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Tucídides (ca. 460 - ca. 400 a.C.). História da Guerra do Peloponeso I.

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[...] Quanto aos factos da guerra, considerei meu dever relatá-los, não como apurados através de
algum informante casual nem como me parecia provável, mas somente após investigar cada detalhe
com o maior rigor possível, seja no caso de eventos dos quais eu mesmo participei, seja naqueles a
respeito dos quais obtive informações de terceiros. O empenho em apurar os factos se constituiu
numa tarefa laboriosa, pois as testemunhas oculares de vários eventos nem sempre faziam os
mesmos relatos a respeito das mesmas coisas, mas variavam de acordo com suas simpatias por um
lado ou pelo outro, ou de acordo com sua memória. Pode acontecer que a ausência do fabuloso em
minha narrativa pareça menos agradável ao ouvido, mas quem quer que deseje ter uma ideia clara
tanto dos eventos ocorridos quanto daqueles que algum dia voltarão a ocorrer em circunstâncias
idênticas ou semelhantes em consequência de seu conteúdo humano, julgará a minha história útil e
isto me bastará. Na verdade, ela foi feita para ser um património sempre útil, e não uma composição
a ser ouvida apenas no momento da competição por algum prémio.

Tucídides (ca. 460 - ca. 400 a.C.). História da Guerra do Peloponeso II.66

A razão do prestígio de Péricles era o facto de sua autoridade resultar da consideração de que
gozava e de suas qualidades de espírito, além de uma admirável integridade moral; ele podia conter
a multidão sem lhe ameaçar a liberdade, e conduzi-la ao invés de ser conduzido por ela, pois não
recorria à adulação com o intuito de obter a força por meios menos dignos; ao contrário, baseado no
poder que lhe dava a sua alta reputação, era capaz de enfrentar até a cólera popular. Assim, quando
via a multidão injustificadamente confiante e arrogante, suas palavras a tornavam temerosa, e
quando ela lhe parecia irracionalmente amedrontada, conseguia restaurar-lhe a confiança. Dessa
forma Atenas, embora fosse no nome uma democracia, de facto veio a ser governada pelo primeiro
de seus cidadãos. Seus sucessores, todavia, equivalentes uns aos outros mas cada um desejoso de
ser o primeiro, procuravam sempre satisfazer aos caprichos do povo e até lhe entregavam a
condução do governo. Por se tratar de uma grande cidade no comando de todo um império, muitos
erros resultaram dessa atitude, especialmente a expedição à Sicília, cujo fracasso se deveu menos a
um erro na apreciação das forças contra as quais os atenienses iriam combater do que à
incompetência daqueles que a ordenaram; estes, com efeito, ao invés de tomarem medidas
adequadas de apoio às primeiras tropas enviadas, entregaram-se a intrigas pessoais com o objectivo
de obter o comando do povo, e, consequentemente, além de cuidarem das operações militares com
menos energia, pela primeira vez introduziram na cidade a discórdia civil.

Tucídides (ca. 460 - ca. 400 a.C.). História da Guerra do Peloponeso II.47-48

Nos primeiros dias do verão os peloponésios e seus aliados, com dois terços de suas forças como
antes, invadiram a Ática sob o comando de Arquídamos filho de Zeuxídamos, rei dos
lacedernônios, e ocupando posições convenientes passaram a devastar a região. Poucos dias após a
entrada deles na Ática manifestou-se a peste pela primeira vez entre os atenienses. Dizem que ela
apareceu anteriormente em vários lugares (em Lemnos e outras cidades), mas em parte alguma se
tinha lembrança de nada comparável como calamidade ou em termos de destruição de vidas. Nem
os médicos eram capazes de enfrentar a doença, já que de início tinham de tratá-la sem lhe conhecer
a natureza e que a mortalidade entre eles era maior, por estarem mais expostos a ela, nem qualquer
outro recurso humano era da menor valia. As preces feitas nos santuários, ou os apelos aos oráculos
e atitudes semelhantes foram todas inúteis, e afinal a população desistiu delas, vencida pelo flagelo.

Dizem que a doença começou na Etiópia, além do Egipto, e depois desceu para o Egipto e para a
Líbia, alastrando-se pelos outros territórios do Rei. Subitamente ela caiu sobre a cidade de Atenas,
atacando primeiro os habitantes do Pireu, de tal forma que a população local chegou a acusar os
peloponésios de haverem posto veneno em suas cisternas (não havia ainda fontes públicas lá).
Depois atingiu também a cidade alta e a partir daí a mortandade se tornou muito maior. Médicos e
leigos, cada um de acordo com sua opinião pessoal, todos falavam sobre sua origem provável e
apontavam causas que, segundo pensavam, teriam podido produzir um desvio tão grande nas
condições normais de vida; descreverei a maneira de ocorrência da doença, detalhando-lhe os
sintomas, de tal modo que, estudando-os, alguém mais habilitado por seu conhecimento prévio não
deixe de reconhecê-la se algum dia ela voltar a manifestar-se, pois eu mesmo contraí o mal e vi
outros sofrendo dele.

Tucídides (ca. 460 - ca. 400 a.C.). História da Guerra do Peloponeso II.37

“[...] Vivemos sob uma forma de governo que não se baseia nas instituições de nossos vizinhos; ao
contrário, servimos de modelo a alguns ao invés de imitar outros. Seu nome, como tudo depende
não de poucos mas da maioria, é democracia. Nela, enquanto no tocante às leis todos são iguais para
a solução de suas divergências privadas, quando se trata de escolher (se é preciso distinguir em
qualquer sector), não é o facto de pertencer a uma classe, mas o mérito, que dá acesso aos postos
mais honrosos; inversamente, a pobreza não é razão para que alguém, sendo capaz de prestar
serviços à cidade, seja impedido de fazê-lo pela obscuridade de sua condição. Conduzimo-nos
liberalmente em nossa vida pública, e não observamos com uma curiosidade suspicaz a vida privada
de nossos concidadãos, pois não nos ressentimos com nosso vizinho se ele age como lhe apraz, nem
o olhamos com ares de reprovação que, embora inócuos, lhe causariam desgosto. Ao mesmo tempo
que evitamos ofender os outros em nosso convívio privado, em nossa vida pública nos afastamos da
ilegalidade principalmente por causa de um temor reverente, pois somos submissos às autoridades e
às leis, especialmente àquelas promulgadas para socorrer os oprimidos e às que, embora não
escritas, trazem aos transgressores uma desonra visível a todos. [...] Nós, cidadãos atenienses,
decidimos as questões públicas por nós mesmos, ou pelo menos nos esforçamos por compreendê-las
claramente, na crença de que não é o debate que é empecilho à acção, e sim o facto de não se estar
esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da acção. Não necessitamos de um Homero para
cantar nossas glórias, nem de qualquer outro poeta cujos versos poderão talvez deleitar no
momento, mais que verão a sua versão dos factos desacreditada pela realidade. Compelimos todo o
mar e toda a terra a dar passagem à nossa audácia, e em toda parte plantamos monumentos
imorredouros dos males e dos bens que fizemos. Esta, então, é a cidade pela qual estes homens
lutaram e morreram nobremente, considerando seu dever não permitir que ela lhes fosse tomada; é
natural que todos os sobreviventes, portanto, aceitem de bom grado sofrer por ela”. (Discurso de
Péricles)

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