKvFGBf-ywPMHqLT2yo4WKNT0vKb/view?usp=sharing
15

Na prática musical a percepção da batida apoiada do metro não é alterada pela


presença no seu entorno de acentos denominados como acentos rítmicos. Joel Lester,
no artigo Notated and Heard Meter, publicado em 1986, se refere ao acento métrico
(apoio métrico proposto neste trabalho) como sendo de natureza diversa dos acentos
rítmicos, pois ocorrem frequentemente “em momentos em que nenhum fator
acentuado está presente”, e completa dizendo que “uma vez estabelecido o metro,
percebemos acentos (apoios) métricos em pausas e batidas e subdivisões de batidas
que nenhum evento articula” (Lester, 1986: 118). Lester concebe acento rítmico de
modo bastante amplo, como ponto inicial, e não apenas como ênfase de um tempo ou
beat e as acentuações surgem de vários fatores, entre eles:
“O início de um novo som após um som repetido é acentuado
em relação às repetições do som anterior (acento de mudança de
altura). O impulso que inicia uma duração relativamente mais longa é
acentuado em relação ao início de uma duração mais curta anterior (o
acento duracional). O impulso que articula o início de um motivo ou
padrão é acentuado em relação ao interior desse motivo (o padrão
inicial). O ponto de uma mudança no contorno melódico é acentuado
em relação ao movimento melódico que continua em uma direção (o
acento de contorno). O início de uma textura de maior densidade é
acentuado (o ataque estrutural). O ponto da mudança harmônica é
acentuado (o acento da mudança harmônica). E assim por diante.
Todos esses tipos de acento são causados por um evento que ocorre
na música. Esses tipos de ataque ressoam em nós como ouvintes,
marcando pontos diferenciados no tempo daqueles que não recebem
tais impulsos”. (Lester, 1986b: 118)

Segundo Lester, o conceito de acento é definido como um ataque, um ponto


inicial, diferenciando os conceitos duração e acento. Assim, quando uma nota de
qualquer duração for acentuada, apenas seu ponto inicial seria de fato acentuado. Esta
posição diverge da de vários autores, entre eles Christopher Hasty, principalmente
quanto à questão de “ponto inicial”, que Lester parece sugerir como um ponto
abstrato não relacionado à duração. O contra-argumento de Hasty é que se acento de
ataque fosse algo distinto de som e do acento duracional, como parece propor Lester,
então este “instante não duracional” não poderia ser percebido e reconhecido como
atributo psicoacústico, pois não teria existência sonora. Hasty propõe que acento seja
no início da nota e não separado dela, enquanto duração, e cita como referência um
conceito de Moritz Hauptmann2 em que o “acento métrico é um acento de início.... a

2O Trabalho citado por Hasty é Die Natur der Harmonic und Der Metrik, escrito por Moritz Hauptmann
(1792-1868), violinista, compositor e teórico alemão.
16

energia sendo definida como um ativo e criativo potencial da duração” (Hasty, 1997:
104).
As visões diferentes entre pesquisadores são bem vindas, pois estimulam nossa
inteligência a buscar o conceito mais apropriado à nossa vivencia musical. A verdade,
e não só na teoria musical, está no debate de ideias e na pesquisa interessada somente
na busca do conhecimento.
A variedade de tipos de acento exposta nas citações anteriores alerta também
para uma questão, além de teórica, prática: um acento não se resume a uma
intensificação e o chamado ‘tempo forte’ de um agrupamento métrico nada tem
necessariamente de forte ou intenso e não faria sentido musical algum acentuar
continuadamente cada início de agrupamento. O primeiro apoio de um agrupamento
métrico não é de fato um acento, mas um referencial estabelecido para medir ou
coordenar a textura rítmica da música.
As referências analisadas até aqui indicam que as relações entre acentuação,
métrica e ritmo são bem complexas e causam boa parte de toda a riqueza musical do
ritmo em seu sentido mais amplo. Os exemplos a seguir podem ajudar na reflexão
quanto aos tipos de acento:
17

Exemplo 9 – Bela Bartok - Fragmento inicial do II movimento (Giocco dele copie) do


Concerto para Orquestra (1945)

Acento de altura
Acento de duração

Acentos (apoio)métricos etc.... Acento de articulação


Acento de intensidade

Acento de intensidade sobre apoio


métrico

https://drive.google.com/file/d/1OGcOlNdEBw-8oxuKBDCAyvN4YKHOB31L/view?usp=sharing

COMENTÁRIO: O fragmento acima é uma marcha em 2/4 na qual a métrica é


comum e convencional, como qualquer marcha do tipo, enquanto toda a diversidade
dos acentos rítmicos anotada por Bartok cria a originalidade artística específica desta
passagem. A percepção do binário da marcha se sustenta constantemente apesar da
rara ocorrência de notas no primeiro tempo no acompanhamento (cordas em
pizzicato). A batida apoiada recorrente do agrupamento métrico é sempre contrastada
pelos vários acentos rítmicos não periódicos.
18

Exemplo 10. – J. S. Bach: Fragmento inicial da Invenção nº 4

https://drive.google.com/file/d/1TiB21rFS-1h5HABdF20n0lg0gY-6KvGa/view?usp=sharing

COMENTÁRIO: Não ocorre nenhuma notação de acento rítmico, mas eles estão
sugeridos por saltos de intervalos melódicos e padrões melódicos, ou seja, os acentos
rítmicos se manifestam por diversas configurações melódicas (acentos melódicos)
para as semicolcheias. Mesmo o nível métrico do compasso notado, 3/8, sendo
reiterado constantemente, as configurações de semicolcheias tomam formatos de
alturas que podem ser definidos pelos agrupamentos numéricos 6, 1-5 e 3-3 que
criam toda a variedade rítmica do fragmento apesar da repetição continua das
semicolcheias. Busque localiza-los no fragmento.

Exemplo 11 – Milton Nascimento: Cravo e Canela – Clube da Esquina 1972

https://drive.google.com/file/d/1aZyfshc67-JqfD4AM2n9U4QmoJLpyiEZ/view?usp=sharing

COMENTÁRIO: Diversamente dos gêneros associados ao samba tradicional,


ritmo enquadrado em metro binário ou quaternário, em Cravo e Canela o apoio
métrico recorrente é de 3 em 3 batidas. Na gravação original o baixo pontua o ternário
e a métrica dos versos recorre ao apoio prosódico de 3 em 3.
Instituto de Artes da UNESP – Departamento de Música
1º semestre -TEORIA MUSICAL - Ritmo e Acústica Musical.
Prof. Marcos Pupo Nogueira

Aula 1.3. Níveis Métricos

O compasso notado é apenas um dos níveis da métrica ou como afirma Martin Clayton: “a fórmula de
compasso é, historicamente, uma convenção notacional que auxilia a coordenação de conjuntos
musicais, mas não necessariamente indica a métrica”,

A métrica pode ser concebida em níveis da textura rítmica, denominados, metaforicamente, como níveis
arquitetônicos ou hierárquicos que se sobrepõem e interagem. As relações entre valores se dão a partir de um
ponto de referencia que organiza todos os níveis que compõem a rede de pulsos e batidas.
Para aprofundar conceitos ligados à noção de níveis da estrutura métrica de boa parte das músicas, teorias e
práticas conhecidas, serão apresentadas, em seguida, referencias bibliográficas com posições teóricas diversas
para que se reflita sobre elas. É preciso entende-las em seus respectivos contextos, pois diferentes formas de
produção e notação de música se apresentam em adequação a diferentes épocas, estilos e culturas.

 Grosvernor W. Cooper e Leonard B. Meyer (The Rhythmic Structure of Music)

“do mesmo modo que letras são combinadas em palavras, palavras em sentenças, sentenças em parágrafos
e assim por diante, na música sons individuais são agrupados em motivos, motivos em frases, frases em
períodos, etc.”

Mais à frente os autores estendem e aplicam o mesmo principio, especificamente à métrica:

“A estrutura métrica é igualmente arquitetônica. Por exemplo, um metro 3/4 difere de um metro 6/8 no
sentido em que o primeiro é feito de três unidades de um nível métrico abaixo, 2/8, enquanto o último é
composto de duas unidades de nível mais baixo, 3/8. (1960: 2-3).
 Lerdahl e Jackendorf A Generative Theory of Tonal Music.

“Normalmente há ao menos 5 ou 6 níveis métricos numa peça. O metro notado é o nível intermediário entre o menor
nível e o maior aplicável a uma peça. No entanto, nem todos esses níveis de estrutura métrica são ouvidos como
igualmente importantes. O ouvinte tende a se concentrar principalmente em um (ou dois) níveis intermediários nos
quais as batidas passam a uma velocidade moderada. Este é o nível que o maestro escolhe para o gesto da batuta, o
ouvinte bate no pé e o dançarino completa uma mudança de peso.... Adaptando o termo renascentista, chamamos
esse nível de tactus”. (Lerdahl e Jackendoff 1983: 20-21)

É importante diferenciar os níveis métricos dos níveis de agrupamento estrutural, mesmo que em vários
momentos haja interação entre eles. Os primeiros lidam com com as questões de medida do ritmo e os segundos
se referem às funções composicionais dos agrupamentos, tais como frase, período ou seção numa composição.
No entanto é preciso lembrar que em vários tipos de música em que não há “estrutura métrica, no sentido que o
ouvinte é incapaz de extrair do sinal musical uma hierarquia de batidas” (Lerdhal e Jackendoff, 1983: 18).
Exemplos sem a presença de hierarquia métrica citados pela dupla de autores:
 obras sem notação mensural (Lamento para as vitimas de Hiroshima) de K. Penderecki
 o Alap (seção de abertura) de uma raga do Norte da Índia” que, como afirma o pesquisador da música
indiana, Martin Clayton, é, do ponto de vista do interprete, “a seção não-medida, literalmente ilimitada
de uma performance”

Exemplo 1.3.1. Alap Raga Bhoopeshwari –Pandit Ronu Majumdar


Há exemplos não métricos mesmo no âmbito da tradição tonal europeia, tais como passagens específicas de caráter
improvisatório de tocatas e prelúdios nos séculos XVII e XVIII, entre estes os prelúdios "non mesurés", de Couperin.
Pedro Persone, em sua dissertação de mestrado, informa que estes prelúdios podem ser divididos em “duas categorias:
os Prelúdios que são obras de escrita não mensurada e de performance não mensurada e obras de escrita mensurada
de performance não mensurada”, tais como os Plainte, Tombeaux, e Lamenti. (Persone, 1996: XIII).

Exemplo 1.3.2. François Couperin (1668-1733) Prelúdio non msuré em Fá maior


Mesmo com todas as limitações citadas, a estrutura métrica tem ampla difusão em estilos e gêneros musicais de
alguma forma relacionados à música tonal e não apenas aquela produzida desde o Barroco até o final do
Romantismo. Relacionadas em maior ou menor proximidade ao universo tonal temos as produções da MPB, do
Pop internacional, da música da indústria cultural de massa, do Rock, da musica caribenha e de boa parte do
Jazz, tipos de música para os quais a estrutura métrica importa fundamentalmente.

Em termos de musica tonal a principal propriedade de uma rede métrica é a periodicidade das batidas em qualquer
nível ser reforçada de nível para nível. Pode-se nomear cada nível, como sugerem Lerdhal e Jackendoff, pela
“duração de seus intervalos de tempo - por exemplo, o nível da semínima e o nível mínima pontuada (Lerdhal e
Jackendoff, 1983: 20).
REDE MÉTRICA
O termo ‘rede métrica’ implica que num metro sem alterações a relação entre os seus níveis sempre será ou binária ou
ternária. Ou seja o intervalo de tempo entre as batidas, em qualquer nível, é duas ou três vezes mais longo do que o
intervalo de tempo entre batidas no nível menor mais próximo.

 Joel Lester (The Rhythms of Tonal Music)


A condição mínima para a definição do metro é a interação de dois níveis: “o nível das batidas (beats) e o nível em
que as batidas são organizadas” (1986: 47). Os compassos em que o número de cima da fórmula é dois ou três
indicam somente um nível de interação - metros que Lester, assim como Scliar, denomina “simples ou “primitivos”.
Por sua vez os compassos com fórmula em que o número superior da fórmula é maior do que três (compostos ou
derivados) são necessários três ou mais níveis separados de organização métrica. Deste modo teríamos mais níveis e
mais interações entre níveis quanto mais batidas teríamos por compasso (metro).
Quadro 1.3.1. Rede métrica em 2/4

Quadro 1.3.2. Rede métrica em 12/8

As redes métricas descritas se referem a uma proporção divisiva (ou multiplicativa) em que as relações entre níveis se
dão por razões simples entre 1/2 e 1/3, ou seja, a relação entre os níveis em que a batida é organizada, o da batida e
sua subdivisão.
Exemplo 1.3.3. Brahms, Intermezzo op.118 (1-4)

COMENTÁRIO: A passagem comporta metros com três níveis: colcheias (subdivisão), semínimas (batida) e mínima
pontuada (metro). O nível de semínima corresponde à batida referencial do metro que agrupa duas a duas as colcheias.
HIPERMETRO

Hipermetro ocorre quando a percepção do metro agrupa dois ou mais compassos notados, ou quando ouvimos “o
metro acima do nível do compasso”, como Temperley o define (2008: 305). Ver ou sentir o hipermetro parece ser o
critério básico na definição, pois como observa Richard Cohn, não há notação explícita para o hipercompasso e este
fenômeno, quando surge, “não é indicado nem por barras, nem por fórmulas de compasso, e as ligaduras de
expressão não são confiáveis como indicadores da estrutura de agrupamento” (Cohn, 1992: 189).

Joel Lester, por sua vez, considera que a existência, tanto do metro quanto do hipermetro, necessita uma série de
pulsos (batidas) a serem organizados e afirma que “somente em casos em que exista um nível acima do compasso
notado estará presente um inequívoco hipermetro” (Lester, 1986: 160). Isto implica na existência de um
agrupamento de batidas, ou tactus, também no nível do hipermetro, ou seja deve haver ‘hiperbatidas’ ou
‘hipertactus’ a serem organizadas pelo hipermetro.

Posição semelhante apresenta Richrad Cohn que considera o Scherzo a forma mais emblemática para aplicação do
hipermetro. Nas suas palavras o Scherzo é para o hipermetro “um raro momento que ele emerge de seu aparente
status de fragilidade ontológica” (Cohn,1992:190). Neste caso o fator mais comum é que cada metro 3/4 do
Scherzo se transforme em hiperbatidas a serem agrupadas em hipermetros de dois, quatro e mais raramente em
três batidas.
Exemplo 1.3.4. Beethoven, III movimento da 7ª Sinfonia
Andamentos muito rápidos sugerem que o interprete indique níveis métricos superiores
(hipermétricos). Os exemplos mais notórios são os o Scherzi da música europeia do século XIX, em que
o metro 3/4 é interpretado “em 1”, em que cada unidade de compasso notado torna-se a unidade de
batida (hiperbatida). No exemplo anterior o compositor provoca uma intensa vitalidade rítmica
principalmente pelo fato da configuração motívica ser sentida com hipermetros duplo e quádruplos,
indicadas no fragmento barras adicionais

A utilização da ferramenta analítica do hipermetro dentro de limites teóricos e práticos bem seguros advém
de algumas condições em que o “cada compasso notado funcione como como uma simples batida. Entre
estas condições Lester arrola “mudanças harmônicas, acentos duracionais e acentos de textura que
estabelecem agrupamentos de multimetros como o nível primário” (Lester, 1986:160). Por nível primário
Lester entende o nível mínimo que contem os fatores básicos da métrica já indicados acima. Quando o metro
notado não inclui estas condições, é necessário avançar para um nível acima, o hipermetro.
Exemplo 1.3.5. Mozart,
Sinfonia 41, DóM, III movimento (1-6)
Por este compasso notado não apresentar por si só as condições básicas do nível primário, sobre esta rede métrica se
sobrepõe um hipermetro com a duração de uma semibreve pontuada organizando duas hiperbatidas, cada uma com

duração de mínima pontuada.


Como já indicado o hipermetro é causado por vários fatores, entre eles, melódicos, harmônicos e de orquestração, este
último fica explicito com a entrada, no terceiro compasso, dos trompetes, trompas, tímpanos e violas, violoncelos e
contrabaixos que marcam as duas hiperbatidas (apoio e não apoio) de semínima pontuada. Há portanto um
agrupamento métrico maior (hipermetro) que o indicado pelo compasso notado e as batidas referenciais são articuladas
em metro binário, provavelmente as indicadas pelo gesto do maestro ou maestrina. Com a configuração do hipermetro o
fragmento transcrito passa representar a frase clássica de quatro compassos.
O primeiro movimento da Sinfonia nº 5, em Dó menor apresenta uma inequívoco exemplo
de hipermetro de quatro hiperbatidas.

Exemplo 1.3.6. Beethoven – Sinfonia nº 5 I movimento

Depois da segunda fermata um hipermetro quadruplo se instala com a mínima do 2/4 tornando-se a
hiperbatida. A justificativa é principalmente harmônica e motívica. O primeiro hipermetro é o prolongamento
da tônica menor, o segundo prolongamento de dominante, o terceiro a alternância I-V e o quarto a progressão
para a semicadência.
Também é possível conceber um conceito inverso ao de hipermetro, quando a metade de um compasso já contenha
todas as condições do nível métrico primário. Justin London comenta, que “ter vários níveis de estrutura métrica
acima da batida percebida não é mais extraordinário do que ter vários níveis de subdivisão abaixo dela (London, 2004:
19). A metade do metro notado pode corresponder ao nível primário. Lester atribui esta possibilidade aos compassos
compostos, entre os quais inclui o quaternário, ou seja, todos os metros com número superior a três na parte de cima
da formula de compasso: “casos de metros compostos, nos quais cada metade funciona como um compasso no nível
primário” (Lester, 1986: 162).
Exemplo 1.3.7. Sonata K.332, II movimento

Temos neste fragmento as condições para considerar a presença do nível


métrico primário nas metades do compasso notado. Cada elemento da
progressão harmônica se encaixa nas batidas, assim como as unidades
melódico motívicas. A rede métrica é ampla por incluir semicolcheias como
pulsos agrupados em colcheias e colcheias em semínimas organizadas pela
duração de mínima.
DESIGUALDADE ENTRE BATIDA E PULSOS

Essas propriedades do metro fundamental estudadas até aqui, no entanto, estão longe de ser universais e há vários
tipos de música, ou mesmo tendências em teoria musical que possuem discordâncias acerca do conceito de exata
periodicidade e proporção entre os níveis métricos.

Fernando Benadon, compositor e etnomusicólogo, observa que na música de Jazz podem confluir dois elementos
aparentemente opostos: “o fundamento fixo de uma batida regular e uma variação microrítmica fluídica”, ou seja,
dois níveis da rede métrica que não estão necessariamente em proporção numérica simples.

Benadon trabalha com o conceito denominado de Beat-Upbeat Ratio (BUR) e, portugues, ‘Razão Apoio - Não
apoio’ ou, ainda, Razão Tésis-Ársis. A partir da análise de gravações de solistas de Jazz calcula-se a “proporção
entre duas colcheias sucessivas, medindo e comparando suas durações”. A razão entre duas colcheias, que
correspondem a cada um das batidas do metro quaternário, indica uma relação que varia bastante quanto ao
grau de desigualdade entre os valores – a primeira mais longa que a segunda e não necessariamente iguais. O
quadro abaixo resume as possibilidades mais frequentes (Benadon, 2006: 74-75).
Quadro 1.3.3. Cinco tipos referenciais de proporções entre duas colcheias (BURs) e a notação possível (aproximada).

Exemplo 1.3.8. John Coltrane, tenor sax, "I


A rede métrica descrita indica que nos solos utilizados na pesquisa Hear a Rhapsody" de Lush Life,.

(John Coltrane, Bill Evans, George Shearing e outros) a sequencia de


colcheias mantem uma relação de desigualdade e deste modo não
ocorre uma pulsação isócrona para compor as batidas. A referencia,
portanto, não é o pulso, mas a batida. Kvifte comenta que “não
tocamos qualquer ritmo exatamente como ele é, ou poderia ser em
notação padrão”. Em alguns casos o que esta determinado é uma rede
métrica em que a relação entre níveis diferentes “não se conforma a
razões simples entre números inteiros”(Kvifte, 2007: 65)
Na musica da tradição tonal europeia ocorre fenômeno semelhante com a chamada inégualité, muito presente na
musica francesa dos século XVI e XVIII. Nesta tradição as colcheias ou semicolcheias são articuladas duas a duas de
modo que a primeira seja mais longa que a segunda. Dirk Moelants, após relatar experimento com dezesseis
interpretes especializados de música barroca (historicamente informada), chegou a resultados bem próximos aos
de Benadon. Moelants aponta que a razão média de inégalité nos pares de colcheias foi de 1,63 e as razões
individuais variando entre 1.89 e 1.33. Os exemplos musicais foram tomados de gavottes em que usualmente
séries de colcheias que devem ser tocadas inégalé (Moelants, 2011: 449-450).
Exemplo 1.3.9. Rameau (1683-1764 )"Nouvelles suites de pièces de clavecin"(1728) - "Gavotte avec Doubles”(Blandine Rannou).
Instituto de Artes da UNESP – Departamento de Música
1º semestre -TEORIA MUSICAL - Ritmo e Acústica Musical.
Prof. Marcos Pupo Nogueira

1.5. ASPECTOS DE RITMO E MÉTRICA SUBSAARIANA

A conceituação métrica na musica subsaariana é tema complexo, em


geral abordado por pesquisadores ocidentais desde meados do século XX.
Dentre estes A. M Jones, James Koetting, Gerhard Kubik, Mieczyslaw
Kolinski, Simha Aron e David Temperley que tem produzido importantes
trabalhos, ora aproximando ora diferenciando a teoria ocidental da tradição
subsaariana. Há também pesquisadores de origem africana trazendo ticas à
visão ocidental, como Kwabenia Nketia, Kazadi Mukuna e o ganes, radicado
nos Estados Unidos, Kofi Agawu. Este último contextualiza o problema
cultural envolvido na questão e considera que pelo fato “das culturas africanas
serem basicamente orais, não há convenções sobre métrica escrita a serem
invocadas”. Em função disto as convenções métricas da prática comum da
musica ocidental podem ter balizado de alguma forma estes estudos que
enfrentam a notável riqueza e complexidade da musica das culturas da África
subsaariana.
Agawu, ao notar a presença referencial da métrica ocidental, nota também
nos autores citados que a “única certeza sobre o uso do metro nas transcrições
da música africana é como um mecanismo de agrupamento”. Para este uso
ocorreram “tentativas de deixar de lado os esquemas normativos de acentuação
interna de cada metro”. O argumento para isto seria, segundo Agawu, se
desfazer da ideia de que um 4/4 teria um primeiro tempo destacado, acentuado,
forte ou apoiado, ou que os quatro tempos de semínima pontuada em 12/8 não
tem pesos diferentes, que eles são sem acentos”. Nesta perspectiva as
transcrições para notação occidental concebem o metro apenas como um
mecanismo de agrupamento, “esvaziado de toda associação convencional”
(Agawu, 2006:21).
A referencia de Agawu ao metro 12/8 não é aleatória, pois esta é a
formula de compasso mais empregada nas transcrições, embora não se
manifeste como um metro composto ocidental organizado com seus quatro
tempos de semínima pontuada.

Exemplo 1.5.1a. Dois ‘compassos’ iniciais da transcrição de um conjunto percussivo para uma
tipo de dança do povo Ewe e Fon, da Africa ocidental, denominada Agbekor lento, transcrito por
Kongo Zabana e citado por Kofi Agawu.

Ocorre no exemplo acima (xxxx) um padrão recorrente presente na linha


superior (Bell) – modelo padrão (standard pattern)- denominado time line,
formado de pulsos regulares (12+12) e contínuos para servir de base para
sobreposição de ritmos diferentes (Poliritmo) e acentos não recorrentes em que
as colcheias se agrupam de modo variável. Como referido anteriormente, Arom
nos lembra que na musica africana subsaariana não há acentos métricos
recorrentes e regulares. O que determina a colocação das barras nas transcrições
se deve, em geral, a dois fatores, a repetição de um padrão e a contrastes
tímbricos ou de altura. No exemplo anterior o instrumento (bell) é semelhante ao
agogô e suas campanas permitem o contraste grave/agudo, como indicado na
transcrição.

Exemplo 1.5.1b. Transcrição rítmica da linha superior do exemplo anterior (bell, agogô) que
forma um padrão rítmico em ostinato bastante frequente na musica da África central e ocidental.

Internamente a este padrão ocorre assimetria que pode ser verificada na


distribuição e agrupamento da pulsação em colcheias: (2+2+1) + (2+2+2 +1),
que formam o que Arom define como uma imparidade rítmica (5+7).
A figura transcrita no exemplo anterior é geralmente denominada como
padrão de Time-line, termo já bastante utilizado na etnomusicologia. Agawu o
define como uma figura rítmica em “formato discernível e geralmente
memorável de curta duração que é tocado como um ostinato durante uma
determinada dança” (2006:1). Esta figura recorrente em geral é tocada por
instrumento agudo e de fácil reconhecimento auditivo no conjunto. Também
funciona como um linha guia para manter o tempo e referenciar a frase musical.
Kazadi wa Makuna, em artigo de 1997, indica que durante uma performance o
pulso básico provê ou dirige a relação interna entre a Time-line e um ciclo
temático” (wa Makuna, 1997:242).

Abaixo uma síntese em quatro itens realizada por Simha Arom sobre a rítmica
africana:

“ (1) A estrita estrutura periódica (isoperiodicidade) é arranjada pela repetição


de material idêntico ou similar, com ou sem variações.
(2) O elemento estrutural básico do período é a pulsação isócrona. Sejam
binárias ou ternárias, as figuras que contém, ou uma combinação delas, o período
é definido pelo número invariável de pulsações que constituem sua estrutura
temporal.
(3) Não há padrões acentuais regulares. As pulsações ou batidas sobre as quais o
período se sustenta tem todas o mesmo status. Não ha nenhum intermediário
entre pulsos e período.
(4) A pulsação não é necessariamente materializada.” (Arom, 1994: 210)

O exemplo abaixo contem boa parte dos conceitos tratados no Texto 1.5.

Exemplo 1.7.2 (sonoro) AGBEKOR, dança do povo Ewe que habita o sul de Gana, Togo e Benim,

https://drive.google.com/file/d/1y5zOj7gVnoplt62izXwM6LBTUh-aviFR/view?usp=sharing
IA - UNESP – Teoria Musical I
Prof. Dr. Marcos Pupo Nogueira

1.6. DIVERSIDADE DE RITMOS E DE MÉTRICAS - TERMINOLOGIA E


APLICAÇÃO ANALÍTICA - Superfície rítmica

Há uma confusa, prolixa, mas estimulante rede terminológica e conceitual


permeando as interações entre métrica e ritmo. A rede referida inclui termos
tais como, metro alternado, métrica aditiva, valor adicionado, ritmos não
retrogradáveis, dissonância métrica, hemíola, hemíola complexa, metro misto,
polirritmia, polimetria e politempo, multimetria, imparidade rítmica,
contrametricidade, modulação métrica, quiáltera, faseamento rítmico e
microritmo, para citar os mais empregados, tanto na teoria e analise quanto na
prática interpretativa. Alguns termos são quase sinônimos entre si, outros
apresentam soluções específicas para situações complexas, em geral sujeitas a
várias interpretações.
Por praticidade podemos agrupar estas unidades terminológicas em
quatro categorias específicas (1. superfície rítmica – 2. simultaneidade rítmica –
3. critérios acentuais – 3. complexidades duracionais) , cada uma delas definidas
por finalidade analítica e semelhança conceitual. O objetivo é, a partir destas
categorias e de sua conceituação teórica, alcançar uma aplicação analítica mais
objetiva aos fragmentos musicais propostos, para em seguida discernir quais dos
termos podem ser aplicados e de que maneira cada um deles pode ser útil para o
entendimento mais profundo dos eventos temporais que os configurem.

Categoria 1 – Superfície rítmica


Esta categoria pode ser definida como uma ação teórica e analítica sobre
a superfície ritmo-métrica e seus ‘eventos’ em sequencia linear, tais como
diversidade métrica, quebra de expectativas, contrastes e multiplicidade de
configurações rítmicas. O conceito de superfície rítmica é definido como aquilo
que o ouvinte capta desta superfície e o introjeta ao ponto da ocorrência de
sincronia entre mente e o objeto audível, “o momento real dos eventos musicais -
e o interiorizar métrico do ouvinte” (London, 2004: 48).
Esta categoria inclui os seguintes conceitos, que são estudados em
seguida: métrica alternada; ritmo aditivo; Hemíola simples, multimetria; valor
adicionado;

METRO ALTERNADO- MÉTRICA ADITIVA

1.6.1. Tchaikovisky –Sinfonia nº 6, II movimento

https://drive.google.com/file/d/14BZsyIk4DiqhF6SZVLscPzJ29vp48zHw/view?usp=sharing

A análise rítmica e métrica do II movimento da sinfonia de Tchaikovsky


indica que o interior do metro notado (5/4) seja medido por duas batidas
desiguais (mínima + mínima pontuada) configurando o conceito de metro
alternado se considerarmos os metros primitivos – binário e ternário reiterados
ao longo do movimento. O metro alternado se refere a configurações métricas
diferentes, mas que se alternam formando um agrupamento métrico maior que
se desenvolve de modo recorrente. Este tipo de configuração pode ocorrer entre
as barras de compasso ou em compassos sucessivos, geralmente dois ou três. Em
relação ao exemplo acima, Tchaikovsky usa a formula de 5/4, e a alternância se
dá entre barras.
No fragmento os três níveis métricos principais configuram-se: pelo metro

notado, 5/4; pelo metro binário de batidas desiguais ( h ) e ( h. ) entre as barras; e

a pulsação em semínimas. As cordas que acompanham a linha dos violoncelos


pontuam esta métrica binária desigual. O pulso flui medido pelas 5 semínimas de
cada metro, agrupadas em 2 e 3 alternadamente.
A métrica aditiva1 é outra alternativa analítica para o exemplo anterior,
pois resulta em batidas assimétricas, ou não isócronas. O nível métrico das
semínimas pode ser reconhecido como o nível de equivalência, pois é comum
tanto ao 2/4 quanto ao 3/4.
No contexto aditivo, as subdivisões (pulsos) são o fundamento e se
agrupam de modo desigual para formar batidas.. O conceito de metro (ou ritmo)
aditivo não é algo livre de polemicas. Kvifte, afirma que desde que a “construção
matemática dos metros aditivos e divisivos não dá conta de toda a questão, há
um consenso na literatura que a diferença entre eles é uma questão de
percepção”. Neste sentido é possível perceber uma determinada ideia musical
“tanto de modo aditivo quanto divisivo, com experiências musicais distintas”
(Kvifte, 2007: 66-67).
Podemos analisar um exemplo extraído de “America” de Bernstein 2 ,
citado por Justin London e comentado por Kvifte para indicar as reais
complexidades do conceito divisivo/aditivo:

Exemplo 1.6.2a. L. Bernstein. América, como citado por London.

1 Kvifte, ao contrário de London, prefere o termo métrica aditiva que adoto também por
considera-lo mais preciso, pois o conceito se fundamenta na relação entre os níveis métricos de
pulso e batida.
2 Trata-se de parte integrada ao musical “West Side Story”.
London analisa metricamente o fragmento como aditivo, tendo 5 batidas

desiguais entre as barras: duas (q.) e três de (q). Kvifte, por sua vez, sugere que o

metro percebido seja o de um 6/8 e um de 3/4, numa lógica de métrica


alternada, tal como notado por Bernstein:

Exemplo 1.6.2b. O ritmo de Huapango, tal como notado por Bernstein.

https://drive.google.com/file/d/1EIEqZXKTcnWrxlYNnKHi2VOr_CgDXYX5/view?usp=sharing

Podemos acrescentar que a métrica, como composta por Bernstein,


também suportaria uma escrita divisiva em 12/8:

Exemplo 1.6.2c –Notação alternativa divisiva para “América” de Bernstein

Tal solução pode não parecer a mais adequada musicalmente, mas tem sua
lógica analítica e serve para indicar uma possibilidade teórica frente aquelas
resultantes do processo perceptivo no contexto de formação prática ou teórica
de quem estiver ouvindo.

Outro fragmento, o “Rondo ala Turk” do álbum “Time Out” de Dave


Brubeck, fica explicitado na formula de compasso as batidas desiguais do 9/8.
que caracterizam o esquema métrico divisivo.
Exemplo 1.6.3. Brubeck, “Rondo ala Turk”

https://drive.google.com/file/d/1ot32UKbl9lGTO1qpCiP-zAVR_uM3hWZq/view?usp=sharing

O nível do pulso é representado pelas colcheias agrupadas pela fórmula

2+2+2+3. O nível das batidas é determinado por unidades desiguais (♩ ♩ ♩ ♩.)

formando o nível métrico do compasso notado. No quarto compasso a estrutura


métrica fica como o convencional (9/8) com o metro de três batidas agrupando

cada uma delas três pulsos iguais, (♩. ♩. ♩.).

O exemplo a seguir apresenta características rítmicas que podem ser


analisadas tanto como métrica alternada quanto métrica aditiva:
Exemplo 1.6.4. Bartok, Microcosmo Vol. 5- 126

https://drive.google.com/file/d/16ha-iyu-yBV6B9a7djtMMgWrD1xURkGg/view?usp=sharing

A métrica alternada ajuda a entender a complexidade métrica do


fragmento acima que se estabelece como um padrão recorrente de quatro
compassos notados: 2/4; 3/4; 3/8; 5/8. Os dois primeiros compassos formam
um hipermetro de 5/4 e os dois seguintes um hipermetro de 8/8 (3+2+3). Um
pulso estável e isócrono, representado pela duração da colcheia, apoia toda a
passagem possibilitando agrupa-las, de modo aditivo, em batidas desiguais
formadas por uma mínima (4 colcheias) + uma mínima pontuada (6 colcheias) +
semínima pontuada (3) + semínima (2) + semínima pontuada (3). Esta
configuração aditiva exemplifica o que London afirma no verbete do Grove
“ritmos aditivos são construídos e entendidos de baixo para cima, enquanto os
divisivos são construídos de cima para baixo” (London, 2005). O fundamento do
conceito de metro aditivo é a existência de um ‘pulso rápido comum’ (CFP em
inglês), o ponto de partida desse “debaixo para cima” a que se refere London. No
entanto a universalidade do ‘pulso rápido comum’ não é plenamente considerada
em todos os estilos musicais, como referido anteriormente em relação ao Jazz,
por exemplo, e cabe ponderar aqui a afirmação de Kvifte de que “batidas não são
sempre a simples soma de pulsos regulares subjacentes” (Kvifte, 2007: 70).

HEMÍOLA SIMPLES
Numa classificação geral é possível identificar dois tipos de hemíola: a
simples e a complexa. A primeira é incluída na categoria 1, pois se trata de
sucessão linear e a segunda, que será estudada mais à frete, na categoria 2, pois
trata-se de duas ou mais hemíolas simultâneas.
Em artigo de 2001 Richard Cohn identifica uma hemíola “quando um
intervalo de tempo é tripartido no lugar de uma bipartição anterior”. O autor
prossegue afirmando que no contexto moderno “o termo se refere a qualquer
conflito sucessivo ou simultâneo entre uma bipartição e tripartição de um único
intervalo de tempo” (Cohn, 2001: 295).
O termo tem dois significados relacionados com a razão 3:2: o primeiro se
refere à acústica em que a relação define o intervalo de quinta justa. Nos antigos
tratados de escrita mensurada (sec. XV e XVI) é aplicado a valores na relação 3:2.
Na notação moderna se refere a trocas entre tempos binários e ternários ou
mudanças entre ternário e binário na subdivisão. Especialmente o termo é usado
para a mudança temporária de um compasso ternário, em que dois compassos
passam a soar como um e a unidade de tempo com o dobro da duração. Deste
modo dois compassos de 3/8 tornam-se um de 3/4, dois de 3/4 tornam-se um de
3/2, ou ainda dois de 3/2 tornam-se um de 3/1.
Exemplo 1.6.5. Dvorak, Dança eslava opus 46, nº 8

https://drive.google.com/file/d/1u8vrdxYfxvSnjZpSJsIpa5hdXpIqjBkD/view?usp=sharing

Exemplo 1.6.6. Mozart, Sinfonia nº 40, III

https://drive.google.com/file/d/1TyY8gzn1AA9DLLd59eF88_-_MGTsBOrr/view?usp=sharing

Nos dois exemplos anteriores temos a hemíola mais comum, esquematizada no


quadro seguinte:

Nos compassos binários compostos é possível considerar o mesmo


fenômeno, mas internamente ao próprio compasso - a denominada hemíola
interna em que duas unidades de tempo pontuadas tornam-se três unidades
simples como no exemplo abaixo:

Exemplo 1.7.7. Monteverdi (1567-1643), La Favola de Orfeo

https://drive.google.com/file/d/1J12Xcu0uuQgBb2mb_UzDXod0i9K_z0sa/view?usp=sharing

Na música dos séculos XVII e XVIII é bastante comum a ocorrência das


hemíolas cadenciais em que a alteração métrica é utilizada para enfatizar um
movimento cadencial, como ocorre também no exemplo acima(1.7.7). No
exemplo seguinte uma hemíola cadencial intensifica fortemente a cadência
sobre SiM:

Exemplo 1.7.8. J.S. Bach, Giga, Suite Inglesa em Mim.

https://drive.google.com/file/d/1P4Pj2L7-NDFz9oPQBtFPpoRJbI1x2cVV/view?usp=sharing

Podemos concluir com o musicólogo Channan Wilner que “hemiolas


são, por definição, metricamente dissonantes, em desacordo duracional com a
métrica notada” (Wilner, 2013: 87).

MULTIMETRIA (metros múltiplos) - Na métrica alternada, exposta


anteriormente nos exemplos de 1.6.1. a 1.6.4., o conceito indica que em níveis
métricos maiores ocorre periodicidade. Na musica pós-tonal o conceito
métrico é, para dizer o mínimo, redimensionado ou reconfigurado e em muitos
casos torna-se nulo ou de alta complexidade. Em varias obras do século XX a
formula de compasso é abandonada (entre outros, em algumas composições de
Messiaen e Hindemith) ou substituída por alternativas destinadas
especificamente a certas passagens musicais (exemplo 7 no Texto 1.1.). Para
que possamos refletir acerca deste conceito temos a seguir uma passagem
famosa quanto à aplicação analítica de termo multimetria.

Exemplo 1.6.5. Stravinsky -Inicio da “Dança Sacrificial” da Sagração da Primavera


https://drive.google.com/file/d/12t6Yqh0_mL6j5cXc8iShOL86lv2uwrdq/view?usp=sharing

A sequencia dos compassos indica a ausência de periodicidade métrica, ao


menos ao nível das batidas, e não há metros regulares e, portanto, este
fragmento não pode ser classificado como métrica alternada, mas como
multimétrico. No entanto a não periodicidade das batidas ocorre sustentada
pelos pulsos isócronos de semicolcheias (que indicam periodicidade neste nível)
o que significa que há um nível de Pulso Rápido Comum em que os pulsos são
agrupados aditivamente ao longo da passagem configurando a multimetria.

VALOR ADICIONADO - Outro processo que cria eventos diversificados na


superfície métrica (geralmente sem notação do metro) é denominado de valeur

ajoutée, valor adicionado, desenvolvido por Olivier Messiaen e definido em seu

livro The Technique of My Musical Language. O emprego da técnica faz parte de


um grande conjunto de recursos rítmicos que Messiaen foi buscar em tradições
orientais, especialmente na rítmica da música tradicional da India, e também dos
pés da poesia da Grécia clássica.
O emprego do valor adicionado cria uma alteração de duração de notas
por meio de um acréscimo de um valor curto a um padrão regular de uma figura:
um ponto de aumento, uma ligadura de valor ou uma pausa. Deste modo um
padrão rítmico (no exemplo abaixo, um dáctilo) é alterado como o indicado na
figura seguinte, expandindo o compasso:
Figura 1.8.1.

Exemplo 1.6.6a. Messiaen- Quarteto para o Fim dos Tempos, VI Movimento


https://drive.google.com/file/d/1Idkqb7c0rv8kRxQOHphMDZN_HxMvVI3q/view?usp=sharing

Messiaen não indica nenhuma fórmula de compasso e vai expandindo


progressivamente a duração dos compassos ao acrescentar uma ou mais
semicolcheias aos tempos de um compasso inicial (notar que há quatro batidas
no primeiro compasso, mas a segunda batida agrupa 5 semicolcheias). A
progressão métrica do fragmento toma a seguinte configuração: 17/16; 17/16;
18/16; 19/16; 21/16; 39/16. O conceito de Messiaen de valor adicionado parece
estar relacionado a um fator motívico que é possível deduzir a partir da análise
desta passagem realizada pelo próprio compositor:
Exemplo 1.8.7b. Messiaen – “Technique de mon langage musical” (1944).

Cada um dos quatro compassos é organizado por quatro unidades


rítmico-melódicas e indicam um metro com quatro batidas, das quais algumas
desiguais. As indicações dos colchetes apontam para as células que contem valor
adicionado (semicolcheia) assinalado por sinal de + sob as notas.
Por várias razões o interesse pela música de outras culturas desponta
com muita força no século XX, entre elas pela necessidade de alternativas
composicionais à musica da tradição tonal europeia. Messiaen durante seu
período no Conservatório de Paris foi fortemente atraído pela rítmica da música
do sul da Índia e explorou “detalhadamente a tabela com 120 deśītālas do quinto
volume do Saṃgītaratnākara, denominado Nâtya-Çâstra, escrito por Śarńgadeva
na primeira metade do século XIII” (Moreira, 2008: 139-141). Em Painel
coordenado pela Profa Adriana Lopes Moreira durante o XXV Congresso da
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música, as pesquisadoras
resumiram as características básicas do interesse de Messiaen:
“A palavra tāla se refere a um ciclo de tempo e constitui um
espaço de tempo fixo, repetido ciclicamente, e que soa amétrico
aos ouvidos ocidentais, por não possuir uma hierarquia
elaborada com base em um pulso (à maneira ocidental), mas ser
organizado por acumulações de pequenos valores rítmicos.
(Moreira, Alves e Ogata, 2015: 5)

Desse estudo das talas indianas se originaram algumas das características


rítmicas de sua música, tais como, aumentação inexata, ritmos não
retrogradáveis e a formulação dos valeurs ajoutées (durações adicionadas).
Instituto de Artes da UNESP – Departamento de Música
1º semestre -TEORIA MUSICAL - Ritmo e Acústica Musical.
Prof. Marcos Pupo Nogueira

TEXTO 1.7. DIVERSIDADE DE RITMOS E DE MÉTRICAS - Categoria 2:


Simultaneidade Rítmica e Métrica

Esta categoria se refere à sobreposição de padrões ritmos, contrastantes


ou deslocados, e fórmulas de compasso diferentes. A terminologia mais
comumente utilizada em teoria, análise e performance inclui, métrica mista,
polirritmia, ritmo cruzado, polimetria, politempo (dissonância temporal) e
faseamento rítmico-métrico.

MÉTRICA MISTA - A ocorrência simultânea de duas ou mais formulas de


compasso na notação musical tem sido denominada como métrica mista e é
praticada desde que a notação mensural se consolidou por volta do século XV e
se intensificou bastante a partir de algumas tendências estéticas da música pós-
tonal do século XX. Esta prática não configura necessariamente o fenômeno da
polimetria, no entanto pode ser analisada como polirritmia na maioria dos casos,
temas que serão abordados também nesta categoria, mais à frente.
Exemplo 1.7.1. Mozart - Quarteto com oboé, K. 370, III movimento: Rondó

https://drive.google.com/file/d/1jzBfW_gzFR04EUmTPiu4R2vlsnglyYdG/view?usp=sharing

A partir do 3º compasso a linha do oboé passa a ser desenvolvida no metro


4/4, enquanto as cordas continuam em 6/8. Ao comparar as durações das figuras
da linha do oboé com as demais temos colcheias mais curtas numa relação de 4
contra 3. A figura da mínima na parte do oboé equivale em duração a uma
semínima pontuada nas cordas (6/8). Esta passagem pode considerada como um
caso de ‘métrica mista’, em que fórmulas diferentes para metros simultâneos
causam não equivalência de valores em algum nível métrico. As unidades de
compasso (nível do metro notado) tem a mesma duração, mas são representadas
por figuras diferentes, portanto equivalentes. Em outros níveis métricos mais
rápidos ocorre a não equivalência. A figura seguinte resume as equivalências e
não equivalências da passagem do quarteto de Mozart:
Figura 1.7.1. Esquema dos níveis de equivalência e não equivalência do exemplo 1.7.1.

É importante notar que o nível de não equivalência deixa evidente um


entrecruzamento de 4 contra 3, um efeito polirítmico a ser estudado mais à
frente.
Exemplo 1.7.2. Debussy, Noturnos- I Nuages. Redução p/ dois pianos por M. Ravel.

https://drive.google.com/file/d/17nBazJmnWWIejgbnkQnFO0DIiYkMAVtQ/view?usp=sharing

A notação em métrica mista começa no quarto compasso. A parte do corne-


inglês (piano II) passa a ser escrita em 4/4, enquanto a parte do piano I (cordas)
permanece em 6/4. As semínimas no piano I são mais curtas que as do piano II
(solo de corne-inglês) numa relação três contra dois, formando um nível de não
equivalência como indica o esquema rítmico métrico abaixo:
Figura 1.7.2. Esquema dos níveis de equivalência e não equivalência do exemplo 1.8.10.

O nível de não equivalência deixa exposta uma relação de três contra dois
que será estuda no item seguinte sobre poliritmo.

POLIRITMO - Uso simultâneo de dois ou mais ritmos contrastantes


produzidos, em geral, por linhas sobrepostas com acentos deslocados (contra
acentos). Toda a musica polifônica imitativa é de algum modo polirritmica, pois a
variedade de acentos deslocados entre as partes simultâneas em imitação causa
a individualidade rítmica de cada uma das vozes do contraponto, como
exemplificado em seguida:

Exemplo 1.7. 3. Willian Byrd (1539/43-1623) Moteto: Non relinquam orphanos

https://drive.google.com/file/d/12161Dcy-YvqDidLLgVTzTVddYsK3r0qJ/view?usp=sharing

A palavra latina vado (caminhar, passar) é imitada quase sempre com a mesma
figuração rítmica em cada uma das vozes em pontos diversos da estrutura
métrica. A acentuação prosódica não se altera e causa a sobreposição dos
padrões rítmicos (polirrítmo) ou os acentos cruzados.
Eve Poudrier e Bruno Repp, defendem que o poliritmo é a sobreposição de
duas ou mais sucessões de diferentes de batidas isócronas cujos períodos estão
relacionados a uma fórmula constante de números inteiros, por exemplo, 3
contra 2, 4 contra 3, 8 contra 3, 7 contra 4, etc, um efeito que também tem sido
denominado como ritmo cruzado (cross rhythym) Os autores afirmam que um
poliritimo “pode estar em fase, o que significa que eles se caracterizam por
retorno cíclico dos inícios coincidentes” (Poudrier e Repp, 2013:370). Deste
modo quaisquer destas relações entre sobreposição de batidas diferentes e
isócronas possui propriedade cíclica. Nestes casos um pulso rápido comum
coordena o poliritmo e é possível determinar o período tempo de cada ciclo
multiplicando os dois números inteiros.
Figura 1.7.3. Alguns exemplos esquemáticos de poliritmo
a) 3 x 4, em forma aditiva,

ou em forma divisiva

b) 3 x 2 nas formas aditiva e divisiva:

c) 3 x 8
Enquanto a métrica mista pode resultar em poliritmo, na poliritmia a
ocorrência simultânea de fórmulas de compasso não é necessariamente presente
e polirritmos podem acontecer sob uma mesma fórmula de compasso. Os ritmos
que se sobrepõem não são imediatamente percebidos como derivados um do
outro ou como simples manifestações da mesma métrica, mas possuem algum
nível de pulsação em comum..
A polirritmia se apresenta na música europeia desde o século XIV,
principalmente em canções seculares francesas como no exemplo seguinte:

Exemplo 1.7.4. – G. Dufay (c.1397 – 1474) Ballade: Mon chier amy

https://drive.google.com/file/d/1aB0DUNEgsUemfR3BnU2IQ-lPKUOW-r_3/view?usp=sharing

Notar nos compassos 3, 5 e 6 a sobreposição de ritmo ternário ao binário


e acentos deslocados entre as vozes nos compassos 2 e 7.
Na música ocidental, especialmente na primeira metade do século XX, a
polirritmia torna-se importante recurso para a criação musical em busca de
diversidade rítmica. Num sentido mais restrito o termo polirritmia pode ser
aplicado aos casos em que a diversidade rítmica simultânea surge “como um
efeito especial frequentemente denominado de ‘ritmo cruzado’ em que ocorre o
efeito de fase e defasagem entre as vozes, como ja referido anteriormente.
No exemplo seguinte é possível notar a variedade de contra acentos produzindo
polirritmos:
Exemplo 1.7.5. Hindemith, Klaviermusik op.37

https://drive.google.com/file/d/15ETDZGkPc_PGoA4RiNjCfNgu3btHTpln/view?usp=sharing

No compasso 86, entre as linhas da mão direita e esquerda, ocorre três


batidas de semínima contra duas de semínima pontuada.
Figura 1.7.5.

A partir do compasso 87 se inicia ciclos de 4 x 3, em que a linha da mão


esquerda forma períodos de 12 colcheias (agrupadas em 4 semínimas
pontuadas). A linha da mão direita evolui num metro binário em que é preciso
três compassos para entrar em fase com a linha da mão esquerda e deste modo
ocorre a sobreposição de três batidas de mínima contra quatro de semínima
pontuada (ver Figura 1.7.3a).

POLIMETRO E POLITEMPO
Polimetria é um termo que só é aplicável a um tipo muito especial de
fenômeno. Se tomarmos “metro” em seu sentido primário de unidade de
referência temporal, “polimétrico” descreveria o desdobramento simultâneo de
várias partes em um único trabalho em diferentes tempos, de modo a não ser
redutível a um único metrum (medida), ao contrário do que ocorre no ritmo
cruzado ou polritmia. Isso acontece em algumas músicas do século XX, tais como
parte das obras de Charles Ives, Elliott Carter’s Symphony, ópera de
Zimmermann, "Die Soldaten", e "Rituel", de Pierre Boulez. Sendo polimétricas no
sentido estrito, estas obras geralmente requerem vários regentes simultâneos.
Enquanto o conceito de poliritmia opera com o cruzamento de tempos que entra
em fase dentro de um ciclo mais longo, a polimetria opera com medidas de
tempo não redutíveis a uma métrica comum produzindo o efeito de tempos
diferentes e não proporcionais entre si definido, algumas vezes, como politempo.

Exemplo 1.7. 6. Charle Ives, Pergunta sem resposta

Vídeo com partitura:


https://drive.google.com/file/d/1a6fevrMfb4SRLD1J-MJppC7c8FK2Gtd1/view?usp=sharing
Instituto de Artes da UNESP – Departamento de Música-1º semestre -TEORIA MUSICAL - Ritmo e Acústica Musical.
Prof. Marcos Pupo Nogueira
AULA 1.8. DIVERSIDADE DE RITMOS E DE MÉTRICAS – Categoria 3: Critérios acentuais
Cometricidade e Contrametricidade; Imparidade Rítmica; Tresillo; Dissonância métrica;

COMETRICIDADE
Arom define cometricidade como uma tendência de que num período rítmico os acentos (de
altura, de duração, de intensidade ou timbre) coincidam, em sua maioria, com as pulsações e que os
contratempos não se sobreponham ao pulso seguinte de modo preponderante. (Arom, 1994:241)
Figura 1.8.1. Cometricidade

CONTRAMETRICIDADE
A relação de uma figura rítmica com a pulsação é contramétrica quando acentos de qualquer tipo “ocorrerem
predominantemente no contratempo” (Arom, 1994:242):
Figura 1.8.2. Contrametricidade
SIMETRIA E ASSIMETRIA
Quanto ao agrupamento de pulsos e acentuações dentro de um período rítmico, ou metro, as estruturas rítmicas
podem ser simétricas ou assimétricas. Quando uma figura (ou metro) pode ser dividida em duas partes iguais quanto
ao número de pulsos ela pode ser considerada simétrica:

Figura 1.8.3. Três exemplos de períodos simétricos


Períodos ou metros assimétricos ocorrem quando não é possível a divisão em duas partes iguais. Pode ser
regular quando for possível a divisão em mais do que duas partes iguais. Assimétrico irregular quando um
período possui “duas ou mais configurações que não podem ser segmentadas em partes iguais” (Arom,
1994:246)
Figura 1.8.4. a) Assimetria regular; b) Assimetria irregular.
IMPARIDADE RÍTMICA
É uma forma de assimetria bastante frequente em tradições subsaarianas e, segundo Bianca Ribeiro e
Luis Fiaminghi, “a assimetria é uma característica de muitos ritmos cíclicos da África, América Latina e Leste
Europeu” (Ribeiro e Fiaminghi, 2019: 22). As imparidades rítmicas são formadas por períodos em que os
pulsos (valor mínimo ou pulso rápido comum) são divididos próximo à metade e com sucessões irregulares de
quantidades binárias e ternárias. Obedecem a regra metade - 1 e metade +1, ou seja, 3+5 (8 pulsos) , 5+7 (12
pulsos), 9+7 (16 pulsos), etc

Figura 1.8.5. Imparidade 5+7


Em artigo sobre o samba choro, o músico, Mário Sève, aponta para o uso de imparidades também na música brasileira, em
geral numa estrutura 7+ 9 em dois compassos:

Exemplo 1.8.1 Noel Rosa/ Vadico – Conversa de Botequim - Canto: Aracy de Almeida

7 9

Exemplo 1.8.2 Pixinguinha/ Benedito Lacerda – Devagar e Sempre

7 9
Outra forma de imparidade é o tresillo muito frequente na música caribenha, principalmente a cubana .
Consiste de três batidas desiguais nos compassos quaternários e binários que agrupam as pulsações com a
seguinte disposição: 3+3+2..

Alguns musicólogos indicam que a origem do tresillo pode estar associada ao ritmo da Habanera com a colocação
de uma ligadura ligando a quarta semicolcheia e a terceira colcheia. Forma-se deste modo uma sincopa quebrando
a simetria do compasso

Exemplo 1.8.3 Bizet, Habanera da ópera Carmen


Exemplo 1.8.4a Compay Secundo – Chan Chan (Buena Vista Social Club)

Linha do baixo com padrão de quatro compassos em ostinato. O tresillo é de duas mínimas pontuadas + uma mínima
Exemplo 1.8.4 b

♩ 3 3 2

♪ 3 3 2
Na musica africana estas estruturas com imparidades formam os padrões de ostinato (time lines) que, nas palavras de
Simha Arom, resultam em combinações “notáveis por sua complexidade e sutileza”. (1994: 246).

A imparidade rítmica é também uma ferramenta importante de análise rítmica no Jazz, como pode ser observado na
transcrição de um improviso do pianista Keyth Jarret, em que um ritmo de ostinato na mão esquerda não pode ser
dividido em duas partes iguais. Os acentos também sugerem outro tipo de imparidade: o ritmo de tresillo em que uma
métrica notada em 4/4 divide-se em três batidas desiguais.

Exemplo 1.8.1. K. Jarret (1945) , Last solo (1984)

9 7

3 3 2
DISSONANCIA MÉTRICA
• conceito de dissonância métrica surge para analisar e interpretar fragmentos musicais em que haja algum tipo de
conflito entre camadas métricas. Segundo Harald Krebs “vários teóricos do século XIX contextualizam o metro
musical como um conjunto de camadas de movimento que interagem”. Sendo que cada camada consiste em uma
“série de pulsos espaçados aproximadamente de modo periódico”. (Krebs, 1999: 22)

• Camadas métricas são agrupamentos de pulsos perceptíveis à audição que são articulados por acentos
fenomenais regulares, portanto possuem configuração musical própria. Por sua vez, níveis métricos, como
estudado anteriormente, são uma rede abstrata de pulsos e batidas e são definidas por todas as possibilidades
duracionais (pulsos, batidas ou subdivisões e múltiplos) de um fragmento musical.
Harald Krebs define métrica: “a união de todas as camadas de movimento (isto é, séries de pulsos recorrentes
regularmente) ativas nele.” Há três classes de camadas: “camada de pulso”, “camada de micropulsos” e “camada
interpretativa”. A 1ª é a série de pulsações mais rápidas com ataques mais ou menos regulares na superfície musical. A
2ª, “micropulsos”, são mais rápidas e surgem aqui e ali como espécie de ornamentos, e em geral tem pouca influencia
métrica. A 3ª, “camada interpretativa”, se move mais lentamente do que a camada de pulsos e se constitui por série de
batidas recorrentes e regulares que permitem que o “ouvinte interprete os dados brutos da camada de pulso
organizando seus pulsos em unidades maiores” cujos acentos podem estar em “dissonância” com os da camada de
pulsos.

A abordagem de Krebs define dois tipos básicos de dissonância métrica: dissonância de agrupamento, que o autor
identifica com a letra G, se caracteriza pela “superposição na métrica notada de um agrupamento de pulsos que é
incongruente com o agrupamento métrico” sendo a hemíola um caso mais específico de dissonância de agrupamento. A
dissonância de deslocamento, indicada pela letra D, consiste na “superposição à métrica notada de um agrupamento de
pulsos congruente, mas não alinhado.(sincopa)” (Krebs, 2006:32). Tanto a dissonância de agrupamento quanto a de
deslocamento são causadas por eventos fenomênicos, eventos da superfície musical definidos por vários tipos de
acentos (de duração, de intensidade, de altura e outros) que “determinam configurações métricas que se sobrepõem à
métrica notada”
O autor traz alguns exemplos retirados de obras Robert Schumann em que os números indicam as diferentes
camadas. No primeiro ocorre dissonância por deslocamento:

Exemplo 1.8.3. R. Schumann (1810-1856) - Quarteto de Cordas opus 41, nº 3, II

Enquanto na linha do violoncelo a camada interpretativa de 6 colcheias flui em consonância


com o metro 3/4, a linha do I violino se apresenta como uma camada com rítmica deslocada
para a segunda batida do compasso (acentos de duração recorrentes de seis em seis
colcheias a partir da segunda batida.
Exemplo 1.3.4. Schumann, Davidsbündler, opus 6 nº 2

No exemplo acima (1.3.4.) (dissonância de agrupamento) os acentos duracionais na mão


esquerda criam a camada de 6 colcheias em consonância com o metro 3/4 em que acentos de
densidade e harmônicos reforçam. Na voz mais aguda dos primeiros dois compasso, os
acentos melódicos estabelecem uma camada de 3 em 3 colcheias, enquanto os ataques de
mínima e semínima da mão esquerda sugerem uma camada de 2 em 2 colcheias. Nos dois
compassos iniciais o efeito é também de polirritmia, ao se sobreporem em cada compasso
duas semínimas pontuadas (na voz aguda) contra três batidas de semínima na mão esquerda.
Instituto de Artes da UNESP – Departamento de Música
1º semestre -TEORIA MUSICAL - Ritmo e Acústica Musical.
Prof. Marcos Pupo Nogueira

TEXTO 1.9. Categoria D – – Complexidades rítmicas. Quiáltera - Modulação métrica


- Faseamento rítmico

QUIÁLTERAS (sesquiáltera, ritmos irracionais)


Os valores que compõem o agrupamento de quiáltera não correspondem a nenhum dos níveis métricos e de
pulsação da métrica em que está presente. A quantidade de figuras que compõe a quiáltera é indicada
acima ou abaixo das figuras. O nome sesquiáltera se refere a termo matemático que muitas vezes é aplicado
aos casos em que a relação dos valores da quiáltera com divisão normal se dá entre dois números, em que o
segundo seja a soma do anterior mais sua metade. Ex. 4 e 6 (4+2).

As quiálteras são diferenciadas dos polirritmos ou ritmos cruzados, pois ocorrem, em geral, dentro do
contexto de uma única parte e por tempo bastante limitado, mas de todo modo as quiálteras podem criar o
efeito de poliritmo em relação á divisão normal. Na música produzida com fundamento no Serialismo
Integral (Boulez, Stockhausen) e da Nova Complexidade (Brian Ferneyhough), o uso de quiálteras
contrastantes sobrepostas torna-se bastante comum produzindo obras de grande complexidade rítmica.
Classificação das quiálteras

1. Aumentativas ou diminutivas
Segundo Esther Scliar as aumentativas “são aquelas cuja divisão é maior que a
normal” e as diminutivas quando a divisão resulta em figuras menores que o normal.
(Scliar, 1985: 88-89). Nestes casos o número utilizado para indicar a quiáltera deve ser
sempre o mais próximo da divisão normal.

Figura 1.9.1. Quiálteras aumentativas e diminutivas

2. Uniformes ou desiguais - Uniforme quando a quiáltera for composta por figuras de


mesmo valor. Desiguais composta por valores diferentes.
3. Regulares ou irregulares: As quiálteras regulares tem seus valores de divisão em relação de sesquialtera com a
divisão normal, ou seja na relação em que o número da quiáltera é a soma do número da divisão normal mais sua
metade. Irregulares quando não há esta relação:

Figura 1.9.3. Regulares e Irregulares

X 7/8

4. Duração de quiáltera: duração da batida, parte debatida, mais de uma batida ou ainda metro completo.

Figura 1.9.4. Duração de quiálteras


EXEMPLOS MUSICAIS
EXEMPLO 1.9.1.Villa-Lobos, Suite Floral II

Villa-Lobos se utiliza de quiáltera diminutiva uniforme. Observar que, ao contrário do tipo de polirritmia referida
anteriormente, neste fragmento não ocorre uma pulsação comum entre as 6 semicolcheias da subdivisão normal e
as 5 semicolcheias da quiáltera.
Exemplo 1.9.2. Chopin, Balada em Fá menor

No exemplo acima em 6/8 (1.9.2), Chopin se vale de diversas quiálteras aumentativas. Apenas a
primeira do compasso 154 é regular (sesquialtera, 6:4) e todas as demais são irregulares. Resulta no
fragmento um tipo de poliritmo em que não ocorre uma pulsação comum entre as partes em
simultaneidade.
Exemplo 1.9.3a. Stockhausen, Klavierstücke nº2 No exemplo ao lado, citado por Scliar (1985:92), Stockhausen utiliza
quiálteras embutidas em quiáltera mais ampla. A indicação 5:4 é de
quiáltera de compasso em que as 4 colcheias normais do compasso 2/4
são substituídas pela quiáltera de 5 colcheias. As quiálteras internas
indicam 3 agrupamentos desiguais de 5 fusas.

Exemplo 1.9.3b PierreBoulez Le Marteau sans Maitre, V


Brian Ferneyhough. No time , para 2 violões
MODULAÇÃO MÉTRICA (ou temporal)
Alteração rítmico-métrica definida pelo compositor americano Elliot Carter que consiste em tomar, como referência na
mudança de andamento, valor de uma figura anterior igualando-o com outra figura presente no compasso seguinte. O
próprio Carter preferia o termo ‘modulação temporal’, pois de fato trata-se de um processo que visa oferecer precisão
às mudanças de andamento (tempo). Este processo se relaciona a uma tendência estética muito relacionada ao
movimento denominado serialismo integral que foi bastante importante na segunda metade do século XX. O esquema
abaixo foi desenvolvido pelo compositor Almeida Prado para explicar a seus alunos o princípio da modulação métrica.

Figura 1.9.5. Quadro explicativo para modulação métrica (Almeida Prado)


Exemplo 1.9.4. – Almeida Prado, Valsa em quatro andamentos
Exemplo 1.9.5. Elliot Carter, Oito peças para timpano – VII (Canaries)

13

No início, ♩. = 120; no 8º compasso (3/4) a ♩ = 180 [120 x 3/2] (nova semínima, duração igual à soma de 2 colcheias =
anteriores); ♩ = 270 [180 x 3/2 = 270] (nova semínima, tempo igual à soma de 2 quiálteras anteriores).
As duas primeiras mudanças de andamento deste fragmento foram realizadas a partir de uma relação de 3 4 semicolcheias
pontuadas = 12 fusas
para dois (3/2), pois os valores da semínima do tempo seguinte são calculados a partir da soma de duas colcheias = 6 semicolcheias = 3
anteriores. Na mudança do 14º compasso (3/4) para os seguintes (6/8) a referência anterior é a unidade de colcheias

compasso igualada com a unidade de tempo seguinte (3 vezes mais lento, 270/3=90).
Exemplo 1.9.6. Charles Ives, Calcium Light Night

Este fragmento é de uma composição de Charles Ives anterior ao desenvolvimento do conceito e prática da
modulação métrica por Carter, mas pode ser considerada precursora. A semínima pontuada + semicolcheia (divisão
em duas partes iguais do compasso de 7/8) se iguala por modulação métrica a uma mínima. A terceira linha realiza
um acelerando e ralentando escritos enquanto as vozes superiores estão em andamento fixo.
Fase e Defasagem Rítmica

Processo de composição desenvolvido principalmente por compositores norte – americanos, entre eles Steve Reich,
na segunda metade do século XX com provável influência da música centro africana. Processo de composição
desenvolvido principalmente por compositores estadunidenses, entre eles Steve Reich, na segunda metade do
século XX com provável influência da música centro africana. Nas palavras de Cesar Adriano Traldi, pesquisador da
Universidade Federal de Uberlândia, nas “composições com phase-shifting, o processo rítmico utilizado é o principal
elemento musical da obra. Ou seja, o procedimento rítmico torna-se elemento fundamental do discurso musical”
(Traldi, 2014: 97).

Em artigo de 1992, Richard Cohn aprofunda o sentido do processo de ‘mudança de fase’ (phase-shifting) ao
afirmar que Steve Reich, ao propor esta ideia composicional, estava reagindo contra composições aleatórias e seriais,
que usam estruturas ocultas, tal como o serialismo dodecafônico e o integral, para desconectar processo
composicional da música que se ouve. “Reich deixou implícito que em sua música que muda de fase ele descobriu
uma maneira de permitir que os processos musicais sejam percebidos”. Citando o próprio Reich Conh conclui que a
música com mudança de fase pode ter alcançado a ideia de que um processo de composição e uma música sonora
que são uma e a mesma coisa". (Cohn, 1992: 146). O exemplo seguinte é uma das composições mais sibnificativas
deste tipo de composição:
As duas linhas iniciam exatamente em fase, mas a cada bloco de repetições a linha
inferior entra em defasagem de uma colcheia à frente. Esgotadas as 12 possibilidades
progressivas de defasagem entram em fase novamente no último bloco.
Exemplo 17. GYÖRGY LIGETI: POEMA SINFÓNICO PARA 100 METRONOMOS

“100 metrónomos mecânicos são postos em movimento, a


velocidades diferentes, e ali ficam a compor por si só uma
obra musical da mais complexa polirritmia, que submerge
lentamente até à estagnação. Esta é uma obra de arte
conceptual criada por Ligeti nos anos 60, quando mantém
contacto com o grupo Fluxus e o movimento do ‘happening’.
A experiência de ouvir (e ver) o seu resultado é singular e
quase hipnótica, pelo que se recomenda passar por ela pelo
menos uma vez na vida” (Texto de programa de evento
musical realizado na Casa da Música, Porto – Portugal)

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