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biblioteca de ciéncias sociais cE LIVRARIA LER A. IMAGINACAO OCIOLOGICA 2° Edigio A IMAGINACAO SOCIOLOGICA (28 edicao) Dovante wna sfsto de confortacas promuncis- Pa ope, Whicarn Mints confess 8 St Eto ie por que or ceststas socials Regus we afertam, pau reamenceses © pelos, entador teGrcos, oa Sees ew liberdade « a ra7A0 do Homem oun es ae Cperencia tevoue gevany Soe gage wins rica cltural as ‘SUN sty onde fee obveeagey feldae feet ee tocolopienspresomiantes 08 BBS, Wiles fazendo! ao miesino. tempo a as eerie da tradi da, andlse socils ica dimica TRotatado. por artists, © cteitres como prést sae Tmpotate de fongee ac seers one it ¢_impeteiuoras por exemple, © homer 0 ile, some # eves Hy erlang co lege ore ° Fee deskna. Acedia Wcar Foe See Eo tatelectal e politico dos cien- MELE Gu © [oye selactoar Eas. setimentos Sitshnds coy oe soaiigons dee le gerarbas, vlog por oxemplo,o8 probes m8- ae a Peecaen fetimcionals da fa ffimonlals 2155 ce posobldades de eniventar © SSluciouae tas problemas Was eoolas de Socfolugie em Voge afm = torn penderem de vista tarelas esse tipo. tre {oe Peeing Sido ada. Guande. Toora, wepce~ See Ettore eanaows; 08. canpiias sete Pe puch, Lazatarnin, Sav STOUT shateaos oS ‘ainda, is quis ao, poupa ins FER CiSomes, no eoulo que Ibo 6 cuacterisico, Waren Nazis, entor do presente Hiro, fi oe 1 REE nantes analietas socials de nosse ee Gos a Sep puncipt livros fa, tas fire proms ere ce a oo ROMEG clawe’ Média (White Colle, beter, Aone Nerdade Sébre Cube, Fodor Qo Mert stew da Tercera Guorte Mundial, Peles crise ds Sovtlogie, de Sax WaD™, ald de nck, intuodugio © notas Sex Je par coi cee Guts Pol profewor aa Uni- oth SE Columbia sé 1982, too em que oro" Tou au morte. C. WRIGHT MILLS A IMAGINACAO SOCIOLOGICA Tredugdo de Waurensin Durna Segunda edicto ZAHAR EDITORES M10 DE JANEIRO Carfreo 7 — A VARIEDADE HUMANA. © objeto da cigncia social — Posigso do clentista social frente a varicdade humane — A unldade social: o Esta- do-nagéo — Dependénciss internacionals — Estrutura social 2 Sociologia — Ciéneia cocial o Antropologia — Limites des Gisciplinas das Citneias Sociais. Cartrta 8 — USOS DA HISTORIA ........ _ : Q estudo histérico — Problemas de método — Cléncias Sociais: “disciplinas blstérleas?’— Pano-de-fundo histories = Mistéria 2 Sociologia — Psicologia histérica © social — Genelia social © Psicologia, Castro 9 — DA RAZAO E LIBERDADE oo. sceeseees eee A histéria © 0 tempo presente — O papel da razdo nas ‘questfes humanas — © homem ¢ o 7b} — Cléncia e razio @ liberdade — Métodos de anilise da razio © liberdade, Carino 10 — DA POLITICA ee eeestdastseicti © sentido politico do trabalho do ciantista social — A. esco- Wha de valores — Os meios de dacisio — A posigio do elentista social — © eientista social como professor — A ta- refa politica do elentista social, Aviwpice: DO ARTESANATO INTELECTUAL ‘A citncia social come oticio — A obra e a vida — A ques- to dos arquivos ~~ A coleta de material — Os aatudos om piricos "Como estimular ‘a imaginagao sociologiea Escrever claro. AGRADECIMENTOS ..... 8 158 370 392 a 245 CAPITULO_1 A Promessa Hore em dia, os homens sentem, freqitentemente, suas vidas privadas. como uma série de armadilhas. Perce bem que dentro dos mundos cotidianos, néo podem supe- rar suas preocupagdes, © quase sempre tém razio nesse sen- timento: tdo aguilo de que os homgns comuns tém cons- ciéneia direta ¢ tudo o que tentam fazer esté limitado pelas Srbitas privadas em que vivem. Sua visio, saa capacidade, esto limitadas pelo cenério préximo: 0 emprégo, a familia, os viziahos; em outros ambientes, movimentam-sé como es tranhos, e permanecem espectadores. E quanto mais cons- ciéncia tém, mesmo vagamente, das ambigdes « ameacas que transcendem seus cendrios imediatos, mais encurralades pa- recem sentir-se. Subjacentes a essa sensago de estar encurralados estéo mudangas aparentemente impessoais na estrutura mesma de sociedades e que se estendem por continentes inteiros. As realidades da histéria contemporfnea constituem também realidades para o éxito © o Fracasso de homens ¢ mulheres, individualmente. Quando uma sociedade se industrializa, 0 eamponés se transforma em trabalhador; o senhor feudal desaparece, ou passa a ser homem de negécios. Quando as classes ascendem ou caem, o homem tem emprégo ou fica desempregado; quando a taxa de investimento se eleva ou desce, 0 homem se entusiasma, on se desanima, Quando hé guerras, 0 corretor de seguros se transforma no lancador de foguetes; 0 caixeiro de loja, em homem do radar; a mulher vive 36, a crianga cresce sem pai. A vida do individuo e a 9 CAPITULO 8 Usos da Histéria t AL. cater social trata de problemas de biografia, de historia o de seus contatos dentro das estrataras socials.” S80 éstes os trés-— biografia, histéria, sociedade —pontos coor. denados do estudo adequado do homem, eis a tese que de- fendi ao eriticar as varias escolas atuais de Sociologia, eujos adeptos abandonaram essa tradi¢ao cldssicn. Os problemas do nosso tempo — que incluem o problema dé natureza mesma do homem — néo podem ser formulados adequada. mente sem aceitarmos na pratica a opiniao de que a bistoria 6 a medula do estudo social, e reconhecermos a necessidade de desenvolver mais uma psicologia do homem que seja so- ciologicamente fundamentada ¢. histéricamente. relevante. Sem 0 uso da histéria e sem o sentido histérico das questo psicoldgicas, 0 cientista social nao pode, adequadamente, for. molar os tipos de problemas que devem ser, agora, os pom tos cardeais de seus estudos 1. O cansativo debate sobre se 0 estndo histérico é ou deve ser considerado como uma ciéncia social nfo é importante nem interessante. A conclusio depende claramente dos tipos de historiadores e dos tipos de cientistas sociais em causa. Alguns historiadores séo apenas compiladores de fatos supos- tos, que procuram nao “interpretar; ocupam-se, por vézes proveltosamente, com algum fragmento da histéria, ¢ pare vem relutantes em localizd-lo dentro de qualquer seqiiéncia 156 de acontecimentos mais ample. Alguns esto além da histé- sia, perdidos — por vézes, proveitosamente — em visoes trans-histéricas de tragédias ou de gléria iminentes. A histé- ria como disciplina convida & busca do detalhe, mas também estimula um alargamento de visio, capaz de abarcar aconte- eimentos que fizeram época no desenvolvimento das estra- turas socials. Talvez a maioria dos historiadores se preocupe com a “comprovacio dos fatos” necessdria & compreenséo da trans- formagao histética das instituigées sociais, ¢ com a interpre- tacdo désses. fatos, habitualmente por meio de narrativas. Muitos historiadores, além disso, nao hesitam em tomar, para seus estudos, qualquer area da vida social. Seu aleance iden- tifica-se, assim, com a amplitude da ciéncia social, embora, como outros cientistas sociais, possam espéclalizar-se em bis. téria polities ou econdmica, on em historia das idéias. Na medida em que os historiadores estudam tipos de instituigbes, tendem a dar énfase As modificagoes ocorridas dentro de certo periodo de temo, e a trabalhar de forma ndo-com- parada. O trabalho \de muitos cientistas sociais que se ccupam de tipos de inktituigses tem/sido, ao contrétio, mais comparado do que histérico.~Mas séin divida essa diferenca & apenas de énfase © especializagao, dentro de uma mesma tarefa comum, Muitos historiadores americanos esto, hoje, influencia- dos pelas concepgies, problemas métodos das vérias Cién- Gias Sociais. Barzun ¢ Graff sugeriram recentemente que tal- vex os “cientistas sociais estejam pressionando os historia- dores para modemizarem sua téonica”, porque “os cientistas sociais esto demasiado ocupados para ler a historia”, e “no reconhecem seus prdprios materiais, quando apresentados em configuracéo diferente”. * Hé, decerto, mais problemas de método em qualquer trabalho de histéria do que muitos historiadores habitual- mente imaginam. Mas hoje em dia, muitos imaginam nao tanto os métodos, mas a epistemologia — de uma forma que 56 pode resuitar num afastamento curioso em relacdo & realidade histérica. A influénela que sObre certos historia 4° Jacques Barzun ¢ Hos York, 1957, p. 221. ary Gratf, The Modern Researcher. Nova 157 / dores tém “determinados tipos de “eiéncia social” ¢ quase sempre negativa, mas ainda néo é bastante ampla para ex). gir uma avélise minuciosa, aqui A principal tarefa do historiador 6 manter ininterrupto © registro humano — mas tal descrigdo é enganosamente simples. © historiador representa a meméria organizada da humanidade © essa meméria, como histéria escrita, € gran demente maledvel. Modifica-se quase sempre de forma dras- tica, de uma geragio de historiadores para a outra —¢ nao apenas porque novas pesquisas, mais detalhadas, introduzam novos fatos ¢ documentos no registro, Modifica-se também devido as alteragses nos pontos de interésse © na moldura existente ¢ dentro da qual o registro é encaixado. ‘Tais sao os critérios de selegéo dos numerosos fatos & disposicio do his. toriador, e ao mesmo tempo as principais interpretaghes de seus sentides. O historiador nfo pode’ evitas nen selecio dos fatos, embora possa tentar negé-la, mantendo sua inter. Pretacdo em limites reduzidos e circunspectos. Nao preci- samos da projecio imaginativa de George Orwell para saber como a histéria pode ser deformada ficilmente no proceso de sua representacio continua, embora seu 1984 tore esse aspect enfiticamente dramatico e, esperemos, tenha atemo- tizado devidamente alguns de nossos colegas historiadores, Todos ésses perigos da emprésa do historiador fazem dela uma das disciplinas humanas mais teoricas, 0 que toma a calma inconsciéncia de muitos dos seus ‘pratican- tes ainda mais impressionante. Impressionante, sim, mas bastante instavel. Suponho ter havido perfodos nos’ quais as perspectivas fOssem rigidas e monoliticas, © nos quais os historiadores podiam permanecer inconscientes dos temas tomados como solucionados. Mas 0 nosso perfodo nao é assim; se 0s historiadores nfo tém “tearia”, podem propor- cionar material para escrever-se a historia, mas ndo podem, Sles mesmos, escrevé-la. Podem alimentar o registro, mas no podem mantélo ininterrapto. Essa tarefa, hoje, exige uma atengio explicita a muita coisa além dos “fatos”, As produces dos historiadores podem ser consideradas como um grande arquivo, indispensdvel a tédas as Ciencias Sociais — ercio ser esta uma opiniéo verdadeira e proveitosa, A Histéria, como disciplina, também 6 por vézes considerada, 158 como capar de encerrar tada_a ciéncia social —— mas. sb- mente por alguns “himanistas” mal orientados. Mais. fun- damental que qualquer dessas opiniSes é a idéia de’ que iodo cientista social — ou melhor, todo estudo social bem considerado — exige uma amplitude de concepgao histériea € um uso pleno de materiais histéricos. Essa nocio simples 6 a idéia principal da minha argumentagio, Inicialmente, talvez tenhamos de enfrentar uma objegdo fregilente ao uso de material histérico pelos cientistas socials: afirma-se que ésse material nfo € preciso, nem bastante co- nhecido, para permitir sua utilizago em comparagoes com 0 materiais contempordneos melhor confirmados € mais exatos. Essa objecdo relaciona-se, decerto, com o sério problema da pesquisa social, mas s6 tem forga se limitarmos os tipos de informagao admitidos. Como eu jé disse, as exigéncias do pro- blema, € nio as limitagées de algum método rigido, devem ser, e tém sido, a preocupagio mais destacada do’ analista social classico, “A abjecao, além disso, sé é relevante para certos problemas e pode, na verdade, ser contornada fre- giientemente: pata muitos problemas, sé podemos obter in- formagao adequada em relacio ao passado. O sigilo oficial © ndo-oficial, a difusio generalizada das relagSes puiblicas, so realidades contemporancas que devem, certamente, ser leva- das em conta, a0 julgarmos a exatidio da informacao sdbre © passado © sObre o presente. Essa objecéo, numa palavra, & apenas outra versio da inibigio metodolégica, © com fre. giiéncia uma caracteristica da ideologia do “saber nada” dos que so politicamente cordatos 2. Mais importante do que as proporedes nas quais os his- toriadores so cientistas sociais, on de como se devem compor- tar, é 0 ponto, ainda mais controverso, de que as Ciéncias So- ciais so, em_’si, disciplinas histéricas. Para realizar suas ta. refas, ou mesmo para apresenté-las bem, os cientistas sociais devem usar 0 material da histdria. Exceto supondo alguma teoria trans-histérica da natureza da histéria, ou que o ho- mem na sociedade é uma entidede nao-histérica, nenhuma ciéncia poderé transcender a histéria. Toda Sociologia digna do nome é “Sociologia Histérica”. E, na excelente expressdo de Paul Sweezy, uma tentative de escrever “o presente como 159 Histéria”. Hi varias razdes para essa relagio fmtima da His. 1Gria & Sociologia: 1) Em nossa formulacio mesma do que deve ser ex- planado, precisamos de um aleance maior, que 36 pode ser Proporeionado pelo conhecimenio das verdades historiens da soviedade humana. fato de que uma determinada questio oe Ror exemplo, as relacbes de formas do nacionalismo com os Upos de militarismo — tenha respostas diferentes quande apresentada om relacio a diferentes sociodades ¢ perfodos, pisnifica que ela prépria necessita, com freqiitncia, de cer oe, formulada._ Necessitamos da variedade proporcionada pela Bistéria a fim de fazer as perguntas sociologicas adequalas <,de respondé-las. As respostas oy explicagses que oles, Gemos sd quase sempre em térmos He comparasies, kako so necessdrias para entendermos as condigtes essenciais slo que estivermos tentando compreender — seja as formas do Escravidio ou os sentidos especificos do crime, tipos do fe, milia ou de comunidades camponesas ou fazendas coletivan, Devemos observar aquilo que nos interessa sob cicunstann cias variadas, pois do contrério nos estaremos limitande a uma deserigso sem profundidade. Para irmos além disso, temos de estudar as estruturas soclais que so do nosso conhecimento, tanto as histrecs quanto as contemporaneas, Se nao levarmos ein conta esen Variedade, que naturalmente nfo pretende incluit todos oe pos existentes, nossa formulacdo nao pode ser empizicamente adequada. Tais regularidades, ou relacbes, que existam ents as Wirias caracteristicas da sociedade néo podem ser disecr, nidas claramente, Os tipos histéricos, em sama, sto maa parte muito importante daquilo que estudamos: szo tamber indispensaveis para nossas explicagses. Eliminar tal mate. gad one ebistt2 de tudo 0 que o homem féz e em que se transformou — de nossos estudos seria como pretemter exter dar © processo do nascimento, ignorando o da matenmidade, Se nos limitarmos a uma unidade nacional de uma socie. dade contempordinea (habitualmente ocidental). nao teronne Giéncia social: no momento de eatrecruzamento de qual, auer sociedade, bh com freqiiéneia tantos denominadues 160 comuns de erencas, valores, formas institucionais, que por mais detalhado © preciso que seja nosso estudo, nfo encon- traremos difevencas realmente significativas entre os povos g zmsiluledes maguele momento preciso ¢ naguela soeiedade determinada. Na verdade, os estudos sObre determinado momento ¢ determinado local assamem com frequéncia, mes mo implicitamente, uma-hamogencidade que, se real, deveria ser consideradg tomo um prablema. Nao pode ser reduzida com provelto( como ocorre, yhuitas vézes ma pritica atual da pesquisa, a um problema de processo de amostragem. Nao pode ser formulada como problema dentro dos térmos de um momento e um local. As sociedades parccem diferir com relago 20 aleance da variagio dos fendmenes especticos entre. Gsles, hem como, de forma mais geral, em relagéo ao seu grau de homo- geneidade social. Como observou Morris Grinsberg, se 0 objeto de nosso estudo “exibe variactes individuals suficien- tes dentro da mesma sociedade, ou no mesmo perfodo de tempo, sera possivel estabelecer ligagoes reais sein sair da quela sociedade ou perfodo” *° Isso As vézes ocorre, mas habitualmente nzo podemos supé-lo com certeza, Para saber se ocorre ou nao, devemos formuler nossos esiudos como comparaghes de estruturas soviais. Para isso, € necessario utilizarmos a variedade proporcionada pela histéria. O pro- blema da homogeneidade social — como na moderna socie~ dade de massas ou, em contraste, como na sociedade tradi- cional — nao pode nem mesmo ser forrmulado adequadamente —e muito menos solucionade — sem considerarmos, de for- ma comparada, a gama das sociedades contemporineas © histéricas. © sentido, por exemplo, de temas-chaves da ciéncia po- litica, como “piblico” e “opinigo publica”, no pode feat claro’ sem ésse trabalho. Se néo usarmos, em nosso estado, uma gama ampliada, nos estaremos condenando a resultados rasos e desorientadores. Nao suponho, or exemplo, que el ém argument, por exemplo, com a afirmaco de que Siifecenge polltea’é um dot incipais fatos do cendrio poli- lico contemporineo das sociedados ocidentais, Nao obstente, % “Morris Ginsberg, Essays in Sociology and Social Philosophy, Vol. I, 39, Londres, 1056 a J61 nos estudos da\*psicologia politica dos eleitores”, n&o-com- Parados e ndo-histériéos, ndo encontramos nem mesmo ama classificaczo dos “eleitores” — ou dos “homens politicos” — que leve tealmente em conta tal indiferenca. De fato, a idéia Listdricamente ospecifica dessa indiferenga politica, © muito menos seu sentido, no podem ser formuladas nos térmos babi tuais désses estudos sébre yotaga Dizer dos camponeses do mundo pré-industrial que sio “politicamente Jindiferentes” nfo tem o mesmo ‘sentido que dizélo do homem da moderna sociedade de massas. Entre outras coisas, a importéncia das instituigoes politicas Para os modos de vida e suas condig6es siio totalmente dife- rentes nos dois tipos de sociedade. E ainda: a oportunidade formal de participacio polftica difege; a expectativa de par- Yclpacio politica provocada por toda o curso da democracia burguesa no Ocidente moderno nem sempre existiu no mune do pré-industrial: Para compreender a “indiferenca polftica", explicé-la, para apreender seu sentido nas massas modemas, temos de examinar os varios tipos e condigées de indiferenca, © para isso € necessério empregar materiais histéricos e com, parados. 2) Os estudos nfo-histéricos tendem a ser estdticos ou curtos, Iimitados a ambientes. Isso 6 de esperar, pois adqui- rimos, consciéncia, mais ficiimente, das estruturas maicres guando clas se estio modificando, ¢ em geral s6 adquizimos eonsciéncia dessas modificagoes ‘quando ampliamos nossa visto, de modo a incluir uma gama histérica adequada. Nos. sa oportunidade de compreender como os ambientes menores gas estruturas mais amplas interagem, ¢ nossa oportunidade de compreender as causas mais amplas em agio nesses melos limitados requerem, assim, que tratemos com materiais histéri- cos. A consciéncia da estrutura, em tddas as acepgdes désse térmo central, bem como a formulacio adequada das preoeupa, ges © problemas dos ambientes limitados, exigem o reconhe. Cimento ¢ a pritica das Ciencias Socials como disciplinas his. t6ricas, Nao sé nossas possibilidades de ter consciéncia da estru- tura so ampliadas pelo trabalho histérico, como também néo podemos esperar compreender qualquer sociedade iso. ada, até mesmo como estética, sem o uso de materiais hist. Ficos. A imagem de qualquer sociedade 6 uma imagem his. 162 ast tbricamente especifiea. © que Marx chamou de “principio do especifismo histérico” refere-se, primeiro, a uma linha orientadora: qualquer sociedade deve ser compreendida cm térmos do periodo especifico no qual existe. Qualquer que seja a definicéo de “periodo”, as instituigées, ideologias, ti, pos de homens e mulheres néle predominantes cons. Utuem uma configuracdo singular. Isso nao significa que ésse tipo histérico nao possa ser comparedo’ a outros, © certamente néo significa que o padrio so possa ser com. preendido intuitivamente. Mas quer dizer — ¢ esta a se. gunda referencia do prineipio — que dentro désse tipo histé- rico, varios mecanismos de transformagio atingem a um de- terminado tipo especifico de erazamento. Esses mecanismos, que Karl Mannheim — seguindo John Stuart Mill — chamou de principia media, sfo os mecanismos mesmos que o cien- tista social, preocupado com a estrutura social, deseja aprender. Os primeiros teéricos sociais quiseram formular leis inva- Haveis da sociedade — leis que sériam vélidas para t6das as sociedades, tal como os processos abstratos da ciénoia fisica levaram a leis que iam além da riqueza qualitativa da “natureza”. Nao hé, creio, nenhuma “lei” trans-histética for- mulada por nenhum cientista social que néo deva ser com- preendida como relacionada com a estrutura especifica de algum perfodo. Outras “leis” sio apenas abstragdes 6cas, ou tautologias confusas. © unico sentido de “leis sociais” ou mesmo de “regularidades sociais” s&0 0s principia media que possamos deseobrir, ou se 0 desejarmos, construir, numa estrutura social, dentro de uma era especificamente histérica Néo conhecemos princ{pios universais de transformagao his. t6rlea; os mecanismos de transformacio que conhecemos variam com a estrutura soclal que estudamos. Isso porque a transformagio histérica ¢ uma transformacdo das estruturas soclais, das relacées entre suas partes componentes. Tal como hé uma variedade de estruturas sociais, hi uma variedade de Brinefpios de transformagao histérica, 8) © conhecimento da histéria de uma sociedade é quase sempre indispensével para sua compreensio, 0 que se toma perfeitamente claro a qualquer economista, cientista politico ou socidlogo que deixe seu pais industrialmente adiantado para examinar as instituigdes de alguma estrutura 163 social diferente — no Oriente Médio, na Asia ou na Africa. No estudo de “seu proprio pafs” éle com freqiéncia se valeu da histéria: 0 conhecimento desta esia incorpora: do as concepgées mesinas com que trabalha. Quando adota uma gama maior, quando compara, adquire consciéncia me- Ikor do elemento histérico como intrinseco ao que deseja compreender, € néo meramente como um “pano-de-fundo geral”, Na mesma 6poca, 05 problemas das sociedades ocidentais so problemas inevitéveis do mundo. Nosso periodo talvez temha, como caracteristica bem definidora, o fato de ser uma &poca em que, pela primeira vez, as variedades de mundos sociais que encerra tém uma interinfluéncia séria, répida ¢ evidente. © estudo de nossa époda deve ser um exame comparado désses mundos e de suas interagies. Talvez por isso 0 terreno outrora reservado a0 antropélogo se tenha tran: formado nos “paises subdesenvolvidos* do mundo, que os economistas, tal como os cientistas politicos e sociologos, ineluem regularmente entre seus objetos de estudo. FE por isso que parte da melhor Sociologia que hoje se faz tem como objeto dreas e regises mundiais. © estudo comparado ¢ 0 estudo histérico tem métuas relagées profundas. Impossfvel compreender as economias politicas subdesenvolvidas, comunista e capitalista, tal como existem no mundo de hoje, através de comparacées rasas ¢ intemporais. Devemos expandir 0 alcance temporal da and lise. Para compreender e explicar os fatos comparados, tal como esto 4 nossa frente, temos de conhecer as fases histd- Fieas € as razdes histéricas dos varios indices e as varias di regies do desenvolvimento ¢ da falta de desenvolvimento. Temos de saber, por exemplo, por que as colénias findadas pelos ocidentais na América do Norte e Austrélia, nos séoulos XVI ¢ XVII tornaram-se, no devido tempo, socieda- des capitalistas industrialmente florescentes, mas as colénias na India, América Latina ¢ Africa continuaram empobrect. das, camponesas e subdesenvolvidas, até o século XX. Assim, © ponto de vista histérico leva ao estudo compa- tado das sociedades: no podemos compreender ou explicar as principals fases pelas quais passou qualquer nacdo ock dental modema, ou a forma que tem hoje, exclisivamente em térmos de sua prépria histéria nacional. Nao quero dizer 64 apenas que na realidade histérica ela tenha interagido no de- senvolvimento de outras sociedades; quero dizer também que “a mente no pode nem mesmo formular os problemas histé- Ficos e sociolégicos desta estratura, sem compreendé-los em contraste © em comparagio com ontras sociedades. 4) Mesmo que nosso trabalho nio seja explicitamente comparado — mesmo que nos preocupemos com alguma 4a limitada de uma estrutura social nacional — precisare- mos de materiais histéricos. Sdmente por um ato de abstra- S40, que viola demecessariamente a realidade social, podemos tentar congelar_ um momento reduzidissimo. £ possivel, decerto, construir breves visdes ou mesmo panoramas csté- tieos, mas néo conclnir um trabalho com essas constracies, Sabendo que 0 objeto de nosso estudo é passivel de transfor” magio, nos niveis descritivos mais simples, devemos indagar: quais séo as tendéncias salientes? Para responder a essa per- gunta, devemos esclarecer, pelo menos, “de que” e “para que”. Nossa formulagao de tendéncia pode ser a curto prazo, ou da extensao de uma época; isso dependeré, naturalmente, de nosso objetivo. Habitualmente, porém, num trabalho de certas proporgies, necessitamos de tendéncias de consideré vel extensao. As tendéncias de maior térmo sio habitual- mente necessérias, mas apenas para superat 0 provineialis- mo histérico: a suposicao de que o presente é uma espécie de criaco auténoma. Se quisermos compreender as transformagées dindmicas de uma estrutura social contemporanea, teremos de distin- guir sua evohic&o a longo prazo, e em térmos desta indagar gual a mecanica da ocorréncia dessas tendéncias, que trans- formam a estrutura da sociedade? E com essas indagagoes que nossa preocupacio chega ao auge, relacionando-se éste com a transicao histérica de uma época para outra, © com 0 que podemos chamar de estrutura de uma época, © cientista social deseja compreender a natureza da épo- ca presente, delinear-lhe a estrutura e discerair as prineipais forgas que ‘nela atuam. Cada época, quando devidamente definida, 6 um “campo de estudo inteligfvel”, que revela a mecinica do processo histérico a ela peculiar. O papel das elites do poder, por exemplo, no processo histérico, varia de acérdo com a extenséo em que os meios institucionals de decisio sao centralizados. 163 A nosfo da estratura e dinfmica do “perfodo modemo*, @ das caracteristicas essencisis e singulares que possa ter, importante para as Ciéncias Sociais, embora isso nem sempre seja reconhectdo. Os cientistas politicos estudam o Estado maodero; os economistas, 0 capitalismo moderno. Os socié- logos — especialmente em sua dialética com o marxismo — expéem muito de seus problemas, em térmos das “caracteris- ticas dos tempos modemos”, ¢ 0s antropélogos usam suas sen- sibilidades em relacio ao immdo modemo nos exames das sociedades analfabetas. Talvez os problemas mais classicos da modema ciéncia social — tanto da Ciéneia Politica e Eco- nOmica quanto da Psicologia — foram, na verdade, relacio- nados com uma interpretacéo histériea bastante especifica: a interpretagio da ascensio, dos coiponentes e da forma que tomaram as sociedades urbanas industriais do Ocidente Modemo — habitualmente em contraste com a Fra Feudal Muitas das coucepgies habitualmente usadas na ciéncia so- cial relacionam-se com a transicio histérica da comunidade ru- ral dos tempos feudais para a sociedade urbana da era moder- na: 0 status e “contrat”, de Maine, a “comunidade” ¢ “socie- dade” de Ténnies, 0 status © “classe” de Weber, os “trés este ios” de St. Simon, o “militar” e “industrial” de Spencer, a “cireulagdo das elites” de Pareto, os "grupos secundérios © primérios” de Cooley, 0 “mecinico” © “organico” de Durkheim, 0 “folk” e “urbano” de Redficld, o “sagrado c secular” de Becker, a “sociedade capaz de negociar” © 0 “Estado-quartel” de Laswell — todas essas concepgées, por mais generalizadas que estejam, tém raizes historicas. Até mesmo quando acreditam no ‘trabalhar histbricamente, os clentistas em geral revelam, pelo uso dessas expresses, certa nogio das tendéncias histéricas e até mesmo um senso de perfodo, E em térmos dessa sensibilidade & forma e a dindmica do “perfodo. modemno”, e & natureza de suas crises, que a preocupacio-padrao do cientista social com as “tendéncias” deve ser compreendida. Flas so estudadas numa tentative do ir além dos acontecimentos e darthes um sentido orde- nado. Freqiientemente, tentamos focalizar cada tendéncia um pouco além da posiggo que ocupa no momento, eo que é mais importante, ver tédas elas ao mesmo tempo, como partes méveis da estrutura total do perfodo. &, decerto, in- telectualmente mats facil (e politicamente mais aconselha- 168 Mls: vel) reconhecer uma tendéncia de cada vez, mantendo-as dis- persas, do que procurar vé-las tédas em Conjunto. Para 0 empiista literdrio, escrevendo pequenos ensaios equilibrados, primeixo sdbre isto © em seguida sbre aguilo, qualquer ten- tativa de “ver 0 todo” parece um “exagéro oxtremista”. Hi, sem diivida, muitos perigos intelectuais nessa tenta- tiva. O que um homem vé como um todo, é visto por outro apenas em parte, © por vézes, por falta de visio sinética, a tentativa 6 esmagada pela necessidade de descricio. Ela pode, ainda, ser tendenciosa, mas nfo ereio que a tendencio- sidade se revele mais.do que na selecio de detalhes passiveis de exame preciso, sem referencia a qualquer nocao do todo, pois essa select seré arbitraria. Num trabalho histbrica: mente orientado, estamos sujeitos também a confundir “pre- dicéo” com “descricaéo”. Estas duas, porém, néo devem ser superadas com demasiada precisio, e nao constituem as tinieas formas de examinar as tendéncias. H4 também a possibilidade de faz®-lo procurando responder a pergunta “para onde vamos?” — e € isso 0 que os cientistas sociais tentam, freatientemente, Procuram, entdo, estudar a histéria, e nfo tetirar-se para ela; dar atengao as tendéncias contem- porfineas, sem ser “apenas joralisticos”, avaliar o futuro dessas tendéncias sem ser meramente proféticos. Tudo isso é dificil. Devemos lembrar que estemos tratando de material histérico, suscet{vel de répida modificacao, e que hd contra- tendéncias. E temos sempre que equilibrar a imediacao do estreito presente com a gencralidade necessdria para revelar 9 sentido das tendéncias especificas do perfodo como um todo. Mas acima de tudo, o cientista social esté proourando ver juntas as principais tendéncias — estruturalmente, e nfo ape- has 0s acontecimentos numa variedade de ambientes disper- sos, que nada representam de névo se somados, e que na realidade nem chegam mesmo a somar-se. Essa a meta que da ao estudo das tendéncias sua relevincia para a compre- ensfo de um periodo, ¢ que exige o uso pleno e desemba- ragado do matetial da histéria. 3. H& um “uso da histéria", bastante comum na ciéncia so- cial de hoje, que na verdade 6 mais um situa) do que um uso auténtico. " Refiro-me 2s pequenas pegas mondtonas co- 167 mhecidas como “delineamento do pano-de-fundo histérico”, ane prefaciam com frequiéncia os estndos da sociedade con” temporinea, © ao processo ad hoc, conhecido como “pro- porcionar uina explicagio histérien". Essas expliagoes, ‘ba. seacias no passado de uma Yinica sociedade, sto freqiiente- mente inadequadas. Id trés observagies a serem feitas sdbre elas: Primeiro, acho necessério aceitar a afirmagio de que temos de estudar a histéria para nos livrarmos dela, Por isso entendo que as pegas tomadas habitualmente como expli- cages historicas deveriam ser vistas como parte da formula- cio do que deve ser explicado. Ao invés de “explicar” algu- ma coisa como “uma persisténcia do pasado”, devemos perguntar “por que persistir?” Habitualmente, veremos que a resposta varia de acdrdo com as fases atravessadas pelo objeto de nosso estudo. Para cada uma delas, podemos ten- tar identificar 0 papel que desempenhou, e como e por que passou A fase seguinte Segundo, no trabalho sébre uma sociedade contempora- nea, exeio ser boa regra teptar, primeiro, explicar suas carac- teristicas contemporaneas em térmos de’ sua fungao também contemporanea. Isso significa localizé-las, vé-las como par- tes de, ¢ mesmo como consegiiéncia de, outras caractertsticas de seu ambiente contemporéneo. Mesmo que seja apenas para defini-los, para delimité-los claramente, para tomar mais especilicos os seus componentes, é melhor comegar com um perfodo de tempo — embora ainda histérico, evidente- mente — mais ou menos limitado. Em seu trabalho sdbre os problemas adultos dos indi. viduos, alguns neofreudianos — destacando-se, talvez, Karen Homey ~~ parocem ter adotado um proceso semelhante. 86 voltamos As causas gentticas e biogréficas depois de ter es- gotado as caracteristicas contemporineas © 0 cenatio do ca~ réter.. E, naturalmente, um debate classico sébre 0 assunto ocorreu entre as escolas funcional e histérica de Antropologia. Uma razio disso, creio, é 0 fato de que as “explicagoes his- toricas” freqiientemente se transformam em ideologias con- servadoras: as instituigdes exigiram longo tempo para evo- Tuir, © assim, no: devem ser tratadas com pressa. Outra ra- zo 6 que a consciéncia histérica com freqiiéucia se tora a raiz de um tipo de ideologia radical: as instituigSes so, no final das contas, transitérias; assim, essas instituigses par- 168 npc Risracieistaricnsirite oo. ticulares nao sfo eternas ou “naturais” para o homem. Am- bas as opiniées baseiam-se quase sempre num determinismo histérieo, on mesmo na inevitabitidade que pode, facilmente, levar a uma posicgo de aguiescéncia — € @ um conceito eroneo de como a histéria tem sido feita ¢ pode ser feita Nao desejo abafar o senso histérico que adquiri com dificul- dade, mas também nao desejo impregnar minhas explicages de usos conservadores ou radicais da nogio do destino his térico, Nao accito “destino” como uma categoria histérica universal, como mais adiante explicarei Minha afirmacdo final € ainda mais controversa, mas se fér exata, 6 de importéncia considerdvel: acredito que os perfodos ¢ sociedades diferem em relacao ao fato de exigirem ou nao, para sua compreensio, referéncias diretas aos “fato- tes historieos”. A natureza histérica de uma sociedade, num determinado periodo, pode ser tal que o “passado bistérico” 36 indiretamente tem relevancia para seu entendimento. &, evidentemente, bastante claro que para compreender uma Sociedade que ‘se movimenta Tentamente, présa por séculos num ciclo de pobreza e tradicio e moléstias e igno- rneia, temos de estudar o terreno histérico, © os mecanismos histéricos persistentes de sua terrivel limitagfo pela sua prd- pria historia, A explicacio désse ciclo, e da mecanica de cada uma de suas fases, exige uma anélise histérica pro- funda. O que se deve explicar, acima de tudo, é 0 meca- nismo’ da totalidade do ciclo. Mas os Estados Unidos, por exemplo, ou as nagdes do noroeste da Europa, ou Austrilia, em sua atual condi¢ao nao estéo encurralados em nenhum ciclo da historia. Esse. ti de cielo — como no mundo deserto de Ibp Kbaldoun * —— nao os afeta. Tddas as tentativas para compreendé-los nes. ses térmos, parece-me, fracassaram, e tendem na verdade a se tornarem uma insensatez trans-historica. A relevéncia da histéria, em suma, é, cla mesma, sujeita ao principio da especificidade histérica. “Tudo”, na verda- de, pode ser considerado como “vindo do passado”, mas o 81 Ver ‘Muhsin Mahdi, Jon Khaldoun’s Philosophy of History, Londves, 1997; Historical’ Essays, Londres, 1951, «que encerra 0 es- clarecedor comentario de H. R. Trevor-Roper sdbre o ssmunto. 169: sentido dessa frase — “vindo do passado” — 6 0 que esté em jégo. Por vézes, hé coisas totalmente novas no mundo, © que vale dizer que a “histéria” se repete e nio se repete: depende da estrutura social e do periodo de cuja histéria nos ccupamos. * © fato de que éste principio sociolégico seja aplicével aos Estados Unidos de hoje, de que a nossa sociedade esteja num periodo para o qual as explicagbes histéricas sejam me- nos relevantes do que para muitas outras sociedades e épocas, contribui para explicar, creio cu, vérias caracteristicas im: portantes da ciéncia social americana; 1) porque muitos Gientistas sociais, preocupados apenas com sociedades oci dentais contempordneas ou, ainda mais limitadamente, ape- nas com os Estados Unidos, considerdm o estudo histérico irrelevantes para seu trabalho; 2) porque alguns historia dores falam hoje, de forma bastante desordenada, ao que me parece, sdbre’ a Histéria Cientifica, e procuram, em seu trabalho, usar técnicas altamente formalistas, e até mesmo explicitamente ndo-histéricas; 3) porque outros historiadores dio-nos, com freqiiéncia, a impressio, especialmente nos su- plementos dominicais, que a histéria 6, realmente, uma trapaca, uma fabricagio de mitos sdbre o passado para usos ideold. Bicos atuais, tanto liberais como conservadores. O pasado 3 Assinalo um racioeinio de apoio numa excelente exposicko s0bre os tipor de histéria do teebatho. por exemplo, ein Walter Gelen fone sg feoea Proporlonadn palo allivo de terran etna tend ser pequena.... na auséncia de...” novos materials impor fates... Mas este nao 4 n tnies justitienges pare ‘concentiones {25 accitatimenios ‘mele recenter. "0 movimante tabeliiaia, cone femportnes difere uéo s6 quantiativamente, mas também qualita: Hvamente, de ba tinle anos. Antes on Gicade de 1000, Haka’ 9 gerdter sectirio; suas declsbes néo erm tm fatar econtraice iapor. {snte, e fle se preocupava ais com or lmnitades problemas taternce do que com a politica necionsl”” (Walter Gulenson, "Reflections ga the Writing of Labor History”, Industrial and. Labor Retatlons Review, outubro de 1067), Em relagdo 4 Antropologin, neturaimente, © debate entre expiiongto “funcional” ‘e “histories” ha muito ver) crorrendo. Os antropéloges neceasitars, coin freqUtnales scr Sune slonais, porque nfo podem desesbris nada sebre « histor daa “cule turas” ate examinam, Realmente, dover tentar enpllcer o press pelo presente, airaves das inter-telagGes es. vérias, carocieria fexlappertneds de ma sociedade. ‘Para vim exante 40 navanta ver “Geliner, “Time end Hirtory in Sociol ‘Anibvopology™: Minds, abril de 1958. a ee 170 dos Estados Unidos ¢, na verdade, uma fonte maravilhosa de imagens felizes; e — se estou certo em rélagao & irrelevancia contemporanea de grande parte da histéria — ésse fato mes- mo torna ainda mais facil tal uso ideoldgico da histéria. A relevancia do trabalho histérico para as tarefas e a promessa da ciéncia social nao 6, decerto, limitada as “ex- plicagdes histéricas” désse “tipo americano” de estrutura so- cial. Além disso, esta nogio da relevancia varidvel da expli- cagao histérica é em si, uma idéia histérica, que deve ser debatida e provada em terreno histérico. Até mesmo para ésse tipo de sociedade contemporanea, a irrelevncia da his- toria_pode, com facilidade, ser levada demasiado longe. Sdmente pelos estudos comparades podemos ter consciéncia da auséncia de certas fases hisiéricas de uma sociedade, que com fregtiéncia & essencial para a compreenséo de sua forma contemporinea. A auséncia de uma Era Feudal € condigao essencial de muitas caracteristicas da sociedade americana, entre as quais o cardter de sua elite ¢ sua extrema flexibi- lidade de status, que tem sido confundida com falta de estru- tura de classe e “falta de consciéncia de classe”. Os cfen- tistas sociais podem — na verdade, muitos tentam — afas- tarse da histétia por meio de uma indevida formalidade do Conceito e técnica. Mas essas tentativas exigem-lhes st posigdes sObre a natureza da histdria e da sociedade que nio Séo proveitosas nem exatas. Esse abandono da histeria toma impossivel — ¢ escolho com cuidado # palavra — compre- ender precisamente as caracteristicas mais contempordneas dessa sociedade, que é uma estrutura histérica que sé pode- mos compreender gufados pelo-princfpio do especifismo his- térico. 4. Os problemas da Psicologia Social e Histérica so, de muitas formas, os mais intrigantes que podemos estudar hoje. £ nessa drea que as principais tradicdes intelectuais de nossa época, na verdade da civilizagio ocidental, chegam a uma confluéncia emocionante. E nesta érea que “a natureza da natureza humana” — a iinegem genérica do homem, herdada pelo THuminismo —- fol, em nossos dias, posta em discussio pelo aparecimento de governos totalitérios, pelo relativismo W etnogrifico, pela descoberta do grande potencial de irracio nalidade do homem e pela rapidez com que éle pode ser transformado historicamente. Chegamos a ver que as biografias dos homens e mmulhe- res, dos tipos de individuos em que variadamente se trans. formam, ndo podem ser compreendidas sem referencia, 36 estruturas histéricas nas quais 0 ambiente de sua vida diéria est organizado. As transformagées histéricas encerram sen tidos nao 96 para os modos de vida individuais, mas para o cardter mesmo — e 05 limites ¢ possibilidades do ser humano, Como unidade do processo histérico, o Estado-nagio dindmico é também a unidade dentro da qual a variedade dos homens é selecionada e formada, libertada e, reprimida — 6 a uni dade de formacio do homem. £ umd das razdes pelas quais as lutas entre nagées © blocos de nacSes si0 também Jutas sdbre os tipos de séres humanos que acabaro predominando no Oriente Médio, na India, na Chioa, nos Estados Unidos é por isso que a cultura ¢ a politica esto hoje em relacdo tao intima, ¢ é por isso que hé tamanha procura © necessidade de imaginagao sociolégica. Pois néo podemos compreender ade. qnadamente 9 “homem” como uma eriatura biolégica “is0- ada, como um feixe de reflexos ou um conjunto de instintos, como um “campo inteligivel” ow um sistema em © de si mes. mo. O que quer que scja, o homem 6 um agente social « Bistérico que deve ‘ser compreendido, se #6r compreendido, em fatima € complesa corciacéo com as estruturas social histérica. Nao hé, decerto, nenhuma argumentagao conclusiva sébre as relages entre “Psicologia” © “Ciéncias Sociais”. A maio- tia dos argumentos constitufram tentativas formais de inte grar uma varicdade de idéias sobre 0 “individuo” ¢ 0 “enipo". Sem diivida, sio todos diteis, de certa forma, para alguém, Felizmente, em nossa tentativa de formular aqui o aleance da ciéneia social, nfo teremos de procuparnos com éles. Como quer que os psicdlogos definam sett campo de traba. ths, © economista, © socidlogs, o cientista politico, o antro- pélogo, ¢ o historiador, em seus estudos da sociedade huma. pa, devem formular suposicées sObre a “natureza humana” Tais suposicbes se enquadram habitualmente na disciplina intermedidria da “Psicologia Social” © Ipterdsse nessa érea aumentou porque a Psicologia, como a Historia, € tao fundamental para'o trabalho das Cle, 172. cias Sociais que quando os psicdlogos nfo se ocuparam dos problemas em jégo, os cientistas sociais se tornaram seus pré- Prios psicdlogos. "Os economistas, ha muito of cientistas so- Ciais mais formalizados, t@m consciéneia de que 0 velho “ho- mem econdmico”, hedonista e calculista, jf nflo pode ser to- mado como a base psicolégica de um éstudo adequado das instituigSes econdmicas. Dentro da Antropologia, cresceu um forte interésse na “personalidade e cultura"; dentro da Socio- logia, bem como da Psicologia, a “Psicologia Social” é hoje um tmovimentado campo de estudo Em reacio a essa evolucio intelectual, certos psiedlogos tomaram uma variedade do trabalho na “Psicologia Social”, gnquanto outros procuravain, de virias formas, redefinir a Psicologia de forma a consérvar um campo de esnudos & res dbviamente sociais, e outros ainda limit desejo examinar, aqui, as especialidedes académicas dentro da Psicologia — campo hoje tdo dividido — e muito menos julgé-las. HA um estilo de reflexio psicoldgica que ndo vem sendo mado, explicitamente, pelos psicélogos; mas que, nZo obs- tame, seo beeredo infladecsa sobre Eles — bem como sSbre ‘Oda ‘a nossa vida intelectual. Na Psicandlise, ¢ especialmen- te no trabalho do préprio Freud, o problema da natureza humana é formulado em seus térmos mais amplos. Durante altima geracio, dois passos foram dados a frente pelos psicanalistas menos rigidos ¢ os por éles influenciados Primeiro, a fisiologia do organismo individual foi trans- cendida, © comecou o estudo dos pequenos eireulos de fami- lia nos quais ocorrem melodramas tao terriveis. a dizer que Freud descobriu de um ponto de vista inesperado — 0 médico — a anélise do individuo em sua famflia sangul- nea. E claro que a “influéncia” da familia sdbre o omen havia sido percebida; o ndvo era que, como institaicao social, cla se torou, na opinigo de Freud, intrinseca para o caréter fntimo e © destino vital do individuo. 7 Segundo, 0 elemento social nas lentes da Psicandlise am- ited fe muito, especialmente pelo que podemos chamar de trabalho sociolégico no superego. Na América, A tradicso psicanalftica juntou-se uma outra, de fontes totalmente dit 178

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