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CARTOGRAFIA AMBIENTAL: UMA CARTOGRAFIA DIFERENTE? INTRODUCAO_ ‘A questo ambiental nfo ¢ problema recente, mas tem ganho posi¢ao de destaque como tema de debates, ‘om varias instancias nestes dltimos vinte anos. Teve inf cio junto a dois eventos internacionais importantes: a Conferéncia de Paris (1968) ¢ a de Estocolmo (1972), As vésperas da Conferéncia das Nagies Unidas sobre 0 Meio Ambiente © Desenvolvimento (CNU- MAD), ou simplesmente RIO-92 (também cognomin: da de ECO-92), tal problematica deve ser rediscutida & luz das novas posig6es socials, polticas econdmicas € culturais vigentes no mundo da atualidade. Em geral, tem-se colocado sob acusagio a relagio homem-ambiente, som entretanto refletir, sem procurar conhecer a fundo a realidade. Alirmagies como ~ "a verdadcira essémeia de progrosco reside no controle © 10 dominio do homem sobre a natureza’— so tidas ain- da como verdadciras. F necessrio desmistificar taisra- dicalismos. O problema nao & tanto técnico, como essencialmente social, cultural ‘A questo ambiental manifestou-se, de inicio, me- diante. alguns aspectos isolados, como 0 problema da poluigao em areas industrializadas, para depois tornar- se mais abrangente a0 ponto de se considerar, hoje, como ambiente, 0 "conjunto de todos os fatores sociais, biologicos, fisicas e quimicos que constitucm 0 espago ‘em que o homem vive". (BRUNO et alii, 1980) Hé desta forma, uma reaproximagao entre os ra- ‘mos fisico © humano da geografia, Isto, por conta da premente necessidade da compreensio dos processos sociais suas relagées com a natureza ‘A questio ambiental, portanto, deve ser entendi- da como questao social. Esta € a posicdo a ser tomada para uma correta Educagdo Ambiental. © que passa a ser estudado ni € algo fora das pessoas ¢ sim sua pr6- pria pratica existencial, porquanto os fenémenos da na- Marcello Martinelli? tureza com efcitos inconvenientes ao homem, se dio @ partir da sociedade e nao tao somente da natureza. Além deste contetdo social, a questo ambiental 6 um problema politico, exigindo da nacao uma postura consciente diante das relagoes intcrnacionais. E esta questo que deve ser levada a escola, $6 assim, o saber ecoldgico pode ser um instrumento politico. (MOREI- RA, 1986). Varias cigacias, entidades de classe, organizagies locais, nacionais ¢ internacionais passam a preocupar- se de uma forma cada vez mais premente com tal pro- blematica. A representagao gréfica como uma linguagem ar- lilicial nfo pode ficar alheia a este movimento, por- quanto tem potencial para participar dele, mediante mapas, com a tefplice fungio: de registrar ac informa Ges, de processar os dados, de denunciar as distorgics € de comunicar os resultados obtidos a partir das pes- quisas empreendidas sobre a questo. neste contexto que poderemos conceber uma cartografia ambiental. Ela pode ser considerada como um sctor especifico da cartografia temitica. Embora cesta Gitima soja vista como um ramo da ciéncia carto- gréfica ao lado da cartografia topografica, é importante ressaltar que estas duas maneiras de ver 0 mundo atra- vés de mapas, se cristalizaram de forma historicamente sucessiva, Nao ha passagem brusca, as representagics tematicas nao substituem as topograficas e sim se acres- ‘centam a clas A visio topogratica sistematizou-se essencialmen- te analégica, identificando ¢ detimitando com exatidao 08 objetos circunscritos 8 face da terra, relacionando-se, (©) Professor Asistente Doutor do Departamento de Geogra- {ia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas/USP. © autor agradece & professora Graga Maria Lemos Ferrira pela revisto erica dete trabalho, 2 assim, com a proposta de descricéo da geografia dos sé- ‘culos XVII XVIII. Nestes termos, a cartografia tinka ‘uma preocupagéo com inventérios exaustivos. Com 0 florescimento dos diferentes ramos cienti- ficos operados no fim do século XVII desenvolveram- se 0s mapas especiais, clissica denominacdo dos hhodiernos mapas teméticos. Esta demanda norteou a passagem da. representacdo das propriedades ‘vistas’ para a representagao das propricdades “conhecidas” dos objetos. O cSdigo analégico substituido por um cédigo mais abstrato. Representam-se categorias men- talmente ¢ nao visualmente organizadas. Ha uma cons- ientizacio da cartografia como forma de comunicacdo. [Bste status de linguagem auténoma adquirida pelos ma- pas, gera no curso do século XIX unva primeira reflexio de cunho semiol6gico. (PALSKY, 1984 ) No campo das pesquisas ambientais tiveram espe- cial destaque aquelas disciplinas que conseguiram levar ‘a termo uma representacao cartografica bem sistemati- zada dos temas estudados, tais como Geologia, Geo- morfologia, Geobotinica, Hidrografia, Climatologia, Pedologia e outros. Entretanto, nestes éltimos vinte anos surge um es- forgo de pesquisa — se bem que ainda em forma experi- mental — para o estabelecimento de uma cartografia ‘ais especifica, na qual muitos, ou pelo menos os prin- cipais aspectos do ambiente estariam representados. © Programa Intergovernamental sobre 0 Homem ¢ a Biosfera (MAR), lancado pela UNESCO em 1970, teve por objetivo desenvolver, com a participacao das ciéncias naturais e sociais, uma base racional para 0 uso € conservagao dos recursos da biosfera e para a melho- ria das relagdes entre o homem ¢ o ambiente. Pata tanto, seriam necessérios cstudos das intera- ‘ees que existem entre os aspoctos sicio-ccondmicos & culturais © as caracteristicas fisicas e bioldgicas dos ccossistemas, levando em conta as interrelagdes e con- tradigbes entre desenvolvimento, ambiente ¢ sociedade. A pattir destes propésitos, vérios estudiosos ten- aram propor uma cartografia integrada abordando os elementos essenciais do ambiente ¢ da acdo humana, Por outro lado, o progresso da tecnologia destes ‘dtimos tempos, contribuiram para uma exploragao in- tensiva de dados ambientais mediante 0 Sensoriamento Remoto acoplado aos GIS’s (Geographic Information System) ¢ as possibilidades da cartografia assistida por computador. A QUESTAO AMBIENTAL E A GEOGRAFIA Outra questao que se coloca a nivel metodologico 6 a relacéo da problematica ambiental com a Geografia Ao longo de sua historia, a cincia geogréfica nunca es- teve alheia as questées do ambiente. Mesmo dando a impressdo de estar afastada do mundo "fisico" ou natu- ral, € na atualidade que tal ciéncia tem maior compro- miso com a questio. Diante da querela fisico-humano, A Geografia interessa os arranjos do quadro natural le- vvados a cabo pelos homens em sta historia, pois 0 espa- 0 fisico existe, nao é uma abstragio. Nao basta apcnas descrevé-lo, € necessfrio deslindar seus segredos ¢ questionar seus arranjos. © mais importante € desven- dar 0 que esta por trés do visivel da paisagem aparente- ‘mente natural. O quadro fisieo nao pode aparecer como determinante. Ele é um resultado, exprime as relagdes sociais vigentes na época de sua produgdo. Deve-se Jembrar também que a natureza possui sua propria di- namica. Porém 0 homem nao pode ser exchuido dela: as ambientes, as paisagens naturais passam a ser recursos, condicao de producao, mercadoria, objeto de interven- Gio do Estado, ee. A geografia cabe compreender 0 espaco produci- do © em producdo pela sociedade, as relacOes de pro- oulturas sem mdangas ” BERTIN (1977), por sua vez, recomenda um ter acesso ao aspecto dinamico em dois nfveis: clemen- ‘mapa de superposigao, exaustivo, para cada data com tar (0 que houve em tal lugar?) e de conjunto (que mu- legendas por colegio de mapas, 0 que permite ao leitor _danga espacial teve tal atributo?). (Figura 8) 48 DATA 2 w 2 i 2s coxsunis ara 2° DATA 35 P 2. wana 2 | 2. cuLtuRAS FALINSKT (1985), por seu turno, propée uma carlografia que possibilita ressaltar também os fatores de dependéncia das ocorréncias ~ 0 que a0 n0ss0 ver, pode ser adaptado também ao caso das mudancas no ‘tempo. Cada ocorréncia passa entdo a ser limitada por ‘um simbolo linear distnto para especificar 0 respectivo {ator que motivou a mudanga (expansio ou recto). (Figura) MUDANCA NO TEMPO. PER{ODO: 1 data /2* data vo | mate HH] oulturas rer oxpansdo motiveda por tal fator DOCHE (1983) defende a representagdo das cro- nossequéncias. As rubricas da legenda do mapa cvoluti vo ressalts, mediante variagio de valor visual, a a velocidade da evolugéo, verificada num determinado periodo de observacio: Figura 10) Evolugaéo lenta V4 Ty? Mate Secunddria no perfodo T,/T, Tp? Culture Evolugéo rdpide T,: Mata Secunddria no periodo T,/T, Tp: Cultura LAPOLLI et alii (1990), a0 estabelecer a "Carta dos clementos do meio ambiente ~ Parque da Lagoa do eri® (escala 1:10.000), explora a organizacao de legen- da em forma de quadro de dupla entrada para mostrar a alteragdo das éreas de vegetagao (1956/1978). Com base na sugestio a cores daqucles autores, fizemos uma transcriggo em branco e preto para mostrar tal propos- ta (Figura 11) TOMOS: sex alterages ‘LINEAS: com alteragdes 6 A transerigio gréfica das rubricas assim organiza- das, entrotanto, é bastante complicada, uma vez que s° ‘tem de mostrar nao s6 0 que ficou inalterado (na diago- nal), como também, todas as alternativas (sc ocorre- rem) de alteragies, sejam em direcdo & degradacao (Regressio) ou regeneragio da vegetacio (Sucessio). OUTRAS REPRESENTACOES GRAFICAS Diagramas também séo representagées gréficas, € podem complementar mapas ou constituirem suas Ie- ¢gendas. Um tipo de diagrams muito explorado em ma- pas, principalmente naqueles de temas fisicos, ¢ também empregados na proposta de cartografia am- biental de varios autores, so os perfis compostos. (Geologia, Relevo, Vegetacio, Uso do solo, Tipos de poluigdo, etc.). DOCHE (1976), MONTEIRO (1982; 1987) © MARTINELLI (1990) utilizam tais perfis. Os dois pri- meiros antores, os empregam como instrumental anal tico para tentarem chegar na sintesc cartografica ¢ 0 ‘timo considera o perfil composto como um corte transversal caracteristico do mapa de sintese ~ 0 dos ti- pos de paisagens. AS REPRESENTACOES ESTEREOGRAFICAS As representacSes estereogréficas (as perspecti- vvas) sfo classicamente exploradas por estudiosos da geografia fisica. Sdo os bloco-diagramas. Seu caréter su- ¢gestivo possbilita a0 leitor néo especialista tomar con- fato com a paisagem aparente, tal como ela 6 realmente vista a partir de determinado ponto. Entretanto, BER- ‘TIN (1973; 1977), ndo considera tais construgées grafi- as como mapas, pois deformam o plano bidimensional; as localizagées sobre este passam a ndo ser mais homo- Céticas & constante da localizagao geogréfica em termos absolutos ¢ a imagem percebida nao pode mais ser con- siderada como universal: haveré uma impressao do es- ago tridimensional diferente para cada observador, -onforme © ponto em que ele sc situar diante da paisa- ‘gem para aprecié-la, (azimute c elevacao). Apesar da pertinéncia desta discussio, nao pode- ‘mos deixar de lado seu valor edueativo. Permite a0 con- sulente uma viséo panoramica da paisagem, mais proxima de sua ralidade, libertando-o, de certa forma, da insblitarigidez da visio vertical (zenital) que o mapa impéc. Entretanto, a geometria da imagem sera sempre fixada a partir do ponto de vista que 0 construtor do bloco-diagrama privilegiar (MUHERCKE, 1981). Para ‘que 0 consulente se liberte completamente da rigidez, {imposta pela escolha do ponto de observacéo definido pelo construtor, a solugao alternativa € a construcéo do modelo tridimensional do terreno (a maquete), a qual, além de contar com esta vantagem, minimiza a dificul- dade da decodificagao, daca a extrema similaridade com arealidade do observador. APARTICIPACAO DA FOTOGRAFIA Cabe ressaltar, agora, a fungio de representagio paisagistica da fotografia. E incontestével. Tradicional- ‘mente, 0 ge6grafo recorre a este tipo de registro para fi- yar certas caracteristicas da realidade que esté pesquisando. Muitas vezes com o propOsito de ilustrar 0 que o texto "diz’. Os estudos ambientais também néo f- cam alheios a esta prética, Entretanto, ndo podemos deixar de alertar sobre © forte caréter polissémico da imagem fotografica (sig- nificados miltiplos). Daf, a necessidade de dar-Ihe um titulo, um slogan, uma legenda. ‘Tomados estes cuidados, a fotografia torna-se um instrumental importantissimo, aproximando mais 0 grande piiblico aos objetos de estudo cientifico. Neste intento, nada impede que se aponha também aos mapas imagens fotogréficas, podendo adquitir, scm divida al- guma, um maior alcance social. Esta tatica no é nenbu- ma grande novidade, O Programa Intergovernamental sobre o Homem ¢ a Biosfera (MAB) da UNESCO, tem utilizado legendas associadas a fotografias quando os ‘mapas se apresentam como painéis esclarecedores do grande piiblico acerca dos problemas ambientais. (UNESCO, 1985) n Pode-se, assim, utilizar esta associagdo, opondo- fotografia, acentuando por contraste, 0 argumento tra- se a cada rubrica da legenda, jé organizada cm cole¢ao tado. (MARTINELLI, 1990: 1991) de pequenos mapas, como apontamos anteriormente, (Figura 12) Floresta de confferas Sim~ Decodificagdo 4 a bolo ocorréncia ocorréncia A propria fotografia cm si, complementando ma-_locado ao lado da legends, identificando os itens regis- pas ou textos, também pode ser legendada por temas _trados pelo enquadramento da ilustragao. para melhor entendimento, Um esquema reduzido € co- (Figura 13) 2 HotiSee B dpe ARELAGAO ENTRE 0 MAPA E 0 TEXTO Por fim, ¢ imprescindivel alertarmos 0 pesquisa- dor desta dea do saber, sobre uma questio importan- tissima: a relagao entre o mapa (ou eventualmente 0

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