You are on page 1of 14

As possíveis leituras da perversão

As possíveis leituras da perversão1


Ways of understanding perversion
Paulo Roberto Ceccarelli

Apresenta-se-nos agora a conclusão de que há, na verdade,


algo inato atrás das perversões,
mas que é algo inato em todas as pessoas,
embora, como uma disposição,
possa variar de intensidade e ser aumentado
pelas influências da vida real.
freud, 1905
Resumo
O presente texto traz reflexões sobre o trabalho teórico-clínico que o autor vem realizando,
há muitos anos, sobre o tema da perversão. Segundo o autor, muitas manifestações ditas pa-
tológicas da sexualidade traduzem soluções encontradas pelo Eu em constituição para so-
breviver psiquicamente. Nesta perspectiva, dinâmicas pulsionais “perversas” podem, muitas
vezes, representar a única possibilidade de atividade sexual. Através de alguns fragmentos
de um caso clínico, o autor mostra as relações entre a direção do trabalho analítico e a teoria
utilizada pelo psicanalista. O texto apresenta uma pequena digressão das posições freudianas
sobre a perversão para mostrar os diferentes momentos da teorização de Freud, e como outros
autores teorizaram a perversão. Em seguida, faz considerações sobre a escuta do perverso e os
desafios desta escuta que aparecem na transferência/contratransferência. O autor faz algumas
críticas sobre o uso que tem sido feito da palavra perversão: uma espécie de fetiche usado para
diagnosticar, apressadamente, comportamentos que provocam angústia e estranheza, sem que
uma exploração mais profunda da dinâmica pulsional relativa à “perversão” apresentada tenha
sido feita. A partir dai, o autor chama a atenção para as consequências de limitar as sexualida-
de perversas com base em uma só referência teórico-clínica, e de adequar a escuta a uma cate-
goria nosográfica rígida, que pode produzir um embotamento clínico e um marasmo teórico,
que anularia a riqueza da descoberta freudiana.

Palavras-chave: Perversão, Dinâmica pulsional, Estrutura, Sexualidade, Normalidade.

Introdução quais tenho participado. Entretanto, quan-


No presente texto proponho apresentar al- do mais se tenta compreender as dinâmicas
guns pontos do trabalho teórico-clínico que psíquicas que subjazem as sexualidades per-
venho desenvolvendo há muitos anos sobre versas, mais distante se formula a possibili-
a perversão em suas várias apresentações. dade de uma resposta satisfatória. Dentre os
Nele incluo, também, as inúmeras defesas de trabalhos já publicados, destacaria: CECCA-
monografias de conclusão de curso, de dis- RELLI; 2004; 2005; 2007; 2009; 2010. CEC-
sertações de mestrado e de doutorado das CARELLI & COUTO, 2004; CECCARELLI

1. Este texto faz parte de um projeto de pesquisa que conta com o apóio de uma Bolsa de Produtividade do
CNPq.

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 36 | p. 135–148 | Dezembro/2011 135


As possíveis leituras da perversão

& SANTOS, 2009; 2010. CECCARELLI & entendida como parte da sexualidade adulta
SALLES, 2010). – jogos eróticos –, e quando ela deve ser con-
Quando analisamos certas manifestações siderada sintomática?
“patológicas” da sexualidade não nos passa
despercebido o quanto elas se revelam ser Caso Clínico
uma solução2 encontrada pelo Eu em consti- A pessoa que chamarei João tinha 35 anos
tuição, tanto para sobreviver psiquicamente, quando procurou-me, encaminhado por
quanto para (tentar) evitar sofrimentos psí- uma colega que tinha um amigo de João em
quicos insuportáveis. análise. João, que tinha uma prática sexual
Dinâmicas pulsionais rotuladas de “per- marcada pela corrente sadomasoquista, ha-
versas” podem representar a única possibi- via ido “longe demais”: num excesso de ex-
lidade de atividade sexual encontrada pelo citação, quase quebrou o braço de seu com-
sujeito na construção de sua subjetividade. panheiro.
Renunciar a tais práticas pode significar uma A princípio, João não achou que o ocor-
verdadeira ameaça de castração, no sentido rido fosse motivo para procurar ajuda. Por
de uma fantasia de uma perda total e perma- outro lado, esta seria uma oportunidade de
nente de toda capacidade sexual. Algo próxi- discutir com alguém um “sentimento de de-
mo daquilo que Ernest Jones (1950) chamou pressão” e de “vida vazia” que o acompanha-
de afânise: o desaparecimento do desejo se- va já há algum tempo. Às vezes, era acome-
xual. Frente a tal ameaça, tais práticas podem tido por crises de angústia, e sentia algo que
ser, por algum tempo, mantidas em segredo definia como “medo de tudo”.
até que um vínculo transferencial consisten- João começou a análise sem dar muito
te seja estabelecido para que o sujeito se sin- crédito ao processo analítico, que foi marca-
ta em segurança para analisá-las. Além disso, do por uma intensa transferência negativa.
por não constituírem uma fonte primária de Esta se manifestava por queixas e reservas
angústia, raramente tais práticas levam o su- quanto a eficiência da psicanálise e a compe-
jeito à procura da análise. tência profissional do analista. Como a aná-
Gostaria de ilustrar os meus pontos de lise de João era em francês, ele nunca perdia
vista a partir de pequenos fragmentos clíni- uma ocasião de “atacar-me” dizendo que não
cos de um trabalho analítico que durou qua- sabia o que estava fazendo ai, com um ana-
se 6 anos, em razão de 3 sessões por semana lista que não falava direito a sua língua e que
nos primeiros anos, e 4 sessões nos últimos. eu não valia o preço que cobrava; que seria
É importante frisar que pontos citados não mais uma despesa, assim como a empregada,
traduzem, em absoluto, a dimensão deste que lhe custava muito caro. Faltou a algumas
longo trabalho. Ou seja, não se trata de uma sessões dizendo que estava considerando se-
discussão clínica. Meu interesse, como o tí- riamente interromper a análise.
tulo sugere, é apenas discutir em que medida Entre ameaças de abandono e ausências
a referência teórica do analista orienta sua concretas – chegou a faltar várias sessões
escuta. sem avisar – João, aos poucos, estabeleceu
Durante este texto, uma pergunta nos uma relação transferencial. À medida que o
acompanhará: em quais circunstâncias uma trabalho analítico progredia, ele expressava
manifestação “perversa” da sexualidade, den- sua angústia dizendo que tinha muito medo
tro de um contexto cultural preciso, deve ser de mudar com a análise; de não mais se reco-
nhecer. “Meu grande medo”, disse após mui-
2. Entendo «solução» no sentido matemático do ter- ta hesitação, “é perder a minha sexualidade
mo: uma resultante, uma solução, de um sistema veto- que, afinal, me dá muito prazer” Este “medo
rial de forças que comporta inúmeras variáveis. de mudar” foi tema constante em sua análise.

136 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 36 | p. 135–148 | Dezembro/2011


As possíveis leituras da perversão

[Fantasias infantis de perdas das satisfações ter-me abandonado, deixando-me só com a


conhecidas?] minha avó e com a mãe”.
Um detalhe importante no mito de ori- De sua sexualidade, ele me dá a seguinte
gem de João é o lugar que ele ocupava na apresentação, de forma direta e, eu diria sem
economia libidinal da família. Contava-se, e afeto, já nos primeiros encontros: “trepar
ele diz ter ouvido esta história várias vezes, (baiser) nunca foi um problema para mim:
que quando a mãe de João tinha 6 anos, sua quando estou afim, vou e trepo. É isto aí”.
irmã de 4 anos ficou gravemente doente, com João diz que sua vida sexual começou
febre alta, diarreia, etc. A avó de João, figura bem cedo e, aos 20 anos, tinha uma ativida-
importante na dinâmica familiar, descrita de sexual bastante intensa com parceiros de
por ele como “uma figura distante, ausente, ambos os sexos. Contudo, com o passar do
fria”, teria se recusado a levar a menina para tempo, sua “opção” homossexual foi preva-
o hospital sem que o seu marido a acom- lecendo, sobretudo devido as suas práticas.
panhasse. Segundo a historia corrente na “Com os homens consigo viver melhor mi-
família, o avô de João, considerado um mu- nhas fantasias”.
lherengo (un chaud lapin), estaria com uma O “parceiro ideal” para suas práticas se-
de suas amantes naquela noite: daí a recusa xuais era encontrado nas boates Hard [esta
da avó em levar a filha ao hospital. Quando, busca do “parceiro ideal” é bastante frequen-
finalmente, a criança foi levada para o hos- te nas sexualidades marcadas por fixações
pital, era tarde demais e ela veio a falecer. (A prégenitais]. Este parceiro devia prestar-se
avó de João morreu em hospital psiquiátrico, a participar de um cenário bem preciso, em
sendo que foi ele quem autorizou que os apa- vários atos, no qual cada detalhe era cuida-
relhos que a mantinham viva fossem desli- dosamente preparado para que o “prazer
gados.) máximo” fosse alcançado. Este cenário se-
A mãe de João engravidou-se dele muito xual, na vertente sadomasoquista, consistia
nova, e o pai da criança tentou convencê-la a em dominar o parceiro: “tudo começa por
abortar. Mas, como ela recusou-se a fazê-lo, uma ‘luta’ corpo-a-corpo, até que o meu ad-
o jovem casal decidiu se casar. “Quando eu versário seja subjugado para ser, em seguida,
nasci”, disse João, “minha mãe me deu para amarrado”.
minha avó me criar, pois não se sentia capaz O passo seguinte consistia em torturar o
de cuidar de uma criança”. [Pode-se con- pinto - la bite; la queue - do vencido: “quan-
jecturar, aqui, que os sentimentos de culpa to maior for o pinto do cara, mais intensas
da mãe quando da morte da irmã pequena, são as torturas e maior a minha vitória. O
foram apaziguados neste ato de “doação” do cara, em si, nada conta; não importa que seja
filho]. novo, velho: a única coisa que importa é seu
Segundo João, sua mãe era “uma mulher pinto” [Objetos parciais elevados à categoria
obcecada por limpeza, sobretudo pela higie- de objeto total].
ne pessoal”. Precocemente, ele foi obrigado A certa altura de sua análise, ele começa
a aprender a controlar os esfíncteres e, cada a sessão dizendo: “Há algum tempo hesito
vez que isto não acontecia, era severamente em falar sobre algumas de minhas práticas
punido. [O trabalho analítico revelou que sexuais”. E após um longo silêncio, continua:
João vivia esta punição como uma ameaça “mas agora acho que tenho a confiança ne-
de perda do amor maternal]. cessária para falar disso, e acho que o senhor
João descreve seu pai como uma “ausência é forte o bastante para suportá-lo”.
constante”. Ele partira de casa quando João Mais importante que infligir torturas ao
tinha 8 anos, e ele só veio a revê-lo quando pênis do parceiro, João só atingia o “prazer
já era adolescente: “eu nunca o perdoei por máximo”, o que nem sempre acontecia, dan-

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 36 | p. 135–148 | Dezembro/2011 137


As possíveis leituras da perversão

do vazão a suas fantasias coprofílicas. “Defe- E o senhor estava dentro do aquário, no fun-
car em alguém, evacuar toda minha sujeira do, no meio da sujeira.” Esta entrada em uma
em cima da pessoa, é a pior humilhação que relação de objeto mudou completamente a
se pode infligir a alguém: este é o meu maior dinâmica do processo analítico. O discurso
prazer.” mudou, a agressividade diminui. Por algum
Para levar tais fantasias a cabo, ele partici- tempo, ele me ligava confirmando o horário
pava de “surubas escatos”, se bem que, segun- da sessão, como que em um movimento in-
do ele, nem sempre isto resolvia a questão: terno de reparação pelas agressões passadas.
“sou obrigado, disse certa vez, a mostrar em Precisava saber que eu estava bem. Que sua
público as coisas que eu produzo. Entretanto, agressividade não tinha me destruído.
eu sempre tive a impressão que minhas fezes Outros pontos importantes na dinâmica
são mais limpas que as dos outros.” psíquica de João: suas roupas de cama, sem-
Todo seu prazer corria o risco de ser ani- pre das melhores marcas, eram utilizadas
quilado caso fosse o/a parceiro/a que tomas- apenas uma vez; quando deveriam ser lava-
se a dianteira. Isto é, se seu parceiro/a pedis- das após alguns dias de uso, João as substituía
se que João defecasse nele/a. “Nesta situação, por outras novas. Seu banheiro deveria estar,
sou tomado por uma grande angústia, pois sempre, imaculadamente limpo e sua em-
tenho a impressão que estou fazendo isto pregada era criticada quando algo não estava
para ele/a e não para meu próprio prazer.” como deveria ser. Seu trabalho profissional
Uma fantasia de “impotência fecal” aparecia exigia requinte, e João possuía conhecimen-
quando ele tinha problemas intestinais pois, tos artísticos, culturais e gastronômicos ad-
em tais circunstâncias, “as fezes podem estar miráveis.
líquidas. E aí, não tenho nenhum controle
sobre elas. Quando está sólida, pode-se con- O que é perversão?
trolá-la e limpá-la. Mas a merda líquida es- Bem antes da teorização freudiana sobre a
corre por toda parte. É impossível limpá-la”. perversão ser apresentada, este tema já tinha
Durantes vários meses as sessões de João sido abordado por muitos outros vieses, den-
consistiram em relatos detalhados de suas tro o contexto sócio-histórico no qual se ma-
práticas coprofílicas. No começo, evidente- nifestava (CECCARELLI & SALLES, 2010).
mente, sentia-me extremamente incomo-
dado com tais relatos, sobretudo por serem Lembremos, com Elisabeth Roudinesco,
apresentados de forma desafiante, provoca- que a perversão
dora, típica deste tipo de paciente que tenta,
o tempo todo, transformar o outro em ob- é um fenômeno sexual, político, social, físico,
jeto. Várias vezes, senti intensos movimen- trans-histórico, estrutural, presente em todas
tos contratransferências, pois ficava clara a as sociedades humanas: O que faríamos se não
intenção perversa de fazer-me participar de mais pudéssemos designar como bodes expia-
tais orgias. [Aqui, a palavra perversão deve tórios – ou seja, como perversos – aqueles que
ser entendida como uma imposição ao outro aceitam traduzir por seus atos estranhos as
algo que ele não quer: uma forma erótica do tendências inconfessáveis que nos habitam e
ódio]. que recalcamos? (ROUDINESCO, 2007, p.15)
A análise teve uma mudança radical
quando João trouxe um sonho que lhe an- Como sabemos, cedo Freud se interessou
gustiou muito: “eu estava em um local estra- pelas manifestações perversas da sexualida-
nho, escuro. Tudo muito sujo com um cheiro de. No início de sua teorização sobre o tema,
terrível de coisa podre. Em meio a tudo isto, ele apoia-se na questão do recalque orgânico,
havia um aquário muito grande e muito sujo. cuja importância ele nunca abandonou.

138 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 36 | p. 135–148 | Dezembro/2011


As possíveis leituras da perversão

É interessante lembrar a carta a Fliess de pelo contraponto neurose/negativo, perver-


6/12/1896, a antiga carta 52, na qual Freud são/positivo. De forma simplificada, pode-se
escreve que “a histeria não é a sexualida- dizer que, neste momento, Freud entende a
de repudiada, e sim a perversão repudia- perversão como “a manutenção da sexua-
da” (MASSON, 1986, p.213). Nas cartas de lidade perverso-polimorfa na vida adulta”
11/01/1987 (MASSON, 1986, p.222) e de (FERRAZ, 2002, p.27), sendo a “normali-
14/11/1987 (MASSON, 1986, p.279) Freud dade” a primazia da sexualidade genital. Ou
relaciona a perversão como a ausência do seja, nos Três ensaios, sobretudo no intitula-
recalque orgânico. Cabe lembrar que a ques- do A sexualidade infantil, a perversão é defi-
tão do recalque orgânico só pode ser com- nida como a fixação em uma das manifesta-
preendida a partir da teoria da evolução, tão ções da polimorfia sexual infantil – fixação
cara a Freud. A idéia do trabalho da cultura em uma pulsão parcial – em detrimento da
(Kulturarbeit), central para se compreender primazia genital. A sexualidade genital não é
a origem do processo civilizatório, nunca foi alcançada e a sexualidade adulta fica restrita
abandonada por Freud: “o desenvolvimento a uma forma parcial de satisfação.
cultural é comparável a um processo orgâni- O que mais chama a atenção nos Três en-
co” (FREUD, 1933, p.217). Na famosa carta a saios é a última parte intitulada Resumo, e
Einstein, Freud diz que modificada até 1924. Ali, Freud faz novas e
importantes considerações sobre as perver-
ainda não nos familiarizamos com a idéia de sões que não foram tratadas nos Ensaios pre-
que a evolução da civilização é um processo cedentes. No Resumo, que de resumo nada
orgânico de domesticação [das pulsões]. As tem, pois as posições freudianas em relação
modificações psíquicas que acompanham o aos capítulos anteriores são inovadoras, a de-
processo de civilização são notórias e inequí- limitação entre neurose e perversão tornam-
vocas. Consistem num progressivo desloca- se ainda mais indistintas. A perversão que,
mento dos fins pulsionais e numa limitação até então, fora teorizada como o resultado da
imposta aos impulsos pulsionais. Sensações fixação da libido decorrente de um excesso
que para os nossos ancestrais eram agradá- de gratificação, ganha outra origem possível:
veis, tornaram-se indiferentes ou até mesmo uma “fraqueza constitucional da zona geni-
intoleráveis para nós; há motivos orgânicos tal” faz com que a conjugação esperada das
para as modificações em nossos ideais éticos pulsões parciais na zona genital na puberda-
e estéticos (FREUD, 1933, p.258). de fracasse, e o mais forte dos demais compo-
nentes da sexualidade continuará a sua ativi-
No Mal-estar, Freud retoma a questão do dade como uma perversão” (FREUD, 1905,
recalque orgânico em uma longa nota de ro- p.244). Isto significa que a regressão da libi-
dapé (FREUD, 1930, p.126 e seg.). Este texto do a pontos de fixação ocorreria, não apenas
nos dá informações preciosas que, a meu ver, por que tais pontos foram particularmente
nunca receberam a atenção que merecem. gratificantes mas, também, e isto é novo, de-
Por exemplo, que na falha do recalque orgâ- vido a obstáculos externos à construção da
nico, a pulsão que se fixou em uma gratifi- psicossexualidade. Não é senão anos mais
cação que deveria ter sido abandonada tor- tarde que Freud esclarece a diferença entre
na-se também idealizada, fazendo com que a sexualidade infantil e sexualidade perversa
o perverso, por mais estranha que seja a sua no adulto: enquanto à primeira falta a cen-
sexualidade, seja um grande esteta. tralização das pulsões parciais, na segunda
A primeira teorização mais elaborada so- ela está centralizada na pulsão que sofreu fi-
bre a perversão se dá nos Três ensaios sobre xação (FREUD, 1917).
a teoria da sexualidade (1905), e é marcada Ainda no Resumo encontramos uma pas-

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 36 | p. 135–148 | Dezembro/2011 139


As possíveis leituras da perversão

sagem sobre a qual, curiosamente, parece tras obtidas por sublimação, e de construções
não ter recebido a atenção que merece. Em destinadas ao refreamento eficaz de moções
uma nota acrescentada em 1915, Freud deixa perversas reconhecidas como inutilizáveis
claro que, assim como a neurose, a perversão (FREUD, 1905, p.246).
é acessível ao trabalho analítico pois, sendo
uma o negativo da outra, ambas são afetadas Os Três ensaios demonstram que não exis-
pelo recalque (Verdrängung). Em suas pala- te um fantasma especificamente perverso: a
vras: sexualidade humana é, em si, perversa pois
seu objetivo é o prazer e não a procriação;
Isto [o bloqueio do fluxo pulsional devido ao as perversões são “as forças motivadoras dos
recalque] não se aplica apenas às tendências sintomas neuróticos” (FREUD, 1905, p.246);
“negativas” para a perversão que aparecem a análise da disposição artística revela uma
nas neuroses, mas igualmente às perversões “mistura em todas as proporções, de efici-
chamadas positivas. Assim, estas últimas de- ência, perversão e neurose” (FREUD, 1905,
vem originar-se não apenas de um fixação de p.246). Ou seja, toda organização neurótico-
tendências infantis, mas também de uma re- normal, assim como na normopatia (FER-
gressão àquelas tendências como resultado do RAZ, 2002), é composta de traços, em pul-
bloqueio de outros canais da corrente sexual. sações energéticas diferentes, da sexualidade
É por este motivo que as perversões positivas polimorficamente perversa da infância.
são acessíveis à terapia psicanalítica (FREUD, Ainda nos Três Ensaios, Freud faz uma
1905, p.239; o grifo é meu). observação que mostra bem sua prudência
em relação a julgamentos expeditivos, e que
No Resumo, Freud transita entre neurose e retoma a questão do recalque orgânico:
perversão com a mesma terminologia: as his-
téricas seriam as “pervertidas negativas”, en- Em muitas dessas perversões a qualidade
quanto os perversos os “perversos positivos” do novo alvo sexual é de tal ordem que re-
(FREUD, 1905, p.244). Devido ao mecanis- quer uma apreciação especial. Algumas delas
mo do recalque, “a neurose toma o lugar da afastam-se tanto do normal em seu conteúdo
perversão, sem que os antigos impulsos sejam que não podemos deixar de declará-las “pa-
extintos”; quanto à sublimação, ela se apresen- tológicas”, sobretudo nos casos em que a pul-
ta como o resultado “de uma disposição cons- são sexual realiza obras assombrosas (lamber
titucional anormal” (FREUD, 1905, p.245), e excrementos, abusar de cadáveres) na supera-
que nossas virtudes, nada mais são do que for- ção das resistências (vergonha, asco, horror
mações reativas à nossa disposição perversa. ou dor). Nem mesmo nesses casos, porém,
As afirmações freudianas apresentadas pode-se ter uma expectativa certeira de que
no Resumo sugerem, não apenas que a per- em seus autores se revelem regularmente
versão é analisável, mas que é possível, atra- pessoas com outras anormalidades graves
vés do trabalho analítico, que um perverso ou doentes mentais. Tampouco nesses casos
se torne neurótico. Freud parece entender o pode-se passar por cima do fato de que pesso-
adoecer psíquico como um transbordamento as cuja conduta é normal em outros aspectos
do pathos, das paixões, das pulsões, das quais colocam-se como doentes apenas no campo
o psiquismo não consegue se defender: da vida sexual, sob o domínio da mais irre-
freável de todas as pulsões. Por outro lado, a
Aquilo a que chamamos “caráter” de um ho- anormalidade manifesta nas outras relações
mem constrói-se, numa boa medida, a partir da vida costuma mostrar invariavelmente um
do material das excitações sexuais, e se com- fundo de conduta sexual anormal (FREUD,
põe de pulsões fixadas desde a infância, de ou- 1905, p.151).

140 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 36 | p. 135–148 | Dezembro/2011


As possíveis leituras da perversão

Com as formulações do complexo de Édi- seja por isso que Freud não apresente uma
po e um melhor entendimento da dinâmica formulação exaustiva sobre as perversões,
das identificações, Freud apresenta novos sustentando que elas não seriam analisáveis
elementos para a compreensão das perver- e, nem tampouco, uma diferenciação clara
sões: trata-se da fantasia sadomasoquista e definitiva entre as perversões e outras di-
descrita em Uma criança é espancada: uma nâmicas pulsionais. Freud refere-se ao O ho-
contribuição ao estudo das perversões sexuais mem dos ratos (FREUD, 1909) e a Dostoie-
(FREUD, 1919). Ali, a perversão é teorizada vski (FREUD, 1928), tanto como neuróticos,
a partir dos destinos do complexo edipiano. quanto como perversos. Ademais, ao privi-
O terceiro momento das formulações legiarmos o mecanismo da recusa, corremos
freudianas sobre a perversão se dá no artigo o risco de mascararmos outros movimentos
Fetichismo (FREUD, 1927), considerado por pulsionais importantes, presentes nessa di-
muitos como a única teorização válida sobre nâmica pulsional.
a perversão, no qual a recusa (Verleugnung) O interesse desta breve digressão é de
é apresentada como o mecanismo central insistir sobre a complementariedade de
da perversão. “O fetiche é um substituto do cada um destes três momentos de elabora-
pênis da mulher (da mãe) em que o meni- ção freudiana sobre as perversões. A clínica
ninho outrora acreditou e que - por razões nos informa das múltiplas faces da perver-
que nos são familiares - não deseja abando- são, algumas das quais não são sustentáveis
nar” (Freud, 1927, p.180). “A palavra alemã pelo mecanismo da recusa. Acredito que a
correta para a vicissitude da idéia”, continua perversão, assim como qualquer outro sinto-
Freud, “seria ‘Verleugnung’ [‘rejeição’]”3. ma, deva ser entendida, antes de mais nada,
Para que a recusa da percepção da ausência como o arranjo possível que o sujeito pôde
do pênis seja mantida é necessário a cliva- fazer em sua tentativa de sobreviver psiqui-
gem do Eu (Ichspaltung) que permitirá que camente (CECARELLI & SANTOS, 2009).
as duas atitudes – recusar e, ao mesmo tem-
po, perceber a falta – sejam mantidas lado a Depois de Freud
lado (FREUD, 1938). Após Freud, as publicações psicanalíticas
Entretanto, como já o observara Laplan- sobre o ‘fenômeno perverso’ variam signifi-
che & Pontalis (1968), não fica claro o que cativamente de um modelo teórico a outro,
está sendo recusado: a falta de pênis, neste deixando clara a falta de consenso relativo à
caso seria difícil falar de percepção, ou a pró- compreensão desta expressão da sexualida-
pria castração, o que implicaria, não em uma de (McDOUGALL, 1972, 1997; STEWART,
percepção, mas em uma teoria explicativa, 1972; STOLLER, 1975. 1984; KHAN, 1979;
isto é, uma teoria sexual infantil. Seja como CHASSEGUET-SMIRGEL, 1987; LACAN,
for, circunscrever a perversão a partir da re- 1994, 1998; DOR, 1991; KERNBERG, 1998;
cusa não apenas limita a sua compreensão, PEIXOTO JÚNIOR, 1999; FERRAZ, 2000,
como a torna ainda mais complexa: tanto a 2002; AULAGNIER-SPAIRANI, 2003; COU-
recusa quanto seu coadjuvante, a divisão do TINHO, 2004; QUEIROZ, 2004).
ego, estão presentes em outras organizações Como escrevi em outro local
psíquicas (FREUD, 1927; 1938; 1938). Talvez
A desarmonia entre as diferentes escolas de
psicanálise, tanto no uso da palavra “per-
versão”, quanto na apreensão e compreensão
3. Na Edição Standard Brasileira Verleugnung é tra-
duzido por rejeição e não por recusa, expressão bem do fenômeno é tão conhecida que dispensa
mais usada. No fetichismo ocorre uma recusa (da per- comentários. Cada modelo clínico propõe
cepção) da castração. uma interpretação diferente direcionando

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 36 | p. 135–148 | Dezembro/2011 141


As possíveis leituras da perversão

a escuta e, conseqüentemente, a direção do objeto residiria nos efeitos do desejo que a


tratamento desta manifestação da sexualida- falta suscita; para o perverso o objeto fetiche
de. Tanto autores da Escola Inglesa [Khan, serviria para recuperar o gozo proscrito pela
1979], quanto da Americana [Stoller, 1975], interdição do incesto. O fetiche cumpre, en-
relatam acompanhamentos clínicos de sujei- tão, uma dupla função: recusar a castração
tos perversos cujos resultados foram conside- e garantir o gozo graças a um objeto con-
rados, por esses autores, como satisfatórios. Já creto (um sapato, uma roupa.. o “brilho no
a Escola Francesa de Jacques Lacan entende nariz”...). Ora, resta saber se esta teorização,
a perversão como uma estrutura que resiste sem dúvida coerente, em torno da recusa
ao trabalho analítico. Logo, o perverso, con- serve para dizer que o perverso, ao recusar
trariamente à afirmação freudiana, não é ana- a castração, está recusando a lei geradora
lisável. Ora, como entender essas diferenças das angústias necessárias à busca de análise.
cujos desdobramentos teórico-clínico-éticos Dizer que todo perverso está assujeitado a
tem conseqüências de peso? (CECCARELLI, este destino, implica em uma posição deter-
2005, p.47) minista e, no fundo, simplista, refratária aos
pressupostos da psicanálise. Toda perversão
Uma leitura atenta de certos autores suge- tem a mesma origem? A demanda de análise
re uma “imposição teórica” (CECCARELLI é uma exclusividade do neurótico ou a de-
& SANTOS, 2010, p.35), pois a escuta clínica manda do perverso não se apresentaria sob
passa ao segundo plano frente a uma teoria outras formas? (QUEIROZ, 2004)
que é superestimada. A partir dai, o perverso Ao mesmo tempo, observar-se o uso, cada
é tratado como desviante em relação a uma vez mais freqüente, do rótulo “perverso” (um
normalidade sócio-historicamente constru- novo fetiche?) para diagnosticar, apressa-
ída. Os desdobramentos clínicos que se se- damente, comportamentos que provocam
guem – a escuta e a direção do tratamento angústia e estranheza: a normalidade vem
– terão implicações ético-morais que devem sendo cada vez mais patologizada (CECCA-
ser avaliadas. RELLI, 2010). Impressiona-me o número de
A polimorfia perversa da pulsão sexual casos clínicos, de trabalhos universitários nos
infantil parece ter sido esquecida, o que deu mais diversos âmbitos nos quais uma atitude
à perversão uma conotação pejorativa carre- provocativa e desafiadora, por exemplo, por
gada de moralismo. Junta-se a isto o fato de parte de uma criança ou de alguém à procu-
que, muitas vezes, o discurso psicanalítico ra de análise é, rapidamente, teorizada como
vem sendo utilizado para ditar a “circulação “gozo”, e o sujeito como perverso, sem que
pulsional normal”. À psicanálise, nos lembra uma exploração mais profunda da dinâmica
Freud, cabe apenas “revelar os mecanismos pulsional relativa à “perversão” apresentada
psíquicos que culminaram na determinação tenha sido feita.
da escolha de objeto, e remontar os cami- A partir do que foi dito até aqui sobre a
nhos que levam deles até as disposições pul- perversão, como entender a psicossexualida-
sionais” (FREUD, 1920, p.211). de de João? Uma estrutura? Uma dinâmica
Como o dissemos, para alguns a única pulsional? Uma fixação a uma pulsão par-
teorização válida sobre a perversão, gira em cial? Com que ouvido escutá-lo?
torno do mecanismo da recusa (Verleug-
nung). Recusa que, segundo Lacan (1984, Algumas considerações
1998), levaria à fixação do gozo em um obje- sobre o caso clínico
to imaginário, em vez de centrá-lo na função O trabalho analítico permitiu que João elabo-
simbólica que organiza o desejo a partir da rasse as fantasias subjacentes as suas práticas
castração. Para o neurótico, o interesse no sexuais, o que lhe possibilitou compreendê-

142 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 36 | p. 135–148 | Dezembro/2011


As possíveis leituras da perversão

las melhor: Wo Es war, soll Ich werden. Suas rior daquele corpo, não seria também sujo?
práticas sexuais tornaram-se menos compul- A partir desta fantasia fundamental ele com-
sivas e ele pôde encontrar outras formas de preendeu que as “scato parties” das quais par-
prazer em suas relações. Entretanto, quando ticipava tinham como objetivo principal sa-
“sentiu-[se] apaixonado pela primeira vez” ber se seus produtos, seu interior, eram mais
João foi tomando por uma grande angústia, sujos ou menos sujos do que as produções
pois foi-lhe difícil se reconhecer em sua nova dos outros. As fezes líquidas, tão temidas por
vida sexual: a fantasia subjacente era que, ao João, foram associadas, através de sonhos
mudar sua sexualidade, ele correria o risco e devaneios, ao leite maternal que nunca o
de perdê-la completamente. Aos poucos, o alimentara de fato: “este leite que vinha do
afeto que se manifestava em forma de angús- interior do corpo de minha mãe era, segura-
tia ligado ao medo de mudanças foi sendo mente, sujo.”
reinvestido em relações afetivas mais está- Por outro lado, acredito que a relação de
veis, menos persecutórias, o que o levou a João com a mãe, quando utilizavam o banhei-
investimentos não erotizados. ro, o salvou de soluções mais radicais como,
A tortura que infligia ao pênis dos parcei- por exemplo, da psicose: as únicas lembran-
ros era uma vingança e, ao mesmo tempo, ças de trocas afetivas entre ele e sua mãe que
uma defesa, contra seu pai e, por extensão, ele tinha, ocorrerem nestes momentos. Ou
contra os homens em geral. Por condensação seja, a erotização das fezes, e seu contrário,
e deslocamento, o pênis, objeto idealizado e o excesso de limpeza, criaram entre João e
persecutório, foi transformado em objeto sua mãe uma território privilegiado de tro-
total que ele pode, finalmente, controlar e cas sem que, no entanto, as fezes tenham
possuir. A supervalorização do objeto é uma sido transformadas em objeto fetiche. Isto o
forma de “provar a si mesmo e aos outros a levou a pensar que, apesar de tudo, suas fezes
superioridade da dimensão pré-genital sobre eram mais limpas que as dos outros, suge-
o universo do pai” (CHASSEGUET-SMIR- rindo que a relação com sua mãe tenha sido
GEL, 1987, p.129). suficientemente boa. Como isto, João pôde
Sua prática escatofílica foi associada aos obter o mínimo de afeto necessário para evi-
momentos quando, ainda criança, sua mãe o tar arranjos psíquicos mais catastróficos.
acompanhava ao banheiro, que se encontra- Finalmente, cabe ressaltar que a rigidez
va fora da casa, para seu “cocô matinal”. Sua dos padrões estéticos de João, bem próximos
mãe o esperava de fora e reclamava muito do de algumas exigências artísticas, são, comu-
frio. João se sentia obrigado a fazer um gran- mente, observáveis neste tipo de dinâmica
de esforço para evacuar rapidamente “toda pulsional, como já o observara Freud (1910).
minha sujeira e deixar minha mãe contente”. Com efeito, “se alguém que não soubesse do
Em seguida, era a vez de sua mãe utilizar o que se trata escutasse uma discussão sobre as
toalete. “Que coisa mais doida”, disse, “não condições necessárias à gratificação sexual
era eu que tinha vontade de fazer cocô, era perversa, ser-lhe-ia muito difícil distingui-la
minha mãe!” Para João, tudo que ele produ- de uma de discussão estética sobre os câno-
zia - sua capacidade de amar, de ser amado, nes de ‘belo’ e do ‘feio’” (CHASSEGUET-
de fazer amizades – estava condensado na SMIRGEL, 1987, p.131).
sua capacidade de fazer cocô; e tudo isto era
sujo como suas fezes. Por associação, o inte- A escuta do perverso
rior de seu corpo era também sujo. Escutar o perverso exige que o analista su-
A fantasia central de João era que toda porte o ódio que aparece na transferência
esta sujeira vinha de sua mãe, ou melhor, de sob várias formas, em particular como des-
seu interior. Porém João, que esteve no inte- dém pelo trabalho do analista, o que corro-

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 36 | p. 135–148 | Dezembro/2011 143


As possíveis leituras da perversão

bora a posição de Stoller (1975) que entende do trabalho analítico um expediente para ex-
a perversão como uma erotização do ódio. plorar pontos não trabalhados em sua pró-
Há de se ter o investimento necessário para pria análise.
seguir os movimentos regressivos destes su- Nesta perspectiva, cabe perguntar se os
jeitos pela tortuosa, repetitiva e monótona ‘perversos inanalisáveis’ são realmente ina-
trilha da sexualidade pré-genital até os pon- nalisáveis, o que pode, de fato, acontecer, ou
tos de fixação da libido4. Uma das grandes se esta “inanalisibilidade” seria uma defesa
dificuldades na clínica da perversão é ter a do analista frente às dificuldades de escutá-
disposição necessária para suportar os movi- lo. Pode a clínica da perversão ser limitada
mentos transferências, pois estamos lidando pela teoria que a descreve e orienta sua escu-
com fixações libidinais prégenitais que im- ta? Toda perversão responde “a uma organi-
plicam em relações narcísicas, em um perío- zação definitiva na qual o perverso passa pelo
do no qual as relações de objeto estão, ainda, enquistamento de toda a economia do dese-
se constituindo. Ao analista, cabe, apenas, jo, que contribuirá para a instalação de uma
acompanhar aqueles que tentam entender a fixação psíquica irreversível” (DOR, 1991,
dinâmica psíquica que subjaz aos seus dese- p.30)? Se toda organização perversa é defini-
jos, aos seus atos e às suas “escolhas”. Nes- tiva e o objeto fetiche está ali para recuperar
te sentido, reconhecermos em nós mesmo o gozo proscrito pela lei, o que fazer com ca-
os traços do perverso polimorfo de outrora sos como o de João? Deveríamos não segui-
é condição necessária e fundamental para lo em seu trabalho analítico por tratar-se de
exercermos uma profissão, cujos pressupos- um “caso perdido”, posto que nada pode ser
tos de base repousam, essencialmente, sobre feito em relação a sua estrutura perversa?
as vicissitudes da polimorfia da sexualidade É importante não nos esquecermos que é
perversa infantil, sempre pronta a fazer ir- a grade teórica que utilizamos que vai “diag-
rupções das mais variadas formas e em mo- nosticar” a dinâmica psíquica cuja manifes-
mentos imprevisíveis. tação estamos ouvindo e, muitas vezes, teste-
O que está em jogo, aqui, é a maneira munhando sua encarnação no corpo. Cada
através da qual o analista responde ao real, contexto sócio-histórico tem a sua psicopa-
aos restos não analisáveis, de sua sexualida- tologia (PESSOTTI, 1995), isto é, suas ten-
de perverso-polimorfa inconsciente, e aos tativas de “decompor” o sofrimento psíquico
riscos de respostas perversas devido ao po- em seus elementos de base para tentar com-
der que a transferência lhe confere (CECCA- preendê-los, classificá-los, estudá-los, enfim,
RELLI, 2004). Gabbard e Lester (1995), nos tratá-los. Com resultado temos, ao longo da
alertam sobre os perigos das “gratificações história, várias psicopatologia: vários logos
narcísicas”, através das quais o analista tenta (discurso, saber) sobre o patos (as paixões)
assegurar-se de sua “superioridade moral e que animam a psique (alma); cada uma com
intelectual” em relação ao paciente, fazendo referências próprias e diferentes perspecti-
vas teórico-clínicas. A “psico-análise” é uma
análise no sentido que a química dá a esse
termo. Para Freud, existe uma analogia en-
4. Se, no começo, era-me difícil ouvir os detalhados tre o trabalho realizado pelo químico e pelo
relatos de João sobre suas práticas coprofílicas, com o psicanalista, pois “os sintomas e as manifes-
passar do tempo o sentimento era de monotonia devi- tações patológicas do paciente, como todas
do à repetitividade dos relatos. Às vezes, a impressão
era de estar ouvindo uma criança fazendo birra na
as suas atividades mentais, são de natureza
hora de fazer cocô. Em suas práticas sexuais, esta mo- altamente complexa; os elementos desse
notonia podia ser observada na exigência de rigidez e composto são, no fundo, motivos, impulsos
imutabilidade presentes em seus cenários perversos. instintuais” (FREUD 1919, p.202).

144 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 36 | p. 135–148 | Dezembro/2011


As possíveis leituras da perversão

Escutar a variedade das manifestações nós, no decorrer da vida a libido oscila nor-
perversas da sexualidade a partir de uma só malmente entre objetos masculinos e femi-
referência teórico-clínica, ou seja, adequar ninos” (FREUD, 1976, p.196).
a escuta a uma categoria nosográfica rígida, As manifestações da sexualidade, por mais
atesta um embotamento clínico que produz insólitas que possam parecer, são sempre
um marasmo teórico, fazendo-nos regredir únicas por traduzirem soluções aos confli-
ao modelo psiquiátrico clássico do sec. XIX tos - reais ou imaginários - presentes desde o
e anular a riqueza da descoberta freudiana. início da vida. A análise destas manifestações
mostra que estas “invenções” são, no fundo,
Afinal, qual é o “diagnóstico de João? rearranjos de velhos conflitos que, quan-
Histeria grave? Obsessivo? Perverso? Psicó- do criança, o sujeito teve que enfrentar na
tico? Estado limite? Caráter narcísico com constituição de sua psicossexualidade. Aqui,
profundas fixações anais? Estrutura perversa o conceito de neo-sexualidade é muito útil,
inanalisável? Mas, a que serviria rotulá-lo? pois descreve soluções psíquicas inovadoras,
Se conseguirmos ter a distância contratrans- resultados de arranjos libidinais, verdadeiro
ferencial suficiente e a ética da escuta, não teatro erótico, destinadas a proteger a crian-
veríamos ai simplesmente um sujeito que, ça contra uma angústia de castração esmaga-
em sua tentativa de sobreviver psiquicamen- dora (MCDOUGALL, 1997). Já a perversão
te, lança mão, não sem dor, angústia e afer- “seria a tentativa de impor a imaginação eró-
rado defensivamente à onipotência infantil tica a um outro que não consentisse nisso ou
própria do período prégenital, do arsenal de- que não fosse responsável” (MCDOUGALL,
fensivo adquirido na infância, para construir 1997, p.192). Nesta perspectiva, creio poder
uma forma de sexualidade? E ele sobreviveu, definir a “sexualidade normal”, que varia se-
malgrado os momentos de intenso pânico gundo cada sujeito, como aquela que resgata
devido às profundas angústias de aniquila- a polimorfia infantil, em uma relação de ob-
mento. jeto na qual o desejo do outro é levado em
Mais ainda: mesmo que concordemos contra, centrada na primazia genital.
sobre o uso do termo “perversão” para estes Análises como a de João nos mostram
casos, como ouvi-la? Na vertente estrutural que a fixação da libido em pontos conflituais
ou na vertente filogenética? Quais as conse- perpetua a sexualidade infantil, fazendo com
quências clínicas de cada uma? que a sexualidade adulta torne-se uma re-
As apresentações do sexual, esta alteri- petição empobrecida da infantil. Com João,
dade interna que nos lembra sem cessar que aprendemos sobre a dimensão assustadora
não somos senhores em nossa própria casa, da angústia que se esconde por trás da com-
traduz uma história libidinal, resultado de pulsividade da sexualidade perversa, e sobre
um percurso pulsional que repousa sobre as desesperadas tentativas de se chegar a um
as identificações - sempre em movimento - “acordo” entre as demandas pulsionais e o
constitutivas do Eu. É isso que determinará trabalho de cultura.
como o sujeito vive, consciente e inconscien-
temente, a sua sexualidade e como investirá, A angústia é a mãe da invenção
de maneira manifesta ou latente, os objetos no teatro psíquico
dos dois sexos, criando, imaginariamente, o Joyce McDougall
fantasma do sexo que ele não possui, e cons-
truindo a representação psíquica de corpo
próprio. A “saúde psíquica” reside no equilí-
brio dinâmico das tendências pulsionais ho-
mossexuais e heterossexuais, pois “em todos

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 36 | p. 135–148 | Dezembro/2011 145


As possíveis leituras da perversão

Abstract Referências
In this text, the author brings about reflec-
tions on the theoretical and clinical research
that he has been making for many years on AULAGNIER-SPAIRANI, P. A perversão como es-
trutura. In: Revista Latinoamericana de Psicopatologia
perversion. According to the author, many of
Fundamental. Ano VI. n.3, p.43-69, set./2003.
the so-called “pathological” manifestations of
sexuality represents solutions found by the Ego CECCARELLI, P. R. A perversão do outro lado do
in the constitution to survive psychically. From divã. In: PORTUGUAL, A. M; PORTO FURTADO,
this perspective, “perverted” dynamic drives A; (org.). Destinos da Sexualidade. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2004, p.243-257.
can often represent the only possibility of se-
xual activity. Through fragments of a clinical CECCARELLI, P. R. Perversão e suas versões. In: Re-
case, the author shows the relationship betwe- verso – Revista do Círculo Psicanalítico de Minas Ge-
en the direction of the analytical work and rais, ano XXVII, n.52, p.43-50, set./2005.
the theory used by the psychoanalyst. The au-
CECCARELLI, P. R. Désintrications de la pulsion et
thor also presents brief considerations on the
processus civilisateur. In: Les Lettres de la Société de
Freudian positions about perversion to show Psychanalyse Freudienne. Paris, n.18, p.97-107, 2007.
the different stages of Freud’s theory, and also
the way other psychoanalysts have theorized CECCARELLI, P. R. Don Quixote e a transgressão do
perversion. Then the author raises questions saber. In: Mal-estar e subjetividade. v.IX, n.3, p.879-
899, set./2009.
about listening to “perverted patients” and
the challenges of such listening that appear in CECCARELLI, P. R. A patologização da normalidade.
transference / countertransference. The au- In: Estudos de Psicanálise. Aracaju, n.33, p.125-136,
thor makes some criticism of the use that has jul./2010.
been made of the word perversion: a kind of
CECCARELLI, P. R. & COUTO, L. F. O gozo estático
fetish used to diagnose quickly behaviors that do expectador de uma cena perversa. In: Mal-estar e
cause distress and surprise, without a deeper subjetividade. v.IV, n.2, p.266-276, set./2004.
exploration of the dynamics of the drives on
the “perversion” presented. From there on, the CECCARELLI, P. R., & SANTOS, A.B. Perversão se-
author draws attention to the consequences of xual e ética psicanalítica. In: Rev. Latinoam. Psicopat.
Fund. São Paulo, v.12, n.2, p.316-328, jun./2009.
limiting the perverse sexuality to a theoretical
and clinical reference, to adjust listening to a CECCARELLI, P. R., & SANTOS, A.B. Psicanálise e
rigid nosography category. This can produce a moral sexual. In: Reverso – Revista do Círculo Psicana-
clinical numbing as well as theoretical maras- lítico de Minas Gerais. Ano XXXII, n.59, p.23-30, 2010.
mus, which denies the richness of the Freudian
CECCARELLI, P. R. & SANTOS, A. B. A produção
discovery. discursiva no campo da perversão. In: Polêmica: Re-
vista Eletrônica, v.9, n.2, 2010. Disponível em: http://
Keywords: Perversion, Instinctual dynamic, www.polemica.uerj.br/ojs/index.php/polemica/arti-
Structure, Sexuality, Normality. cle/view/20/45

CECCARELLI, P. R. & SALLES, A. C. A invenção da se-


xualidade. In: Reverso – Revista do Círculo Psicanalíti-
co de Minas Gerais. Ano XXXII, n.60, 15-24, set./2010.

CHASSEGUET-SMIRGEL, J. Éthique et esthétique de


la perversion. Paris: Champ Vallon, 1984.

COUTINHO, A. H. Contratransferência, perversão e


o analista in-paciente. In: Reverso – Revista do Cír-

146 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 36 | p. 135–148 | Dezembro/2011


As possíveis leituras da perversão

culo Psicanalítico de Minas Gerais. Ano XXVI, n.51, lógicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:
p.29-42, ago./2004. Imago, 1976, v.XVII.

DOR, J. Estrutura e Perversões. Porto Alegre: Artes FREUD, S. (1919) Uma criança é espancada: con-
Médicas, 1991. tribuições ao estudo das perversões sexuais, Edição
Standard Brasileira das obras psicológicas completas de
FERRAZ, F. C. Perversão. São Paulo: Casa do Psicó- Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v.XVII.
logo, 2000.
FREUD, S. (1920). A psicogênese de um caso de ho-
FERRAZ, F. C. Normopatia. São Paulo: Casa do Psi- mossexualismo numa mulher. Edição Standard Bra-
cólogo, 2002. sileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v. XVIII.
JONES, E. (1950). Early development of female sexu-
ality. In: Papers on psychoanalysis. London: Bailliere, FREUD, S. (1927) Fetichismo, Edição Standard Bra-
Tindall and Cox. sileira das obras psicológicas completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974, v.XXI.
FREUD, S. (1900-1901). Interpretação de sonhos.
Edição Sstandard Brasileira das obras psicológicas FREUD, S. (1928). Dostoievski e o parricídio. Edição
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Standard Brasileira das obras psicológicas completas de
1972, v.V. Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974, v.XXI.

FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da se- FREUD, S. (1930 [1929]) O Mal-Estar na Civilização.
xualidade. Edição Sstandard Brasileira das obras psi- Edição Standard Brasileira das obras psicológicas comple-
cológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: tas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v.XXI.
Imago, 1972, v.VII.
FREUD, S. (1933) Novas conferência introdutórias
FREUD, S. (1908). Moral sexual civilizada e doen- sobre a psicanálise. Conf. XXXV: A questão da uma
ça nervosa moderna. Edição Standard Brasileira das Weltanschauung. Edição Standard Brasileira das obras
obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janei-
Janeiro: Imago, 1976, v.IX. ro: Imago, 1976, v.XXII.

FREUD, S. (1908). Sobre as teorias sexuais infantis. Edi- FREUD, S. (1933) Por que a guerra? Edição Standard
ção Standard Brasileira das obras psicológicas completas Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v.IX. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v.XXII.

FREUD, S. (1909). Notas sobre um caso de neuro- FREUD, S. (1938) Esboço de psicanálise, Edição Stan-
se obsessiva (O homem dos ratos). Edição Standard dard Brasileira das obras psicológicas completas de Sig-
Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund mund Freud. Rio de Janeiro, Imago, 1975, v.XXIII.
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976, v.X.
FREUD, S. (1938) A divisão do ego no processo de
FREUD, S. (1910). Leonardo da Vinci e uma lem- defesa, Edição Standard Brasileira das obras psicológi-
brança da sua infância. Edição Standard Brasileira das cas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Ima-
obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de go, 1975, v.XXIII.
Janeiro: Imago, 1970, v.XI.
GABBARD, G.; LESTER, E. Boundaries and Bounda-
FREUD, S. Neuroses de transferência: uma síntese. Rio ry Violations. New York: Basic Books, 1995.
de Janeiro: Imago, 1987 (texto encontrado em 1985).
KERNBERG, O. Perversão, perversidade e norma-
FREUD, S. (1917) O desenvolvimento da libido e as lidade: diagnóstico e considerações terapêuticas. In:
organizações sexuais. Conferências introdutórias so- Rev. Bras. Psicanál. v.32, n.1, p.67-82, 1998.
bre a psicanálise XXI. Edição Standard Brasileira das
obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de KHAN, M. M. R. Alienación en las perversiones. Bue-
Janeiro: Imago, 1976, v.XVI. nos Aires: Nueva Visión, 1987.

FREUD, S. (1919) Linhas de progresso na teoria psi- LACAN, J. Le séminaire livre IV: la relation d’objet
canalítica Edição Standard Brasileira das obras psico- (1956-57) - La fonction du voile. Paris: Seuil, 1994.

Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 36 | p. 135–148 | Dezembro/2011 147


As possíveis leituras da perversão

LACAN, J. Le séminaire livre V: les formations de SOBRE O AU TOR


l’inconscient (1957-58). Paris: Seuil, 1998.
Paulo Roberto Ceccarelli
LAPLANCE, J. & PONTALIS, J.B. Vocabulaire de la Psicólogo. Psicanalista. Doutor em Psicopatologia
Psychanalyse. 2 ed. Paris: PUF, 1968. Fundamental e Psicanálise pela Universidade de Paris
VII. Pós-doutor por Paris VII. Membro da Associa-
MASSON, J. A correspondência completa Freud-Fliess, ção Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fun-
1887-1904. Rio de Janeiro: Imago, 1986. damental. Sócio do Círculo Psicanalítico de Minas
Gerais. Membro da Société de Psychanalyse Freudien-
McDOUGALL, J. Scène primitive et scénario pervers. ne – Paris: França. Membro fundador da Rede Inter-
In: La sexualité perverse. Paris: Payot, 1972. nacional em Psicopatologia Transcultural. Professor
Adjunto III no Departamento de Psicologia da PUC-
McDOUGALL, J. As múltiplas faces de Eros. Rio de MG. Professor credenciado a dirigir pesquisas de pós-
Janeiro: Martins Fontes, 1997. graduação, e pesquisador no Laboratório de Psicaná-
lise e Psicopatologia Fundamental da Universidade
PEIXOTO JUNIOR, C. A. Metamorfoses entre o sexu- Federal do Pará, em Belém. Pesquisador do CNPq.
al e o social: uma leitura da teoria psicanalítica sobre
a perversão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Endereço para correspondência:
1999. Rua Rio Grande do Norte, 355/501
30130-131 – BELO HORIZONTE/MG
PESSOTTI, I. A loucura e as épocas. Rio de Janeiro: Tel.: (31)9307-8808
Editora 34, 1995. E-mail: paulocbh@pq.cnpq.br
Site: www.ceccarelli.psc.br
QUEIROZ, E. F. A clínica da perversão. São Paulo:
Editora Escuta, 2004.

ROUDINESCO, E. La part obscure de nous-même Une


histoire des pervers. Paris: Albin Michel, 2007.

STEWART, S. Quelques aspects théoriques du féti-


chisme. In: La sexualité perverse. Paris: Payot, 1972.

STOLLER, R. La perversion et le désir de faire mal.


In: Nouvelle Revue de Psychanalyse: La chose sexuelle,
n.29. Paris: Gallimard, 1984.

STOLLER, R. (1975) La perversion: forme érotique de


la haine. Paris: Payot, 2000.

WINNICOTT, D., W. Collected Papers. London: Ta-


vistock Publications, 1958.

RECEBIDO EM: 28/07/2011


APROVADO EM: 08/09/2011

148 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 36 | p. 135–148 | Dezembro/2011

You might also like