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L. S. Vigotski PSICOLOGIA PEDAGOGICA Traducdo do russo por PAULO BEZERRA Martins Fontes ao pbc ioe mat SiR pe ae ete Talia Resides espe eas /L Seemrich igs ro "reg 2 Pic aac fT ie, Taipei I.psedbeu pip a 8 Tad des des eid pore tna potas rterades “rari Marina Fonter Editor Lt no Comet Ramah S380 DES C00 Si Tel (i) 3241.3677 Fas (1) 087 mul infmartinfntes ccm br pe marist com be ly SP Beas indice Preficio XI Capituto 1 Pedagogia e psicologia 1 Capituto 11 O conceito de comportamento e reagéo 15 Capitulo IT Leis fundamentais da atividade nervosa superior (do comportamento) do homem 35 Capitulo 1V. Fatores biolégico e social do comportamento 63 Capitulo V Os instintos como objeto, mecanismo e instrumento deeducagao 79 Capitulo VI A educacdo no comportamento emocional 127 Capitulo VIE A psicologia e a pedagogia da atengio 149 Capitulo VIE Reforco e reprodugao das reagdes 181 Desenvolvimento dos conceitos cotidianos e cientificos na idade escolar Tentarei expor algumas reflexdes basicas sobre a maneira de se enfocar em uma pesquisa a questo do desenvolvimento do pensamento ligado ao processo de aprendizagem. Quero anali- sar essa questio do ponto de vista puramente investigatorio ¢ clucidar aqueles momentos que me parecem essenciais para a organizagdo da pesquisa em determinada érea. Partirei da tese segundo a qual o objeto da pesquisa pedoldgica na escola é desenvolvimento da crianca, particularmente 0 seu desenvolvi- ‘mento mental, que se realiza em fungo da aprendizagem, da atividade, Mas ele nio coincide com 0 desenrolar do préprio processo de educagio ¢ tem sua légica interna, vinculada mas nijo dissolvida na dindmica da aprendizagem escolar. Pelo visto 6 pensamento é uma das fungdes mais importantes que desem- penha o papel fundamental no desenvolvimento mental da erian- a na idade escolar, e por isso vou deter-me com maiores deta- Ihes no estudo do pensamento. Como premissa eu gostaria de fazer algumas observagdes gerais no que tange ao estudo do desenvolvimento do proprio , pensamento, Parece-me que a questio esti colocada assim: 0 | que se desenvotve no pensamento ¢ o que cabe ser estudado na pesquisa? Em que consiste 0 contetido do préprio processo de | desenvolvimento do pensamento? Proliant Sabe-se que nos primérdios do estudo do pensamento na Psicologia, o conteiido do seu desenvolvimento se resumia prin- cipalmente em uma acumulagio quantitativa de conhecimen- tos, ou seja, imaginava-se que o homem mais desenvolvido em termos intelectuais difere do menos desenvolvido antes de mais nada pela quantidade e a qualidade das representagdes de que dispie ¢ pela quantidade dos vinculos que existem entre essas Fepresentagdes; ja as operagdes de pensamento sio idénticas ‘nos seus niveis mais altos e mais baixos. “Como sabemos, hoje em dia pouca gente tende a defender esse ponto de vista, a ndo ser alguns representantes da velha Psicologia associativa e da nova psicologia do comportamento. Entre outras coisas, 0 livro de Thorndike é uma tentativa de defender a tese segundo a qual 0 desenvolvimento do pensa- mento consiste, principalmente, em formar novos elementos de ligagdes entre representacdes particulares, podendo se cons- ‘tuir uma curva constante que iré simbolizar o desenvolvimen- to mental, comecando pela minhoca e terminando no estudante amercano. E essa curva representaria a linha continua, na qual ‘a ascensio ¢ 0 descenso significam apenas a aceleragao e o re- tardamento dos ritmos. Quando, posteriormente, veio a reagio a esse ponto de vista, a questio foi posta de cabega para baixo. Passou-se a afirmar que o material do pensamento nao desempenha nenhum papel em seu desenvolvimento e concentrou-se a atengo nas pré- Prias operagées de pensamento, nas fungdes, no processo que se realiza no homem quando este pensa ou resolve alguma tareta com gjuda do pensamento. A Escola de Wiirzburg levou ao ex- treme esse ponto de vista e chegou a conclusio de que o pré- prio pensamento & um processo em que todas as imagens, nas quais esta representada a realidade exterior, inclusive a pala- ya, no desempenham nenhum papel ¢ ele (0 pensamento) & visto como um ato puramente espiritual que consiste numa ‘abrangéncia no sensorial puramente abstrata de relagdes abs- tratas, em vivéncias de tipo absolutamente especi Desenvolvimento dos conceits cotiianose entific naidade escolar __ 519. Essa escola tem um aspecto positivo: seus pesquisadores langaram uma série de idéias baseadas na andlise experimen- tal, que enriqueceram a nossa concepgo sobre a originalidade real das operagdes do préprio pensamento e sobre o seu fun- cionamento. Mas eles suprimiram inteiramente da psicologia do pensamento a questio do material do pensamento. Se‘nos ativermos ao momento atual, poderemos constatar que o ponto de vista da Escola de Wiirzburg revelou sua unilate- ralidade. Surge, é claro, néo uma retomada direta do velho ponto de vista mas um novo interesse pelo que antes se denominava material do proprio pensamento. Vé-se, pois, que a propria ope- ragio de pensamento depend do tipo de material com que opera, porque qualquer pensamento estabelece uma relagao entre 0s fe- ‘ndmenos da realidade de alguma forma representados na cons- cigncia. Em outros termos, a fungio ou as diferentes fungdes do pensamento ndo podem depender de que funcionem, do que se mova, do que venha a ser o fundamento desse processo. Em ter- ‘mos mais simples, a fungao do pensamento depende da estrutu-, +a do proprio pensamento. As eventuais operagdes dependem da ‘maneira como foi construido ¢ funciona o pensamento, Acho que aquilo que funciona nao determina absoluta- mente a. maneira como funciona, especialmente no campo do processo puramente funcional como é o pensamento, mas acho que as duas coisas esto estreitamente interligadas. : ‘Se o proprio significado de uma palavra, ou seja, a propria _generalizagao primordial que existe com tanta abundancia em todo 0 discurso da crianga pertence a um determinado tipo de estruturas, entio s6 certo circulo de operagdes se torna possivel nos limites de dada estrutura, enquanto outro circulo de operagi se torna possivel nos limites de outra estrutura. Se operamos com generalizagao 0 conceito sincrético, 0 circulo de opera- ges ird corresponder ao tipo ou ao cariter da estrutura dessas generalizagdes primordiais. Se a generalizagio foi construida de determinada maneira, umas operagdes Ihe serio impossiveis © outras possiveis. een ______ Pricologia pedagigica Como se sabe, varios pesquisadores, como os franceses Janet ¢ Claparede e o suico Piaget, levantaram a questio da es- trutura do pensamento infantil. Piaget chegou ao extremo em suas reflexdes. Afirmou que as fungdes ndo se modificam no desenvolvimento, a fungao (por exemplo, a assimilagao) conti- ‘nua a mesma. O contetido da mudanga é a estrutura do pensa~ mento, que adquire essa ou aquela forma em fungao da mudan- a da estrutura das fungdes. Varios trabalhos de Piaget so uma tentativa de retorno a anilise da propria estrutura do pensamento infantil, de sua es- ‘rutura interior. Naturalmente, esses trabalhos nao foram um passo atris na prépria acepcdo da palavra: eles conservaram também a andlise das fungdes do pensamento, Em todo caso, mais uma vez estamos diante de certa reviravolta nessa diregao. proprio contetido da reviravolta me parece correto. Hoje se- ria impossivel estudar o pensamento com base no estado atual da questiio, sem levar em conta que 0 desenvolviitiento do pen- samento tem um contetido diversificado, no se esgota no de- senvolvimento das fungdes, e no desenvolvimento do pensamen- to estamos diante de certos processos de cardter interno muito complexos, Esses processos modificam a estrutura interna do proprio tecido do pensamento, fato que no se manifesta na mu- danga maciga ¢ grosseira das fungdes mas na modificago da estrutura, da célula ¢ do pensamento, se me é permitido dizer assim. Acho que existem dois aspectos com os quais deparamos no estudo concreto do pensamento, ¢ estes tém importdncia primor- dial no estudo do processo de aprendizagem na aspecto, o crescimento e o desenvolvimento do préprio conceit. Ja que esta palavra suscita freqiientemente certa perplexidade, ‘vamos falar de modo absolutamente empirico e conereto; em vez de conceito falaremos de signifi ‘ma divida de que a palavra tem uma realidade psicol6gi significado variado. scola. Primeir ‘Desenvolvimento dos concetos coniana ecenifices na idade escolar __ S24. Esse aspecto do desenvolvimento do pensamento é um pro- ccesso interno profundo de mudanga da estrutura do proprio sig~ nificado da palavra. Segundo aspecto: eu me permito afirmar que o significado a palavra se me afigura uma unidade sumamente importante de estudo do pensamento, porque ela assegura uma investigagio do pensamento discursivo em que o discurso e © pensamento estio representados em sia unidade. Acho que todo significa- do da palavra é, por um lado, wit iscurso, porque esta na natu- reza da palavra o fato de ela ter certo significado (as palavras desprovidas de significados sio simplesmente um som vazio) ¢, por outro, todo significado representa uma generalizagio, Nao existe um significado por trés do qual no haja um processo de generalizagdo. Logo, qualquer significado da palavra surge ‘como produto e processo de pensamento, logo, ja nao se pode dizer do significado da palavra que ele € um discurso ou pen- samento. E um peiisamento discursivo ou a unidade de discur- so ¢ pensamento, ou seja, aquela unidade real viva que conser- va em si todas as propriedades pertencentes ao discurso ¢ a0 pensamento enquanto processo indiviso. A mim se afigura que © desenvolvimento dos significados das palavras é um proces- so celular interno de desenvolvimento ou thudangas. Um pro- ‘cesso microscépico, que nao se manifesta direta e imediatamen- tena mudanga da atividade do pensamento, Em si mesmas, essas mudangas nao se realizam de forma a que a cada modificagao niio corresponda imediatamente o surgimento de um novo fato. 0 processo de mudanga interna do proprio pensamento acarreta inevitavelmente mudanga e operagdes de pensamento, ou seja, também esto na dependéncia do tipo de estrutura do pensa~ mento aquelas operagdes que sio possiveis no campo desse pensamento. Para ser ainda mais simples, em fungio do que funciona ou do que foi construido 0 que funciona foram estruturados 0 ‘modo e 0 cariter desse funcionamento, Quando falo de estru- tura do pensamento, tenho em vista certo aspecto que, no estudo 522 cee Poieolgia pedagdgica do pensamento, abrange momentos mais ou menos estiveis ¢ persistentes de organizagao do pensamento e determina certa uniformidade de uma série de atos que vio surgindo. Por exem- plo, Piaget di ao estudo do egocentrismo do pensamento fantiLo nome de estudo da estrutura, diferentemente de estudo de determinados fatos em sua sucesso. Eu pessoalmente con- sidero que se trata de uma estrutura macroscépica. E concebo por estrutura macroscépica o desenvolvimento do significado d conceito, " Assim, 0 estudo do pensamento no desenvolvimento quase sempre esbarra na necessidade de introduzir na pesquisa dois aspectos da,andlise: um microseépico e outro macroscépico, ou soja, dé€studar as mudangas Celulares intermas, as mudan- sas da estrutura do préprio significado da palavrale’estudar as fungdes, 0s modos de movimento das palavras que e podem reat- lizar-se no pensamento discursivo, Ambos os aspectos estéo in- ternamente interligados ¢ onde quer que um aspecto seja ex- cluido em proveito de outro isto se faz em detrimento da pleni- tude da investigagio. Para coneluir a introdugdo, eu gostaria apenas de mostrar com base em um exemplo a quie isso leva na pritica. Parece-me que a excluso de um aspecto em proveito de outro leva a que 8 problemas da aprendizagem escolar se tornem invidveis em termos de investigagio e estudo. As enormes dificuldades que experimentamos quando enfocamos essa questio sio suscita- das, em primeiro lugar, pelo fato de que as nossas habilidades investigatorias e os nossos enfoques esto presos a uma tradi- io segundo a qual esses aspectos sempre foram estudados um ° fora do outro, Recorramos a Piaget, autor que se ocupa predo- minantemente da andlise funcional macrosc6pica do pensamen- to infantile examinemos como esses dados se refletem em seus estudos das operagdes através das quais a crianga estabelece a causa, a relagdo e a dependéncia entre as representagdes, ct Piaget informa no prefécio que o material do pensamento in- fantil e os proprios conceitos que a crianga assimila nio repre- _ 23 esenvolsinento dos conceit coridianas ¢cenficas na idade escolar sentam nenhum interesse para a pesquisa. Para ele s6 apresen- tam interesse, aqueles conceitos que de certa forma jé foram deformados, ou seja, elaborados pela erianga. Os conceitos que a crianga recebeu dos que a cercam e adquiriu na escola no constitliem nenhum interesse, porque a crianca tomou de em- préstimo 0 conceito e nele as peculiaridades do pensamento in- fantil sé diluiram nas peculiaridades do pensamento adulto. Segundo Piaget, 0 processo de pensamento no pode ser objeto de pesquisa quando se trata de aprendizagem. Todos os conceitos que a crianca adquire durante a aprendizagem ela os tomou de empréstimo aos adultos; evidentemente esses con- ceitos também so infantis, uma vez que a crianga os deforma, Piaget constrdi o pensamento fora dos processos de apren- dizagem, partindo basicamente de que tudo o que surge na crian- ‘sa no processo de aprendizagem nao pode ser objeto de estudo no processo de pensamento. Baseando-se nisso, ele estuda a estrutura do pensamento e nao se intetessa pela originalidade das suas operagdes funcionais. Piaget separa 0 processo de aprendizagem do processo de desenvolvimento, estes se reve- lam desproporeionais, ¢ isto significa que na escola ocorrem na crianga dois processos independentes entre si: 0 processo de desenvolvimento eo de aprendizagem. O fato de a crianga es- tudar e 0 fato de a crianga desenvolver-se nao tém nenhuma relacdo entre si, Mas se tomarmos o desenvolvimento mental da crianga do ponto de vista do contetido e do material do pen- samento, mantendo a posigio de Piaget teremos de parar de investigar a relagdo entre os processos de desenvolvimento ¢ aprendizagem, Examinemos algumas variantes da pritica investigatéria, «que surge hipoteticamente da premissa de que a aprendizagem da crianga é 0 aspecto em que devem desenvolver-se os estu- dos da estrutura do proprio pensamento infantil Comecemos por um problema que desempenha um papel muito importante: o desenvolvimento dos conceitos esponta- neo ¢ cientifico no pensamento da crianga. O conceito tem uma ones Poicologia pedagéia histéria de desenvolvimento muito longa, Na crianga, ele se de. senvolve muito antes de que a crianga ingresse na escola. Foi estudado por diferentes cientistas, e podemos dizer que temos alguma nogao aproximada desse proceso. Mas 0 outro aspecto do problema foi muito mal elucidado. Acontece que o proprio ingresso na escola significa, para a crianga, um caminho inte- ressantissimo e novo no desenvolvimento de seus conceitos. A crianga assimila na escola, no processo de aprendizagem, uma série de conceitos de objetos como ciéneias naturais, aritmética, ccigncias sociais. Entretanto, 0 desenvolvimento do conceito cien- tifico quase nao tem sido estudado; enquanto isso, o estudo do destino desses conceitos é importante tarefa do pedologo. Alguns achavam (durante muito tempo, eu mesmo estive propenso a conceber a questo. mais ou menos dessa fornia) que 0 caminho do desenvolvimento do conceito cientifico re- pete basicamente o caminho do desenvolvimento do conceito es- ontaneo da crianga, ou seja, do conceito que surge com algu- ‘mas variagdes na experiéncia cotidiana dela. Logo, supunha-se ‘que a aprendizagem escolar nao propiciava o essencialmente novo. O fato de que a crianga adquiria esse conceito no sistema de conhecimentos cientificos na escola nada introduzia de novo no destino do desenvolvimento da erianga. Outros tentavam afirmar que 0 conceito corriqueiro efeti- vamente se transforma no conceito cientifico, é assimilado ou sugerido, ou seja, chega & cabeca da crianga a despeito do de- senvolvimento, Nao vou deter-me na critica a esses pontos de vista mas ‘me permito expor apenas uma concepgao geral do real estado de coisas, Dizemos que 0s conceitos cientificos se desenvolvem na crianga de modo diferente do que se desenvolvem os esponti~ ‘eos e por outras vias. Parece-me que o proprio fato de a apren- dizagem escolar ~a crianga estud pela priuncita vez um siste~ ma de alguns conhecimentos cientificos ~ distinguir-se tao acen- tuadamente das condigdes em que surgem os seus primeitos Desensohiment dos conetscotdansecietjico aide exolar___ 525. conceitos, permite supor que 0 caminho do desenvolvimento dos conceitos cientificos & outro. Mas € claro que a0 se deve superestimar as diferengas entre os caminhos do surgimento dos conceitos espontineos e dos conceitos cientificos. E ndo se pode fazé-lo de dois pontos de vista. Os coneeitos espontineos se desenvolvem nao sem a ajuda dos adultos, ou seja, desen- volvern-se de cima para baixo e de baixo para cima. Porque a aprendizagem no comeca apenas na idade escolar. Quando a crianga pergunta “Por qué?” e 0 adulto Ihe responde, quando cla escuta hist6rias contadas por um adulto ou outras criangas, ela esti de fato aprendendo. Entretanto, o conceito cientifico no co- mega e no surge de algum campo desconhecido. Por exemplo, se na aula a crianga ouve falar de égua ou gelo, antes ela ja sa- bia alguma coisa a respeito. Como afirma Piaget, 0 conceito cien- tifico distribui o seu peso sobre uma série de conceitos que jé surgiram na crianga em seu desenvolvimento espontineo. N5o se pode absolutizar as diferencas entre as vias de desenvolvi- mento dos conceitos espontineos e dos cientificos, pois existe aqui muita coisa em comum e isto, a meu ver, sera itil para a anilise subseqiiente da questao. Mas por enquanto permitam-me concentrar a sua atengo no que hi de diferente entre eles. A diferenca consiste em que (abstraindo, em certo sentido, todos os momentos de qué Faléi até aqui) o desenvolvimento dos conceitos cientificos segue 0 caminho oposto ao que segue o desenvolvimento dos conceitos espontineos da ctianga. Até certo ponto esses caminhos so inversos entre si ‘Tomemos um simples conceito espontineo, no qual, como se sabe, a crianga chega relativamente tarde A conscientizagao verbal do conceito, a definigao verbal do conceito, & possibili- dade de fazer em outras palavras uma formulagdo verbal, uma descoberta verbal de dado conceito. A crianga jé conhece uma determinada coisa, j4 tem um conceito, mas ainda tem dificul- dade de dizer 0 que representa esse conceito na sua totalidade, ‘no Ambito geral. O momento de surgimento do conceito ci a — Psicologia pedagdica tifico comega exatamente a partir da definigdo verbal, de ope- rages Vinculadas a essa definigao, Este, evidentemente, é um sintoma, mas um sintoma que indica que (como mostra a moder- na teoria Jo Conceito) 0 nivel que surge no processo de desen- volvimento do conceito espontineo da erianga est apenas sa- Zonando para 0 final da idade escolar. A partir desse nivel co- mega a ter vida 0 conceito cientifico da erianga. ‘Tomemos, como exemplo, qualquer conceito cientifico ou alguns conceitos cientificos que a crianga aprende na escola. Para efeito de clareza do experimento, tomemos um conceito ‘que ainda no tem urna longa pré-histéria na aprendizagem da crianga fora da escola, Por exemplo, ao chegar a escola a crian- sa fiea sabendo pela primeira vez que 1905 foi um momento hist6rico. Suponhamos que antes ela niio soubesse disto e pela primeira vez tenha ouvido falar na escola. E claro que a novi- dade aqui ¢ relativa, pois ela tomou conhecimento de um novo conceito com base nos que ja existiam, Mas uma vez que o conceito é novo, o desenvolvimento comeca no momento em que se elabora com a crianga um determinado circulo de co- nhecimentos, que so comparados a outro circulo jé conheci- do, ¢ se fazem diferentes formulagdes desse conhecimento. Em suma, realiza-se uma série de operagdes nas quais a mais in- consistente € 0 conceito espontineo da crianga. As operages que Piaget mostrou no conceito espontineo so muito fracas, Por exemplo, fica-se sabendo que antes dos doze anos a crian- a conhece mal o conceito (inclusive um tao simples como “ir- mao”), Entre os onze e os doze anos ela domina inteiramente © conceito pleno de “irmao”, Em polémica com Piaget, o psicdlogo inglés Barens cha- mou atengiio para o fato de que as criangas assimilam melhor lum conceito cientifico que o conceito de “irmo”. Precisamos ‘nos apegar a isto. Por que uma crianga, que assimilou 0 conceito espontneo de “irmio” muito eedo, antes dos onze anos nem sempre é capaz de entender a sua relatividade, ou seja, que ela € irma do seu irmao? Jé o conceito cientifico que ela assimilou 527 Desenvolvimento dos concetos covidianasecentificos ma dade escolar na idade escolar, comparado ao outro conceito, sai bastante cil para ela. Parece-me que isso poderia ser denominado sintoma do desenvolvimento dos conceitos espontneos e ciemtificos. E cabe observar ainda que a fraqueza dos conceitos espontineos ¢ dos conceitos cientificos da crianga se manifesta de diferentes mo- dos. A érianga sabe muito bem o que significa “irmao”, seus conhecimentos estio saturados de uma grande experiéncia, mas quando precisa resolver uma tarefa abstrata como “o irmao do irmio, 0 irmao da irma” e conté-los, a erianga fica confusa. Ela sente dificuldade quando tem de tomar 0 conceito de “irmao” ‘no seu significado puro. Quando a crianga assimila um conceito cientifico, por exemplo, “revolugao”, a complexidade consiste em que ela & muito fraca no campo de semelhantes conceitos (freqiientemente, quando necessita falar das causas da revolu- <¢io, a ctianga responde bastante bem) mas é muito forte no cam- ‘po em que esti o conceito de “irmao”. Noutros termos, o con- ceito cientifico da crianca vem a ser mais fraco onde por tras do conceito est a experiéncia da crianga, que Ihe garante que palavra “irmdo” ndo éa designagdo verbal de algum fenémeno. Para efeito de clareza, permito-me apresentar esquemati- camente 0 caminho de desenvolvimento dos conceitos espon- tneos e cientificos sob a forma de duas linhas de sentido opos- to, Neste caso, os conceitos espontineos se desenvolvem de cima para baixo em certo sentido. Logo, os conceitos cientificos @ as suas primeiras germinagGes estio, apesar de tudo, relacio- nados ao contato imediato da crianga com esses ou aqueles * objetos. E verdade que se trata de objetos que ao mesmo tempo encontram explicagao por parte dos adultos, mas ainda assim so objetos reais. Através de um longo desenvolvimento, a crianga se torna capaz de dar algum definigio a esses conceitos, de discriminar de certo modo as relagdes logicas que se estabele- cem entre eles. Jia explicagdo cientifica comega pela definigao geral do conceito, Nas aulas a crianga aprende a estabelecer relagdes logi- Psicologia pedagégica cas entre os conceitos, mas é como se o movimento germinasse para dentro, ou seja, vincula-se a experiéncia que, neste sentido, existe na erianga. Os ec “cientifico” e “espontdneo” pa- recem encontrar-se em um nivel no sentido de que nao se pode separar nos pensamentos da erianca 0s conceitos adquiridos ria escola dos conceitos adquiridos em casa. Do ponto de vista da indmica, esses conceitos tém uma histéria inteiramente diversa: a fraqueza de um coneeito se descobre justamente onde 0 outro {jf esté relativamente maduro, Logo, parece-me que, até certo ponto, no caminho do seu desenvolvimento, o conceito cientifico se revela oposto a0 con- ceito espontneo ou conceito do dia-a-dia da crianga. E verda- de que isto é muito relativo mas, em certo sentido, acaba sendo justo, Entretanto, apesar dessa contraposigdo, parece-me que ambos os processos de desenvolvimento ~ dos conceitos es- ponténeos e dos cientificos — estdo internamente interligados a maneira mais profunda. Estao interligados porque o desen- volvimento dos conceitos espontineos na erianga deve atingir certo nivel para que ela possa assimilar em linhas gerais os conceitos cientificos. Sabe-se que estes nao se tornam imedia- tamente acessiveis & crianga. Entre outras coisas, durante muito tempo podem ser inapreensiveis no sistema, embora cada um possa ser, separadamente, inteligivel para a crianga. Assim, 0 proprio desenvolvimento dos conceitos espontineos deve atin- gir certo nivel, criar premissas no desenvolvimento mental para que a assimilacdo dos coneeitos cientificos se tome inteiramen- te possivel para a crianga. Mas o desenvolvimento dos concei- tos cientificos também esta vinculado da forma mais estreita aos conceitos espontineos da erianga, Se é verdade que o conceito cientifico da crianga desen- volveu-se até um ponto ainda nao atingido pelos conceitos es- pontineos em seu desenvolvimento, ou seja, se pela primeira vez tornou acessivel & crianga uma série de operaydes ainda impossiveis em relagio a um coneeito como “irmiio”, isso ressal- ta fato de que o conceito cientifico da crianga, depois de per 529 Desenvolvimento das concetoscotdianos e ciemificosnaidade escolar correr o seu caminho, nao pode ser desinteressante para 0 res- tante do caminho a ser percorrido pelo conceito espontaneo. Para evitar acusago de esquematismo, gostaria de apontar 0 que aqui existe de esquema e 0 que existe de fato. Parece-me que, aqui, ttansmitiu-se o efetivo estado de coisas, no qual o desen- volvimento do conceito “irmao” na erianga de onze anos ¢ © desenvolvimento do conceito “pressdo do liquido” esto no mes- ‘mo nivel. Mas onde o conceito de “press do liquido” é mais fraco 0 conceito de “irmao” € mais forte, e vice-versa. O esque mitico, o hipotético ¢ o fato de que trabalhamos com vias de desenvolvimento. Barens foi o primeiro a aponti-lo, Os resul- tados dos testes mostraram que na crianca do mesmo nivel, ou seja, situada no padrao dos onze anos, observa-se uma solugao diferente de conceitos diversos. Minha tese consiste em que aqui deparamos com um processo original de desenvolvimento. Gostaria de esclarecer a minha tese com 0 auxilio da andlise de pesquisas concretas do desenvolvimento dos conceitos cientificos da crianga em face do desenvolvimento dos seus conceitos espontineos. Vejamos co trabalho de J. 1. Chif Estudo das conceitos cientificos da crian- a em face da investigagdo dos conceitos espontaneos. Pelo coneeito basico aplicado por Chif, pediu-se que as criangas es- tabelecessem, digamos, relagdes causais. Pediram que clas coneluissem frases interrompidas na palavra “porque”. Piaget cita 0s seguintes exemplos: “O navio foi carregado no mar € afundou porgue...” “Um ciclista caiu da bicicleta porque..."“A menina ainda [é mal porque.” A crianga deve concluir essas frases e responder ao porqué Com base no material de alcance humano geral trabalhado na escola as criangas tiveram bem mais facilidade de achar a solugdio do que com o material do seu dia-a-dia, Nesse sentido, nna turma II a divergéncia entre as conclusdes das frases com base no material de aleance humano geral e no material do dia-a- dia foi bem maior. Oestudo do material dos conceitos espontineos e cientifi- cos revela o seguinte. Se para as turmas Il e IV representamos a 530 Eo —_ Psicologia pedagégica © processo na forma de curvas, percebemos que na turma IIa curva do desenvolvimento do conceito cientifico esta bem acima da curva do desenvolvimento do conceito espontineo no caso de conclusto das frases com “porque”. Na turma IV, as duas linhas mais ou menos confluem. Se examinamos o teste da con- clusio das frases que terminam na palavra “embora”, a repre- sentagao grifica dos resultados dos alunos da turma II aparece da seguinte maneira: inicialmente as linhas seguem mais ou me- nos juntas, depois se separam. A divergéncia de vias de desen- volvimento dos conceitos cientificos e espontineos é um mo- mento muito sério que depende diretamente da idade, Isto me pa- rece um fato bastante consideravel. Para analisar esse fato, cabe examinar mais uma questo importante, Nunca podemos definir 0 que significa essa diver- géncia entre os testes com conceitos cientificos € os testes com conceitos espontineos se nao definimos psicologicamente que tipo de processo & desencadeado para a vida no primeiro e no segundo casos, ou seja, 0 que faz a crianga quando se exige que ela conclia a oracao “o navio afundou no mar porque...” € que tipo de operagao mental deve realizar quando termina a frase construida com base em material de amplo sentido humano, Pode acontecer que as operagdes mentais sejam idénticas em ambos 105 casos € a diferenca esteja apenas no material, como pode acon- tecer que a diferenca esteja nas préprias operacdes. ~Existe uma questio fundamental & qual todo pesquisador deve responder: o que determinado teste desencadeou para vida, ou seja, que proceso psicolégico foi estudado com o au- lio de determinado experimento, A resposta nao parece facil ‘nem mesmo depois de uma pesquisa tio boa quanto a realiza- da por Piaget, mas ainda assim, como resultado de uma longa polémica e de uma série de trabalhos, pode-se considerar que estdo elucidados alguns momentos que agora tentarei expor, ( que distingue uma tarefa quando uma crianga deve dizer “o navio afundou porque...” de outra em que ele deve informar sobre algum fendmeno da vida social, como “a revolugdo de Desenvolvimento dos conceit cotdanasecenifco na idadeescolar__ 531 1905 foi esmagada porque... Pode-se dizer que o problema estd nos conherimentos: a crianga estudou 0 porqué de a revo- lugdo ter sido esmagada mas nao estudou o motivo que fez 0 navio aflindar. Apesar de se ter estudado a revolugdo de 1905 na escola e mais provavelmente nfo se ter estudado nada sobre navios naufragados, ainda assim nao existe aluno de segunda série que'ndo saiba ou nunca tenha ouvido falar dos motivos que levam 0 navio ou 0 barco a afundar. De sorte que a questo & de conhecimentos. Por que a crianga tem dificuldade de concluir uma frase do tipo “o ciclista caiu da bicicleta e quebrou a perna porque...”? Acho que para essa pergunta pode-se dar uma resposta: a crian- a tem dificuldade porque se exige que ela faga 0 que involun- tariamente talvez faca todos os dias. Quem ja observou criangas de dez anos sabe que nessa idade ela emprega de forma corre- tamente contextualizada a palavra “porque”. Se ela viu o ciclis- ta cair na rua, nunca diré que o ciclista caiu e quebrou a perna porque “ele foi levado para o hospital”; entretanto, é assim que as criangas respondem nos testes. Pelo visto a propria dificul- dade nao consiste em ter de estabelecer uma relagio causal en- tre 0s fenémenos (em Piaget as criangas empregavam as pala- ‘ras com absoluta correo) mas em que a crianga no sabe fazer voluntariamente 0 que em situago andloga faz uma infi- niidade de vezes. Uma vez que o que acabamos de dizer pare- ce-me um fato importante do pensamento infantil, queto abor- dar uma situagdo em que a crianga ndo sabe fazer voluntaria- mente o que involuntariamente faz muitas vezes. Dispomos de dados de um nimero imenso de experimentos que foram orien- tados no sentido de mostrar como inicialmente a crianga domina ‘© que posteriormente vai usar de forma involuntéria, Por exem- plo, se forcarmos uma crianga pequena a fazer alguma combina- do de sons isto serd impossivel para ela, mas se nomearmos uma palavra em que exista essa combinago de sons ela resol- verd a tarefa de modo irrepreensivel. Se pedirmos para ela fa- zex uma combinagao de sons com as consoantes “sc” isto tam- a Priclogia pedagigica bém sera impossivel para ela, mas se the propusermos dizer “Moscou” ela pronunciaré esta palavra, apesar de haver nela a combinacdo de sons com “sc. Na estrutura essa reproducdo seri bem sucedida, Mas quando se pede para ela fazé-lo inten- mnalmente isto se torna inexeqiiivel para ela, Se dermos aten- a0 nao ao aspecto fonético mas gramatical da fala, veremos que acrianga pequena domina involuntariamente a gramética antes de estudar aescrita, declina, combina palavras, mas voluntaria- mente ela néo consegue nem declinar, nem construir palavras porque nao sabe 0 que faz, ao paso que quando estuda a lin ‘guagem falada e a gramitica ela sabe 0 que esta fazendo. Ja tive oportunidade de mostrar que todos os estudos da linguagem escrita das criangas confirmam que ela é dificil para a crianga de tenra idade, pois exige o emprego voluntério das mesmas fungdes discursivas que antes ela jd empregava invo- luntariamente, Se uma crianga conta com muita vivacidade al- ‘gum acontecimento e depois o transmite em forma escrita com a maior dificuldade e em frases simplificadas, isto acontece principalmente porque na forma escrita ela deve fazer volunta- tiamente o que antes fizera involuntariamente em forma oral. Noutros termos, o estado de coisas em que as fungdes amadu- recem antes na crianga como fungdes que se realizam involun- tariamente € s6 depois se tornam como que voluntirias é a situagdo geral que, como mostrou Claparede em seu trabalho, est vinculada a fungao de conscientizacao, Na medida em que acrianga toma consciéncia do que faz e de como o faz, as suas fungdes se tcrmam voluntérias. A crianga que pronuncia a pala- vyra “Moscow” mas antes de aprender a forma escrita ndo sus- peitava de que nessa palavra estivesse a combinagdo de sons 'sc” e que ela a pronunciava, ndo sabe como cumprir determi- nada tarefa voluntariamente. O problema da atividade volunt ria esté na dependéncia direta do problema da conscientizacio dessa atividede. Se levarmos isso em conta e voltarmos aos testes a que me referi, parece-me que 0 primeiro aspecto da questo ficaré claro. Desenvolvimento ds conceitoscotdianos e cienfcosnaidadeescolar__ $33. A crianga emprega a palavra “porque” em sua fala de forma irrepreensivel, mas ainda ndo tomou consciéncia da propria relagdo que ha em “porque”. Usa essa relagdo antes de tomar consciéncia dela. Como mostrou Piaget, a crianca diz freqiien- teménte “Eu nao vou & escola porque estou doente”, Mas quando no experimento psicolégico pergunto a essa mesma crianga “Uma crianga disse que nao ira a escola porque esté doente, o que isto significa?”, ela responde mais provavelmen- te que isto significa ou que a crianga esti doente ou que nio ira escola, mas nunca respondera que a crianga no ir escola porque esti doente. A crianga desconhece as relagées causais entre um e outro conceitos. Como se pode entender que as ceriangas dos onze aos doze anos s6 resolvam 75% (segundo dados de Piaget) desses testes? Acho que isso deve ser enten- dido apenas no sentido de que essas criangas que jé dominaram de forma inconsciente esses conceitos e as relagdes causais, ainda nao os domina de modo consciente, ou seja, voluntaria- mente. Quanto ao problema da conscientizagio, contornei um pouco as questdes de outros pesquisadores, ¢ com elas era pos- sivel explicar em que consiste o problema. Para 0 conceito es- pontineo a conscientizacao é dificil, apesar de a crianga ja usar bem esse conceito, enquanto que o conceito cientifico é, neste sentido, conscientizado bem antes. Parece-me que essa ¢ a lei geral da conscientizacio. As pesquisas de Claparede mostraram que antes a crianga alua em relagio a semelhanga e mais tarde toma consciéncia dela. Um estudo comparado revelou que @ cerianga reage a semelhanga antes de reagir 4 diferenga, mas cons- cientiza e formula a diferenca antes de fazé-lo com a semelhian- ga. Parece-me compreensivel que isso deva manifestar-se lie c& em diferentes medidas. Entretanto seria errOneo pensar que isso se manifesta antes do tempo em que a crianga comeca a cons- cientizar 0 conceito em linhas gerais. Os conceitos cientificos tém muito em comum com os ¢s- ponténeos (até certo ponto constrangimento circunstancial & i aeeeeeneenes _________ Pricoogia pedaesgica inerente a ambos), mas uma vez que surgem em diferentes si- tuagdes e essas mesmas situagdes estdo na primeira tese que eu gostaria de defender consiste em que os testes nao foram con- cluidos, porque tanto em relagao ao aluno quanto ao material tomado do campo dos conceitos espontaneos exigem da crian- ‘ca um uso voluntério das estruturas que ela domina involunta- riamente, automaticamente. A crianga acaba sendo inconsis- tente diante desses testes. ‘Xaminemos os testes tomados de material sociolégico do qual cabe desenvolver o conceito cientifico da crianga. Que sé~ rie de operagdes a crianga realiza ali? Pergunta-se a crianca: “A revoludo de 1905 foi esmagada porque...”. Se a crianga estuda bem na escola, se esta questao foi trabalhada segundo o pro- sgrama, ela conhece as causas. O que ela faz quando responde a essa pergunta? Usa os conhecimentos que foram estabelei dos na escola, se nio excluimos que a questio haja sido tirada de um manual e a crianga a tenha decorado ¢ reproduzido 0 que leu com uma preciso de fotografia. Quando a crianga re~ produz uma estrutura proxima e singular de relagdes estabele- cidas, parece-me que a operacdo que confiamos ao aluno pode ser explicada assim: ela tem a sua histéria, a sua complexidade no no momento em que o experimentador realizou o experi- ‘mento. Porque o professor trabalhou o tema com o aluno, pas- sou os conhecimentos, verificou, perguntou, corrigiu. Todo 0 trabalho foi completado pela crianca sob orientago do profes- sor. E quando a crianga faz isto agora, o teste exige dela habi- lidade (se & que se pode dizer assim) de resolver a questio por imitagdo com auxilio do professor, Parece-me que a diferenga essencial entre os testes com conceitos espontineos ¢ com conceitos sociolégicos € o fato de que a crianga deve resolver a tarefa com ajuda do professor. Porque quando dizemos que a | erianga atua por imitacdo, isto nao significa que ela olhe nos \olhos de outra pessoa e imite. Se hoje eu ouvi alguma coisa e |amanhi fago a mesma coisa eu 0 fago repetindo. Logo, psico- logicamente eu vejo esse teste como teste que exige do aluno a [reprodugao de uma resposta com auxilio do professor. Desenvolvimento dos conceitoeotidansecientficos naiddeesclar__ $35 Se levarmos em conta que nos referidos testes exigem-se da crianga diferentes operagdes, ou seja, que aqui ela deva fa- et voluntatiamente alguma coisa que faz automaticamente € ali, spb orientacao do professor, deva saber fazer algo que niio fizera nem espontaneamente, para nds ficara clara uma coisa a divergéncia entre os testes ¢ outros tem importancia essen- cial, Resume-se no s6 nos conhecimentos, ou seja, no fato de que em relagdo aos conceitos cientificos a crianga domina tais conhecimentos e em relagdo aos conceitos espontaneos no os domina. ‘Agora retomemos o esquema. Minha idéia consiste em que 08 conceitos cientificos comegam a surgit por outras vias, em ‘certo sentido inversas se comparadas as vias de surgimento dos conceitos espontineos e, conseqiientemente, a forga za dos primeiros seri essencialmente diversa da forga e da fra- ‘queza dos segundos. Mais uma vez tomo como exemplo uma pesquisa em que foi estabelecido que em relagao aos conceitos cientificos descobre-se verbalismo na erianga. Mas serd que «em relagdo aos conceitos espontaneos o verbalismo é um perigo real? Nao. A pesquisa mostrou que a crianga elabora o esque- mae o aplica sem procurar entendé-Io, e esse perigo esquemé- tico nfo existe para o conceito “irmio”, Estamos diante preci- samente dos perigos e fraquezas que Chif descobrira antes no campo dos conceitos cientificos. Por outras palavras, os peri- £05 fraquezas que se observam no desenvolvimento da erianga «em relagdo aos conceitos espontineos, estabelecidos por Piaget (a impossibilidade de fazer a definigdo do conceito, de revelar a sua relago com outros conceitos), em suma, esses aspectos do desenvolvimento so exatamente fortes na sociologia, como mostra o trabalho de Chif. Em que medida tém papel aqui as deficiéneias da escola De fato, essa idéia pode surgir facilmente porque a fraqueza dos conceitos cientificos e espontaneos é varia, O fato de que © desenvolvimento dos conceitos ciemtificos esta ameagado de tomi-los verbais mas ndo ameaga os conceitos espontineos mos- 536 ____Pricologa pedagigica traa diferenga entre eles. Mas me parece que as deficiéncias da escola podem manifestar-se no fato de que a crianga vai estudar improdutivamente, vai estudar conceitos cientificos, mas, per- manecendo no mesmo nivel nos conceitos espontineos, vai as- similar os conceitos cientificos de modo freqiientemente ver- bal, esquemitico, aumentando assim a divergéncia entre os pri- meiros € 0s segundos. Eu nio vejo a propria divergéncia como detfeito, pois em toda aprendizagem escolar a divergéncia co- mo tal aciona o desenvolvimento mental da crianca e introduz nele novas possibilidades. Em si mesma a divergéncia no se- ria um defeito se ndo significasse divergéncia no desenvolvi- ‘mento mental da crianga mas simplesmente 0 tornar-se mais rico. O conceito cientifico estard sempre acima do espontineo. Piaget estabeleceu que a crianga ndo esti em condigdes de resolver testes com “porque” ¢ “embora™, mas se verifica que cla os resolve em sociologia. Logo, a forga dos conceitos cien- tificos manifestou-se onde se revelou a fraqueza dos conceitos espontineos, e vice-versa, S6 um fenémeno em todo o traba- Iho de Chif vem a ser comum la e aqui: certa tentativa de expli- cago sinerética das causas e relagdes adversas. Mas a luz do ue foi dito sou propenso a achar que o sincretismo aqui é outro, O sincretismo que a crianga descobre em relagao aos conceitos cientificos e esponténeos so diferentes modalidades e formas de sincretismo. Mas como essa questiio é complexa e particular, eu me permito nao analisé-la. A luz do que foi dito antes, voltemos ao esquema ¢ tente- mos observar as relagdes entre as linhas de desenvolvimento dos conceitos cientificos e espontineos. Procure’ mostrar'sob a forma de generalizagio que nos testes com conceitos espon ‘taneos exige-se fazer de forma intencional uma operagaio-vo- luntiria que a crianga executa involuntariamente. Outrora se considerava que o desenvolvimento mental da crianga se carac- terizava por aquilo que ela podia fazer espontaneamente, sendo secundario o que ela podia fazer com ajuda de outro. Nesta conferéncia eu falei de zona de desenvolvimento imediato. Queto lembrar de que se trata, Antes se imaginava que Desenvolvimento dos conceits cotidianose centfcos na idade escolar _ $37. 6 tinham importincia os testes que a crianga resolvesse sozi- nha; e se alguém a ajudasse isto era sintomético para 0 desen- volvimento mental. A imitacdo sé é possivel onde ela se situa ra zona das possibilidades aproximadas da crianga, e por isso ‘© que a crianga pode fazer com o auxilio de uma sugestiio ‘muito importante para o estado do seu desenvolvimento. Fa- Jando propriamente, isto exprime um pensamento ha muito co- thecido e empiricamente estabelecido pela pedagogia: o desen- volvimento mental da crianga nao se caracteriza s6 por aquilo que ela conhece mas também pelo que ela pode aprender. 0 simples fato de que a crianga pode facilmente aprender algebra ¢ importante para o desenvolvimento mental. O estudo pedol6- gico ndo s6 determina o nivel de desenvolvimento atual da crianga, ou seja, 0 nivel das fungdes amadurecidas, mas tam- bém sonda as funges que ainda nao concluiram o seu desen- volvimento e se encontra na zona do desenvolvimento imediato, ‘ou seja, em maturagao, ‘Quase nenhuma das fuungdes mentais complexas surge para parecer imediatamente como atividade autOnoma da crianga, E curioso um fato: a crianga faz com ajuda em uma idade aqui lo que pode fazer com autonomia em idade mais tardia. Como ‘mostraram os trabalhos de MacCarthy, as criangas que dos trés 420s cinco anos fizeram alguma coisa orientadas fizeram o mes- ‘mo de forma auténoma dos cinco aos sete anos, Isto pode ser visto em um exemplo. Quando duas eriangas ndo podem resol- ver alguma tarefa, uma delas, se thes soprarem como come¢ar, imediatamente continua e conclui essa tarefa, enquanto a outra nio di conta dela nem se Ihe soprarem. Pergunta-se: as duas criangas dominam com a mesma rapidez a solugdo auténoma da tarefa? Acho que a primeira, que depois que Ihe sopraram \resolveu logo a tarefa, comegara a resolver com autonomia antes da segunda. que prova o trabalho de Chit? Comecemos pela analise do fato principal, estabelecido no estudo comparado dos conceitos cientificos e espontineos

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