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(Charloth-Back) O-direito-a-dizer-o-direito-os-Tribunais-Internacionais-de-Opiniao-como-espacos-de-resistencia
(Charloth-Back) O-direito-a-dizer-o-direito-os-Tribunais-Internacionais-de-Opiniao-como-espacos-de-resistencia
Charlotth Back
INTRODUÇÃO
A teoria crítica dos direitos humanos considera que o direito é
produto de uma determinada ordem social, que por sua vez é regu-
lada pelas normas, regras e procedimentos estabelecidos pelo Estado,
no sentido de condicionar e regular o acesso aos bens dentro de um
grupo social. O processo de criação e reprodução do direito está in-
timamente ligado à divisão social, a qual, nas sociedades capitalistas,
está baseada na separação de grupos hegemônicos e de grupos subor-
dinados no que concerne tanto ao acesso aos bens como à influência
nos processos políticos. Por isso, o direito não é “autossustentado por
si mesmo”, mas condicionado às disputas, ao apoio e à crítica dos
grupos de interesse que contrapõem as diferentes formas de regular as
relações sociais, como sinaliza Herrera Flores (2008). Nesse sentido,
são “as relações sociais —sejam de viés emancipador ou conserva-
dor— (que) constituem o motor que impulsiona tanto a criação como
a transformação da ordem jurídica”.
Dessa forma, o direito somente pode ser compreendido na medida
em que se relaciona com os processos hegemônicos ou emancipadores
e com os contextos políticos, econômicos, sociais e culturais de uma
determinada sociedade. Quando tratamos dos direitos humanos, a
dinâmica é a mesma. Para Herrera Flores (ibid), estes direitos, as-
sim como a ordem jurídica, podem servir para legitimar relações e
processos hegemônicos —principalmente quando são entendidos de
forma descontextualizada—, mas também podem ser convertidos em
processos de abertura e consolidação de espaços que permitem que os
oprimidos lutem por sua dignidade.
Para que os direitos humanos possam ser este instrumento de li-
bertação, é necessário construir uma visão crítica, dinâmica e contex-
tualizada do direito, do pensamento e da prática jurídica contempo-
râneos. O desenvolvimento de novas metodologias críticas do direito
nos fornece ferramentas para denunciar as desigualdades e domi-
nações, para desestabilizar os discursos e a racionalidade do direito
hegemônico e para transformar a realidade e torná-la mais justa e
democrática.
Muito se discute sobre a possibilidade de o direito ser emanci-
patório ou não (Sousa Santos, 2007); no entanto, a questão aqui
abordada é sutilmente distinta: o que será avaliado é se as práticas
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Os tribunais de opinião devem ser diferenciados das comissões da verdade, ainda
que ambos operem fora do âmbito judicial, já que estas últimas são sancionadas,
fundadas e organizadas por investigadores oficiais, e normalmente nomeados
pelos poderes públicos.
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Desigualdade esta que inclusive impede o acesso efetivo à justiça por uma das
partes.
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A narrativa histórica é fabricada por aqueles que “venceram” ou conseguiram
impor seu domínio sobre os outros. Portanto, detrás de qualquer história oficial,
há relatos daqueles que foram “vencidos”, massacrados, oprimidos, e que reve-
lam situações que foram devidamente omitidas e dissimuladas. Ver Benjamin, W.
(1985). As Teses sobre o Conceito de História. En: Obras Escolhidas, v. 1, São
Paulo: Brasiliense, p. 222-232 e Hobsbawn, E.(1998). Sobre História, Tradução
C. K Moreira. São Paulo: Companhia das Letras.
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A estratégia do “padrão bumerangue” é delimitada por Keck e Sikkink (1998)
da seguinte forma: ao constatarem que as instâncias internas estão inacessíveis
ou mesmo não foram capazes de contemplar suas demandas —e subsistindo a
violação a direitos—, os grupos sociais recorrem à arena internacional em busca
de apoio e de pressão política contra uma determinada situação. Essa pressão
política pode se dar por meio de recurso a organismos e tribunais internacionais,
ou a terceiros Estados, que constrangeriam o Estado violador a fim de cessar as
atividades consideradas ilegais.
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As denominações dos pronunciamentos finais variam nos diversos modelos de
tribunal de opinião: sentença final, opinião consultiva, veredito, opinião do tri-
bunal.
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As denominações dos pronunciamentos finais variam nos diversos modelos de
tribunal de opinião: sentença final, opinião consultiva, veredito, opinião do tri-
bunal, decisão do tribunal.
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Esta crítica, no entanto, não deve significar o rechaço das normas internacionais
por completo ou a negação das garantias formais ali reconhecidas; ao contrário,
as garantias são importantes, são parte essencial da luta pelos direitos, mas não
eximem nem muito menos substituem a luta e a expectativa pela satisfação dos
direitos, ou seja, do real acesso aos bens. Tais garantias jurídicas internacionais
são instrumentais para os processos de luta, porém, na maior parte das vezes, são
insuficientes ou ineficazes. Para Proner (2011: 20), é necessário combater a ten-
dência de rechaço às normas, o “impulso pela desqualificação imediata gerado
pelo pensamento crítico”, ao mesmo tempo em que é preciso submeter a norma
à ‘prova do contexto”.
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CONCLUSÃO
Ao fazerem uso do direito e de uma analogia aos procedimentos
legais, os tribunais internacionais de opinião acabam por apropriar-se
da juridicidade e desenvolvem resistência contra um direito opressor
e perpetuador de injustiças. Com isso, apresentam um potencial (San-
tos, 2007), que, se colocado a serviço da auto-organização e do empo-
deramento das classes subordinadas, transforma-se em um processo
jurídico emancipatório.
Por meio da implementação de uma juridicidade democrática, par-
ticipativa e emancipatória, os tribunais aqui estudados são espaços
onde as vítimas de violações de direitos humanos são capazes de re-
sistir contra o esquecimento histórico e libertar-se da opressão de um
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