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Emnio Mira y López

e a Psicologia contemporânea
... - uma interpretação

FRANCO Lo PREsn SEMINtRlO *

-
o que representou a vinda de Em11io Mira y López para o desenvolvimento e o
progresso da psicologia brasileira constitui hoje, há três décadas de distância no
tempo, uma realidade histórica bastante clara e inequívoca para todos. Ainda que
novas facetas possam sempre ser descortinadas, a significação essencial desse fato
parece, em nossos dias, delineada com suficiente precisão.
No entanto, há um aspecto da contribuição de Em11io Mira y López ã
psicologia e ã .ciência que não nos parece ter sido ainda suficientemente aclarado e
talvez compreendido. Uma faceta que por sua própria natureza e amplitude trans-
cende as fronteiras de nosso País, para integrar-se ao patrimônio comum do saber
de toda a humanidade. E é para todos nós um orgulho podermos hoje aquilatar,
retrospectivamente, o quanto dessa contribuição foi criado, elaborado ou desen-
volvido aqui, em nosso meio.
É o que tentaremos compreender e reconstituir. Nesta busca, sem a preo-
.cupação de traçarmos um quadro exaustivo, procuraremos acompanhar através de

- * Diretor do ISOP.

Arq. bras. Psic. apl., Rio de Janeiro, 30 (1-2): 21-36, jan./jull. 1978
três diretrizes, cruciais em nosso entender, a posição de Emílio Mira y López no
panorama científico contemporâneo, visando destacar não apenas o que ele soube
'dar à Psicologia Aplicada, mas principalmente o que ele criou no âmbito da teoria
e da ciência básica.
~ através da síntese renovadora adotada nas teorias fatorialistas da inteli-
gência, da caracterização das dimensões básicas que defmem a ação humana e do
desenvolvimento da teoria motriz da consciência que a posição teórica de Emílio
Mira y López adquire o sentido de um sistema integrado capaz de descrever e
explicar um amplo espectro do-comportamento.
Cada uma dessas três facetas só poderá ser entendida ao longo da trajetória
histórica do desenvolvimento científico em que se enquadra. Será então nossa
preocupaç!lo tentar recompor esses três segmentos, primeiramente em sua feiç!lO
singular para fmalmente podê-los equacionar em seu sentido integrado.
Se todos conhecemos e utilizamos a clássica distinç!lo acerca da inteligência
humana em três vertentes - 'a verbal, a abstrata e a espacial - poucas vezes tem-se
tentado situar essa fórmula aparentemente simples no complexo quadro da his-
tória da Psicologia da cogniç!lo. Toma-se, assim, surpreendente por vezes essa
verificaçilo, que aponta para uma clara convergência de um dilema aparentemente
insolúvel como foi e é o das perspectivas multifatoriais e multimodais, conflito
que polariza a psicogênese das estruturas mentais entre o programa endógeno e a
organizaç!lo ex6gena.
Uma reavaliaç!lo das buscas e tentativas realizadas por figuras cruciais neste
campo - com as quais Emílio Mira y López teve direta ou indiretamente um
relacionamento fundamental - toma-se aqui uma exigência preliminar.
Como é sabido, em oposiç!lo frontal à posiç!lo "globalista" de inspiração
binetiana, que tentava investiPr a inteligência humana em termos de seus resul-
-
tados - buscando assim apenas instrumentos de aferiç!lo e previsllo - as correntes
fatorialistas inauguradas pela escola inglesa visavam, desde o começo deste século,
desvendar a natureza intrínseca do processo cognitivo, por meio de um método
empírico e de recursos psicométricos elaborados para esse fun.
Inicialmente as posições de C. Spearman e de C. Burt colocavam o problema
em termos bifatoriais e hierárquicos; logo depois, em oposiç!lo a essa perspectiva,
desenvolvia-se no continente americano uma antinomia teórica representada pelas
correntes multifatoriais e multimodais. •
Enquanto os ingleses haviam tentado entender a estruturaç!lo da cogniç!lo
humana em termos verticais, flXando elos de subordinaç!lo e inclusão, coube à
escola americana centralizar-se no aspecto horizontal dessa estrutura, buscando
definir melhor suas características em termos de discriminação.
Isto é particularmente claro quando verificamos que C. Spearman e C. Burt
ergueram uma pirâmide de dois e de quatro níveis respectivamente, colocando em
seu vértice um ''fator geral", enquanto a atenç!lo de L. L. Thurstone se voltava
para 'diferenciar os ''vetores da mente", em termos de "habilidades mentais pri-
márias". Assim, enquanto Spearman detectara uma energia mental, no fator geral,

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de cunho endógeno, constuuindo um potencial inato, mas indiferenciado e apto a
alimentar as ilimitadas diferenciações dos fatores específicos, sujeitos ao desen-
volvimento da aprendizagem e da cultura, a escola americana voltava-se para esse
... processo de diferenciação. Torna-se fácil'hoje entendermos a resistência de Spear-
man a essa colocaçio - e a conseqüente dificuldade para ele admitir entre o fator
G e os infInitos fatores S estruturas intermediárias, bem definidas (tais como ..os
fatores overlapping correspondentes à perspectiva de K. Holzinger). Na medida em
que O' fator G constitua um potencial endógeno, não poderá estar sbjeito às
variações da cultura: só poderia ser entendido como uma energia apta a tratar
informações independentemente de sua natureza exógena; logo, a distinção entre
aspectos tais como nuniéricos, verbais, mecânicos ou outros só poderia decorrer
das elaborações culturais. Segundo nos parece, a resistência de Spearman envol-
veria provavelmente a difIculdade de ter que admitir tais aspectos, criados pela
cultura (logo exógenos), como programados pela estrutura inata da mente
humana.
Este paradoxo epistemológico entre uma plataforma endógena do psiquismo
e a natureza exógena de seus aspectos discriminantes passou parcialmente des-
percebido a L. L. Thurstone, cujas conclusões teóricas permanecem numa posição
ambígua. No entanto, o simples fato' de se admitir uma série de "habilidades
mentais primárias", como fatores universais e constantes, implica a postulação
tácita de uma organização endógena na estrutura da mente humana. Basta re-
cordar que Thurstone fora saudado como um Mendeleiev da Psicologia Cognitiva,
o que parece sintomático: significava interpretar os fatores thurstonianos - pri-

- mários e universais e, portanto, subjacentes a qualquer transformação pela apren-


dizagem - como análogos aos elementos da química.
Em franca oposição a tal perspectiva, bem como à da escola inglesa, situa-se
a posiçio multimodal de E. L. Thorndike e seus seguidores.
Aqui a colocaçio teórica inverte o próblema epistemológico e metodológico
.de Thurstone: Dio cabe mais buscar os elementos primários da cognição na mente
- endogenamente - e sim na cultura, em termos exógenos.
Ás estrutura! Dio pertencem ao psiquismo: são o produto histórico da cul-
tura e da civilizaçio que, gerando a linguagem, a matemática, a ciência, a técnica, a
mecânica e outros infinitos modos de padronizaçio institucionalizada da conduta,
organizaram os modelos da aprendizagem humana.
Diagnostica-se e avalia-se a inteligência humana em termos de uma sampling
theory entendida num duplo sentido: por um lado os fatores da cognição são
amostras dos infinitos modos de organização; e, por outro, cada indivíduo deve ser
entendido como uma tabula rasa ao nascer, que, pela aprendizagem, incorpora
uma certa cota dessas estruturas exógenas, tornando-se uma amostra das mesmas.
Não cabe entio buscar estruturas e fatores primários no sentido de Thurstone,
supostamente endógenos, e sim sistematizações culturais sem um número preci-

-
sável a priori. Segundo Thorndike, Dio se trataria de fatores (à guisa dos identifi-
cados por Thurstone como }V, Y, R, N. S, M, P, basicamente) correspondentes a

PricologüJ contemporânea 23
características da natureza cognitiva humana, e sim relativos a aptidões vinculadas
a processos de aprendizagem. Um elenco de 14 itens, consignado numa obra que
consubstancia o assunto (1940), é encabeçada por três aspectos cuja importância
não fora destacada no sentido que Mira y López desde a década de 20 havia
delineado. Tais aspectos representavam "a inteligência abstrata ou aptidão para
manejo das idéias, linguagem, matemática, ciências e negócios; a inteligência me-
cânica ou aptidão para compreender as coisas e os conhecimentos comerciais;
inteligência social ou aptidão para compreender outras pessoas e animais". É
importante notar que estes itens estão arrolados numa lista que inclui até a "apti-
dão para o galanteio e o casamento"}
Dentro do princípio de que tudo o que depende da institucionalização
sociocultural se estrutura exogenamente e passa a ser adquirido por aprendizagem,
é óbvio que todas as instituições sociais são suscetíveis de gerar corresponden-
tes "fatores" cognitivos.
Aparentemente mais agudo sob esse ângulo fora o prognóstico inicial de
Thurstone, tal como aparece em sua primeira obra fundamental sobre o assunto e
anterior ãpublicação dos resultados da conhecida análise fatorial que apontaria as
"habilidades mentais primárias" já discutidas. De fato, nessa obra 2 evidenciara
Thurstone a expectativa de poder encontrar, por via empírica, um fator verbal, um
fator abstrato e um ou dois fatores espaciais. Desta forma, sua posição aproxi-
mava-se bem mais da que constituiu o cerne da teoria de Mira y López. 3 No
entanto, a partir dos resultados obtidos pela verificação empírica, publicada em
1938, ele abandonaria uma trajetória promissora para voltar-se ao entendimento e
ã compreensão de cada um dos fatores encontrados. 4
O impasse aberto entre as posições multifatorial de Thurstone e multimodal
...
de Thorndike ainda hoje repercute no duplo modo de se proceder ao diagnóstico,
principalmente na área de Psicologia do Trabalho. Por outro lado, a tentativa de
se identificarem fatores universais a partir dos quais as condutas seriam prognos-
ticadas como produtos combinatórios. Em busca de uma provável saturação desses
fatores nos comportamentos a serem avaliados, tenta-se prever condutas resul-
tantes pela mensuração de seus ingredientes potenciais, por meio de testes que
visam isolar esses fatores. É o princípio multifatorial que norteia todos os exames
centrados nas aptidões gerais diferenciadas. Por outro lado, a busca de "elementos
idênticos" entre uma conduta e ouira, em termos de amostras correlacionadas e

I Thomdike, E. L. Human nature anti the social dader. New York, Macmillan, 1940.
2 Thurstone, L. L. Multiple'lactor analysis: a development and expansion 01 the Vetors 01
Mind. Chicago and London. The University ofChicago Press, 1947.
3 Produto patente desta aproximação entre Emluo Mira y López e L. L. Thurstone e o conhe-
cido "Teste de Barcelona".
4 Thurstone, L. L. Primary mental abilities. New Yoik, Chicago, The University or Chicago
Press, 1938. ....
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equivalentes, tem levado a exames de desempenho, de comportamento simulado e
à valorização dos conhecimentos adquiridos em detrimento da busca de supostas
aptidões. É a posição multimodal que conta ainda hoje com grande número de
... adeptos nos Estados Unidos. 5
Estas posições não conseguiram todavia vencer o impasse que traziam em
sua própria formulação.
Coube a Em11io Mira y López efetuar uma síntese apta a compatibilizar
ambas as doutrinas, dentro de uma perspectiva que hoje vem-se afirmando prin-
cipalmente após o desaparecimento de seu autor, cujo mérito nem sempre é devi-
damente reconhecido.
Partindo de uma postura predominantemente behaviorista e, portanto, mais
próxima de uma posição multimodal, compreendeu Mira y López que todos os
modos de aprendizagem do ser humano tendem a se aglutinar em termos de três
características fundamentais da natureza humana ou estruturas da própria con-
duta:

a) o modo verbal, realizado por meio da linguagem oral ou escrita e que


envolve trabalho e atividades com pessoas e comunicação entre pessoas;
b) o modo espacial, que caracteriza a atuação sobre realidades físicas, concretas
e respectivas transformações (ainda que utilizando uma representação imediata
vinculada à percepção); •
c) o modo abstrato, que envolve uma forma peculiar de ação não mais sobre

- realidades diretas, e sim representativas - a atuação simbólica sobre idéias e rela-


ções.

Esta posição permite uma recolocação de todo o problema à medida que,


através desses três canais básicos, possamos aglutinar quer estruturas endógenas,
quer aquisições exógenas.
Fatores como os identificados por Thurstone - mesmo respeitando o prin-
cípio da independência, decorrente de sua ortogonalidade - poderiam ser repor-
tados aos três modos essenciais da conduta. Abre-se desta forma uma nova pers-
pectiva diagnóstica, que nos permite reinterpretar numa rede tríplice as habili-
dades primárias thurstonianas.
Assim, W e V, por um lado, R e N por outro poderiam ser avaliados em
conjuntos diádicos. É esta uma tese que há anos defendemos e procuramos difun-
dir,6 sempre destacando que a consideramos diretamente derivada da formulação
teórica de Mira y López.

5 ,Em 1963, J. M. FaveIge publicou um artigo fundamental em favor dessa posição.


6 Seminério, F. L. P. Questões metodológicas sobre orientação profissional. Arquivos Brasi-
_ leiTOS de hicotécnica, n. 2, p. 113-32, 1968.

hicologia contemporânea 2S
Para melhor entendermos tal proposiçio, parece oportuno reportarmos o
modelo diagnóstico que nos foi possível elaborar em termos de uma aplicaçio
metodológica da fundamentaçio teórica de Mira y López.
Se considerarmos a validade de uma perspectiva hierárquica - tal como
definida pela escola inglesa - e de uma discriminaçio horizontal de fatores quali-
tativos - em termos thurstonianos - poderemos utilizar a tríplice distinçio de
Mira y López para estabelecer uma integraçio de relações apta a dar um caráter
sistêmico ao diagnóstico dos aspectos intelectuais, e a compatibilizar assim a posi-
çio hierárquica, a multifatorial e ~multimodal.
O diagrama a seguir ilustra claramente essa possibilidade.

Diagrama 1

r---""
I G I
-r--I
I
+
Área verbal Área abstrata Área espacial

W N Ss •

V R Sm •

• O desdobramento do fator S (unitário em Thurstone), para f"ms de diferenciação aplicativa


(correspondendo a relaç3es espaciajJ estáticas e a imagens antecipat6rias do movimento, tal
como no raciocínio mecinico), corresponde a uma nossa proposição (1968) que incluiu a
supstlo dos símbolos discriminativos S. e Sm (veja referência bibliográfica n.O 6). ..
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Aponta-se aqui a possibilidade de se subordinarem as três áreas qualitativas e
discriminantes, identificadas por Mira y López, a um padrão de energia mental

.. interindividualmente variável e intra-individualmente constante (tal como fora


postulado por Spearman). Evidencia-se ainda que os fatores de Thurstone po-
deriam, sem prejuízo de sua especificidade, desempenhar suas respectivas com-
petências dentro dessas três áreas básicas da conduta. Deste modo, na área verbal
haveria a participação combinada, ainda que independente, de fatores quer rela-
cionados ao manejo dos aspectos simbólicos (diríamos hoje envolvendo a atuação
sobre os "significantes", ou seja, o fator W), quer vinculados aos aspectos semân-
ticos (ou seja, o fator V relacionado com os "significados"); na área simbólica
poderíamos reunir duas principais habilidades: uma vinculada à captação de rela-
ções que não são dadas, isto é, à identificação de razões (fator R), e outra como o
manejo comparativo e modulado de relações e razões já definidas (fator N).
Finalmente, na área espacial toma-se possível inserir não apenas as habilidades
ligadas ao fator S de Thurstone, mas todas as que decorrem dos fatores dessa
natureza encontrados em investigações posteriores.
Quanto aos fatores P e M, que correspondem respectivamente aos padrões
de concentração sobre os estímulos percebidos (até certo ponto uma recolocação
da "atenção" negada por Spearman), e às condutas de fixação - retenção da
informação recebida - graças à posição de Mira y López, torna-se possível uma
dupla abertura:· por um lado uma diferenciação de acordo com a natureza dos
estímulos, o que permite, para fins práticos, diagnosticar mais precisamente a
atenção e a memória de acordo com os canais e as fontes estimuladoras verbais -

- concreto-visuais ou simbólicos; e, por outro lado, mais exata compreensão do


papel não qualitativo, e sim intensivo desses dois processos, como concentração e
como duração da atividade cognitiva.
É óbvio que a verdadeira chave desta discriminação reside na delimitação
precisa que Mira y López nos legou ao defmir três áreas distintas e irredutíveis da
atuação do homem em relação ao seu ambiente.
É importante observar que, principalmente a partir de 1965, as descrições de
análises de trabalho promovidas pela OIT centralizam-se nessa tríplice diferen-
ciação (verbal, abstrato e espacial), como a que melhor caracteriza as diferenças
reais entre as diversas modalidades de atividade humana.
Pessoalmente, já nos esforçamos por apontar este como sendo o aspecto
mais estável e defmido em termos de especificações e requisitos para o trabalho; é
o que nós costumamos identificar como papéis profissionais básicos em contra-
posição às linhas profissionais, que representariam as profissõe.s institucionalizadas
pelas normas organizacionais e educacionais. De fato, sempre houve modo de
atuar com pessoas e sobre pessoas no desempenho de um papel humano ou sobre
objetos e realidades físicas, por meio do exercício de um papel concreto, ou sobre
idéias, símbolos, planos e documentos, atendendo a um papel e~ncialmente

- abstrato. É óbvio que há menos diferença quanto às especificações de trabalho, na


maioria dos casos, entre profissões distintas, mas dentro de papéis correspon-

Pricologia contemporânea 27
dentes, do que dentro da mesma profIssão quando esta oferece perspectivas de se
desdobrar em especialidades com papéis diferenciados.
E para concluir a importância desta contribuição bastará observar o quanto
se antecipou às concepções mais recentes da cibernética e da teoria da comuni-
cação, em termos de diferenciação dos "canais" e principalmente em termos da
colocação de "linguagens" básicas que. representam, em última análise, e.sses
modos primordiais de explicitação da ação humana.
A diferenciação das áreas verbal, espacial e abstrata constitui a rigor apenas
uma das quatro dimensões básicas que, desde sua tese de doutoramento em
1923,7 Eml1io Mira y López considerou fundamentais para descrever a atividade e .
o trabalho humano.
É no conjunto dessas quatro dimensões que situaremos, portanto, a sua
segunda contribuição fundamental ao progresso teórico da Psicologia.
As três dimensões restantes formam um todo coerente e consistente com a
primeira. De fato, ao lado do modo de atuar, já discutido, situam: a variação que
decorre da atuação predominantemente física ou predominantemente mental; a
que envolve mais percepção ou mais reação (em termos de resposta motora); e a
que permite maior automatização, ou exige mais alta variabilidade.
Antes de examinar em maiores detalhes cada uma dessas variáveis, defInidas
por Mira y López como parâmetros essenciais, aptos a dimensionar qualquer
forma de análise do trabalho humano, convém notarmos que nesse conjunto
situa-se o que hoje constitui 0- cerne das atuais concepções cibernéticas, quando
estas se voltam para defInir, avaliar ou simular qualquer modalidade de compor-
tamento. ....
A primeira distinção entre trabalho físico, psicofísico e mental traduz e
antecipa com lucidez a dupla dicotomia contemporânea de "energia" e "infor-
mação", por um lado, e de hard-ware e soft-ware, por outro.
N. Wiener tem enfatizado a diferenciação entre atuação energética e infor-
rnacional de qualquer máquina, considerando os organismos vivos e o ser humano
como os protótipos de qualquer máquina. Toda máquina, em termos de genera-
lização, age ou de forma "energética" - produzindo transformações físicas - ou
de forma "cibernética" - promovendo transformações ou veiculações informa-
cionais, reguladas e retro-alimentadas. Os dois níveis tendem a se sobrepor à me-
dida que, ao predominar a atuação informacional, a energia passa a exercer um
papel de suporte ou canal, como no clássico exemplo da energia elétrica para os
sinais telegráfIcos.
Os conceitos de hard-ware e soft-ware na moderna informática são, até certo
ponto, correspondentes a essa distinção, visto que se trata de diferenciar entre a
sistêmica utilizada pela infra-estrutura física de qualquer máquina e a sistêmica

TIVemos o privilégio de nos ser mostrado pelo próprio Dr. Mira um documento original
daquela época, contendo essas informações já sistematizadas do modo como vieram a aparecer
mais tarde em suas obras básicas sobre o assunto. ...
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que permite organizar, programar e veicular o fluxo e as mensagens da informação
transitante. Em termos humanos estaríamos perante a distinção entre o suporte
físico, corporal e a atividade mental.
~ essencial, aqui, observar que o conceito e a discriminação propostos por
Mira y López correspondem, na teoria e na prática, a essa dupla distinção e nos
levam hoje a poder aquilatar, dentro dos mais atualizados processos de verificação,
o quanto de energia e de informação existe no trabalho e, principalmente, de que
modo a primeira se subordina em organização ao desempenho da segunda.
Hoje, talvez preferíssemos categorizar o trabalho como "energético" e
"informacional" quando nos valêssemos das mais avançadas e sofisticadas formas
de análise; mas nlIo resta dúvida que continuaria sendo uma retradução, em código
atualizado de um conceito suficientemente claro, na perspectiva de Mira y López,
quanto à variação e proporção que se estabelece, no trabalho e em qualquer
comportamento do ser humano, entre o uso de uma energia física ou de uma
informação mental.
A mesma relação podemos registrar frente à outra dimensão básica - a que
fixa o grau de automação ou variabilidade no comportamento e no trabalho. Na
cibernética atual representa um aspecto crucial para poder reavaliar a significação
intrínseca da programação da atividade.
~ a relação que em nossos dias permite distinguir entre "heurísticos" e
"algoritmos". Os primeiros representando a atuação por um caminho novo, a
solução nova, exigindo ruptura e saída de trilhas preexistentes, enfrentando-se
entropia e incerteza; o segundo é o caminho certo, definido, tal como ocorre nas
- rotinas de ação ou nas fórmulas abstratas para o cálculo. A conduta real, quer
explicitada, quer a nível representativo, é uma seqüência combinatória tendendo a
polarizar-se entre os extremos que caracterizam, por um lado, a criação e a inven-
tiva, e por outro, a aprendizagem e a automação.
Devemos a Mira y López uma definição clara em termos psicológicos desta
distinção vinculada aos padrões de atividade intelectual, da aprendizagem, e às
características personalógicas de cada ser humano, o que permite, por esta via,
avaliar os níveis de adaptabilidade do homem ao trabalho e a compatibilização
deste com os limites e a polarização de cada um; de modo particular toma-se
possível associar o grau de automaçlIo predominantemente iterativo às condutas
rotineiras e aos aspectos conservadores do comportamento, do pensamento e do
trabalho, onde a precisão sobrepuja a renovação; e, concomitantemente, o grau de
variação às ações capazes de abrir novos caminhos, o que representa não apenas
uma contribuiçlIo antecipatória das pesquisas de criatividade, mas também uma
compreensão integradora das variáveis mentalistas que compõem a constelação:
conformismo-oposicionismo, liderança-dependência, nível e tipo de inteligência.
A quarta dimensão proposta por Eml1io Mira y López, a que se refere ao
grau de envolvimento da percepção ou da reação (entendida basicamente como

- resposta motora), também constitui, à luz das mais recentes formulações da mo-
derna informática e, lato sensu, da atual teoria da informação e da comunicaçlIo,

PricologÍll contemporânea 29
um dado essencial para compreensão do comportamento de qualquer ser vivo e até
mesmo das máquinas artificiais.
A polarizaçio da atividade decisória e comportamental na "entrada" (con-
dutas percepcionais) ou na "saída" (condutas reacionais) e o quanto de conju-
gaçio destes componentes é possível diagnosticar em cada caso nos leva neces-
-
sariamente a perceber uma formulaçio francamente psicológica para as áreas hoje
cobertas pelos conceitos recepção (e decodificaçio) e emissão (e codificaçio) da
informaçio.
Ao postular Mira y López uma distinçio pautada nos processos psicofisioló-
gicos - as vias aferentes e eferentes - estava implicitamente abraçando uma
moderna concepçio de entradas e saidas informacionais, pela qual se poderia
desdobrar e discriminar cada atividade humana em função desses componentes.
A partir desta concepção torna-se fácil compreender uma integraçio que,
nas diversas dimensões de Mira y López, não é apenas implícita, e sim francamente
explícita, ainda que não se beneficiando da terminologia e dos modelos atuais; o
que não nos impede de entrever uma colocação seqüencial dos processos, tal como
a que poderíamos tentar recompor no fluxograma 1.
Nesse fluxograma podemos distinguir uma versão clássica do modelo da
teoria da informação, onde o lugar que é habitualmente ocupado pela "mensa-
gem" passa a ser preenchido pelo "tratamento" e "decisão" que lhe corresponde.
Estamos de fato não mais perante um fluxo lógico, e sim psicológico, onde
os aspectos empíricos e as variáveis respectivas corresPQndem aos comportamentos-
explicitados por via motora, cujos parâmetros referem-se às dimensões que Mira y
López identificou.
O que se torna surpreendente ao consignar esta seqüência em termos gráfi-
-
cos é que, em última análise, permite explicitar em seus diversos momentos um
correlato isomórfico dos modelos da teoria da informação. Isomói'fico à medida
que é constituído pelos componentes psicológicos paralelos àquele modelo.
A partir desta integração e do sentido unitário que Mira y López lhe atri-
buiu, torna-se compreensível sua posição e contribuição quanto à teoria ideo-
motriz da consciência.
Chegamos assim à terceira e talvez fundamental diretriz básica das propor-
ções que norteiam o acervo teórico e técnico que ele nos legou.
Se na área cognitiva sua posição havia-se caracterizado por uma síntese entre
as formulações de base endógena - multifatoriais ~ e de base exógena - multi-
modais - alcançando uma posição integradora; se na área do comportamento
conseguira deslindar entre os usos da energia e de informação (ainda que servin-
do-se de outra linguagem) e definir as variáveis psicológicas ligadas à entrada, à
saída, aos canais e ao tratamento; é na área emocional e personalógica que a
posição de Emllio Mira y López abre uma persp,ectiva conciliadora entre as teorias
condutistas, centradas nos modelos S-R, e as teorias mentalistas que tentam ultra-
passar o dado observacional, operacionista, em busca de relações funcionais subja-
centes e suscetíveis de serem formalizadas através de constructos hipotéticos. ....
30 A.B.P.A. 1-2/78
Fluxograma!

-
~~J
Tratamento
e -----)
------

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5
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I
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I (Algoritmos
e
I heurísticos)
I
I
- I
I
I
I
t
I 3.a dimensão:
I
I Atividade
automatizável
I

,
variável
I
I '---- f--
I
2. a dimensão:
I.
Atividade verbal abstrata - espacial

4.a dimensão: Atividade percepcional - percepto-reacional - reacional

La dimensão: Atividade física - psicofísica - mental

- i

Pricologúz contemporânea
Alternativa = Energia X Informação i

31
A "teoria motriz da consciência", embora reportada pelo próprio Mira y
López ao princípio da ideoplastia de Carpenter, à teoria das idées{orces de Fouil-
lée e à célebre afirmação de Willians James - "toda a consciência é motora" - não
deixa de evidenciar uma orientação watsoniana, embora venha a transcender con-
sideravelmente essa posição, à medida que não proscreve a consciência mas a
-
vincula aos processos comportamentais que a expressam através da motricidade.
Poder-se-ia objetar que desta forma até o próprio Watson já a poderia acei-
tar, em termos não substantivos e sim epifenomênicos. Desde que não se entenda a
consciência como um comando mentalista subjacente à conduta, e sim como uma
forma de implicitação de comportamentos adquiridos, não nos estaremos afas-
tando sensivelmente da linha behaviorista original. E, ainda mais, se as relações
captadas pela observação científica resultassem em mera generalização do dado
observado não estaríamos indo além do positivismo condutista: corresponderia
sempre a tratar o psiquismo como mera "caixa preta", buscando as leis entre as
regularidades que emergem a partir das entradas-estímulos e das saídas-respostas.
Ainda que nós tentássemos uma investida hipotética na "caixa preta", atra-
vés de "variáveis intervenientes", como o fizera Hull, não estaríamos ultrapas-
sando consideravelmente a posição watsoniana que se coloca num sentido de
afastar qualquer espécie de significação.
Talvez a perspectiva de Mira y López pudesse ser considerada mais próxima
da posição de E. C. Tolman, à medida que esta introduzisse, por meio dessas
variáveis intervenientes, a significação atribuível ao autor da conduta. E é esta
significação que reaparece na concepção de Mira y López, dando um sentido a
cada ato, a cada movimento no espaço, a toda manifestação do esquema corporal
e não apenas num sentido aferente, introjetando condutas pelo hábito, mas em
-
sentido bilateral e reversível, visto que, se uma atitude pode corresponder a uma
"postura corporal" cristalizada, o inverso também é valorizado, à medida que as
significações atribuídas aos objetivos da conduta estabelecem posturas corporais
correspondentes.
Postula assim Mira y López, ainda que por vezes com certa ambigüidade,
uma reversibilidade entre ação introjetada geradora de tônus e atitudes e a con-
cepção inspirada a Fouillée pela qual todo conteúdo ideativo é basicamente uma
força para agir.
Esta valorização da ação é - sob certo ângulo - mais piagetiana do que
behaviorista. E é neste sentido que se torna evidente a contribuição de Mira y
López, cuja posição assume basicamente um cunho mais constructivista do que
reducionista. .
À medida que a ação é estruturante, ao cristalizar direções voltadas para
objetivos significativos em atitudes, e que o meio se impregna de significações,
vai-se estabelecendo, através da via motora, uma plataforma dotada de sentido ao
redor do indivíduo: o espaço físico que circunda o sujeito não é neutro. Seguindo
uma concepção que ele atribuiu a Werner Wolf, o espaço apresenta direções dota-
das de sentido específico numa orientação que leva todo ser humano a executar os ....
32 A.B.P.A. 1-2/78
seus movimentos, normalmente para o alto (plano vertical) e para a frente (plano
sagital) e predominantemente para a direita (plano horizontal, onde ocorre ainda
outra manifestação de sentido, em termos de expansão generalizada, ou extra-
tensão, em contraposição ao retraimento frente ao meio do organismo sobre si
mesmo).
Estamos, portanto, perante um princípio de anisotropia do espaço fisico,
em que a tônica, colocada originariamente pelo gestaltismo sobre a percepção,
deslocou-se sobre a motricidade e a ação. O sentido constitutivo da sigtúficação,
atribuído inicialmente à via aferente, transfere-se, agora, para a via eferente, esta-
belecendo-se deste modo a aproximação à posição de J. Piaget. Mas enquanto o
constructivismo piagetiano se desenvolve no plano da lógica e da cognição, o de
Mira y López volta-se para a estruturação da personalidade.
Por este caminho poderíamos chegar a encontrar - nesta colocação de ação
consumada através da significação do espaço - um elemento que poderia ter
contribuído para o desenvolvimento de um conceito elaborado pela etologia: o de
''territorialidade'' .
Desta forma, as dimensões básicas da personalidade humana emergem a
partir de significações relacionais do indivíduo frente ao meio, que decorrem de
atos e se retraduzem em atos numa reversibilidade sistemática.
No plano epistemológico torna-se, assim, clara a fórmula de compatibili-
zação do behaviorismo com as perspectivas mentalistas: a ação é a ponte estru-
turante desses aspectos funcionais e o canal de sua explicitação. Assim, os cons-
tructos que correspondem a tais funções mentalistas encontram, por meio da
- operacionalização da expressão motora, sua plena tradução em variáveis empíricas,
num continuum que é assegurado pelo fluxo direcional das significações estabele-
cidas.
Esta reversibilidade plena à qual Mira y López atribuía até um sentido
diagnóstico e terapêutico (admitindo tanto a influência da periferia motora sobre
os aspectos centrais como a atuação recíproca) não se limita aos aspectos qualita-
tivos dessas diretrizes e dessas dimensões. As características quantitativas entram
na sistêmica dessas relações como expressão dos aspectos intensivos, ativantes
reguladores e inibidores de toda a dinâmica personalógica. A hipótese do aumento
e redução dos traçados no Teste Miocinético nos oferece um nítido exemplo dessa
perspectiva, à medida que Mira y López interpretou essas diferenças valendo-se de
dois termos largamente utilizados na literatura psicanalítica; o de "angústia" e o
de "ansiedade". No entanto, o problema foi por ele recolocado sob um prisma
absolutamente original, por se estabelecer uma dimensão contínua entre estes dois
aspectos, o que polariza a atividade humana entre o bloqueio numa extremidade e
a agitaçã'o descoordenada na outra, como duas possibilidades opostas de ruptura
. da homeostase emocional, ao longo de um continuum da mesma variação.
Se consideramos o termo "angústia" (angst) na obra fundamental de Freud

- sobre o tema, verificamos que a sua característica é uma reação ao perigo; "a
angústia surgiu originalmente como uma reação a um estado de perigo e é repro-

hicologia contemporânea 33
duzida sempre que um estado dessa espécie se repete."s Distingue Freud entre
inibição (que deve ser claramente diferenciada do sintoma por se desenvolver em
outro plano), angústia e regressão. Esta, decorrendo da angústia, gera os sintomas,
através da luta contra os impulsos. No entanto, os textos freudianos, em língua
..
original, não evidenciam uma diferenciação clara entre conceitos que correspon"
deriam em nossa língua aos de "angústia" e "'ansiedade".9
Uma perspectiva diferente aparece em H. S. Sullivan 10 para o qual a "an-
siedade", anxiety, está ligada à segurança como processo eminentemente mental,
em contraposição às reações que permitem transformar transtornos em sintomas.
Análoga posição encontra-se em K. Horney, através do conceito correlato ao de
"angústia básica". 11
No entanto, a posição de EmI1io Mira y Upez ultrapassa essa dupla direção
para estabelecer basicamente uma unidade bipolar. A partir desta concepção
torna-se possível considerar as alterações do equihbrio homeostático como modi-
ficações da atividade e seu ritmo, o que poderá levar a uma gradativa polarização
estaticogênica, definida como a "angústia", correlato de uma somatização inibi-
tória, ou à tentativa de extravasar a tensão por meio de um aumento da estimula-
ção mental central, com conseqüente aumento dinamicogênico da atividade psico-
motora, o que corresponde ao padrão da "ansiedade". 12
O tônus psicomotor de cada um torna-se então um fator crucial dessa con-
tração ou dessa expansão da atividade, o que permite, também, situar cada ser
humano ao longo dessa. variação, de acordo com o tipo de reação prioritária que
lhe cabe, predominantemente, ao longo dessa dimensão personalógica.
Ainda dentro do conjunto de contribuições de Eml1io Mira y López, cabe
aqui relembrar sua preocupação com relação a um tema que se vem tornando, nos
-
últimos tempos, do maior interesse: o da dicotomia dos hemisférios cerebrais e a
distinção de sentido que lhes compete. Os mais recentes trabalhos no âmbito da
biologia, da psicopatologia e da antropologia vêm revelando uma série de com-
provações em relação ao sentido dessa distinção. Particular interesse adquirem

• Freud, S./nibição, sintoma e angústia. Buenos Aires, rodo americana, 1943.


9 Destaca-se que enquanto na maioria. das traduções o termo original "Angst" aparece como
angústia, em outros (ex. Ed. Standard Brasileira) é traduzido como "ansiedade", tal como em
inglês "anxiety" .
• 0 Sullivan, H. S. Concepciones dela psiquiatria moderna (conferencia I). Buenos Aires,
Psique, 1959.
.. Homey, K. Novos rumos na psicanálise. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1959,
cap.7.
_ _ _ o A personalidade neurotica do norro tempo. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasi-
leira, 1961, capo 3.
12 Poderíamos ainda aqui inquirir em que medida teria influenciado a posição de Emt1io Mira
y López a antiga distinção de Brissaud (1980) entre ansiedade e angústia, bem como o prin-
cípio de "organodinamismo" de H. Claude (Tentativa de Compatibilização das Teorias de
H. Jaclcson e S. Freud).
....

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aqui as investigações de B. Milner, que ao destacar o papel do hipocampo na
ftxação mnêmica atribuiu ao hemisfério dominante a conservação de conteúdos
. verbais. É, em última análise, uma versão mais específtca e talvez reftnada da
posição d~ Eml1io Mira y López, que sempre defendeu uma integração dos as-
pectos mais arcaicos e primitivos e dos mais recentes e aprendidos através dessa
dicotomia cerebral.
A obra de Eml1io Mira y López consubstancia uma construção teórica
ampla, abrangente e capaz de nos oferecer um panorama de sínteses originais no
qual se entrecruzam as principais problemáticas atuais da Antropologia, da Biolo-
gia e da Psicologia, e ao mesmo tempo dos modelos quer centrados na observação
da conduta, quer voltados para explicações funcionais mentalistas, tanto da área
da cognição como da emoção do comportamento e da personalidade, tendo-se
inclusive antecipado em diversas posições do maior interesse científtco de nossos
dias.
Indiscutivelmente estamos perante um modelo de estruturação de personali-
dade pautada numa reversibilidade da ação, capaz de gerar e ser governado por
signiftcações e apto a ftxar um novo sentido para a "expressão" na conduta 13.
Estamos perante uma redeftnição das estruturas cognitivas pelas quais a persona-
lidade opera e perante uma recolocação capaz de deslindar a atuação da perso-
nalidade em seu processo comunicativo, quer em termos de energia, quer em
termos informacionais; estamos perante uma compatibilização de perspectivas
biológicas e sociais do que é endógeno e do que é exógeno. Estamos, portanto,
perante uma perspectiva tão abrangente que envolve, dentro de um sistema, a

- totalidade do psiquismo.
Então, a esta altura, cabe-nos perguntar: por que tudo isto não é reportado,
pelo menos de modo fragmentário nas diversas obras que tratam de tais temas sob
o ângulo histórico?
Talvez porque o próprio Mira y López nunca tenha reunido num sistema
orgânico e uniftcado essas geniais intuições que ele esparsamente transmitiu à
posteridade.
Não hesitamos em aftrmar que talvez nem ele mesmo tivesse medido a
amplitude dessas concepções reunidas num sistema que hoje se nos evidencia
como implícito mas nunca chegou a ser claramente explicitado.
Cremos que, se uma limitação houve, esta decorreu talvez de não ter reunido
e interpretado sistemicamente o que ele criou.
Como muitas outras ftguras geniais do passado, não tirou talvez a conclusão
mais importante de suas próprias descobertas: é que estas formavam um todo, hoje

13 Sem dúvida devemos a Mira y López, e em especial modo à criação de seu teste miociné-
tico, uma defmição clara do conceito de "expressão" como manifestação das significações
subjacentes da personalidade, através da via eferente. Neste sentido, podemos hoje contrapor

- este sentido, bem como o de "técnicas expressivas" ao equivalente de "projeção" - quando


vinculado a "técnicas projetivas" - que corresponde às significações implicadas na via efe-
rente.

hicologia contemporânea 3S
evidente para qualquer investigador que se aprofunde no tema. Se ele houvesse
conscientizado e transmitido de modo orgânico esse sentido unitário, hoje sua
perspectiva teórica já teria alcançado um nível de consagraçio a que, indiscuti-
lO'
velmente, faz jus, mas que as partes isoladas de sua doutrina Dio lhe permitiram
ainda obter. E, hoje, nossa investigação, nosso aprofundamento pretende e espera
tomar-se um marco rumo a um reconhecimento que se impõe como uma exigência
de justiça perante a história.
É o nosso tributo, é a nossa homenagem ao mestre comum desta grande
escola que abriu novos caminhos para a psicologia brasileira. É o reconhecimento
de quem crê ter muito aprendido através de seus ensinamentos. É a tentativa de
restituir â história da Psicologia além das fronteiras de nosso País o sentido uni-
tário e unificado da mensagem que Eml1iO Mira y López transmitiu â humanidade
e â ciência, em seu constante anseio por desvendar os inúmeros caminhos do ser
humano.

Obras do Or. Emílio Mira y López

1926 - Teoria y práctica dei psicoaNllisis.


1932 - Manual de psicologúljurfdica.
1935 - Manual de psiquilltria.
1940 - Problemas psicológicos actua/es.
1941 - Manual de psicoterapill.
1941 - hicologúl evolutiva dei nino y dei adolescente.
1943
1943
1943
1945
-
-
-
-
Instantdneas psicológicas.
Fundamentos dei psicoandlisis.
Psychilltry in war.
Higiene mental dei mundo de postguerra.
-
1947 - Manual de orientación proFuiona/.
1947 - EI nino que no aprende.
1947 - Cuatro gigantes dei alma.
1948 - hiquilltria bdsica.
1948 - 'Cómo estudillr y cómo aprender.
1950 - Psicologúl militar.
1951 - Le psychodillgnostic miocinétique.
1953 - Manual de psicotécnicas (psicologúl aplicada ao trabalho).
1955 - hicologúl experimental.
1956 - Roteiro de SIlÚde mental.
1958 - Compêndio de psiquilltria.
1961 - Fatores psicológicos da productividade.
1961 - Hacill UNI vejez jovem.
1962 - La mente enferma (epitome de psicopatología y psicofumacología).
1963 - As vocaçlJe, e como delcobri-las.
1963 - DoctriNls p,icoana/fticas (exposici6n y valoraci6n crítica).
1963 - hicologúl de 10 vidtz moderna.
1964 - hicologúl da vida moderna (traduçio portuguesa).
1965 - hicologúl geral.
1964 - hicologill do penltl7flento.
1964 - A escolll do, ptlÍI.
1969 - TmuII atuab de pIicologill aplicad4.
1964 - hicologill e fUtebol.

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