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Pesquisa em Desenvolvimento Rural Constantemente estudiosos do mundo rural se veem con- frontados com 0 imperioso exercicio da multidisciplina- ridade em suas pesquisas. E latente a necessidade de construir e testar diferentes métodos a partir de fend- menos rurais ou agricolas. Cada vez mais se reconhece a GO Eo ntact ineeo tenet ce OIC iene CO Lathe ee eee teem livro foi pensado para apoiar os estudiosos dos fenéme- CS oe ccc eect eet eet oe CO re Cece aia eee nein on COP peeeer eS Ott eres eee eR eur arg Rerecinn cd Coat Pesquisa em Desenvolvimento Rural corterste Rodomsky Schneider org. © dos autores 1 edigio: 2014 Diretos reservados desea edigio: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Capa: Carla M. Revisio Carlos Luzzatto Batanoli Hallberg Eaitoragso elerdnica: Fernando Piecinini Schmitt Piss egui em deeolvineno rsa aors terior « propoiies metodo- ‘fgea vlume 17 Oraninadors Mateo Antonio Contr, Gi- Theme Faneco Wsou Radon l Sagi Seder Poo Alege Eons ds UFRGS, 2014 320p Hs 16am (ie aor Rt) Indies quo nla la tc, 1 Agi, 2: Dserwohrimens ru ~ Meso de pn Spgs enti 4 oe“ Medaog po tn 3 Ris ples find Inge 6 Boron 1 Conc Mani Ir Rona Colbeme Bancic er hon Sadr Sogo See cov 69119163045001991 CCAP-Brati. Dados Internacionis de Catlogacio na Publiaso. (squeline Tom ISBN 978-85-3 bin ~ Biblioeiria esponsivel CRBLO/979) 86. 0245-3 Sumatio INTRODUCAO ‘Marcelo Antonio Conterat, Guilberme Francs Waterloo Redorsky « Sergio Schneider Parte I: Epistemologia da pesquisa cientifica Capitulo I: ESPAGOS EPISTEMICOS DAS CIENCIAS SOCIAIS NACONTEMPORANEIDADE Jost Carlos Gomes des Anjos Capieulo HI: METODOLOGIA E PRATICA DA PESQUISA INTERDISCIPLINAR EM DESENVOLVIMENTO RURAL Lovois de Andrade Miguel, Tatiana Engel Gerhards, Roberto Verdum, Ftbio de Lima Beck Jlcione Pereira Abmeida, Carles Guilherme Adalberto Mielsz Neto, Marta Julia Marques Lopes, Claude Raynaut e Magda Maria Zanoni Capitulo I ‘METODOLOGIA DE PESQUISA EM ESTUDOS RURAIS: investigando a partir de estudo de caso Egon Rogue Friblich e Clarice Frohlich 0 Etnodesenvolvimento: a insergao da diversidade étnica no debate sobre desenvolvimento Gabriela Coelho-de-Souza Rumi Regina Kubo Etnodesenvolvimento: contexto ¢ histérico Este capitulo tem como objetivo apresentar a perspectiva do etnodesen- volvimento proposta pelos autores Rodolfo Stavenhagen ¢ Bonfil Batalla, na década de 1980, buscando aproximar esta abordagem a0 contexto brasileiro, com énfase nos povos indigenas ¢ populagées tradicionais. O capitulo esté do em duas segdes, a primeira apresenta o etnodesenvolvimento como uma abordagem que se origina de uma critica A abordagem da questio étnica pelas teorias de desenvolvimento, a qual se consolida na década de 1980 na América Latina, Apresenta-se 0 contexto do surgimento do etnodesenvolvi- mento, um breve histérico dos principais eventos e marcos que o estabelecem as principais caracteristicas desta abordagem. A segio seguinte discute a e- lagio de povos indigenas e populagées tradicionais,inscritos em uma cultura diferenciada, com o Estado e com a sociedade. Apresenta-se a condigio destes grupos, a partir da Constituigao Federal de 1988 e da Convengio 169 da OIT de 1989, discutindo-se seu reposicionamento frente 4 nogio de modemnidade. 183 ‘A origem das tensées, que criam as condigdes para o surgimento do cexnodesenvolvimento, estio localizadas historicamente no processo colonial, sendo posteriormente agravadas no contexto de criagio dos Estados Nacio, nos séculos XIX e XX. A partir da implementacio de um sistema internacional, os Estados Nagao passaram a ser reconhecidos como sujeitos de dircito interna- ional. As condigdes para este reconhecimento sio a existéncia de te populagio prépria e um governo efetivo e estivel que garanta @ soberania do Estado Nacio (Mazzuoli, 2009 apud Drebes, 2012). O proceso de constituicio dos Estados Nacio, implementado como 0 principal projeto politico internacional nos séculos XIX ¢ meados do século ‘XX, culminou com a criagéo da Organizagio das Nagées Unidas (ONU), em 1945. Desde o século XIX, foram criados organismos internacionais para a cooperagio em assuntos especificos, como a Unio Telegrifica Internacional, em 1865, a Unio Postal Universal em 1874, ea Liga das Nagdes, em 1919 (ONU, 2013). A Organizagio das Nagées Unidas em seu momento de ctiagio abrigava 51 paises, incluindo o Brasil, tendo como objetivo a manutencio © ‘melhoramento dos niveis de qualidade de vida, a resolucio dos problemas internacionais de ordem econémica, social e cultural ea promogio dos direi- to humanos e das liberdades fundamentais da populagio mundial (Oliveira, 2002). Para a gestéo dessas diretrizes internacionais a ONU criou uma estru- tra que abriga, entre outras, organizagdes espectficas como a Organizagio das Nagées Unidas para a Agricultura e Alimentagio (FAO), a Organizagdo Internacional do Trabalho, a Organizagao Mundial da Satide; programas como ‘0 Programa da Organizacio das Nagées Unidas para o Desenvolvimento © 0 Programa da Organizacio das Nagdes Unidas para o'Meio Ambiente; além do Banco Mundial (Figura 1). Desde 2006, a Organizagéo das Nagoes Unidas abriga 193 Estados Nagio (ONU, 2013), sendo que nos territérios nacionais vivem cerca de trés seis mil etnias dependendo dos critérios para defini-la. Este fato evidencia gue nos estados coexistem varias nagées. Apesar dessa diversidade, 0 projeto de integrasio nacional que esteve em curso juntamente com o projeto de | criagio dos Estados Nagio, objetivou forjar uma identidade homogénea cul- tural cetnicamente, estabelecendo uma relagio desigual entre o grupo étnio | dominante ¢ 0s grupos étnicos minoricirios (que podem, is vezes, constituir ‘maiorias numérica) (Stavenhagen, 1985). "0 Estado no precisa tr um terri completamente defini, pois a ONU tem admitido Estados com quertes de Fonteita, por exemple, Ital (Mzzzuoi, 2009 apud Drebes, 2012), a4 PRUMA ‘ASSEMBLER GERAL Lavo. ‘ony 05 ECOSOC om, TAGENCIAS ESPECIALIZADAS. BANCO MUNDIAL LH Fa0 Toms Figura 1 ~ Exrutura da Onganizagio das Nages Unidas Legends OMC- Organizacio Mundial do Comercio PNUMA ~ Programa das Nagées Unidas pars o Meio Ambiente PNUD ~ Programa das Nages Unidas para o Desenvolvimento ECOSOC ~ Conselho Eeanbmico e Social ds ONU (CDS ~ Comissio bre © Desenvolvimento Sustentvel Organizagio lnernacional do Trabalho FAO — Organiagio das NagSes Unidas para Agiculturae Aliment (OMS ~ Organiagio Mundial da Saide Fonte PNUMAIONU, Processos hist6ricos, socioeconémicos e culturas, respaldados pelas forgas litares e pela construcéo das legislagdes nacionais, garantem a construséo da identidade nacional como reflexo dos interesses dos grupos dominantes (Figura 2). Este processo legitima que o Estado assuma os interesses do grupo dominance como interesses nacionais. Como o Estado € 0 mediador dos inter- ‘esses nacionais perante o sistema internacional ee recebe o apoio das estruturas ‘da Organizacao das Nages Unidas, como a Organizagio Mundial do Comércio ‘eo Banco Interamericano de Reconstrucio e Desenvolvimento, para a consoli- dacio de projetos de desenvolvimento € manutengéo da soberania nacional. Deacotdo com Stavenhagen (1985), este processo tem como consequén- ciaso desenvolvimento regional desigual, na medida em que os grupos émnicos cstejam vivendo em espacos préprios, 0 acesso diferenciado as posigoes de privilégio ou poder, gerando excluséo desses grupos na vida social, econémica € politica do pais, inclusive [..] esta relago desigual, 3s vezes, assume a forma de um colon que nao est restrito aos pases do Terceito Mundo, embora sea ai ele aparece de forma mais aguda (Stavenhagen, 1985, p. 33). 155 Sistome Intemacionat ‘clad Nap Nacionales Identidade nacional Cs S59 S885 SEO Coo oo Figun 2 Hauer do easement da Kenia aa ff ena gaye pra rer Ambico das Estados Nagio Fone hora pes autos. A ideologia nacionalista, que objetivava a formacio da identidade na- cional, foi a mola propulsora para a implantagao de politicas governamentais de assimilacio e incorporagio das culturas indigenas aos Estados Nagio na ‘América Latina. No Brasil, a primeira constituicéo, a Constituigéo do Império do Brasil de 1824, ignorou a existéncia de indigenas no territério nacional (Princes, 2012). Conforme Raymundo (2011), nesse perfodo foi fomentada pelo Estado miscigenasio como um instrumento civilizat6rio capaz de trans- mitir habitos e valores relacionados ao trabalho, tidos como universais, pot meio do contato cotidiano e dos casamentos mistos. Visualizava-se promover ainclusio social, evitando a necessidade de mao de obra escrava, e construir ‘um povo brasileiro homogéneo. Uma das primeiras normativas que se refere & questo indigena no Brasil foi o Cédigo Civil de 1916 que impde aos indigenas o estado de tutela pelo 156 Estado, por consideré-los relativamente incapazes. Corroborando esta relagio de subordinagio ao Estado, o Estatuto do Indio de 1973 apresentava as catego- ras isolados, em vias de integrago c integrados (Brasil, 1973). Atéa Consticuigio Federal de 1988, a sétima constituigao brasileira, os direitos indigenas foram sempre direitos temporitios, devendo deixar de existir conforme estes fossem. sendo “integrados e assimilados comunhio nacional” (Leitio e Arabjo, 2008 apud Prinses, 2012, p. 38). Paralelamente 20 tratamento juridico destinado aos indigenas, 0 pro- cesso de ocupacio do territério brasileiro pela sociedade abrangente, por meio do avanco da fronteira agricola, ampliagio da malha viéria e processos de urbanizacao, caudacirios de um projeto de desenvolvimento baseado no produtivismo crescimento econdmico, levou & sobreposigao entre territérios tradicionais e territérios ocupados pelos interesses nacionais (Little, 2002). Este contflito acitrado na segunda metade do século XX teve como consequéncia © genocidio de etnias indigenas da América do Sul, processo justificado pela ideologia nacionalista De acordo com Stavenhagen (1985), além do genocidio, o etnocidio também foi praticado, este sendo a politica de destruicao da identidade cultural de um grupo étnico, apoiada nas nogies desenvolvimentistas. Apesar do et- nocfdio nao ser considerado um crime, a discussio sobre etnocidio se fortaleceu nna América Latina na década de 1970, fomentando eventos como a Reuniso de Barbados (1971) ¢ a Reuniao de Peritos sobre Etnodesenvolvimento Etnocidio na América Latina, realizada em San José de Costa Rica (1981). Esses movimentos passaram a tensionar o conceito de “desenvolvimento”, conforme Stavenhagen: “Desenvolvimento” significa mudanga, evolugso, crescimento, metamorfose. ‘Mas devemos perguntar: desenvolvimento de onde para onde, ¢ de qué para qué, de pequeno a grande?, de atrasado a adiantado?, de simples complexo?, dejovema velho?, de estitico a dinimico?, de tradicional a modemo?, de pobre Arico? de inferior a superior (Stavenhagen, 1985, p. 12). E neste contexto que 0 eenodesenvolvimento se fortalece como « A teoria do desenvolvimento e & abordagem marxista que nao levaram em conta a questio étnica (Stavenhagen, 1985). Ao mesmo tempo, como reagio ao integracionismo indigena e politicas etnocidas, indo contra a ligica desen- volvimentista, que considerava as sociedades indigenas ¢ tradicionais como obsticulos a0 desenvolvimento (Verdum, 2002). Deacordo com Stavenhagen (1985) 0 ernodesenvolvimento é desenvol- vimento de grupos étnicos no interior de sociedades abrangences, permitindo 187 ‘que 0s mesmos tenham iguais oportunidades de desenvolvimento social, eco némico e cultural dentro da estrucura mais ampla. O ctnodesenvolvimento se ‘expressa na capacidade auténoma de uma sociedade culturalmente diferenciada de guiar o seu préprio desenvolvimento (Batalla, 1995). Para o autor: [J por etnodesenvolvimento se entende o exercicio da capacidade social de lum povo pata construir o seu futuro, aproveitando para isso 0 conhecimento de sua experigncia histrica eos recursos reais e porenciais de sua cultura, de acordo com um projeto quese defina segundo seus proprios valores e aspiragbes; entio, 0 processo de etnodesenvolvimento exige 0 cumprimento de um certo mimero de condigdes erequisitos de diversas ordens, como a politica juridica, econémica e cultural (Batalla, 1995, p. 1) (O etnodesenvolvimento se expressa na relagio do estado e da sociedade ‘com os grupos étnicos, podendo estar presente em diferentes niveis, desde a formulagio da legislaso nacional, a partir da inclusio da diversidade em sua ‘strutura, a0 nivel local, no estabelecimento da relagio dos érgios responsiveis do estado e da sociedade com os grupos étnicos. Nesta perspectiva Stavenhagen (1985) destacou um conjunto de seis caracteristicas da abordagem do et- nodesenvolvimento. Primeiramente, o etnodesenvolvimento esti voltado & criagio de uma estratégia destinada a satisfazer as necessidades fundamentais da populagio, incluindo a diversidade étnica, mais do que ao crescimento ceondmico, No contexto de um pais, isso significa que deve concentrat seus recursos ¢ esforgos para produzir os bens essenciais para suprit as necessidades bisicas dos menos favorccidos, antes de buscar imitar os padres de consumo produgio das nagées industrializadas, ‘A segunda caracteristicaest& centrada em uma visio voltada ao desenvolvi- ‘mento interno do pais, chamada por Stavenhagen de endégena, e nao uma visio ‘externa orientada as exportagdes e importagbes. Segundo o autor, o desenvolvi- ‘mento deve primeiro responder as necessidades do pais, coletiva e socialmente definidas, mais do que 20 sistema internacional. A terociracaracteristca contempla 2 inclusio das tadigoes culeuras existentes no Ambito dos processos sociocco- némicos ¢ culturais, ¢ néo sua rejeicio como obsticulo ao desenvolvimento, ‘como nas primeira reflexdes sobre o desenvolvimento. A quartaéo respeito pelo ‘meio ambiente, priorizando as necessidades internas ea mitigagdo dos impactos ambientais na implantacio de projetos de desenvolvimento € nao aceitando imposigées internacionais. O autor prope que os paises em desenvolvimento pauitem suas necessdades para a cooperacio internacional. A quinta caracterstica enfoca o uso dos recursos locais, sempre que posstvel, quer sejam naturals, récni- 0s ou humanos; ou sea, ela se orienta para a antonomia e sustentabilidade nos niveis loca, regional e nacional. A sexta caracteristica propée a participacio dos grupos étnicos envolvidos em todos os niveis do processo de desenvolvimento: da formulagio de necessidades is erapas de planejamento, exccugaoe avaliago. ‘As caracteristicas delineadas por Stavenhagen para 0 etnodesenvolvi- ‘mento se aproximam da abordagem do ccodesenvolvimento, desenvolvida por Ignacy Sachs, a0 incluir a questio ambiental eo desenvolvimento endégeno € autosustentado, entretanto com a inclusio da diversidade nica. ‘A.segio seguinte iré apresentar 0 conceito de povos ¢ comunidades tradi- cionais, discutindo as implicagées da relacio destes grupos, inscritos em uma culeura diferenciada, com o estado ¢ com a sociedade. Povos indigenas ¢ populacées tradicionais: qual o seu espaco na modemidade? ‘A categoria populagio tradicional foi proposta na década de 1990 pelo antropélogo Antonio Carlos Diegues com base no contexto de mobilizacio do movimento social dos seringueiros que, articulado ao movimento am- bientalista, conquistou a implementagéo de uma nova categoria de unidade de conservagio: a Reserva Extrativista (Diegues, 1994). Esta inova ao incluir grupos étnicos em espagos protegidos e por propor um sistema de gestdo par- ‘icipativo, cabendo ao Estado a regulamentagao da convivéncia dos territérios tradicionais com os tertitorios protegidos. ‘A criagao da categoria populagées tradicionais proposta no Ambiro académico fortaleceu a luta dos movimentos sociais pela demanda por seus tcrritérios, consolidando uma categoria politica cujos desdobramentos “vio desde o reconhecimento da alteridade de determinado grupo até a legitima- fo de sew acesso a determinados territérios” (Dal Forno et al., 2011, p. 19). Embora academicamente a conceituagio de populagio tradicional seja uma tarefa complexa, destacando-se a impossibilidade de defini-la pela adesio & tradigéo pelo fato de envolver a nogéo de uma cultura dinémica (Cunha e ‘Almeida, 2013), politicamente sua definigio ¢ imprescindivel para a del tacio dos grupos beneficidrios das politicas do Ministétio do Meio Ambiente. De acordo com Cunha e Almeida (2013) associar a categoria & produgio de baixo impacto ambiental para depois caracterizé-la como populagoes com priticas sustentiveis é“mera tautologia’. Consideré-las como populagbes sem contato com o mercado seria assumir a excluséo da sua maioria na atualidade, ainda mais diante das politica de inclusio social implementadas desde a década de 2000, Segundo os autores: 89 © que todos exes grupos possiem em comum é 0 ito de que tiveram pelo menos em parte uma histria de baixo impacto ambiental e de que tém no presente intereses em manter ou em recuperar © conle sobre 0 tersitéxio ‘que exploram. E, acima de tudo, estio disposes a uma negociagio em troea ddo controle sobeeo tetitrio (Cunha e Almeida, 2013, p. 1. No Ambito académico a definicio de populagées tradicionais é um tema bastante debatido cujo contetido é objeto de disputas por se remetera campos de conhecimento e de poder (Dal Forno et al., 2011). Do mesmo modo, no mbito do legislativo sio tilizadas diversas categorias que vio sendo modi- ficadas 20 longo do tempo, como populagées tradicionais, utilizada no ano 2000 no Sistema Nacional de Unidades de Conservagio (Brasil, 2000), Povos Indigenas e iibas utilizada em 2004 na Convengio 169 da OFT (OI, 2011) € Povos e Comunidades Tadicionais, utlizada em 2009 na Politica Nacional de Desenvolvimento Sustentivel dos Povos e Comunidades Tradicionais. No Quadro 1 sio apresentadas as definigdes para as categoriascitadas. ‘As principais caracteristicas presentes nas definigées apresentadas nos inscrumentos legas resaltam o fato de serem grupos culcuralmente diferencia dos que possuem conhecimentos, inovagGes e priticas gerados e transmicidos pela tradicio, apresentando formas préprias de organizacio social, econdmica, culeural e politica e que usam territérios e recursos naturais como condigio para a sua reprodugso. Especificamente, os povos indigenas apresentam.uma caracteristica hist6tica distintiva que é o fato de descenderem de populagies que habitavam o atual Estado Nasio no momento do contatoe da colonizagio. Em nome do legado histérico esta caracteristica garante o diteito aos seus ter- sit6rios origindtios, sem a imposicio pelo Estado de que desenvolvam priticas sustentiveis de manejo dos recursos naturais que garantam a conservagao das reas, como & o caso da negociagso que as populagoes tradicionais assumem para 0 acesso a seus territérios. Na América Latina as reivindicagées dos povos indigenas centram-se na garantia aos seus territ6rios, no maior controle dos recursos e/ou maior autonomia local, incluindo alguns casos de autogoverno politico ou inter- dependéncia. No Brasil os quilombolas, assim como os indigenas, estio com seus direitos garantidos pela Consticuigio, mas estéo & espera da titulagio de seus territérios. Quando os grupos é¢nicos nao tem uma base territorial, mas encontram-se dispersos na sociedade mais ampla, as reivindicagées voltam-se ataspectos culturais ou econdmicos, como o reconhecimento desua identidade culcural (Stavenhagen, 1985). No Brasil muitas populag6es tradicionais tran- sitam por esta situagio, bem como pela demanda a seus teritérios € 0 acesso 0s recursos naturais. 160 QUADRO1 (Categorias que se referem aos grupos étnicos presentes nas legislagoes atuais : ‘Instrumento Categorias Definigio pattie Populagées | Suaexisténcla bascia- seem slatemas sustentiveis| Sistema Nacional tradicionals |e exploragio dos recursos naturais, desen-| de Unidades de volvidos ao longo de geragées e adaptados is| Conservacio, Are. condigdes ecoldgicas locaise que desempenham | 20 (Brasil, 2000) tum papel Fundamental na protegio da naturez na manutengio da dversidade biol6gica Fovor Tibais | Apresentam condigGes socials, culturas eco-| Convencio Jn Paises | ndmicas que os distinguem de outros sewores da |? 169 da O1T Independentes |eoletvidade nacional, que estio regidos, otl| sobre Povos ou parcialmente, por seus préprios costumes ou Indigenas ¢ tcadigges ou por leyslaio especial Tibais, Arc 1° (ort, 2011) Povos em Pass | Considerados indigenas pelo faro de descende- | Convengio Independentes |rem de populagées que habitavam o pats ou) 169 da O1T Juma regio geografica pertencente 2o pats nal sobre Povos epoca da conquista ou da colonizagéo ou do} Incigenas € estabelecimento das atuais fronteirasestatais el Tiibais, Art. 1° que, seja qual for sua situacio juridica, conses-| (OFT, 2011) ‘vam todas as suas prépriasinstituig6es sociais,| cconémicas, culturaisepoliticas, ou pate delas| Powose Grupos culturalmente diferenciados, que se| Politica Comunidades. |reconhecem como raise possuem formas pré-| Nacional de Tradicionais | priasde oxganizagéo socal, que ocupam e usam| Desenvolvimento tervitérios e recursos naturais como condigio | Sustenivel para sua reprodusio cultural, socal, religiosa,| dos Povos © ancestral ¢ econdmica, por meio de conheci-| Comunidades ‘mentos, inovagées e priticas gerados e trans-| Tradicionas, mitidos pela tradigio Inciso LAr. 3° (Brasil, 2007) Fonte: Bras (2000 2007) OFF 201, Contudo, ambos, povos indigenas e populacées tradicionais, tém 0 respaldo da Convencio 169 da OIT sobre povos indigenas e tribais para a garantia dos principios do etnodesenvolvimento, propostos por Stavenhagen (1985) c Batalla (1995) na condugio do seu desenvolvimento, conforme 0 Artigo 7°: ae (Os povos interessdos deverio ter odireito de ecolher suas propriasprovidades no que diz respeito 20 proceso de derenvolbimenta, na medida em que ee afete a8 suas vidas, crensas,instituigéese bem-sea spiritual, bem como as eras que ocupam coxtutiizam de alguma forma, ede controlar a medida do possivel, osu prépri de- senvolvimento conémice, sociale cultural. Além disso, esses povos deverio participa a formulacio, aplicgio cavaliagSo dos plano e programas de desenvolvimento nacional e regional susceives de afetélosdiretamente (OTT, 2011, at. 79). No Brasil a Constituigio Federal de 1988 foi o principal marco legal na implementagio das dirtrizes do etnodesenvolvimento, Segundo Santill (2005), a Constituigio lida de forma sistémica a partir dos dispositivos referentes & cul- tura, o meio ambiente, aos povos indigenas e quilombolase 3 fungéo socioam- biental da propriedade permite visualizar os principios da multiculturalidade, plurietnicidade esocioambientais. Entretanto, o Brasil nfo assumiti no texto da Constituigio, de forma literal, acondicio de um pafs multicultural eplurienico, diferentemente da Bolivia que se constitui em um estado unitario social de derecho plurinacional comunitario (Baptista, 2011). De acordo com Batalla (1995): {J acapacidade auténoma dos grupos éenicos, em macrosociedades complexas e plurais, como as que integram a América Latina, s6 pode ser alcancada se estas sociedades (neste caso, os povos indigenas), constituem unidades politicas com possibilidade de autodeterminasio. [..] Allegtimidade dos grupos étnicos como unidades poitico-administrativas diferenciadas se raduz, necessariamente, no reconhecimento juridico de suas ‘propria formas de organizagio internas(Batalla, 1995, p. 478) De acordo com Santilli (2005) a Constituigdo Federal ao definir os direitos indigenas come dircitos coletivos, reconhecer seus direitos culturais, bem como seus direitos & organizacio propria, lancou as bases legais para a construgio de um Estado pluriétnico, que represente o carter multiculcural da sociedade brasileira. Consideragdes ( principal paradigma transcendido apés a Constieuigio Federal de 1988 a Convengéo 169 da OIT sobre povos indigenas e tribais refere-se a {que os povos indigenas e populagées tradicionais deixam de ser parte de um Brasil arcaico, fadado ao desaparecimento e impeditivo do desenvolvimento, para integrarem a modernidade, As crticas travadas por Stavenhagen (1985) Anogio de um desenvolvimento linear, proposto pelas teorias do crescimento a6 econdmico da década de 1940, fundamentam-se na inexisténcia de uma evo- lugéo unilinear de uma sociedade subdesenvolvida a uma desenvolvida, bem como 3 alusio de que nenhum processo evolutivo de nacionalizagio conduz ‘uma multiplicidade de grupos étnicos a uma tinica cultura, Para o autor: io hi motivo para se supor que os Estados Nagio existent (que variam em tamanho e complexidade) sejam, naturalmente, unidades mais vidveis para o desenvolvimento (econ6mico, social, politico, cultural) do que os milhares de {grupos Etnicos estimados no mundo (Stavenhagen, 1985, p. 41). E neste contexto que a partir da diversidade étnica nos Estados Nagao vislumbram-se miltiplos caminhos para o desenvolvimento, assim como “miiltiplas modernidades” (Eisenstadt, 2000). A inclusio da diversidade érnica na estrutura politica, socioecondmica e cultural do Estado Nacio possibilita 0 fortalecimento da identidade nacional como pluriétnica com a contribuicéo das demandas dos diferentes grupos na constituigéo dos interesses nacionais ‘apitaneados pelo Estado (Figura 3). Dessa forma se reconfiguram e ampliam as relagbes dos paises na conformacéo do sistema internacional passando a incluir principios, diretrizes e ag6es pautados pela multiplicidade de interesses dos grupos étnicos, como parte de um processo que se etroalimenta, Cras c Figura 3— Baquema lusuativ da reconfiguragio da telagdo ent sistema incrnacional aiden tidade nacional eo grupos énicas no imbito ds Estados Nai Fe Eltordo poe autor 18 Referéncias BAPTISTA, M. M. 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