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Objectos e técnicas oat “eenologi acconalentifenebo «dein ests Cao had eerando Overs bapa Techniques et societs danse province du Gia er Chri eomberger _ a io so igantes? Woinhos, gendora sleaze eindorfot SSS sean Wes Durand e Manoels Rone Gunhe so ‘embigidace dos mes ersloergoliica sobre candas de vince no 81 alo Rapes, sos da Mt oh lrg Dias Soo ea Namal Pore Perc dreuive ds Doneas do Alias - Paral ngs Domingos Nava Calin do ead a Dis March 2 oviges 3oFado ‘ost Abert serina Pessoas ¢ Museus | De um desenconre aos mula encottes com @ Benoni Chrayae Somache a etnografa ac patrinio Inateriak um parce concepluale pestoal BS Rieerenino Mars foto Lan Folcoriamo ei: infureia de Bona Pre a tie do programa do Muu (Ge tne de inna de seta a {pao Apa Bree Percursos do patriménio imaterial, entre a Antropologia e a Museologia Paulo Ferrelra da Costa Direceao-Geral do Patriménio Cutural |L"Salvaguarda” do PCk possibilidades ¢ limites de actua¢lo © conceito de «patriménto cultural imaterial» (PCD é fruto de uma recente amplla- ‘fo da concepcdo de patrimdnio, e, em certa medida, de raptara com os mecanis- mos de proteccao configurados para este praticamente ab initio. A reverberaca0 internacional desta nova categoria patrimonial deve-se, naturalmente, ao papel da UNESCO e aos varios programas por esta desenvoividos a partir de 1989, nomeadamente a Recomendagao para a Salvaguarda da Cultura Popular e Tradi ional, 0 Programa dos Tesouros Humans Vivos, eo Programa de Proclamacao das Obras'Primas do Patriménio Oral e Imaterial da Humanidade, que culminaram na adopcio da Convencio para a Salvaguarda do Patriménio Cultural imaterial (2003), ‘Tratado internacional de referéncia para o sector. (0 sentido com que o conceito de PCI é utilizado actualmente em Portugal decorre, pprimacialmente, da instituicdo de um regime juridico de salvaguarda espectfico para este terreno (Decreto-Lei n.° 139/2009, de 15 de Junho, desenvolvido pela Portaria n.* 196/2010, de 9 de Abril) relativamente ao qual devem ser sutlinhadas algumas caracteristicas. Em primeiro lugar, este regime juridico foi desenvolvido ‘de harmonia com o concelto, e nerentes mecanismos de salvaguarda do PCT, ins tutuidos pela propria Convengdo, em particular com o Art. 12.%, ue visa 9 estabe- lecimento de inventarios do PCI por parte dos Estados parte na Convencio, tendo sido precisamente para cumprimento da obrigacdo a que se refere aquele artigo ‘que foi concebido e desenvolvide o Inventdrio Nacional do Patriménio Cultural Ima- terial (INPCI - acesstvel em linha via www.matrizpc.imc-ip.pt). [Este regime juridico ancora-se nos principios fundamentals da propria Le’ de Bases do Patrimsnio Cultura, que institut j6 uma diferenca fundamental entre os mecanis- ‘mos de proteccdo legal dos bens materias e dos bens imateriais.Sujetando os bens ‘materiais a uma hierarquizacdo entre “bens de interesse nacional’, "bens de inte- resse piblico” e "bens de interesse municipal", diferenciacOes valorativas de que resultam diferentes graus de prestigio para os bens *classificados”, a Lel adopta ‘um paradigma distinto para o PCI, evitanco a utilizagéo de qualquer mecanismo de hhlerarquizacdo entre as manifestagdes e de um possivel tratamento diferenciado para um mesmo tipo de express6es culturais. Assim, no processo de protegao legal do PCI néo so aplicéveis os “valores” insti: tuldos para o patriménio mével e imével - “antiguidade, autenticidade, original dade, raridade, singularidade ou exemplaridade” (n.° 3 do Art 2 da Let n. 107/2001, de 8 de Setembro) - mas critérios especificos de avaliago do contexto social em que se produz a expressao cultural, tals como a transinissao, 0 3cess0, 8 Identidade do grupo, ete. (Art® 10.° do Decreto-Lei n? 139/2009, de 15 de Junho). ‘Uma das dimensoes mais inovadoras do regime juridico para o PCI consiste igual: ‘mente no reconhecimento dos préprios limites que se colocam a sua salvaguarda ¢ de que o paradigma de “protecco” a aplicar a este tipo de expressées culturais deve ser inteiramente distinto do tradicionalmente aplicdvel aos bens materiais. 0 PCT é reconhecido, antes de mais, como realidade em mudanca permanente, como resultado das condigdes e circunstancias (socials, econdmicas, politicas, etc.) que as sustentam e Ihes conferem sentido, elas também em permanente rmudanca. ‘Como tal, ¢ implicitamente reconhecido que uma manifestacdo registada no INPCI possa, a prazo, vir a desaparecer, caso no futuro no sejam reunidas as condicdes indispensaveis para a sua transmissdo e reproducio social fem articulacdo com a assumpcio implicita da possibilidade desta perda que deve ser entendido o clevado grau de exigéncia colocado no processo de doc ‘mentacdo do PCI para fins do seu registo no INPCI, pois este assume esse papel fundamental de protecgao do PCI caso venha a ser 6 que apenas subsistira, como ‘memoria documental de uma manifestacdo cultural que no possa, no futuro, ser perpetuada, Finalmente, o regime juridico preconiza uma abordagem integrada ao 2atrimé- hio, material e imaterial, prevendo: i) a documentacdo do PCI conjuntamente com os seus suportes ou expresses materiais; i) a possibilidade da inzorpora- clo nas coleccdes dos museus da Rede Portuguesa de Museus de bens moveis associados a manifestagdes de PCI; e il) a proteccAo lezal dos bens materiais ~ ovels ¢ imévels = que se encontrem associados @ uma manifestacdo imaterial ‘nventariada no INPCL 2. "Patriménio Imaterial”: um lugar para aprética etnograica ‘Tendo tido uma das suas primeiras concretizagbes no desenvolvimento de um regime juridico especifico e na implementacio do Inventério Nacional como medida central para a salvaguarda clo PCI, o recente ciclo de desenho e implementacio de ppliticas publicas para a salvaguarda do PCT escala nacional fot pensado, no plano Gentifco, a partir do campo da Antropologia, como modo de olhar agregador das vérias disciplinas vocacionadas para o estudo das culturas tradicionals/populares, como quadro teérico e crtico de referencia para o conhecimento e actuaglo neste dominio, assim como do facto de as tematizacdes do terreno que actualmente cat- ‘alogamos como «PCI terem ocorrido, a nivel nacional, a partir da pratica etnogré- fica e do proprio desenvolvimento da Antropologia, Nao obstante as particularidades do conceito que a Coavencdo institui a escala slobal, e que ~ com maior ou menor flabilidade de traduczo e interpretacio face 20 teor efectivo do Art.°2.° daquele Tratado -, se aplica depois as escalas nacional, re gional ou local, o terreno que o conceito de «PCI> designa &, de facto, plenamente coincidente com 0 objecto tradicional dos estudos antropol6gicos, sendo este ‘campo disciplinar de relevancia para o estudo e documentzcio do PCI, ém particular ‘no que respeita aos métodos e técnicas que relevam da pritica emnogritica, Eneste quadro de preocupacdes metodologicas e de exigéncia técnica na pro- ducio do conhecimento sobre PCI que deve ser entendido o requistto da Por- taria n? 196/2010, de 9 de Abril (n.° 8 do § Il do Aneso TD, através do qual a formacdo em area adequada das Ciencias Sociais, a formagao especifica em Antropologia e a experiéncia profissional que decorre da pratica etnogratica s40 Jjutidicamente reconhecidas, pela primeira vez em Portugal, como de importancia, central no processo de producdo de conhecimento sobre as culturas tradi- ‘ionais/populares, na perspectiva da elaboracao de pedidos de registo no Inven- tirio Nacional do Patriménio Cultural Imaterial tendo em vista a produgio de ‘nformacao sobre o PCT num mesmo quadro de exigendia cientifica e metodologi- cae, enfim, « actuagao qualificada nesta area [Nao obstante esta concepcio do regime juridico nacional de salvaguarda do PCI, as ‘oportunidades despertadas pela constituicdo deste novo campo de actuacdo, assim como os interesses ja evidentes em diversos sectores profissionais, nomeadamente xno dimbito dos museus e da administrac4o regional ¢ local, © certo é que, na sua generalidade, a comunidade antropol6gica prefere exercer um olhar manifesta- mente distanciado sobre o terreno do PCI e dedicar-se a investigacdo dos préprios pprocessos de patrimonializacio. Desde a publicacdo daquela Portaria, pode-se jé afirmar com seguranga que so 18 ‘muitas as instituigdes, de ambito regional ou local ~ em particular Direcgbes Re- sionals de Cultura, Municipios e Museus -, que tm prestado atengio a este requi- sito, sendo também varios os exemplos destas entidades que tém procurado _agre'gar profisslonas com formagao nas areas exigidas, em particular antropdlogos, as seus projectos de salvaguarda do PCI ‘A importancia que 0 enquadramento disciplinar da Antropologia assume no processo de documentacdo de uma manifestagdo de PCI som vista a0 seu registo no INPCT constitulu também o fundamento para a integracdo na Comissio para 0 PatrimSnio Cultural material - enquanto orgao originalmente responsével pela ver ficagdo do cumprimento dos requisitos técnico-cientificos dos pedidos de inven- tariacdo no INPCI, - de cinco especialistas na area da Antropolozia, que, simultaneamente, actuavam como representantes de entidades de reconbecida im- portancia no estudo e investigacio do PCI em Portugal, Foram estes: no campo da ‘museologia etnol6gica ¢ dos arquivos de referencia nacional relativos 10 PCI, 0 ‘Museu Nacional de Etnologia; no campo da investigacdo, o Centro em Rede de In- ‘vestigacZo em Antropologia ¢ o Instituto de Etnomusicologia - Centro de Estudos de Miisica e Danga: no campo da formacto académica em Antropologia, os Depat tamentos de Antropologia da Faculdade de Ciéncies Sociais e Humanas ~ UNL e do Instituto Superior de Ciéncias do Trabalho e da Empresa ~IUL. Instituida pelo Decreto-Lei n.° 139/2009, a Comissao apenas foi efetivamente cons- tituida pelo Ministério da Cultura em 2011, por proposta de Instituto dos Museus ‘eda Conservacao (2007-2012), tendo sido responsavel, na sua breve existéaca, pela {nscrigdo da primeira manifestacio no INPCI. Nao obstante a sua mais-valia cient fica, endo obstante o empenho que foi colocado pelo IMC na sua constituiggo para ‘cumprimento do disposto naquele diploma, a Comissdo constitu, na verdad, uma situacdo anémala no contexto global de protec¢io legal do patrimbnio em Portugal, ‘dado que, no quadro institucional de entio, 0 IGESPAR, organismo de referéncia nacional para 0 patriménio imével, detinha competéncias prdprias para a protegio legal do patriménio imével, e 0 IMC, organismo de referéncia nacional para 0 Patrimonio imével e imaterial, detinha competéncias proprias apenas para a pro- teegio legal para o patriménio move, tendo as compettncias para a proteccdo legal (ouinventariagdo) do PCI sido cometidas & Comissdo, orgie independente da propria administracao do patriménio. Fol esse, de facto, 0 fundamento da extingao da Comissdo no quadro de reorganiza- ‘elo da administracio do patviménto de que resultou a criagéo, em 2012, de Direcao- “Geral do Patriménio Cultural, actual organismo de referéncia para o pstriménio mével, mével e tmaterial, ao qual se encontram cometidas as competéncias ins- ‘rutdrias e decisorlas em matéria de inventariagdo do PCI, tendo as competencias consultivas anteriormente também na esfera da Comissio transitado para Seccéo especifica do Conselho Nacional de Cultura. No mesmo quadro de preocupacdes que presidiu a configuracdo da Comissdo, ¢ tendo em vista uma actuacdo qualificada a escala nacional no sector do PCI susten- tada no conhecimento e na pratica antropologica, a DGPC eo CRIA, acredi:ado pela UNESCO, desde Junho de 2012, como Organizacao N4o-Governamental para a sal \vaguarda do PCi em Portugal, celebraram entretanto um Protocolo de Colaboracao tendo em vista a promocao da inscrigao de manifestacoes PCI no Inventirio Na- ional, esperando que desta colabora¢ao nasca o enquadramento para as muitas instituigbes ~ municipios, museus, associacbes, etc. - que pelo Pais se encontram ‘empenhadae na inventariacto do PCI a eacala local, mas que nfo digsdem de ‘quadros com formagto ¢/ou experiéncia especfica na pratica antropologca. '3.*Patriménio Etnolégico" e “Patriménlo Imateral” ‘Tal como referimos acima, 0 conceito de PCI, tal como originalmente definido pela ‘Convengao e aplicado a escala nacional através do Decreto-Le n 139/2008, reveste- “se de particularidades em que importa atentar para que todos os que actuam neste terreno se possam entender quanto a0 de que falam e/ou sobre o qual actuam, evi- {ando assim os equivocos gerados pela utilizacao do termo, parcialmente decor: rentes da polissemia deste. De entre aqueles tipos de equivacos podemos enumerar os que, sob a designacéo de *patriménio imaterial”, consideram: i) praticas socials, registadas em tempos ‘ais ou menos recentes, mas das quais persiste apenas a memoria (coletiva ou in- dividual, oral ow escrita; i) praticas, representacdes, expressdes, conhecimentos & aptiddes de matriz nfo tradicional/popular i) informacéo produzida no pasado sobre préticas tradicionais, atualmente disponivels em suporte arquivistico ou bibliografico. Para além destas correspondéncias imediatas entre PCT, de um lado, «de outro, meméria hist6rica/social, processos e conhecimentos de matriz. nao tadicional/popular, e documentacdo arquivistica ou bibliografica, uma etnografia dos usos da terminelogia «patriménio imaterial» permite ainda aferir, mesmo por 2008, de equivocos com: iv) emogdes (a *saudacte") e valores morais;v) formas de ppercepclo sensorial ‘odores?, "paladares”, “iuminosidaces”, etc); vi) ambientes; ‘i) pessoas; vii) entidades coletivas ce natureza eminentemente formal/admints: trativa; ix) eventos de caréter nZo tradicional (como recriagdes de “feiras me- dievais"); x) produtos resultantes de processos tradicionais, sendo os mais recorrentes referidos os produtos gastronémicos e artesanais. Parte significativa destes modos de entendimento de expressbes culturais, pre sentes ou passadas, como PCI, decorre de uma visto marcadamente historicista do patriménio imaterial, quando, tal como institulda pela, 4 actuacéo sobre 0 CI (i.e, a salvaguarda, independentemente do modo em que esta se concretiza) eve decorrer de uma accao de estudo e documentacZo dessa expressio cultural do presente para o passado, documentando a realidade sociel na actuali ‘da pratica etnografica, e,naturalmente, docu ‘sempre que € ‘possivel, com recurso a fontes orais ou escritas, seu processo historico e raizes ‘mais profundas. Contudo, patrimonio imaterial nfo pode ser confundido com ‘meméria social, pelo que na caracterizacio de uma determinada expressao de PCI ‘a pesquisa etnografica deve ter prioridade e preponderincia absoluta sobre a ‘pesquisa hist6rica [Nao obstante o carécterfrequentemente indissociével entre o PCI eos seus suportes ‘materias, movets e imoveis, verficam-se também por vezes equivocos entre aquele conceitoe 0 conceito de Patriménio Etogrifico ou Etnol6gieo.Paradoxalmente, sendo ‘oconceito de PCtherdeiro do caforso de década no ectudo, documentagio e valoriza- ‘Gio das cuturas de matriz tradicional e, como tal, herdedro da atuano das insituicdes de &mbito patrimonial e do proprio concelto de “PatrimOnie Etologico”, aquele assi- naa, na verdade, uma verdadetra ruptura com este iltimo. ‘Apesar da sua evidente proximidade, parece-nos que a maibr das divergéncias entre ambos reside do facto de que 0 conceito (de carictertécnico-ientifico) de “Patriménio Emolégico” resulta de uma estratégia de tematizagao da cultura de sentido top-down, xno Ambito da qual o discurso etic tem a preponderancia e € competéncia exclusiva das {nstancias cientfica,técnicas e admintstrativas(incluindo as museus) a patrimontal- zaclo de uma determinada expresséo cultural. Pelo contri, o conceito (de cardcter técnico-politico) de “Patrimonio Imaterial” resulta de uma tematizacao (ou, como se Ihe refere a Convencdo UNESCO 2003, de unna “identificacio") de sentido Bottom-up, fem que a preponderancia€ conferida ao discurso emic eo processo de patrimonializa: (Go deve resultar da propria iniciativa dos detentores do PCI('comunidades, grupos & {ndividuos”), competindo apenas as instancias cientficas, téenicas e administrativas © reconhecimento ¢a validagao (administrativa, centifica e/ou politica) desse processo. Central na Convencio para a Salvaguarda do Patriménio Cultural Imaterial, esta con- ‘cepedo strietu sensu de PCI resulta, naturalmente, de dificil operacionalizacdo, por parte dos agentes patrimoniais envolvidos no estudo © documentacao do Patrimonio Emol6gico, designadamente os mais afastados das realidades locais ¢ ‘sem relacao directa e permanente com as comunidades de detentores do PCI, como ppor exemplo os Museus de ambito nacional, mas também por parte das Universi- dades, dos Centros de Investigacio e da prépria administragdo cultural de imbito nacional. £ precisamente esta a razo pela qual o regime juridico nacional para 0 PCI confere especial importéncia aos municipios e a administracéo culzaral com ‘maior *proximidade” com as comunidades, as Direccbes Regionals de Cultura, Nao obstante tals dificuldades da actuacao efectiva em matéria de salvaguarda do PCI, nomeadamente a partir de instancias de implantacdo central, so evslentes as virtalidades metodoldgicas que a transicao do conceito de “Patrimonio Etnol6gico” para o conceito de *Patrimonio Imaterial" encerra para as entidades de vocagio patrimonial, devendo ser destacada a necessidade da deslocagao da aten;fo: ) dos produtos para os processos (ie, 0 enfoque nao é colocado sobre os objectos - moveis ‘ou iméveis ~ mas sobre os processos ~ socials, tecnicos, simbolicos, et. - que Ihes ‘estio na origem i) dos objectos para as pessoas (procurando identificar nio apenas ‘os agentes que os confeccionam ou utilizam - e intervém nos correspondentes pprocessos ~, mas, sobretudo, dar voz. e protagonismo a esses mesmos individuos sobre 0s significados que para eles tém esses olnjectos); i) da parte para otodo (Le, procura do entendimento do sentido pleno do objecto ~ movel ou im6vel ~ no sea contexto de origem, ¢ do que ele revela ou nele se convoca dle dinimicas socials da respectiva comunidade ou grupo). 4. "Salvaguarda: detentores © mediadores Um tipo de equtvocos frequente no terreno do PCI, extensivo ais ao epatriménios ‘em geral, ¢0 que resulta da sua concep¢o maximalista e da correspondéncia ime- ddiata entre «PCI» eas) “culturas)” de matrz tradicional globalmente consideradas, ignorando que a propria configuracao de uma determinada expressto como «PCI> ‘decorre de um processo de objectificacdo e re-significacao, em que essa mesma ex- pressio, em detrimento de outras possiveis para um mesmo tempo, lugar e meio social, é seleccionada para alvo de um processo de patrimonializagZo, no qual in- {ervéin, sequencial ou sucessivamente, nfo apenas os proprios detentores, mas tam- bém agentes de caracter tecnico, centifico e administrativo, e que culmmina num acto de proteccao, juridicamente sustentado a escala nacional (e internacional), ex- presso no seu registo num Inventério (ou Lista). Nem designando ui determinado tipo de realidade cultural de matriz tradicional, nem pré-existindo como realidade patrimonial por todos imediatamente identift. cada cama ral, 0 «PCs, tal como todos 08 restantas tipos de “bens patrimeniais” & assim, sempre o resultado de uma construcio social, as escalas local, regional, na ‘ional e eventualmente internacional. Resultando de wm recorte na “cultura” de ma. ‘tz tradicional, PCI, em Portugal, sio apenas as express6es culturais que beneficiam ‘desse processo de patrimonializacio ¢ correspondiente inscri¢do no Inventério Na- ional do Patriménio Cultural Imaterial, no seu homologo para a Regido Autonoma dos Acores e, naturalmente, nas Listas instituldas pela Convengao, como jésucedeu com 0 Fado, candidatado a Lista Representativa do Patriménio Imatericl da Hu- ‘manidade previamente & implementagao do INPCL. ‘Um outro tipo de equivocos recorrente no campo do PCI decorre da falta de atengao ‘20 factor crucial na Convendo para a Salnaguarda do Patriménio Cultural material e que nesta resulta numa verdadeira mudanca de paradigm face aos instrumentos hom6- Jogos para a protecao do patriménio que a antecederam: o lugar que desempenham no processo de patrimonializacio do PCI as “comunidades, grupos e individuos": «Comunidades: redes de pessoas cujo sentido de identidade ou relaciona- ‘mento emerge de uma partiha historia, radicada na pratica e transmis: so de, ou com 0 envolvimento com o seu patriénio cultural imaterial. ‘Grupos: compreendem pessoas que, no interior d: ou entre comunidades, partiham caracteristicas tais como aptiddes, experiéncias e conhecimen: tos especiais,e, como tal, desempenham papéis especificos na actual ou futura pratiea, recriacio e/ou transmissio do seu patriménio cultural ima terial, como, por exemplo, guardides culturais, praticantes ou aprendizes, Individuos: aqueles que, no interior de ou entre comunidades, detém ap- tiddes, conhecimentos, experiéncias e outras carecteristicas especificas, ¢ ‘que, como tal, desempenham papéis especficos na actual ou futura prtica, re-ciagio e/ou transmissdo do seu patrimdnio cultural material como, por ‘exemplo, guacibes culturais, praticantes ou, quando aplicavel, aprendizes. [Nos principios nos conceltos da Convengdo, as pessoas constituem-se, de facto, como os detentores e mais importantes stakeholders de cada expressao de PCI, sendo 0 seu *reconhecimento”, expresso no seu envolvimento e participacio activa no processo de patrimonializacdo, indispensével para que ume determinada expresséo cultural seja construida, desde o momento da sua “identficagdo" & sua protecgio legal, como «PC. Contudo, é com frequéncia que no processo de valorizagio patrimontal do PCI se Jgnora esse papel, entendendo-se os reais detentores apenas como seus especta- ores e/ou benelietarios, e reservando-se a agencalidade efectiva a Institulgbes de ‘caricter formal, por vezes totalmente exdgenas @ comunidade propriamente dita. Em certos casos, para suprir tal necessidade processual recorre-se ainda & agregacdo formal da comunidade a iniciativa, a posterior, através da realizacGo de sessoes de eselarecimento ou de “divulgacdo”, ot mesmo da angariagdo de declaragdes ou car- tas de intengBes de agentes diversos pare o dossié que fndamenta o processo de patrimonializacao, Um dos principais paradoxos decorrentes da salvaguarda do PCI, assinalado 44 por inimeros autores, decorre do facto de que, a despeito do lugar central que se reserva as "comunidades, grupos e individuos", a salvaguarda do PCI exprime-se por um elevado grau de actuacao institucionalizada sobre a cultura popular, as escalas local, regional, nacional e internacional, em que participam associacées, universidades, centros de investigacdo, museus, as adminis- tagbes local, regional e central, ¢ inclusive, no ambito das candidaturas as Listas da Convengdo, comiss6es de honra, cientificas e executivas, a propria Comissio Nacional da UNESCO, 0 Ministério dos Negocios Estrangeiros ¢ a propria UNESCO, entidade responsavel pelo actual ciclo de valorizacao das "ats erat ot Rams de gare Pri fp Grr Ca UNESCO port Ran ete a ea ges bl aed ae fos a cs is Covent po s Saguaro Pans Caan teal gc 5 Megs 0S ot sgarpennpeecetaemontonn culturas populares ¢ referencia incontornével para todas as accdes de salva. guarda do PCI, mesmo quando nao se concretizam na inscricao nas Listas da Convengao. De facto, desde a tltima década néo poderiamos falar de salva- guarda do PCI se nao consideréssemos a importancia efectiva que desempe- nham todas estas entidades, desde logo o da organizacao mundial de que emanam os conceitos, 03 normativos ¢ as orientagbes técnicas para a salva- guarda do patriménio das «comunidades, grupos e individuos», replicados e/ou adaptados as escala nacional por cada Estado parte na Convengdo. Nao devendo ser iludido o papel desempenhado por todas estas entidades, assim como os processos de actuagao institucionalizada decorrentes da pro- ducao de normativos especificos para o PCI e da instituicéo de mecanismos de protecio legal, como 0 INPCI ¢ as Listas da Convenrdo, devera ser reconhe- ‘ido que esta crescente instituclonalizacao ¢ regulacao sobre o sector S80, em grande medida, absolutamente inconsequentes para a viabilizacao, transiais- ‘a0 e pratica futura das manifestacdes do PCI, que néo sio passivels de pro- eccdo com recurso a leis e instituigdes caso as dindmicas sociais das comunidades ¢ dos grupos para os quais esse PCI ¢ fonte de sentido iden- titario ndo possam ter continuidade. Foi neste quadro conceptual que na elaboracdo do regime juridico nacional se afastou qualquer possibilidade de intervencao do Estado na gesto e viabiliza- ‘Go do PCI, reservando-se as “comunidades, grupos e individuos" o papel fun- damental ¢ indispensdvel a transmissio futura de uma manifestaczo de PCI, € reconhecendo igualmente, como jé referido, que a permanéncia de uma ‘manifestacdo de PCI decorre directamente das condigées socials quea susten- tam e The conferem sentido. Nao obstante a exigéncia técnica, clentifica ¢ administrativa de que se reveste a tramitagdo dos pedidos de proteccdo legal de PCI, o regime jurfdico visa assim, implicitamente, reduzir ao miuimo pos- sivel a actuagao institucionalizada sobre o patriménio imaterial, ao mesmo ‘tempo que promove o conhecimento qualificado sobre uma manifestacio do PCI como o meio fundamental para a sua salvaguarda, Contudo, deve destacar-se o facto de que, para além da exigencia cientifica que se deve revestir a documentacao de uma manifestacao de PCI, constitut com- ponente fundamental da sua proteccio legal a apresentagio de um plano ot de medidas de salvaguarda adaptadas a situacio presente da manifestacio, en- contrando-se a entidade responsavel pela iniciativa de inventariacio vinculada ‘ implementacio de tals medidas, de forma auténoma ou em colaboracao com outras entidades, conforme requerido no Anexo Ila Portaria n.° 1962010, de 9 de Abril Prevendo 0 Decreto-Lei n.° 139/2009, de 15 de Junho, que a “reviséo" da in- ventariagao se realize ordinariamente em periodo de 10 anos, naturalmente sob responsabilidade da entidade responsavel pela iniciativa original, cada prareslimento de revisio do inventério deverd necessariamente rellectir of efeitos da implementaco das medidas de salvaguarda inicialmente propostas, assim como, eventualmente, apresentar novo conjunto de medides para o periodo subsequente, tendo como objetivo principal assegurar a furura “via- bilizacdo” ou transmissdo intergeracional do PCI. Apenas em caso extremo de descontinuacao da pratica, documentada em contexto da atualizacao perlodica do seu registo de inventariacdo, podera ser considerado que este permanecers, 4 partir desse momento, como o testemunho documental jé nao de PCI, mas ‘de uma pratica social inactiva. 5, Do CEE a0 MNE: patriménio imaterial, museolégico e arauivistico A semelhanga do que tem vindo a suceder noutros paises, também em Portugal as accbes desenvolvidas no terreno do PCI tém tido como consequéncia a acrescida ‘visiblidade e revalorizacio do Patriménio Etnologico, desde logo no que respeita aos museus com coleccdes etnograficas, néo obstante os ja referidos desafios e Imitagées que se colocam s entidades de vocacio patrimonial cientifica na actua- (do sobre o PCI considerado strict sensu. No programa de trabalho definido logo em 2007 pela administrasio do patriménio |material, os museus ocuparam desde logo um papel de relevo, o que decorreu no apenas das atrbuigdes conjuntas para as éreas do PCI e do patriménio museolégico, ‘mas, particularmente, da consciéncia da importancia que os museus etnogréficos tain assumido desde sempre no estudo e documentacéo das cultures de matriz tradicional, naturalmente através de recolhas no terreno e da constituigao de colecebes, mas também, em décadas recentes, na constituicdo de arquivos indis- ppensavels para a documentacao das expressoes imateriais, O presente ciclo de politicas publicas para o PCI constitu, de facto, wma oportu- nidade para a revistagdo e actualizacao, por confronto com o terreno e no émbito de acgdes de documentacio do PCI, dos principais arquivos existentes em Portugal relativos as culturas de matriz tradicional, constituidos por recolhas etograficas, etomusicologicas, orais, audiovisuais, etc, constituidos ao longo de décadas de trabalho ndo apenas por museus mas também por centros de investigacio e inves- ‘igadores individuais, que, em muitos casos, urge preserver, através de programas concertados de digitalizacao e catalogacéo® ‘Tais arquivos constituem, na realidade, os primeizos inventétios cientificos do PCI, revestindo-se alguns de primacial importancia histéxica para a compreenséo das diversidades, especificidades, permanéncias e mudancas ocorridas neste ter reno. £ 0 caso dos arquivos do Centro de Estudos de Etnologia (CEE), eles proprios indissoctavels do proprio percurso da Museologia Etnologica e da mo- derna Antropologia em Portugal, integrados desde ha meio século no Museu Na- clonal de Etnologia (MINE). Os fundos documentais (em suportes de texto, fotografia, filme, som ¢ desenho cemogratico) constituidos a partir de 1947 por aquele Centro, configuram, na sua lobalidade, um dos arquivos pablicos de referéncia em Portugal para o conheci mento ea compreenedo do PCI, pois, longe de ge centear exchusivamente nas ex press6es materials, o verdadero alcance do CEE, e posteriormente do-MNE, ecorreu de uma verdadelra abordagem integrada a cultura de matriz tradicional, | | de que o Museu, a partir de 1963, preservou os testemunkos materia. Relativamente a esta actuagao conjugada que o MNE ¢ o CEE desenvolvem desde Iinicios da década de 1960, no contexto da recente criagao do primeiro, deve sublinhar-se que ela resulta de uma concepedo holistica da cultura popular, ndo compartimentada entre expresses materials ¢ imatericis, ndo obstante as im- pportantes linhas de investigacio e documentacZo das tecnologias tradicionais, ‘e que vem a ter expressio na realizacio de recolhas de terreno, resultantes de um prévio conhecimento deste no quadro de levantamentos sistematicos e ex- ‘a en ert em tie rae ran Serre ecenenne gaa ccee e ee ed ‘irae seperate mene tensio ao todo nacional desenvolvidos desde 1947 pelo CEE. Esta indissociabili dade entre a salvaguarda de expresses materiais (através da constituicdo de ccolecgdes sistemiticas) e a salvaguarda das respectivas expressées imaterials {através da producdo de registos fotograficos, filmicos e sonoros), constitul ‘igualmente uma das marcas do vanguardismo do Museu Nacional de Etnologia ppelo modo como desde cedo organizou as suas exposicoes, conferindo nestas ‘uma presenca indispensével aos suportes documentais do PCI, através da pro- Jjeccao de filmes, da utilizacao generosa da fotografia, em diaporamas ou em ‘ampliacoes de grande formato, da sonorizacao ambiente, de modo a permitir a0 visitante vislumbrar, no quadro dos muitos condicionalismos do contexto ‘museoldgico, o todo social original que ambos os tipos de fragmentos - abjectos ceregistos de informacdo - pretendem documentar. Neste sentido, podemos afi- ‘mar que 0 cardcter inovador da tradicdo museogréfica do MNE, depois ampla- ‘mente vulgarizada a nivel nacional, consistiu precisamente no recurso 208 registos documentais de PCI como componente indispensével da sua comuni- ‘eagao com 0 pablico e, como tal, como vertente de valorizacao e divulgacdo, em contexto museol6gico, nlo simplesmente da vida social dos objetos mas das ex- pressdes populares globalmente consideradas. a visao e do trabalho da equipa que hi meio século construin o Museu Nacional {de Etologia podemos ainda hoje retirar indmeras ligées. No ambito da museologia, a de que importa nao apenas recolher e guardar os produtos mas, acima de tudo, compreeniler os processos e 0 todo social que Ines dé significado e que, sempre {que possivel, mesmo nos museus mais afastados das realidades locas, importa dar expressdo a0 papel das pessoas e das sociedades que estio na origem da sua pro- dugao ou uso. No émbito do patriménto imaterial, ada necessidade do reconheci- mento da sua interdependéncia com o patriménio material e a consciéncia dos limites & sua salvaguarda. ‘Tendo a cetnologia de urgéncia» praticada pelo CEE e pela equipa organizadora do [MNE sido to duramente criticada, seria importante proceder num futuro préximo 4 sua reapreciagdo no contexto global dos processos de patrimonializagio, geral- ‘mente fundados na possibilidade da «perda, precisamente tal como a Convence0 UNESCO 2003, em cujo predmbulo se afirma que a adopeio deste Trataco decorre do reconhecimento aque os processos de globalizacao e de transformario social {..J acarretam, tal como os fenémenos de intolerdncia, graves ameacas de egradacao, de desaparecimento e de destruigao do patriménio cultural material, em especial, devido a falta de metos para a sua salvaguarda. A wetnologiade urgén” cla» do CEE e do MNE e ao seu projecto cientifico de interrogacio e documentagio de uma sociedade em mudanga em meados do século XX se deve, afinal,¢ principal corpus de conhecimento sistematico sobre as culturas de matriz tradicional em Por- tugal, a constituicdo das colecgbes etnogrificas e respectivos fundos documentais {de maior relevancia cientifica ¢ patrimonial a nivel nacional, ea ela se deve, enfim, ‘um dos fundamentais e mais sisteméticos inventarios do terreno que hoe desig. znamos por «PCI». Se, quando uma manifestaco do PCI desaparece ou evolui para algo radicalmente diferente o que dete permanece é apenas a sua memoria, importa sublinbar que 0 Museu Nacional de Etnologia € um dos principals lugares da meméria do PCT em Portugal.

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