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COLONIZAÇÃO E IMIGRAÇÃO

Continuidades e rupturas da presença portuguesa no Brasil na longa duração (séculos XVIII a XX)

Paulo Cesar Gonçalves


UNESP

Pensar a dinâmica da presença portuguesa no Brasil sob a ótica proposta por este estudo, qual
seja, a colonização e a imigração na longa duração, levanta uma série de problemas teóricos, em suas
amplas dimensões, que abarcam espaços geográficos e temporais. Esta comunicação, sem se pretender
exaustiva, tem por objetivo delimitar questões teóricas e enfocar algumas fontes documentais, apontando
sua utilização pela historiografia e outras possibilidades de abordagens, na expectativa de apreender
alguns aspectos que permitam historiar os termos colonização e imigração diante da presença portuguesa
em terras brasileiras.

Alguns elementos para o debate


Jobson Arruda, em Entre colonização e imigração: debate teórico, destaca a dimensão política,
assinalando a noção de continuidade do processo migratório entre o período colonial e de grande parte do
Oitocentos, representada pela chegada da família real portuguesa, a abertura dos portos e, até mesmo, pela
independência, com a manutenção da dinastia dos Bragança – presença constante no imaginário daqueles
que emigravam1, a se somar com as relações sociais e familiares historicamente estabelecidas nos dois
lados do Atlântico.
Em artigo instigante, Jorge Pedreira, sem se preocupar, no entanto, com as especificidades dos
termos emigração e colonização, traz alguns elementos que permitem observar, sob os aspectos sócio-
econômicos, o caráter de continuidade do fluxo migratório de portugueses para o Brasil, mesmo após a
independência. Com o desenvolvimento da economia colonial, a instalação de portugueses adquiriu cada
vez mais espontaneidade, ocasionando efeitos diretos na sociedade metropolitana, sobretudo na
comunidade de negociantes. Analisando a “biografia coletiva” dos homens de negócio de Lisboa, reporta
que a emigração mercantil temporária baseada nas redes familiares ou de compadrio exerceu na formação
da carreira comercial, reforçando seu papel como via de promoção social. Para o autor, a estrutura da
sociedade portuguesa, tal como se configurava nos séculos XVII e XVIII, em especial os padrões de
mobilidade, foi em parte modelada por essa relação, que nem mesmo a secessão do Brasil interrompeu
completamente2. Ou seja, diante da perspectiva da emigração mercantil, a ruptura política pouco alterou
sua dinâmica nos dois lados do Atlântico.

1
José Jobson de Andrade Arruda. Entre colonização e imigração: debate teórico. Comunicação (inédita)
apresentada no VII Seminário Internacional sobre a (E)Imigração Portuguesa para o Brasil: De colonos
a imigrantes. CEPESE/Cátedra Jaime Cortesão-FFLCH/USP, 2011.
2
Jorge M. Pedreira. “Brasil, fronteira de Portugal. Negócio, emigração e mobilidade social (séculos XVII
e XVIII)”. Revista Anais da Universidade de Évora, n. 8-9, 1998-1999. pp. 69-72.

1
Considerando os argumentos dos dois historiadores, parece possível, sim, pensar sob a ótica da
continuidade. No entanto, elementos de ruptura também merecem reflexão. Diante da dimensão
econômica, percebe-se que, no Brasil, a colonização não estava associada diretamente à mão-de-obra ao
menos até a segunda metade do século XIX, quando se proibiu o trafico de escravos e se aboliu a
escravidão. Mudança que se tornou evidente, em termos práticos, com a definição da política imigratória
brasileira, sobretudo paulista, que privilegiou a importação de braços para a lavoura exportadora em
detrimento da vinda de colonos e a criação de núcleos coloniais para povoamento e ocupação de terras de
forma produtiva. O próprio uso do termo “colono” na legislação e no cotidiano merece estudo
aprofundado devido à sua dubiedade: invariavelmente, podia referir-se tanto àqueles que se dirigiam aos
núcleos coloniais quanto aos que trabalhavam na grande lavoura cafeeira.
Em termos gerais, Caio Prado Júnior identificou mudança na política de imigração e colonização
com a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808, que deixou de ter caráter militar e político
para assumir predominantemente a finalidade demográfica3. Somente a partir de meados do século XIX a
política imigratória brasileira subordinou-se à necessidade de mão-de-obra agrícola, destinada a substituir
o trabalho escravo, já condenado a extinguir-se4.
Em seu Dicionário de História de Portugal, tratando dos verbetes emigração e colonização, Joel
Serrão estabeleceu importante e ilustrativo paralelo com a classificação fundamental dos seres vivos,
criada por Lineu, o pai da taxonomia moderna, no campo das ciências biológicas: “Emigrante é gênero do
qual colonizador é espécie”5. Para o historiador, torna-se muito difícil distinguir, ao longo da história
moderna e contemporânea de Portugal, no fluxo ininterrupto de emigrantes que abandonaram, definitiva
ou temporariamente, a terra natal, aqueles que devem ser inscritos na categoria de colonizadores e aqueles
outros para os quais seria mais pertinente reservar a denominação de emigrantes. Colonizadores e simples
emigrantes, argumenta, coexistiram sempre.
Diante disso, como argumentação introdutória, Serrão apresenta definição mais geral das duas
categorias. Colonizador é o indivíduo que abandona o solo pátrio com destino a uma colônia, e devido à
iniciativa do Estado ou integrado em empresa de âmbito nacional por ele promovida. Emigrante é aquele
que resolve abandonar o país por motivos pessoais, livremente concebidos, independentemente de
solicitações oficiais e até, muitas vezes, em oposição a estas6.
O ponto em comum entre as duas categorias é o deslocamento de populações. Fernando Novais
não pensa diferente e, ao recuperar conceitos da geografia, ressalta que não existe colonização sem
emigração, ou seja, sem movimento – nem toda migração envolve necessariamente ação colonizadora,
embora seja impossível haver colônia sem deslocamento populacional. Evocando o geógrafo francês
Maximilien Sorre, lembra que a definição mais geral de colonização trata-a como modalidade das

3
Caio Prado Júnior. História econômica do Brasil. 40ª. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993. pp. 183-184.
4
Caio Prado Júnior. “A imigração brasileira no passado e no futuro”. In Evolução política do Brasil e
outros estudos. 10ª. ed. São Paulo: Brasiliense, 1977. p. 237.
5
Joel Serrão (org.). Dicionário de História de Portugal. v. II, Porto: Livraria Figueirinhas, 1990. p. 364.
6
Joel Serrão. op. cit., p. 364.

2
migrações humanas, uma forma evoluída de elaboração do ecúmeno (povoamento e valorização de novas
regiões), caracterizada, nos tempos modernos, como europeização do mundo orientada pelo Estado7.
O historiador observa que a colonização portuguesa no Brasil ocorreu na época mercantilista,
dentro dos quadros do “sistema colonial” desenvolvendo-se de acordo com a peculiaridade do “momento
histórico”: estrutura e funcionamento do capitalismo comercial, em que as economias periféricas têm
papel essencial na dinâmica do desenvolvimento econômico, e que a colonização desenrola-se balizada
pelo sistema colonial do mercantilismo, formando estruturas típicas das áreas dependentes, as economias
coloniais. Persistindo na importância da “peculiaridade do momento histórico”, avança ainda mais ao
afirmar que o Antigo Sistema Colonial (séculos XVI a XVIII) permitiu a acumulação primitiva de
capitais fundamental para o surgimento do capitalismo, enquanto que o Imperialismo (séculos XIX e XX)
representou um dos aspectos da expansão capitalista – a colonização moderna, ou seja, o desdobramento
da expansão puramente comercial e a transição da órbita da circulação para o nível da produção
econômica no ultramar.
Processo também percebido por Jobson Arruda que o denominou de “novo padrão de
colonização”; o enlace metrópole-colônia sob a égide da industrialização, no qual Portugal foi pioneiro na
viragem para o século XIX. As colônias transformar-se-iam em mercados consumidores dos produtos
industrializados metropolitanos e fornecedoras de matérias-primas e alimentos, declinando
8
gradativamente a primazia dos chamados produtos tropicais . Processo ancorado na Revolução Industrial
que, se originário do Antigo Sistema Colonial, com o passar do tempo, acabou por rompê-lo.
Segundo Serrão, na época Moderna ocorreram três momentos bem distintos do êxodo de
populações portuguesas. A 1ª onda, composta por colonos oriundos do Algarve que se dirigiram à Ilha da
Madeira; a 2ª onda, originária das regiões de povoação mais densas (Minho e Entre Douro), empenhadas
no comércio ultramarino; a 3ª onda, que abarcava populações da Madeira, Açores e Cabo Verde –
consideradas ilhas de emigração endêmica – para o Brasil. Por outro lado, lembra que a empresa no
Índico ainda polarizava a vida da metrópole durante o século XVI. Somadas, essas emigrações
provocaram decréscimo da população em Portugal que, sem a imigração simultânea de negros, parece
impossível conceber-se a viabilidade do enorme esforço emigratório-colonizador e militar-naval (com
destino à Índia). A empresa oriental quinhentista distingue-se profundamente daquelas que, no quadro do
Atlântico, os portugueses se lançaram simultaneamente. Não houve miscigenação e o domínio ali imposto
assumiu características de ocupação militar e naval. Para o historiador, não parece possível a conclusão de
que a saída de gentes para essas áreas seja considerada emigração ou colonização9.
Na emigração colonizadora dirigida ao Brasil existiu uma política estatal atuante durante cerca
de cem anos – de meados do século XVI a meados do seguinte. Um dos pontos-chave parece ser a

7
Fernando A. Novais. “Colonização e Sistema Colonial: discussão de conceitos e perspectiva histórica”.
Anais do IV Simpósio dos Professores Universitários de História. São Paulo, 1969. pp. 232-233.
8
José Jobson de Andrade Arruda. “Decadência ou crise do Império Luso-Brasileiro: o novo padrão de
colonização do século XVIII”. Actas dos IV Cursos Internacionais de Verão de Cascais (7 a 12 de Julho
de 1997). Cascais: Câmara Municipal de Cascais, vol. 3, 1998. pp. 225-227.
9
Joel Serrão. op. cit., p. 365.

3
legislação régia para o envio de degredados para o ultramar – onde a colônia americana sempre se
destacou – com objetivo de ocupar, defender e povoar minimamente o vasto território. A partir de 1667,
ou seja, mesmo antes da descoberta das minas, o poder central proferiu quatro sucessivas medidas
legislativas destinadas a restringir o movimento demográfico, que de colonizador se transmutava em
fenômeno puramente emigratório. A lei de 1720, por exemplo, proibia a emigração para o Brasil daqueles
que não estivessem investidos em funções oficiais.
Com a descoberta das minas, observou Caio Prado Júnior, esse “mero movimento” tomou
proporções assustadoras10. Cabe destacar que, em 1732, o Conselho Ultramarino chegou a afirmar que
“por este modo se despovoará o Reino”. Até o final do século, mais nove textos legais procuraram criar
embaraços à emigração. Jaime Cortesão apontou que as descobertas das minas alavancaram o êxodo da
população metropolitana do Noroeste de Portugal, chegando a atingir “algumas centenas de milhares” ao
longo do século XVIII.
Movimento mensurado por Godinho ao apontar que a corrida ao ouro brasileiro avolumou o
fluxo português. Durante o século XVII, foi de 2 mil emigrados por ano, para a média de 8 a 10 mil entre
1700 e 1760, totalizando a saída de cerca de 600 mil portugueses. Os anos restantes, até 1808, assistiram
a uma emigração anual de cerca de 3 mil pessoas, que aumentou em resposta às invasões napoleônicas e à
transferência da corte para o Rio de Janeiro11.
Russel-Wood percebeu alteração na migração transatlântica a partir do século XVIII, o momento
da viragem, quando o fluxo proveniente de Portugal e das ilhas formado por agricultores com a intenção
de continuar envolvidos em empreendimentos agrícolas – graças à atração adicional das terras disponíveis
e ao acesso à mão-de-obra – começou a ser superado pelos imperativos mercantis que atraíam todos os
atores sociais para as atividades comerciais12.
Paralelamente, a Portugal manteve a política de fixação de casais nas zonas de fronteira,
especialmente no Sul, para garantir a ocupação do território, soldados em quantidade para as milícias e o
desenvolvimento de atividades agrícolas. Com esse objetivo, famílias de açorianos foram encaminhadas
para Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O Norte, onde já no século XVII chegaram casais de açorianos
para povoar e lavrar a terra e tropas recrutadas na Madeira13, recebeu, em 1769, por iniciativa da Coroa,
praticamente toda população portuguesa que residia em Manzagão, no Marrocos.
Na época Contemporânea, observa Serrão, a partir da segunda metade do XIX, após a
independência do Brasil e em plena experiência liberal, o expatriamento assumiu, qualitativa e
quantitativamente, aspectos novos (sua acepção atual), consoante a conjuntura nacional e internacional na
qual se integrara. Apoiado no geógrafo Pierre George, identificou tais mudanças – ocasionadas pelo

10
Caio Prado Júnior. História econômica do Brasil. 40ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.
11
Vitorino Magalhães Godinho. A estrutura na antiga sociedade portuguesa. op. cit., pp. 43-44.
12
A. J. R. Russel-Wood. A. J. R. Russel-Wood. “A emigração: fluxos e destinos”. In Francisco
Bethencourt; Chaudhuri, Kirti (orgs.). História da expansão portuguesa. Lisboa: Temas e Debates, 1998.
v. 3, p. 162.
13
Rafael Chambouleyron. “Uma ‘conquista tão dilatada’. A Coroa portuguesa e a migração voluntária
para a Amazônia (século XVII)”. In Maria de Nazaré Sarges; et. alli. Entre mares: o Brasil dos
portugueses. Belém: Paka-Tatu, 2010. p. 86.

4
desenvolvimento da economia industrial e pelas formas de expansão que ela engendrou no quadro da
organização capitalista do mundo – como as responsáveis por provocarem duas séries simultâneas de
movimentos geográficos de população. As migrações internas nos países industrializados, operando a
redistribuição regional da população: o crescimento das cidades e das populações urbanas das áreas
industrializadas. A emigração, quando as necessidades de mão-de-obra ultrapassaram as possibilidades de
oferta do campo, mas, sobretudo o imperialismo abriu caminho à expansão das populações fora da
Europa14.
Em suma, o modo de vida tradicional de grande parte da população europeia ocidental foi
alterado pelo desenvolvimento e expansão do capitalismo, pela revolução do maquinismo, pela profunda
alteração do sistema de transportes nacionais e internacionais (caminhos de ferro e vapores), pelo surto
das grandes concentrações urbanas. O resultado dessas transformações foi uma até então inédita e
extraordinária mobilidade populacional. O século XIX alterou, demográfica e socialmente, os quadros
tradicionais e suscitou, na esfera psicológica, a vivência de necessidades novas, particularmente no
atinente à promoção social e econômica15.

A transformação do fluxo ao longo do século XIX


A partir de meados do século XIX, ocorreu mudança no “modelo de emigração portuguesa
destinada ao Brasil” para uma “experiência migratória nova”, condicionada essencialmente pela
conjuntura brasileira de necessidade de mão-de-obra e facilitada pela melhoria das condições de
transporte16. As novas necessidades das lavouras da ex-colônia e as estratégias para supri-las repercutiram
nos campos portugueses, onde a estrutura fundiária e a conjuntura sócio-econômica favoreceram o
recrutamento de famílias dispostas a emigrar. Nas palavras do historiador: “na época contemporânea,
Portugal oferecia mão-de-obra disponível ou subempregada; o Brasil procurava, com insistência, mão-de-
obra europeia”17.
Halpern Pereira chama atenção para a maior participação de mulheres e crianças nesse período:
na década de 1890, a parcela feminina representava 26%, o dobro da registrada até aquele momento,
chegando a 32% entre 1910-1919; para o período de 1891-1899, 41% das mulheres eram casadas e 32%
eram menores de 14 anos; taxas que caíram, respectivamente, para 36% e 26% em 1910-1919. Segundo a
autora, essa emigração familiar representava parte significativa desde a segunda metade dos anos 8018.
Os números apresentados por Klein evidenciam certa tendência à diminuição da relação entre os
sexos (H/M), cuja expressão mínima encontra-se entre os anos de 1895-1899 e 1910-1914, com exceção

14
Joel Serrão. op. cit., p. 366.
15
Joel Serrão. op. cit., p. 367.
16
Joel Serrão. Temas Oitocentistas – I. Para a história de Portugal no século passado. Lisboa: Livros
Horizonte, 1980. pp. 171-173.
17
Joel Serrão. op. cit., p. 166.
18
Miriam Halpern Pereira. A política portuguesa de emigração (1850-1930). Bauru, SP: EDUSC;
Portugal: Instituto Camões 2002. pp. 117-118.

5
do quinquênio de 1905-1909 – ou seja, o crescimento da participação feminina no fluxo19. No mesmo
sentido, nota-se a maior presença relativa de crianças, cujo ápice (16,3%) foi atingido em 1895-1899.
Klein apontou, ainda, duas variações quanto à cartografia da emigração portuguesa: o continente
e as ilhas. Madeira e Açores mantiveram em geral taxas migratórias superiores às do continente e com
maior diversidade. Os Estados Unidos foram o principal destino insular, sobretudo para os açorianos, que
constituíram 65% a 70% dos emigrados; a distribuição dos madeirenses foi mais equilibrada:
aproximadamente metade seguiu para a América do Norte, enquanto os demais se dirigiram ao Brasil20.
Difícil determinar com precisão até que ponto a política brasileira, especialmente a paulista, de
subsidiar passagens para famílias de agricultores influenciou de forma qualitativa e quantitativa essa
emigração. O certo é que tal iniciativa encontrou campo fértil para prosperar também em terras lusitanas,
atraindo a mão-de-obra desejada, o que, no entanto, não alterou profundamente a demografia do fluxo
geral, ainda caracterizado pela elevada parcela de indivíduos do sexo masculino que emigravam sozinhos,
deixando ou não familiares.

A legislação portuguesa sobre emigração


Miriam Halpern Pereira, em A emergência do conceito de emigrante e a política de emigração
oitocentista, destaca a necessidade de se pesquisar como os contemporâneos definiram “emigrante” e
“colono” ao longo dos últimos cinco séculos21. Sob essa perspectiva, ao menos dois caminhos de pesquisa
podem revelar-se profícuos. Por um lado, o levantamento exaustivo de toda legislação dedicada ao tema.
Por outro, a investigação deve atentar para os debates relacionados a essa legislação, sua aplicação e seus
reflexos no que se pode denominar por política de emigração portuguesa.
Miriam Halpern Pereira, Jorge Alves e Joaquim da Costa Leite sublinham a tradição repressiva
de contenção da emigração que prevaleceu em Portugal, ao menos até as últimas décadas do século
XIX22. Contribuíram para isso o poder da monarquia sobre seus súditos, o medo do despovoamento e a
forte influência de importantes grupos agrários temerosos com a ameaça de redução da mão-de-obra
disponível e o consequente aumento dos salários no campo.
Iniciado o século XX, um novo regime de penas para os engajadores da
emigração clandestina – definidos como “pessoas que promovem ou fornecem por

19
Herbert S. Klein. “A integração social e económica dos imigrantes portugueses no Brasil nos finais do
século XIX e no século XX”. Análise Social. Lisboa, v. XXVIII, n. 121, 1993.
20
Herbert S. Klein. op. cit., p. 237.
21
Miriam Halpern Pereira. A emergência do conceito de emigrante e a política de emigração oitocentista.
Comunicação (inédita) apresentada no VII Seminário Internacional sobre a (E)Imigração Portuguesa
para o Brasil: De colonos a imigrantes. CEPESE/Cátedra Jaime Cortesão-FFLCH/USP, 2011.
22
Miriam Halpern Pereira. A política portuguesa de emigração (1850-1930). op. cit.; Jorge Fernandes
Alves. “Terra de esperanças – O Brasil na emigração portuguesa”. Portugal e Brasil – Encontros,
desencontros, reencontros. Cascais: Câmara Municipal, VII Cursos Internacionais, 2001. Ver ainda
Joaquim da Costa Leite. “Emigração portuguesa: a lei e os números”. Análise Social. Lisboa, v. XXIII, n.
97; Portugal and emigration, 1855-1914. Tese de Doutoramento. Nova York: Columbia University,
1994.

6
qualquer maneira ou aliciam emigrantes clandestinos” – foi estabelecido pelo decreto de
27 de setembro 1901. A portaria de 1905 nomeou uma comissão encarregada de
elaborar o regulamento geral de emigração e passaportes. Grande parte dos trabalhos da
comissão foi aproveitada, dando origem à lei de 25 de abril de 1907, a tentativa mais
completa de abordagem do fenômeno migratório português até aquele momento.
Uma primeira análise – cabe destacar a necessidade da pesquisa nos anais do
Parlamento – parece que a lei, ao aumentar substancialmente as despesas de obtenção
do passaporte e suprimi-lo para o destino africano, em termos gerais, representou a
consolidação da opção do governo em tentar desviar para as colônias parte do fluxo
migratório que se dirigia majoritariamente ao Brasil.
Após a proclamação da República, elaborou-se, através de um conjunto de
instruções publicadas em 25 de novembro de 1912, interpretação mais refinada da
definição legal de emigrante apontada na lei de 1907. Reflexo, certamente, da
intensificação da emigração, sobretudo para o Brasil, que, naquele ano, atingia números
inéditos: cerca de 90 mil pessoas.
Segundo as instruções, eram considerados emigrantes: todos os nacionais que
pretendiam embarcar na 3ª classe dos navios; a mulher casada que pretendia embarcar
em 1ª ou 2ª classe dos navios ou nas classes internacionais, desacompanhada do marido,
se não mostrasse que estava legalmente separada de pessoa e bens; os menores que
pretendiam embarcar nas mesmas classes sem o acompanhamento dos pais ou tutores;
os menores de 40 anos sujeitos ao recrutamento ou ao serviço das tropas ativas ou de
reserva; aqueles que pretendiam embarcar em 1ª e 2ª classe com a intenção de
estabelecer residência fixa em países estrangeiros do ultramar23.
Após o final da Primeira Guerra Mundial, o governo português elaborou o
decreto de 10 de maio de 1919. Seu preâmbulo assinalava a competência do governo
para criar mecanismos encaminhamento e proteção da futura corrente migratória,
fazendo com que o país auferisse desse fenômeno social os correspondentes resultados.
O decreto definiu a organização e a competência do Comissariado Geral dos Serviços

23
Instruções de 25 de novembro de 1912. Apud Maria da Conceição M. Pereira; Paula M. dos Santos.
“Legislação sobre emigração para o Brasil na I República” in Nas duas margens. Os portugueses no
Brasil. In Fernando de Sousa; Ismênia Martins; Izilda Matos. Porto: CEPESE; Afrontamento, 2009. p.
310.

7
de Emigração, uma repartição do Ministério do Interior, diretamente subordinada à
Direção Geral de Segurança Pública. Apesar de se reconhecer que a emigração poderia
representar importante fator de desenvolvimento, persistia a antiga tradição de tratar o
problema da saída de portugueses sob a óptica da segurança pública.
***
Em suma, o acompanhamento da legislação, da demografia do fluxo, das
conjunturas nos dois lados do Atlântico e das alterações nas relações Portugal-Brasil
inseridas no contexto do desenvolvimento do capitalismo indica caminho profícuo aos
intentos preliminares desta comunicação, quais sejam, apontar estratégias teóricas e
empíricas para o estudo da presença portuguesa no Brasil ao longo dos séculos XVIII,
XIX e XX que permitam conceituar historicamente as categorias imigração e
colonização.

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