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Mikhail Bakhtin Os géneros do discurso Onganizasio, teadugio, posficio e notas Paulo Bezetra Notas da edicio russa Serguei Botcharov editoralll34 lenge Se nossa oragdo figura como enunciado acabado, ela ad- quire o seu sentido pleno em determinadas condig&es concre- tas de comunicagio discursiva. Assim, ela pode ser uma res- posta & pergunta do outro: “Sera que o sol jé saiu?”. (F cla- Fo que em certas circunstancias que justifiquem essa pergun- ta.) Aqui esse enunciado é a afirmagio de um determinado fato, afirmagéo que pode ser verdadeira ou falsa, com a qual podemos concordar ou ndo. Uma oragao, afirmativa em sua forma, torna-se afirmacao real apenas no contexto de um de- terminado enunciado. Quando se analisa semelhante oragao isolada costuma- -se interpreté-la como enunciado acabado em alguma situa- ao simplificada ao extremo: o sol realmente saiu eo falan- te constata: “O sol saiu”; o falante esta vendo que a grama é verde e declara: “A grama é verde”. Semelhantes “comuni- cages” sem sentido costumam ser consideradas francamen- te como casos classicos de uma oragio. Em realidade, porém, toda informagao semelhante dirige-se a alguém, € suscitada Por alguna coisa, tem algum objetivo, ou seja, é um elo real na cadeia da comunicagao discursiva em determinado cam- po da atividade humana ou da vida Como a palavra, a oragao tem conclusibilidade de sig- nificado e conclusibilidade deforma gramatical, mas essa yeti Gonelusibilidade de significado é de indole abstrata e por is- 50 mesmo tao precisa: € 0 acabamento do elemento, mas nto (0 acabamento do conjunto. A oracio como unidade-da lin- 1a, 4. semelhanga-da palavra, fio tem auror(Ela é de mint. @ como a palavra, ¢ s6 funcionado-como um enuncia- pleno dla se torna’expressio da posicdo do falante indivi- dual em uma situacdo concreta de comunicagao discursiva. Isto nos leva a uma nova, a uma terceira peculiaridade do enunciado — a relacio do enunciado com o préprio falante {autor do enunciado) e com outros participantes da comuni- lcagio discarsiva. ‘Todo enunciado é um elo na cadeia da comunicagio dis- CNitecefle ~ tho vv coetm dP Comunscx Mikhail Bakhtin m cursiva. E a posigao ativa do falante nesse ou naquele cam- po do objeto e do sentido. Por isso cada enunciado se carac- teriza, antes de tudo, por certo contetide semantico-objetal. Aescolha dos meios linguisticos e dos géneros de dis. determinada, primeiramente, pelayarefas (pela ideia) do (Geito do discos (ow autor) centradas no objeto e no sent ‘0 primeiro elemento do enunciado que determina as stias peculiaridades estilistico-composicionais. ‘O segundo elemento do enunciad ye determina a composicio e 0 estilo, € 6 elemento expressive isto é, a rela- ‘sao subjetiva emocionalmente valorativa do falante com o contetido do objeto e do sentido do seu enunciado. Nos di- ferentes campos da comunicagao discursiva, o elemento ex- pressivo tem significado vério e grau varo de forca, mas ele ‘existe em toda parte: um enunciado absclutamente neutro é impossivel. A relagio valorativa do falante com o objeto do seu discurso (seja qual for esse objeto) também determina a escolha dos recursos lexicais, gramaticais e composicionais, do enunciado, O estilo individual do enunciado é determina- do sobretudo por seu aspecto expressivo. No campo da est listica, pode-se considerar essa tese universalmente aceita. Al- ‘guns pesquisadores chegam inclusive a reduzir diretamente 0 estilo ao aspecto emocionalmente valorativo do discurso. Pode-se considerar o elemento expressivo do discurso um fenémeno da lingua como sistema? Pode-se falar de as- pecto expressivo das unidades da lingua, isto é, das palavras © oragées? A estas perguntas faz-se necessaria uma resposta categoricamente negativa. A lingua como sistema tem, evi dentemente, um rico arsenal de recursos linguisticos — lexi cais, morfologicos e sintéticos — para exprimir a posicao emocionalmente valorativa do falante, mas todos esses recur- 05 enquanto recursos da lingua sio absolutamente neutros em relacao a qualquer avaliagao real determinada. A palavra “benzinho” — hipocoristica tanto pelo significado do radi- cal quanto pelo sufixo — em si mesma, como unidade da lin- Os géneros do discurso a Bua, € tao neutra quanto a palavra “lonjura”. Fla é apenas tum recurso lingaistico para uma possivel expressio de rela- 40 emocionalrrente valorativa com a realidade, no entanto hao se refere a nenhuma realidade determinada; essa referén- cia, isto é, esse real ju de valor, s6 pode ser realizado pelo falante em seu enunciado concretoCAs palavras nao sio do) (ainguém, em si mesmas nada valorizam, mas podem abaste- ‘ser qualquer falante e os juizos de valor mais diversos e dia. metralmente opostos dos falantes. ‘K oracao enquanto unidade da lingua t amibémm €neutra’) em simesma eno tem aspecto expressivo; la 0 adquire (ou melhor, comunga com ele) unicamente em um enunciado con- ereto. Aqui é possivel a mesma aberragao. Uma oragio co- mo “Ele morreu” pelo visto incorpora uma determinada ex- Pressio, e a incorpora ainda mais uma oragio como “Que alegria!”. Em realidade, nds percebemos ages dessa nature- 2a como enunciados plenos e ainda mais em uma situagao ti- ica, isto é, nume espécie de géneros do discurso dotados de expresso tipica. Enquanto oragdes elas sao desprovidas des- ‘sa expressio, so neutras. Dependendo do contexto do enun- ciado, a oragao “Ele morreu” pode traduzir também uma ex- Pressao positiva, de alegria e até de jibilo. E a oragio “Que alegria!”, no contexto de certo enunciado, pode assumir tom irénico ou amargamente sarcastico. Um dos meios de expressio da relacdo emocionalmen- te valorativa do falante com o objeto da sua fala é a entona- ‘sao expressiva que soa nitidamente na execucao oral.!? A en- tonago expressiva é um trago constitutivo do enunciado.2? '° N6s, evidentemente, a assimilamos como fator esilistco e na lei- ‘ura muda de um discarso escrito. * A entonagao expressiva como pura expressio da avaliagao do énunciado ¢ como seu mais importante raco consttutivo foi minuciosa. mente estudada numa série de trabalhos do autor na segunda metade dos ‘anos 1920. “A entonagio estabelece um vinculo estreito da palavra com 48 Mikhail Bakhtin No sistema da lingua, isto ¢, fora do enunciado, ela nao exis- te. Tanto a palavra quanto a oracio enquante unidades da lingua si dio expressiva. Se uma pa- lavra isolada € pronunciada com entonacao expressiva, ja nao é uma palavra mas um enunciado acabado expresso por uma palavra (no ha nenhum fundamento para desdobré-la em oragdo). Na comunicagao discursiva, existem tipos bas- tante padronizados e muito difundidos de enunciados valo- rativos, isto é, de géneros valorativos de discurso que tradu- zem elogio, aprovacao, éxtase, estimulo, insulto: “Otimo!”, “Bravo!”, “Maravilha!”, “E uma vergonha!”, “Porcaria!”, “Uma besta!”, etc. As palavras que, em determinadas condi. es da vida politico-social adquirem um peso especifico, tor- nam-se enunciados exclamativos expressivos: “Paz!”, “Liber- dade!”, etc. (Trata-se de um género de discurso politico-so- cial especifico.) Em certa situagio a palavra pode adquirir um sentido profundamente expressivo na forma de enunciado exclamativo: “Mar! Mar!” (exclamam dez mil gregos em Xenofonte).2! Em todos esses casos nio estamos diante ce uma pala~ vra isolada como unidade da lingua nem do significado de tal © contexto extraverbal: a entonagio viva parece levar a palavra para os seus préprios limites. [..] A entonacio esta sempre na fronteira do verbal « do nao verbal, do dito e ndo dito. Na entonagao, a palavra contata ime- diatamente com a vida. &é sobretudo na entonagdo que o ialante contata ‘com os ouvintes: a entonagao € socal par excellence” (V. N. Voléchinoy, “A palavra na vida e a palavra na poesia”, Zvieedd, 1926, 6, pp. 252. 3}. Cf, ainda: “E precisamente este ‘tom’ (entonagio) que faz a “mndsica? (sentido geral, significado geral) de todo enunciado, [A stuagio eo res- pectivo pablico determinam, antes de tudo, precisamente a entonagao ¢ ii através dela realizam também a escolha das palayrase a su ordem atra- és da entonagio assimilam o conjunto do enunciado” {V. N. Voldchinow, “A construgio do enunciado”, Literatirnaia Utehisba, n° 3,1930, pp. 77 8).(N. da E.) 31 Xenofonte, Anabasis, Moscou-Leningrado, 1951, . 121 (lvzo IV, cap. 3).(N.da E,) Os géneros do discurso palavra, mas de um/Giiunciado acabado € com um sentido | || Sncerbes sinner. ciadoy/aqui, 0 significado da palavra refere uma realidade concreta em condigdes igualmente reais de comunicacao dis- cutsiva, Por isso, aqui nao s6 compreendemos o significado de dada palavra enquanto palavra da lingua como ocupamos ‘em relagao a ela uma ativa posicdo responsiva — de simpa- tia, acordo ou desacordo, de estimulo para a agio. Desse mo- do, a entonagio expressiva pertence aqui ao enunciado e nao 8 palavra. E ainda assim é muito dificil desistir da conviegao de que cada palavra da lingua tem ou pode ter por si mesma “um tom emocionél”, “um colorido emocional”, “um elemento axiolégico”, uma “auréola estilistica”, etc. e, por conseguin- te, uma entonagio expressiva inerente a ela enquanto pala- vyra. Porque se pode pensar que quando escolhemos as pala- | vras para 0 enunciado é como se nos guidssemos pelo tom emocional proprio de uma palavra isolada: selecionamos I aquelas que pelo tom correspondem a expresso do nosso enunciado e rsjeitamos as outras. E precisamente dessa ma- neira que os poetas representam o seu trabalho com a pala- vvra ¢ € assim mesmo que o estilista (por exemplo, a “expe- rigncia estilistica” de Pechkovski)?3 interpreta esse processo. 22 No liveo Marxismo e filosofia da linguagem, o sentido concrero «do enunciado ¢ determinado terminologicamente com o seu tema: “O te- ‘ma do enunciado no fundo, individual e singular como o préprio enun- ciado. [..] Por significado, diferentemente de tema, entendemos aqueles ‘mesmos momensos do enunciado que sio repetiveiseidénticos emt si em todas as suas repetigdes.[..] O tema do enunciado, em esséncia,€ indi Visivel. © significado do enunciado, a0 contririo, decompie-se em uma | série de significados de elementos da lingua que dele fazem parte” (pp. 101-2). (N. da E.) 23 & expetiénca esilistica, que consiste na *invencdo artificial das ‘variantes estilistcas do texto", é um procedimento metodolégico empre~ srado por A. M. Pechkovski para analisar o discurso fccional (ef. A. M. Mikhail Bakhtin F, apesar de tudo, isso no é assim, Estamos diante de uma aberracio jé conhecida. Quando escolhemos as pala- ‘ras, partimos do conjunto projetado do enunciado™ e esse conjunto que projetamos e criamos é sempre expressivo ¢ é Sle que iain asa expresso (ou elfor a nossa expres- so) a cada palavra que escolhemos por assim dizer, conta- gia essa palavra com a expresso do conjunto. E escolhemos a palavra pelo significado que em si mesmo no é expressivo mas pode ou nao corresponder aos nossos objetivos expres sivos em face de outras palavras, isto é, em face do conjunto do nosso enunciado. O significado neutro da palavra referida ‘a certa realidade concreta em determinadas condigGes reais de comunicagao discursiva gera a centelha da expressio. Ora, & precisamente isto que ocorre no processo de criagio do enunciado. Reiteramos}s6 0 contato do significado linguis- tico com a realidade concreta, 86 0 contato da lingua com a realidade, contato que se da no enunciado, gera a centelha da expressio; esta nao existe nem no sistema da lingua nem na realidade objetiva existente fora de nés. Portanto, a emocao, 0 juizo de valor € expresso so ‘estranhos & palavra da lingua e surgem unicamente no pro- cesso do seu emprego vivo em.um_enunciado concreto. Em si inal eee eee referéncia a rea~ lidade concretalé extraemocionaly Hé palavras que signifi- ‘cam especialmente emogées, juizos de valor: “alegria”, “so- tem de ) Pechkovski, Questoes de metodologia da lingua matera, da lingstica © da estilistica, Moscou-Leningrado, 1930, p. 133).(N da E.) 24 Quando construimos o nosso discurso, sempre trazemos de ante- ‘mio 0 todo do nosso enunciado, na forma tanto de um determinado es- {quema de género quanto de projeto individual de discurso. Nao enfiamos as palavras, nfo vamos de uma palavra a outra, mas ¢ como se completis- Semos a totalidade com as devidas palavras. Enfiamas as palavras apenas tna primeia fase do estudo de uma lingua estrangeini e ainda assim ape~ znas quando usamos uma orientacio metodolégica precsia Os géneros do discurso frimento”, “belo”, “alegre”, “triste”, ete. Mas esses signifi cados também so neutros como todos os demais. O colori- do expressivo s6 se obtém no enunciado, ¢ esse colorido in- depende do significado de tais palavras, isoladamente toma- do de forma abstrata; por exemplo: “Neste momento, qual- ‘quer alegria €apenas amargura para mim” —aqui a palavra “alegria” recede entonacio expressiva, por assim dizer, a des- peito do seu significado. Contudo, o acima exposto esta longe de esgotar a ques- to. Esta € bem mais complexa. Quando escolhemos as pa- lavras no processo de construgdo de um enunciado, nem de onge as tomamos sempre do sistema da lingua em sua forma neutra, lexicogrdfica. Costumamos tiré-las de outros enun- ciados, e antes de tudo de enunciados congéneres com 0 nos- 80, isto é, pelo tema, pela composicao, pelo estilo; consequen- temente, selec \s as palavras segundo a sua especifica- ‘0 do discuirso nao é uma forma da lin- gua, mas urfia forma tipica do enunciado; como tal forma, 0 ‘genero inclui certa expressao tipica que lhe é inerente. No gé- ‘nero a palavra ganha certa expresso tipica. Os géneros cor- respondem a situagdes tipicas da comunicagao discursiva, a temas tipicos, por conseguinte, a alguns contatos tipicos dos significados das palavras com a realidade concreta em cir- ccunstiincias tipicas. Dai a possibilidade de expressdes tipicas, que parecem sobrepor-se as palavras. Essa expressividade ti- pica do género nfo pertence, evidentemente, palavra en- quanto unidade da lingua, no faz parte do seu significado, mas reflere apenas a relagio da palavra e do seu significado com o género, isto é, com Enunciados tipicos) Essa expresso tipica ¢ a entonasao tipica que Ihe corresponde carecem da- quela forga de coercio que tém as formas da lingua. E uma normatividade do género mais livre. Neste exemplo: “Neste momento, qualquer alegria é amargura para mim”, o tom ex- pressivo da palavra “alegria”, determinado pelo contexto, evidentemente nao € tipico dessa palavra. Os géneros do dis- sere hoje 2 J Mikhail Baki ourtala curso, no geral, se prestam de modo bastante fécil a uma rea- centuagao; o triste pode ser transformado em jocoso-alegre, esulta-alguma vumvepitafi Essa expressividade tipica (de género) pode set vista co- mo a “auréola estilistica” da palavra, mas essa auréola nao pertence & palavra da lingua como tal mas ao género em que dada palavra costuma funcionar, €o eco da totalidade do gé- nero que ecoa na palavra. A expressio de género da palavra — e a expressio de género da entonacdo — é impessoal como impessoais si0 03 proprios géneros do discurso (porque estes so uma forma tipica de enunciados individuais mas nao sao os proprios enunciados), Todavia, as palavras podem entrar no nosso discurso a partir de enunciados individuais alheios, manten- do em menor ou maior grau os tons e ecos desses enunciados individuais. As palavras da lingua no so de ninguém, mas ao mes- mo tempo n6s as ouvimos apenas em certos enunciados i dividuais, nds os lemos em determinadas obras individuais, © ai as palavras ja no tém expresso apenas tipica, porém expresso individual externada com maior 01 menor nitidez (em fungao do género), determinada pelo contexto singular- mente individual do enunciado. Os signifi iperificos nents das palaresida lingua asseguram para el ntidade e a compreensio mii) (tua de todos os seus falantes;mas o emprego das palavras na comunicagao discursiva viva sempre é de indole individual- -contextual. Por isso pode-se dizer que qualquer palavra exis te para 0 falante em trés aspectos: como palavra da ae | neutra e ndo pertencente a ninguém; como palavra alheia dos | outros, cheia de ecos de outros enunciados; e, por tiltimo, coy \'mo a minha palavra, porque, uma vez que eu opero com elat | ¢m.uma situagao determinada, com uma Intengao discursiva deter ida da minha expressao ¢ 33 Nos dois aspectos finais, a palavra € expressiva, mas essa expressio, reiteramos, nao pertence & prépria palavra: ela nasce no ponto do contato da palavra com a realidade con- ‘ereta e nas condigdes de uma situagdo real, e esse contato é realizado pelo enunciado individual. Neste caso, a palavra atua como expresso de certa posigao valorativa do homem individual (de alguém dotado de autoridade, do escritor, cien- tista, pai, mae, amigo, mestre, etc.) como abreviatura do enunciado. Em cada época, em cada circulo social, em cada micro- mundo familiar, de amigos e conhecidos, de colegas, em que © homem cresce e vive, sempre existem enunciados investi- dos de autoridade que dao o tom, como as obras de arte, cién- cia, jornalismo politico, nas quais as pessoas se baseiam, as quais elas citzm, imitam, seguem. Em cada época, e em to- dos os campos da vida e da atividade, existem determinadas tradicdes, expressas ¢ conservadas em roupagens verbaliza- das: em obras, enunciados, sentengas, etc. Sempre existem es- sas ou aquelas ideias determinantes dos “senhores do pensa- mento” de uma época verbalmente expressas, algumas tare- fas fundamen:ais, lemas, etc. J nem falo dos modelos dle an- tologias escolares nos quais as criancas aprendem a lingua ‘materna e que, evidentemente, sao sempre expressivos. Eis por que a experiéncia discursiva individual de qual- quer pessoa se forma e se desenvolve em uma interacao cons- tante e continua com os enunciados individuais dos outros. Em certo sentido, essa experiéncia pode ser caracterizada co- ‘mo processo de assimilacao — mais ou menos criador —das_ palavras do outro (e nao das palavras da lingua). Nosso dis- “CuFSO, isto €, zodos os nossos enunciados (inclusive as obras, criadas) ¢ pleno de palavras dos outros, de um grau vario de alteridade ou de assimilabilidade, de um grau vario de aper- ceptibilidade ¢ de relevancia. Essas palavras dos outros tra- ‘zem consigo a sua expresso, 0 seu tom valorativo que assi- |. milamos, reelaboramos, e reacentuamos. Aslanis Ao mae *, ith Baka Desse modo, a expressividade de determinadas palavras no é uma propriedade da propria palavra como unidade da lingua e nao decorre imediatamente do significado dessa pa- lavras; essa expresso ou é uma expressio tipica de género, ou um eco de uma expressio individual alheia, que torna a palavra uma espécie de representante da plenitude do enun- ciado do outro como posigao valorativa determinada. ‘© mesmo cabe dizer também da oragae)enquanto uni- dade da lingua: ela também career deeepresividads S80 ns ja afirmamos no inicio desta ‘apenas com- pletar brevemente 0 que foi dito. Acontece que 0s tipos exis tentes de oraces costumam funcionar como enunciados ple- nos de detetminados tipos de género. Assim so as oragées cexclamativas, interrogativas e exortativas. Existe um nime- ro muito grande de géneros centrados no cotidiano e espe- ciais (por exemplo, géneros de ordens militares e de produ- G0), que, em regra, sio expressos por uma oragao de tipo correspondente. Por outro lado, as orages desse tipo se en- contram de modo relativamente raro no contexto de subor- dinagio dos enunciados desenvolvidos. Quando expressdes desse tipo [entram] no contexto desenvolvido de subordina- ‘do, destacam-se com certa nitidez de sua composicéo e, em regra, procurando ser ou a primeira ou a titima oragio do enunciado (ou da parte relativamente autéaoma do enun- ciado).28 Esses tipos de oragdes apresentam um interesse es- pecial no corte do nosso problema e ainda veltaremos a elas. ‘Aqui nos importa apenas observar que as oracGes desse tipo se fundem muito solidamente com sua expressiio de género, assim como absorvem com especial facilidade a expressao in- 25 A primeira ea dlkima oragio de um enunciadotém, em geral, uma nnatureza original, certa qualidade complementat. Porque se trata, por as: sim dizer, de oragbes da “linha de frente”, que se encoreram imediatamen- teem plena linha de alternancia dos sueitos do discus. Os géneros do discurso 55 dividual. Essas oragdes em muito contribuiram para conso- lidar a ilusao sobre a natureza expressiva da oracao. ‘Mais uma observagao. A oracio enquanto unidade da lingua tem uma entonacao gramatical especifica e nao uma entonagio expressiva. Situam-se entre as entonagdes grama- ticais especificas: a entonagao de acabamento, a explicativa, a disjuntiva, a enumerativa, etc. Cabe um papel especial & en- tonagao narrativa, a interrogativa, 4 exclamativa ea exorta- tiva: aqui se cruza de certo modo a entonag4o gramatical com a entonacio de género (mas no com a expressiva no senti- do preciso do rermo). A oragao s6 ganha entonagao expres- siva no conjunto do enunciado. Ao apresentar um exemplo | de uma oragic com o fito de analisé-la, costumamos abaste- ciado acabado (se tiramos a oracao de um texto determina- do nés a entonamos, evidentemente, segundo a expresso de dado texto). Pois bem, o elemento expressivo é uma peculiaridade }

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