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conhecidas através da faculdade do conhecimen- to superior ¢ se constituern em objetos da logica; as coisas sensiveis sto objetos da ciéacia estética (cpistemé aisthetiké), ou, entio, da estética gu7 0 filésofo expe as coisas como as pensas ele, portanto, ndo tem nenhurna ou quase nenhuma regra particular que deve observar na exposigio de seus pensamentos, Ele nao se ocupa dos ter- mos como sons articulados: como tais, cles assi- nalam as coisas sensiveis, Mas aquele que expoe suas ideias de modo sensivel deve considera-los melhor. Dessa forma, a estética, no tocante ao modo de exposicao, ¢ mais prolixa que a légica Ora, a exposigao pode ser perfeita ou imperfeita. © modo imperfeito de expor seus pensamentos é ensinado pela retérica geral, que vem a ser a cién- cia do modo imperfeito de expor as representa- des sensfveis em geral; a perfeicdo da exposi¢ao €o objeto da postica geral, que é a ciéncia do mo- do perfeito de expor as representacdes sensiveis em geral. A primeira se subdivide em retérica sagrada ¢ em retérica profana, retérica judici ria, demonstrativa e deliberativa etc, A segunda subdivide-se em poética épica, dramética e lirica, bem como em diferentes espécies andlogas. Os fil6sofos, no entanto, devem deixar essas subdi- vis0es 0s retdricos, que tém por tarefa af incul- car 0 conhecimento histérico ¢ experimental. Os filésofos, eles proprios, devem se ocupar em ex- por generalidades e, sobretudo, em definir com cuidado as fronteiras da poesia e da eloguénci sua diferenga certamente é apenas de grav, mas, nao obstante, pensamos que a determinagio da extensio do tertitério que Ihes cabe nao requer uma geometria menor que aquela dos frigios e dos misios. 14 Frigios € misios: povor aatigos, ubtactes da Asia Menor Por sua ennuligio ce populagbes tnica e peografcamente to proximas a ponto de nao ser possvel estabelecer fronteiras © slistingbes precisas entre clas, o autor as toma como slibalo se campos de conhecimento assinalads por convergéncias © problematicas e compleras. clivergen Edmund BURKE (Dublin, 1729 - Beaconsfield, 1797) Fstudou no Trinity College de Dublin ¢ B depois, pretendendo ingressar na carreira jurfdi- a, matriculou-se na Middle Temple, em Londres. Cedo, porém, abandonou os estudos formais, a fim de viajar pela Furopa e iniciar-se nas letras. Dividiu-se entre as atividades politicas - assu- miu altos cargos burocraticos e foi eleito para a Camara dos Comuns - e a reflexio filoséfica, dedicando-se a questbes estéticas ¢ sobretudo a temas politicos, que desenvolveu de moda assis- tematico, em cartas, discursos, paniletos ¢ outros escritos circunstanciais. Alinhado com a tradigéo empirista oriunda de John Locke, contrapos-se a0 racionalismo abstratizante do iluminismo francés, tornando-se um critic da Revolugéo de 1789. No mundo angléfono, é considerado pai do ‘moderna pensamento conservador. Uma investigacio filoséfica acerca da origem de nossas ideias sobre © sublime e 0 belo” (1757) SEGAO VI A poesia nao estritamente como arte imitativa Portanto, podemos observar que a poesia, tomada em seu sentido mais geral, nao pode com propriedade ser denominada arte de imitagio.! E de fato uma imitacdo 4 medida que descteve os habitos e as paixdes dos homens que suas pala- * 4 Philosophical Enquiry into the Origin of cur Ideas ofthe Subic and the Beautiful. Fated with an introduction and uotes by JT Boulton, Loadon: Routledge and Kegan Paul, 1958, p. 17 ‘Texto integral das duas SecGes finais da Parte V (e ihima) da luatado, Tradusio de Vietoria Saramago. 1 Fis o trecho final da Segio V, causa cuja consequéncia cons- tirai o ponto de partida das consideracies finals da obras "Na verdade, a poesia ea retérica nfo alcangam za descricao exata ‘© mesmo éxito que a pintora; sta tarela consiste ex mover ‘mais pela empetia de que pela imitagio, em mantfestar mais 0 feito das coises no espiito do falante ou dos outros do que em apresentar uma idea clara das colsas em si mesmas.Fsia & sua ‘competéncia mais extensa, eaquela em que tém mais éxito” Avreflexio ontologica | Edmund BURKE vras podem expressary animi motus effért inter- rete lingua Nesse caso é estritamente imitacao; € toda a poesia meramente dramitica & dessa espécie, Mas a poesia descritiva opera principal- mente por substituigéo; por meio de sons, que tém por costume o efeito de realidades, Nada é mais imitacao do que quando se assemelha a ou- tra coisa; e as palavras sem duvida nao possuem qualquer semelhanga com as ideias que repre- sentam, SEQAO VIL Como as palavras influenciam as paixées Ora, uma vez que as palavras comovem, nao por algum poder origindrio, mas por repre- sentagao, poder-se-ia supor que sua influéncia sobre as paixdes iio deveria ser senio ligeira; entretanto, ocorre justamente © contrério; pois constatamos por experiéncia que a cloquéncia © a poesia sio tio capazes de causar impressdes profundas e vivas quanto qualquer outra arte, se nao até mais do que elas, inclusive mais capaz do que a prépria natureza, em muitos casos, E decorre principalmente de trés causas. Em pri meiro lugar, porque participamos intensamen- te das paixdes dos outros, porque facilmente nos comovemos, sendo levados a simpatia por qualquer sinal que eles ostentem; ¢ nao ha sinais que possam expressar todas as circunstancias da maioria das paixées tao plenamente quanto as palavras, de tal modo que, se alguém nos fala so- bre um assunto qualquer, pode nao apenas trans- miti-lo, mas também comunicar a maneira pela qual o proprio falante se deixa afetar pelo assun- to. E certo que a influéncia de muites coisas so- bre nossas paixdes provém nio tanto das coisas em si mesmas, quanto de nossas opinides a res- peito delas; ¢ estas por sua vez dependem muito das opinides de outros homens, transmissiveis na $0. 2 Hordcio, De Arte Poetiea, 1.111, [N.A.- [NO] pequena in- reco na citagio de Hordcio (65-8 a.C.).O verso completo e corretamente traascrito ¢ seguinte:“[post) effet anim motus interprete lingua” (*[s6 depois] exprime as comogies da cima pela lingua intéeprete”) {Uma ideia moderna de literatura maior parte exclusivamente por palavras, Em se- gundo lugar, porque existem diversas coisas de natureza muito comovente que raramente po- dem ocorrer na realidade, mas as palavras que as representam ocorrem com frequiéncia; e assim tém a oportunidade de causar profunda impres- sio ¢ enraizar-se no espirito,’ ao passo quea ideia da realidade era passageira e, para alguns, talvez jamais se tenha realmente concretizado'sob qual- quer configuracao, nao obstante lhes ser bastante comovente, como guerra, morte, fome etc. Além disso, muitas ideias jamais foram apresentadas 0s sentidos dos homens senao por palavras, co- mo Deus, anjos, deménios, céu ¢ inferno, todas as quais tém, no entanto, grande influéncia sobre as paixdes, Em terceiro lugar, porque, pelas pala- vras, temos o poder de fazer combinagaes tais que de outro modo ndo fariamos. Por esse poder de combinar, somos capazes, com a adigio de ciz- cunstincias bem escolhidas, de dar vida nova e forga aos simples objetos. Na pintura, podemos representar qualquer bela figura que desejarmos; mas nunca poderemos Ihe dar aqueles toques de vida que ela pode receber das palavras. Para fepresentar um anjo em um quadro, basta dese- nhar um belo jovem alado; mas que pintura pode fornecer algo tio grandioso quanto a adigao de ‘uma tinica palavra, em “o anjo do Senor”? E ver~ dade, nao tenho aqui qualquer ideia clara, mas essas palavras comovem o espirito mais do que © fez.a imagem ponderada, eis tudo 0 que sus tento, Um quadro de Priamo* arrastado até o pé do altar e li assassinado, se fosse bem executado, seria indubitavelmente muito comavente; mas +4 muitas circunstancias intensificadoras que ele nunca poderia representar: Sanguine foedantem quos ipse sacraverat ignes. 3 Osubstantivo mind em gral se traduz porent” ou eset cevlvora poss signifcar ainda “entendimente, “pensament “intelect’ “inteliginci “meméri’ “lembrangd “inenalida” et Neste texto, ‘oi sempre traduzido por “spi, consid rando que a pelavra “mente” encecrarefenciafsologica ou organisa inexstente na context do original 4 Rei de Thoia, 5 Virgilio, Fneida, 1,502. [X.A.] [N.O.: “Manchando de sangue «0 fogos que ele pepo consagrara”) ‘A titulo de mais um exemplo, considere- mos aqueles versos de Milton, onde ele descreve as viagens dos anjos decaidos por suas ligubres moradas: er many a dark and dreary vale ‘They passd, and many a region dolorons; Oer many a frozen, many a fiery Alp; Rock, caves, lakes, fens, bogs, dens and shades of death, A universe of death.’ Aqui se exibe a forca da unio em Rocks, caves, lakes, dens, bogs, fensand shades, ve, no entanto, perderia a maior parte de seu, feito, caso nao se tratasse de Rock, caves, lakes, fens, bogs, dens and shades of Death. Tal ideia ow afeto causado por uma palavra, que nada senio uma palavra poderia anexar as demais, cria umn altfssimo grau do sublime; e este sublime é aleado ainda mais alto pelo que se se- ‘gue, “a universe of Death”. Encontram-se aqui no vamente duas ideias nao apresentaveis senao pela linguagem; e uma unido delas grandiosa e admi- rével para além da concep¢io:’ se & que se pode chamar ‘ideias’ 0 que néo apresenta imagens dis- tintas para o espirito; mas ainda assim seré dificil 6 Milton, | O Paraito perdido, I, 618-22. [NA]. [N.O:“Por um vale escuroe triste / les pesaram, ¢ por um lugar chen de dor; ! Por montanhas congeladas,abrasadoras;/ Racha, caver- nas lagos, pantanos lodagais, antrose sombras da morte / Vim universe da ozte"] 7 Literary Magne 1,186: “Em seu timo capitulo, le [Burk fezalguimas just observagies a respeto do poder das palavras, mas volts novamente iu teoeia de que elas no estimlam ieias nade pode ser mais falso da que iss. Tale. neshom hhomem tenha estabelecide com preciso o sentido determina- do de toda pales que signiigae wma idetscomplesa; mas s¢ ele dspée de alguma das ideas principals que perfizem a idea coanposta . iso &sufciente para 0 propisto do escrtor eas palovras emapreestimalero ideias de seordo com as porcepeoes «concepgées da humanidade” (N-EE]. [NOs parece eta de trscho de uma reenks, da paca do autor on mio distant delss o exto-fnte nao esclarece} conceber como palavras podem mover as paixdes gue pertencem a objetos reais, sem representar esses objetos claramente. Isso & dificil para nés, porque no distinguimos suficientemente, em nossas observagées sobre a linguagem, entre uma expressao clara c uma expresséo forte, Confundi- mos frequentemente uma com a outra, embora sejam elas na realidade extremamente diferentes. A primeira é relativa ao entendimento; a segun- da pertence As paixées. Uma descreve uma coisa como ela 6; a outra a descreve como é sentida. Ora, assim como ha um tom de vor comovente, um semblante apaixonado, uma postura agita- da, que afetam independentemente das coisas a que se aplicam, existem palavras ~ ¢ certas dis posigdes de palavras ~ que, sendo peculiarmen- te consagradas a assuntos passionais, e sempre usadas por agueles que estio sob a influéncia de alguma paixio, nos tocam e comovem mais do que aquelas que muito mais clara e distintamente expressam 0 assunto. Concedemos a empatia que recusamos & descrigio. A verdade é que to- das as descrigdes verbais, como descrigdes puras e simples, embora nunca exatas, transmitem uma ideia tio pobre e insuficiente da coisa descrita que dificilmente poderiam ter algum efeito se 0 falante nao chamasse em seu auxilio aquelas mo- dalidades de discurso assinaladas em si mesmas por forte e vivo sentimento. Entao, pelo contigio de nossas paixées, ateamos um fogo j& aceso a ouiro, que provavelmente nunca teria sido pro- vocado pelo abjeto descrito. As palavras, forte- mente transmitindo as paixoes, pelos meios que j& mencionamos, compensam plenamente sua fraqueza em outros aspectos. Pode-se observar que linguas muito polidas, tal como so louvadas por sua superior clareza e perspicuidade, so ge- ralmente deficientes em forca. A lingua francesa possui essa perfei¢do e esse defeito. Jé as Iinguas orientais, ¢ em geral as linguas dos povos mais rudes, tém grande forca e energia de expressio, © que 6, no entanto, natural. Os povas incultos nao sio senao meros observadores das coisas, € no criticos para discerni-las; mas, por essa ra- 720, admiram mais, so mais afetados pelo que A reflexio ontolégica | Edmund BURKE veem e, portanto, se expressam de maneira mais ardente ¢ passional. Se 0 afeto for bem transmi- tido, seré eficaz sem nenhuma ideia clara; fre- quentemente, sem qualquer ideia da coisa que originariamente Ihe deu origem. Podia esperar-se da fertilidade do assunto que eu deveria considerar mais amplamente a poesia nas suas relagSes com o sublime e com 0 belo; mas deve se observar que ela tem sido bem € frequentemente trabalhada a luz dessas ques- t6es. Nao foi meu designio entrar na critica do sublime ¢ do belo em nenhuma arte, mas tentar estabelecer principios tais que pudessem con- tribuir para averiguar, distinguir e formar uma espécie de padrao para elas, propésitos que pen- sei poderiam ser mais bem alcangados por uma investigagio sobre as propriedades de coisas tais na natureza que nos despertassem amor e assom- bro, bem como pela demonstracio da maneira Por que operam pata produzir essas paixdes, As palayras permaneceram distantes de nossas pre- ocupagées, sendo consideradas apenas para de- monstrar o principio sob o qual eram capazes de ser as representantes dessas coisas naturais, bem como para revelar os poderes pelos quais se ha- bilitavam a comover-nos muitas vezes tio forte- mente como as priprias coisas que representam, e as vezes mais fortemente ainda. Johann Gottfried HERDER (Mohrungen, 1744 ~ Weimar, 1803) Seguidor do Kant do period pré-critico, foi opositor tenaz do criticismo formulado pelo filésofo de Kénigsberg, a que contrapde certo vitalismo que, nao raro, empresta a suas especu- lagoes notas misticas e sobrenaturais. Suas prin- cipais contribuigdes dizem respeito a filosofa da historia e a reflexdo sobre as origens ¢ o desen- volvimento da linguagem, vista na sua telagio profunda com as peculiaridades nacionais. Seu pensamento foi essencial para a formulagao de alguns aspectos bisicos do idedrio romantico no inicio do século XIX ¢ particularmente influente nas concepgdes de Hegel e de Nietzsche. Una ideia moderna de literatura Poesia, lingua e terra natal” (1767)' ‘Na arte poética o pensamento ¢ a expresso so, como corpo e alma, inseparaveis Se jd no caso de conccitos sensiveis, ideias empiricas, verdades simples e na linguagem clara da vida natural, 0 pensamento adere fortemen- te & expressio, muito mais para aquele que, na maioria das vezes, tem de haurir dessa fonte, para aguele que, por assim dizer, foi o senhor supremo desta esfera (pelo menos nas antigas épocas sen siveis do mundo), para ele o pensamento deverd comportar-se com relagao & expresso ndo como © corpo em relagao a pele que o envolve, mas sim como a alma em relagio ao corpo no qual habita; assim é para o poeta. Dever exprimir sensagées, 0 que, através de uma lingua simplesmente pintada nos livros, é dificil, e em si mesmo até impossivel. Airavés dos olhos ¢ dos tragos da face, pelo tom, pela linguagem simbdlica do corpo, assim ¢ que, na realidade, se exprime a sensacao, deixando ao pensamento morto o terreno da lingua morta. E entio, pobre pocta! Devers pintar tuas sensaces sobre papel, fazer flui-las através de um canal de liquido preto, deverds escrever para que sejam sentidas; deverés renunciar 4 verdadeira expres- sto da sensacio; néo deveris umedecer 0 papel com ligrimas, fazendo borrar-se a tinta; deverds pintar e dizer toda a tua alma viva em letras mor- tas, ao invés de a expressar. Aqui vemos ~ nesta linguagem das sensacées, na qual nao devo dizer, € sim exprimir para que me acreditem, na qual nao devo escrever, e sim penetrar através do verbo dentro da alma, para que 0 outro sinta - que a ex- pressaio mesma é insepardvel. Deves imaginar ar- tificialmente a expresso natural da sensacio, tal * In: Autores préromanticosalomaes. IntedgSo € aotas de Ano- tl Rosenfeld. Traduséo de Jodo Marschner, Flivio Meurer ¢ Lily Streble. So Paulo: Herder, 1965, p.29-33, Titulo atrbuiéo pelo organizador; fragmentos 6 7 da Tercera Coles de Frag. estos. Tredutor da seo selecionade: Joho Marychner, Tanto os direitos da introducio quanto os direitos das traducies sio da Feitora E.RU, sucessora da Riitora Herder, Data da primeira impressio andulma da obra; a printers edicso ‘vom autoria identifcada é de 1877.

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