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O Exercício Da Incerteza Slides
O Exercício Da Incerteza Slides
• Publicação: 2022
• Período: Contemporaneidade
• Gênero: Memória / Crônicas
• Temas: Memória, formação médica, ética
médica, saúde pública, realidade
brasileira, desigualdade social, ciência,
educação.
• Livro de memórias dividido em 51 capítulos que podem, também, ser lidos
como crônicas.
• Assim como os temas da memória pessoal dividem espaço com reflexões sobre
o exercício da medicina e própria realidade social brasileira, a linguagem transita
entre o lirismo (principalmente no início do livro), o emprego de termos
técnicos e científicos (de modo muito didático) e a prosa jornalística.
Drauzio Varella nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em medicina pela
USP, trabalhou por vinte anos no Hospital do Câncer. Foi voluntário na Casa de
Detenção de São Paulo (Carandiru) por treze anos e hoje atende na Penitenciária
Feminina da Capital. Seu livro "Estação Carandiru" (1999) ganhou os prêmios Jabuti de
Não-Ficção e Livro do Ano. "Nas Ruas do Brás" recebeu o Prêmio Novos Horizontes, da
Bienal de Bolonha, e Revelação Infantil, da Bienal do Rio de Janeiro.
Drauzio recorda-se do dia em que passou no vestibular. Recebeu do pai, que estava ao
lado da madrasta no quarto, a notícia. Lamentou não poder partilhar o momento apenas
com o pai, que o criara sozinho. Sentiu-se encorajado a pedir um terno de um tecido
especial que o pai ganhara, mas não foi atendido
Não sei quantos minutos fiquei quase sem falar, incapaz de prestar atenção às palavras dela,
que preenchia com planos para o futuro médico os espaços de silêncio que meu pai e eu
deixávamos.
Lamentei não estar a sós com ele, talvez para lembrarmos do que tínhamos vivido juntos até
ali, para continuarmos quietos ou para que eu pudesse abraçá-lo e quebrar o embaraço que
a aproximação física nos causava. Ou para simplesmente lhe dizer muito obrigado por ter
sido ao mesmo tempo pai e mãe para mim, minha irmã mais velha e meu irmão mais novo.
O autor retoma as origens familiares.
O pai, José (Pepe), tinha sido registrado no Brasil, mas nascera na Galícia, história que ficara
oculta por muito tempo, pois trabalhava no DI (Departamento de Identificação), que não
permitia estrangeiros. O avô paterno era o filho mais velho de uma família de camponeses e
veio ao Brasil com a missão de ganhar dinheiro para sustentar a família após a morte do
patriarca. Trabalhou na lavoura do café, fez dinheiro, casou-se, tornou-se empresário e chegou
a voltar para a Espanha para tratar da saúde. Foi obrigado a permanecer na Europa por conta
da Guerra. Foi nesse contexto que nasceu Pepe, o pai de Drauzio.
A Mãe era filha de portugueses. O avô materno viera ao Brasil pelo medo que os pais tinham
que fosse recrutado para o exército colonial português. Aqui, casou-se com uma portuguesa
do Porto.
Os pais de Drauzio casaram-se aos 21 anos de idade e passaram a morar com a família dela. O
primeiro filho do casal morreu pouco depois do parto, feito em casa por insistência da avó
materna de Drauzio. O pai lamenta não ter imposto sua vontade naquela ocasião.
Drauzio foi o segundo de três filhos que vieram a seguir, todos nascidos na maternidade. A
mãe, no entanto começou a ficar debilitada após o terceiro parto e não tinha forças para os
cuidados com a casa e com os filhos. A solução foi entregar o caçula aos cuidados da avó
materna e uma mudança do restante da família para uma casa de cômodos ao lado da
residência dos avós paternos.
O tio Amador, irmão do pai de Drauzio estudava medicina e com acesso a especialistas
conseguiu um diagnóstico para a cunhada: miastenia grave, uma doença autoimune rara. O
único tratamento era uma medicação importada, de difícil aceso no contexto da Segunda
Guerra. O próprio Drauzio dava o remédio para a mãe nos momentos de crise. No princípio, a
medicação aliviava os sintomas, mas aos poucos o organismo se tornou resistente.
Drauzio perdeu a mãe aos 4 anos de idade.
Quando escrevi o livro infantil Nas ruas do Brás, caí num impasse. Como as histórias
que eu estava contando cobriam meus primeiros dez anos de vida, o tempo em que morei
no bairro, o narrador não poderia esconder o fato de ter perdido a mãe aos quatro anos,
mas como fazê-lo sem chocar os pequenos leitores? Também não queria dar a impressão de
tratar o acontecimento com descaso, com superficialidade.
O caminho que encontrei num sábado de chuva, sozinho em casa, foi descrever
exatamente como aconteceu.
Num domingo nublado, o movimento em casa começou mais cedo. Quando acordei,
minha mãe estava sentada na beira da cama, os pés inchados, com uma pilha de travesseiros
no colo, em cima dos quais repousava a cabeça sobre os braços entrelaçados. A respiração
estava mais ofegante e as veias do pescoço saltadas, azuis. No nariz havia um tubo ligado ao
balão de oxigênio. Lembro que tomei café e dei um beijo demorado em seu rosto pálido. Ela
não sorriu dessa vez, apenas voltou os olhos sem luz na direção dos meus. Eu quis ficar
sentado no tapete ao lado dela, mas ninguém deixou.
[...] De repente, o silêncio caiu lá dentro. Sem barulho, cheguei até a porta do quarto
e parei atrás da minha irmã. Entrava uma luz cinzenta pela janela. Todos permaneciam
imóveis em volta da cama. Debruçada sobre a pilha de travesseiros, minha mãe respirava a
intervalos longos. Depois, o braço despencou dos travesseiros, a aliança de casamento caiu
da mão, correu pelo assoalho e fez três voltas antes de parar.
Que força arrebatadora tem a literatura, capaz de nos fazer revelar experiências tão
pessoais, mantidas em segredo por mais de cinquenta anos.
Drauzio conta sobre sua primeira consulta com um pediatra. As crianças da época não
consultavam e não eram vacinadas. Doenças como sarampo e caxumba eram naturalizadas
como “doenças da infância”. O Dr. Issac examinou-o e deu o diagnóstico: “Glomerulonefrite
difusa aguda”.
O tratamento foi um longo período sem ingestão de alimentos ou água, para que os rins
“repousassem”. Drauzio questiona o regime de fome e de sede, baseado nas ideias de um
médico alemão da época, como tratamento para um quadro que poderia ser facilmente
resolvido com penicilina.
O episódio é ponto de partida para uma crítica à medicina que se fazia, até meados do
século XX, baseada em crenças ou na autoridade de algum médico, sem estofo em evidências
científicas.
Da Antiguidade aos anos 1990, passando pela fome e sede com que fui
tratado aos sete anos, a medicina foi praticada com base na experiência e nas
opiniões pessoais de professores e profissionais em posição de destaque,
característica que alguns chamam de “medicina baseada em eminências”. Colocar os
dados científicos no centro das discussões acadêmicas, das condutas e dos
procedimentos provocou uma revolução silenciosa na história da prática médica.
Aurélia, a avó paterna, assumiu os cuidados com Drauzio e sua irmã mais velha,
cumprindo um papel de mãe. Era carinhosa e dava liberdade ao menino, que conheceu
precocemente nas ruas do Brás, nas conversas dos vizinhos, as primeiras noções sobre o sexo.
A perda da avó foi muito sentida. Drauzio já tinha oito anos, mais consciência do que
tivera quando a mãe falecera. Aurélia adoeceu e o menino já podia intuir o que iria acontecer.
A avó morreu de dengue, aos 98 anos. Drauzio chorou abraçado ao pai e depois de ter contido
as emoções por um tempo, desabafou: “o que será de nós?”. O pai responde “Você esquece
que vocês têm pai?”
O pai surpreende Drauzio matriculando-o num colégio religioso. O garoto, com
catorze anos, imaginava que iria seguir na escola em que estava, com suas amizades e
em uma turma com garotas. O pai foi taxativo: não queria ter um filho ateu. Drauzio
realmente tinha uma desconfiança em relação às crenças religiosas desde os 10 anos
de idade.
Na última aula, a professora disse que ao recebermos a hóstia deveríamos levá-la
com a língua ao céu da boca e esperar que ela se dissolvesse. E advertiu: “Não mastiguem, a
hóstia é o corpo de Cristo. No norte da França, um menino que mordeu a hóstia ficou com a
boca cheia de sangue”.
Achei a história muito estranha, mas não tive coragem de testá-la na cerimônia da
primeira comunhão porque meu pai tinha me comprado um terninho de linho branco
que tive medo de manchar de sangue.
Um mês depois, um de meus tios fez bodas de prata. Antes da missa comemorativa,
precisei inventar dois pecados para o padre na confissão, exigência para poder comungar.
Ajoelhado junto ao altar, recebi a comunhão e voltei para o meu lugar. Mordi a hóstia
devagar uma, duas, três vezes. Senti só o gosto da farinha. Disfarçadamente,
levei o indicador à boca. Não havia sinal de sangue. Comecei a duvidar.
As regras de comportamento na nova escola eram diferentes. No vestiário, Drauzio
foi repreendido por um padre por não estar coberto com uma toalha: “cubra essas
vergonhas!”. Foi bom aluno em algumas matérias, mediano em outras.
No cursinho, Drauzio ficou impressionado com o desempenho dos “excedentes”
(aqueles que tinham sido “aprovados” no vestibular, mas não tinham atingido a
média para serem selecionados). Fez amizade com o interiorano João Guerra. Os dois
estudavam juntos. Não conseguiram passar na primeira tentativa e, no ano seguinte,
seguiram um plano de estudos com muita disciplina até a aprovação em medicina na
USP, em 1962. “Foi no cursinho que descobri o prazer de estudar e aprender”.
Drauzio tentava um emprego na Caixa Estadual quando foi surpreendido pelo
colega Di Genio convidando-o para dar aulas no cursinho. Em pouco tempo, os dois
tornaram-se os professores mais populares do “Nove de Julho”. Passaram a formar
grupos de reforço até que surgiu a ideia de formarem turmas de verão (as provas
eram em fevereiro e os cursinhos iam apenas até dezembro). A iniciativa foi um
sucesso. Eram mais de quinhentos alunos formando fila para a matrícula.
O diretor do Nove de Julho, antes apoiador do projeto, passou a vê-lo como
concorrência, exigindo que as aulas fossem dadas nas dependências do cursinho em
troca de um valor de hora/aula. Drauzio argumentou que não fazia sentido abdicar do
valor recebido com as matrículas para ganhar muito menos. Por que o fariam? “Para
ficar bem comigo”, respondeu o patrão. Drauzio retrucou: “para mim não vale a pena”.
Estava surgindo o Curso Objetivo, que em pouco tempo revolucionou o mercado
dos cursos pré-vestibular. Os concorrentes tentaram boicotá-los, mas acabaram
falindo por falta de alunos. Recursos como apostilas e circuito interno de TV foram
grandes inovações, mas, segundo Drauzio, nada supera o quadro negro em termos de
reter a atenção do aluno no professor e no conteúdo, nem mesmo as novas
tecnologias audiovisuais.
Anos mais tarde, Drauzio abdicou do cursinho, passando a viver da medicina,
mesmo consciente de que ganharia bem menos dinheiro. A administração do Objetivo
seguiu sendo conduida por Di Genio, que expandiu os negócios para escolas e
universidade.
No quarto ano da faculdade, Drauzio passou por um estágio na maternidade. A taxa de
natalidade nos anos 60 era alta e o trabalho incessante. O narrador recorda de algumas
experiências marcantes, como um parto que ele realizara dentro de um ônibus e a sensação, com
a criança nos braços, de que ele tinha sido “um enviado do Todo-Poderoso”.
O avesso dessa glória foi a noite em que teve de fazer um procedimento de risco,
improvisando o bombeamento do sangue em uma parturiente que estava tendo uma
hemorragia. Se fosse além do limite, o ar entraria nas veias da paciente, causando uma embolia
fatal e, por isso, era preciso estar atento ao momento exato para interromper a operação.
Ocorreu naquela ocasião um acidente: uma auxiliar de enfermagem e uma obstetriz se
chocaram, deixando cair recipientes com sangue, que se espalhou por todo o local. Não era
possível saber o que de fato tinha acontecido e Drauzio descuidou-se da paciente para socorrer
as colegas, acreditando que estivessem feridas. Quando percebeu que tinha sido uma trapalhada,
voltou correndo à parturiente, tendo quase perdido o momento de interromper o procedimento.
Ao constatar que poderia ter matado uma mãe de quatro filhos, culpou-se a ponto de cogitar
abandonar a faculdade.
Havia um resto de sangue no fundo do frasco. Arranquei a agulha da veia da paciente
sem sequer retirar o esparadrapo que a fixava ao antebraço dela. O sangue que ainda sobrava
no frasco esguichou na minha calça branca e no chão da enfermaria, acompanhado pelo ruído
do ar descomprimindo, idêntico ao de um pneu com a válvula aberta.
Minha boca secou. Precisei sentar para que as pernas parassem de tremer. Um colega
que havia acabado de entrar perguntou por que eu estava tão pálido. A paciente, que a tudo
assistira em silêncio, comentou candidamente: “Coitado do doutor, sujou toda a calça”.
Não me lembro de outro dia em que estive tão perto de chorar numa crise de
desespero.
Não sei como eu teria reagido se aquela mãe de quatro filhos morresse. O acidente com
as mulheres ensanguentadas não me serviria de atenuante. A julgar pela sensação de culpa que
sinto até hoje por esse desfecho quase trágico, acho que não teria conseguido suportar
tamanha carga emocional. Com 22 anos, tive certeza de que abandonaria a faculdade.
O autor observa que as decisões tomadas na medicina têm consequências mais
radicais do que em outras profissões, estando em jogo a própria vida, muitas vezes. Há
certas escolhas cujo efeito benéfico ou prejudicial só será conhecido muito tempo
depois, como no caso da oncologia. Certa vez, ouviu de um professor de cardiologia: “Mil
pacientes curados não servem de consolo para um caso mal encaminhado”.
Drauzio recorda do caso de um menino em que a anestesia parecia não surtir efeito.
Depois de algumas tentativas, o médico percebeu que o frasco da xilocaína vazio tinha
sido reaproveitado para soro antitetânico por alguém (prática condenada em qualquer
manual). O sentimento de culpa persiste até hoje: a expressão de dor do garoto e as
lágrimas silenciosas do pai ficaram na memória .
Outro episódio foi o de uma senhora com um câncer recidivado no lábio inferior. Drauzio
afirmou que o único tratamento para o caso seria a quimioterapia, mas que havia riscos para uma
pessoa debilitada como ela. A decisão da família foi pela quimio, pois o sofrimento dela por não
poder se alimentar ou mesmo dormir bem era insuportável. Em dois dias a lesão regrediu a
ponto de o médico dar alta à paciente. No retorno a família vinha agradecer pelo tratamento: a
mãe ficara feliz por poder fechar a boca e tomar a sopa. Havia falecido de septicemia (infecção
decorrente de uma reação exagerada do sistema imune), mas parara de sofrer. Mesmo assim, o
Dr. Drauzio se pregunta se poderia ter prolongado a vida da paciente, mesmo que contrariando a
vontade dela.
O autor comenta que quando jovem tinha mais “certezas”. A experiência fez com que a
complexidade das escolhas aumentasse e, com isso, a culpa diante de situações com desfecho
desfavorável. “As idiossincrasias e as diferenças fisiológicas entre os organismos introduzem
variáveis que tornam única a enfermidade daquela pessoa diante de nós. Não há certezas na
medicina, lidamos com probabilidades”.
O tempo não me ajudou a lidar melhor com a sensação de culpa; pelo contrário,
tornou-a pior.
No início da carreira, não me faltavam certezas. Acreditava que seria um bom
profissional se acompanhasse a literatura especializada e estudasse para adotar as condutas
recomendadas nos consensos internacionais publicados pelas sociedades médicas. Se, por
acaso, a evolução fosse desfavorável, ficaria livre de críticas e em paz com a consciência;
havia feito o que estava nos livros.
Com a experiência, veio um entendimento mais profundo dos processos patológicos,
das complicações possíveis, da influência da biodiversidade e dos anseios humanos que
interferem na evolução, na variabilidade da resposta terapêutica e nos efeitos indesejáveis
das
drogas e dos procedimentos técnicos. O medicamento que ajuda um prejudica outro com
diagnóstico igual; a cirurgia que cura um senhor de noventa anos com apendicite dá errado
na menina de dezoito anos operada pelo mesmo cirurgião no dia seguinte. As idiossincrasias
e as diferenças fisiológicas entre os organismos introduzem variáveis que tornam única a
enfermidade daquela pessoa diante de nós. Não há certezas na medicina, lidamos com
probabilidades.
Drauzio afirma não saber ao certo se sua escolha pela medicina teve alguma relação
com as perdas da mãe e da avó. Mas afirma que desde criança manifestava interesse
pela profissão. A dúvida surgiu quando teve de escolher a especialidade em que atuaria.
Optou pela saúde preventiva, algo novo no currículo da USP, mesmo em um país com
sérios problemas na área da saúde pública. Não era difícil estar entre os selecionados
para a residência na área, pois a maioria dos colegas buscava especialidades clínicas,
principalmente cirúrgicas. Ao concluir o curso de saúde pública, tendo sido regularizada a
carreira de sanitarista, procurou esse posto e deparou com a dura realidade: o salário
mal daria para pagar seu aluguel. Sentiu-se desorientado.
Fez estágio no Serviço de Psiquiatria por seis meses e constatou que não tinha
atributos para lidar com transtornos psiquiátricos. Frustrado, afastou-se da medicina por
um ano, dedicando-se ainda ao cursinho Objetivo. A roda de intelectuais e jornalistas que
frequentava os mesmos restaurantes falava sobre os problemas do Brasil na época da
ditadura. Em um desses jantares, encontrou Vicente Amato, professor especialista em
infectologia e expôs sua situação. O convite para trabalhar no Hospital do Servidor
Público no setor foi enfático: “Não tem cabimento, você sabe dar aulas. Vem trabalhar
com a gente no Servidor”.
Quando formado, Drauzio deparou com um quadro de saúde pública caótico:
pacientes com esquistossomose, malária, doença de Chagas, filariose, leishmaniose,
tracoma, bócio endêmico, tuberculose e ancilostomose vinham de todos os cantos do
país e lotavam o Hospital de Clínicas. A pediatria era repleta de crianças desnutridas, em
circunstâncias que encontraria cinquenta anos mais tarde em um campo de refugiados
no Líbano. A ignorância, a pobreza e a falta de saneamento básico eram determinantes
para uma expectativa de vida que não chegava aos 50 anos na década de 1960. A
melhora significativa dos indicadores ao longo das últimas décadas, segundo o autor, não
se deve exclusivamente a fatores como vacinas, antibióticos e saneamento básico, mas
também ao aumento progressivo da renda familiar e da escolaridade, à melhorias na
alimentação nas condições de moradia, e às pressões da população por maior
distribuição de renda.
Drauzio constata que os médicos recém-formados acabam sendo treinados no
atendimento aos pobres para ganhar experiência e acesso ao atendimento de pessoas de
maior poder aquisitivo, o que se reflete no descaso com que costumam ser tratados os
pacientes de baixa renda.
“Nos últimos cem anos o esforço conjunto de geneticistas e geólogos confirmou que
os milhões de espécies de seres vivos existentes hoje descendem das poucas que
viveram há mais de 3 bilhões de anos, exatamente como previram os dois biólogos
ingleses anos antes do aparecimento da genética.
Este capítulo conta sobre o episódio em que Drauzio contraiu a febre amarela em uma
expedição pelo Rio Negro.
“Os exames mostravam um quadro de falência hepática aguda de evolução rápida que se
refletia no amarelo dos olhos, na sonolência irresistível, no estado de torpor, no
comprometimento da agilidade cognitiva e no desinteresse por tudo e todos”.
A experiência como médico levava Drauzio a interpretar o comportamento de médicos e
enfermeiras como sinais de que ele estava à beira da morte. Ele próprio entrou começou a
passar por um momento de aceitação.
Cinco dias de internação hospitalar foram suficientes para entender que a visita da indesejada
senhora era precedida por um período de aceitação gradual da sua chegada.
Era como se nada mais o ligasse ao mundo, nem mesmo as pessoas amadas.
No entanto, aos poucos recobrou a consciências e, duas semanas depois, já conseguia se
alimentar. Em casa, muito debiltado, foram mais três semanas de lenta recuperação.
O médico reflete:
“só quando já experimentamos na pele as agruras pelas quais passam nossos doentes
somos capazes de avaliar a extensão do sofrimento
Uma pesquisa feita com médicos de grandes hospitais americanos mostrou que o
tempo dedicado ao paciente está reduzido em média a 30% do total do tempo da
consulta.
Por outro lado, Drauzio não nega os benefícios da internet no sentido de facilitar a
circulação da informação e o acesso ao conhecimento.
Drauzio cita uma passagem da Divina Comédia em que Dante se compadece da sua amada
Beatriz, que havia perdido o pai. Ao chorar por ela, o poeta foi recriminado: “Por que choras, és
um homem”.
Na divisão cultural dos papeis entre homens e mulheres, o médico exalta a força das mulheres,
sempre presentes nos momentos cruciais: no nascimento, na doença e na morte.
As mulheres se submetem a exames de rotina incômodos como mamografias e os homens só
tomam cuidados com a própria saúde quando pressionados por suas companheiras. Não é à
toa que as mulheres brasileiras vivem em média sete anos a mais do que os homens.
As mulheres tendem a ser mais generosas e solidárias. É comum vê-las acompanhando alguém
nas salas de espera e nos hospitais, ao passo que os homens tendem a abandonar suas
companheiras à própria sorte. Na cadeia, o Dr. Drauzio testemunhou casos de mulheres que
passaram décadas visitando seus maridos presos, o que não acontecia com as detentas no
presídio feminino, abandonadas até mesmo pela própria família.
Quase sempre são as mulheres que arcam com a função de “cuidadoras”.
Drauzio cita uma passagem da Divina Comédia em que Dante se compadece da sua amada
Beatriz, que havia perdido o pai. Ao chorar por ela, o poeta foi recriminado: “Por que choras, és
um homem”.
Na divisão cultural dos papeis entre homens e mulheres, o médico exalta a força das mulheres,
sempre presentes nos momentos cruciais: no nascimento, na doença e na morte.
As mulheres se submetem a exames de rotina incômodos como mamografias e os homens só
tomam cuidados com a própria saúde quando pressionados por suas companheiras. Não é à
toa que as mulheres brasileiras vivem em média sete anos a mais do que os homens.
As mulheres tendem a ser mais generosas e solidárias. É comum vê-las acompanhando alguém
nas salas de espera e nos hospitais, ao passo que os homens tendem a abandonar suas
companheiras à própria sorte. Na cadeia, o Dr. Drauzio testemunhou casos de mulheres que
passaram décadas visitando seus maridos presos, o que não acontecia com as detentas no
presídio feminino, abandonadas até mesmo pela própria família.
Quase sempre são as mulheres que arcam com a função de “cuidadoras”.
O Dr. Drauzio fala sobre a importância de analgésicos e anti-inflamatórios no alívio do
sofrimento.
Relembra de um paciente que cometera o suicídio por não suportar o flagelo da dor.
Remonta a evolução dos analgésicos desde o ópio, passando pelo desenvolvimento do AAS, até
as substâncias mais potentes como a morfina.
Ironicamente, refere-se à condescendência com a dor alheia, citando o desprezo de
médicos pela dor das mulheres durante o processo de curetagem nos hospitais públicos ou a
realização de procedimentos como endoscopias sem anestésicos ou biópsias sem sedação sob
o pretexto de que a dor seria suportável.