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pre Ramon Sumario A estranha fotografia Uma conversa suspeita A terrivel descoberta Procura-se um assassino.... © homem misterioso ataca de novo enigma da casa vazia.. 0 caso do barco abandonado Os visitantes de Isabel... Enquanto seu lobo nao vem Quem € bandido, quem é mocinho? ... Quem fica morto, quem fica vive? A estranha : fotografia “S = Naquela madrugada, ainda estava escuro 1a fora, 0 Elois me sacudiu na cama: — Marco, levanta dai que a gente vai esquiar. — Poxa, cara. F: cedo demais! — Cedo que é bom. Depois, eu estou mesmo a fim de pegar o sol nascendo. Ele ja estava de maié e colocava um filme novi- nbo na maquina. Pendurou outros dois rolos no cinto de mergulbador, num saquinbo de plastico, junto ao facao. — Vocé vai mesmo tirar tudo isso de foto? — E so pra prevenir. Nao gosto de andar sem muni¢ao. Foi assim que tudo comegou. A mania de mar e a de tirar fotografias. Meu irmdo jogou a maquina no ombro e fomos andando pela praia até a baia, onde fica a casa de barcos. E preciso explicar que aquelas praias sao um bocado desertas. Tirando os pequenos centros de ve- raneio com algumas casas, 0 Litoral Norte ainda tem lugares magnificos que sO sao mesmo acessiveis por mar, praias de uma brancura inacreditdvel, costas recortadas que sdo verdadeiros labirintos. Desde 0 comego do verdo, meu irmao sonbava fotografar de perto esses lugares. A mania dele por fotografia ja virou doenga. Chegamos finalmente a baia, depois de uma ca- minhada pela praia. — Oi, filio. Como esta 0 vento? — Calmaria. Hoje 0 sol vem de torrar! Dé. uma mao aqui pra descer a lancha. A gente ajudou o Jiilio, 0 guarda-barcos, a rodar @ carreta da lancha até a beira da agua. Depois ele foi buscar 0 motor. Prendeu na popa do barco, testou pra ver se funcionava. E.funcionou. De primeira! E nés dois saimos com a lancha bem antes de o sol nascer naquela mand de verao, sem ao menos sonbar com o que nos esperava. Ja estévamos no meio da baia, 0 Elois na dire- ¢o e eu atras, preso a corda, deslizando em meus esquis, com o vento respingando na cara. Foi quan- do 0 sol apareceu. O Elois manobrou a lancha e dirigiu-se para a encosta rochosa do outro lado, onde havia uma pra- inha estreita e cheia de conchas. Eu mergulbei segurando a corrente e subi pelas pedras para prender o barco. — Amarra naquela arvore que esta bem. Isso. Prende forte. Agora dé a mao, anda! 0 Elois pulou nas pedras e nés descemos para a praia. — Legal pra fazer um piquenique! — Pra tirar fotos, isso sim. Estou pensando no concurso daquela revista. Eo Elois foi entrando pelo mato, subindo por uma picada, meio agarrado as arvores. O mar ld embaixo eas pedras, foi tirando uma foto atras da outra. Apon- tava a teleobjetiva, estudava o angulo— PLAF—, ld ta mais uma. Eu me cansei de ir atras dele, desci para a faixa da praia e fui andando pela beira da dgua — Hlots, venha ver! Esta assim de caranguejo no meio das pedras! Que tal siri pro almogo hoje? Ele nao respondeu, devia estar longe. Peguei um Cesto na lancha e fui enchendo. Com meu facao, cavava a areia perto da agua onde havia pequenos respiros, fitros arredondados onde os siris se enter- ram quando a maré baixa — Marco, a vista ld de cima 6 0 maximo! Era 0 Elois voltando, a cara vermelha e suada. — Poxa, que calor! Larga isso ai e vamos dar um mergulbo. Soltou a maquina do ombro, tirou a carteira do bolso do caledo e jogou num canto da praia, 8 Junto aos meus siris. Quase na beira da agua pa- rou um pouco, desprendeu da cintura Oo saquinbo dos filmes, voltou correndo e jogou dentro do ces- 10, ao lado da maquina. Depois me lancou um desafio: — Quem chegar por tiltimo é um... ~ e saiu correndo pra dgua. Fui atras, dei um empurréio pe- as costas, joguei 0 Elois no chao e entrei na agua primeiro, Ele veio doido em cima de mim, mas eu ja estava longe. — Ofilio tem razao: 0 dia vai ser de rachar. — 4880 aqui é demais! Tomara que néo deixem nunca estragar essa natureza toda. — Qual! Nao demora muito, isso aqui vai de embrulbo também. Em nome do progresso, a turma vai plantando cimento e poluicao. Fomos nadando em sentido, )paralelo a praia, até onde 0 folego deu. Ai a gente parou e voltou andan- do pelas pedras. Quando chegamos ao lugar onde tinham ficado nossas coisas, o Elois olbou muito es- pantado. O cesto dos siris estava 1d, mas a maquina tinha sumido. — Minha maquina desapareceu! Alguém levou embora. — Mas quem? Nao ha ninguém aqui. Olbamos por todo lado e nada! Siléncio total e nem sombra de vivalma. — E néio tem jeito de chegar aqui sem ser por mar. — Deve ter alguém por ai. Tem que ter. A maqui- na néio saiu andando sozinba Meu xo dele, tinba um cittme danado dela rmao estava louco, a maquina era a pai- — Vamos dar uma olbada por ai tudo. Vocé vai de um lado e eu, de outro — Cuidado, mano. Quem fez isso ndo quer ser visto. Pode ser perigoso. — Que nada. £ um ladraozinho covarde. Vai ender minha maquina por qualquer porcaria. Nao sabe nem o valor dela. Ai, a minha maquina! O Elois estava desolado. Rondamos tudo por ali, ‘mas quem quisesse se esconder por aquelas matas ¢ porentre as pedras podia fazé-lo muito bem. A gente nao ia achar nunca! — Desiste, mano. Ja é muito tarde, eu estou me roendo de fome. Daqui a pouco eu como esses siris crus. Crus e vivos! — Iii, vocé s6 pensa em comer, poxa! A minha maquina, 0 que eu faco sem ela? Peguei meu cesto de siris e fui direto para a lancha, o Elois se lamentando atrds. Soltei a cor- rente da drvore e entramos no barco. O motor deu duas ou trés roncadas, falbou um pouco, depois pegou 10 E nés deslizamos pela baia, o sol tinindo na pele, o vento na cara, um abuso de azul e verde por toda parte, até chegar ao ancoradouro da casa de barcos Voltamos pra casa a pé pela praia, eu com o ces- 0, 0 Elois choramingando a perda da sua preciosa maquina — Que azar, poxa! Além de tudo perdemos nosso tempo. La se foram todas as fotos que vocé tirou ld em cima do morro. — Nao, isso ndo. Eu troquei de filme enquanto voc cavava seus siris. Na maquina tinha um filme em branco. Pelo menos as fotos eu salvei. Estdo no saquinbo de plastico ai dentro do cesto, junto com o seu almogo. Estou doido pra ver. Nao tem janelas 0 quartinho no fundo do quintal. Apenas 0 vitro pintado de preto e a lam pada vermelha em cima da pia. Umas bacias de louga, a prateleira cheia de vidros e um varal com pregadores de metal. E s6 isso 0 laborat6rio do Elois. Ninguém reconbece ele dentro. Fica sé- rio e compenetrado, e nao gosta de gente se intro- metendo. Nos dois fechados ld dentro, s6 a lampada ficou acesa, — Tem qualquer coisa nessa historia que nao fina, Marco. Elois ndo falou pra ninguém do roubo da mdquina, nem eu contei. Nao sei por qué, mas pare- ce que alguma coisa nao estava certa mesmo. Meu irmao agitou o filme dentro do liquido com uma espécie de pina. — Pega aquele vidro azul pra mim, Marco — Por que essa cara de encucado? — eu per guntei, — 0 roubo da maquina — Vocé disse que alguém pegou pra vender — Pois 6. Ai 6 que ndo faz sentido. — Nao estou entendendo. — Se era por dinheiro, Marco, por que nao leva- ram minha carteira, que estava junto? Tem alguma coisa errada. Nao sei bem onde, mas tem — disse meu irmdo, lavando o filme em agua corrente e pen- durando com pregador no varal. Estava muito aba- fado ld dentro e nés saimos pra dar uma volia. Jé era quase noite quando terminamos as cé- bias. As fotografia estavam barbaras! O Elois pe- gou com a teleobjetiva os recantos mais desconhe- cidos. — Esta vai pro concurso da revista — Olhe esta, entao! De repente 0 Elois parou muito espantado. — Marco, veja nessa fotografia. Ole! — Onde? O que foi? — Aqui, Marco. Veja! Um bomem. Ha um ho- mem atras dessas arvores. — Nao da pra ver direito. O que 6 que ele esta fazendo? — Va buscar uma lente, Marco. Anda! Isabel estava deitada na rede, culos na ponta do nariz, lendo o Geographic Magazine. — Bel, me empresia a lente. Pra que vocé quer? — Depois eu conto. Em cima da mesa de minba irma, nuina confiu- sdo de microsc6pio, vidrinhos com amostras de blancto marinbo, pedagos de algas secas e um mon- te de revistas, encontrei a lente. B ld fuui eu para a sala, com Isabel curiosa atras. — Me da ela aqui, Marco. — O Flois pegou a lente, examinou a foto e focalizou o tal homem — O que ele esta fazendo ai? — Enterrando alguma coisa. Veja! O bomem estava abaixado, enfiando uma pa na terra. O Elois ficou empolgado. — Ampliar! Vamos ampliar a foto. O mais pos- sivel. — O que sera que ele esta enterrando?— eu per- guntei. — Ou desenterrando.— Era Isabel, com os 6cu- los equilibrados no nasal dela, atras de nés, bisbi- Ibotando. — Dé pra ver a cara dele? — Nao da. Esta muito longe. S6 depois de au- mentar, Amanbd a gente faz isso, hoje esta muito tarde. Quando nés fomos nos deitar, o Elois falou: — Estou pensando numa coisa. — O qué? — Pode ser tolice. Amanha eu conto. Mas aquilo que meu irmdao estava pensando de- via estar encucando ele, porque, de luz apagada, ele ficou um tempao olbando 0 teto. Uma conversa & & suspeita Quem acordasse primeiro ia até a cidadezinha — pequeno centro comercial com velbissimas casas coloniais de porta e janela— para buscar pao e lei- te. Sdo quatro quilémetros que a gente faz muito bem de bicicleta. ‘Na manba seguinte, nés trés acordamos cedo. Isabel, de roupa de borracha, foi para o pontéo de pedras mergulbar pra procurar algas marinbas. Mi- nha irma estava fazendo um trabalbo para a facul- dade e s6 pensava nisso. O Elois se trancou no labo- ratorio, nem foi a praia. Sé eu sobrei com a minha bicicleta pra ir a cidade. Nem se discutiu, e ld fui eu mesmo. Quando cheguei a venda do Antenor, ouvi a tal conversa. Peguei o pdo eo leite e, sem atinar com a importdncia da coisa, nem olbei a cara dos dois des- conhecidos que falavam. Lembro que um era ruivoe sardento, com queimadura descascada de sol maltomado, e 0 outro baixo, moreno e atarracado. O ruivo perguntou: — Achou a casa? — Sim — respondeu o outro. — E uma lojinba do outro lado da praca. Ja deixei o rolo. Fica pronto hoje a tarde. — Amanba a noite encontro com vocé na Ponte do Marisco. Cuidado, 0 Homem nao perdoa erro. Vocé sabe quem foram eles? — Isso nao importa. Nem vaio saber 0 que acon- teceu. O pao e o leite no pacote, eu montei na bicicleta e voltei a jato, ndo queria perder o sol da praia Vesti meu traje de mergulbo e fui encontrar a Bel no pontdo, Um mergulbador nao deve nunca descer ao fundo sozinbo. Isso 6 um principio basico Eu e Isabel ajustamos nossas mascaras e nos joga- mos do pontéi. A digua estava clara e transparente, cardumes de peixes nadavam pelo meio de nossas pernas. Eles pareciam bem maiores do que eram na realidade, porque a visdo debaixo da agua é deformada. Com a mascara, a imagem é bem mais nitida, mas au mentada e deslocada A emocdo que se sente descendo ao fundo do mar 86 pode ser avaliada por quem jd experimentou. Das primeiras vezes, hd uma sensacao de euforia — at que se aprenda a controlar a respirac@o — que se assemelha muito a um pilequinho. Essa reagdo, em mergulbos mais profundos, pode chegar a um estado de embriaguez e causar sério perigo. Isso acontece porque o pulmao bumano— que tem a capacidade de seis litros de ar — comporta menos volume de ar @ medida que mais se desce e aumenta a pressio (0 peso da égua). Ora, diminuindo 0 oxigénio, aumenta 0 anidrido carbénico no sanguee no cérebro. O efei to vai da embriaguez a perda total de conbecimento, em casos graves. Mas 0 lugar onde a Bel fazia sua coleta de material nd tinba mais que quatro ou cin- co metros de profundidade. Mergulbamos e fomos contornando os rochedos, que eram praticamente vestidos por um manto de algas marinas. Eu e Isabel aguentamos ficar até dois minutos debaixo da agua sem 0 aqualung. ‘As algas sao a forma mais simples de vida vegetal”, me havia explicado Isabel. “Sdo um alimento Sabuloso. Milbdes de seres vivos comem algas e sao por sua vez comidos por peixes cada vez maiores, até terminar nos maméferos aqudticos e finalmente no bomem. Talvez esteja nelas a solugdo da sobrevivén cia humana A Bel, como um grande peixe mudo, me fez si nal, mostrando uma enorme lagosta que caminha va pacatamente pelo fundo arenoso. Minha irmd fez uma curva graciosa e deslizou para baixo, pegou o bicho com cuidado pelas compridas barbatanas ¢ enfiou numa rede de ago. Depois continuou sua co- Ibeita de plantas. Subimos a tona, mergulbamos de novo Embaixo havia um verdadeiro jardim de flores exéticas, mas eu nao me enganei, sabia que eram animais, alguns nem tao inofensivos. Verdadeiras armadilbas para peixinbos descuidados. Isabel des- prezou as belas anémonas e se concentrou s6 nas algas. Finalmente voltamos @ tona como cesto cheio. Quando chegamos em casa, 0 Elois vinha vindo do fundo do quintal com os olbos brilhando. Consegui, gente. Uma ampliagao legal da foto. Venbam, vamos ver. Entramos os trés em casa, 0 Elois ligou a lampada da escrivaninba de Isabel e pés a foto aumentada embaixo do foco de luz. — Veja, Marco! Bem aqui, por tras dessas plan- tas! Isabel pegou a lente e correu pela foto. — Olhem, 0 homem. Dd pra ver bem agora. estd enterrando. — O qué?— eu perguntei — Meu Deus, so ossos! — Deixa ver, deixa ver — 0 Elois se debrucou. — Por que alguém iria enterrar ossos? — eu in- daguei. — Ou desenterrar... — Isabel insistiu — Ou desenterrar — eu concordei. Isabel falou com um fiozinbo de voz: — Vocés acham que eles sao... bumanos? Meus cabelinbos da nuca ficaram arrepiados. O Elois, muito sério, olbava a fotografia. — Vocés reconbecem esse cara? Olbem bem E1.e Isabel olbamos bem 0 rosto do homem, mas nao lembramos de ter visto antes. Era ruivo e tinha um rosto muito vermetho de sol. — Ole, gente, acho que nés estamos fazendo papel de idiotas. Ninguém comete um crime simples- mente por enterrar um monte de ossos— disse o Elois — Ou desenterrar. — Arre, Isabel! Ta bom, tanto faz! — Nao tanto faz, nao. Ele pode estar 6 enter- rando os restos de um jantar. Mas violagao de sepul- tura é crime! — Vocé anda vendo muita televisdo, isso sim Nos todos nos deixamos levar pela imaginagao — meu irmao falou — Mas nao pode mesmo ter havido um crime? — Bem, e quem 6 a vitima? Quem desapareceu? Depois, ninguém vira ossos de um dia para outro. — 0 Blois suspirou fundo e jogou a foto dentro da gave ta. — Chega de brincar de detetive Confesso que ficamos os trés murchos e desapon- tados. SAGRAIO BIBLIOTECA SAO DOMINGOS POR’ No dia seguinte, bem cedo, o Elois pegou a bici- cleta e foi buscar leite e pao na cidade. Isabel tirou a nossa lagosta do congelador. — Fla ainda esta viva? — eu perguntet — elo menos anestesiada — respondeu minha irma, que era incapaz de pisar numa formiga, — Fu 6 que ndo ia matar uma lagosta acordada pra comer! __ Bom, entéio coma uma lagosta viva. Ou pele a infeliz na agua fervendo! — Fla néio vai sentir nada. — Como é que vocé sabe que ela nao vai acor- dar antes de ser cozida? — Saia ja da cozinha, Marco. Sat de la as gargalbadas. Mais um pouco e eu comia a parte de lagosta da Bel. Quando cheguei ao terraco, o Elois encostava a bicicleta e subia a ram- pa fervendo de excitacao. — Marco, houve um roubo la na cidade, numa loja da praga, durante a noite — £0 que hd de extraordindrio nisso? — F que foi numa loja de fotografias. Nao row- baram dinbeiro nenbum, mas levaram todos os ne- gativos. Fi, espere! Nao é uma lojinha do lado posto a venda do Antenor? — Isso. — Meu Deus! Como eu sou burro, eu sou dez vezes burro! — Ecomo é que vocé cé é caiu em si?—falou o Eloi matics es Isabel atras de mim deu uma gargalhada — Ce i, st Cala a boca ai, sua assassina de lagostas. Eu estou falando sério. , — Ec e cé como € que vocé descobriu que é dez vezes burro e sério? a Eu nao estou brincando, sua chata. Eu vi o ladrao. Fle e um outro, no bar do Antenor. Estavam conversando, falaram do roubo. — E como eles eram? — Ai é que esta. Nao vi a cara deles. $6 ouvi a conversa e notei os tipos. — O que eles disseram? Vé se lembra, Marco. — 0 ruivo perguntou se o outro tinha achado a casa. O outro, um moreno atarracado, disse que sim, descreveu a lojinha de fotografias, falou que tinha deixado 0 rolo lé e que ta ficar pronto ontem a tarde. Entao o ruivo disse que 0 outro jd sabia 0 que devia fazer e que ele nd fazer e que ele néo podia falbar, porque 0 Homem ndo aceitava fracassos. — Que bomem? — Nao sei. Alguém de quem ele e s m de quem eles ’S parecia : pareciam t is estamos pe ensando o que \s fazer agora? stigar. Com muito cuidado. Prim mos a cidade fazer pe : spo va- Mas onde? Vocé menos. O oui idade, venha. E melhor ficar, bem que 23 E fomos nés trés com nossas bicicletas para a ci- dade. — Me dé um guarand e dois copos, Antenor. — E pra ja, rapaz. Pronto. Aqui esta. — Antenor, vocé se lembra de dois homens que estavam sentados nesta mesa ontem de manhda? A que horas? — De mana bem cedo, quando eu vim buscar © leite. Um era ruivo e sardento, 0 outro, moreno. — Olhe, entra e sai muito chofer de caminhao ‘por aqui, principalmente a essa hora da manhd. Co mem e seguem viagem. — Vocé ndio se lembra desses? Faca um esforco. — Eu nao me lembro mesmo. Mas 0 Pedrinho deve ter servido os bomens. Vou chamar o garoto. O menino veio de dentro enxugando as mdos, riu mostrando os dentes mitidos de ratinho. — Othe, Pedrinho, isso é importante. Pode ter algo a ver com 0 roubo da loja na praca— eu avisei — Por que vocé desconfia desses homens? — Foi uma conv Sa que ouvi por acaso ontem de manha — Eles disseram que iam assaltar a loja? — Claro que nao, Pedro. Mas falaram nela, num filme que mandaram revelar e numa coisa que ti- nbam de fazer. — Isso néo prova nada — implicou o garoto. — Mas é suspeito — rebateu 0 Elois — Léé isso 6. Vocés querem que eu fique de olbo? — Isso, menino. Eles ainda estao por ai — eu afirmei — Como é que vocé sabe? — Marcaram encontro para hoje a noite, na Pon te do Marisco. Pedro sorriu, encantado — Eu moro por aqueles lados. EF se eu pas. ‘por acaso” por ali, a noite? Asse — E perigoso, Pedro. Nao sei o que esté por tras disso, mas boa coisa nao é Eu sou vivo. Eles nao me pegam — Vocé faria isso? — Ora, se faria! Amanba encontro com voces aqui de manba. Eu e o Elots tomamos nosso guarand e satmos para a rua. Fomos encontrar Isabel. Isabel falava com Mido, o fotografo japonés da lojinba da praca. — Fizeram muitos estragos os ladrées? — Nao levaram dinbeiro. Revistaram a loja in- teira, arrombaram as portas e carregaram tudo quanto foi fotografia. Levaram os negativos todos, até Os que estavam secando no arame. — Tem alguma ideia, Mido, do que eles queriam? — Fotografias. Isso estd na cara. Mas quaise por qué, nao faco ideia ‘A Bel ouviu em siléncio, olbada na loja, e pagou o filme ‘pro Mido nao desconfiar. Nos também, parados ali ina porta, escutamos tudo. Nao havia mais nada 4 dizer, Mido nao sabia de nada. enquanto dava uma que tinba comprado A gente sabia muito mais que ele. O resto da manba nos passamos fazendo per- ‘guntas discretas, falando com uns e outros. Soube ‘mos que o ruivo bavia comprado frutas na quitanda > pra queimadura de sol na farmacia. Do e remé outro, ninguém se lembrava Ss A terrivel descoberta Reconstitui¢o baseada no depoimento de Pedrinho (narrativa de Marco) Pedro de: mens na uo bar ld pelas seis horas. Os ho- > a que he iam se encontrar na ponte, ‘Noite é de seis horas em diante”, nosso novo ‘Ant ssou a pr: cimy é nda é de tarde.” pensou Atray pegou a bicicl Uns doi e se mandou pela estra ponte, o so! jOmetros até a fa. Chegou do de todos os lados i © tinha ninguém. Afinal, nos nao sabiamos como eles viriam, se q fundava na agua até 14 com cuidado, co pra ver se a pé ou de carro Entio escondeu a bicicleta nu se meteu no 1co debaixo da ponte. S € ficou esperando. O sol sumiu ¢ tudo ficou Comecou a sentir uma po! inha de medo. ‘Ora, bobagem. Eu nao vou me mexer d ninguém vai me ver.” Passou muito tempo, Pedrinho fazia um enorme esforgo para nao dormir. A Ponte do Marisco era pequena ¢ estreita, por cima de um brago de mar, € ligava dois lados de uma estradinha de terra que dar numa pequena vila de pescadores, sem luz elé- trica, onde o garoto morava. De repente, um barulho de passos. Alguém vi- nha andando a pé, lento e cauteloso. Quem quer que fosse, subiu na ponte de madeira — CREC, CREC —e parou bem em cima da cabeca de Pedro. O menino conteve a respiracao e sentiu um frio corer pelo corpo, parar no estémago e€ se enrolar como um bicho. Pelo vao das tabuas da ponte, caiu uma poeira terrosa sobre 0 garoto. Ele ficou imével, como se estivesse congelado. O homem tossiu. — era tosse de homem — e se mexeu inquieto. } cabeca de Pedro. O bicho embolado no estémago estava querendo sair. O menino apertou a barriga e segurou 0 ar. © homem chegou até a mureta, debrugou-se € cuspiu na agua embaixo. Nisso, veio de longe 0 ruido de um motor. O motor de uma lancha. Foi chegando perto, entrou pelo canal. A lancha veio se aproximando, acendeu e apagou duas vezes uma lanterna. © homem em cima da cabeca de Pedro se agitou. A lancha veio vindo, agora as escuras, e — ai meu Deus! — entrou debaixo da ponte. Pedrinho se esgueirou como uma lagartixa para 0 canto escuro, espremido contra pilar de escora. Foi o tempo exato. © homem de cima se agarrou nas bordas da ponte, pulou para a rampa arenosa e foi descendo bem do lado de Pedro. O outro, da lancha, se apro- ximou. Ai os dois conversaram em voz baixa, bem na frente do garoto. — Onde é que vocé andou? juei escondido por ai — O Homem esta louco! — Por qué? — Os filmes estavam em branco. — Disso eu sei. Mas e os outros, da loja da praca? — Nada IA também. — Como € possivel? — Vocé € que vai dar explicagdes, nao eu. O Homem esta esperando na casa do professor. Nessa parte da conversa, a lancha funcionou e Pedrinho nao ouviu mais nada. O ruido do motor foi se afastando, o menino nao viu sendo os vultos dos dois 14 dentro, Mas estava claro que eram os mesmos homens. Depois de esperar um tempo razodvel, Pedrinho se levantou e subiu. As pernas estavam moles, a boca seca. Foi até onde estava a bicicleta e tocou para a cidade. clogio da matriz, Eram quase nove horas no uma velha igreja dos tempos de Anchieta, que a pre feitura restaurou sem mudar de jeito. Pedrinho pa- rou no bar, comeu um sanduiche € resolveu. Pegou a bicicleta e foi nos procurar. A gente estava jogando buraco na mesa da sala quando bateram de leve no vidro da porta. Eu levei um susto quando olbei e dei com a cara do Pedrinbo, branco como cal, os cabelos sujos de terra. — 0 que é isso, menino? Parece assombracao! Pedro entrou aos tropecos, tomou félego, parou. Entéio contou tudo. Nem precisava ter falado do medo Pela cara dele! Ewe 0 Elois ficamos com remorso de ter metido o menino nisso. Mas ele tina ajudado tanto! - O que 6 que a gente vai fazer agora? — Nao sei, Pedro. Quem seré o professor? — Amanbé nés descobrimos — 0 Elois falou — F- muito tarde pra vocé voltar pra casa, Pedrinho. Dorme aqui com a gente, ta?— eu convidei. O menino respirou aliviado. E a Bel foi preparar um copo de leite com mel pra cada um, sendo nin- guém dormia. No dia seguinte fomos todos juntos a cidade com nossas bicicletas. O Elots tinba resolvido telefonar a Nossos pais pra dizer que estavamos bem. Eengraca- do, mas nessas horas de complicagdo a gente lembra que tem pais. Eles ld trabathando, a gente aqui cur tindo as ferias de vera. “Nos vamos bem, mae. _ Quando a gente telefona dizendo que esta bem € porque nao estd ndo. A mae ja sabe e, agora sim, vaificar preocupada. Naturalmente tinha pial rie de recomendagées: "Cuidado com a agua, nao cometam imprudéncias etc. etc." (coisas de pais), mas nada de preocupacao séria — Emelhor a gente nao telefonar nao, Marco— DEois resolve Fles vd lots resolve. — Eles vdo desconfiar que alguma coisa esta acontecendo. — E. Vocé tem razdo. Quando as coisas vdo bem, 4 gente nunca lembra de telefonar mesmo. Vamos por ai perguntar pelo professor. — Antenor, vocé conhece o professor? — 0 professor? Professor de qué? — 6 isso: profe Tem um velho meio estranho que mora do outro lado da baia. Sé dé pra chegar ld de barcc Professor Segistones. : ! — Que nome! — Pois 6. Ele nao. a atras. Dizem que 6... an- 10... antro... antropéfago. veio fa- cidade. Diz is de nais Jeito de capan de O Elois fi e pensativo. Sabe, Mai indio. E Do depoimento de Isabel (narrativa de Marco) — fi venenoso, eu sei. Mas isso nao é um bicho, Mané, & uma porcio deles! £ uma colénia de varios animais diferentes vivendo juntos Mané olhou pra ela incrédulo. Isabel continuou; — Fles se juntam e dividem 0 trabalho: de flutuar, de comer, de atacar e se defender e até de se reproduzir Manezinho olhou pra Isabel como se ela esti- vesse lelé da cuca — Isso ai € um monte de bicho? — E£ sim, Mané. nou a cabega e mergulhou. Isabel mergulhou atras. Minha irma deslizou debaixo da agua e de re- pente viu, num monte de algas vermelhas feito um ncando. Como um gulhar. Chegou mais perto, se vou tanto susto que soltou 0 ar € quase se afogo aos pulos. E gritou O caigara ve vor — tinl > comp! bel apontou se perd Deus ¢ mente a la que nao descia mais livre e guarde 34 Manezinho mergulhou no local indicado. Pouco depois, 0 rapaz tona e fi rastava © corpo pel Imente pela praia Isabel tomou uma dose monstro de coragem e chegou perto. Era or azulado. Ai, meu Deus ‘0. Mas agora estava roxo- Isabel virou a cara, apertou a bai estOmago pra fora ”a € botou o S6 nas hist6rias de Agatha Christie os caddveres sao limpinhos e arrumados, como se fossem de pape- lao. Morre, morre gente e ndo se sente nada. Si suspense. Isabel tremia como geleia: “Quem fica va- lente numa hora dessas? Sb her6i de historia em qua- drinbos!” Ela estava arrasada, como qualquer um de nos, meninos comuns, ficaria se de repente topas- se com um corpo. E morrendo de medo. A gente é menino comum, ora. Nao é nenbum supergaroto de fita de televisto Como chegou em casa Isabel néio soube dizer Encontramos nossa irma deitada no soft da sala, assustadissima. Manezinho tinba telefonado pro de legado, na cidade. — Tai — disse 0 Elois. — Tanto queriamos uma vitima — Esté tudo errado. O nuivo era pra ser o assassino. Agora vou ter que me acostumar com essa ideia nova 86 nos falavamos. Isabel ainda estava em estado de choque. — Por que serdi que deram cabo do ruivo? — ora, porque ele foi imprudente. E além disso Jo dele. Vocé ndo se lembra da con- falbou na miss versa que o Pedrinho ouviu? __ Ento o assassino 6 0 Homem. Ou alguém que ele mandou. — Sim. Mas quem é 0 Homem? — Nao sei quem &, mas sei como chegar até ele — Como? — Oprofessor, lembra-se? Sabemos onde ele mora. — Olbe, Blois. A gente é uma dupla de garotos ‘muito louca, mas nao tao louca assim. Isso € assassi nato. N6s nao vamos nos meter na boca do lobo nao! — Eo cemitério indio? — Deixe isso pra ld. Quem quer ossos vel — Vocé parece que néo sacou que nds estamos ! Tudo come- ‘Ibos? metidos nisso até os nossos velbos 0ss0os! cou com a fotografia. E ela ainda esta conosco. E Homem quer a foto. — Mas 0 ruivo ja morreu! — Ele ndo estava protegendo o ruivo, burro! Es- tava preservando o segredo do lugar — Fu vou telefonar pra minha mae, mesmo. — Olba, Marco. A gente ja esta metido nisso. Va mos agir como adultos e falar com o delegado. Expli- 36 car tudo pra ele. Deixar de bancar os heréis e pedir socorro pra policia. Endo “chamar mamae”. Que di- abo! Ou vocé cresce nesses cinco minutos ou nds va- ‘mos acabar no fundo da baia, comidos por peixes — Que coisa horrivel de dizer, Elois! — a Bel tinba recuperado a voz. Meio anémica, mas dava pra protestar. — Conta, irma. Como foi? Isabel jogou uma almofada no Elois e virou a cara pra parede. — Fraquela! Cadé sua fibra de Jacques Cousteau? — Ela vai s6 montar uma indistria de sopa de plancto em latas e salsichas de algas marinhas. Mu- ler s6 da mesmo € pra cozinha Coitada da Bel! Eu tenho a mania de atormentar minha irma. Mas estava morrendo de pena dela, é minha mana preferida. Também, ndo tenbo outra! Isabel dormiu exausta no sofa e nés fomos para 4 praia encontrar o delegado. O cadéver do ruivo estava coberto com uma lona listrada. O delegado, vendo que a gente chegava, cha- mou — Vocé que 6 0 Marco? — Eu, sim — Vocé viu 0 morto no bar do Antenor faz dois dias. Andou fazendo perguntas. Por qué? 37 do — Ele Mido. Procura-se “@& um assassino — Levem isso daq ms da perua.— V mei prova de espécie al wersa sobre a loj. E nada de foto dele. flo prova que do. — Ea con- e. Estava dae versa qu 39 38 — Certo — disse 0 delegado. — Vamos ouvir 0 Pedro. Pedrinbo repetiu com detalbes toda a conversa, contou como tinba sido. O delegado batia com a pon- 1a dos dedos no tampo da mesa. Quando acabou, ele olhou pra nose di — Exatamente como eu pensava. Ele nao vit nada. Como na __ Fle ouviu um bomem na ponte, certo? Em al- gum momento viu esse homem? Nav. Nem 0 outro tos. Estava escuro, muito escuro. tampouco. S6 0s v — Ea conversa? — Falava num homem— sem nome— enum professor, que ninguém sabe quem 6. — £0 professor Segistones! — Isso vocés deduziram. ‘Agente nem acreditava no que ouvia. — Olbem, vocés sao uns garotos muito inteligen- les ¢ imaginativos. E isso pode ser tudo imaginagao de vocés. A policia ndo pode agir com base em bisto- rias de detetives. S6 em fatos. Fomos saindo atordoados. O delegado ainda gri- tou quando estavamos na porta — Se vocés me trouxerem provas. _ Provas! Que mais ele quer? Que a gente pren dao assassino? Isso é trabalho dele. 40 — Nos nao temos mais ninguém a quem recor- rer, Marco. — Que vamos fazer agora? — Vamos investigar por conta propria. Ewe meu irmao voltamos pra nossa casa da praia e fomos procurar Jiilio, 0 guarda-barcos —Jiilio, vocé conhece as pessoas que moram do outro lado da bata? — Algumas. Hé varias casas particula por aquelas praias. Mas quase todas tém seus préprios barcos. Raramente eu alugo lancha pra eles. Sé as vezes, pra algum visitante. — Vocé tem alugado pra alguém ultimamente? — Deixa ver. Ab, sim. Teve dois visitantes pro Escocés — Quem é 0 Escocés? — Um sujeito grandalhao que vende pecas de motores. Tem uma casa enorme numa das ilbas. — Dois visitantes? Um deles era ruivo? — Eram um preto e um oriental. — Quem mais? — Que eu me lembre, mais ninguém. Nos ja iamos indo embora quando Jiilio chamou. — Olhem, 0 Jodo Bagre andou guiando o iate do Escocés. Ele conhece um bocado de gente do ou- tro lado. Falem com ele. 4 seguro. — Ma cemos o vell Ora, a logia e — Vocé que ele engole? que de. De repente fica a Achei! Acho que ach — Que diabo vocé achou? — A prova de que néio foi morte natural. Olhem, eu vi o corpo. Vi bem. S6 que estava tao apavorada que na bora ndo pensei. Mas, de noite, aquela ima- gem ndio me saia da cabeca. Nitida. Dai, coma cuca {ria e 0 est6mago no lugar, eu pude pensar no que vi — 0 que foi? Fale logo! — No corpo havia algas verdes enroladas, como se ele tivesse sido arrastado por cima delas — F dai? Ele foi encontrado no mar! — Ai 6 que esta. Vou explicar pra vocés. Ha trés tipos de algas. As vermelbas, onde ew encontrei 0 , mas podem corpo. Elas existem nas pogas das mar ser encontradas até sessenta metros de profundida- de na aqua, até onde os raios violeta do sol podem chegar. Existem as algas pardas, que nascem nas praias e em pequenas profundidades. E finalmente ‘as verdes, que cobrem as rochas da superficie __ Esta bem, vocé ja deu sua aula. E 0 que é que isso prova? — Essa qualidade de algas nao existe no fundo do mar! Se ele se afogou onde foi encontrado por ter {ficado preso, do modo que dizem, nao podia estar todo enrolado nessas algas. como é que vocé vai provar isso pro delegado? _ A autopsia. Eu vou conversar com 0 legista que fez 0 exame. Acho que 0 ruivo foi arrastado 44 pelas rochas, bem em cima daquelas algas, depois {fot levado para o fundo e preso 14 embaixo até se afogar. — Eele nao ia reagir? — Devia estar desmaiado. — Ecomo € que o legista vai provar isso? — Se 0 corpo foi arrastado, a pele devia estar toda esfregada nesse tipo de algas. Pelo microscépio se vé logo. Ele nao pode deixar de ter visto. Inclusive, por causa das algas, talvez se possa descobrir onde ele foi morto. Bravos, Bel! Até que enfim suas pesquisas ser- viram para alguma coisa! O homem sd misterioso c , delegado. Tem mais ainda ‘ar que 0 So s diga 0 resto E 0 técnico levantou-se e foi saindo. Quando chegou a porta, parou preocu DU: — Se eu fosse o senhor, mandava logo ver onde andam esses meni 0s. — O que hi, Valdez? Diga logo! — O legista mudou o laudo, chefe. De 1 ram logo? — gritou o velho Cerqu E comecou a ficar ser conosco O enigma da casa vazia E nos dois nos vimos numa cozinha vazia e cheirando a mofo. A casa estava as escuras e num siléncio mortal. — Onde sera que esté o professor? — Eu esperava tudo, menos isso. — Venba, Marco, vamos investigar Eentramos pelo corredor escuro, até uma ponta pe. Sada de madeira. Quando o Flois abriu, ela fex NHEEM. — Psiu, cara. Siléncio! — Nao fui eu, foi a porta. Parece que nao é aberta ba séculos! Ends nos vimos numa sala empoeiradissima, com Sofas e poltronas descoradas, garrafas opacas de pé Nas prateleiras. O Elots passou 0 dedo pela mesa e ficou um sulco. Ai eu senti que ia espirrar. Botei a mao na cara e apertei o nariz. — BRRRrrr— 0 espirro saiu pela boca — Quieto, mano!—o Flois falou, apavorado. — Nao tem ninguém aqui, bé anos nao tem nin- guém aqui Ora, faz dois dias que eles vi = O professor gosta de a A que tem — Um mapa da regiao, co = Galeria plu uma das ti €ld escrito: | — Na Praia da Carcaca — Mais uma pista rumo a — O que mais tem ai? da ai. O Elo Nos subimo graus de madeira fazia num quarto. Tudo mu do, empoeirado. ocen ‘0 alguma coisa. O qu ao tesouro. Nao, Marco. Ninguém acredita em nos. Vamos por conta prépria. Quando descemos a escada, nés vimos que a porta do escritorio se fechou devagarinho— NHEEM.... PLAF. — O que 6 isso? Sera que tem gente aqui dentro? Deu uma tremedeira que 0 queixo batia, os os- sos chocalhavam, os joelhos tremiam. — Vamos Ia ver. Nés descemos, o medo as vezes empurra pra fren- te. Era o caso. Um agarrado ao outro, nés descemos. — Sabe que nos néio temos arma nenbuma pra nos defender? Nem um simples canivete! — E, sea gente tivesse, ndo ia poder usar. Eu fico enjoado com sangue. Olbei em volta e vi uma bengala preta com cabo de aco, espetada num desses méveis antigos de por guarda-chuva — Acho que E nos abrimos devagar a porta de novo. La den- sO serve. tro, nada. Vazio e em silencio. — Vai ver foi o vento do vitré que voce abriu Foi entdo que 0 Elois olbou em cima da mesa e viu. Isto 6, ndo viu. O mapa ea carta. Tinbam desa- parecido. — Andou gente por aqui. Entao ja estava. — Eainda deve estar. 58 A gente cochichava e suava frio. — Sera o professor? — E por que esta fugindo de nos? — Nos entramos como ladrées, Marco. Ele pode estar com medo. — Mais que nds — Tanto quanto nos. — Vamos falar com ele. Dizer que somos de paz — Por onde ele saiu? — Por aquela porta. Coragem, vamos ld. — Marco, estamos trancados! Trancados nesta casa de museu! Forcamos o trinco, balancamos a porta, nada Estdvamos presos no escritorio do professor. — Calma, irmao. Nada de panico. A gente que- bra 0 vidro e sai— continuou 0 Elois. — Ele levou o mapa. — Nao faz mal. Eu me lembro bem. Vocé tem ai 0 nosso mapa? — Esta aqui, no meu bolso. — Abre. so. Me da aquele lapis. — 0 que vocé vai fazer? a , 4 galeria comecava aqui, vinba mais Ou menos por aqui e ia terminar na Praia da Carca- (a. Deve haver uma entrada por aqui. pra la que nos vamos. — Eacarta? — Bem, ficamos com a palavra Amsterda. Era 56 0 que tinhamos, nao 6 mesmo? Agora, vamos, me dé essa bengala. Eu dei a bengala pro Eloise ele quebrou o vidro do vitro. — Sera que nds passamos por ai? — £86 tirar bem os cacos. Me ajude aqui. Isso. Agora encolhe a barriga — Que barriga? — Ja pensou se a gente fosse gordo? — Tinha que passar fome aqui dentro até ema- grecer. ; E nds passamos por uma abertura de pouco mais de vinte centimetros, se passamos! Mas nossas encrencas estavam s6 comegando. Estavamos descendo a encosta quando ouvimos 0 barulbo do motor da lancha. Da nossa lancha! Mes- mo assim levou dois bons minutos pra gente perceber 0 que isso significava — estdvamos presos na ilba. — 0 que vamos fazer agora? — Nadar. Ea tinica saida. — Mas é perigoso! Aqui é quase alto-mar. — Vocé tem outra ideia? — Qual é a casa mais proxima? — A do Escocés, Talvez ele possa ajudar a gente. — Esse ele for 0 Homem? — Eu aposto nos irmaos Zampa. Tudo nos leva aeles. 60 | | | Nos descemos até 0 ancoradouro. Na beira da gua olhames desanimados. — Qual deve ser a profundidade da agua? — Nao tenbo ideia, Marco. E melhor nao saber Temos que ficar por cima, nao 6? — As roupas de mergulho estavam no barco — Eo resto fica aqui mesmo. Tire a roupa. — E @ gente ficou de calgéio de banho. A distéincia até a casa do Bscocés ndo era tanta assim. Nadamos préximo a costa, depois pra direita, numa espécie de brago de mar, onde a profundida- de néo devia ser muito grande. Ninguém pensou ‘muito. Sé nadou. Logo apareceu o pontéo de madei- ¥a que 0 Jodo Bagre tinba descrito. — Veja, chegamos. Ha trés lanchas ancoradas ‘aqui, mas nenbuma é a nossa Subimos no ponido, ja estava ficando escuro e fri. — Agora, cara de pau, mano. Vamos Um bomem altissimo, com um cachimbo na boca, Mendeu quando batemos. Falava com forte sotaque @ foi muito gentil. Nem por um momento mostrou desconfianca pela nossa historia. Também, ela era quase verdadeira! — A gente parou numa praia por ai e estava Nadando. Roubaram nossa lancha. Numa sala e envidracada, estavam reu- nidos alguns homens. Dois alemdies, um negro de porte enorme impressionante e um japonés. Mr. MacLines se apresentou. Nao sei por que fi- quei tdo espantado com 0 fato de o Escocés ter um nome. Nunca tinha pensado nele sendo como “o Es- cocés Mr. Jones e Mr. Aberdine. Outro espanto monu O que mostra como nés rotulamos as pessoas. mental. O japonés ¢ 0 negro imponente responde ram com forte sotaque inglés. Eram representantes das Filipinas e do Congo comprando motores. Os germanicos falavam um portugués endurecido de 1am comerciantes de Hamburgo. erres Por que eu estava me sentindo tao inseguro? Eles estavam sendo amabilissimos. Nos interrompemos uma conversa de negécios com gente que vinha de longe a beca e eles sorriam encantados, enquanto Mr. MacLines nos servia conhaque em copos de cris- iu me senti com patas desajeitadas tal finissimos. segurando 0 copo, e 0 Elois tinha tantos dedos so- brando que nao sabia o que fazer com eles — Mr. Jones e Mr. Aberdine ja estao de saida O filipino fez muitas reveréncias, o congolés deu um sorriso repleto de dentes e Id se foram eles levan- do uma das lanchas embora. A segunda dupla que abandonou a sala foi a dos alemdes. Levaram a ou- tra lancha. Ficou s6 a do ee 9 ca | Mr. MacLines nos vite roxos de rio, — Vou providenciar roupées e vamos comer qual- Guer coisa. Vocés dormem aqui. Sé tenbo uma lan- cha no pontao e acho perigoso sairem a noite — Nos nao vamos incomodar? — De modo algum. Gosto de companbia. Mr. Maclines saiu da sala, foi buscar as roupas, O Blois me cutucou Ele est sendo amével demais — O que prova que nao 6 0 Homem — Ou que quer nos ver dormindo, bonzinhos e inofensivos, pra nos matar melhor. — Arve, Elois. Que tétrico! — Nao podemos confiar em ninguém. — Fu estou me sentindo muito bem. E nao tenho nenbuma vontade de sair nadando no escuro. De Pots, estamos investigando e ndo fugindo —£. f dificil lembrar isso. Mas com um roupao felpudo e quentinbo no cor. poe um conbaque no buco, o Elois ja estava simpa- ico e falante. E eu, com sono. La fora comecou a ventar e a chover. O Escocés nos levou para um quarto através de uum corredor com as paredes repletas de arpoes de todos os tipos. Mr. MacLines era um apaixonado co- lecionador de armas submarinas. Nos podiamos ter sido mortos dez es no mini. mo durante o pesado sono daquela noite. Por isso néo cordado quan- linha a certeza de estar sonhando ou a janela: do ouvi aquelas vozes debaixo da minba — Tudo providenciado? — Tudo. Antes de amanhecer tiramos a merca- doria de Id — Nada de bobagens desia vez! O sono era irresistivel, mas de uma coisa eu me Iembro: nenbuma das vozes tinba sotaque estranho Afundei e s6 voliei a mim com o dia claro. Zstamos vivos! — Acordamos inteiros, Elois — Ainda. Mr. MacLines nos saudou sorridente quando 1.0 breakfast, um café da és dis entramos na sala. E serv manha metido a besta que nenbum esc pensa. eae ; — Ble quer nos matar de congestao. Nadar de pois de comer tudo isso! — Ele vai nos mandar de lancha — Cadé nosso mapa? — Est aqui, no saquinho pldstico, preso no cinto, — Olba, ele pode nos deixar na Praia do Ouri ¢o. De Id é facil chegar 4 casa da vitiva — Eo que a gente fala pra ela? — Que ouviu falar na sua famosa beleza — Ese for uma bruxa velba? ; — Que ouviu falar nos seus famosos milboes! A gente tem mania de fazer piada quando esta nervosa. Voces jd devem ter percebido isso. Eu falei da conversa noturna pro Elois, mas ele achou que devia ter sido sonbo mesmo. — Nés andamos muito assustados, 6 isso. A Praia do Ourico 6 deserta e tem uma das paisa- gens mais impressionantes que eu ja vi. Ha uma cas Cala que rola morro abaixo, por mais de vinte metros Parece cristal a transparéncia da dgua, que vem pu- lando pelas rochas por um caminho ladeado de sa- mambaias. Os morros sdo um verdadeiro viveiro de plantas. E a areia é tao branca que d6i na vista. O nome da Praia do Ourigo vem desse tipo de equinodermo que, junto com numerosas estrelas-do- “mar, as ondas deixam na praia quandoa maré baixa. O barqueiro do Escocs, que nos levou até I, era 0 Tido. Conhecia o Jodo Bagre e prometeu av @lancha tinha sido roubada sar que — Vocé conhece bem o Escocés, Tido? — Conheco nao. Vai gente e vem gente da casa dele 0 tempo todo. Eu 86 levo e trago. calor ja estava apertando quando 0 Tido nos deixou na Praia do Ourico, deu a volta com a lan- cha e desapareceu num rastro de espuma Foi ai que vimos uma cena impressionante: uma estrela-do-mar devorando um marisco. Ela se a fou até a concha, deitou sobre ela e forcou da casca com as ventosas que possui debaixo dos cin- co bragos e que usa como pés. Forgou tanto que a concha se abriu. Bastou a vitima entreabrir os lados pra ela botar 0 estémago pra fora e introduzir den- tro do molusco. E digeriu ali mesmo o marisco. Eu fiquei impressionadissimo, achei uma barba- ridade, ¢ 0 Blois disse: — Qual é a diferenca entre ela e vocé com seus siris? Ela pos 0 estémago pra dentro do bicho, vocé poe o bicho pra dentro do estémago — Vou virar vegetariano! Vou comer as algas da Isabel. Com aquele calor, nao foi nada ruim nadar até a casa da vitiva. Nao tina praia naquele trecho e era preciso subir pelas rochas. Nés estévamos quase chegando quando aquela coisa passou zunindo pe- las nossas pernas. De repente o Blois fez uma cara apavorada e afun- dou bem na minba frente. E claro que eu me lembrei da fitaO tubario. Mas néo tem tubaréio por aqui, ndo. Ele tornou a subire vinba atracado com um mer- gulbador de roupa preta de borracha. Quando eu avancei pra ajudar o Elois, o homem mergulhou de novo e sumiu. Nés dois nadamos 0 mais depressa que deu, quan- do passou zunindo pela nossa cabega — e agora nos vimos — um enorme arpaio, de ponta agudissima. O caso do barco abandonado Do relatério da Policia Federal, baseado em varios depoimentos Joao Bagre desceu bem cedo para a Curva do Sino, 0 beco sem saida do canal que atravessa a Ponte do Marisco. Era Id que ele guardava os barcos — ele © os outros pescadores e barqueiros da re- gido. De repente, 0 espanto: — Ué, 0s meninos trouxeram a lancha e nem avisaram! Pois é. A lancha que ele alugou pra nés estava 4, arzinho dela. Joo entrou no barco e viu logo, s roupas de mergulho e os tan- ques de ar. Tirou tudo de dentro. “Esses meninos nao tém cabeca no lugar, esquecendo coisa tao cara assim largada”, pensou. E, entretido, limpou 0 barco Outra lancha ia chegando, manobrou na Curva do Sino, parou. Tido saltou na praia, Jodo Bagre ain- da resmungava. _— final chegaram? — perguntou Tido. — £. Chegaram. Menino é assim mesmo. Pre- ocupa todo mundo a toa. Bem, o delegado disse que eles apareciam, Coitada da Zabel, levou tanto susto! _— pois é — disse Tido. — Eu até ajudei a apa- gar o incéndio da noite passada __ Fles vao ter uma bela surpresa com isso. Onde sera que andaram a noite toda? — Menino é assim mesmo! — Tido falou. Joao Bagre pegou as roupas de mergulho ¢s- quecidas e foi levar pra nossa casa. Com um sor- ido viu o barqueiro se riso malvado na boca, afastar. De tras dos barco: atarracado, acendeu um cigarro, aproximou-se: __ Bu soube que vocé andou ajudando a apagar wurgiu um homem moreno e um incéndio por ai. Tido deu uma risada seca — Vocé fez mesmo um bom servico — F vocé, encontrou alguma coisa? —Nada sdava” eu olhei tudo. Nao sobrou nada. Nem um pedaco de papel. _— Otimo. E o que vocé me diz, dos garotos? —Deixei os dois na Praia do Ourigo. De li cles nao escapam. © Homem vai cuidar disso pessoalinente. © moreno fez um sinal de aprovagao. inquanto 68. — Boa ideia a sua de trazer a lancha. Assim nin- guém desconfia — disse Tidio. — Fles vao dar por falta dos meninos, mas nao sabem onde procurar — Mais cedo ou mais tarde eles aparecem — disse o moreno. — O ruivo apareceu. — Ea mercadoria, onde esta? — Em lugar seguro, junto com 0 velho biruta. — O que vocés vio fazer com ele? —Com 0 professor? O Homem é que sabe. Ago- ra ele ndo tem mais utilidade. — 0 Homem que ande depressa com isso. Qua- tro cadiveres ¢ demais, mesmo pro velho Cerqueira. — Foi acidente, lembre-se disso! — O nivo, im. Da pra acreditar. Mas os meni- nos, j4 vai ser complica — Foi um azar eles se meterem. Agora vamos _ — De mim ninguém desconfia. Vou pegar meu dinheiro, esconder bem escondido e ficar mais al- gum tempo por aqui. Até vocés sumirem e nin- guém mais falar no caso. Ai eu pego a grana e me mando. Vinha chegando gente, 0 homem moreno se enfiou pelo meio dos barcos e desapareceu. Tiao ficou por ali fe endo nada, assobiando, inocente como ele s6

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