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VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI Professor-associado da Faculdade de Direito da UFMT. Pés-Doutor ern Ciéncias Jutidico-Politicas pela Universidade de Lisboa. Doutor surnma curn laude em Oireito Internacional pela UFRGS. Mestre em Direito pela Unesp, campus de Franca Advogado e Consultor Juridico CURSO DE DIREITOS HUMANOS * ‘Drone Gn METODO Capitulo I Nogoes Gerais sobre Direitos Humanos 1. Conceito Assista a aula explicativa sobre este assunto. > https:/youtu.be/VUohSlemVac Direitos humanos é uma expresso intrinsecamente ligada ao direito inter- nacional publico. Assim, quando se fala em “direitos humanos’, 0 que tecnica mente se esta a dizer & que ha direitos que sao garantidos por normas de indole internacional, isto é, por declaracées ou tratados celebrados entre Estados com 0 propdsito especifico de proteger os direitos (civis e politicos; econdmicos, sociais e culturais etc.) das pessoas sujeitas 4 sua jurisdi¢ao.' Tais normas podem provir do sistema global (pertencente 4 Organizagao das Nacdes Unidas, por isso cha- mado “onusiano”) ou de sistemas regionais de prote¢ao (ug. os sistemas europeu, interamericano e africano). Atualmente, 0 tema “direitos humanos” compée um. dos capitulos mais significativos do direito internacional publico, sendo, por isso, objeto proprio de sua regulamentagio. Na linguagem comum, porém, emprega-sé frequentemente a expressio “di- teitos humanos” para referir-se também A protegdo que a ordem juridica interna (especialmente a Constituigdo) atribui Aqueles que se sujeitam Ajurisdigio de um determinado Estado. Em termos técnicos, contudo tal referéncia nado & corret devendo-se empregar a expressio “direitos humanos” apenas quando se esti dian- te da protegao de indole internacional a tais direitos, —— Nesse sentido, v. Wuts, Carlos, Direilos nmanos contempordneos, 2, ed, Sao Paulo: Ma- Iheiros, 2010, p. 23, que compreende os direitos humanos “como aqueles corresponden- tes ao contetido das declaragées € tratados internacionais sobre 0 tema’. 24 | curso DEDIREITOS HUMANOS * ‘acento oe Otiverra Mazzvolt ys direitos das pessoas pode provi a ordem internacional (sociedade cos dircitos de um cidadao, eas al da pe: quando éa segunda protegio de um direito humano De fato, sabe-se que a protegao juridica dc ou vir a provir da ordem interna (estatal) ou d internacional). Quando éa primeira que proteg -se diante da protegio de um direito fundament« que protege esse mesmo direito, esta-se perante a dela (como se verificard no tépico seguinte). fo terminoldgica adveio do momento em que os direitos hr a ser replicados a0 nivel do direito interna. ado das 1 -oes internacionais € da vontade lireitos das pessoas numa instincia por autoridades estatais, 0 que is) a deterem 0 novo status de humanos).? Para além disso, tais Essa diferenciag: fundamentais (internos) comes: cional piblico, a partir da intensifi da sociedade internacional em proteger 0s ¢ superior de defesa contra os abusos cometidos: Jevou os direitos de indole interna (fundamen direitos internacionalmente protegidos (direitos direitos conquistaram amplitude maior do que a originalmente consagrada aos infra). A partir desse momento, 0s direitos hu- direitos fundamentais (v. item 3, i manos (cuja autonomia ja havia sido conquistada) passaram a versar temas novos ea ampliar a protegio orig ambito interno. inariamente prevista no 4 Ordem interna eit ) (Estatal) Direitos Fundamentais. | S Direitos das | Pessoas Ordem internacional (Sociedade internacional) Direitos Humanos | Os direitos a 3 ah tonal ee eat direitos protegidos pela ordem interna- contra at ciolaghes e arbitra era le tratados multilaterais, globais ou regionais) jeitas 3 sua jurisdigS0, Sto eT ades fue um E st do possa cometer ds pessoas st- estabseleceni ium iiivel protetiv a indispensiveis a uma vida digna e que, por isso, respeitar, sob pina de res eu A aaa minimo que todos os Estados devert nos sao dizeilos que aranena pil id de interna ional, Assim, os direitos hum meios de vindicayio de nem do pessone sulin jursligho de wnt dado Estado sao Interameri : Direitos | entorno geogrifico, pe » a Comis- sto Intramerican de Ditto ummanos, que poderd raonieleees questa Coes umanos). a questiio A Corte Destaque-se, “ » por fim, que, nos, nao importa an » quando se trata da protega ‘rei an nacion e ad protegio S$ re’ 5 ade fos, nfo innporis & nacienalitade da vitin, bastonde ter si ae Alecia ‘ nal por ato de un Estaco sab eugja juris ae sob cuja jurisdigao se e”- V. Gouveta, Jor A OTgE Bacelar, Mc bra: Almedina, 2009, p. aan ree constitucional, 3, ed. rev. ¢ atual. Coit” Capt « ap. * NOGOES GERAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS | 25 contrava. No que tange A protega iste: cnn No ae og rtd tna ol nung) ok mere etencia do sistema regional (e do tribunal tespectiva} pars ee eed Fitidade internacional de um Estado, esti a depender da jurisdigao (nao do locus georifico) em que tena so cometida SaaS ITE Ke dentemente da nacionalidade da vitima (importando apenas de i Se a ese Career in ene no Brasil previne a competéncia do sistema interamericano de direitos huma- nos (Comissio e Corte Interamericanas de Direitos Humanos); j4 uma violaca de direitos a cidadao brasileiro na Guiana Francesa (departamento ultramarino francés) previne a competéncia do sistema europeu de direitos humanos (Corte Furopeia de Direitos Humanos)? A (nao do locus io de direitos humanos, indepen- 2. Terminologia Tem causado certa confusao doutrinaria 0 contetido de expressdes bastante proximas aquela que ora nos ocupa (“direitos humanos’), e que, por isso, merece ser precisamente definido.* Em especial, deve-se precisar terminologicamente 0 contedo das expressées “direitos do homem’ e “direitos fundamentais’, a fim de verificar do que trata cada qual e no que se diferenciam do conceito de “direitos humanos”, Vejamos: a) Direitos do homem. Trata-se de expresso de cunho jusnaturalista que co- nota a série de direitos naturais (ou seja, ainda no positivados) aptos 4 protesao global do homem e validos em todos os tempos. Sao direitos que, em tese, ainda eo se encontram nos textos constitucionais ou nos tratados internacionais de pro- tecao° Contudo, nos dias atuais, salvo raros exemplos, € muito dificil existir uma > Nese sentido, v. Eur, Court H.R., Case of de Souza Ribeiro Vs. France, Grand Cham- ber, Application n.° 22689/07, j. 13.12.2012, relativo & violagio de direitos humanos a cidadao brasileiro residente na Guiana Francesa. * Cf Perez Luno, Antonio E, Los derechos fundamentales. 3. ed, Madrid: Te p. 44-47; CANOTHLHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Cons! : PS Coimbra: Almedina, 2003, p. 393-398; Comranaro, Fibio Konder, A afirmagio histdriea dos direitos humanos. 3. ed. rev. ¢ ampl, S10 Paulo: Saraiva, 2003, p. 2245 Ramos, André de Carvalho, Teoria geral dos direitos Inumanos a ondem internacio- nal, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 21-29; € SanLen Ingo Wollgang. A efiedvia dos direitos fundamentais, 6, ed, rev., atual, € ampl, Porto ‘Alegre: Livearia do Advogado, 2006, p. 33-42. Exemplifique-se com 0 “dircito & fuga’, reconhecido como unt “direite natural” pelo STF. “A fuga € um direito natural dos que se sentem, por fo 08 Por aquilo, alvo de um ato discrepante da ordem juridica, pouco importando a improcedéucia dessa, visdo, longe ficando de afastar 0 institute do excesso de prazo” (RHIC 8485 1/BA, 1 ‘furma, Rel, Min, Marco Aurélio, j 01.03.2005, DJ 20.05.2008). Veja se, também, a re- feréncia feita pelo STF ao “direito de autodetess’, nos seguintes leroy “A autodetesa consubstancia, antes de mais nada, direito natural, O fato de 0 a6 usado nado admitir a 26 | curso De DIREITOS HUMANOS * VAtenio DE OuivelRa MazzuoU! _ ‘ , Roel i ai m de alg gama significativa de direitos conheciveis que ainda nao caer ms gum docy. mento escrito, quer de indole interna ou internacional. Seje “oho e 8 exPressig direitos do homem é ainda reservada aqueles direitos qu 5 voralista. Une Rao por que se tem, cuja existéncia se justifica apenas no piano Daan ‘o mye titica & expressio liga-se A determinagio de genero que [7 HA a 9 “homen (sexo masculino), sugerindo eventual discriminagae * oe dias atuais. er”, que reforga o seu destiso em muitos patses (c legislagdes : b) Direitos fundamentais. Trata-se de expresso pee Praleeeo) inlet dos direitos dos cidadios, ligada aos aspectos ou matizes a i ae le protecio, no sentido de ja se encontrarem: positivados nas Cartas Cons! it eae poraineas. Sao direitos garantidos e limitados no tempo Fi no eared oe ee ivan; te vigentes numa ordem juridica concreta. Tais direitos a eines todos os, textos constitucionais, sob pena de 0 instrumento chama lo Constituig¢ao perder totalmente o sentido de sua existéncia, tal como ja apsevera ° conhecido art, 16 da Declaragao (francesa) dos Direitos do Homem ¢ do Ci jadao de 1789: “A sociedade em que nao esteja assegurada a garantla dos direitos nem estabelecida a separagao dos poderes nao tem Constituigao” ; / Como se nota, ambas as express6es analisadas ~ direitos do homem e direitos fundamentais - diferem do conceito de “direitos humanos’, por versarem direitos ‘que, ou nao estao inscritos em quaisquer textos (‘direitos do homem”), ou esto apenas previstos na ordem juridica interna dos Estados (“direitos fundamentais’) Assim, quando se fala em “direitos humanos” esta-se a referir aos direitos inscritos (positivados) em tratados e declaragées ou previstos em costumes internacionais. Trata-se, em suma, daqueles direitos que ja ultrapassaram as fronteiras estatais de protegao e ascenderam ao plano da prote¢ao internacional. Direitos Direitos ndo expressamente previstos no direito interno ou doHomem no direito internacional Direitos - Famdsriciale Direitos previstos nos textos constitucionais Direitos i i , jprretos 5 Direitos previstos em normas internacionais, especialmente em tratados i ate : - aa aoe a terceiro, nao prejudica a substituigao da pena privativa de fierce (Hea Pela restiiva de direitos, descabendo falar de ‘personalida- 02.10.2001), . * L* Turma, Rel, Min, Marco Aurélio, j. 18.09.2001, DJ Cap. * NOGOES GERAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS | 27, Destaque-se, porém, que no Ambito da Unido Europeia convencionou-se falar genericamente em “direitos fundamentais” a i B FG jamentais” (essa nao é, contudo, a termi- nologia utilizada pela ONU) para referir tanto aos direitos garantidos pela or- See eee a tee saa De fato, o instrumento protetivo de tats da Unde a ey a uropeia denomina-se Carta dos Direitos Funda- Europeia.’ Contudo, no plano do Conselho da Europa - que abrange todos os 47 paises europeus, e nao somente os 28 pertencentes 2 Unido Europeia -, 0 instrumento protetivo tem melhor denominagao: Convengao Eu- ropeia de Direitos Humanos.’ Frise-se, ainda, que, nio obstante o nome da Con- yengio, em lingua inglesa, ser European Convention on Human Rights, ou seja, Convengio Europeia de Direitos Humanos, paises como Portugal a nominam de Convengio Europeia dos Direitos do Homem,* talvez por basear-se na ex- pressio francesa Droits de l'Homme, que significa, entretanto, os propriamente jnternacionais Direitos Humanos. As particularidades linguisticas e regionais, porém, nao retiram das expressdes analisadas ~ direitos do homem, direitos fundamentais e direitos humanos ~ a conota¢ao0 diferenciada (global e histérica) que sempre detiveram. 3. Amplitude No que tange a protegdo dos direitos das pessoas, tem-se que os “direitos humanos’ (internacionais) sio mais amplos que os chamados “direitos funda- mentais” (internos). Estes ultimos, sendo positivados nos ordenamentos juridi- cos internos, nao tém um campo de aplicagao t4o extenso quanto 0 dos direitos humanos, ainda mais quando se leva em conta que nem todos os direitos funda- mentais previstos nos textos constitucionais modernos sao exercitaveis por todas as pessoas, indistintamente. Tome-se, como exemplo, 0 direito de voto, que nao pode ser exercido pelos conscritos, durante o perfodo de servico militar, sem falar nos estrangeiros (CF, art. 14, § 2.°). Tal direito, como se nota, 6 tipico direito fun- damental que, por nao ser dotado da caracteristica da internacionalidade, sofre limitagées em razao dos interesses do Estado. ra a protesto dos direitos na Unido Europeia, ¥ ilerio de Oliveira, Teoria tridimensional das inte~ tiva dos sistemas ¢ modelos de integragio 2014, p. 1712. Sobre © papel desse instrumento pit Caxpucct, Michele & Mazzuo14, Va gracdes supranacionais: uma analise compar da Europa e América Latina, Rio de Janeiro: Forense, Sobre a CEDH, v. Capitulo IX, item 1-1, infra. Cf. Vizira De ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituigdo portu- ‘guesa de 1976. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 27 € ss. 28 | CURSO DE DIREITOS HUMANS + VaLEHHO OF Ouvlina Mazzuout Direitos | Humanos Direitos Fundamentais Os direitos humanos, diferentemente dos direitos fundamentais, podem ser vindicados indistintamente por todos os cidadaos do planeta e em quais- quer condicées, bastando ocorrer @ violagao de um direito seu reconhecido em norma internacional aceita pelo Estado em cuja jurisdicao se encontre. Talvez por isso certa parte da doutrina tenha preferido o uso da expressao di- reitos humanos fundamentais,’ com o intuito de significar a unido material da protecao de matiz constitucional com a salvaguarda de cunho internacional desses direitos. £ importante observar que a Constituic4o Federal de 1988 se utilizou das expressées direitos fundamentais € direitos humanos com total precisao técni- ca. De fato, quando o texto constitucional brasileiro quer fazer referéncia, mais particularmente, 20s direitos nele previstos, adota a expressio “direitos funda- mentais”, como faz no art. 5.°, § 1.2, segundo o qual, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tém aplicagao imediata’. Por sua vez, quando ‘© mesmo texto constitucional se refere as normas internacionais de protecao da pessoa humana, faz alusdo a expressao “direitos hamanos’, tal como no § 3.° do mesmo art. 5.°, segundo o qual “os tratados e convengoes internacionais sobre Eeesait eae Scie aes cel cada Casa do Congresso Nacional, Valentes is emendas constitucion mete uando a Constitui ree ere role, indistintamente, aos direitos revist ls i erie ia Pee en juridica internacional, nao fa mento di Vt eats ber ee ray nesta Constituicdo nae Be) igido: ‘Os direitos e garantias expressos Y 10 excluem outros decorrentes do regime e dos pI IS principio: Compare-se, v.g. a i a aeeaen obra de Ferreira FiLHo, Manoel Gongalves. Direitos Rares Seat Sao Paulo: Saraiva, 2008 (0 autor, entretanto, nao mantém qual niformidade no emprego das expressdes “direitos do homem’, undamentais” “direitos hamanos” no decorrer do texto). Cap. © NOCOES GERAIS SOBRE OIREMTOS HUMANOS | 29 por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Republica Federativa do Brasil seja parte”. Destaque-se que a Carta das Nagdes Unidas (1945) parece também fazer essa distingado, quando diz — em varios dispositives ~ ser um dos propésitos da ONU a protegio dos “direitos humanos ¢ liberdades fundamentais... Perceba- ese, aqui, o us dos ferMos Humanos ¢ fundamentais em separado. De qualquer forma, varios outros documentos internacionais utilizam-se das expressdes dircitos humanos ¢ dircitos fundamentais indistintamente, 0 que fica que desmeregam a ct {tica da falta de precisio terminolégica com a nao signif qual empregam esses termos. Por questao de técnica, porém, preferimos 0 uso do termo direitos humanos para conotar a protesio da ‘ordem internacional a esses direitos, € 0 emprego da expressio direitos fundamentais quando a matriz protetiva se encontrar 17 foro domestica. 4. Fundamento e conteudo Os direitos humanos tém por fundamento intrinseco 0 valor-fonte do Di- reito que se atribui a cada pessoa humana pelo simples fato de sua existéncia. E ene sais direitos retiram 0 seu suporte de validade da dignidade da qual toda e qualquer pessoa € titular, em consonancia com © que estabelece o art. L.° da Declaracao Universal dos Direitos Humanos de 1948: “Todas as pessoas nasce™ eve iguais em dignidade e direitos. Sao dotadas de raze. consciéncia e devem Fem relacdo umas as outras com espirito de fraternidade™” ‘A luz da Declaracdo Universal de 1948 pode-se dizer que 05 direitos huma- nos fundam-se em trés principios basilares, bem como em suas combinayes & Auencias reciprocas, quais sejam: 1 Et 1) 0 da inviolabilidade da pessoa, cujo significado traduz 4 ideia de que nio se podem impor sacrificios a um individuo em raze de que tais sacri cigs resultarao em beneficios a outras pessoas 2) oda autonomia da pessoa, pelo qual toda pessoa é livre pars realizagio de Gjualquer conduta, desde que seus atos nsdo prejuddiquent (erceroS & 3) oda dignidade da pessoa, verdadeiro néicleo-tonte de textos es demais di- » Sto fandamentais do cidadao, por meio do quratl foxbts as Pesees devem ee cede juljaadas de acordo com os seus ates, € 00 ett fELNTT TOL tras propriedades suas nao aleangaveis Por eles."! DCE MinANDA, Jorge, A dignidude du pessoa humana ¢ a unishasle valorativa do sistema de direitos fundamentais. In: Estudos em homenagem ao Brofeoer Doutor Marti de ‘Albuquerque. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p 988 24°. CF Cannid, Genaro R. Los derechos humuanos ys protect distintos tipos de pro- blemas. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1990, p. 14-15; € Nino, Carlos Santiago. Etica No que tange ao contetido dos direitos humanos, sua caracteri marcante ¢ a indivisibilidade. Em outras palavras, 05 direitos burnanos 12." tetido indivistvel. Tal significa que eles nao se dividem ou sucedem em z . como se costuma correntemente referir, mas se conjugam € s¢ fortalecery, dos direitos de cada ser humano. Essa indivisibilidade esta ligada a ideiz de 05 “direitos de liberdade” (direitos civis € politicos) nao sobreviver perf ae sem os “direitos da igualdade” (direitos econdmicos, sociais € culturais, ¢ -versa.'? Tomando-se como exemplo o classico direito a vida (direito de conte: liberal), pode-se facilmente constatar que esse direito nao se limita a vida fs; abrangendo também todos os desdobramentos decorrentes das condicoes que mesma vida deve ter para que seja realizada em sua plenitude, condicées tais ¢ decorrem dos direitos econémicos, sociais e culturais (direitos da igualdade,,. £ fim, quando se fala em direitos humanos (nao em “direitos fundamentais” ex ideia é a de que esses direitos se complementam (se conjugam) e nao se divider, em “geragées” ou “dimens6es’, por serem indivisiveis. 5. Caracteristicas Os direitos humanos sao dotados de caracteristicas préprias, capazes dz distingui-los de outros tipos de direitos, especialmente os da ordem doméstica = possivel apresentar as caracteristicas dos direitos humanos como sendo as seguin- tes, relativamente a sua titularidade, natureza e principio: a) Historicidade. Os direitos humanos sao histéricos, isto é, séo direitos que se vao construindo com o decorrer do tempo. Foi tao somente a partir de 1945 - com o fim da Segunda Guerra e com o nascimento da Organizagao das Nacoes Unidas - que os direitos humanos comegaram a, efetivamente, desenvolve no plano internacional, nao obstante a Organizacao Internacional do Trabalho ja existir desde 1919 (garantindo os direitos humanos dos trabalhadores desde o ps-Primeira Guerra). 6) Universalidade. Significa que sao titulares dos direitos humanos todas as re. ae a condi¢ao de ser pessoa humana para se poder invocar a pro- dependentementeae some. pe}plan interno como no plano internacional, in- cconbmico, caltaral eee oy {ae® credo religioso, afinidade politica, status socah que nao se requer outra “et que os direitos humanos sao universais significa ‘a condi¢ao para a sua efetivagdo além da de ser pessoa hu- mana; significa, em alti i eee deed andlize, que nao se pode fazer acepgao as pessoas, eis esma dignidade. a y derechos hurnanos: un . Astrea, 1989, p. 14.¢ a nntY® de fundamentacién. 2. ed. ampl. y rev. Buenos Aites V. Plovesan, Flavia, rev, € atual, Sao 2 Direitos humanos € 0 direito co: : Saraiva, 2011, p. 196-198, institucional internacional. 12. €4- Cap. * NOCOES GERAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS | 31 ©) Essencialidade, Os direitos humanos sao essenciais por natureza, tendo por contetido os valores supremos do ser humano ea prevaléncia da dignidade hu- mana (contetido material), revelando-se essenciais, também, pela sua especial po- igdo Normativa (conteddo formal), permitindo-se a revelagio de outros direitos fundamentais fora do rol de direitos expresso nos textos constitucionais. d) Irrenunciabilidade, Diterentemente do que ocorre com os direitos subje- tivos em geral, os direitos humanos tém como caracteristica basica a irrenuncia- bilidade, que se traduz na idei: de que a autorizagio de seu titular nao justifica ow convalida qualquer violagao do seu conteiido. Em outras palavras, nao hé liberda- de que justifique a rentincia a um direito humano ou em nome da qual se possa autorizar qualquer violagao sua. e) Inalienabilidade. Os direitos humanos sao inaliendveis, na medida em que nao permitem a sua desinvestidura por parte do titular, ndo podendo ser transfe- ridos ou cedidos (onerosa ou gratuitamente) a outrem, ainda que com o consenti- mento do agente, sendo, portanto, indisponiveis e inegocidveis. f) Inexauribilidade. Sao os direitos humanos inexauriveis, no sentido de que tém a possibilidade de expansio, a eles podendo ser sempre acrescidos novos di- reitos, a qualquer tempo, exatamente na forma apregoada pelo $ 2.° do art. 5.° da Constituicao Federal de 1988 (segundo o qual os “direitos e garantias expressos nesta Constituicao ndo excluem outros decorrentes do regime e dos principios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Republica Federativa do Brasil seja parte”). Percebe-se, aqui, que a Constituicao (pela expressio “ndo ex- cluem outros..”) diz serem duplamente inexauriveis os direitos nela consagrados, uma vez que eles podem ser complementados tanto por direitos decorrentes do regime e dos principios por ela adotados como por direitos advindos dos tratados internacionais (de direitos humanos) em que o Brasil seja parte. 4) Imprescritibilidade, Sao os direitos humanos imprescritiveis, ndo se esgo~ tando com o passar do tempo e podendo ser a qualquer tempo vindicados, ndo se justificando a perda do seu exercicio pelo advento da prescrigio, Em outras palavras, os direitos humanos nao se perdem ou divagam no tempo, salvo as limi- tacdes expressamente impostas por tratados internacionais que preveen procedi- mentos perante cortes ou instancias internacionis, h) Vedagao do retrocesso. Os direitos humanos devem sempre (e cada vez mais) agregar algo de novy ¢ melhor ao ser humano, nado podendo o Estado pro~ teger menos do que ja protegia anteriormente, Ou seja, os Estados estio proibidos: de retroceder em matéria de protegio dos direitos humans. Assim, se wna NEF ma posterior revoga ou nulifica uma norma anterior mats benefica, essa NOFA posterior ¢ invilida por violar o principio internacional da vedayao do retrocesso (igualmente conhecido como principio da “proibigao de re resso”, do “nao retor- no” ou “efeito clique”). Os tratados internacionais de direitos humanos, da mes- tl | CURSO DE DIREITOS HUMANOS * VALERIO DE Otiveira MAZZUOUI ma forma que as leis internas, também nao podem impor restricées que dim; am ou nulifiquem direitos ja anteriormente assegurados, tanto no plano inte quanto na propria rbita internacional. Nesse sentido, varios tratados de dire humanos jd contém clausulas a prever que nenhuma de suas disposigoes “pode interpretada no sentido de limitar 0 gozo e exercicio de qualquer direito ou liber dade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estade, -partes ou em virtude de Convengées em que seja parte um dos referidos Est, dos” tal como faz 0 art. 29, b, da Convengdo Americana sobre Direitos Humanos de 1969. Destaque-se que ha varias manifestagdes no STF sobre esse principig, especialmente do Min. Celso de Mello, para quem “o principio da proibicao dq, + retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de cardter social, que sejary desconstituidas as conquistas ja alcangadas pelo cidadao ou pela formagao socia| em que ele vive’.'* ‘Além dessas caracteristicas dos direitos humanos, também comuns aos di. reitos fundamentais (constitucionais) dos cidadios, é possivel modernamente agregar outras, decorrentes de declaragées e resolugées internacionais adotadas em conferéncias especializadas com a presenga de grande numero de Estados, tal como demonstrado a seguir: Caracteristicas contemporaneas dos Direitos Humanos Tais caracteristicas ligam-se fortemente a protegao dos direitos no plano in- *ternacional e serao analisadas quando do estudo da Declaracao Universal dos Di- reitos Humanos de 1948 (v. Capitulo VI, infra). 6. Gramiatica dos direitos humanos Gramitica é a ciéncia que estuda os elementos de uma determinada lingua e orienta o uso de seu padrao culto, Conota, assim, a arte de falar e escrever uma 3 STF, ARE n.° 639.337 AgR/SP, 2.* Turma, Rel. Min, Celso de Mello, j. 23.08.2011, Dje 15.09.2011. SSS Cap.t + NoGOES GEHAIS SoMKE OMETTOS HUMANOS | 33 lingua de maneira escorreita. Gragas a ela, a lingua mantém a sua unidade e estru- tura dentro de regras formais. Do mesmo modo, pode-se dizer que a “gramitica dos direitos humanos" conota o estudo dos elementos que compdem o nticleo normative dos direitos hu- Manos € suas combinagdes ree(procas, orientando a sua correta aplicagao. Em ou- tras palavras, compreende © estudo de todo © mosaico normativo (convencional ou nao) de protegdo internacional desses direitos, para o fim de guiar o aplicador do direito A solugado adequada, sobretudo no plano interno. A gramatica dos direitos humanos contempordneos compreende prioritaria- mente o estudo dos sistemas internacionais de protegao e sua normatividade. Es- tuda o sistema protetivo (global) das Nagdes Unidas (v. Capitulo V a VII, infra) e os sistemas (regionais) europeu, interamericano e africano (v. Capitulo IX, infra); também, como no poderia deixar de ser, compreende os mecanismos especificos de protegao dos direitos humanos, tanto convencionais (v. Capitulo VII, infra) como nao convencionais (v. Capitulo VIII, infra). A perfeita compreensao dessa gramética auxilia as vitimas de violacées de direitos humanos a vindicar seus direitos, quer nos tribunais internos como nas instancias internacionais, fomentando, ademais, a consagracao de uma “cultura de direitos humanos” no pais (v. Capitulo XX, item 3, infra). 7. Interpretacao conforme os direitos humanos Por fim, cabe referir que, tendo os direitos humanos se tornado 0 micleo-cha- ve do direito pés-moderno, todas as normas (internas e internacionais) presentes em um determinado Estado e que atingem, de uma ou outra maneira, os indi- viduos sujeitos a sua jurisdicdo, devem ser interpretadas em conformidade com esses direitos, é dizer, de acordo com as normas internacionais (convencionais ou costumeiras) de protecao dos direitos humanos ratificadas e em vigor.'* Todas as normas em vigor no Estado, sejam internas ou internacionais, de- vem ser interpretadas “conforme” os direitos humanos, sem qualquer exceyio. Assim, vg., quer seja a Constituigdo do Estado (norma interna) ou um tratado internacional de comércio (norma internacional) em vigor nesse mesmo Estado, ambas as normas devem ser interpretadas “contorme” as diretrizes dos direitos humanos contemporaneos previstas em tratados ou em costumes internacionais, a fim de encontrar a melhor solugao para 0 direito da pessoa emi unt dado caso concreto, A expressio, salvo engano, é de Virina, Oscar Vilhena, A gramatica slos direitos hus manos. Boletim Cientifico da Escala Superior do Ministérig Publico dat Unido, Brasilia, ano 1, n. 4, p, 13-33, yul.-set. 2002. Cf. Verrors, Giuseppe. ‘The interpretation according to human rights, fundamental freedoms and constitutional laws (art, 1:102 DCER), In: Caraust, Fabrizio & Mae kurtz, Hans-W. (Kd). European private law after the common frame of reference, Cheltenham: Edward Elgar Publishing, 2010, p, 24-

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