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Editora Insular

Noyo Manual de Sintaxe


© Carlos Mioto, Maria Cristina Figueiredo Silva,
Ruth Elisabeth Vasconcellos Lopes

Editor:
Nelson Rolim de Moura

Capa:
Mauro Ferreira

Planejamento Gráfico e Supervisáo Editorial:


Carlos Serrao

Ficha Catalográ fica


Elaborada pela Bibliotecária Beatriz Costa Ribeiro - CRB 14-001/99-PR

M669m Mioto, Carlos


Novo manual de sintaxe I Carlos Mioto, Maria Cristina
Figueiredo Silva, Ruth Elisabeth Vasconcellos
Lopes. Florianópolis : Insular, 2a ed., 2005.
280p. : il.

ISBN 85-7474-199-x

l. Ciencia da Linguagem. 2. Língüística. 3. Sintaxe.


I. Silva, Maria Cristina Figueiredo. II. Lopes, Ruth
Elisabeth Vasconcellos. III. Título.

CDU 801.56(035)

Editora Insular
Rua Júlio Moura, 71
Florianópolis - 88020-150 - Santa Catarina - Brasil
Fone/fax: 0**48223 3428
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Filiada a CCl - Cámara Catarinense do Livro e ao SNEl - Sindicato Nacional dos Editores de Livros
111

,
TEORIA TEMATICA

1. Introduc;ao

No primeiro capítulo, discutimos com algum vagar o conceito


de gramática que estaríamos utilizando neste Manual. Nossa assercáo
básica é que gramática é um sistema internalizado de Princípios e de
Parámetros (estes últimos fixados no decorrer da aquisicáo da lin-
guagem pela crianca) que determina as possibilidades de formacáo de
sentencas em urna língua. Vimos também que o nosso modelo sintáti-
co preve vários níveis de representacáo onde atuaráo os diferentes
princípios universais e parámetros fixados para urna dada língua. Cabe-
nos agora falar um pouco sobre o papel do léxico no modelo.
Todos sabemos que, para além de dominarmos as regras de
formacáo sentencial, é impossível falar urna língua sem dominar o seu
léxico, isto é, o conjunto de palavras que constitui o dicionário da
língua em questáo, Mais do que isso: as palavras da língua tém pro-
priedades tais que o aparecimento de um certo item lexical já nos faz
esperar um outro item ou grupo de itens. Assim, em nosso modelo
sintático, a derivacáo das sentencas corneca com o acesso ao léxico
mental, isto é, ao conjunto de elementos que ternos em nossas mentes
quando somos falantes de urna língua.
Observe que este léxico mental de ve possuir várias informa-
yO es relevantes para a formacáo das sentencas. Por exemplo, nao é
suficiente sabermos o que significa a palavra destruiciio se nao sou-
bermos que se trata de um nome; nem é suficiente sabermos que des-
truiciio tem basicamente o mesmo sentido que destruir se nao tiver-

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mos a informacáo de que destruir é um verbo. Seremos incapazes de um ser de natureza animada que possa gostar de algo/alguém e (ii)
montar sentencas com estas palavras sem a informacáo sobre a cate- aquilo/aquele de que(m) se gosta. O exemplo (3b) reforca o fato de
goria gramatical a que pertencem porque nomes e verbos tém distri- que o elemento que representa "aquele que gosta" tem que ser de na-
buicáo diferente nas línguas, como se pode constatar nos exemplos tureza animada e piio de queijo nao tem essa propriedade, o que deter-
em (1) abaixo: mina a agramaticalidade da sentenca, Passemos para o exemplo (4):

(1) a. A Maria [y destruiu] as provas. (4) o Joáo encontrou a Maria.


b. * A Maria [N destruicáo] (d)as provas
Nesta sentenca, o verbo encontrar estabelece urna relacáo de encon-
Assim, é necessário supor que o nosso léxico mental possui tro entre os DPs o Joiio e a Maria. Este verbo traz consigo do léxico
informacáo categorial sobre as palavras que contém. Como já mencio- a ínformacáo de que dois elementos teráo que co-ocorrer com ele:
nado no Capítulo rr, quando discutimos as categorias lexicais, esta um "encontrante/encontrador" e um "encontrado".
inforrnacáo categorial é de tipo bastante restrito, fornecendo um con- É hora de apresentarmos alguns termos técnicos que passare-
junto pequeno de possibilidades que sáo rapidamente apreendidas pelas mos a usar no decorrer do Manual. Chamamos aos núcleos que sele-
criancas. A inforrnacáo categorial referente a um determinado núcleo cionam os elementos lexicais que co-ocorreráo com eles de predicado
lexical é expressa através dos traeos [± N, ± V]. Cabe notar que, e aos itens selecionados, argumento. Note que, em todos os exern-
embora o conjunto dos núcleos funcionais nao possa ser reduzido a plos dados, sempre ternos urna "cena" em que há um evento e partici-
um quadro de traeos como o dos núcleos lexicais, estes elementos pantes nesse evento. Nos nossos exemplos, o evento é denotado pelo
funcionais também fazem parte do léxico. Porém, neste capítulo, nos- verbo. Assim, os participantes em um evento denotado pelo verbo
sa atencáo estará voltada para os núcleos lexicais. sáo os argumentos do verbo e o verbo é um predicado que define
Devemos observar que, na cornposicáo de urna sentenca, os propriedades e/ou relacñes entre os argumentos. Diferentes argumen-
núcleos lexicais selecionam outros itens para se juntar a eles. E mais, tos teráo diferentes papéis em um evento. Dessa forma, podemos di-
tal selecáo é bastante restritiva, como podemos verificar em (2) e (3): zer que os predicados tém estrutura argumental, isto é, os predicados
possuem lacunas a serem preenchidas pelos argumentos que selecio-
(2) a. Orozimbo dormiu. nam.'
b. * A pedra dormiu. Retornando o exemplo (4), poderíamos especificar, na com-
c. * Orozimbo dormiu o livro. posicño da sentenca, por exemplo, o lugar e o tempo em que o encon-
tro de Joáo e Maria se deu:
(3) a. Orozimbo gosta de páo de queijo.
b. * Páo de queijo gosta de Orozimbo.
(5) Joáo encontrou Maria na semana passada em Quixeramobim.

Vemos em (2a) que o verbo dormir precisa apenas de um elemento


Observe que na semana passada e em Quixeramobim nao fazem par-
para co-ocorrer com ele; porém, (2b) nos mostra que esse elemento
te da estrutura argumental do predicado encontrar: é claro que o Joáo
deve apresentar alguma característica de um ser animado, ou seja,
deve ser um elemento que tenha a capacidade de dormir. Já (2c) nos
I O termo "predicado" já utilizado também no capítulo II nao pode ser aqui confun-
mostra que o DP o livro nao cabe na sentenca.
dido com o seu uso pela Gramática Tradicional. A Teoria Gerativa empresta os ter-
No paradigma em (3), o primeiro exemplo é evidencia de que o mos "predicado" e "argumento" cunhados pela Lógica Clássica, embora os concei-
verbo gostar precisa de dois elementos que co-ocorram com ele: (i) tos nao se recubram totalmente.

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e a Maria se encontraram em algum tempo e em algum lugar, mas (7a), aqueles que selecionam dais argumentos como gostar em (3a) e
nao somos abrigados a colocar essa informacáo na sentenca que aqueles que selecionam tres argumentos, como dar em (7b). Porém,
estamos construindo para garantir que ela seja gramatical. As ex- nao há um verbo em qualquer língua natural que possa selecionar n
pressñes na semana passada e em Quixeramobim (e outras que qui- argumentos, n sendo maior que tres. Da mesma forma, os "papéis"
séssemos acrescentar, por exemplo, por algum motivo etc.) se inse- que os diferentes argumentos podem desempenhar num ~ado evento
rem na sentenca como adjuntos. Assim, há urna distincáo muito cla- (numa "cena") sáo também limitados, como veremos adiante. Como
ra a ser feita aqui: argumentos sáo selecionados por um dado núcleo o modelo que exploramos aqui busca, acima de tudo, lancar luz so-
lexical, porém adjuntos nao o sáo - podem compor a "cena" do evento, bre o funcionamento mental do ser humano, entáo es se tipo de evi-
mas nao sáo pecas indispensáveis para a gramaticalidade da senten- dencia com respeito a tais limites pode ser extremamente relevante.
ya. Por isso, (6a) é urna sentenca bem formada em portugués, mas Até aqui falamos de predicados como encontrar, morrer ou
(6b) ou (6c) nao o sáo: dar que sáo verbais. Mas outros tipos de predicados também podem
tomar argumentos, como já avancado pelo Capítulo II. Para exem-
(6) a. O Joáo encontrou a Maria. plificar esta situacáo, observe as sentencas em (8):
b. *0 Joáo encontrou.
c. *Encontrou a Maria. (8) a. [A destruicáo da cidade] foi completa.
b. [O lancamento do livro] foi concorrido.
O fato de o adjunto nao estar incluí do na sentenca nao lhe traz pro-
blemas de gramaticalidadé. Contudo, se o que falta é um argumento, Existe urna estrutura do tipo predicado/argumento dentro dos col-
como em (6b) e (6c), a sentenca é agramatical. Obviamente, para que chetes em (8): em (8a), destruiciio toma como argumento (d)a cida-
os julgamentos de gramaticalidade em (6) se confirmem, devemos de; em (8b), lancamento toma (d)o livro como argumento. Repare
entender que em (6b) e (6c) nao existem argumentos implícitos. que destruiciio e lancamento sáo deverbais, isto é, sáo nomes que
O leitor pode facilmente concluir que o número de expressñes tém o mesmo radical, respectivamente, dos verbos destruir e lancar,
que somos obrigados a colocar em urna sentenca com o verbo morrer sendo derivados deles; no entanto, observe também que o nome nao
é diferente daquele que constitui urna sentenca com o verbo dar, por tem necessidade de tomar o mesmo número de argumentos que o
exemplo. No caso de morrer, um único argumento é suficiente para verbo, como vemos na cornparacño de (8) com (9):
obtermos urna sentenca bem formada como em (7a), mas no caso de
dar devemos colocar tres argumentos na sentenca, como em (7b): (9) a. O inimigo destruiu a cidade.
b. A editora lancou o livro.
(7) a. A Maria morreu.
b. A Maria deu olivro para o Joáo. Enquanto é necessária a ocorréncia de o inimigo e a editora quando
sáo argumentos de verbo em (9), nao existe esta necessidade em (8).
Um dos aspectos mais interessantes das línguas naturais, no Se quiséssemos incluir tais elementos na sentenca, entáo seríamos
que tange a selecáo de argumentos, é que os núcleos, especialmente obrigados a incluir igualmente urna preposicáo específica para poder
aqui considerando os verbos, tém urna capacidade muito limitada de acomodá-los: a destruiciio da cidade (pelo inimigo) foi completa; o
selecioná-los. Haverá aqueles que nao selecionam nenhum argumen- lancamento do livro (pela editora) foi concorrido.
to, caso dos verbos que expressam fenómenos da natureza como cho- Além de o predicado definir o número de argumentos com os
ver; haverá os que selecionam um único argumento como morrer em quais co-ocorrerá, define também com que tipo de argumento pode

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se combinar, deve se combinar ou que cornbinacñes sáo impossíveis. Enquanto as informacóes categoriais de um argumento podem estar
Por exemplo, se ternos um predicado como beijar, sabemos que, para em variacáo, as semánticas parecem ser universais, ontológicas.
ser possível montar urna sentenca bem formada com ele, é necessá- Urna observacáo final: o léxico é aprendido por todos nós du-
rio cornbiná-Io com argumentos de um certo tipo sernántico e rante a nossa infáncia com maior intensidade (porém, esse processo
categorial. Observe os exemplos em (10): perdura a vida toda, na verdade), mas a nocáo de categoria sintática
é tomada, neste modelo, como inata. Assim, os itens lexicais váo
(10) a. A Maria beijou o Pedro.
sendo estocados na memória, mas o formato do léxico mental é dado
b. * A pedra beijou o Pedro.
c. * A Maria beijou que o Joáo saiu. pelo nosso aparato genético - isto é, os tipos de categorias e a estru-
tura argumental das palavras que aprendemos devem se conformar a
A impossibilidade de (1 Ob) resulta do fato de o verbo beijar exigir um modelo já existente em nosso(a) cérebro/mente.
que o argumento que funcionará como sujeito da sentenca seja um Passemos agora a formalizacáo do que vimos discutindo até
DP capaz de fazer referéncia a um ser "beijador" - a pedra nao tem aqui,
lábios para tanto. Neste caso, estamos falando de s-selecáo, isto é, a
selecáo semántica, como já estudamos no capítulo anterior. Por ou-
tro lado, a agramaticalidade de (1 Oc) se explica pelo fato de o verbo 2. A Teoria dos Papéis Temáticos: seu funcionamento
beijar nao poder ser complementado por um CP, mas apenas por um
DP. Estamos aqui falando de c-selecáo, ou seja, a selecáo categorial, Na secáo anterior mostramos que um predicado ou núcleo
um conceito também abordado no Capítulo II. Chamaremos a esse lexical impñe urna série de restricñes sobre seus argumentos. Estas
conjunto de impossibilidades de restricñes de selecáo. restricñes podem ser exemplificadas com as inforrnacñes em (13)
Nao existe predicado com mais de urna possibilidade de s- para um verbo como chutar:
selecáo, embora possa existir urna mesma palavra com s-selecñes
diferentes. Se isto acontece, estamos frente a casos de homonímia. (13) a. O menino chutou a bola.
Mas um mesmo predicado pode c-selecionar argumentos diferentes. b. chutar: categoria [-N, +V]
Um exemplo de predicado com diferentes possibilidades de c-sele- nQ de argumentos [-,-]
cóes é o verbo dizer, que pode selecionar um DP ou um CP como c-selecáo [DP, DP]
complemento: s-selecáo [AGENTE, TEMA/PACIENTE]

(11) a. A Maria disse [op a verdade].


b. A Maria disse [cp que a Joiio saiu]. As informacñes relativas a s-selecáo codificam o que é chamado na
teoria gerativa de papel temático ou papel 9 (da letra grega Theta).
A c-selecáo de um predicado também pode variar de urna língua para
Estudar como se dá a atribuicáo dos papéis 9 é tarefa da Teoria 9. É
outra, embora a s-selecáo se mantenha estável. Se traduzíssemos urna a ela que cabe explicar:
sentenca com gastar, por exemplo, para o inglés, veríamos que o
complemento do verbo, que é um PP em portugués, deve ser um DP
• quais sáo os elementos capazes de atribuir papel 8;
no inglés, como mostra (12):
• quais elementos sáo capazes de receber papéis 8;
(12) a. O Joáo gosta [pp da Maria]. • qual o nível sintático em que se dá a atribuicáo e o recebi-
é

b. John likes [op Mary]. mento de papéis 8;


• quais sáo as posicñes em que se dá a atribuicáo e o recebi- do como AGENTEe outro como TEMA,porém é no nível sintático que
mento de papéis e; tais argumentos seráo saturados pelos constituintes adequados, ou
• que princípios regulam a atribuicáo dos papéis e. seja, preenchidos por elementos que tenham a característica de AGENTE
e de TEMA,respectivamente. Veja que no lugar de o menino, poderí-
Talvez seja importante notar que nao teremos urna preocupa- amos ter outro DP qualquer desde que ele represente um AGENTE,por
cáo imediata em relacáo a quais sejam propriamente os papéis exemplo o jogador de Jutebol. O mesmo se dá com o TEMA,como o
temáticos atribuídos/recebidos.' Tomaremos como primitivo teórico leitor já pode imaginar. Os índices superescritos aqui apenas indi-
o número de argumentos de um determinado predicado e, portanto, o carn mnemonicamente este "cruzamento" entre a grade temática no
número de papéis que esse predicado terá que atribuir, vale dizer, a léxico e sua saturacáo na sintaxe.
sua grade temática. Voltemos él (13), exemplificando a grade temática Examinemos agora o paradigma abaixo.'
de chutar em (14):
(15) a. Astrogildo [pegou [um táxi]]. t.u-e: ..(t
(14) Grade temática de chutar - v-'-" "(
b. Astrogildo [pegou [urna gripe danada]]. '
c. Astrogildo [pegou [o filho] (no colo)].
a) chutar: AGENTE TEMA d. Astrogildo [pegou [a xícara sem cabo]].
J e. Astrogildo [pegou [no batente]]. (= Astrogildo foi trabalhar)

b) realizacáo: [O menino]' chutou [a bola]'. Há urna série de fenómenos a serem explorados aqui. Em pri-
meiro lugar, embora tenhamos mantido o verbo pegar constante nos
O item lexical chutar traz do léxico as informacñes relevantes cinco exemplos, parece claro que o papel de Astrogildo em cada evento
quanto él sua grade temática tanto em termos categoriais como se- nao é o mesmo. Nao podemos imaginar que Astrogildo seja AGENTE
mánticos, e a sintaxe se encarrega de preencher os argumentos selecio- em pegar uma gripe, enquanto é plausível imaginar que o seja em
nados pelo predicado, bem como de verificar se o preenchimento pegar o filho no colo. Isso é evidencia, entáo, de que o papel e que
produz urna sentenca gramatical. O que queremos dizer com isso é Astrogildo recebe em cada sentenca nao provém apenas do núcleo
que a grade temática de chutar preve que um argumento seja realiza- pegar e sim do núcleo mais o seu complemento. Portanto, é o com-
plexo [pegar urna gripe] que dará a Astrogildo o papel de EXPE-
2 Apenas para tomar familiares alguns rótulos utilizados para os papéis temáticos, RIENCIADOR de um dado estado físico. Dito de maneira mais técnica, é
apresentamos urna breve lista com exemplos (para urna lista mais exaustiva, cf. o nível VI que é o responsável pela atribuicáo do papel 8 ao argu-
Radford, 1988: 373): mento que ocupa o especificador de VP.
TEMA (ou PACIENTE) = entidade que sofre o efeito de alguma acáo (Á Cláudia espetou
Em segundo lugar, podemos observar que (15e) é urna ex-
a Maria);
pressao idiomática, ou seja, urna expressáo da língua que comporta
AGENTE/CAUSATIVO = entidade causadora de alguma acáo (A Maria correu na Sáo
Silvestre); também um sentido nao-literal, no caso, Astrogildo nao segurou ne-
EXPERIENCIADOR = entidade que experiencia algum estado psicológico ou fisico (A nhum batente, mas foi trabalhar. Se o leitor resolveu o último exercí-
~ sentiu dor); cio do capítulo anterior, sabe do que estamos falando e a essa altura
BENEFACTIVO = entidade que se beneficia de algum evento (O Joáo deu flores para a deve ter colecionado um sem-número de expressñes idiomáticas e
~~; .-
LOCATlVO = lugar onde algo/alguém se situa ou onde algo ocorre (O Joáo pos o livro
na estante). ) Essa discussáo inspira-se em Homstein, Nunes & Grohmann (a sair).

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deve ter percebido que, quase invariavelmente, elas se formam de (18) IP
um núcleo verbal e complemento. Vamos explorar um pouco mais ~
esse tópico. Spec I'
.«>:
(16) a. Carmela [bateu [as botas]]. (= morreu) I VP
b. Esse técnico de computador [enfia [a faca]]. (= cobra caro) -ou ~
DP V'
Em certas regiñes do Brasil sabe-se que (16a) pode ter um
sentido literal em que o DP as botas será interpretado referencialmente,
D ~
esse técnico V DP
ou seja, é prudente que se bata um par de botas específico antes de
calcá-Ias para evitar acidentes com aranhas, escorpióes etc. Porém, a
de computador I D
enfi- a faca
expressáo bater as botas também comporta urna leitura idiomática
em que o DP as botas deixa de ser referencial e toda a expressáo
bater as botas passa a significar morrer. O mesmo raciocínio se apli-
Chamamos O complemento do núcleo - no caso deste exemplo, o
ca a (16b), com as cores mais dramáticas para o sentido literal da
núcleo relevante é o V - de argumento interno, pois, tanto quanto o
expressáo. Um fato interessante é que podemos manipular em algum
núcleo, está imediatamente dominado pelo nível da barra. O
grau as expressñes idiomáticas:
. especificador da projecáo máxima (no caso, a projecáo relevante é o
VP) é chamado de argumento externo, poi s é um nódulo irmáo do
(17) a. Esse técnico de computador enfia a faca.
nível da barra.
b. Esse técnico de computador enfiará a faca (em mim).
A atribuicáo dos papéis e pode se realizar através de marca-
c. Esse técnico de computador enfiou a faca (em mim).
9aO direta, quando o atribuidor é um núcleo X e o argumento que o
d. Esse técnico de computador nao enfia a faca.
recebe é interno; ou indireta, quando o atribuidor nao é o núcleo so-
zinho, mas a cornposicáo do núcleo e seu argumento interno, ou seja,
Como vimos no capítulo II, as informacóes sobre o tempo de
a categoria intermediária X', o que se evidencia, corno vimos, pelos
urna sentenca se alojam no núcleo de IP, portanto acima do nódulo
exemplos em (15). No entanto, mesmo sabendo que nao é a mane ira
VP, assim como a negacáo. Portanto, os dados acima sáo evidencia
mais precisa de fazer referencia ao fenómeno, para simplificar a dis-
de que os papéis e dos argumentos de enfiar sáo atribuído s dentro do
cussáo normalmente dizemos que o núcleo seleciona os seus argu-
VP. Vejamos a DS de (17C):4
mentos, sejam eles internos ou externos.
Embora já tenhamos notado anteriormente, nunca é demais
lembrar que a marcacáo e é feita pelos núcleos lexicais, já que ape-
nas eles tém a capacidade de s-selecionar seus argumentos, contrari-
amente aos núcleos funcionais, que apenas c-selecionam o seu único
4 Nao queremos dizer com isso que todas as expressñes idiomáticas da língua possam argumento, que ocupa a posicáo de complemento.
ser manipuladas quanto a tempo. Há algumas, aparentemente envolvendo imperati-
Dentre outras previsñes e generalizacóes, urna que deriva da
vos, que se modificadas perdem a leitura nao-literal:
(i) Vá plantar batata! (= nao me amole) vs. teoria temática é a correlacáo entre diferentes categorias lexicais. Já
(ii) Joáo vai plantar batata. dissemos que N atribui papel e a seus argumentos e exemplificamos
A sentenya em (ii) parece só comportar a leitura literal. esta situacáo com os deverbais destruiciio e lancamento em (8). Con-

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sideremos ainda um outro deverbal como conquista em (19) compa- uistar nao é substancialmente diferente do nome conquista, já
conq . - ,. d '
rando-o com o verbo conquistar em (20): ambos os casos a organizacao temática e seus argumentos e
que e m .
ma: a lua seria o complemento e recebena o papel e de TEMA e
a mes . . .
(19) a. A conquista da lua pelo homem o homem seria o especificador e recebena o papel 9 de AGENTE, con-
forme acabamos de apontar aC.lma. . ,
b. DP Da perspectiva da Teona X-barra, o Importante e notar que os
dois argumentos podem ser 9 - marcados porque estáo incluídos na
I
D' íecao máxima do núcleo do constituinte - em outras palavras, os
pro] y ,~. ,

~ péis 9 associados a um nucleo X tem que ser atribuidos dentro das


pa ..
D NP roje90es de X, conforme já havíamos apontado ernpiricarnente na
a »<">: ~iscussao dos exemplos em (15). De modo paralelo, um adjetivo como
N' PP indiferente atribui um papel 9, identificado como TEMA, a seu comple-
.r>; D mento entre colchetes em (21):
N PP pelo homem
conquista D (21) Indiferente [aos protestos do povo]
da lua
No que diz respeito a preposicáo, é preciso tracar urna distin-
(20) a. O homem conquistou a lua. cáo entre aquelas que sáo lexicais e aquelas funcionais, o que já nota-
mos no Capítulo II. As prime iras se caracterizam por serem predicados
b. IP e apresentarem carga semántica, o que nao acontece com as últimas.
~ Predicado com "carga semántica" pode agora ser traduzido por
Spec I' predicado com "capacidade de atribuir papel 9".
~ Voltando a (21), a preposicáo a nao atribui papel 9 ao DP os
1 VP protestos do povo. O papel 9 deste DP provém do núcleo lexical indi-
-ou ~ ferente. Apreposicáo a é, entáo, funcional e, como veremos no Capí-
DP V' tulo IV, representa um recurso de que certas línguas dispóem para
D ~ marcar o DP com Caso. Se voltamos a (19), podemos afirmar coisa
o homem V DP semelhante a respeito da preposicáo de. Observe que o papel 9 de a
I D lua provém de conquista em (19) e de conquistar em (20). Dado que
conquist- a lua em (19) e (20) ternos fundamentalmente a mesma relacáo temática,
seria muito estranho que em (19) o papel 9 fosse oriundo da preposi-
Deixamos para o capítulo IV a tarefa de responder por que os argu- yao mas em (20), do verbo.
mentos do nome sáo PPs enquanto os do verbo sáo DPs; aqui sim- Por outro lado, as preposicñes lexicais sáo capazes de atribuir
plesmente chamamos a atencáo para o fato de o especificador do nome papel 9. É o que se verifica em (22) abaixo:
estar a sua direita enquanto o do verbo está a esquerda. O que é
relevante perceber é que a lua tem o papel 9 TEMA e o homem o papel (22) a. Meu chefe viajou.
9 AGENTE tanto em (19) quanto em (20). O essencial das representa- b. Meu chefe viajou [para Curitiba].
yOes (19b) e (20b) é que, sob o ponto de vista das relacóes 9, o verbo

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c. Meu chefe viaj ou [de Florianópolis] [para Curitiba] [de Voltemos novamente a nossa atencáo para a marcacáo temática
carro]. ontece dentro do VP. O núcleo V atribui papel S diretamente
que ac . I

para os argumentos mternos a V em (24):


Percebemos, através de (22a), que o' verbo viajar nao seleciona com-
plemento. Mas, certamente, Curitiba em (22b) possui um papel S, a (24) a. [yp Joao [y. dar o doce para a Maria ]]
que chamaremos de OBJETIVO, atribuído pela preposicáo para - urna
preposicáo lexical. O mesmo se dá com Florianópolis, Curitiba e IP
b.
carro em (22c): todos esses elementos recebem o seu papel S das
~
preposicóes lexicais que os antecedem: vamos chamá-los de ORIGEM, Spec l'
DESTINO e I STRUME TO, respectivamente. .r>:
Esse ponto é bastante importante, entáo vale insistirmos um 1 VP
pouco mais nele aqui. Os tres constituintes que seguem o verbo via- -á ~
jar em (22c) nao sáo argumentos, já que nao sáo selecionados pelo DP V'
verbo. Trata-se de adjuntos. Como tal, sáo encabecados por preposi- Joiío ~
cñes lexicais que, por seu turno, s-selecionam seus complementos, V' PP
atribuindo-lhes um papel S. O leitor pode se reportar a representacáo ~ para a María
arbórea sobre posicñes temáticas e nao-temáticas em (32), mais adi- V DP
ante no capítulo, para maior clareza. dar- o doce
Por ora, vamos representar (22b) como (23) em DS:
Para o DP o doce, o verbo atribui o papel S TEMA; e para o DP a
María, ele atribui o papel S BENEFACTIVO.5 O fato de o DP a María ser
(23) IP antecedido por urna preposicáo nao muda a afirmacao, já que se trata
~ de urna preposicáo funcional cuja ocorréncia deve ser explicada pela
Spec l' Teoria do Caso, no próximo capítulo. Porém, por se encontrar fora
.r>: de V', a marcacáo S do DP Joiio é indireta, conforme já discutimos.
-ou1 VP _ O leitor deve atentar para o fato de que o PP para a María em (24b)
está dominado pelo nível V', o que demonstra o seu caráter argu-
VP PP
~ I s Embora nao seja nossa preocupacáo primordial aqui discutir com exatidáo o tipo de
DP V' P' e
papel atribuído pelos núcleos lexicais, vale uma ressalva. Há papéis que sáo emi-
meuchefe I ~ nentemente atribuídos a argumentos verbais, como o de AGENTE, por exemplo,
V P DP enquanto que há outros que servem tanto para argumentos selecionados pelo verbo,
como para aqueles selecionados por uma preposicáo lexical - portanto, para adjun-
viaj- para Curitiba
tos. Vejamos um exemplo com o BENEFACTIYO:
(i) Joáo deu as flores para a Maria.
O DP meu chefe recebe o papel S como argumento externo de viajar, (ii) Joáo comprou as flores para a Maria.
enquanto Curitiba o recebe da preposicáo para, que introduz o ad- Em (i) para a María é argumento do verbo dar e dele recebe o BENEFACTlYO. Em
junto. (ii) o PP para a María é um adjunto e o DP a María recebe este mesmo papel da
preposiyao lexical para.

132
133
mental, enquanto o PP para Curitiba está dominado pelo segmento Um dos aspectos mais interessantes com relacáo a essa di s-
de cima do VP, assegurando seu caráter de adjunto. ssao dos papéis 8 diz respeito ao fato de que em sentencas com
Podemos, agora, responder duas das questñes, colocadas no verbos que expressam um evento com dois participantes, em que um
início da secáo, das quais a Teoria 8 deve dar conta: d les é AGENTE/CAUSATlVO e o outro é PACIENTE/TEMA, normalmente o
A~ENTE será o argumento externo - que se tornará o sujeito da sen-
• Quais sáo os elementos capazes de atribuir papel 8? Os nú-
tenC;;a,como em (26a). O padráo inverso, ~om ~ ~EMA co~o. argu~en-
cleos lexicais.
to externo sendo posteriormente alcado a posicao de sujeito, nao se
• Quais elementos sáo capazes de receber os papéis 8? Os argu-
verifica, conforme constatamos em (26b):
mentos selecionados pelos núcleos lexicais.

No capítulo anterior foram introduzidas as small clauses (Se) (26) a. Assis chutou/construiu/encontrou/empurrou/limpou/que-
identificadas como estruturas de predicacáo. Agora deve ficar mais brou a cadeira.
claro para o leitor o porque dessa identificacáo: um dos elementos da b. * A cadeira
chutou/construiu/encontrou/empurrou/limpou/
se comporta-se como um predicado que s-seleciona um argumento - quebrou Assis.
cuja funcáo será de sujeito da se - e, assim, atribui a ele um papel 8.
Vejamos um exemplo: Vamos apresentar a DS e a SS de (26a), como (27a) e (27b), respec-
tivamente:
(25) a. Emenergilda encontrou [se [DP Orozimbo] [AP desmaiado]].
(27) a. IP b. IP
b. IP
~ ~
.:'>: Spec l' DP l'
Spec l' ..r>: Assis. I
~
~ I VP I VP
I VP -ou .r>: chutou.} ~
-ou ~ DP V' DP V'
DP V' Assis »<">: ti ~
Emenergilda ~ V DP V DP
V se chut- a cadeira t. a cadeira
}

encontr- ~
DP AP Essa correlacáo parece ser táo forte nas línguas naturais que vários
Orozimbo desmaiado autores propuseram urna hierarquia temática:"

Em (25) o DP Orozimbo recebe seu papel 8 do núcleo do AP desmaia- (28) Hierarquia Temática (adaptacáo livre de Baker, 1997: 105)
do - um adjetivo deverbal derivado do verbo desmaiar em sua forma
de particípio. É bom lembrar também que toda a se receberá igual- AGENTE/CAUSATlVO/EXPERIENCIADOR> TEMA> BENEFAc.. TlVOILOCATlVO ...
mente um papel 8 TEMA como argumento interno de encontrar - "a
cena" encontrada Orozimbo desmaiado - urna vez que é argumento 6O leitor deve referir-se as obras indicadas na Bibliografia Adicional, ao final deste
do núcleo V. capítulo, para detalhes.

134 135
o que (28) nos garante é a generalizacáo a que acabamos de nos Como o leitor deve ter reparado através da discussáo desenvolvida
referir acima. Segundo a hierarquia proposta, o argumento externo até aqui, para a marcacáo e devemos olhar tanto para constituintes
de um verbo, o primeiro argumento mais alto dentro do VP, tenderá como para posicñes. Melhor dizendo, os constituintes recebem seu
a receber o papel temático de AGENTE; o argumento interno, mais papel e unicamente em determinadas posicóes. Este esclareci~en~o é
baixo no VP, tenderá a receber o papel temático de TEMA. útil na medida em que identificamos o papel e de um constitumte
Se voltarmos ao exemplo (14), repetido aqui como (29), po- deslocado pelo fato de estar conectado com a posicáo onde recebe
deremos observar o funcionamento da hierarquia: aquele papel e. Em outras palavras, urna das características das lín-
guas naturais é que pronunciamos determinados elementos em urna
(29) [vp o menino [v' chutar a bola ]] posiyao, porém eles sáo interpretados semanticamente em outra. Ob-
servemos a sentenca em (30):
o constituinte mais baixo a bola recebe o papel de TEMA e o mais alto
o menino, de AGENTE. O leitor pode visual izar o processo em (27a). (30) Que livro ela comprou ti?
Explorar criteriosamente a Hierarquia Temática vai muito além
dos objetivos deste Manual, entretanto é interessante ressaltar que Recapitulando o que foi discutido no capítulo anterior, o sintagma
ela nos permite fazer algumas previsóes: se um verbo selecionar ape- Wh que livro foi gerado originalmente, em DS, onde está o vestígio
nas o argumento externo, entáo ele será AGENTE; porém, se selecionar (1) e posteriormente movido, em SS, para a periferia esquerda da sen-
apenas um argumento interno, entáo ele será TEMA. Voltaremos a es se tenca, conforme nos asseguram os índices subscritos que conectam
ponto adiante quando estudarmos os inacusativos.? as duas posicóes. Mas a despeito de ser pronunciado no início da
sentenca, é interpretado como argumento interno do verbo comprar.
Podemos supor, entáo, que é na conexáo com a posicáo S,
7 Há urna classe de verbos que, a primeira vista, parece nao se acomodar a (28): sáo os representada por ti' que que livro recebe seu papel S TEMA. As conse-
chamados verbos psicológicos que, como o nome adianta, descrevem estados psico-
qüéncias dessa observacáo seráo amplamente exploradas quando es-
lógicos. A grade temática de tais verbos envolve normalmente dois papéise, de
EXPERIENCIADOR e TEMA.Contudo, existe urna classe deles que tem o EXPERIENCIADOR tudarmos o movimento (cf. Capítulo VI), mas há urna conclusáo que
como o papel e mais proeminente, como a classe de temer e outra que tem o TEMA pode ser extraída desde já. O fato de a atribuicáo dos papéis S se dar
como argumento mais proeminente, como a classe de preocupar: nas posicóes de base em que os argumentos se combinam com os
(i) a. Joáo teme a situacáo do país. núcleos que os selecionaram revela que es se módulo da teoria se apli-
b. A situacáo do país preocupa Joáo.
ca em DS, portanto, antes de os elementos se moverem para su as
Mesmo os verbos da classe de preocupar podem se acomodar em dois tipos de
estrutura, como mostra (ii): posicñes de SS, isto é, para as posicñes em que serño pronunciados.
(ii) [Joño] se preocupa com [a situacáo do país] Se retomarmos o esquema de gramática deste modelo, apre-
Tanto em (i) quanto em (ii) Jodo é EXPERIENCIADOR e a situacdo do país é TEMA. sentado no primeiro capítulo, isso fica ainda mais claro:
Contudo, como qualquer um dos papéis pode se alear para a posicáo de sujeito da
sentenr;:a, isso parece ferir a hierarquia em (28), que prediria apenas a subida do (31) ~
EXPERIENCIADOR,ficando o papel de TEMAsempre reservado para o argumento in-
terno do verbo. Nao cabe aqui explorar esse fenómeno, mas remetemos o leitor a
DS
Bel~e~ti & Rizzi (1988) que mostram que a estrutura do VP que tém verbos psi-
COIOglCOS como núcleos também se amolda a predicáo de que argumentos inter- I
nos sáo normalmente TEMAS. Quando estudarmos os verbos inacusativos, vere- SS
mos cOI?o esses dois fenómenos sáo homogéneos quanto aos papéis temáticos, ~
urna umficar;:ao que agrega elegancia a análise. PF LF

136 137
DS é o nivel de representacáo sintática que faz interface com o léxi- ep
(32)
co, local onde os núcleos estáo armazenados juntamente com a infor-
~
macáo quanto a suas propriedades lexicais, em especial, quanto a sua
Spec e'
grade temática.
-A »<>:
Isso nos permite responder mais duas das questñes colocadas -S e IP
pela Teoria S no início da secáo:
~
• Qual é o nivel sintático em que se dá a atribuicáo e o recebi- Spec l'
mento de papéis S? Em DS. +A ~
• Quais sáo as posicñes em que se dá a atribuicáo e o recebi-
mento de papéis S? As posicñes em que os argumentos sáo
gerados originalmente.
-8 1
----------
VP
VP

PP -7 [-A,- 8]
.«>: ~
Este conjunto de observacñes sobre posicñes de atribuicáo DP V' P DP
temática nos permite distinguir entre posícñes temáticas (S) e n30- +A ~ +A
temáticas (nao-S). Para efeitos da marcacáo S por um núcleo lexical, +S V DP +S
as posicñes náo-B sáo as que nao sáo selecionadas por ele. Lembre- +A
mos urna vez mais que a marcacáo S pode se realizar somente no +S
ámbito da projecáo máxima XP do núcleo X atribuidor de papel S,
conforme já discutimos. (32) mostra que se urna posicáo é S, ela é necessariamente A; mostra
Além de posicñes S e náo-B, outra distincáo pode ser também que urna posicáo A-barra é necessariamente nao-O; mas que
estabelecida: entre posicóes argumentais - posícñes A - e posicóes nem toda posicáo A é necessariamente S: o especificador de IP impe-
nao argumentais - posícñes A-barra. As primeiras se caracterizam de a correspondencia total entre posicóes A e S; por ser o especificador
P?r serem identificadas com urna funcáo gramatical- sujeito, objeto de urna projecáo funcional, nao é urna posicáo 8, e por ser a posicáo
direto, objeto indireto -, o que nao ocorre com as últimas. Marcare- canónica da funcáo gramatical "sujeito" é urna posicáo A. Notemos
mos em ~32) as posicóes de acordo com as distincñes estabelecidas, que o PP adjungido ao VP nao é urna posicáo A, nem S, já que esse
convencionando o (-) para as posicñes nao argumentais e/ou nao elemento nao é selecionado pelo verbo - trata-se de um adjunto. No
temáticas e o (+) para as argumentais e/ou temáticas: entanto, o DP dentro do PP é selecionado pela preposicáo lexical e é,
assim, urna posicáo A e S. O leitor pode imaginar urna sentenca que
caiba na representacáo em (32).
Falta ainda responder a última pergunta colocada pela Teoria S:

• que princípio regula a atribuicáo dos papéis S?

o princípio que regula a atribuicáo dos papéis S se chama Critério 8


e pode ser assim formulado:

138 139
(33) CRITÉRIO e (36) PRINCÍPIO DE PROJE<;ÁO
(i) Cada argumento tem que receber um e um só papel e;
(ii) Cada papel e tem que ser atribuído a um e um só argu- As propriedades de selecáo de cada núcleo lexical devem ser
mento. preservadas nos níveis de representacáo de DS, SS e LF.

Esse princípio pode ser invocado para rejeitar seqüéncias o Princípio de Projecáo procura garantir fundamentalmente que nao
como: de
se po , no correr da derivacáo de urna sentenca, aumentar ou dimi-
nuir o número de argumentos ou posicñes argumentais selecionadas
(34) a. *Quem a Maria viu o Joáo? por um dado núcleo. Na passagem ~e .um nível d: derivacáo pa~a
b. *A Maria viu. outro, entáo, podemos deslocar constitumtes, mas nao apagar a POSl-
c;:aode onde o constituinte foi deslocado: esta posicáo vai ser ocupa-
Como vimos, a desobediencia a um princípio leva inapelavelmente da por um vestígio (t) em SS e LF. Por outro lado, se a grade S de um
urna seqüéncia a ser rejeitada como sentenca. Assim, a agrama- núcleo preve a existencia de um argumento e es se argumento nao tem
ticalidade de (34a) se explica em funcáo de existirem lá tres argu- matriz fonética, esta posicáo é em DS ocupada por urna ee, corno em
mentos associados a ver - quem, a Maria e o Joiio -, mas apenas (35). Veremos no Capítulo V que as categorias vazias nao térn todas
dois papéis S a serem atribuídos: EXPERIENCIADOR e TEMA. Resulta daí
as mesmas propriedades e merecem tratamento diferenciado.
que um dos argumentos ficará sem papel S, violando a cláusula (i) de
Por ora, o mais interessante para nós é observar exemplos corno
(33). Por seu turno, (34b) é agramatical em decorréncia de ver ter
(30), em que existe urna clara conexáo entre o DP que livro e seu
dois papéis S para atribuir e apenas um argumento para recebé-los,
vestígio (t), pois esta categoria vazia ocupa a posicáo original em que
violando portanto a cláusula (ii) de (33). As seqüéncias em (34), en-
o DP foi gerado, em DS, antes de se mover para sua posicáo de su-
táo, violam o Critério S por nao apresentarem correspondencia
perfície no início da sentenca, conforme já discutimos. Comparando
biunívoca entre o número de argumentos de ver e de papéis S que
este verbo tem para atribuir. (30) com (35), ainda que intuitivamente, podemos constatar a dife-
renca entre os dois tipos de categorias vazias. Enquanto em (35) ela
Entretanto, (34b) pode ser urna sentenca gramatical em deter-
minadas situacóes, se pressupomos a existencia de argumentos im- representa um elemento implícito no discurso sem matriz fonética, a
plícitos. A gramaticalidade possível de (34b) poderia ser representa- de (30) representa o vestígio deixado pelo movimento da categoria
da por meio de urna ee, como em (35): que porta o mesmo índice.
Neste último caso, entáo, como há movimento de urna cate-
(35) Maria viu ee. goria de sua posicáo original para outra, podemos entender que estes
elementos, por terem o mesmo índice no ámbito da sentenca, formam
A interpretacáo de ee é estabelecida na sua conexáo com outro cons- urna eadeia. Esta nocáo pode ser intuitivamente concebida corno urna
tituinte, pertencente ao contexto discursivo. A posicáo da ee acima seqüéncia de posicñes que portam o mesmo Índice de tal modo que a
deve constar da estrutura para que se preservem as relacñes de sele- posicáo mais alta, a cabeca da cadeia, contém o sintagma movido e
cao que, como vimos, devem ser locais e para que o Critério S nao as outras posicñes contém seus vestígios. A. mais baixa destas posi-
seja violado. cñes, a única que pode ser urna posicáo S, chamamos eauda da ea-
O princípio que garante a preservacáo da estrutura de consti- deia. Vamos representar a SS de (30) como (37) na próxima página,
tuintes é o Princípio de Projecño: para que a nocáo fique mais clara:

140 141
(37) ep
lado, tem como conseqüéncia colocar algumas restricñes de, movi-
~ mento, que efetivamente se observam nas línguas naturais. E lícito
DP el mover um elemento de urna posicáo e para urna posicáo nao-e, como
que livro, ~
em (37); neste caso, que livro ocupa Spec CP em SS e e/a, Spec IP-
e IP
ambas posiyoes nao-e. Também é lícito mover um elemento de urna
~ posi<;:aonao-e pa~a outra nao-e, como é o caso de (39), onde ternos
DP l'
movimento de adjunto:
ela; ~
1 VP (39) Quando vocé acha que a Maria comprou este livro t.?
1 I

comprouj »<:>«:
DP VI Se (39) fosse representada na SS, o vestígio deveria aparecer em urna
tk ~
posicáo de adjunto da sentenca encaixada, e quando na posicáo Spec
V DP CP da sentenca matriz. Tanto a cauda quanto a cabeca da cadeia sáo
tj t¡ posiyoes nao-e.
O que é absolutamente ilícito é urna posicáo e receber um
o que é importante notar em (37) é que o DP que livro é gerado elemento movido, já que a atribuicáo de papéis e tem que se dar em
como argumento interno do núcleo comprar, onde recebe seu papel DS. Há duas implicacñes para essa postulacáo. A prime ira é que como
e, movendo-se em SS para a posicáo de especificador de ep forman- o movimento se dá posteriormente a DS, caso o elemento movido
do, assim, a cadeia (que livro., t), Da mesma forma, o DP ela é saísse de urna posicáo nao-e, ele receberia um papel e em SS, o que
gerado como argumento externo do núcleo verbal, onde recebe seu é barrado pela Teoria e. A segunda é que se o elemento movido saís-
papel e, movendo-se em SS para a posicáo de especificador de IP e se de urna posicáo e, indo para outra posicáo e, o resultado seria urna
formando, igualmente, a cadeia (ela., tk).8 cadeia com dois papéis e, o que viola (38i).
E porque existem cadeias nas línguas, seria mais interessante Respondemos, através da discussáo acima, a última pergunta
reformular nosso Critério e, dado em (33), como (38): colocada:

(38) CRITÉRIO e (revisto) • Que princípio regula a atribuicáo dos papéis e? o Critério e.

(i) Cada cadeia tem que receber um e um só papel e,' Porém, ainda nos resta de votar mais atencáo ao sujeito da sentenca,
(ii) Cada papel e tem que ser atribuído a urna e urna só O Princípio de Projecáo, apresentado em (36), determina que só se-
cadeia. ráo proj etados na sintaxe argumentos temáticos selecionados por um
determinado núcleo. Seria o caso, por exemplo, do argumento exter-
Como vimos com (37), as cadeias (que livro. t) e (ela t) segundo no de um verbo com um único argumento como viajar, exemplificado
oC . , . k' k 'l' 1
ern (22a). Mas e com verbos como chover, o que ocorreria? Teria
~lt.eno (38) sáo lícitas, pois apenas suas caudas receberam papel
ternáticn, tendo os sintagmas que livro e ela se movido posterior- este último verbo argumento externo? Da perspectiva da Teoria e, é
mente para urna posicáo nao-temática. O Critério e, assim reformu- plausível dizer que nao. Porém, em algumas línguas que exigem a
presenya de um sujeito, aparece um elemento foneticamente realiza-
do ern tal posicáo. Este elemento é o expletivo it no ingles, por exem-
8 Há ainda a cadeia formada pelo movimento do verbo que nao será explorada aqui. plo, como vemos em (40a):

142
143
(40) a. It rained yesterday. ue deve ocupar a posicáo sujeito, por razóes que concernem a teoria
'expletivo choveu ontem' d Caso (que examinaremos no próximo capítulo) e também a Hie-
b. * Rained yesterday. o ia Temática apresentada em (28). Se o verbo nao tem argumen-
rarqu . '
c. Choveu ontem. só um expletivo pode satisfazer o EPP; este elemento e nulo ou
d. [ee choveu ontem] tos, . d d ,. d
com matriz fonética, dependen do de propne a es parametncas as
línguas, como mencionamos no primeiro capítulo.
Em ingles, a ausencia do pronome expletivo deixa a sentenca agra- Neste ponto, o importante notar que, em casos como cho-
é

matical, como mostra (40b).


ve r , o suj eito da sentenca um mero argumento sintático - um ele-
é

O ingles nao a única língua que tem expletivos nestas cons-


é mento sem nenhuma propriedade semántica -, dado que nao s-sele-
é

trucñes; também o francés e o alemáo, dentre outras línguas de sujei- cionado pelo núcleo lexical. Vejamos a SS de (40), representada como
to obrigatório, apresentam elementos do mesmo tipo. Como quere- (42), junto com sua glosa para o portugués, para tornar a discussáo
mos um modelo que de conta das línguas de modo universal, nossa mais familiar:
teoria deve prever, entáo, que mesmo nas línguas em que nao fone-
é

ticamente realizado, o expletivo existe como urna categoria vazia.


(42) IP
Seria o caso do portugués, do italiano, do espanhol. Ao invés de ter-
mos a realizacáo lexical de um expletivo (como it do ingles), tería- ~
DP l'
mos urna ee (um expletivo nulo), como vemos em (40d) - a represen-
it ~
tacño de (40c).
ec I VP
Em qualquer das línguas, o verbo chover incapaz de atribuir
é

papel S a es se elemento, já que nao o s-seleciona. Ele ocupa a posi-


rained.I
I
cáo Spec IP que, como possível conferir em (32),
é é urna posicáo choveu. I
V'
náo-B, embora argumental. Note, entretanto, que o Princípio de Proje- I
cáo nao garante a obrigatoriedade da posicáo Spec IP em todas as V
t.
sentencas, porque I nao um núcleo lexical e, portanto, o Princípio
é I

de Projecáo em (36) nao tem nada a dizer sobre isso. Assim, urna
estipulacáo independente de ve ser formulada para dar conta desta
obrigatoriedade, comum a todas as línguas: o Princípio de Projecáo o expletivo, quer foneticamente realizado como no ingles, quer nulo
Estendido (EPP, do ingles Extended Projection Principie), em (41) como no portugués, ocupa urna posicáo argumental - ésujeito da
abaixo: sentenca, respeitando o EPP -, porém nao temático, já que nao foi
é

selecionado pelo verbo.


(41) PRINCÍPIO DE PROJE<;ÁO ESTENDIDO (EPP) Mas o que acontece se o verbo tem um único argumento que
nao o externo? Duas saídas se apresentam: ou um expletivo figu-
é

Toda sentenca tem sujeito. ra em Spec IP, ou esse argumento ocupará esta posicáo, o que mos-
tra que, de urna forma ou de outra, a cornpulsáo por ter um sujeito é

O EPP garante que Spec IP urna posicáo sempre presente e


é
urna propriedade acentuada das sentencas, A próxima secáo demons-
conspira para que certos fenómenos relacionados com esta posicáo trará que existem verbos que térn um único argumento que nao o é

se produzam na sentenca. Se o verbo tem argumento externo, este é externo.

144 145
3. Inacusativos
(44)
VP

Para demonstrar que existem verbos que térn um único argu-


I
V'
mento e que es se é o argumento interno, vamos recapitular rapida- ..«>:
mente as informacñes fornecidas no capítulo anterior e juntá-las com V XP
aquelas deste capítulo. Vimos no Capítulo II, explorando intuitiva-
mente a nocáo de argumento, que o VP a projecáo máxima de V e
é
A ossibilidade em (44) nao se coloca na classificacáo tradicional, a
que, se V tem argumentos, estes devem ser incIuídos na sua projeyao -p ser no caso de certos verbos impessoais como ha ver, em (45a).
máxima. Neste capítulo exploramos com mais cuidado a nOyao de nao ... .
Com verbos que nao sáo considerados impessoais, se o argumento e
argumento e mostramos que cada argumento de um verbo recebe um um DP, como dinossauros em (45b), ou mesmo um CP, como [que a
papel e dele de tal modo que deve existir urna relacáo bi-unívoca Maria enfrenta os problemas com coragem], a análise sintática forca
entre o número de argumentos e o número de papéis e. Estas consi- a concebe-los como sujeito do verbo matriz. A concordancia explíci-
deracóes nos levam a prever que os VPs podem ser estruturados, de ta entre existir e dinossauros em (45b) vem como reforco para a aná-
acordo com o número de argumentos (e de papéis e), como em (43): lise de dinossauros como sujeito da sentenca e contribui para obscu-
recer o fato de que tal sujeito dificilmente se coloca na posicáo dele,
que antes do verbo.
é

(43) a. VP b. VP c. VP d. VP
I -:-: »<. »<. (45) a. Há dinossauros neste parque.
V' DP V' DP V' DP V' b. Existem dinossauros neste parque.
I I -<. »<. c. Parece que a Maria enfrenta os problemas com coragem.
V V V XP V' PP
chover trabalhar desejar -<. Esta análise induz a concepcáo que o argumento destes verbos deva
V DP corresponder ao que chamamos de argumento externo. É de sta análise
pór que, acreditamos, deriva a dificuldade de imaginar um verbo com a
configuracáo em (44).
Estas composicñes do VP retomam, de modo cuidadoso, as intuicñes Se o complemento urna sentenca infinitiva, o problema é di-
é

da GT: (43a) representa um verbo que nao dispñe de argumentos luído por se considerar, nos moldes tradicionais, que estamos as vol-
(como chover); (43b) o desenho de um verbo com um argumento, o
é tas com urna locucáo verbal, como [parece enfrentar] em (46):
externo (como trabalhar); (43c) esquematiza o VP encabecado por
um verbo de dois argumentos, um externo e outro interno, que re- é (46) A Maria parece enfrentar os problemas difíceis com bravura.
presentado como XP porque tanto pode ser um DP, como um CP
(como desejar); (43d) configura a classe dos verbos com tres argu- Um des conforto imediato que esta diluicáo traz que impossível
é é

mentos, um externo e dois internos (como pór). propiciar urna análise unificada para, por exemplo, o verbo parecer,
Entretanto, (43) nao contém o desenho de urna possibilidade: que vai ser considerado auxiliar em (46) e verbo principal intransitivo
aquela de um verbo com um único argumento que, em vez de ser em (45c) pela GT.
externo como (43b), o argumento interno, como desenhamos em
é Reconhecemos o que está desenhado em (44) como a hipótese
(44): inacusativa apontando que o no me deriva da inabilidade de este tipo

146 147
*0 Joáo parece que a Maria enfrenta os problemas com
de verbo atribuir Caso acusativo, mesmo tendo um DP complemento a.
(48)
(ver o Capítulo IV).9 Esta hipótese, em conjunto com o tratamento coragem.
modular que o modelo gerativo fornece, evita os desconfortos apon- b. O Joao deseja que a Maria enfrente os problemas com co-
tados e outros, propiciando um tratamento adequado para os verbos ragem.
que pertencem a classe dos inacusativos. Se, além do mais, pudermos
demonstrar que existe urna classe de verbos que seleciona argumento (48a) viola a cláusula (i) do Critério 8 pois aqui ternos um
interno sem selecionar argumento externo e, portanto, sem atribuir Agora, m papel 8. Assim, foi dado o primeiro passo da demons-
argumento se . d
papel 8 a esta posicáo, entáo nosso tratamento modular ficará ainda _ hipótese inacusativa, ficando constatado por meio e
tr~~puaa .
mais motivado. 48a) que o verbo parecer nao seleciona argumento externo.
Para demonstrar que existe a classe dos verbos inacusativos ( Entretanto, um par de sentencas como (49) parece poder co-
dois passos sáo necessários. O primeiro é mostrar que existem verbos locar em xeque a conclusáo tirada acima:
que térn argumento interno mas nao tém argumento externo. O se-
gundo passo exige que mostremos que, se um DP aparece na posicáo (49) a. A Maria parece enfrentar os problemas com coragem.
de sujeito de um verbo desta classe, este DP nao é o argumento ex-
b. A Maria deseja enfrentar os problemas com coragem.
terno deste verbo. Vemos aqui a necessidade de reforcar a diferenca
entre ser sujeito da sentenya e ser argumento externo do verbo. Para
que nossa demonstracáo chegue a bom termo, vamos usar o verbo Será que agora a Maria nao é o argumento externo de parece:? ,Para
transitivo desejar que, sem dúvida, tem um argumento externo, con- evitar que (49) funcione como contra-argumento p~r~ a ~lpotese
trastando-o com parecer, tomado como protótipo de verbo ina- inacusativa, devemos mostrar que a Maria, que sem dúvida e o argu-
cusativo. mento externo de desejar em (49b), nao pode ser o argumento exter-
Comecemos considerando o par em (47): no de parecer em (49a). A forma de fazer isso é demon~tr~r que pa-
recer , embora tenha a Maria como sujeito, nao lhe atribui papel 8.
(47) a. Parece que a Maria enfrenta os problemas com coragem. Os pressupostos da Teoria 8 que subjazem a esta forma de argumen-
b. *Deseja que a Maria enfrente os problemas com coragem. tar sáo dois: um DP só pode ser argumento de um núcleo se este lhe
atribui papel 8; um núcleo impñe pesadas restricces de natureza 8
(47a) evidencia que parecer pode ocorrer numa sentenca sem argu- sobre o DP que é selecionado por ele.
mento externo; por outro lado, (47b) é agramatical se nao postula- Consideremos, agora, (50) e (51):
mos um argumento, mesmo que nulo, que seja marcado tematicamente
por desejar: a inexistencia de um tal argumento viola a cláusula (ii) (50) a. O cachorro parece gostar do patráo.
do Critério 8. O contraste em (47) mostra que, enquanto desejar tem b. A pedra parece pairar no vazio.
que ocorrer com um argumento em (47b), em (47a) parecer nao tole- c. A felicidade parece ter acabado.
ra que se postule um argumento temático como sujeito. De fato, se d. Parece chover na Ilha.
acrescentamos este argumento, os julgamentos de gramaticalidade sáo (51) a.no cachorro deseja gostar do patráo.
revertidos, como vemos no par em (48): b. *A pedra deseja pairar no vazio.
c. *A felicidade deseja acabar.
9Quem propós essa generalizacáo foi Burzio (1986), ficando conhecida na literatura
d. *Deseja chover na Ilha.
como "Generalizacáo de Burzio" ou hipótese inacusativa.

149
148
As duas séries de exemplos sáo montadas numa escala decrescente
(53) IP
que vai de um sujeito animado nao-humano, o cachorro, até um
expletivo, passando por um sujeito concreto nao-animado e por um ~,
Spec 1
abstrato. O que observamos? Por um lado, observamos que o verbo
~
desejar reage a todos os sujeitos em (51) (com urna dúvida em (51a) 1 VP
a respeito da capacidade de cachorros sentirem desejos desta nature-
za). Isto significa que desejar impñe pesadas restricñes ao DP que
-e I
V'
pode ser seu sujeito. Por que isso acontece? Porque desejar s-seleciona
~
seu sujeito que, portanto, é seu argumento externo. V XP
Por outro lado, observamos em (50) que o verbo parecer nao parec- ~
reage ao tipo semántico de sujeito que tem, nem mesmo ao expletivo = (47a) [cpque a María enfrenta os problemas com coragem]
em (50d). Se nenhuma incompatibilidade se verifica entre verbo e o = (49a) [ a María enfrentar os problemas com coragem]
InJP
sujeito em (50), somos levados a desconfiar que o sujeito nao argu-
é
= (50d) [,nJPchover na Ilha]
mento de parecer. A desconfianca se transforma em prova se consi- = (54) [sca María corajosa]
deramos finalmente (52):

(54) A Maria parece corajosa.


(52) * A pedra parece ser doente.
Se no fim das contas a sentenca vai apresentar um sujeito lexical,
Agora, a sentenca agramatical, mas a incompatibilidade nao pode
é como ocorre em (49a) e (54), isto deriva em parte do EPP e em parte
decorrer de urna restricáo temática que parecer imponha ao sujeito a de certas exigencias estabelecidas em outros módulos da gramática
pedra. Este nao pode ser o caso porque o DP a pedra já figurou como a Teoria do Caso (ver Capítulo IV), a Teoria do Movimento
como sujeito de parecer em (50b) sem nenhum problema. Na verda- (ver Capítulo VI). Se, por outro lado, a sentenca nao apresenta um
de, a incompatibilidade temática se verifica entre a pedra e (ser) do- sujeito lexical, como acontece em (47a), o EPP satisfeito pela in ser-
é

ente, o que equivale a dizer que a pedra argumento de doente e nao


é yaO de um expletivo e nenhuma das exigencias que atuaram em (49a)
de parecer. e (54) se verifica. No caso de (50d), o núcleo lexical do complemento
Portanto, o verbo parecer pode ter um sujeito lexical, mas - chover - nao dispñe de um argumento lexical para figurar como
com certeza nao tal verbo que atribui papel e a ele. Em outras pala-
é
sujeito da sentenca. Nos dois últimos casos, entáo, o expletivo nulo é

vras, este sujeito nao pode ser seu argumento externo. Como, por inserido.
hipótese, parecer seleciona só um complemento, enquadramos este Como nao permitida a atribuicáo de papel e a distancia (todo
é

verbo na classe dos inacusativos. Se na sentenca pronunciada este papel e atribuído dentro da projecáo máxima do núcleo lexical
é

verbo aparece em vários tipos de estrutura, vamos dizer que isto se atribuidor) e como o Critério e se aplica em DS, entáo o sujeito lexical
deve aos tipos de complemento que ele seleciona e que sáo exem- de sentenyas com parecer, quando há um, tem que ser argumento do
plificados em (53): núcleo lexical de seu complemento.

151
150
3.1. Inacusativos com complementos (quasi-)sentenciais mostra é que sentencas com costumar aceitam qualquer
(58)
O que ieit Se isto acontece e'bporque este ver o nao
- se leci
eciona
. de sUJeI o. . - d
A hipótese inacusativa que vimos explorando se estende natu- tIpO t externo sendo o sujeito alcado de outra pOS19ao e
argumen o' . .
ralmente a muitos outros verbos. Vamos classificá-los de acordo com sev lemento de costumar. Isso nos indica que se trata,
dentro do comp. .
o tipo de complemento que selecionam. Nesta secáo nos limitamos to de um macusatIvo.
áqueles cujo complemento nao é um DP. Os complementos destes portan P' mos a classificayao destes verbos de acordo com o com-
asse . . .
inacusativos ou sáo sentencas ou "quasi-sentencas", como veremos. e se lecionam Primeiramente, existem os inacusativos que
lemento qu· 9)
Antes de entrar propriamente na classificacáo, vamos desen- p leci m CP como complemento, como vemos em (5 :
c-se eClOna
volver urna tática segura para reconhecer os inacusativos com com-
plementos (quasi- )sentenciais e distingüi-los claramente dos outros (59) Convém [cpque a Maria traga a mochila dela].
verbos que térn o mesmo tipo de complemento, que sáo os transiti-
vos. O principal de sta tática está apoiado na demonstracáo que de- hecer estes verbos como inacusativos dispensa o uso de qual-
R econ .. C .
senvolvemos na secáo anterior, em especial no fato de que, quando rática porque claramente e1es nao tém sujeito. omo convir se
quer a 1 ~ .
um verbo é inacusativo e a sentenca tem sujeito, este sujeito nao é comportam os verbos parecer, constar, o~star etc. O fenomeno l~te-
selecionado por aquele verbo. e de construcñes como a de (59) e que na sentenca matnz o
ressan t y , . f

Reconhecemos um inacusativo quando conseguimos mostrar EPP nao pode ser satisfeito por a Maria porque este DP esta ~atI~ a-
que ele nao reage a troca de seu sujeito por outros de tipos sernánti- do o EPP na sentenca encaixada (onde ele já tem Caso nominativo,
ze n . 'd
cos variados, como fizemos na escala em (50) e (51). Assim, se de- conforme a discussáo do próximo capítulo). Assim, o EPP so po e
frontamos com o verbo odiar numa sentenca como (55), reconhe- ser satisfeito mediante a insercáo de um expletivo nulo (em ingles
cemos que ele nao é inacusativo através de um paradigma comparati- seria o prono me expletivo realizado por it). .
vo como em (56): Em segundo lugar, ternos os inacusativos que selecionam um
complemento 1nfP, como exemplificamos em (60):
(55) Aquela menina odeia passear no frio.
(56) a. *Pedras odeiam rolar pela montanha. (60) A Maria deve trazer a mochila dela.
b. *A bondade odeia ser escassa em tempos de crise.
c. *Odeia chover nesta época do ano. Convidamos o leitor a aplicar a nossa tática de reconhecimento de
inacusativos a sentencas que apresentam esta seqüéncia de verbo finito
O que (56) mostra é que o verbo odiar nao aceita qualquer tipo de + infinitivo impessoal. Como dever se comportam parecer, poder,
sujeito. Se isso acontece é porque o verbo s-seleciona seu argumento costumar, ir (significando futuro).
externo que se alcará para a posicáo de sujeito. Isso nos mostra que A maioria dos verbos de sta c1asse sáo os modais que sáo cha-
este verbo é transitivo. Se, por outro lado, nos defrontamos com o mados assim porque modalizam o evento denotado pelo verbo e~cai-
verbo costumar numa sentenca como (57), reconhecemos que ele é xado, atribuindo-lhe quase um caráter adverbial. O fenómeno inte-
inacusativo pelo que acontece em (58): ressante de construyo es que apresentam esta c1asse de inacusativos é
que um argumento do verbo encaixado (o externo, quando ?
verbo
(57) Aquela menina costuma passear no frio. encaixado tem um) vai acabar sendo o sujeito da sentenca, satisfazen-
(58) a. Pedras costumam rolar pela montanha. do desta forma o EPP, como mostramos na SS de (60) desenhada em
b. A bondade costuma ser escassa em tempos de crise. (61):
c. Costuma chover nesta época do ano.
153
152
(61) IP e' denominada classe dos aspectuais, assim chamados por
Esta e 1as se b o evento denotado pelo verbo encaixado . d
marcan o
.>'>: arem so re . d
DP I' atu d ti o/nao-acabado. Nossa tática de reconheclmento e
ecto ura IV
AMaría; ~ asp . satl'voS funciona bem para reconhecer estar como um
rbos inacu b
1\ I VP ve rbo inacusativo e para enquadrar nesta classe outros ver os como
deve¡ I ve r andar (:t: de camínhar), permanecer etc. Ao mesmo tempo, a
V' fic~ , it com seguranC'a manter fora desta classe verbos que
t' uca perml e, y , ,¡;
~ a ~ cia ocorrem em contextos seme1hantes, como teleJonar em
na aparen
V InfP
(64):
t. }
»<">:
DP Inf
(64) A Maria telefonou chorando.
t; ~
l Inf VP
Com certeza, a María é argumento de telefonar e o leitor tem todo o
r=«, ..r>:
DP V' instrumental para prová-lo. ,
_____ It; ~ A representayao em SS de (63) sena (65):
V DP
tk a mochila dela (65) IP
~
o leitor poderia perguntar: por que, agora, a insercáo do expletivo DP
nulo para satisfazer o EPP, como teria acontecido em (59), tem como A María. I

resultado urna sentenca agramatical, como (62)? I VP

(62) *Deve a Maria trazer a mochila dela.


está.} I
V'
~
Nesta altura, ternos condicóes de dar apenas meia resposta para a V GerP
pergunta: de fato, a insercáo do expletivo nulo satisfaria o EPP, mas t¡ .»>:
ainda assim a sentenca seria agramatical porque ficaria faltando ao DP Ger'
DP a María urna propriedade crucial que, veremos no próximo capí- t; .«>:
tulo, é o Caso abstrato. Isso explicará por que o DP a María tem que Ger VP
ser alcado de sua posicáo de dentro do complemento de dever para trazendo , ~
figurar como sujeito da sentenca matriz. DP V'
Ternos urna outra classe de inacusativos, como estar, que, em t; ~
vez de selecionar InfP, seleciona um complemento com verbo no V DP
gerúndio, como mostra (63): tk a mochila dela

(63) A Maria está trazendo a mochila dela.

155
154
(65) é idéntica em tudo a (61), exceto por constar um GerP como
complemento do verbo inacusativo. Por sua vez, (64) tem urna estru,
o redicado da SC pode ser um AP, como em (68a), um DP, como
P(68b) ou um PP, como em (68c). Esta cIasse engloba os. verbos
tura em que a Maria é o único argumento de telefonar e que
. h . :/', por el11h idos como de Iígacño que cornpñem aquela famosa lista que
ISSO, e orando tem que ser adjunto, urna situacáo já examinada no con ec
Capítulo II. A SS de (64) seria como (66): fol110SObrigados a decorar na escola: estar,
, . parecer,ficar, permane-
dar continuar etc. A nossa tátrca para reconhecer verbos
cer, an , , b .,
(66) IP . sativos funciona corretamente tambem com estes ver os.ja que
ínacu . .. d ,. .
--------------- as sen tencas
y
em que el es figuram aceitam
..
sujeito
,
e vanos tipos se-
manticos, tornando claro que o sujerto e argumento de outro
DP
A Maria l' _
predicado, no caso o predicado da SC. A SS de (68a), por exemplo,
pode ser desenhada como (69):
1 VP
telefonou, ---------------
(69) IP
VP GerP
~
.r>: ~ DP I'
DP V' eco chorando
I A Maria. »<">:
t¡ I 1
I

VP
V é.}
t.
I
} V'
.r>:
Nesta altura, nao podemos perder a chance de convidar o leitor a V SC
discutir a ambigüidade da sentenca em (67):
tj ~

DP AP
(67) A Maria anda chorando.
~ --.J't. corajosa

Urna outra classe de inacusativo aspectual é constituída pelos Neste caso, o AP corajosa está atribuindo o papel temático a a Ma-
verbos ter, haver quando selecionam particípio. Convidamos o leitor ria, elemento que é posteriormente alcado para Spec IP para, dentre
a representar a SS de urna sentenca que contém o verbo ter, atentan- outras coisas, satisfazer o EPP. Convidamos o leitor a apontar as di-
do para o fato de que o complemento deste verbo ao invés de ser um ferenc¡;asestruturais entre urna sentenca como (70a) e (70b): -.
gerúndio, será um particípio. '
Por fim, há verbos inacusativos, como ser, que selecionam (70) a. A Maria parece furiosa.
como complemento urna SC, o que pode ser examinado em (68): b. A Maria telefonou furiosa.

(68) a. A Maria é corajosa. Para terminar esta secáo, vamos observar que as SCs sele-
b. A Maria é urna heroina. cionadas como complemento de um verbo inacusativo sáo de corn-
c. A Maria é de ferro. plexidade variada, como observamos em (71):

156
157
(71) a. Viver é lutar. [asse temo Sáo os chamados mono-argumentais, que distingui-
b. é [sc viver lutar] queac .
remos Observando os paradigmas em (73) e (74):
c. Viver, é [sc t¡ lutar]

(73) a. O Joáo nada.


Nao deve nos espantar que possamos ter infinitivos como sujeito e b. *Nada o Joáo.
como predicado da SC, nem mesmo que o sujeito da SC seja um CP. C. *A pedra nada.
Vejamos o fenómeno em (72): d. *Nada a pedra.

(72) a. Que a Maria é corajosa parece verdadeiro. a. O menino chegou.


(74)
b. parece [sc [que a Maria é corajosa] verdadeiro] b. Chegou o menino.
C. [Que a Maria é corajosa]. parece [sc t¡ verdadeiro] C. A carta chegou.
d. Parece verdadeiro que a Maria é corajosa. d. Chegou a carta.
(47) a. Parece [cp que a Maria enfrenta os problemas com cora-
gem]. O leitor já deve ter notado a clara distincáo de comportamento sintá-
tico entre as sentencas de (73), com o verbo nadar, e aquelas de (74),
Em particular, nao se deve pensar que (72a) contraria o argumento com chegar. Em (74), o verbo tanto pode s-selecionar um argumento
formulado, a partir de (47a), para mostrar que o CP [cpque a María com traco sernántico [+animado] - o menino -, como um com o trace
enfrenta os problemas com coragem] nao é argumento externo de [-animado] - a carta. Essa liberalidade de selecáo já nao é atestada
parecer, mas seu complemento. Note que o complemento de parecer em (73), em que o núcleo nadar exige que seu argumento tenha o
é diferente em cada urna das sentencas. Em (72a) o complemento é traco semántico [+animado], como vemos pela agramaticalidade de
urna SC, como vemos em (72b), cujo sujeito é um CP que, como (73c). Outro aspecto que diferencia (73) de (74) diz respeito a ordem
mostra (72c), pode ser movido para antes de parece, tal vez para sa- entre o argumento e o núcleo. Enquanto nadar só admite que seu
tisfazer o EPP.'O O lugar natural para o CP ocorrer parece ser no fim argumento se superficialize como sujeito da sentenca a esquerda, con-
da sentenca, possibilidade exemplificada em (72d): existe urna gene- forme vemos pelo contraste de gramaticalidade entre (73a) e (73b),
ralizacáo (Heavy DP/XP Shift), ainda um pouco mal compreendida, chegar parece nao impor tamanha restricáo quanto a posicáo em que
que afirma que os constituintes com estrutura fonologicamente pesa- seu argumento se superficializará.
da se localizam melhor a direita da sentenca, Se analisarmos o argumento selecionado em (73a), tomando
seu caráter de animacidade, veremos que apresenta o trace sernántico
3.2. Inacusativos que selecionam DP agentivo: Joáo pratica a acáo de nadar. Já é mais difícil afirmar o
Nesta secáo vamos estudar um pouco os verbos inacusativos mesrno para os argumentos selecionados por chegar. Nao é possível
que selecionam um DP, na verdade, os verbos responsáveis pelo no me afirmar que urna carta tenha qualquer caráter agentivo. Mesmo o
menino em (74a-b) pode ser considerado como um elemento afetado
',0 S.empre se pode alegar que o CP nao ocupa o Spec IP (posicáo com a qual ele nao pelo evento de "chegar"; em outras palavras, nao é necessário que o
e dIretamente compatível - ver o Capítulo IV), caso em que nao estaria anteposto menino incorpore o trace semántico "volicáo", por exemplo, como é
para satisfacño do EPP, mas que está adjunto a IP como um tópico da sentenca, o caso de Joiio em (73). Os casos de (74) envolvem muito mais a
Entretanto, como observamos no capítulo anterior, essa discussáo foge aos limites
constatayao de um evento - "a chegada de algo ou alguém" - do que
deste Manual e, em nome da simplificacáo, vamos assumir que o CP possa ser alya-
do para Spec IP. a participayao do argumento como agente para que o evento ocorra.

158 159
Se, de fato, os argumentos selecionados em (74) sáo afetados pelo o DP o menino é gerado como argumento interno de chegar, posicáo
evento, constatamos que esses elementos recebem o papel de TEMA que recebe o papel de TEMA, sendo alcado em SS para Spec IP
(cf. nota 2). Nos casos de (74a,c) ternos, entáo, um TEMA como sujei- ern satisfazer o EPP (e receber Caso, como veremos no Capítulo
para . ) E' d . l' . .
to da sentenca, o que nao é esperado segundo urna das previsñes que IV), formando a cadeia (o n:~nmo¡, t¡. st~ e urna ea el~ 2clta pois
extraímos da Hierarquia Temática apresentada em (28). eita o Critério 8 (38), ja que o DP sal de urna posicao 8 e se
~~ .
O que esses fatos todos nos revelam? Embora ambos os ver- rnove para urna posicáo nao-~, ficando ~pen~s a cauda. d~ cadeia
bos apresentados sejam mono-argumentais, provavelmente esta nao arcada tematicamente. Este tipo de cadeia foi formado licitamente
é urna classe verbal homogénea, Enquanto (73) se comporta de forma :rn todas as classes de verbos inacusativos estudados até agora.
canónica, com um sujeito agentivo em posicáo pré-verbal, (74) tanto O que acontece em casos como (74b-d) em que o argumento
pode apresentar seu único argumento - TEMA - naquela posicáo, como interno nao é alcado? Tematicamente nao haveria problemas, pois o
posposto ao verbo. Ressaltando, novamente, que nao sáo usuais su- argumento recebe seu papel temático na posicáo em que é gerado;
jeitos com papel temático de TEMA, entáo esses fato s nos levam a crer entretanto, nao há como satisfazer o EPP sem que se preveja a pre-
que o argumento selecionado por núcleos como chegar nao é o ar- senca de um expletivo que possa preencher a posicáo Spec IP. Em-
gumento externo, como em (43b), mas, sim, o argumento interno, bora os expletivo s na nossa língua sejam nulos, isto é, nao sejam
como em (44) aqui repetido como (75), com DP no lugar de XP: pronunciados, conforme vimos a partir de (42), podemos buscar evi-
dencia de sua existencia em línguas de sujeito obrigatório, em que o
(75) VP expletivo deve possuir entáo urna matriz fonética, como o ingles:
I
V' (77) There arrived a boy.
-<. , Expl chegou um menino'
V DP
em que there é um expletivo similar ao it de (42). Forneeemos, em
Assim, a SS de (74a), seria (76), onde fiea claro qual a posicáo de (78), a representacáo em SS de (77) e sua versáo em portugués,
base de o menino:
(78) IP
(76) IP ~
DP I'
~
there ~
DP I'
ec I VP
Omenino¡ .>">:
arrived.
I VP I

chegou¡ I chegou. I I
V'
V'
-<: -<:
V DP
V DP
t.I a boy
t.
)
t.
I um menino

160 161
Urna outra evidencia de que se trata de argumento interno com b *Maria e mangiata la pasta.
expletivo nulo em Spec 1P que praticamente perdemos, no PB fala-
é
. 'Maria é comida o macarráo '
do, a concordancia de plural se o argumento nao alcado, como em
é

80b) o auxiliar essere, que sempre provoca a concor-


(79). Em casos corno (79b) o verbo está concordando com o expletivo S t ra ( . 1
que singular. Isso dá conta da perda de concordancia na língua ern
eo1110. 1110
d
,
tI'cípio com o suj eito, produz
urna sentenca agramatica .
é
d~ era o par .
tais sentencas, pois mostra que o falante trata mesmo o DP as cartas an Se se trata de verbos mono-argumentals, alguns c~mo
corno argumento interno, com o qual o verbo jamais concordará: (telefonar) exigem o auxiliar avere, outros como arrivare
telefona)r:xigem o auxiliar essere, fenómeno mostrado em (81) e (82):
(chegar
(79) a. ec chegou a carta.
(81) a. Maria ha telefonato.
b. ec chegou as cartas. Maria telefonou.
b. *Maria e telefonata.
Se estamos falando de duas classes distintas de verbos mono-argu. a. *Maria ha arrivato
(82)
mentais, entáo precisamos distinguí-los metalinguisticamente tam- b. Maria e arrivata.
bém. Tradicionalmente, usa-se o termo intransitivo para os verbos Maria chegou.
que selecionam apenas um argumento, mas ele nao é adequado na
medida em que nao será capaz de diferenciar as duas classes que Como mostra a traducáo dos exemplos, no portugués a diferenciacáo
vimos examinando. Assim, vamos usar o termo inacusativo para os é neutralizada pois só ternos o pretérito simples para traduzir os ver-
verbos que selecionam apenas um argumento interno e vamos intro- bos. Quem se interessar pelo assunto pode recorrer a bibliografia adi-
duzir o termo inergativo para aqueles que selecionam apenas o argu- cional fornecida no fim deste capítulo.
mento externo. O segundo termo exprime o fato de que o argumento O que os falantes de italiano sabem é que devem usar o auxili-
externo tenderá a ser de caráter agentivo/causativo. Já o primeiro ter- ar avere com verbos transitivos e inergativos e o auxiliar essere com
mo traduz urna generalizacáo muito forte nas línguas naturais: o fato os verbos inacusativos. O que transitivos e inergativos tém em co-
de que verbos que selecionam apenas um argumento interno - sem- mum? Ambos selecionam um argumento externo e, portanto, atribu-
pre um TEMA - nao sáo capazes de atribuir Caso acusativo a ele. em papel e a ele. Assim sendo, o papel e atribuído só pode ser AGEN-
O leitor entenderá melhor o que isso significa no próximo capítulo. TE/CAUSATIVO, como apontamos anteriormente. Sistematicamente, os
Vamos recorrer mais urna vez a fenómenos que acontecem verbos mono-argumentais que se usam com o auxiliar avere tem o
em outras línguas para mostrar que existem, de fato, duas classes argumento com es se papel e.
distintas de verbos mono-argumentáis. A língua a que recorremos Os inacusativos sáo diferentes porque, para dizer o mínimo,
agora é o italiano (mas poderia ser também o francés ou o alemáo) e nao selecionam argumento externo. Isto significa que o sujeito dos
o fenómeno que nos interessa é o uso dos auxiliares essere (ser) e inacusativos nasce como argumento interno e se move para o Spec
avere (ter). Para formar o pretérito composto de verbos transitivos o ¡P. Em algum estágio deste movimento, por passar por cima do particí-
auxiliar usado é avere, como mostra (80): pio, estaráo em relacáo local (Spec-núcleo) e isso vai desencadear a
concordancia entre os dois e com o auxiliar quando chegar em Spec
(80) a. Maria ha mangiato la pasta. ¡P. Já corn os transitivos e inergativos a concordancia com o particí-
pio nao acontece porque o sujeito deles nasce numa posicáo alta de-
'Maria tem comido o macarráo '
mais e só tém condicñes de provocar a concordancia em 1P.
Maria comeu o rnacarráo.

163
162
Para terminar a secáo, fazemos notar outra vez que as restri- IP
cñes de selecáo que um verbo (ou, mais precisamente, o nível V') (85)
~
impñe ao argumento externo sáo mais estritas do que aquelas relati- DP l'
vas ao argumento interno. É por isso que o argumento selecionado a bola. ~
pelo verbo inergativo tende a apresentar o trace [+animado]: o papel J 1 VP
e atribuído por esses verbos AGENTE.Por outro lado, como o argu-
é foi, I
mento de um verbo inacusativo o interno, as restricñes de selec;ao
é V'
sáo menos pesadas e o papel e associado a ele sistematicamente
é .r>:
TEMA. V PartP
t¡ ~
chutada t.pelo menino
J

3.3. Voz passiva


Vamos retomar a grade temática ilustrada em (14) para chu-
Urna última palavra sobre papéis temáticos. Voltemos el sen- tar, comparando-a com a da forma passiva:
tenca apresentada em (13), repetida aqui como (83):
(86)
(83) O menino chutou a bola.
a) chutar: Agente Tema
A maioria dos verbos que selecionam um argumento externo - AGENTE J
- e um interno - TEMA/P ACIENTE - podem, no portugués, ser transfor-
mados em voz passiva: b) realizacáo: [O menino]' chutou [a bola]'

(84) A bola foi chutada (pelo menino).


~a~')~C~h=U~t-_+_-~a=d=o~/a~~~ T_~~rrm ~
A primeira coisa a reparar em (84) que o AGENTE- o menino - nao
é

precisa se realizar como argumento e, no caso de estar presente na


sentenca, será realizado como complemento da preposicáo por, den-
tro de um adjunto, de quem receberá seu papel temático. Isso mostra b') realizacño: [A bola] foi chutada.
que tal elemento nao pode ser, entáo, argumento externo do verbo. A b") Cp [a bola]. foi chutada t.]
J J
segunda é que o elemento com papel e TEMA(a bola) sobe para a
posicáo de sujeito da sentenca, Ora, nao éexatamente isso o que o que a representacáo em (86a') nos mostra é que o papel temático
ocorre com os verbos inacusativos? Ternos em máos, entáo, mais de AGENTE- o argumento externo de chutar - é "removido" da grade
urna extensáo da hipótese inacusativa: a flexáo passiva tem a capaci- pelo sufixo de particípio da forma passiva. (86b") mostra que o DP a
dade de "inacusativizar" o verbo. Nao tendo argumento externo, o bola gerado como argumento interno do núcleo, onde recebe seu
é

argumento interno vira o sujeito. Veja a representacáo simplificada papel temático de TEMA,sendo alcado em SS para a posicáo de sujei-
de (84) em (85): to da sentenc;a, como qualquer outro caso de inacusativo.

164 165
mos aqui. Contudo, é obra que demanda maior co-
4. Bibliografia adicional ue apresen t a ., .
do q . t de teoria smtatlca.
nheclInen o
Há urna discussáo introdutória e interessante sobre papéis e
no capítulo sobre o Léxico em Radford (1988). Raposo (1992) tarn.
bém pode ser consultado sobre o assunto. Além desses, boa parte da
5. Exercícios
discussáo travada na intrcducáo deste capítulo é desenvolvida exten,
sivamente por Haegeman (1994). Desses, apenas o livro de Raposo t as seguintes sentencas .em SS, marcando com um' e trios
está em portugués (europeu). 1. Represen e bem papel e e gnfando o elemento que esta a n-
elementos que rece ,
Para maior aprofundamento no assunto, sugerimos:
buindo o papel e:

1) Williams (1995) e a bibliografia lá citada. Sáo obras que verticalizam - .' . ?


a) Quem disse que o Joao const~ulU a ~lscma.
a discussáo sobre a natureza dos papéis e. Outro estudioso que pode
b) Fugimos das obrigac;5es de cidadania.
ser consultado, ainda para os que léem em ingles, é Jackendoff, numa
série de trabalhos que váo de seu livro de 1972 a vários artigos na e) Eles deram o bolo para o vizinho.
revista Linguistic Inquiry. Trata-se, no entanto, de trabalhos bem mais d) Eu vendi o car~o a vista.
especializados e tal vez seja melhor o leitor acabar este Manual e) Chorei.
introdutório antes de se aventurar nestes textos mais pesados. Sáo
clássicos no assunto; 2. Explique a agramaticalidade das sentencas, pressupondo a~enas as
2) Sobre a Hierarquia Temática o leitor poderá consultar, dentre ou- categorias vazias indicadas e nenhum outro elemento implícito:
tros, Baker, M. (1997) "Thematic roles and syntactic structure", em
Elements of Grammar, um livro editado por L. Haegeman. Na reali-
a) *ec morri o POyo.
dade, trata-se de urna retornada e aprofundamento de alguns aspectos
de Baker (1988). Ainda sobre a Hierarquia, há também um texto inte- b) *0 que eu vendi o carro?
ressante de D. Dowty, "Thematic proto-roles and argument selection", e) *Apontam.
publicado em 1991 pela revista Language. Em ambos os casos estamos
falando de textos mais especializados; d) *Maria desmaiou a Joana.
3) Para a Generalizacáo de Burzio (que aqui chamamos apenas de e) *E1e pós na garagem.
Hipótese Inacusativa), cf. Burzio (1986);
4) Para um aprofundamento em relacáo ao comportamento sintático 3. Observe a estrutura abaixo e responda:
de verbos psicológicos, recomendamos Belletti & Rizzi (1988). Para
urna discussáo crítica da proposta de Belletti & Rizzi, o leitor pode se [cp O que¡ Lp vocé queria [cp que Lp a Maria fizesse t¡ por ele ]]]]
referir a Pesetsky (1995);
5) Sobre os auxiliares em italiano, cf. Figueiredo Silva & Mioto a) Qual a grade temática dos núcleos grifados?
(2003);
b) Ern que posicáo os núcleos atribuem seus papéis e?
6) Sobre voz passiva, ainda que de urna perspectiva distinta da que
c) Por que é possível garantir que o sintagma o que nao recebe papel
apresentamos neste Manual, o leitor pode consultar Boeckx (1998),
e na posicáo em que está?
e bibliografia lá citada para tratamentos do fenómeno mais próximos

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d) Qual é a categoria dos elementos c-selecionados pelos verbos? · a agou o pato. (= levou a culpa)
a) Ros~nh P a ou um mico. (= passou vergonha)
e) Desenhe a estrutura da sentenca em SS e marque as posi90es
b) RoSlllha p g a geral (na turma). (= deu urna bronca)
argumentais. · ha pagou um .
e) Ros~n nfiou o pé na jaca. (= fez besteira)
f) A partir da representacáo feita em (e), marque as posicñes e. d) ROSlllha e
r

b a no trombone. (= fez alguma denuncIa, espa-


· ha botou a , oc
) RoSlll .
g) Indique as relacóes de complementacáo e de adjuncáo na senten9a
e lhou alguma notICIa) _.
acima. · ha botou o bloco na rua. (- agiu)
O Roslll
4. Demonstre, trazendo o maior número de argumentos e testes que . a-o pode haver cadeia envolvendo os elementos
hque por que n . d -
conseguir, a diferenca de comportamento entre os verbos dos tres 7. Exp ntencas abaixo (note que, sem a CO-In exacao,
. d xados nas se
eo-lll e _ estruturas possíveis em PB e outras nao). Como ha cate-
y r

pares de sentencas abaixo:


a.19um~SW. d diferentes naturezas, todas serao - represen tda as pm
gonas vazias e
a) (i) As criancas pularam na festa.
(ii) As criancas caíram na festa. ec:

b) (i) Joana pretende fugir. a) Izidoro¡ odeia ec¡


(ii) Joana deve fugir. b) Quem Pedro agrediu Paulo ?
e) Maria deseja [ec¡ viajar de trem]
e) (i) Os alunos se preocupam com o estado das universidades.
(ii) O estado das universidades preocupa os alunos. d}lA pedra, parece ec¡ trovejar.
e) [ec, voar de asa delta] perturba a María, .
5. A Gramática Tradicional normalmente associa a funcáo de sujeito
das sentencas ao papel temático de AGENTE, através de definicóes como
"sujeito éo ser que pratica a acáo". Que tipo de problemas essa defi- 8. Mostre por que as cadeias envolvendo os element~s,c?-indexados
nicáo enfrenta perante os exemplos a seguir? Analise as sentencas nas sentencas abaixo sáo lícitas de acordo com o Cnteno e:
mostrando o que está em jogo com cada sujeito, lembrando que para
a) L, Crispimj ficou [se tj bonito]]
tanto o leitor deve partir da grade temática do(s) verbo(s) envolvido(s):
b) [IP As meninasj chegaram tj]
a) O professor sentiu dores nas costas. e) [O quej Cp Evilázio comprou tj]]?
b) Flores agradam as mulheres.
c) Caiu o estojo.
d) Cp A pedraj parece LnfP tj rolar]]
d) Aquela crianca inteligente.
é

e) A água parecia rolar do morro.

6. Analise as seguintes sentencas contendo expressñes idiomáticas.


Mostre como se dá a atribuicáo do papel e ao argumento externo e
veja se há alguma característica especial nas expressñes dadas:

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