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Decale 2000 , cap. 5 5. O Conhecimente Fonolégico CG Cevteer vente Fentatce Introducao A atilizagao da linguagem verbal para a comunicagao entre os individuos da espécie humana tem 0 seu formato mais frequente na produgao de enun- ciados de fala. Em falantes néo alfabetizados ou em comunidades sem um sistema de escrita implantado, a fala € a nica forma de linguagem verbal. No proceso de aquisi¢ao de uma lingua, 0 modo de obtengo da informa- do necessdria sobre o sistema linguistico em questéo € 0 contacto com os enunciados de fala dos outros falantes da lingua da comunidade em que a crianga est inserida. A avaliagao das propriedades da fala revela-se assim, 8 partida, uma tarefa fundamental para a descrigéio do conhecimento que temos de uma lingua natural. Quando falamos, produzimos enunciados que constituem uma sequéncia fonica. No entanto, € possivel identificar, na produgdo de cada enun- ciado, unidades discretas designadas como sons da fala. O continuo fénico que usamos para comunicar é, assim, constituido por uma cadeia de sons. Como veremos adiante, os sons da fala nio transportam signifi- cado por si s6: a palavra ler remete para uma acgdo especifica de iden- tificagdo de um registo escrito mas 0s sons que a constituem ({H}, [el. {+]) ndo possuem, isoladamente, qualquer significado no Portugués. Como se’ afirmou no capitulo 3, conhecer uma palavra é conhecer um significado indissocidvel de uma forma fénica. As palavras de uma lingua sao assim agrupamentos de sons, os quais, por si s6, nao transportam significados ‘mas contribuem para a construgdo do significado da palavra em que se inserem, Os sons que usamos para falar so o resultado de movimentos de um conjunto de érgdos e de misculos a que chamamos aparelho de produ- do de fala ou aparelho fonador’. Os sons usados nas linguas do mundo so apenas um subgrupo dos sons que este aparelho vocal humano é capaz. de produzir: 0 riso, o choro, um gemido ou um grito sao produzi- dos pelo aparelho fonador e, no entanto, no existe como sons com fungio linguistica. Por outro lado, os sons de uma sé lingua sao um sub- grupo dos sons usados para a comunicagao verbal em todas as linguas do mundo, Por exemplo, o som [@], que ocorre na palavra thing do Inglés, nfo € usado no Portugués. Mais ainda, nem todos os agrupa- mentos de sons so possiveis numa lingua: no Portugués, uma sequén- cia de sons do tipo fsktsp ndo constitui uma palavra possivel. A descrigio sistemiética e rigorosa do inventério de sons de um sistema lin- guistico ¢ do modo como estes se organizam faz parte da informagao contida na gramitica de uma lingua. A parte da gramética que trata esta informagao € designada como médulo fonolégico e desempenha as seguintes tarefas: (i) determina os sons com fungio linguistica no sis- “os parémtesis cestos ) sepresntam tsnacigio fone 2 Mai 8 fren, neste cat tulo, darseed intormagao sobre mgt da iden fieagio dos movimentas desenvlvids pelo apucho fonadoe, duane & producto 4 fala, para # descigdo stasifiag des 2on8 de ums ing 213 oma se ved diate, estas ‘os fases de abl remecem par a ts etpas da comune ‘cagio: o pote emissor és ponsivel pela produgSo da fala: & wansmissio da fla € feta por um meio Sco, oar a eadeiaferca tinge © polo receptor onde se da auigio 8 imerpreagio da caela fina, 214 tema e (ii) explicita a forma como esses sons co-habitam na cadeia #6nica, de modo a constituirem estruturas legftimas na lingua em obser- vaciio. Retomando a informagao fomecida no capftulo 2, 0 conhecimento da Ifn- gua envolve # capacidade de atribuir significados a gequéncias de sons ¢, inversamente, de "traduzir" significados em sequéncias de sons; desta forma, o conhecimento fonolégico remete para a capacidade de reconhecer e de utilizar: ( os sons da lingua; (ii) © modo como eles se relacionam na sequencialidade segmental da cadeia fénica, ‘A Fonologia explicita, assim, esse conhecimento fonolégico através de princfpios gerais que definem as condigdes sobre a interpretagdo fonética das palavras e das combinagies de palavras. A representacio sintéctica € interpretada pelos médulos ‘Fonologia’ ¢ 'Semfntica’, os quais Ihes atri- buem, respectivamente, uma representagiio fonética ¢ uma representagio semantica. Desta forma, completa-se 0 processo de associagao entre 0 scm 0 significado. ‘A Fonologia trata dois tipos de informaggo gramatical (i) a informagdo relativa aos sons ou segmentos com fungdo na lin- gua (Fonologia segmental, por tratar dos segmentos); (ii) a informacdo relativa a aspectos da fala que interagem com os sons numa sequéncia fonica, tais como 0 acento, @ sflaba, a entoa~ do, as pausas ¢ o ritmo (Fonologia suprassegmental ou prosédia, por tratar dos elementos que se sobrepem aos segmentos na cadeia fonica - os factos prosédicos). Mas nem toda a informacdo f6nica presente nos enunciados de fala tem, como se ver adiante, funciio gramatical na lingua. Assim, é preciso ava- liar primeiro as propriedades fisicas da fala (0 modo como os sons So pro- duzidos pelo aparelho fonador, 0 modo como a sua transmissao se efectua no meio que € 0 ar € 0 modo como os sons so ouvidos pelos receptores)’ para depois proceder a determinagdo dos sons ou dos factos prosédicos que tém funcao gramatical na lingua. A disciplina que estuda as propriedades fisicas dos sons da fala, através das quais € possivel a sua identificagio, descrigfo e classificacao, é a Fonética. Como se veri 2 frente, neste capf- tulo, Fonética e Fonologia so campos do saber que estabelecem relagbes estreitas no tratamento da informacao relativa ao conhecimento fonolégico que integra a gramética de uma lingua. Nas secgdes que se seguem, veremos de que modo € possivel identificar, descrever ¢ classificar os sons usados para a interpretagao fonética das palavras e das combinagSes de palavras do Portugué: 5.1. Relagées entre sons da fala e ortografia A primeira informagao explicita que recebemos na escola sobre o funcio- namento dos sons da fala é a de que eles se dividem em dois tipos: as vogais eas consoantes*. A observacio inicial sobre o relacionamento entre vogais € consoantes nas palavras remete para a alterndncia regular da sua distribuigdo dentro das palavras. Neste facto se baseia a histéria de que a seguir transcrevemos um excerto [In Manuel Ant6nio Pina (1995) O téplu- qué ¢ outras histérias. Porto: Ed. Afrontamento. pp. 10-13]: "(.) havia duas espécies de letras, as vogais por um lado, que eram 6 cinco, e as consoantes - a chamada "esmagadora maioria" - do outro lado, As privilegiadas eram as vogais. Na palavra privilegiado, por exemplo (..), 86 0s Is apareciam trés vezes €0.a umaeoe eo também uma cada um; e embora a patavra privilegiado tivesse na sua Constituigdo seis vogais e outras seis consoantes, das vogais s6 ficava de fora 0 u (...), a0 asso que das consoantes ficavam de fora ao todo 13! J4na palavra trabalhar era 0 contrério; havia seis consoantes e s6 uma vogal, 0a, que andava de uma sflaba para a outra para parecer que havia 14 muitas vogais a trabalhar, Gad As vogais podiam entrar em toda a parte, quer dizer, em todas as palavras, © até tinham palavras 86 para elas, ¢ as consoantes ndo; algumas consoan- tes, praticamente, nem entravam em palavras nenhumas, como 0 xis ou 0 gue (..) Allds, as vogais tinham tanto medo das consoantes - que eram mauitas mais, ‘que 86 muito raramente as deixavam andar juntas (..) Para além de evocar a existéncia de padrdes de alternancia na distribuigao de vogais e de consoantes nas palavras, 0 texto acima transcrito baseia a definiggo das propriedades inerentes ao funcionamento das vogais € das consoantes na observacao da ortografia ("havia duas espécies de letras, as vogais (...) e as consoantes). E deste modo que os sdo iniciados a reflexao sobre o sistema de sons da sua lingu: xo € mediada - € muitas vezes distorcida - pela aprendizagem do sistema ortografico oficial. “ua clasifcago dcotmice no € sucent, como se ver sian; um treo grup, © das semivogsis, complete a lista das clases principals ce sons das aguas natu 56 Unties etd, 200s" Actividades 1. Escreva o simbolo fonético parao primeiro som de cada palavra, em fungio da sua produgdo no PE: a, Seda >. Chapéu c. Teatro 4. Hera ©. Cadeira f. Janela g. Livro h, Artista 2. Apresente a transcricdo fonética de cada uma das seguintes palavras, em fungéo da sua produggo no PE: a. Banhos b, Raposa c. Malmequer 4. Palheta ©. Cigera £, Xarope g, Ponteiro b. Relégio 3, ‘Transcreva para o sistema ortogréfico as palavras que se encontram em transcrigio fonética: a. [ kerekst | b. [ pitire } c. [ égwe ] a. [ méfe ] e. [ bengjre ] £. [ dist ] g. [ kezeréw ] hb. [ peddsu J} 4, Detecte os erros nas transcrigtes fonéticas das seguintes palavras: a, Computador [ konputeddr ] b, Tecto [ tektu J ©. Porta { porte ] d, Mosquito { mifkita ] e. Girafa [ gitdfe J £. Optica [ stikea ] g. Passado { pessddu ] b. Exame { izéimi ] 5, Faga a transcrig&o fonética larga e a transcrigdo fonética estreita da seguinte frase: a. Os animais aninharam-se nos bragos das criangas, 37 "Andresen, Sophia ée Mello Breyoer (1985) “Pur deste Eu". In Antalogia. Porta: Editora Figuirinbas, p. 26 " Coreeia, Natélia (1993) “aumentémos a vida com palaveas". In O Sol nas Noi- les € 0 Laar nos Dias F. Lise bot: Cireulo de Leitres, p 78 58 6, Transcreva ortograficamente a frase e identifique em que tipo de transcrigéo fonética, larga ou estreita, se encontra representada a. [ uzdméjgdérewkumidawsgotifinus ] 7, Elabore a representagio ortogréfica do seguinte poema de Sophia de Mello Breyner Andresen'" [pudésewndwierlésugnéjlimit{/ ovidedmitfis{tréfourdétfy perepudérr|pddérawftewSkovitl sufpésugnesurprézeduciftet{i/) 8, Realize a transcrigdo fonética estreita do poema de Natélia Correia’, de acordo com a sua produgo em portugués europeu. “Aumentémos a vida com palavras gua a correr num fundo tio vazio. ‘As vidas so hist6rias aumentadas. Hi que ser rio. Passémos tanta vez naquela estrada talvez a curva onde se ilude o mundo. amor € ser-se dono endo ter nada. Mas pede tudo” 9. Leia cuidadosamente os seguintes excertos de um texto de Anténio Lobo Antunes. “Dona Graciete muito istimo ao receber desta isteja de boa ¢ felis saude na companhia de todos os seus que eu bem gragas a Deus Dona Graciete istou a escrever-Ihe purque li no junal o que aconteceu a0 seu filho Cabé (...) € comessei a churar de tal maneira que quando © meu marido xegou me dice ‘Tens os olhos inxados Gabriela (...) Dona Graciete nfo cei se a Dona Graciete se arrecorda de mim eu cou aquela loira para o forte que trabalha de cabeleireira no, saléo Rosa Aaul (..)” Jn Piiblico Magazine, 16/10/1994 ‘Tendo em atenco a relago grafema-som e as formas de representacio da oralidade que conhece, comente o texto acima tanscrito. Enriquega a sua resposte, explicitando com exemplos do texto. 10, Apés ter analisado e utilizado 0 Alfabeto Fonético Internacional para responder &s questdes anteriores, apresente uma breve reflexao pessoal sobre as vantagens deste tipo de representagdo na descrigdo ¢ na investigagio da estrutura sonora das linguas. Actividades 1. Identifique os processos de ventilacao utilizados na producdo de fala. "3... Desereva’ 0 caminho que percoré o fluxo dear egressivo. Refira a” importincia deste tipo de fluxo de ar na produgdo dos sons do portugues europeu. 3, Do ponto de vista da produgaio de fala, caracterize sucintamente as diferentes partes do aparelho fonador, referindo-se ® relevéncia de cada uma. 4, Onde se localizam, no aparelho fonador, as cordas vocais? 5, O que éagiote? 6. Em que posigao das cordas vocais, de aducao ou de abducdo, esto reunidas as condigdes para que ocorra vibrago suficiente para produzir um som vozeado? 7. Quais so as cartilagens da laringe responsaveis pelo movimento de aproximagéo/afastamento das cordas vocais? 8. Qual o papel da pressio subglotal na produgdo de fala? 9, Na figura, identifique: . a. alvéolos dentarios superiores Cc b. velum % c. cordas vocais 4. cavidade nasal . faringe £, leringe d ba §. palato duro 1. 1h, dorso da lingua i 10. O que caracteriza um articulador passivo? Apresente exemplos. he ME DA MEAS 41 Tm das articnladeree méveie mie interuém na artienlacdn dne enne da 2, Identifique as caracterfsticas que cada grupo de vogais partilha: aLeeo) b.[u,0,0] e[eao] a[iiu] 3, Desoreva a producdo articulatéria das seguintes vogais: atu] bla] «.{i] 4, Apresente exemplos de palavras que contenham: a, uma vogal alta, central, oral, nfo-arredondada; b. uma semivogal alta, velar, oral, arredondada;, c. uma vogal média, posterior, nasel, arredondada; . uma vogal baixa, anterior, oral, néo-arredondada. 5, Enumere e caracterize os pardmetros adequados para classificar as vogais, do portugués europeu. a 6. Escreva 0 simbolo fonético que comresponde a cada uma das seguintes descrigdes fonéticas e dé um exemplo de uma palavra em portugués europeu que contenha esse som. Nao se esqueca de o identificar, sublinhando-o. a. Consoante palatal, fricativa, oral, néo-vozeada; b, Consoante velar, vibrante, oral, vozeada; c. Consoante bilabial, oclusiva, nasal, vozeada;, . Consoante alveolar, vibrante, oral , vozeada. 85 86 = 7. Hm cada grupo de consoantes abaixo, identifique a(s) caracteristica(s) articulatérie(s) semelhante(s). a[y,mR] b{n3,4] c.[p,b,n] @fae1] e[3%2] £foanm] 8. Classifique, do ponto de vista articulatério, os sons: a[n] b(t] [4] a[k] er] E{p] 9. Nas séries de sons que se seguem falta uma consoante pera formar um gmupo de sons com as mesmes caracteristicas. Identifique'a consoante em falta em cada uma das séries e a caracterfstica articulatéria que partilham. albkmpantp] biphstf] [dz] afm p] 10. Descreva a produgdo articulatéria de: a, uma consoante fricativa labiodental; b. uma consoante lateral alveolar; . uma consoante nasal palatal; . uma consoante uvular vibrante. 11. Assinale com V(erdadeiro) ou F (also) as seguintes afirmagées e proponha acorrecgdo para as afirmagées falsas. a. Na produgéo da consoante [ t ] verifica-se uma obstrugao total da passagem do fluxo de ar. b. As consoantes labiodentais so produzidas com a aproximagao do 1ébio superior ao sector anterior da arcada dentéria superior. c. Na produgio das consoantes [ m, n, 1], 0 véu palatino afasta-se da parede da faringe e impede o ar de passar para as cavidades nasais, provocando assim um efeito de ressonncia caracteristico destas consoantes. . As consoantes nasais so foneticamente realizadas com vibragdo das cordas vocais, isto €, so vozeadas. e. Ao produzir uma consoante lateral, a lingua move-se para um dos Jados do tracto oral, deixando o ar passar livremente. £. Os articuladores que intervém na produgéo de uma consoante bilabial impedem completamente a passagem do ar para o exterior. 12. Tendo presente a seguinte frase: 0 fascinio que o estudo da fonética exerce sobre as pessoas € espantoso. a. Identifique a palavra (ou palavras) que contém (contém): . ~ consoante velar; consoante nasal; ~ consoante dental oclusiva; consoante palatal néo-vozeada. 13, Enumere e caracterize os pardmetros pertinentes para a classificagéo articulatéria das consoantes do portugués europeu. 87 + Neste capitulo, os pats ngulares <> so wsndos para rercrenar verses onogr ‘Antes de entrarem na escola, as criangas adquiriram jé a quase totali- dade do conhecimento necessério para a producao de enunciados féni- cos aceitéveis na sua lingua materna, de forma a interagirem com os outros individuos da comunidade linguistica a que pertencem. Ao ini- ciarem seu percurso escolar, as criangas so confrontadas com um cédigo escrito, o da ortografia, ¢ tém de aprender que aquele sistema ortogréfico existe para representar os sons da sua lingua. Assim, séo- -Ihes fornecidas regras de relagao entre sons da fala e simbolos do e6digo ortogrifico que muitas vezes distorcem a reflexio sobre a 'gra~ matica dos sons’ da lingua por nfo definirem a distingao entre duas rea- lidades distintas, a dos sons da fala e a da ortografia. A reflexdo soore a ortografia, enquanto convengdo cultural e politica para a comunica- Ho verbal escrita, (i) ou é sobrevalorizada relativamente ao tratamento da informagio sobre os sons da fala (ii) ou toma mesmo um papel exclusivo naquilo que deveria ser uma avaliagdo dos sons da fala ade- quada ao desenvolvimento cognitivo das criangas no infcio da escolari- dade. Os sons sao substituidos por letras ou grafemas, que passam a ser a unidade minima de andlise, a qual ndo € gramatical ¢ remete apenas para a aprendizagem de um sistema ortogréfico (para mais informagao sobre relagdes entre o oral € 0 escrito, veja-se 0 capitulo 8). Cabe aos professores e aos investigadores que se interessam pelo ensino e apren- dizagem do Portugués pensar na utilizagao de uma tipologia de descri- co e de classificagao simplificada dos sons (i) que permita explicitar a disting&o entre os dois sistemas (fala e ortografia) ¢ (ii) que terne menos penoso (e, sempre que possivel, Idico) 0 processo de aprendi- zagem do cédigo ortogréfico. Em seguida, veremos de que modo a ortografia pode ser um trampolim para a reflexdo sobre a identificagdo dos sons do Portugués, embora nao constitua, de facto, uma ferramenta gramatical adequada ao tratamento das unidades linguisticas a que chamamos sons de uma lingua. Voltando & supremacia das letras sobre os sons, evoque-se o exemplo da representagio das vogais. Todos nés aprendemos na escola que 0 Portugués tem cinco vogais: ’, , , e . No enianto, a rea- lidade fénica do Portugués é bem diferente. De facto, no sistema de sons do Portugués, no hd cinco mas catorze vogais (nove vogais orais ¢ c:nco vogais nasais): Vogais do Portugués Vogais orais ‘Vogais nasais 1. a vogal [al em ; 1. a vogal [8] em ; 2. a vogal [e] em ; 2. a vogal [8] em ; 3. a vogal {f] em ; 4, a vogal [e] em ; 4, a vogal [6] em ; 5. a vogal fe] em ; 5. a vogal {ii} em ; 6. a vogal [i] em ; 7. a vogal {9] em ; 8. a vogal [0] em ; 9. a vogal [u] em ; ‘A listagem anterior mostra que um mesmo simbolo ortogréfico ou grafema pode representar mais do que um som do Portugués: por exemplo, 0 gra- fema representa dois sons diferentes na palavra ; também 0 gra- fema representa um som na palavra e outro som na palavra , E se um mesmo grafema pode representar mais do que um som, 0 inyerso também é verdade: um mesmo som da fala pode ser representado de diversas formas na ortografia. A vogal (i), por exemplo, é representada por na palavra e por na palavra . Um caso extremo de complexidade na relagao entre o inventério fonético de vogais do Portugués e a sua representagao ortogréfica € 0 do grafema , que pode representar os seguintes sons do Portugués: vogal {e] em vogal {e] em L vogal [i] em Grafema E& vogal [i] em ~ vogal [e] em ’ X semivogal [j] em SS semivogal [j] em auséncia de vogal fonética em © 0s simbolos que wanscre- vem as vogais sfo do Altar _ beto Fonétice Internacional que Serk apresentado ainda esta seogho 9 se exemple funciona spe nas pare diatectos do Por tugués em que o sm fe sje produzdo como fe, em pala vas como , e ) [7] (em ), que so sempre representados, respectivamente, pelos dfgrafos ¢ . E ainda o caso das vogais nasais, que podem ser representadas na ortografia por uma vogal com um til (, ) ou por uma vogal seguida de uma das consoantes nasais ou (, ). Uma vez que a relagio entre grafemas ¢ sons da lingua ndo é biunivoca, € preciso usar um sistema grifico que permita a representago inequiveca dos sons que constituem 0 inventirio fonético de uma lingua. Neste sen- tido, foi criado o Alfabeto Fonético Internacional (AFI), um conjunto de simbolos gréficos que constitui um sistema biunivoco e universal de repre- sentagdo dos sons da fala, O sistema é biunivoco porque a um simbolo gré- fico cotresponde apenas um som € um som € sempre representado pelo mesmo s{mbolo gréfico; é universal porque permite representar todos os sons de todas as Iinguas do mundo. Em seguida, apresentam-se apenas os simbolos necessérios para a repre- sentagao dos sons do Portugués, divididos em tés classes principais, a saber, vogais, consoantes e semivogais': Sons do Portugués? Semivogais Consoantes (i) [p] (w] {b] {t] fd] a < Tk] {e] [#1 [g] [i] {f} [0] [v] {ol Is] fu) {2} LU] [8] [3] [8] fi) [m] [6] {a} [a] (n] () (3) [4] {e] [R] Uma vez que a fala € um continuo fonico, uma das aplicagdes possiveis do AFI ¢ a da transerigio fonética desse continuo fSnico que constitui umm enunciado de fala. A transcrigio fonética é a representacio linear dos sons que se sucedem numa sequéncia de fala, através da utilizacdo dos simbo- los do AFI. Assim, a producio da palavra serd transcrita como ['liveu], a da palavra como [fu'netike] e a da palavra como ['s6f] (0 acento € representado pelo simbolo ' e pode ser colocado sobre a vogal t6nica ({livru}) ou antes da silaba ténica ((‘liveu])). ‘Mas um enunciado de fala pode ser constituido por varias palavras em sequén- cia. Assim, a produgio da sequéncia seré trans- crita como [e me'riv tre'base @j 'kaze}. Imagine-se que alguém produz a sequéncia com uma pausa no local assinalado com a virgula, A transcrigao do enunciado de fala serd ('6t@// v su'zene 'foj a ‘praje]"; no entanto, a produgao da pausa ndo € obrigatéria neste contexto © 0 enunciado pode ser produzido como ["at®; e su'zene ‘foj a ‘praje] Quando se faz a transcrigdo fonética de um enunciado de fala, hé que estar atento 20 modo como o falante produziu os sons ou segmentos. Frequentemente, numa situacao de fala espontinea, hé sons que no siio produzidos por interferéncia de uma velocidade de fala acelerada. As pala- vras , e podem ser produzidas, res- pectivamente, como (diziJ'pecu}, [diziti'resi] e [ti'zoru], numa situagao de Jeitura lenta de um poema, mas podem ser produzidas como {dzf'peru]), (dzit'res] e [t'zoru], numa situagdio de conversa entre dois falantes. A queda de vogais étonas 6, como se vera adiante, um dos processos mais fre- quentes na produgo de enunciados de fala em Portugués. Uma outra prova da ineficécia da ortografia como ferramenta gramatical para a identificacZo € descricao dos processos fonolégicos a que os sons de uma lingua esto sujeitos € 0 caso da produgdo do morfema do plural em Portugués. Na orto grafia, o plural do sistema nominal marca-se através de um em final de palavra (; ; ). O som corres- pondente & marca do plural antes de uma pausa é [{]. No entanto, quando a palavra termina com a matca do plural, o som que the corresponde pode ser produzido de trés formas diferentes ({f1, [3] ou [z]), condicionadas pela qualidade do som inicial da palavra que se the segue”: Producio da marca do plural em Portugués [ef "kazel] < [ef ‘kaze3 duf pi'rigus] [ef ‘kazeg dug ‘dadus] (ef 'kaze3 duz ‘arkuf] fez ‘arjef ko ‘atvus] "© Tradicionaimenme, as pale- vas gramatcas (como € > a0 do determinant ea p= posigdo neta anscrigs) a lo acentuadas;€ ito que 53 fe palaveas lexiais anspor " Pode usarse 0 simbolo J paca ua pausa breve os bo para uma pau long ‘A propsita do funcionamenio as pausas nos enunciados ce ala, vein-se 0 capitulo 8 Bate fendinena de aero as. propridades dos. sans motvaca glo contacto ene 0 ‘km som de uma plana eo pimeico som da pulawra que se he segue ¢ designado core um fendmeno de snd 220 [23 ‘grédiz ‘arjef] {ef pi'kenez ‘arjef] {ez ‘arjez eme'relef] Com o recurso & ortografia oficial, seria impossivel representar as diferen- tes produgées da marca do plural em funcdo de diferentes sons no infcio da palavra seguinte. Deste modo, 0 uso do AFI € titil no sé (i) para a repre- sentacdo de sons isolados e (ii) para a transcriggo da cadeia fénica mas também (iii) para 0 tratamento dos processos fonoldgicos das linguas natu- rais, ou seja, para o estudo das alteragdes que os sons sofrem em determi- nados contextos. pe Sumario Em sintese: + a reflexdo sobre os sons do Portugués toma-se muito complexa se for baseada no sistema de representagio ortogrifica oficial por nfo haver uma relago biunfvoca entre som e grafema + 0 cédigo ortogréfico no é adequado & representagdo dos sons do Portugués porque um mesmo grafema pode representar mais do que tum som da fala; + inversamente, um mesmo som pode ser representado por diferentes grafemas; + dado que a relagdo entre os grafemas da ortografia oficial e os sons da lingua nao € biunfvoca, ha que criar um sistema grafico que esta- beleca uma relagio biunfvoca entre um som ¢ a sua representa- co gréfica (a um simbolo grifico corresponde apenas um som; um som é representado apenas por aquele simbolo gréfico), para que nao haja discrepancias na identificagdo dos sons da lingua; + uma vez que é tarefa do professor iniciar os seus alunos na utili- za da ortografia, a reflexio sobre o sistema de sons da lingua pode ser mediada pela manipulacdo dos grafemas na escrita mas deve explicitar as diferencas basicas entre sistema ortografico € sistema de sons, enquanto realidades distintas: 0 primeiro é uma convengao (como os sinais de fogo dos indios, 0 morse ou os hie réglifos dos egipcios) e 0 segundo ¢ decorrente da nossa capaci- dade biolégica para comunicar através de sons produzides pelo aparelho fonador. Actividades: p. 255 5.2. Descricdo e classificacio dos sons da fala Como jé foi referido, o médulo da gramatica designado por Fonologia tem como objectivos centrais (i) a definicdo dos sons que desempenham fun- Ges linguisticas numa dada lingua e (ji) a descrigao e a explicago do's pro- cessos fonolégicos que os sons de um sistema linguistico sofrem ou provocam, nas relagdes que estabelecem com outros sons contextualmente proximos. Estas tarefas da Fonologia recebem auxilio do trabalho desen- volvido na érea da Fonética, Foi jé dito que a fonética identifica, desereve e classifica os sons da fala a partir da observacdo das suas propriedades fisicas, Essas propriedades podem ser de trés tipos - articulat6rias, actisti- cas e perceptivas -, estando cada uma delas relacionada com um ponto especifico do percurso do som na comunicacao verbal A BOC FALANTE AR OUVINTE producio do som transmissio do som recepeao do som FONETICA FONETICA FONETICA ARTICULATORIA, ACUSTICA PERCEPTIVA. Neste capitulo, cenirar-nos-emos na apresentagio do trabalho que a Fonologia importa da Fonética articulat6ria”. Neste sentido, referir-se-fo, em seguida, as etapas de produgao dos sons da fala e a informagio que des- sas etapas se recupera para a sua descrigio e classificagao. A viagem do som Para que haja produgio de fala, é preciso que um comando cerebral ini- cial seja dado, no sentido da articulacao final do som: + no cérebro, existe informacao linguistica a ser fornecida por um polo emissor; * essa informacio entra no sistema nervoso central e é transmitida pelo sistema nervoso periférico aos miisculos e érgios que so acti- vados no momento da produgdo de um som da fala (0 conjunto de © fnformagzo vinda da Fonéica anieulateia €, facta, a que mais frequent mente tem sido usada pela Fonolgis ara casctri- 0 dos sone da fla. Sak Fonetica sciatica @ Fondica perceptiva, consulte-se Delgado-Martins (1988, Mateac, Andrade, Viena ava (1990) © Farie dro, Duarte © Gouveia 956. 221 ua % enum deste elementos anatémica tem como funeZo ‘exclusiva a produgio de sons ta fala, as suas fongSes pe Inirig S80 ada cespiracto ea (a ingest de aliments. 222 mdisculos ¢ rgios envolvidos na produgao da fala € designado por aparelho de producio de fala ou aparelho fonador); + recebida a informagio, os érgios e miisculos designados para a tarefa de producdo da fala entram em acgao e produzem 0 som ou sons a que corresponde a informacio Linguistica inicialmente contida no cérebro, concretizada no acto dé fala. Das varias etapas da produgao dos sons da fala, a que é recuperada para a definigao das caracteristicas dos sons € a da activagio dos miisculos e 6rgios do aparelho fonador. Os pulmées, a laringe, a faringe (ou cavidede faringea), a boca (ou cavidade oral) e as fossas nasais (ou cavidade masal)"* so as partes fundamentais do aparelho fonador observadas para a ident:fi- cago das posigées que os érgios e miisculos assumem no momento da produgao dos sons da fala. O som é uma massa de ar em movimento no aparelho fonador: Cavidade nasal ( Cavidade oral Ill Articulacio Cavidade faringea 1 Fonagio Laringe T R A Q U E I A I Expiraciio Pulmées Essa massa de ar é gerada pelos pulmées (fase I: expiragdo), através de um movimento de expiracdo, e circula na traqueia até atingir a laringe, onde se situam as cordas voeais (os misculos mais importantes da laringe, para a produgio de fala) e a glote (o espago circunscrito entre as cordas vocais). ‘Apés atravessar a laringe, tendo provocado a vibracio das cordas vocais ou iio (fase IT: fonacdo), a massa de ar entre nas cavidades supraglotais (cavi- dade faringea ou faringe, cavidade oral e cavidade nasal). Nestas cavida- des, a massa de ar ¢ moldada e assume o seu formato final (fase III: articulagdo): 0 som da fala. A massa de ar que constitui 0 som da fala € transmitida como sinal actis- tico em forma de onda sonora; esse sinal actistico € captado pelo aparelho auditivo do ouvinte, no polo receptor da comunicacao, ¢ € transmitido pelo sistema nervoso periférico ao sistema nervoso central, que o conduz ao cérebro do ouvinte, onde é descodificado. Caracteristicas articulatérias dos sons da fala’® Para a definigio da identidade dos sons ou segmentos fonéticos, sio deter- minantes a etapa da fonacio e a da articulacZo (a fase da expiragao € igual em todos os sons, logo, nao permite distingdes na sua caracterizagio). Labios Denies Alvéolos Plato duro ‘Véu palatino Apice da tingua Dorso da lingua Roig da lingua A~ Cavidade oral B- Cavidade nasal 6 - Cavidade faringes 1 2 3 4 5. 6. Owla 7 & 8. 10. Cordas vocais e glote 1 1 Laringe Figura 1 ~ Representagdo esquemstica dos elementos do aparetho fonador envelvidos na produgio de diferentes sons da fala " para a abservagio darepre- sentagio mais detathadt do parlho fonador, com ident Feagia dos seus coastive ines, consule-se Mateus, ‘Andrade, Viana e Vilalva ) Fonda, Fonologia e Morfologia do Poruigués Lisbos: Universidade Adena pp. 46.47 ocaca mio sobrea zona amerior do pesco90 cor respondente a da lecslizagao Ge lange, €poasve seni = ‘ibragho das cords voras De acordo com 0 Dicioné rio de Tens Linguitcot, 0 ‘4 plain €2 ‘pate mévele so éxsea do plato que con: ‘inva o plato duro e cling "9 pacede nofsringea € uma 2008 de wansgdo ene a envidade oral e 2 cavidade asa 224 ‘A etapa da fonagdo € responsivel pela producao de voz: na laringe, 0 ar atravessa a glote, fazendo ou nao vibrar as cordas vocais. Assim, a primeira forma de distinguir os sons entre si consiste em observar 0 que acontece nesta etapa da produgdo'* * os sons vozeados ou sonoros das vocais; 10 produzidos com vibrago das cor- + 08 sons no vezeados ou surdos sao produzidos sem vibragao das cordas vocais: Sons do Portugués Vozeados (b, dg, V, 2) 3) mM, np, 1, A, ££) R, a B46, 61,9, 0,0, j, WI) Nao vozeados [p, t, k, f, s, J] nas cavidades supraglotais que a massa de ar que constitui 0 som sofre mais transformagées. A cavidade faringea no desempenha um papel determinante na articulagdo dos sons do Portugués. J4 a cavidade nasal permite distinguir os sons orais dos sons nasais. Um som € nasal sempre que ha passagem simulténea do ar pela cavidade nasal ¢ pela cavidade oral (0 véu palatino” afasta-se da parede rinofaringea” e permite a passagem simultdnea do ar pela boca ¢ pelas fossas nasais); um som € oral sempre que 0 ar atravessa a cavidade oral sem atravessar a cavidade nasal (0 vé1 palatino toca na parede rinofaringea e impede passagem do ar pelas fos~ sas nasais): Sons do Portugués Nasais (m,n, p, 2, &,7, 6, G, 7, WI Onis fp, b, td, Kg, £, V8, 2, J, 31 Ad VR, 2, 4 e, &)4,9,0; 0 J, 1 Das trés cavidades supraglotais, a cavidade oral € a que desempenha um papel mais activo na formagio de um som da fala. Na cavidade oral, exis- tem elementos méveis, os articuladores, que s¢ movimentam em direc cdo a zonas iméveis, para a formacao dos vérios sons. Os articuladores wee mais importantes palatino. (0 0s lébios, o maxilar inferior, a lingua e o véu Dos varios articuladores, # lingua € 0 mais mével, pelo que € tradicional- mente dividida em trés partes: o pice (ou ponta, na zona anterior), o dorso (zona central) e a raiz, (zona posterior). A forma como 0s articuladores se movimentam e 0 modo como a massa de ar que € 0 som atravessa a cavidade oral determinam a natureza dos seg- mentos: + so vogais e semivogais todos os sons na produgao dos quais 0 ar transita livremente na cavidade oral; + so consoantes todos os sons na produggo dos quais hé obstrug 2 passagem do ar na cavidade oral. Sons do Portugués Vogais e semivogais [a, 8, i, €, €, 1,9, 0, u, j, W] Consoantes [p, b, t, d, k, g, f, v,s,2, J, 3, m,n, p,1, 4, 4,£, 8] Na produgao das vogais, embora ténues, existem alguns movimentos dos articuladores na cavidade oral. A abertura da cayidade oral determina parcialmente a identidade das vogais: Vogais do Portugués Fechado fl fu) Médio fel fe] [ol Aberto f] fl bl A projeccdo dos lébios (arredondado/nao arredondado) ¢ o movimento de recuo ou de avanco da raiz da lingua (reeuado/naio recuado) sio os dois outros parametros que permitem finalizar a caracterizagao das vogais do Portugués 25 Ww oa Classificacao articulatéria das vogais do Portugués niio arredondado arredondado fechado fa 8 | w médio fe} fe] fo] aberto tel (al bl nao recuado | recuado As semivogais [j] e [Ww] tém as mesmas caracteristicas que as suas vogais correspondentes: [iJ/[j] e [u]/[w]. Tradicionalmente, diz-se que a diferenga entre cada elemento do par (vogal/semivogal) reside no tempo de produ- cdo: a produgao de uma vogal dura mais tempo do que a produgao da sua semivogal correspondente ‘As consoantes distinguem-se entre si (i) pela forma como a massa de ar que é 0 som atravessa a cavidade oral (modo de articulagio) e (ii) pela localizagao da obstrugdo criada pelos articuladores na cavidade oral (ponto de articutaco). Quanto ao modo de articulagao: + as consoantes so oclusivas quando hé uma oclusio, ou seja, um toque dos articuladores na cavidade oral ({p, b, t, d, k, g))s + as consoantes so fricativas quando os articuladores se aproximam, sem se tocarem, criando uma zona de fri jo doar ([f, v, sz, J, 3s = as consoantes so vibrantes quando existe movimento de vibracdo © conjunc das laerais © do articulador ([r, R]); as vibrantes ¢ tadiional- mente designado como 0 * as consoantes so laterais” quando o ar passa pelas zonas latsrais rapa das iguidas da lingua ({l, 4, 4). Quanto ao ponto de articulagdo. * as consoantes sao bilabiais quando hé movimento dos dois labios (fp, b, m); as consoantes so labiodentais quando 0 labio do maxilar inferior se desloca em direcgao aos dentes do maxilar superior ([f, v]); as consoantes so dentais quando o pice da lingua toca ou se apro- xima dos dentes ({t, 4, s, 21); 226 Wy + as consoantes séo alyeolares quando o dpice da lingua toca nos alvéolos ({l, n, ©); + as consoantes so palatais quando o dorso da Iingua se eleva em direcco 20 palato duro (J, 3, p, 41"); + as consoantes so velares quando a raiz da lingua exerce um movi- mento de retracco em direcgao ao véu palatino ({k, g]); + a5 consoantes so uyulares quando existe movimento da tivula (i). Apresenta-se, em seguida, 0 quadro de classificagdo das consoantes do Portugués, quanto 20 modo de articulagio e quanto ao ponto de articula- cao: Classificacio articulatéria das consoantes do Portugués bilabiais | labiodentais | dentais | alvcolares | palatais| velares | uvulares oclusivas | p,b td kg fricatives | Lv 5.2 £3 naseis | m 2 B laterais 1 ‘ vibranes : » A utilizagao de uma tipologia de classificagio dos sons de base articulat6- tia permite identificar grupos de segmentos que partilham determinadas propriedades fisicas. Por exemplo, os segmentos na produgao dos quais existe uma obstruciio total & passagem do ar na cavidade oral constituem © grupo das consoantes oclusivas ({p, b, t, d, k, g]); os sons na produgao dos quais existe projecco dos labios constituem 0 grupo dos segmentos arredondados ([o, ©, u, w]); os sons na produgdo dos quais néo existe vibragdo das cordas vocais constituem 0 grupo dos sons néo vozeados ou surdos ([p, t, k, f, s, J}). Cada um destes grupos constitui uma classe natural, ou seja, um conjunto de segmentos (i) que partilha determinado niimero de propriedades fisicas (neste caso, articulatérias) ¢ (ii) que sofre ou provoca processos fonolégicos semelhantes®. % No existe conseneo quanto cassificagSo.artoulairia do grupo (6 4, 52.251, A classfisgSo aqui adoptada 4-4 de Mateus, Andrade, Viana © Villala (1990: 50) segmento (8) nfo sige na tabela de classifiengéoartiu Intria apresentada nesta. sina por ter doit pomtae de os um porto de et ‘ulagao peincpal, alveoli, © tm ponto de ariculsese se fro, comespondene & ma volaragto Bim Mateus, Andeade, Vina « Villas (1990: 50), fase ume clasificagto deste grupo Por exemple, em Porusuts, 4 yoga sore fechamentos (ou elevagées) em pasicio ‘kona e, em alguns conetos, 3s consoanes palais su smem.0 vozeameno dé. com soamte que se thes epee. Na secede “Provessos fonol "serio. dadoe estes © ‘outros exemplos de procesos (que afectam grupos de sez- mening ou laces narra do Porugves. 207 wd Sumario Em sintese; + a Fonética identifica, descreve e classifica os sons da fala a partir da observagiio das suas propriedades fisicas; ° + numa perspectiva articulatéria, um som da fala é constituido por uma massa de ar em movimento no aparelho fonador; + a observagdo da configuragdo dos érgios ¢ muisculos do aparelho fonador na produgo dos sons da fala permite-nos definir tipologias de classificagio destas unidades, Actividades: p. 257 5.3. Segmentos fonolégicos Retome-se a definicio das tarefas da Fonologia: + definigdo dos sons que desempenham funcées linguisticas numa dada lingua; + descrigio e explicacdo dos processos fonolégicos que os sons de um sistema linguistico sofrem ou provacam, nas relagdes que estabele- cem com outros sons contextualmente préximos, Na secedo anterior, vimos de que modo a Fonética fornece informagao qe pode ser reciclada em ferramentas gramaticais a usar na concretizacio da segunda tarefa da Fonologia (descrigdo e explicagdio dos processos fono- légicos que os sons de um sistema linguistico sofrem ou provocam, nas relagées que estabelecem com outros sons contextualmente prdximosy: uma tipologia de classificacio articulatéria dos sons da fala como a que foi apresentada constitui uma ferramenta gramatical fundamental para a des- crig&o e a explicagdo dos processos fonolégicos, ou seja, dos fenémenos que afectam os sons quando inseridos num contexto especifico (relembe- se, a titulo ilustrativo, o caso jé apresentado das diferentes producdes da marca de plural em Portugués, em fungao da qualidade do segmento inicial da palavra seguinte). Nas vérias linguas do mundo, € possfvel detectar p- cessos fonolégicos que ocorrem apenas com fricativas, outros que s6 se verificam com palatais ou ainda outros que afectam apenas nasais (na sec~ do 'Processos fonolégicos', serio apresentados alguns exemplos do Portugués) ean} ‘Mas 0 cumprimento da primeira tarefa da Fonologia (definigdo dos sons que desempenham fungdes lingut ‘cas numa dada lingua) € independente do trabalho da Fonética. A metodologia usada na Fonologia para a identi- ficagao dos sons com fung&o linguistica num sistema (as unidades fono- l6gicas) foi introduzida pela Fonologia estruturalista e € a que a seguir se explicita. Como ja foi referido, do conjunto de sons que 0 aparelho de produgdo de fala consegue produzir, apenas um subconjunto corresponde aos sons da fala usa- dos em todas as linguas do mundo; desse conjunto de sons da fala usados nas Ifnguas do mundo, apenas um subconjunto € usado como inventério de seg- ‘mentos de uma lingua especifica. Por exemplo, o som {e} da palavra um som do inglés; muitos falantes do Portugués conseguem articular 0 som fo] mas essa capacidade é meramente articulat6ria, nao sendo por isso que 0 som [9] faz, parte do inventario de segmentos do Portugués. Por outro lado, hd sons do Portugués que existem no nivel fonético mas que nao desempe- nham uma funcdo gramatical fonolégica no sistema: por exemplo, a palavra pode ser produzida de duas formas no Portugués, {‘abe] e ['aBe]: no primeiro caso, a consoante é a oclusiva bilabial vozeada (b]; no segundo caso, a consoante € a oclusiva fricatizada bilabial (B]. No entanto, em ambos 08 casos, a palavra tem 0 mesmo significado, o que mostra que a substitui- go de um som pelo outro ¢ irrelevante para a definigao da funcdo que o som desempenha naquele contexto; a distincZo € fonética, no fonolégica. Mas, no par [‘pateJ/[’bate] (/), a substituigiio da oclusiva bilabial no vozeada [p] pela oclusiva bilabial vozeada {bj provocou uma alteracao de significado, o que prova que {p] ¢ (b] desempenham fungdes fonoldgicas distintas no Portugués: so dois fonemas ou segmentos fonolégicos” do Portugués (/p/e /b/). Em que consiste, entéo, a metodologia estruturalista de identificagao de fonemas on segmentos fonol6gicos de uma lingua? A metodologia € desig- nada como o processo de comutago em pares minimos: + contrastam-se duas palavras de uma lingua com extensio e consti- tuigdo idénticas (0 par mfnimo; exemplo: {‘pate}/{’bate)); + atinica diferenca entre ambas as palavras consiste na substituicao de um segmento por outro (a comutagao; exemplo: ['pate}/{'bate]); + se os sons comutados (unidades fonéticas, representadas entre {]) permitirem obter significados diferentes para as duas palavras, esses sons correspondem a unidades distintivas, ou seja, unidades com uma iungZo fonolégica na lingua (os fonemas ou segmentos fono- I6gieos, representados entre //); os fonemas séo representagdes abs- tractas dos sons com func&o gramatical (fonolégica) na lingu: O termo Tone éde base ceruralsa; 0 temo ‘sex rento fonoliics’ € de base seneratva quando falamos, no produzimos unidades abstractas mas sons fisi- camente descritiveis: esas realizagGes concretas dos fonemas nos cenunciados de fala so os seus fones (em ["pate], [p] é fone de /p/; em ['bate], [b] ¢ fone de /b/); * se 0s sons comutados néo permitirem obter significados diferentes para as duas palavras ({'abe}/['aBe]), esses sons ndo desempenham fungdes distintivas na lingua, logo, nao correspondem a fonemas diferentes mas a realizagbes fonéticas de um mesmo fonema (em Portugués, {b] e [f] sao duas realizagdes fonéticas do fonema /b/, ou seja, dois alofones de um mesmo fonema). A aplicagio ao Portugués da metodologia estruturalista de detecedo de fonemas (comutacdo em pares mfnimos) permite-nos definir 0 quadro de fonemas ou segments fonolégicos do Portugués: * Ales dos senso Fontemas ou segmentos fonolégicos do Portugués“: _— Pares minimos Fonemas Consoantes oclusivas [‘pateY['bate] _/ Ip! fol [(‘tokeJ/'doke] — / Ww iat [katuy('gatu] / II fricativas [‘fake]/{'vake] / ii Wf (‘sure/['zure] / sf) Ha CafeV('age) / Il bs) nasais (‘mete}/['nete] — / Io Ind na sido [Hinuy{('limu] — / Int fms Aefnido 0 par minima ante flor, a repedgSo surge para a ienicaso do fosema laterais (‘faleV['fase] — / Mtl vibrantes [‘muruJ/{'muru} / = /e/—/R/ 230 . Semivogais (pajV{'paw] — / fil bol Vogais orais ('poV{'pe] / fl ied [Rasey[Rise] / Jal Bil ['moru}['mugu] / fof ful ['medu}/{'mudu] / elu nasais —['métul/{'mitu] / —/@/— i! ['pstiV'poti] / [fitey['fite] / Al Bil [sdbre[J/('sobraf] / 8) fo! ['miiduy/{‘mudu] / —/i/ ful ‘Alguns destes fonemas tém apenas um fone (uma tinica realizagao foné- tica): € 0 caso de /f/, cuja tinica realizago fonética possivel é [f]. Mas hé alguns fonemas com mais do que uma realizagéo fonética possivel (alofo- nes): € 0 caso de /b/, com os alofones (b] ¢ [f]. Em seguida, enunciam-se alguns fonemas do Portugués que apresentam mais do que uma realizacdo fonética possivel, os alofones desse fonema, identificados pela nio altera- do de significado apés a comutaco dos sons: Exemplos de alofones no Portugués Pares minimos Ortografia Fonema e respectivos alofones [(abe}/('aBe} / fi = (by) (‘fade){' fade] i fal - —[AV/{O] ['agete)/['ayete] / /g/ - (gliyl* Outro caso de variagio alof6nica no Portugués remete para o fonema /V. © qual pode assumir dois formatos fonéticos, [1] ou [#], conforme o seu contexto de ocorréncia: (i) em infcio de sflaba, s6 [I] € possivel ((lagu) > Em tenmos acolo os sors dos pares (HVS) VS) © (aV/lyl sto semethantes entre s, excepto 90 tipo de ‘bsructo & pasagem doar na cavidade ora: (8, dg) sf0 cekuiva, logo, sio produc as com obstruggo total: [G.S.y) #0 ostusivas feat ade, ou se, sho produridas com aproximagSo. mas so com toque dos ariculadres, 231 suas excepgies & name reza fiona de (2, i} ocomem om (e] antes de consounte sasal (cama [kemel) © ée contoante palatal (enka Cape, 0 formato das regras ou dos princpies que dio cont dos processos forclisicos depen- fe ingusgem formal aop- tade em cada modelo teseico ‘srimatcal Uma ver que © ‘objective desta sega € 0 de ‘eplictar alguns processos foroigicos do Portage sem dope neahum quadro teé- ‘ico espectico, as regras ‘enconadas serio presente as apenas enquanto desei- gio do fenémeno em bservagio mas nfo formal- tadss (para & uizagio de regeas fonolésicas escrias ‘ua lingoagem formal, con sulte-se Mateus, Andeade, Viana e Villalva (1980) ¢ Faria, Pedro, uate € Gouveia (1996), 232 endo *{'tagu); ['falu] e nao *['fatu]); (i) em final de sflaba, s6 [2] € pos- stvel ({'mel] e nfo *['mel]; {'matte] e nao *{'malte]). Assim, o fonema item dois alofones em Portugués, [1] ¢ {21, cuja ocorréncia é dependente do contexto. Finalmente, as vogais [2] ¢ [i] sao também casos de variacao alofénica no Portugués. Por ocorrerem geralmente” em posicdo dtona, diz-se que sio alofones de um fonema com o formato da vogal que surge em posigio t6nica ({'peku}/[pi' kar}; {'seku}/[si' kar); [‘sakul/[se 'kac]). Sumario Em sintese: + no é 0 facto de os falantes de uma lingua saberem articular um som, {que toma esse som um elemento do inventirio fonético dessa lingua; + oinventério fonético de uma Iingua (0 conjunto de sons usados nessa lingua para a produgio de fala) pode ser mais lato do que 0 seu inventétio fonolégico; + 0 inventario fonolégico de uma lingua € 0 conjunto de representa- Wes abstractas dos sons com funcdo gramatical nesse sistema lin- guistico (os fonemas); + adeteccdo de fonemas de uma lingua € feita pelo processo de comu- taco em pares minimos, segundo o qual se determinam 0 formato dos fonemas e as suas realizagdes fonéticas possiveis. Actividades: p. 260 5.4. Processes fonolégicos Como foi referido anteriormente, existem segmentos ou grupos de seg- mentos (as classes naturais) que sofrem ou provocam sistematicameate as mesmas mutagdes em determinados contextos (os processos fonolé- gicos), Porque so sistematicos numa dada lingua, esses processos fonolégicos integram o médulo fonolégico da gramética sob a forma de regras ou de principios’*, Os processos fonolégicos mais frequentes nas linguas do mundo podem ser distribuidos pelos cinco tipos que se seguem: yy Tipos de processos fonolégicos + insercdio: produgdo de um segmento que ndo existe na representa- io fonoldgica (em alguns dialectos do Portugués, [ ‘aze] é produzido como [ej'aze}, com insergao de uma semivogal); + supressfio: apagamento de um segmento que esté representado na forma fonoldgica da palavra (em situagdo de fala espontinea, a vogal [3] do Portugués desaparece, como em [t'Kacu] para [ti!Sadu) ou em (R'pa/tu) para [Ri'paftu] ); + assimilagdo: identificagio (total ou parcial) de um segmento com tum outro segmento contextualmente préximo (em Portugués, uma fricativa palatal em final de sflaba adquire 0 vozeamento da con- soante seguinte, como em ['kaJtu] ([[] é nao vozeado por- que [t] € nao vozeado) ¢ em ['muggu] ([3] € vozeado porque [g] € vozeado)); jmilagdo: diferenciago de um segmento relativamente a um outro segmento contextualmente préximo (nos pares [‘lepe\/["lepe] e ['tede/{'tede], a vogal [e], produzida em alguns dialectos do Portugués, ¢ transformada em (e] no Portugués europeu padrio por afastamento das propriedades da vogal em relagio as do segmento que a segue); «+ metitese: transposigdio das posigdes dos segmentos (0s exros *fivile' sev] para [ilive'sdW] e *{difperetizar} para [difperezi'tar] “, constituem exemplos de metétese na produgdo de duas consoantes da palavra). Observem-se agora alguns processos fonolégicos do Portugués que envol- yer consoantes. Retome-se o primeiro exemplo que foi dado, neste cap- tulo, de ocorréncia sistemitica de um processo fonolégico no Portugués, 0 da alternfncia na qualidade da fricativa que marca 0 plural, condicionada pelo formato do segmento inicial da palavra seguinte: Produgio da marca do plural em Portugués I u a {ef kazef] [3 'daduf] [uz ‘aévul] {ufpé'cigul] [e3 "bolef] [ez'arjef] ef ‘tokef] [ug ‘gatuf] [ez ‘abef] 233 Ce 234 © proceso em causa consiste numa assimilacdo, A consoante fricativa final da palavra assimila propriedades do segmento inicial da palavra seguinte: por exemplo, o [J] do determinante € néo vozeado porque 0 seg- mento seguinte ({k]) € no vozeado ((ef "kaze{1); 0 [3] do determinante vozeado porque 0 segmento seguinte ({d]) € vozeado ({ug ‘daduf}). A obser- vacio do comportamento de (f] em final de palavra-teva & formulagao da regra que dé conta do processo fonolégico em causa: — uma consoante fricativa em final de palavra produz-se como [f] antes de consoante nao vozeada; — uma consoante fricativa em final de palavra produz-se como [3] antes de consoante vozeada; — uma consoante fricativa em final de palavra produz-se como [2] antes de vogal. O proceso de assimilag&o do vozeamento da consoante seguinte também se verifica quando a fricativa palatal ({{] ou [3]) se encontra em final de sflaba, no interior da palavra: Fricativas palatais em final de sflaba, dentro da palavra 1 u (pafte] ['muggu] Upisku] ('agnu] — ['Rafpe] [fisge] ('kafke] ['megmu] (‘sefte} (rugge] Tal como em final de palavra, também dentro da palayra: — uma consoante fricativa em final de sflaba € produzida como [J] antes de consoante néo vozeada; — uma consoante fricativa em final de silaba é produzida como [3] antes de consoante yozeada. Um outro proceso fonol6gico do Portugués relaciona-se com a produgao da lateral alveolar. Como foi ja afirmado, 0 fonema /V/ pode assumir dois formatos fonéticos ((I] ou [#}), conforme o seu contexto de ocorréncia. O {11 ocorre apenas em infcio de sflaba; o (4] ocorre apenas em final de sflaba. Vejam-se os seguintes exemplos:

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