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O Mistério de Marie Rogêt: Um Debate Entre História e Literatura
O Mistério de Marie Rogêt: Um Debate Entre História e Literatura
A inabilidade de promover outra resposta além de uma hipótese, demonstra que o ato
de construir uma narrativa, está condicionado às possibilidades de elaboração da leitura sobre
o objeto. Descrevendo algo que seja passado, todas as hipóteses são formuladas na
perspectiva do presente, construindo assim possibilidades que são condicionadas por quem as
elabora, de acordo com a sua observação particular sobre o conjunto de informações
disponíveis. Nesse caso, a Literatura não tem uma necessidade de narrar as informações de
forma verossímil, e pode utilizar as diferentes formas de descrever o seu objeto em questão.
Por outro lado, o detetive Dupin ao lançar apenas uma hipótese acaba abrindo um espaço
maior de interpretação pelo leitor, pois é mais uma fonte de informação junto com os jornais,
promovendo o diálogo que permite a exploração contínua do objeto.
Vilaço acredita que a narrativa do detetive, apresenta o fenômeno descrito por Walter
Benjamin como “atrofia da experiência [...] a qual se manifesta na transformação da forma de
comunicação predominante ao longo da História: a substituição da narração pela informação
e desta pela sensação.” (2013,p.116), ainda segundo Benjamin:
A informação só tem valor no momento em que é nova. Ela só vive nesse momento, precisa
entregar-se inteiramente a ele e sem perda de tempo tem que se explicar nele. Muito diferente
é a narrativa. Ela não se entrega. Ela conserva suas forças e depois de muito tempo ainda é
capaz de se desenvolver.(BENJAMIN apud VILAÇO,2013,p.116)
Sendo assim, o fato do detetive Dupin apresentar hipóteses evidencia a sua falta de
experiência da realidade, na qual detinha apenas as informações já exploradas pelos
periódicos, tornando ainda mais necessário a criação de uma narrativa para apresentação do
argumento. Ainda sobre Benjamin, a autora cita que esse distanciamento é uma evidência do
período vivido pelo autor, fortemente influenciado pelo avanço do modo de produção
capitalista e suas consequências na sociedade ocidental industrializada do século XIX.
Ao utilizarmos a obra de Edgar Allan Poe para debater a História e a Literatura, nos
sentimos contemplados pela vasta gama de possibilidades contidas no conto em questão,
principalmente no sentido proposto pelo texto que construímos. Conseguimos encontrar os
pontos que norteiam essa discussão em torno da proximidade ou não dos dois campos de
conhecimento, além disso podemos também discutir outras questões tão presentes na obra,
como a experiência do autor, conceito esse apresentado por Walter Benjamin.
História e Literatura são similares, mas não são a mesma coisa, ambas possuem as
suas especificidades bastante marcantes. A História por precisar necessariamente de
evidências, e a Literatura por poder ignorá-las, também não podemos esquecer do
compromisso ético assumido pelo historiador ao escrever seus fatos, que pesam sobre a sua
pessoa diferente assim do literato que não assume esse compromisso. Tirando isso podem se
intercalar tanto tematicamente quanto esteticamente, suas semelhanças se encontram
basicamente na estrutura narrativa, ou seja, tudo pode ser historicizado ou ficcionalizado.
Fonte:
POE, Edgar Allan. O Mistério de Marie Rogêt. In: POE, Edgar Allan. Contos de
Imaginação e Mistério. São Paulo: Tordesilhas, 2014. p. 339-389. Tradução de Cássio de
Arantes Leite.
Referências:
VILAÇO, Fabiana de Lacerda. O Mistério de Marie Rogêt de Edgar Allan Poe: Literatura e
Sociedade Nos Estados Unidos do Século XIX. Itinerários, Araraquara, n. 37, p.111-122,
dez. 2013.