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AMAZÔNIA REDIVIDIDA

Prof. Dr. Gilberto de Miranda Rocha - UFPA

INTRODUÇÃO

Uma viagem ao passado da Amazônia demonstra o quanto a redivisão


territorial tem sido uma questão que se renova e muitas vezes se amplia, em diferentes
momentos da vida política brasileira e com diferentes significados e justificativas.
Algumas dessas justificativas fazem parte dos argumentos de praticamente todos os
movimentos emancipacionistas de âmbito regional tais como: a grande dimensão
territorial, o que inviabiliza a administração e prestação adequada dos serviços
públicos, a desigual distribuição e alocação de recursos, o controle e a defesa do
território e das fronteiras e, portanto, a necessidade de ampliação da presença do
Estado, defesa nacional, ampliação da representatividade política regional, a
estadualização como alavanca para o desenvolvimento regional, etc....E, outras
recentemente incorporadas como a necessidade de controle do narcotráfico, as
guerrilhas fronteiriças.
No presente trabalho procuramos refletir sobre a redivisão territorial da
Amazônia, e particularmente sobre as propostas de divisão do Estado do Pará,
focalizando dois aspectos subjacentes a esse processo de partilha territorial: a dimensão
econômica da redivisão, i. e. o que estimula essencialmente em termos dos recursos
existentes nos territórios e a dimensão simbólico – cultural através da qual se
fundamenta a apropriação coletiva do espaço. Antes porém, refletimos sobre o
reordenamento espacial do território, sobre as mudanças nas formas de apropriação e
uso dos territórios induzidas pelas políticas públicas federais para a região nas ultimas
três décadas. Ainda visando criar bases para a melhor compreensão das propostas,
procuramos focalizar as mudanças sócio – culturais – emergência de novas
territorialidades - e político-institucionais – alteração nas formas e mecanismos de
gestão - desfechadas no Estado nas últimas décadas. Além desses aspectos, o presente
trabalho pretende contribuir para aprofundar a reflexão sobre alternativas a divisão
territorial assim como as atuais formas de gestão territorial: uma terceira via ?
1. O PARÁ SOB INTERVENÇÃO: A FEDERALIZAÇÃO E A
REESTRUTURAÇÃO ESPACIAL DO TERRITÓRIO ESTADUAL
1.1. A estrutura espacial do território estadual ate a década de 1960
A compreensão dos processos de emancipação político – territorial – criação de
novos estados – a partir da redivisão do Pará implica o resgate dos processos recentes de
reordenamento espacial do território estadual. Nas ultimas três décadas, os processos de
intervenção federal induziram a mudança da estrutura espacial herdada e construída a
partir do período colonial.
Até a década de 60 a dinâmica espacial regional espelhava o funcionamento da
economia baseada na exploração extrativista e alicerçada no sistema de aviamento e
tendo como suporte a existência do produto, uma rede de núcleos e a circulação fluvial.
A bacia hidrográfica desempenhava papel fundamental na estruturação da vida
econômica como eixo de penetração, circulação e povoamento.
Entre o final do século XIX e primeira metade do século XX, o boom da
borracha, e as sucessivas fases de exploração extrativa (caucho, castanha, borracha), a
economia extrativista estimulou a produção de uma estrutura espacial que articulava os
locais de extração / produção no interior do território com os centros exportadores de
Belém através de uma rede de localizações, pequenos núcleos urbanos de povoamento
cuja função primordial era, além de servir de moradia para a força de trabalho, pontos
de comércio e concentração da produção na bacia hidrográfica, extrair o excedente
econômico gerado (Correa,1992). Essa estruturação espacial na Amazônia se iniciou
com a fundação de Belém, cidade estratégica e excentricamente localizada em relação a
hinterlândia, a cidade primaz. Como ponto de abertura e penetração do território,
constituía a sede das principais funções políticas e econômicas, do comércio atacadista e
exportador, possibilitando a participação da região na divisão internacional do trabalho.
No Estado do Pará, esse sistema espacial condicionou o processo de produção,
circulação da borracha (1890-1910), da castanha do para(1926-1964), de povoamento e
de estruturação das principais cidades(Belém, Santarém e Marabá), concentrando a
população na calha dos principais rios – Amazonas, Tocantins, Xingu e Tapajós. No
âmbito desse sistema espacial, o controle sobre o território, sobre a produção,
circulação, sobre a forca de trabalho envolvida assim como o excedente econômico
gerado,era alicerçado em uma estrutura de poder oligárquico (Emmi,1988).

1.2. O reordenamento espacial do território estadual


A segunda metade da década de 60, representa um marco do ponto de vista do
reordenamento político – institucional assim como das transformações espaciais e
territoriais na Amazônia oriental. No âmbito das mudanças de ordem política e
institucional do Estado brasileiro pós – golpe militar de 1964, são lançadas as primeiras
medidas de política com o objetivo de assegurar a ação federal na região de forma
efetiva. A “operação amazônica”, em 1968, redefiniu o arcabouço institucional regional
ao criar a Sudam e o Incra. Posteriormente, em 1971, através do Dec. Lei n. 1164 / 71,
são federalizados cerca de 66% das terras do território do Estado do Pará.
No período entre 1971 a 1987 o processo de distribuição e de regularização da
apropriação das terras ocorreu sob a égide do Incra. Ao federalizar o território, o
governo federal alijou as oligarquias regionais do poder de distribuição de terras, dado
que retirou do controle estadual a regularização das terras, suprimiu a existência de
terras comunais e devolutas para a instauração da propriedade privada e negou as posses
imemoriais dos grupos indígenas, caboclos e ribeirinhos e ainda obstruiu o processo de
ocupação não – controlada de terras devolutas. A ocupação seletiva das terras constituiu
no principal mecanismo de gerencia territorial do Incra. Somente 26% do território
permaneceu sob o controle do governo estadual.
No mesmo período, através de políticas de integração nacional e planejamento
do desenvolvimento regional, (PIN, PROTERRA, POLAMAZONIA e Programa
Grande Carajás) abriu a região ao integrá-la através de eixos rodoviários, ao criar
mecanismos institucionais de incentivo a apropriação privada das terras, a
diversificação das atividades econômicas – agropecuária, mineração e industrialização –
e ao desestimular a economia extrativista que assegurava o funcionamento da economia
regional.
O estimulo a migração através de políticas de atração populacional constituiu
mecanismo em vistas a formação de um mercado de trabalho regional. Somente no
Estado do Para, ao longo da rodovia transamazônica, instituiu três projetos integrados
de colonização através de uma concepção urbanística de base rural.
Em vinte anos de intensas transformações, as políticas públicas reordenaram
espacialmente o território estadual. Em 1970, existiam cerca de 83 municípios no
Estado do Para. Como parte desse processo de reordenamento, a ocupação seletiva da
terra estimulou a urbanização do território. Novos núcleos urbanos surgiram, seja como
expressão planejada dos grandes projetos, as company towns, as agrovilas, agrópoles e
rurópolis, seja como fruto do povoamento espontâneo e das contradições das políticas
de desenvolvimento implementadas. Até 1996, havia sido criado cerca de 60 novos
municípios, totalizando hoje 143 unidades político – administrativas.
O que é relevante nesse processo de reordenamento espacial do território
estadual é o fato de que as novas formas de apropriação e de uso do território e de
dominação política deram ao Estado do Pará uma nova configuração. A magnitude e a
intensidade da intervenção federal transformou a estrutura e a dinâmica espacial
estadual, posto que alterou a base material – geográfica anterior e afetou os circuitos de
produção e acumulação tradicionais, desestruturando os atores sociais pré-existentes e
seu poder político. O território estadual se reestruturou na medida em foram
introduzidas novas atividades, novos padrões demográficos, o surgimento de novas
cidades, transformando o padrão de hierarquização do sistema espacial e da rede urbana
regional.
Em outro plano, as formas capitalistas de divisão técnica do trabalho que se
implantaram, junto com a chegada dos fluxos migratórios de caráter heterogêneo desde
o ponto de vista de sua composição demográfica, social e econômica, trouxeram como
conseqüência à reestruturação do sistema de classes sociais e a complexificação
sociedade civil. O especifico a reter é que, as modificações econômicas e sócio –
políticas desencadeadas, levaram ao declínio os arranjos espaciais e as formas de
dominação política construídas historicamente, demandando a construção de novos de
novos pactos e o estabelecimento de novos laços entre os atores partícipes da nova
realidade em formação ou mesmo demandar a construção de novas identidades
territoriais. No sentido político do termo, essas mudanças, no atual contexto histórico,
pode se associar às novas necessidades de remodelagem das estruturas político –
administrativas. A complexificação das estruturas de classe sociais, os conflitos pelo
poder, os movimentos sociais podem demandar novas figuras político – institucionais
que produziriam novas normas, ordens e legitimações, para dar organicidade à nova
estrutura espacial e territorial construída através do processo intervencionista. a
transformação político – institucional.
2. O PARÁ DIVIDIDO
2.1. O contexto histórico de emergência dos movimentos emancipacionistas
As propostas de criação de novos estados – Tapajós e Carajás - a partir da
redivisão do território paraense surgiram em um contexto histórico marcado pelo
processo de redemocratização da sociedade brasileira, um contexto, a um só tempo, de
crise e reestruturação das relações entre o estado e a sociedade. No âmbito nacional, na
década de 80, de um lado, ocorre o aprofundamento da crise fiscal do Estado que vem a
contribuir para a obsolescência econômica do Estado Nacional, expressa na ineficácia
do governo federal no controle inflacionário e em tornar efetiva a sua ação planejadora.
Ocorre uma retração significativa das políticas publicas regionais. Por outro lado, o país
vivenciava, a falência do regime militar cuja expressão é perda progressiva de
legitimidade frente a sociedade brasileira.
Na Amazônia, a intervenção federal que durante o regime militar, promoveu
mudanças substanciais na base econômica e nas formas de organização sócio – política
regional enfraquece. Intensos conflitos em torno do acesso a terra, o acirramento dos
movimentos sociais frente a seletividade social, a concentração espacial e setorial dos
investimentos e o depauperamento das obras de infraestrutura e dos serviços públicos
são expressões da falência da gestão estatal – nacional no espaço regional. Frente a
instabilidade, o Estado procurou redefinir suas formas de ação regional.
A federalização do território, as poucos, é substituída por um processo de ação
compartilhada entre os níveis de governo, para a qual se buscou o revigoramento do
poder local e regional. O fortalecimento dos municípios – pólos, centro sub-regionais e
a municipalização do território constituíram medidas de política que visaram, entre
outros aspectos, a implementação de uma nova ordem política e institucional. Segundo
Rocha (1999), o município constituiu instrumento tanto para o restabelecimento dos
sistemas hegemônicos locais, redefinindo assim as alianças entre os atores políticos no
âmbito do novo cenário econômico, político e territorial do estado do Pará quanto uma
tentativa de restabelecer o controle e a regulação social. Um momento ímpar na busca
da re-legitimação do Estado frente a sociedade regional.
Ressalta-se que, conforme Rocha (1999:76) “é em meio a esse revigoramento
do poder local e regional e de mudanças na base econômica e política local que emerge
os movimentos separatistas dos estado do Carajás e do Tapajós ”. O movimento
constituinte de 1986/87 vem igualmente constituir o mecanismo institucional através do
qual buscar-se-á a autonomia política.

2.2. A dimensão econômica do(s) território(s)


Os movimentos emancipacionista representam a expressão política e territorial
do reordenamento espacial, econômico e sócio – político do território estadual. As
mudanças processadas ensejaram o reordenamento dos sistemas hegemônicos locais e
regionais com implicações no realinhamento das alianças entre os atores presentes na
região. Trata-se de movimentos que almejam a apropriação política do território, como
meio para tingir objetivos e interesses subjacentes as suas praticas espaciais.
“representam em outro patamar conflitos pelos meios, pela implantação
de recursos de exploração e pela apropriação dos benefícios e dos
excedentes econômicos ali gerados, assim como apontam para a
necessidade de estabelecimentos de novas formas (e reafirmação de
antigas) de dominação político – social através da difusão de novos
valores, símbolos e de afirmação de novas territorialidades. Trata-se de
um processo de consolidação de territórios legitimadores das novas redes
econômicas e / ou dos novos (e, em certas situações, também os velhos)
interesses políticos”(Rocha,1999:229).

E, ainda enfatiza o autor,

“igualmente, apontam para a recomposição das relações de forcas


emergentes na área, em que a divisão do território seria um meio de
legitimação / legalização da apropriação e da definição de domínios
territoriais por essas mesmas forças dominantes”(Rocha,1999:230).

Em que pese as dimensões culturais e sócio - espaciais – expressões das


mudanças processadas na estrutura espacial do território estadual - subjacentes as
propostas, a emancipação, a rigor, vem a se constituir um pretexto, tanto como forma de
captação de recursos – instrumento de barganha política da(s) elite(s) regional(is) (o
mito da necessidade) - quanto a possibilidade de construção de canais legais de
legitimidade da apropriação dos recursos territoriais por essas mesmas elites.
Tab. N. 01. Para, Tapajós e Carajás: Os recursos e os Territorios
Os recursos e os Territórios Para Tapajós Carajás
Área territorial 249.000 km2 708.868 km2 289.799 km2
População 4.000.000 958.860 1.100.000
Áreas de uso restrito 13 22 14
(unidades de conservação e
terras indígenas)
Icms (imposto sobre 79,49 % 7,0 % 13,51 %
circulação de mercadorias e
serviços)
Fpe (Fundo de participação 491.597.016[2] 115.365.280 137.629.573
do estado)
Recursos Industria, serviços e Minérios e Minérios e
agropecuária agropecuária agropecuária
Fonte: Governo do Estado do Pará: Indicadores Sócioeconômicos, 2000.

2.3. O uso político do território: a produção política do consenso em torno da emancipação

A territorialização envolve sempre, ao mesmo tempo, mas em diferentes graus


de correspondência e intensidade, uma dimensão simbólico – cultural, através de uma
identidade territorial atribuída pelos grupos sociais como forma de “controle” simbólico
sobre o espaço onde vivem, e uma dimensão mais concreta, de caráter político-
disciplinar: o domínio do espaço pela definição de limites e fronteiras visando a
disciplinarização dos indivíduos e ao uso / controle dos recursos ali presentes[3]. No
âmbito do processo político de projeção territorial, essas duas dimensões se entrecruzam
dando a cada uma das propostas uma singularidade que se substantiva na diferença
contida no território, na projeção sobre o espaço “de estruturas especificas de um grupo
humano, que inclui a maneira de repartição, de gestão e de ordenamento desse
espaço”(Brunet et al,1992:436 apud Claval,1999:11) e, ao mesmo tempo, na
cristalização de representações coletivas, dos símbolos que se encarnam em lugares nos
quais estão inscritas as existências humanas (Claval, 1999:11).
2.3.1.O poder disciplinar: o controle, a defesa e o estímulo a ocupação efetiva do
território.
A divisão territorial da Amazônia, ao longo do presente século, tem sido uma
questão recorrente não somente no marco da discussão e de propostas como igualmente
na efetivação da divisão. Pode-se mesmo dizer que a atual configuração político
administrativa é recente e fora moldada a partir de 1911 com a questão acreana.
Naquela ocasião a apropriação do excedente econômico gerado pela economia extrativa
da borracha mobilizou parlamentares e as elites tanto do Pará como do Amazonas. A
federalização do território foi a solução à época encontrada. Na década de 40,
novamente partilhar a Amazônia foi objeto de ampla discussão no âmbito da
organização do Estado brasileiro e da integração e de manutenção da integridade do
território nacional. Os anseios geopolíticos de controle territorial e das fronteiras
elevariam a divisão territorial como medida visando estimular a ocupação e ao
povoamento regional. A criação de postos de vanguarda nas fronteiras, ampliar a
presença do estado federal, de federalizar parte dos territórios estaduais justificava-se.
Getúlio Vargas estimulado pelo Conselho de Segurança Nacional, através do
decreto-lei n. 5.812, de 13 de setembro de 1943 cria os Territórios Federais: Guaporé
(Rondônia), Amapá e Rio Branco (Roraima) na Amazônia. A preocupação com a
imensidão territorial e o vazio demográfico amazônico sempre foi ponto de
convergência entre ideólogos e geopolíticos e os militares. A divisão territorial tem sido
assim um meio de indução da civilidade, da apropriação real e efetiva do território pela
nação-estado, parte integrante da construção territorial do Estado Nacional. Como
mecanismo jurídico e político, a divisão do território era (e é) parte integrante da
organização geográfica do Estado, do controle, da administração e da gestão territorial.
Esses mesmos princípios recentemente foram ressucitados, revividos em parte
pelas recentes propostas. A leva de movimentos emancipacionistas nos quatro cantos do
Brasil durante o processo constituinte de 1986/87, (somente no Pará foram dois: estado
do Carajás e estado do Tapajós) induziu a criação, após a promulgação da Constituição
Federal de 1988, de uma Comissão de Estudos Territoriais(1989). O Relatório Final
foi apresentado em janeiro de 1990. Foi recomendada a redivisão da Amazônia com a
criação dos Territórios Federais do Rio Negro, Território Federal do Alto Solimões
(dividindo o Amazonas), o Território Federal do Araguaia (dividindo o Mato Grosso)
e a criação do Estado do Tapajós (dividindo o Estado do Pará).
2.3.2.a dimensão simbólico – cultural e a construção da identidade territorial
Os lugares, as regiões são “freqüentemente fontes de identidade coletiva e
também de atividades econômicas”(Brunet et al.,1992:232), fontes de recursos, de
possibilidades de reprodução biológica e sócio – cultural. Como suporte material e base
simbólica, o território constitui instrumento indispensável a construção das identidades
coletivas.
Dessa forma, frequentemente, ao nos referirmos ao Oeste do Para e Baixo
amazonas (Tapajós) e ao Sul e Sudeste do Para (Carajás), nos referimos a espaços
diferenciados, singulares no âmbito do território estadual. As propostas de criação de
novos estados são projeções territoriais, são manifestações coletivas – coordenadas ou
não - que acenam distintamente para a apropriação política do seu espaço de vivencia e
produção – apropriação e uso dos recursos contidos. O espaço e a cultura participam
desse processo dado que representam o suporte material (legado ou construído) e a base
simbólica sobre os quais são forjadas e construídas as identidades territoriais através da
difusão de uma ideologia territorial.
A idéia de tradição e de cultura local e regional (presente no baixo amazonas,
no tapajós) ou de pioneirismo dos desbravadores (presente no sul e sudeste do Para)
contribui para elaborar a re – construção peculiar da historia local, conferindo-lhe
unidade imaginaria. A idéia complementar de região, presente no ambiente construído
ou não – nos lugares memoráveis, a terra natal, o espaço de vida e produção – “terra
conquistada com esforço e trabalho, canaã”, “região em que todos tem um lugar ao sol”
(sul e sudeste do Para) produz a noção de unidade territorial. A eficácia simbólica
dessas idéias mobilizam a sociedade regional em torno do projeto emancipacionista. O
uso político do território passa a ser, indiscutivelmente um instrumento de grande
eficácia para atingir a unidade e o consenso em torno da região.
2.3.3. Da alocação de recursos, da produção do território e do estimulo ao
desenvolvimento regional
A alocação de recursos de forma mais equitativa tem sido a outra fonte de
reivindicação para emancipação de territórios, em Estados ou mesmo em Territórios. No
caso do Tapajós se releva a ausência de uma política específica para a região oeste do
estado do Pará, exemplificada pela carência de infraestrutura. Enfatiza igualmente a
fragilidade administrativa e a retirada de recursos do Oeste do Pará sem uma
contrapartida real para a região. E, conclui, referindo-se às vantagens de
representatividade política que a criação de novas unidades político-administrativas
traria para o desenvolvimento regional e a ampliação da consciência política.

3. Pará, capital Belo Monte: a proposta de transferência da capital como


instrumento geopolítico para conter a redivisão!
Nos anos oitenta, época de eclosão dos movimentos, conforme Rocha(1999), a
partilha territorial representava uma forma peculiar de captação de recursos frente ao
depauperamento das infraestruturas e do descalabro da oferta dos serviços públicos.
“A projeção e a tentativa de apropriação política do novo território
representou, grande instrumento de barganha que se traduziu na definição
de investimentos de infraestrutura por parte do governo estadual, para
neutralizar o movimento e promover a efetiva integração e manutenção da
unidade política do território paraense” (Rocha,1999:77)

O ressurgir das propostas de criação dos estados do Carajás e Tapajós,


estimulou o governo do estado a busca de alternativas à redivisão territorial. A
Fundação Getúlio Vargas foi contratada na forma de consultoria para a realização de
diagnóstico sobre a estrutura espacial e econômica e necessidades de recomposição. No
diagnóstico, Belém se assevera como um problema para o comando da estrutura
econômica e espacial do território estadual. A excessiva concentração das atividades em
no entorno de Belém e a baixa integração estadual apresentava-se, de fato, como
estímulo a desagregação territorial.
A partir de clássicos preceitos geopolíticos o governador Almir Gabriel propõe
a transferência da capital do Estado do Pará para a localidade de Belo Monte (parte do
município de Anapú, parte do município de Vitória do Xingu, na volta grande do Xingu.
Ao centralizar geograficamente o poder político do Estado do Pará, a exemplo do Brasil
ao construir Brasília, visava interiorizar a economia estadual, reordenando a distribuição
das atividades econômicas e produtivas, redirecionando os fluxos e parte dos aportes
demográficos concentrados em Belém, enfim estimulando como no passado recente a
reestruturação espacial do território. A crença do governador residia no fato de que
reordenando novamente a espacialidade estadual poderia conter o processo de redivisão
territorial.
4. Considerações finais: para além da redivisão, por um projeto político regional!
As propostas de redivisão do Estado do Pará expressam processos de
reconfiguração espacial e de rearranjo das relações de poder no âmbito estadual. Não
são processos artificiais, são produtos legítimos de territorialidades emergêntes e que
reivindicam a apropriação política do território, sobre os quais têm domínio. No entanto,
é lícito considerar o fato de que a existência da diferença e da singularidade não
necessariamente pressupõe a separação. Ao contrário do que ao longo desse século
norteou a construção dos Estado-Nação, a homogeneidade linguística e étnica – cultural,
o Estado pós – moderno deve operar pela diferença, pelo respeito a diversidade cultural
e étnica existente. Nesse contexto, tanto as propostas de divisão como a transferência da
capital do Estado do Pará, formulada pelo Governo do Pará, estão na contramão de uma
gestão territorial que der conta da complexidade que hoje é o Pará. A sua unidade
política e territorial somente poderá ser alcançada frente a uma ampla redefinição
conceitual da identidade paraense, fundada na diversidade e não na homogeneidade.
Ademais, é importante ainda frisar que para tanto, refazer o processo de gestão
territorial é urgente e indispensável. Um novo processo que seja tomado como princípio
fundamental o poder popular, a participação da sociedade civil nos processos de decisão
sobre o futuro de cada região do Estado do Pará. Uma espécie de federalismo à escala
estadual. O governo do território não se resumiria às instituições locais (ainda que estas
sejam fundamentais), mas a todas as formas de organização em níveis escalares
distintos e da sociedade civil que, de forma negociada e interativa, participariam e
competiriam na resolução dos problemas que envolvem determinado âmbito local e sub
- regional. A tomada de decisão tende a ser concebida como resultado de um processo
de interação entre atores individuais e/ou coletivos, atores esses que dispõem de
representações diferenciadas no contexto da negociação. Isto quer dizer que tanto em
nível interno a um determinado território como no seu relacionamento com outros
níveis escalares de poder, a participação compartilhada passa a ser o norteador nas
novas formas de governo do território. Os territórios organizados, assim, passam a
exercer um papel completamente novo atualmente (Boisier,1996).
As possibilidades de desenvolvimento local e regional estariam ligadas à
capacidade de organização que cada âmbito espacial tenha de acumular poder político,
algo que se obtêm mediante o consenso político, o pacto social, a cultura de cooperação
e a capacidade de criar, coletivamente, um projeto de desenvolvimento. A criação de
poder político e de busca do consenso e pacto social local e regional torna-se relevante
para a construção de um projeto político regional, instrumento indispensável na
formulação de estratégias em vistas o alcance do desenvolvimento local e regional.

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