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Copyright © 2023 Natália Tilcailo

Rendido
1ª edição
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser
reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou
mecânicos, sem consentimento e autorização por escrito do
autor/editor.
Capa: G.B Design Editorial
Revisão: Stephany C. Gomes
Leitura Sensível: Marília M. Bezerra
Diagramação: Nathalia Santos e Jullyanne Aquino
Ilustração 1: Gabriela Góis Santos @olhosdtinta
Ilustração 2: Nia Oliveira @niaoliveirart

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor.
Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.
Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob
quaisquer meios existentes - tangíveis ou intangíveis - sem prévia
autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na Lei nº. 9.610/98, punido pelo artigo 184 do código
penal.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA


LÍNGUA PORTUGUESA.
Sinopse
Notas da autora
Avisos e Gatilhos

Playlist
Epógrafe
Prólogo
1. Café
2. Jornal
3. Amizade
4. Radiante
5. Exultante
6. Sopa
7. Consciência
8. Esteban
9. Dardos
10. Culpa
11. Honestidade
12. Bloquinho
13. Peste
14. Risada
15. Strike
16. Terno
17. Discurso
18. Fisgada
19. Guarda-roupa
20. Xadrez
21. Domínio
22. Arisca
23. Cama
24. Salvadora
25. Biquíni
26. Vergonha
27. Experiência
28. Anitta
29. Espera
30. Condenado
31. Fama
32. Gatridão
33. Chuva
34. Despedida
35. Estrelas
36. Casamento
37. Borboletas
38. Vídeo
39.Pintinha
40. Passado
41. Casa
42. Rendido
Epílogo

Bônus
Agradecimentos
“Em uma outra realidade, numa em que eu não tivesse tantos
poréns e muito mais possibilidades, eu realmente daria uma chance
a ele. A minha realidade é muito mais dolorosa, difícil e cheia de
arrependimentos. Não preciso de mais um para a lista.”
Penélope tem 27 anos e já passou por muita coisa. Perdeu o
pai quando ainda era criança e cresceu determinada a sustentar a
própria família. Depois de ser traída pelo noivo, ela está decidida a
não se envolver com alguém tão cedo.
Arthur é um CEO reconhecido, bilionário, bonito e
mulherengo. Aos 32 anos, é dono de um dos melhores jornais
econômicos do país, que abriu e gerenciou sozinho. Conhecido
como “O Herdeiro Galinha”, nunca teve nada além de
relacionamentos casuais e está decidido a permanecer desse jeito.
Os dois têm algo em comum: eles se detestam.
Entretanto, quando seus amigos se envolvem, a vida os
obriga a conviverem juntos, mesmo que isso seja a última coisa que
queiram.
Um bar, um surto, um momento de fraqueza, e os dois acabam
fingindo um namoro. O problema, é que essa farsa durará mais
tempo do que eles imaginaram.
Agora, duas pessoas que não se suportam, terão que
embarcar em um namoro falso para conseguirem alcançar seus
objetivos.
O que eles não contavam era com a química forte e a atração
avassaladora que sentem um pelo outro.
Ela o acha insuportável.
Ele a acha irritante.
Ela o odeia.
Ele a odeia.
Ela, talvez, o ache bonito.
Ele, talvez, a ache atraente.
O que acontecerá quando a farsa parecer real demais, e o
coração se tornar rendido?
Olá, seja bem-vindo (de volta, ou não) ao universo da minha
cabeça.
Primeiramente, gostaria de agradecer por escolher “Rendido”
para ler, mesmo que haja inúmeras opções por aí.
Arthur e Penélope são dois personagens derivados do meu
primeiro livro, “Regenerado”, e “Rendido” é o segundo livro da
trilogia “Recomeços”. É uma história que acontece logo após os
acontecimentos do primeiro livro e é totalmente independente.
Porém, recomendo que, após conhecê-los (ou até mesmo
antes), leia o primeiro livro e o conto derivado deste mesmo
universo, e conheça a história de amor de alguns personagens
secundários que você conhecerá neste livro. Prometo muitas
risadas, lágrimas e suspiros.
Adoro o fato de poder dizer a vocês que esse livro foi
totalmente diferente do que eu achei que fosse ser.
Arthur e Penélope são personagens que sempre estiveram
presentes, desde quando eu sonhei com o meu primeiro livro. Eles
estavam lá, estavam destinados um ao outro.
Eu não imaginava que o desenrolar da história deles fosse
ser dessa forma, mas o que eu sempre soube é que haveria um
atrito entre eles. Conhecê-los no primeiro livro foi legal, entretanto
quando sentei pra escrever e os conheci de verdade, eu me
apaixonei.
Amo o fato de entender que as pessoas são mais profundas
do que deixam transparecer e que é sempre muito fácil julgar o
outro. Falo isso por Arthur, que parecia ser apenas um cafajeste que
gosta de pegar todo mundo, e por Penélope, que parecia centrada
demais, focada demais e amargurada demais.
Eu, como uma boa psicóloga que sou, sabia que ambos
tinham muito mais para mostrar do que deixavam transparecer.
Arthur me encantou de um jeito que eu não esperava, e Penélope
me deu tanto, que eu nem estava preparada.
Eles me fizeram rir, me fizeram suspirar, me fizeram gritar e
me fizeram chorar. Eu chorei muito. E o livro nem é tão dramático.
Mas quando você se dispõe a estar aberto à dor e à tristeza do
outro, você se permite sentir e compreendê-lo.
E é isso o que eu proponho. Que deixe que esses
personagens mostrem a você o que eles são de verdade e, mesmo
que não concorde com algumas de suas atitudes, saibam que eles
são humanos. Fictícios ou não, são tão sujeitos a erros quanto você.
Um dos assuntos que eu me senti honrada em abordar neste
livro foi a doença chamada Artrite Reumatoide. Além de todas as
pesquisas que eu fiz, conversei diretamente com uma pessoa que
luta contra a doença. Portanto, caso encontre algo incongruente
com a sua ou a realidade de uma pessoa que você conheça, saiba
que as informações são particularmente de alguém e que não
precisa necessariamente ser a realidade de todos. Espero que
tenha a mente aberta para receber alguns assuntos aqui abordados
e espero, de coração, que tenha tratado desse, da melhor forma
possível.
Sempre bom lembrar de considerar a Licença Poética, mas
que esta autora realizou inúmeras pesquisas para que pudesse
tratar de tudo o mais condizente possível com a realidade.
Por fim, minha torcida é para que se divirta pra caramba com
eles. Se você gosta de um bom clichê, com as frases mais surtáveis
de todas, com uma generosa pitada de erotismo e uma pequena
pitada de drama, você está lendo o livro certo.
Penny e Arth me mostraram que uma história de amor pode
começar a ser escrita em meio à mágoa e ao rancor, mas que pode
se transformar em algo genuíno e gigantesco. Você só precisa se
permitir.
Espero que você se permita e se renda, tanto quanto eu. Boa
aventura.

Ps.: meus livros possuem APENAS o prólogo e o epílogo narrados


em terceira pessoa. Porém, o resto do livro é narrado em PRIMEIRA
PESSOA. Por favor, não parem a leitura e apenas sintam a
experiência diferente!
Este livro possui gatilhos para pessoas sensíveis aos temas:
Luto, perda, agressão física, crise de pânico, aborto
espontâneo.
Este livro possui conteúdo para maiores de dezoito anos,
contendo linguagem vulgar e de baixo calão, cenas de sexo –
explícito e sem camisinha – e consumo de bebidas alcoólicas.
Caso não se sinta confortável com alguns destes temas, por
favor, se preserve e pare a leitura imediatamente.

Seja responsável e se cuide.


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Rendido
Para todas as deusas que batalharam para alcançar o sucesso e
para aquelas que ainda estão a caminho dele.
O mundo é de vocês. Faça-o sangrar!
“É uma linha tênue entre todo esse amor e ódio (ok)
E se você mudar de opinião
Você vai ter que reivindicar seu lugar (ok)
Então, querido, desta vez
Você vai ter que decidir de uma vez por todas (ok)
Sim, querido, desta vez
Você vai ter que decidir de uma vez por todas”
Hate Me
Ellie Goulding feat. Juice WRLD
Penélope não aguentava mais ouvir gente chorando. As
horas pareciam passar tão devagar, que a sua empatia pelas
pessoas que lamentavam pela vida perdida que jazia naquele
caixão, acabara horas atrás.
Não que ela não esteja triste, pois seu coração está apertado,
de tanta dor.
Afinal, Penélope acabara de perder o pai.
Aos de oito anos de idade, sabia exatamente o que a morte
significava. Uma pessoa simplesmente deixava de existir.
Não haveria mais conversas engraçadas com ele, onde sua
barriga doeria de tanto rir.
Não haveria mais histórias para dormir, onde ouviria sobre
deuses e guerreiros que conquistaram reinos.
Não haveria mais jantares à mesa, onde ela assistiria seus
pais compartilharem os eventos do dia a dia e se olharem de forma
apaixonada.
Não haveria mais seu protetor, quando sua mãe brigasse
com ela, e o pai a defendesse, dizendo que era apenas uma
criança.
Não haveria mais abraços, nem beijos, nem carinho.
A morte tirava tudo o que você tinha e tudo o que poderia ter.
Ela te tirava a felicidade e também um futuro.
Ela arrancava uma parte do seu coração, que demoraria para
se recompor.
Penélope sabia disso.
Penélope chorou, horas a fio, por saber de tudo isso.
Porém, ela já não chora mais.
Agora, olhando os rostos desolados das pessoas ao redor do
caixão do pai, a menina compreende que talvez, o seu momento de
chorar já tenha passado.
A notícia veio quando estava na escola. Ela estava muito feliz
por ter conquistado uma nova amiga, depois de muito tempo
tentando, e odiara ter sido obrigada a ir para casa, com medo de
fazer alguma coisa que fizesse a nova amiga se afastar.
Diana já é sua melhor amiga. Mesmo que a amiga não tenha
dito isso ainda e mesmo que não sorrisse com tanta frequência
quando está junto de Penélope.
A garota não liga para isso.
Havia conseguido a amizade daquela menina que nunca
estava com ninguém e ficava sozinha no recreio, e simplesmente
detestara ter que sair antes do fim da aula.
Mas não teve jeito.
Quando foi uma tia sua que a buscara, e não seus pais, a
criança soube que alguma coisa muito ruim tinha acontecido. Seus
pais jamais pediriam para que algum outro parente a tirasse da
escola, no meio da aula, quando eles mesmos poderiam fazer isso.
E, ao chegar em casa, sentiu um peso esmagador no peito
ao se deparar com a mãe aos prantos, sendo amparada por uma
vizinha.
Sua mãe é alegre, carinhosa e muito gentil. Mesmo que
muitos dias sejam repletos de dor, a filha vira a mãe chorar
pouquíssimas vezes.
No entanto, nenhum choro foi como aquele. Nenhuma dor,
mesmo as cruéis dores físicas, que a mulher sempre sente, parecia
chegar perto da dor que Penélope vira sua mãe sentir.
Era dor no coração.
Daquelas que seu pai um dia lhe contara que as pessoas
sentiam e que poucas conseguiam se livrar.
Foi assim que a criança se juntou à mãe.
Foi assim que descobrira que o pai havia tido dores de
cabeça, desmaiado e nunca mais acordaria.
Foi assim que Penélope traçou a primeira meta de sua vida.
Neste momento, seus olhos desviam do corpo sem vida
deitado no caixão e vão até o seu lado. Sua mãe, ainda com
lágrimas nos olhos, olha para o nada. Segurando uma pequena
criança de cachos dourados espalhados pela cabeça, que dorme,
alheia ao incessante derramamento de lágrimas do velório de seu
pai, as bochechas da mãe permanecem úmidas.
Penélope fica ali, olhando para as duas pessoas que mais
ama na vida, se lembrando da maior preocupação da mãe, quando
descobrira sobre a morte do esposo.
Dinheiro.
A doença de sua mãe a limitava, sendo que trabalhava como
faxineira para uma creche perto de casa algumas vezes, e a renda
principal vinha do pai.
Bom… Ele se foi, e alguma coisa tem que ser feita.
Não daria para descansar, enquanto sua mãe criasse uma
filha de oito anos, e outra de apenas quatro, e ainda lidasse com a
própria doença. Penélope não aceitaria ver a mãe preocupada se
teria comida na mesa e energia elétrica na casa. Ou pior, a mulher
ter que trabalhar muito mais do que pode, apenas para garantir o
melhor para as filhas.
Não.
Isso, nunca.
E então a criança se pôs de pé, lentamente, voltando a
encarar o caixote preto à sua frente. Abrindo passagem por entre as
pessoas, alcança a beirada do caixão e olha para dentro.
As duas filhas herdaram os cabelos loiros claros do pai. Ele
fora um mecânico, que trabalhava até tarde da noite e vivia com os
dedos permanentemente sujos de graxa. Vê-lo usando terno e
gravata era, no mínimo, estranho.
Ele odiaria e reclamaria que a gravata está o apertando…
E assim ela sorri, depois de muitas horas sem fazê-lo.
Penélope sorri para o pai, mesmo que a tristeza não tenha a
abandonado. Estendendo o braço, segura a mão, fria e morta, do
homem que a amou até o último suspiro. Um burburinho se faz ao
redor, mas ela não liga.
Ela está se despedindo.
– Obrigada por tudo, papai. – Sua voz sussurrada, embarga,
entretanto não permite o choro vir. – Obrigada por cuidar de todas
nós. Eu assumo daqui.
Dando um último aperto na mão e olhando pela última vez
para o rosto pálido, porém bonito, do pai, Penélope se afasta.
Ela se vira para a mãe, que finalmente foca em seus olhos, e
sorri. A mãe tenta sorrir de volta.
A criança então acaricia o braço da mulher e se inclina para
depositar um beijo na testa da irmã mais nova, ainda dormindo no
colo da mãe.
– Não se preocupe, mamãe. Eu vou cuidar de vocês. – Os
olhos da mulher se enchem de água, mas Penélope não permanece
ali para assistir as lágrimas caindo.
Ela dá as costas e sai pelas portas da frente, em direção aos
bancos do lado de fora do velório.
Ignorando os olhares curiosos, ignorando o fato de ter
apenas oito anos e ignorando a própria dor, Penélope se sentou
naquele banco frio e jurou que cuidaria dos seus.
Mesmo que a vida voltasse a tirar dela o que mais amava, ela
cumpriria sua promessa.
Cuidaria dos que ficassem.
Cuidaria dos que permanecessem.
“ As noivas:
Thays Luarte e Larissa Mariano,
te convidam para a celebração do casamento. A
comemoração durará sete dias, começando a partir do dia
07/08/2022, e a oficialização do matrimônio ocorrerá no dia
13/08/2022.
A família Mariano terá o prazer de recebê-la em sua
residência, localizada em Brotas-SP, onde serão realizadas
atividades e festividades, com o único intuito de celebrar o
amor!
Aguardamos sua confirmação até dia 25/06/2022.
Com amor, Tha e Lari.”

Eu deveria estar feliz. Deveria estar gritando, para quem


pudesse ouvir, sobre o convite incrível que acabei de receber das
minhas duas amigas. Deveria começar a pensar no vestido
magnífico que irei usar, no penteado maravilhoso que irei fazer, na
maquiagem perfeita que usarei, e em todos os milhares de detalhes
que a gente pensa quando temos um casamento pra ir.
Contudo, a última coisa que estou sentindo é felicidade.
Não pelas minhas amigas, tão apaixonadas que chegam a
me dar nojo, mas sim por essa patifaria de comemoração, que
durará sete dias.
Sete dias!
A porcaria de uma semana inteira de pura tortura.
Tortura, não pela união que estará acontecendo e servindo de
lembrete de que não sou mais uma mulher prestes a me casar.
Também não é pela multidão que eu sei que terá lá, sabendo de
toda a influência e popularidade que a família Mariano tem na
cidade. Nem ao menos é por conta dos dias em que ficarei longe do
trabalho, a horas de distância.
Solto uma risada de escárnio, enquanto dobro a esquina em
uma velocidade não muito recomendada para esse tipo de via,
chegando na minha cafeteria.
Antes fosse por isso.
O motivo de eu estar puta da vida, apertando o volante do
meu carro e dirigindo o mais rápido que o trânsito de Campinas me
permite, é outro, muito pior do que qualquer coisa que eu poderia
imaginar.
Finalmente estaciono na vaga destinada exclusivamente a
mim, dona do estabelecimento, e saio apressada, levando comigo
minha mochila, com tudo o que eu preciso.
Caminho a passos largos em direção às portas, o letreiro
acima delas servindo para me lembrar de tudo o que eu conquistei
durante minha vida.
Café da Penny.
Meu trabalho, minha conquista, meu único e verdadeiro amor.
Me esforço ao máximo para sorrir para os clientes, conforme
atravesso porta a dentro, porém minha equipe me conhece. Assim
que veem minha cara nada acolhedora, arregalam os olhos e se
apressam para comunicar a quem estiver na cozinha, tudo aquilo
que eu preciso, sem ao menos pedir.
Respiro fundo e continuo caminhando até encontrar meu
lugar preferido dentro da maior loja que tenho na cidade.
Graças a Deus está vazio.
Deixo minha mochila na cadeira ao lado e me sento na outra.
Poderia guardá-la em minha sala, entretanto não estou a fim de
perder tempo. Não ouso fazer nada.
Não abro o convite de novo, não mexo no celular, nem olho
minha agenda, conferindo as próximas tarefas que terei no dia.
Apenas aguardo o que preciso.
– Bom dia, dona Penélope. Aqui está seu café e seu donut de
chocolate com granulado colorido. – Maria, uma das garçonetes,
deixa tudo em cima da minha mesa. – Se precisar de mais alguma
coisa, é só me chamar.
Vejo-a sorrir discretamente e se afastar depressa.
Seguro minha generosa xícara de café na mão e a levo até a
altura do meu nariz. Fechando os olhos, inspiro profundamente o
cheiro de cafeína, fazendo a fumaça se espalhar pelo meu rosto.
Assopro e durante esses segundos, não ouço nada ao meu
redor. Apenas absorvo o momento, fazendo uma das coisas que
mais amo em toda a minha vida.
Tomar café.
E, levando em consideração o estresse que já me apossou
logo numa manhã de segunda-feira, é a única coisa que poderia me
acalmar agora.
Após assoprar mais algumas vezes, enfim levo o líquido até
minha boca. Mesmo estando quente, bebo um gole generoso,
apreciando o gosto de café, com uma colher de açúcar, canela e
uma gota, quase que imperceptível, de baunilha.
É o café mais popular em todos os meus estabelecimentos, e
uma receita da minha mãe.
A bebida quente desce por minha garganta, e se não
estivesse tão acostumada com isso, teria me queimado. No entanto,
não é o que acontece. Continuo bebendo, sentindo aquela pontada
de dor de cabeça, que estava querendo nascer, ir embora, e meu
corpo todo se aquecer.
É impossível permanecer de mau humor com essa bebida
divina, principalmente quando vem acompanhada do meu segundo
maior vício: chocolate.
Normalmente, eu como algo muito mais leve no café da
manhã, pois eu faço questão de manter uma dieta balanceada
sempre que possível, contudo, situações desesperadoras, requerem
medidas desesperadas.
– Prometo que vou queimar tudo na academia mais tarde –
sussurro para mim mesma, já que nenhum funcionário ousa se
aproximar enquanto faço meu ritual.
Amo que minha equipe me conhece tão bem quanto eu a
conheço.
Abaixo minha xícara e seguro a bomba calórica e deliciosa
entre meus dedos. Os granulados coloridos dão um charme a mais,
além de deixarem tudo muito mais saboroso. Abro a boca e mordo
um pedaço tão grande, que provavelmente faria aquelas pessoas
que dão dicas de etiqueta, chorarem.
Mais uma explosão de sabores, minhas papilas gustativas
sendo agraciadas.
Respiro fundo e relaxo na cadeira.
Continuo sozinha, apreciando meu café da manhã,
tranquilizando a inquietação que nasceu no meu peito.
A receita do café da minha mãe foi o que me deu a ideia de
abrir meu próprio negócio, quando eu ainda era muito nova e estava
bem longe de conseguir abrir minha primeira loja.
Minha mãe sempre gostou de inovar na cozinha, e meu pai
era o maior fã das loucuras que ela fazia. Se não fosse por sua
doença, provavelmente seria minha mãe a chefe de um lugar como
este, e não eu.
Com exceção, é claro, de que ela mesma faria muitas das
receitas.
Eu até sei cozinhar, mas meu negócio mesmo é administrar.
E o meu talento para isso me rendeu muitas pessoas incríveis ao
meu lado, que já trabalharam ou ainda estão trabalhando comigo,
depois de anos.
Isso me faz olhar em direção à mochila ao meu lado.
Solto um suspiro pesado, tendo finalmente acabado de comer
tudo e estico minha mão. Abro o zíper da frente e puxo de lá o papel
fosco e lilás que contém as palavras que tanto mexeram comigo.
Como eu gostaria de simplesmente não ir…
Só que essa situação não tem nada de simples.
O problema não é o que acontecerá nesses sete dias de
festa, mas sim, quem estará lá durante esse tempo.
Sinto tudo.
Raiva, repulsa, tristeza, ansiedade, agonia. Tudo.
Pensar que serei obrigada a vê-lo praticamente todos os dias
e fingir que nada aconteceu, vai ser, com certeza, a tarefa mais
difícil da minha vida.
Demitir uma pessoa por má conduta? Tranquilo.
Discutir com entregadores que danificam meus produtos?
Fichinha.
Calcular e coordenar uma das maiores franquias de
cafeterias do estado? Tiro de letra.
Agora… Passar sete dias ao lado dele?
Um inferno na Terra.
– Dona Penélope? – Ouço a voz cautelosa de um dos meus
funcionários e me viro para ele.
– Bom dia, Seu Fernando. – Sorrio, deixando de lado a
angústia que esmaga meu peito.
Vejo seus ombros relaxarem e ele sorrir levemente. Acho que
minha cara estava muito pior do que eu imaginava, quando cheguei.
– Não querendo atrapalhar seu café da manhã, mas a
senhora me pediu para te avisar quando aquele fornecedor entrasse
em contato. – Ouço e já me levanto. – Ele disse que entrou em
contato com o seu celular, e que a senhora não atendeu.
– Tudo bem, Fernando. Eu cuido disso. Muito obrigada.
Ele acena com a cabeça e se dirige aos fundos do café.
Agarro minha mochila e depois de deixar meu prato e xícara vazios
em cima do balcão, me dirijo até minha sala, do outro lado do
estabelecimento.
Cumprimentando as pessoas e sentindo minha cabeça
menos bagunçada, começo a repassar tudo o que farei no dia de
hoje.
Meu escritório fica aqui, mesmo que eu tenha que ir e vir de
todos os meus estabelecimentos quase todos os dias para lidar com
diversas situações, ainda assim, preferi permanecer na principal.
Apenas porque gosto de como é aconchegante. Além de ter sido o
primeiro local que aluguei para iniciar meu sonho.
Sento na minha cadeira branca e enorme, que minha melhor
amiga Diana fez questão de escolher para mim, deixo minhas coisas
sobre o tampo de vidro da minha mesa e já ligo meu notebook.
Pego meu celular, sabendo que terei incontáveis mensagens
e ligações. Já até cogitei ter dois celulares, porém tenho certeza de
que perderia um deles em algum momento.
Ligo para o fornecedor, fazendo todos os ajustes e melhorias
que preciso a partir de agora. Converso com alguns dos meus
gerentes de outras lojas. Pago alguns boletos. E só após algumas
horas, é que me permito ver as mensagens que não têm relação
nenhuma com o trabalho. Entro no grupo que divido com minhas
amigas.
Safadas da mamacita:
Diana: Bom dia, meninas.
Milene: Bom diaaaaa.
Yolanda: Bom dia pra quem, cacete?
Diana: Iiiiih, alguém acordou azeda…
Milene: Ela está assim desde ontem, só porque um cara a
fechou no trânsito.
Yolanda: Só? Eu poderia ter morrido, e agora vocês estariam
chorando no meu enterro!
Diana: Foi tudo isso mesmo, Milene?
Yolanda: Está duvidando de mim, nanica?
Milene: Eu já falei pra ela largar essa moto. É muito perigoso.
Yolanda: É claro que não! Logo agora que tenho um
sobrinho e vou poder passear com ele na minha Shadow 600?
Rosa: JÁ DISSE QUE MEU FILHO NÃO VAI CHEGAR
PERTO DAQUELA COISA!!!
Yolanda: Bom dia, irmãzinha que tanto amo.
Rosa: Puta. Sorte sua que eu também te amo.
Eu:
Bom dia, meninas.
Milene: Me responde no privado. AGORA!
Dou risada e abro a conversa com a minha irmã. Como
imaginava, Milene me mandou uma foto do mesmo convite que
ganhei, porém ela me conhece bem demais e sabe como estou me
sentindo com relação a isso.
Milene: Você vai?
Posso sentir daqui a sua agonia.
Eu:
Não tem outro jeito. Não posso fazer isso com elas…
Milene: Eu sinto muito, irmã.
Eu:
Eu também.
Decido ignorar todo mundo de novo e voltar ao trabalho,
sabendo que é a única coisa que consegue me distrair o suficiente.
Contudo, não funciona. Não quando lembranças sombrias e
dolorosas me visitam o dia inteiro. Não quando não consigo ignorar
o que está por vir.
Vou passar sete dias ao lado da pessoa que mais desprezo
no mundo.
Vou passar sete dias ao lado do meu ex-noivo.
– Bom dia, chefe.
– Bom dia Adriana.
– Bom dia, chefão.
– Bom dia, Leandro.
– Bom dia, Arthur. Como foi o fim de semana?
– Bom dia, Hanna. Meu fim de semana foi fantástico, e o
seu? Luca levou você naquele restaurante que eu indiquei? –
pergunto, quase alcançando minha sala.
– Ele levou, e você tinha razão. É o melhor chopp que eu já
tomei na vida! – A morena alta sorri, enquanto segura uma pilha de
papéis que sei que irá revisar mais tarde.
– Eu avisei, não avisei? – Dou-lhe uma piscadinha e entro na
minha sala.
Tiro meu blazer, feliz pelo calor de Campinas não ser tão
infernal dentro da minha sala graças ao ar condicionado, e o deixo
em cima da minha cadeira.
Pela janela do chão ao teto de trás da minha mesa, sou
privilegiado pela vista fantástica da cidade logo pela manhã. Posso
não morar na capital de São Paulo, mas a cidade tem uma
quantidade considerável de habitantes para, a essa hora da manhã,
já estar desperta e caótica.
Sento-me na cadeira de diretor executivo do jornal econômico
mais famoso do estado, o Rabello's Editorial, que posso dizer com
muito orgulho que fundei totalmente do zero.
Era apenas eu, uma cabeça que gostava de números, e um
desejo latente de seguir para uma direção diferente da que meu pai
e meu irmão seguiram. Ambos preferiram o jornalismo investigativo,
e por mais que pareça muito mais empolgante e divertido, é a
economia que move toda a capital da região. O que leva meu jornal
a ser o mais importante de todos, tendo o trabalho de atualizar e
explicar aos cidadãos como nossos governantes estão lidando com
o gerenciamento da nossa economia.
Foda pra caralho, né?!
Porra, eu amo o meu trabalho.
E o melhor de tudo? Meus concorrentes me odeiam. Pelo
simples fato de que somos o melhor. Sem falsa modéstia, sem
enrolação. Somos a porra do melhor jornal econômico do estado e,
em breve, do país.
Recosto na cadeira caríssima e confortável que o meu
trabalho duro e dos meus funcionários me permite ter, e destravo a
tela do celular.
Um sorrisinho satisfeito surge no meu rosto ao ler a primeira
mensagem do dia: “Adorei nosso fim de semana. Quando quiser
fazer aquilo de novo, é só me ligar”.
O sorriso aumenta ao lembrar como aquilo foi sensacional.
Eu amo um cu.
E, cara, como é difícil encontrar uma mulher que goste ou
que queira explorar a região. Tudo bem, eu entendo. Não sou um
babaca de diminuir alguém por querer manter suas pregas intactas.
Não é prazeroso para todo mundo.
Bom… Pelo menos até ser eu a pessoa que vai foder o cu.
Porque eu posso não ser o melhor em tudo, porém o prazer eu
garanto.
E foi isso o que aconteceu com a Rogéria.
E puta que pariu, se não foi um sexo anal foda. Passei o fim
de semana com ela, e foi bem divertido.
Me certifico de responder dando a entender que sim,
poderemos voltar a nos ver, não apenas por ter sido um bom sexo,
mas principalmente por ela ser como eu.
Ela não quer saber de nada sério.
E se depender de mim, isso não acontecerá comigo tão cedo.
Minha porta se abre de supetão, e meu amigo, e editor chefe,
entra sem nem ao menos bater. Abro a boca para reclamar,
entretanto a fecho logo em seguida, revirando os olhos. Nem vou
perder meu tempo com isso.
O folgado se esparrama no sofá no canto da minha sala e
abre um bocejo enorme.
Fico em silêncio, esperando o idiota dizer alguma coisa, só
que ele fica lá. Sem falar nada.
Respiro fundo, massageando minha testa e tentando não
perder a paciência.
A semana mal começou!
– Felipe? – pergunto suavemente, olhando para o meu
computador, enquanto ele liga.
– Hum? – murmura uma resposta.
– Que merda você está fazendo no meu sofá, às oito e sete
da manhã de segunda-feira, que não está trabalhando na sua sala?
O cretino me olha, fingindo inocência e abre um sorrisinho
irritante.
– Estou te fazendo companhia, chefe.
Chefe? Ele nunca me chama de chefe. A não ser que…
– Que merda você fez, Felipe? – pergunto, já calculando o
tamanho do meu prejuízo.
– Por que eu tenho que ter feito alguma merda?
– Foi com o jornal? – Ignoro sua pergunta.
– Claro que não.
Respiro aliviado e foco minha atenção no computador,
começando a abrir meu e-mail.
– Bem… não exatamente.
Meu olhar se volta para ele imediatamente.
– Felipe!
– Ok, ok. Não há nada com que você tenha que se
preocupar. – Ele levanta e anda devagar até minha mesa. – É que
eu estou fugindo daquela redatora que eu te falei. Ela foi conversar
com o meu secretário sobre algumas enquetes para a semana, e eu
acabei correndo pra cá, antes que ela me visse.
Olho para ele, incrédulo.
– Por que você nunca faz o que eu digo? – indago,
genuinamente curioso.
– Ah, Arth! Não é culpa minha que depois daquela festa, ela
não parou de me mandar mensagem – argumenta, e isso serve
apenas para me irritar mais.
– Felipe, eu juro por Deus… Eu não coloquei nenhuma regra
que impeça relacionamentos dentro da empresa, porque acreditava
que meus funcionários eram adultos e responsáveis o suficiente
para separarem as coisas, e lidarem com seus problemas. – Me
levanto e me aproximo dele, que me olha nervosamente – Mas eu
não acredito que terei que vetar envolvimento entre colegas de
trabalho, por causa que o meu próprio Editor Chefe não consegue
controlar o pau!
Talvez isso seja um pouco hipócrita da minha parte? Pode até
ser. Porém, não há nada que eu não faça para manter essa
empresa funcionando. Eu posso ser um puto e conhecido por aí
como O Herdeiro Galinha, mas jamais faria qualquer coisa que
prejudicasse minha editora.
Conheço meu amigo desde a faculdade. Estudamos na
mesma sala e, depois de formado, ele estagiou na editora do meu
pai. Assim que disse que sairia de lá, ele veio comigo e se está no
cargo que está hoje, é porque fez por merecer.
O seu defeito é que Felipe consegue ser mais mulherengo do
que eu. E às vezes, fica com alguém que não deveria.
Vejo seu semblante de arrependimento, e ele apenas assente
com a cabeça.
– Não precisa fazer nada, eu vou lidar com isso, chefe – diz
seriamente, e eu acredito.
– Ótimo. Aproveitando que você está aqui, conversou com a
Laura sobre a reportagem master? – Começo a voltar para a minha
mesa, entretanto meu amigo não tem tempo de responder.
Mais uma vez, minha porta é aberta de supetão, e é a vez do
meu irmão entrar por ela.
– Por que ninguém bate antes de entrar? – questiono, pra
ninguém em especial.
– Porque te irritar é sempre muito prazeroso, moleque –
Alfred, meu irmão mais velho, responde, usando o apelido que eu
odeio.
Ele me abraça, sorrindo e logo em seguida, cumprimenta
Felipe com um aperto de mão.
– E o que traz sua ilustre presença ao meu jornal, Alfredo? –
devolvo na mesma moeda e escuto meu amigo dar uma risadinha.
Alfred revira os olhos escuros para mim e enfia a mão dentro
do seu terno caro. Seus cabelos castanhos, como os meus, estão
perfeitamente penteados, diferente de mim, que nunca tentei domar
as ondas dos meus.
Pra quê, se vou passar o dia inteiro o bagunçando?
Meu irmão puxa um envelope lilás e o estica para mim. Olho
de sua mão para seu rosto e já sei que vou ficar puto, com qualquer
que seja o conteúdo de dentro. O sorrisinho de lado em seu rosto,
me mostra isso.
Desconfiado, pego o papel de sua mão e o abro. Passo os
olhos e leio o texto escrito em letras bonitas.
“As noivas:
Thays Luarte e Larissa Mariano,
te convidam para a celebração do casamento. A
comemoração durará sete dias, começando a partir do dia
07/08/2022, e a oficialização do matrimônio ocorrerá no dia
13/08/2022.
A família Mariano terá o prazer de recebê-lo em sua
residência, localizada em Brotas-SP, onde serão realizadas
atividades e festividades, com o único intuito de celebrar o
amor!
Aguardamos sua confirmação até dia 25/06/2022.
Com amor, Tha e Lari.”

– Não acredito! A Thays vai se casar? – é a primeira pergunta


que faço, depois de reler mais duas vezes.
– Como assim, não acredita? Vai fazer três anos que elas
estão juntas, Arthur. – Meu irmão cruza os braços sobre o peito.
– Eu sei, mas é casamento… Tipo… Casamento! – repito,
caso não tenha entendido.
Mais uma soldada abatida. Minha amiga e eu éramos ótimos
em arrumar mulheres um para o outro. É claro que depois de velho,
esse tipo de coisa diminuiu bastante, ainda assim, é difícil de
acreditar que mais uma pessoa deixou o belo e pacífico reino dos
solteiros.
Tá. Ok. Ela está namorando há anos, e eu adoro e conheço a
Larissa há muito tempo, mas… CASAMENTO, PORRA!
– Arthur, isso se chama vida adulta, caso você não saiba. –
Ele puxa o convite da minha mão e volta a guardá-lo – Só vocês
dois que ainda não entenderam que namoro e casamento fazem
parte disso.
– Passo – Eu e meu amigo dizemos ao mesmo tempo.
Alfred ri e nega com a cabeça. Casado e com filhos, esse aí
já foi abatido há anos. E de um jeito tão rápido, que quando vi, já
estava tendo meu primeiro sobrinho.
– Arthur, você está tão inconformado com o fato de uma
mulher de trinta anos se casar, que se esqueceu do principal. – O
sorriso sacana volta pro seu rosto, e eu franzo a testa.
– O principal? – Olho para meu editor chefe, e ele dá de
ombros.
Meu irmão me faz voltar o olhar para ele, ao apoiar as mãos
nos meus dois ombros.
– O convite não foi só pra você ou para mim ou para nossos
pais… – Meus olhos vão se arregalando, conforme vou
compreendendo. – O convite foi para a família Rabello… – Ele faz
outra pausa dramática – I.N.T.E.I.R.A!
– Porra, não! – Levo minhas mãos na cabeça, e meu irmão
desata a rir.
Puta que pariu, isso não!
Felipe olha confuso de mim para meu irmão, que gargalha
alto.
– Eu não entendi, qual o problema?
– O problema… É que esse idiota… Se fodeu! – Alfred
responde, rindo ainda mais.
Meu amigo me olha, em busca de esclarecimento.
Solto uma respiração profunda e vou até meu mini bar no
outro canto da sala. Foda-se que nem são nove horas da manhã.
Essa notícia acabou com a minha semana, caralho.
– O problema, Lipe, é que minha família, gigante e feliz, é
muito próxima da família, gigante e feliz, de uma das noivas –
respondo, sentindo uma vontade enorme de ir embora do país.
– Tá… – ele tenta acompanhar o raciocínio.
Alfred decide parar de rir da minha cara e segura no ombro
dele.
– Arthur é solteiro, Felipe. E você já viu como uma pessoa
solteira é tratada no meio de casais felizes e seus filhos? – Meu
amigo fica de boca aberta.
– Porra, que merda, Arthur. – Ele me olha com compaixão,
enquanto levo o Whisky até a boca.
– Pois é. O moleque terá que ouvir a encheção de saco das
minhas tias e primas durante sete dias. – A boca de Felipe se
escancara mais ainda. – Sete dias, porra!
– Eu não vou – digo, decidido a não passar por essa tortura
de novo.
Todo mundo me cobrando mulher, casamento e filhos? Nem
fodendo.
– Ah, você vai! Porque as noivas são suas amigas, e você
não é um filho da puta egoísta, que vai deixar de celebrar o
casamento das suas amigas – Alfred diz calmamente, à medida que
se encaminha para a minha porta. O filho da mãe veio me trazer o
convite pessoalmente, apenas para rir da minha cara.
Maldito.
– Eu vou só no sábado, não preciso passar os sete dias lá.
Meu irmão dá uma risadinha, e minha vontade é de socá-lo.
– Boa sorte em convencer a dona Rebeca disso. – Ele me dá
uma piscadinha, e eu fecho os olhos.
Dona Rebeca, minha mãe. A pessoa mais exageradamente
amigável que existe e que me deserdaria da família, se recusasse
participar de um evento tão grande como este e fizesse essa
desfeita.
– Droga… – solto, querendo beber mais ainda.
Meu irmão para na minha frente e, antes de ir embora, morde
o lábio inferior, escondendo o sorrisinho. Já sei que vai dizer algo,
apenas para me irritar. De novo.
– Existe uma forma de evitar isso, irmão.
Respiro fundo e sei que vou me arrepender de perguntar.
– Como, Alfred?
– É só arrumar uma namorada. – E dá de ombros.
Agora, é a vez do meu amigo, e colega de trabalho, cair na
gargalhada. Alfred sai, rindo mais uma vez do meu sofrimento, mas
não antes de ver o belo dedo do meio que eu lanço para ele.
O inferno congelará, o sol nascerá no Oeste, e a Anitta vai
parar de rebolar a bunda em shows, antes que eu arrume uma
namorada.
Isso não vai acontecer nem hoje, nem amanhã, nem tão
cedo.
Desligo meu carro e respiro fundo. Fecho os olhos por um
instante, tentando manter a calma.
Pego minha bolsa no banco do passageiro e desço. Não
mandei nenhuma mensagem, porque a decisão de vir até aqui foi de
última hora e impulsiva. Talvez não adiante de nada, mesmo assim
estou aqui.
Vai que algum milagre acontece.
Alcanço a porta da grande casa e, tomando outra respiração
profunda, toco a campainha. Aguardo alguns segundos, e logo a
porta é aberta.
Uma loira alta e exuberante me atende. Dona de olhos
castanhos incríveis, cabelos ondulados até um pouco abaixo dos
ombros, um corpo esbelto e uma postura perfeitamente ereta,
Larissa me olha com um sorriso imenso no rosto.
Eu não correspondo.
O sorriso dela desaparece.
Seus olhos passam de calorosos para arregalados, e ela
tenta abrir um sorriso de novo, que mais parece que está segurando
os gases que qualquer outra coisa.
– THAYS! – ela grita, me fazendo dar um pequeno pulo no
lugar. – Não vou lidar com isso aqui sozinha!
Ela bate o pé no chão, impaciente e nem ao menos me
chama para entrar. Cruzo os braços na frente do peito e arqueio
uma sobrancelha.
– Isso? Eu sou uma coisa pra você?
Seus lábios crispam, e ela segura o batente da porta com
mais força.
– É PIOR DO QUE EU PENSAVA! – berra e se afasta,
quando o som de passos nos alcança.
Assim como sua noiva, Thays surge na entrada de sua casa
com um sorriso no rosto, que morre no instante em que vê minha
cara.
– Penny, que surpresa mais agradável você aqui…
– Me poupem, vocês duas. – Passo por elas sem ser
convidada para entrar, e ambas não dizem nada.
Deixo minha bolsa no aparador da entrada e me dirijo à sala
de estar enorme e muito bem decorada. Começo a andar de um
lado para o outro, levando minhas unhas de gel recentemente
pintadas para a boca, lamentando ter pago tão caro na manutenção,
justamente nesse último fim de semana.
Minhas amigas me seguem com os ombros encolhidos,
olhando para mim como se tentassem se desculpar.
– Sentimos muito, Penny – Lari fala baixinho, muito diferente
de segundos atrás.
– Não tivemos escolha, sabe? – Thays diz, mas meu olhar
fulminante para ela, a faz se calar na hora.
– Que tipo de amizade é essa onde, duas das pessoas
envolvidas obrigam a terceira a passar sete dias inteiros, em outra
cidade, sendo obrigada a participar de atividades e sei lá mais o que
– paro no lugar, para que olhem para mim –, com o ex noivo e sua
atual namorada que, no caso, é a mulher com a qual ele a traiu?
Elas ficam em silêncio.
Lógico que ficam, nem eu teria o que dizer.
Pois bem... Não basta ser ex, o que já seria ruim o suficiente,
eu ainda serei obrigada a passar uma semana vendo ele e a
namorada se amarem, sem poder ter para onde correr.
Fala se esse não é o pior cenário de todos!
Infelizmente, faço parte do enorme grupo de pessoas que
confiou em alguém todo o seu coração e sua vida, e se ferrou por
isso. Aprendi da pior maneira, que não adianta o esforço e a
dedicação de apenas um lado do relacionamento, ambos precisam
se esforçar para que funcione, e, no mínimo, deve haver confiança.
E a minha foi quebrada.
De inúmeras formas possíveis.
E a traição do meu noivo, ficando com outra enquanto ainda
estávamos juntos, foi uma das piores lições que eu aprendi ao longo
dos anos. A dor da perda, maior do que a do próprio relacionamento
em si, foi imensurável.
Me mudou para sempre.
E ter que passar uma semana me lembrando do meu maior
fracasso, é a pior situação que poderia me acontecer.
Logo agora, que eu estava aceitando tudo e havia parado de
passar meus dias escondendo das pessoas que amo, a raiva e a
mágoa em meu coração.
Logo agora, que estava começando a sorrir mais e, até quem
sabe, tentar de novo…
Olhar para minhas amigas à minha frente, me faz pensar que
talvez eu não esteja tão bem quanto pensei.
Thays dá um passo à frente, receosa, porém corajosa como
sempre foi. Mesmo me conhecendo, mesmo sabendo como me
sinto e mesmo tendo ciência de que parte disso é por sua culpa, ela
me puxa para um abraço.
O abraço é apertado, e eu me esforço, como não fazia há
muito tempo, para não chorar.
– Como está se sentindo, minha amiga? – questiona,
querendo saber por mim mesma, o turbilhão de sentimentos
batalhando dentro de mim.
Ela é uma boa amiga.
Solto um longo suspiro quando ela se afasta e vejo Larissa
me convidar para sentar no sofá de veludo azul marinho. Eu o faço,
e elas se acomodam no outro sofá, à minha frente.
– Me desculpem por ser tão insensível, meninas. Estou mais
do que feliz por vocês terem marcado a data e que vão fazer desse
dia, um evento digno. – Me esforço a sorrir, tentando transmitir esse
sentimento.
– Mas… – Lari fala, sensível como sempre foi.
– Mas não vou mentir e dizer que estou empolgada para
passar sete dias com ele.
– Não terá apenas ele, Penny. Na verdade, quase trezentas
pessoas foram convidadas, e imagino que pouquíssimas não vão
comparecer. – Tha replica, tentando me animar. – Sem contar sua
irmã, que também foi convidada.
– Eu sei… – murmuro.
– E Brotas é um lugar incrível. Faremos atividades na casa
da nossa família, mas também tem incontáveis cachoeiras, rapel e
vários lugares lindos, que vamos conhecer – Larissa se anima,
lançando um sorriso gigante e me envolvendo com seu jeitinho
cativante de ser. – Você ficará tão ocupada, que vai até se esquecer
daquele cuzão do meu primo.
Essa foi a forma como conheci o pior homem que já passou
por minha vida. Apresentei Thays para Larissa, e depois de um
tempo, foi a vez da loira me apresentar alguém. Eles sendo primos,
e o fato de eu ser muito próxima das duas, acabamos nos
esbarrando uma vez.
Se na época, eu soubesse de toda a dor que aquela bebida
cara que ele me pagou, me causaria, eu teria jogado aquele Martini
na cara dele e dado as costas.
Entretanto, não posso voltar no tempo e mudar tudo.
Tenho que lidar com as consequências das minhas escolhas.
– Eu nunca fui pra Brotas… – reflito, pensando que é
realmente um lugar que vale a pena conhecer.
– Lá é maravilhoso, Penny. É bonito, tem lugares divertidos,
só é tudo um pouco caro, mas ainda vale a pena – Larissa
completa.
– Eu gostaria muito que você fosse, Penélope. Você sabe… –
Thays perde a voz e pigarreia, remexendo os dedos das mãos. –
Além de alguns poucos amigos e do meu irmão, não terá mais
ninguém da minha família.
Larissa olha com pesar para sua noiva e acaricia seu braço
com delicadeza.
E eu quero me estapear.
Conheci a Thays quando ela apareceu atrás de emprego,
sem muita experiência com confeitaria, entretanto desesperada para
ter qualquer dinheiro que pudesse. Minha amiga tinha sido expulsa
de casa pelos pais, assim que contou a eles que é homossexual.
Foi uma confusão.
Sendo pessoas muito religiosas e de mente fechada, não
acolheram ou aceitaram a orientação sexual da filha. Muito pelo
contrário, minha amiga foi agredida e mandada para fora de casa
com apenas a roupa do corpo.
Só de pensar na crueldade de algumas pessoas, meu
coração se aperta no peito.
Porém, a mulher negra com um sorriso brilhante, tranças até
a altura da bunda, quadris largos, uma personalidade doce e uma
determinação invejável, conseguiu superar todos os obstáculos.
Hoje, formada em Pedagogia, ela não trabalha mais no Café
da Penny, no entanto, ficou guardada em minha mente como uma
das pessoas mais fortes que já conheci.
Larissa veio apenas para completar o que já era incrível, e
ver minha amiga feliz, por oficializar este momento, é o melhor
presente que eu poderia ter.
E você aí, choramingando com as duas, porque não sabe
lidar com o próprio orgulho, Penélope Duarte.
Mais uma vez, quis me socar.
Me levanto rapidamente, assumindo a pose determinada que
costumo ter quando preciso solucionar algo complexo no meu
trabalho.
– Vocês estão certas. Foda-se que meu ex babaca vai estar
respirando o mesmo ar que eu. Vou aproveitar o dia mais feliz da
vida de vocês e não deixarei que isso estrague tudo.
Como uma excelente atriz que é, Larissa imita meus gestos,
exatamente como fiz.
– É isso aí, mulher! Nada de tristeza e de coisas pra baixo –
diz seriamente, como se estivesse em um de seus palcos no Teatro.
Formada em Artes Cênicas, a loira é conhecida por toda
parte por sua incrível performance, e vez ou outra, seu lado
intérprete vem à tona.
Damos risada, e Thays se junta a nós, se pondo em pé.
– Perfeito, porque gostaríamos de convidar você para ser
nossa madrinha.
Minha boca se escancara. Levo minhas mãos ao coração,
galopando sem parar.
– Como assim?
– Não queríamos te mandar um simples convite e faríamos
uma visita ainda essa semana para oficializar o pedido. – Larissa
sorri, parecendo emocionada.
– Sabemos que é de última hora, mas é que está tudo muito
corrido, e estamos noivas há apenas dois meses, e quase ninguém
sabe, né? – Thays lança um olhar julgador para a noiva, que apenas
dá de ombros.
– Não queria ser uma daquelas noivas que levam anos para
se casar.
Ignoro a pontada no meu âmago, ao pensar que fiquei noiva
por dois anos.
Bom… Eu tive meus motivos.
– E isso nos obriga a perder noites em claro, organizando
tudo para a recepção dos infinitos convidados que você e sua
família quiseram. – Tha se aproxima da loira e segura sua cintura.
Larissa apenas solta uma risadinha e foca seus olhos
castanhos em mim.
– E então? – As duas me olham com expectativa.
– Como assim, e então? Eu que uni vocês duas, é óbvio que
serei sua madrinha!
Elas dão risada, e eu me aproximo, abraçando ambas de
uma vez.
– Por favor, não me digam que a paleta de cor do vestido das
madrinhas é amarela. – Me afasto para olhá-las – Só Milene fica
deslumbrante de vestido amarelo. Eu fico parecendo uma banana
gigante.
As noivas gargalham e negam com a cabeça.
– Meu amor, olha para mim. Qual cor você acha que será? –
Larissa arqueia a sobrancelha, desafiando-me a adivinhar.
Depois de alguns segundos, eu já tenho a resposta.
Reviro os olhos e dou risada.
– Graças a Deus, eu fico bem de rosa.
A loira me olha, orgulhosa, e sua companheira – que detesta
rosa, diga-se de passagem – apenas balança a cabeça.
– Ótimo, porque eu tenho certeza absoluta que você ficará
belíssima ao lado do seu par – Lari completa.
– Meu par? – Tinha até me esquecido desse detalhe.
– É um amigo meu, em breve você vai conhecê-lo. Na festa
de noivado que vamos dar, daqui a algumas semanas, na casa dos
meus sogros – Thays responde.
– E quem sabe não rola umas faíscas entre vocês, hein? –
Larissa pisca um olho para mim e sorri, travessa.
Apenas bufo, tendo a certeza de que a última coisa que vai
rolar é alguma faísca. Com tanta coisa que estará na minha cabeça,
ficar com o cara que entrará comigo na cerimônia, será a última
delas.
Meu melhor amigo está radiante. Eu não sei como é possível
que uma pessoa pareça tão contente enquanto levanta cento e vinte
quilos no leg press, sem ao menos urrar ou fazer uma mísera
careta.
Nada. Zero.
Benjamin está tão feliz, que quase consegue fazer meu mau
humor sumir.
Isso tem e sempre terá um nome: boceta!
Mais especificamente, a da sua namorada. Meu amigo está
em um relacionamento sério há uns meses, e não há uma única
pessoa no mundo, que não perceba o quanto ele está exultante com
isso.
Ele já teve sua fase galinha quando estava na faculdade.
Alto, negro, com um sorriso safado e todo musculoso, sempre teve
todas as mulheres que queria. Porém, nunca negou suas origens e
sempre foi um puta emocionado, que sempre sonhou com essa
coisa de relacionamento sério.
Agora está aqui, fazendo oito repetições do exercício, mas já
o vi mexer no celular tantas vezes, que consigo imaginar o conteúdo
da conversa, e quem é o autor dela.
Autora, no caso.
Uma baixinha, que só anda de salto alto, e que deixou
Benjamin de quatro tão rápido, que ele nem viu o que o atingiu, até
que fosse tarde demais.
Solto um suspiro, quando ele deixa o aparelho para trás e
pega o maldito celular de novo. Seu sorriso cresce, e ele digita
alguma coisa muito rápido.
– Se continuar assim, você vai derrubar algum alter no meio
do seu pé, e eu terei que passar o resto da noite num pronto socorro
– falo, alto o suficiente para que me ouça, e ele me ignora.
Dou uma risada e me posiciono embaixo da barra de
agachamento. Uma melodia forte e muito bem conhecida por mim
começa a soar nos alto falantes da academia cheia, e isso é o gás
que eu precisava.
Nada melhor do que erguer cento e sessenta quilos no
agachamento, enquanto escuta a voz da Anitta no seu ouvido.
Ao som de “Vai, Malandra” começo minha série de
repetições, dando graças a Deus por terem um ótimo gosto para
música. Nunca entendi as pessoas que não gostam da cantora, só
que sei que a maioria é puro hate[1].
Não que seja alguma novidade mulheres seguras com seu
próprio corpo e que não tem vergonha de explorar isso através da
sua arte, serem julgadas pela sociedade. E sempre soube perceber
quando se tratava de gosto ou apenas esse ódio gratuito.
Bem, foda-se. Quem sai perdendo são eles.
Finalizo os agachamentos e respiro fundo algumas vezes,
depois de depositar a barra em sua base. Remexendo o corpo, volto
a me aproximar do meu melhor amigo, que já finalizou o treino.
Benji me olha e depois dá risada, negando com a cabeça
quando começo a cantarolar a música.
– Você não tem jeito. Tem alguma música dela que não
conhece? – questiona, secando o rosto com uma toalha.
– É bem provável que não – sigo, mexendo o ombrinho, ao
invés da bunda. Estamos numa academia, e talvez mate algumas
pessoas do coração com o meu rebolado.
Não vamos matar pessoas do coração, hoje.
– Claro que não. – Ele dá mais uma risadinha e se senta em
um dos banquinhos. – E por que essa animação toda? É segunda-
feira, e ainda não teve nenhuma missão impossível na editora?
Tira sarro de mim, como se ser Médico Pediatra não desse
dor de cabeça o suficiente.
Uma morena de cabelos curtinhos passa por nós, e não
consigo evitar olhar cada centímetro do corpo forte e sarado dela.
Disfarço, usando os inúmeros espelhos espalhados pelo recinto,
notando os braços e pernas definidos por baixo de um macacão
roxo.
Coisa linda…
Olho para o meu melhor amigo e eu já deveria ter me
acostumado com esse tipo de cena à minha frente, mas ainda me
surpreendo.
O cara ignorou completamente a mulher, ao passo que eu e
metade das pessoas daqui, secou a morena descaradamente, e
voltou a focar no celular.
Esse soldado não está apenas abatido. Está morto, enterrado
e servindo de alimento para os insetos!
Nem um mísero músculo do seu rosto se move na direção de
qualquer outra mulher, há meses, e mesmo que eu saiba que
Benjamin não ficou cego da noite pro dia, sei que está tão
apaixonado pela baixinha, que todo o resto ficou insignificante para
ele.
Quase solto a maior gargalhada da minha vida.
Como pode um homem virar tão cadelinha de uma única
mulher?
Volto e termino minha série de agachamentos, chegando ao
fim dos meus exercícios de perna. Vou dar uma corrida na esteira, e
meu amigo me acompanha, como sempre faz.
– Respondendo à sua pergunta, estou deixando a Anitta
dominar meus pensamentos, porque é melhor do que a desgraça
que está pra acontecer comigo – digo e inicio um trote.
– Que desgraça? – Benji me pergunta, olhando de relance à
medida que começa a própria corrida.
Respiro fundo, sentindo minha cabeça doer, só de lembrar.
– Lembra de uma das minhas amigas de faculdade? A
Thays? – Ele pensa um pouco e depois concorda com a cabeça. –
Acredita que aquela traidora vai se casar?
Meu amigo franze as sobrancelhas.
– Não é aquela que está namorando faz uns três anos?
Inclusive, com aquela colega sua de infância? Por que está a
chamando de traidora, Arthur?
– A questão não é essa, Benjamin.
Ele me olha, entediado.
– E qual seria?
– Ela vai se casar! – respondo e não compreendo porque
tanta dificuldade em entender.
Benjamin revira os olhos e bufa.
– Hum, o que tem ela?
– Como você acabou de mencionar, sua noiva é a Larissa, e
a família Mariano é muito próxima da minha. Desde muito antes de
eu nascer, as famílias tinham negócios juntas, compartilhavam
festas e comemorações, e foram criando laços durante todo esse
tempo.
– Sim, eu me lembro disso.
– Então, o problema é que fomos todos convidados para o
casamento, que será uma puta festa e que durará sete dias em
alguma cidade daqui do interior.
Mais uma vez, Benjamin franze as sobrancelhas.
– Eu não consigo ver como isso pode ser um problema, Arth.
Porra, sete dias longe, e com a família?
Solto uma risada com zero humor e até paro de correr, para
olhar bem para sua cara bonita, antes de dizer:
– E você se esqueceu do maior carma da minha vida,
Benjamin de La Fontaine? – Levo as mãos à cintura.
Aos poucos, vejo sua expressão alterar de confusão, para
compreensão e depois… diversão. Meu amigo também para sua
esteira, só que no seu caso, para começar a gargalhar alto, não
ligando para ninguém ao redor.
Eu fico ali, olhando-o se acabar de tanto rir e tentando
encontrar a graça que ele tanto achou.
Limpando os olhos, ele apoia a mão no apoio da esteira e
curva seu corpo, respirando fundo algumas vezes.
– Ai, cara, como eu gostaria de ter sido convidado também,
só pra ver como você vai lidar com isso.
– Caralho, Benjamin. Eu achei que fosse meu amigo – digo,
sendo dramático.
– Arthur, você vai passar uma semana inteira ouvindo
dezenas de pessoas dizerem que você está velho e precisa de uma
namorada, e que seu irmão já tem dois filhos, e você não sai da vida
de solteirice. Que está na hora de aumentar a família Rabello, e
mais um milhão dessas pérolas magníficas que suas tias sempre
dizem. – Ele se endireita e dá dois tapinhas no meu rosto. – Que
tipo de melhor amigo eu seria, se não desejasse ver isso com meus
próprios olhos?
– Vai se foder, otário.
Ele volta a gargalhar, e eu até riria, se não estivesse sentindo
meu estômago embrulhar.
Uma semana. Sete dias. Cento e sessenta e oito horas,
ouvindo que vou envergonhar a família, se continuar tendo a vida
que tenho.
Eu amo minha família. Juro que amo. Cresci cercado de
primos, primas, pessoas que me ensinaram muito e que me fizeram
rir em muitos momentos. Ter família grande tem suas vantagens, eu
admito. Entretanto, quando essa mesma família escolhe justamente
você para encher o saco por conta de suas escolhas, ela se torna
um verdadeiro inferno.
Escolhi uma casa em cima de uma colina, justamente por
isso. Viver com meus pais ou até mesmo na cidade, dava abertura
demais para esse povo, e eu só queria ficar em paz dentro da minha
própria casa.
Embora a propriedade seja mais parecida com aquelas
construções antigas e gigantescas, e tenha tantos quartos, que
nunca nem cheguei a entrar em todos eles, eu ainda prefiro viver o
mais isolado possível.
Só que, infelizmente, eu não posso evitar tudo. Mesmo que
nos últimos anos, eu tenha diminuído consideravelmente minha
presença nos eventos de família, pois a cobrança por mulher e filhos
triplicou nos últimos anos, um casamento dessa magnitude, eu não
posso evitar.
Portanto, terei que usar minha técnica – quase – infalível de
ignorar qualquer um que venha com o papo de “conheço a filha de
fulana, ela é ótima, blá blá blá”, para cima de mim.
Sei que há julgamentos sobre meu estilo de vida de solteiro,
e meus familiares não são os únicos a me julgarem por transar
quando eu tenho vontade.
Esse evento servirá apenas para me mostrar que existem
pessoas de cabeça pequena e que não olham para o próprio
umbigo, quando apontam o dedo para o outro.
Isso me enfurece de um jeito surreal, como se trepar
significasse automaticamente que eu sou uma pessoa menos digna.
Como se não querer um relacionamento sério com alguém com
quem transei, significasse que não a respeito.
Meu peito se enche com uma respiração profunda.
Odeio pré-julgamentos. Não faço isso. Não decido o que a
pessoa merece ou não, sem ao menos conhecê-la. Sou melhor do
que isso, e qualquer um que o faça, é uma pessoa pequena para
mim.
Benji finalmente para de rir e olha, de verdade, para mim.
– Eu sei que é chato e que ser cobrado sobre isso em pleno
século vinte e um é algo sem sentido. – Ele apoia a mão em meu
ombro e o aperta. – Você dá conta, irmão. Serão só sete dias…
– É… O que mais poderia dar errado, não é?
Finalmente terminamos nosso treino, e como foi só de perna,
decido tomar banho na minha casa. Não suei muito e nada melhor
do que me banhar na minha ducha vertical moderna e caríssima,
que comprei com muito orgulho.
Benjamin também resolve tomar banho em casa, e quando
estamos alcançando nossos carros, me aproximo para me despedir.
Assim que nossas mãos batem em um cumprimento, meu melhor
amigo abre um sorriso enorme e forçado, segurando minha mão no
lugar.
– Que tal a gente beber alguma coisa na sexta à noite, Arth?
– Seria um convite normal, se não fosse pelo sorriso esquisito no
seu rosto.
Estreito meus olhos para ele, desconfiado pra cacete.
– Beber alguma coisa – repito lentamente suas palavras.
– Isso.
– Eu e você? – Ele nega com a cabeça.
– Eu, você, a Diana e… – Ele faz uma pausa, e é quando seu
sorriso se transforma em algo perverso.
Meu corpo se arrepia, meus músculos tencionam, e eu sinto
meu coração bater violentamente no meu peito.
Não de alegria, não de expectativa.
Eu sinto raiva.
Muita raiva.
Nem fodendo!
– Nem fodendo, caralho! – exclamo e me desvencilho de seu
aperto, caminhando para o meu carro.
– Ah! Qual é, Arthur? Não pode estar falando sério. – Ele vem
atrás de mim.
– Eu pareço estar brincando, Benjamin? – digo, com raiva
escorrendo por cada palavra que sai da minha boca.
– Não pode ser tão ruim assim, passar uma noite num bar
com a Penélope junto.
Paro de supetão, e meu amigo quase tromba comigo.
– Não vou passar nem um segundo na companhia daquela
loira barraqueira e julgadora. – Olho bem em seus olhos, ao dizer: –
Não quero ficar ao lado de alguém tão desprezível quanto ela.
– Desprezível? Você não acha que está exagerando?
– Exagerando? EXAGERANDO? – Saio pisando duro,
entretanto Benjamin não me deixa ir longe.
Me impede de seguir, parando à minha frente, e me obriga a
encará-lo no lugar.
– Você vai me contar, de uma vez por todas, o que aconteceu
entre vocês dois?
Tento controlar a minha irritação, respirando profundamente.
Penélope Duarte.
A loira gostosa que acha que é melhor do que todo mundo, é
a melhor amiga da namorada do meu melhor amigo.
Ou seja, ela é a porra do meu outro carma.
Eu a detesto. Odeio. E agora, esse filho da puta está
querendo me obrigar a ficar no mesmo lugar que uma mulher
mesquinha que se acha a pessoa mais fodona do mundo.
Por um instante, cogito contar ao Benji o que aconteceu, a
poucas semanas atrás. Porém, de que vai adiantar?
Só lembrar daquilo já me tira do sério, mais do que qualquer
outra coisa nos últimos anos. Falar sobre isso, também não vai
ajudar.
Bufo e tento uma outra abordagem.
– Peça desculpas para a Diana, Benjamin. Mas não estou a
fim de passar nervoso, obrigado. – Tento passar por ele, só que ele
me impede.
Seus olhos se fecham, e seu nariz dilata ao inspirar
profundamente.
– Olha, se não quer me contar, tudo bem. Eu conheço você e
sei que isso tudo não é gratuito. – Me olha de novo. – Mas Diana é o
amor da minha vida, Arthur. Estou construindo uma casa pra viver
com ela. A porra de uma casa!
Mordo o canto do meu lábio, entendendo onde ele quer
chegar.
Quando digo que ele ficou de quatro pela Assistente Social baixinha,
é disso que estou falando. Diana não gosta de elevadores, e meu
amigo simplesmente começou a construir uma casa para os dois,
porque viver em seu apartamento, se tornou algo inconcebível para
ele.
Portanto, se meu amigo está planejando um futuro com a
mulher, isso só pode significar que Penélope estará mais presente
em minha vida do que eu gostaria.
Assim como com a minha família, não posso evitar situações
que me deixam desconfortáveis, toda vez.
Ótimo, a porra do dia resolveu servir para me mostrar que
vou tomar no cu, de tempos em tempos.
Maravilhoso.
Fixo meu olhar nos olhos castanhos escuros de Benjamin. O
sorrisinho que começa a desabrochar em seu rosto, me diz que o
puto já sabe que me convenceu.
Muito fácil, diga-se de passagem.
Aponto o dedo bem na sua cara, antes de dizer:
– Se ela bostejar alguma coisa pra cima de mim, não espere
que eu fique quieto. – Seu sorriso desaparece.
– Arth…
– Não, Benjamin. Eu tô pouco me fodendo pra quem ela é ou
deixa de ser. Falou merda, vai ouvir merda. – Endireito a coluna. –
Essa é a minha condição.
O homem à minha frente me olha atentamente, tentando
encontrar algum traço de divertimento em mim. Sei que não
encontra nenhum, quando seus ombros caem, e ele suspira
audivelmente.
– Ok. Só espero que não chegue a isso.
– Eu duvido muito, mas…
– Vocês deveriam conversar, sabe…
– Tchau, Benjamin.
Dessa vez, não me impede de seguir, e finalmente alcanço
meu carro. Depois de destravar e jogar minha mochila no banco de
trás, saio arrancando pneu da garagem da academia.
Preciso foder.
Minha melhor amiga está exultante. Enquanto tomamos café
da manhã, a convite da mesma, vejo a pele perfeita, os olhos
brilhantes e o meio sorriso, que nunca abandona seu rosto. Sei que
tudo isso se dá ao fato de Diana estar completamente apaixonada, e
eu não poderia estar mais feliz pela pequena.
Sua serenidade sempre foi uma característica marcante,
porém essa leveza é algo novo. Assisto-a levar a xícara de café até
os lábios e fechar os olhos à medida que engole a bebida.
Apreciando de uma forma, que parece que é a primeira vez na vida
que toma o café do meu estabelecimento.
Ver as pessoas saírem satisfeitas, depois de consumirem
algum produto meu, sempre será uma das melhores coisas em meu
trabalho.
Levei bons anos para conseguir profissionais que não fossem
nada mais que excelentes e tenho muito orgulho do trabalho de
cada um deles. E embora eu saiba que os motivos do rosto da
minha amiga estar radiante, sejam um pouco mais do que uma
combinação bem feita do melhor café moído e alguns outros
ingredientes, ainda assim, é satisfatório olhar para o rosto
apaixonado dela.
– Tem certeza de que não tem um pedaço do Benjamin nesse
café, Diana? – Ela me olha com a mais absoluta confusão. – Você tá
sentindo tanto prazer em beber isso aí, que eu suspeito que seja
seu namorado na minha cozinha, e não a dona Benta.
Ela gargalha, o rostinho estampando uma timidez que eu sei
que ela leva.
– Está tão na cara assim? – questiona e depois leva um doce
Carolina até a boca.
– Amiga, a gente mal conversou, e eu já sei que você transou
ontem.
Agora ela tapa a boca cheia de doce com a mão, sem
conseguir conter outra risada. Eu nego com a cabeça.
– Eu nem vou negar, porque você me conhece bem demais –
diz, depois de engolir.
Recosto-me na cadeira e cruzo os braços, sorrindo fácil.
– Obrigada. Pelo jeito, as coisas entre vocês estão indo muito
bem, certo?
Eu gosto muito do Benjamin. O Médico alto e bonito sempre
foi caidinho por Diana, desde o começo. Eu estava aqui, nesse
mesmo café, quando ambos se conheceram.
Um babaca achou que poderia gritar com a minha melhor
amiga por conta de um acidente que ela nem causou, e a confusão
acabou fazendo-a se cortar. Como um príncipe encantado em cima
de um cavalo branco, Benjamin surgiu do nada entre meus clientes
e se ofereceu para cuidar dos seus ferimentos.
Ainda dou risada de como as coisas aconteceram.
Eu sabia que uma faísca havia surgido no momento em que
um pôs os olhos sobre o outro, e depois, foi só deixar o destino agir
e fazer com que ambos acabassem trabalhando no mesmo lugar.
Dá pra acreditar?
Meses de muito esforço depois, porque minha amiga de um
metro e meio não é nada fácil, os dois estão tão apaixonados, que
conseguimos sentir o amor deles emanando de seus corpos de
longe.
Apesar de tudo, ainda me preocupo.
Não posso evitar. Mesmo que acredite que meu colega não
fará mal para Didi, e que a minha baixinha sabe se cuidar, ainda não
consigo deixar meu lado protetor de fora.
Sempre fui assim, porém as coisas ficaram diferentes, depois
de…
Depois de tudo.
Diana ergue os olhos lindos e castanhos claros para mim, a
pele negra e os cachos longos a deixam com traços bonitos e muito
diferentes dos meus. Loira, de olhos azuis, cabelos lisos e pelo
menos dez centímetros de altura a mais que ela, somos o completo
oposto.
– Tudo está perfeito, Penny. Não precisa se preocupar –
responde, após me analisar por um tempo, mostrando que também
me conhece muito bem.
Dou de ombros.
– Só estou perguntando… E o trabalho, alguma novidade?
– Nada demais. Continua sendo muito corrido, o que é bom,
mas às vezes me entristece. – Segura sua xícara com as duas
mãos e suspira – Tenho tido muito menos tempo para ajudar com o
abrigo quanto gostaria.
Sinto um aperto no coração por minha amiga.
Diana e seu irmão, John, são órfãos. Depois de um acidente
terrível que matou seus pais, os dois cresceram em um orfanato
chamado “Reviver”, aqui em Campinas mesmo. Formada em
Serviços Sociais, ela sempre ajudou o abrigo conforme os anos se
passaram, entretanto depois que passou a trabalhar no hospital
pediátrico daqui, seus dias ficaram muito mais cheios, e é difícil de
conciliar tudo.
– Não se sinta culpada, Didi. – Aperto sua mão por cima da
mesa, e ela aperta de volta. – Você continua fazendo o possível e o
impossível por aquele lugar. E mamacita se orgulha muito de tudo o
que você conquistou até aqui.
Ela sorri, e eu também.
– Mamacita está orgulhosa, não está? – Concordo com a
cabeça e vejo uma emoção passar pelos lindos olhos de Diana.
A poucos meses atrás, quase perdemos a dona Guadalupe –
mamacita, como gosta de ser chamada –, avó de consideração de
todas nós e gestora do orfanato. Isso quase destruiu minha amiga
por completo.
E por mais que eu quase tenha tido uma parada cardíaca,
igualzinha a que mamacita teve quando tudo aconteceu, sei que a
velha mexicana significa o mundo para Diana. Graças a Deus, ela
sobreviveu, se recuperou e já se encontra em casa, com uma
determinação para mudar de vida invejável.
– Mas me diga, então quer dizer que você vai passar uma
semana com o Marcos? – Didi puxa o assunto, o qual eu me
esforcei muito para não entrar.
Meus ombros sobem e descem, quando respiro fundo.
– Pois é. Se já não bastasse tudo o que aconteceu, ainda vou
ter que conviver com ele e a atual no mesmo lugar por dias.
– Que merda, Penny. Espero que ele tenha, no mínimo, bom
senso e nem olhe em sua direção durante esses dias – afirma, e sei
que isso a deixa furiosa também.
– Eu não sei não… Não dá pra esperar bom senso de uma
pessoa que me traiu, na minha própria cama, depois de toda a
história que vivemos.
Só a lembrança daquele dia…
As roupas espalhadas pela casa, o cheiro, os sons…
Fecho os olhos por um instante e obrigo minha mente a não
voltar para aquele fatídico dia. Sentir a culpa, a humilhação e a
traição de novo, em uma terça-feira de manhã, não é algo que eu
queira.
Minha amiga pigarreia, me obrigando a voltar a encará-la,
enquanto endireita a coluna.
– Sobre o casamento, vai dar tudo certo. Você é a melhor
pessoa para lidar com essa situação. Vai dar conta – diz, mais
determinada do que eu mesma.
– Vou sim. – Sorrio e minto.
Sei que não vou. Sei que alguma coisa, em algum momento,
vai me quebrar. Sinto isso em meus ossos. Muita coisa vai
acontecer nesse casamento, muitas lembranças vão querer
derrubar a parede de concreto que construí em minha mente e me
obrigar a revivê-las.
Muitas.
Contudo, minha melhor amiga não precisa saber disso.
É o que o sorriso mentiroso em meu rosto significa.
– E como estão as coisas por aqui? Algum barraco armado
nos últimos dias? – muda de assunto e me olha, travessa.
– Há! Há! Muito engraçadinha, você. – Dou risada, disposta a
deixar a dor para trás.
– Você parecia uma daquelas pessoas barraqueiras, que
puxam o cabelo das outras no meio da rua. – Diana ri da minha
cara.
– Aquele cara quase bateu em você! – digo, divertida,
lembrando daquele dia.
– Penny, se não fosse pelo Arthur, você realmente teria dado
na cara daquele cliente, no dia em que eu conheci o Benjamin.
No mesmo instante, todo o divertimento em mim se esvai.
Meu sorriso morre, e sei que meu rosto tem uma expressão de
morte.
Arthur Rabello.
Só de ouvir o nome daquele idiota arrogante do amigo de
Benjamin, eu já sinto todo bom humor sumindo do meu sistema.
E toda a tentativa de manter minha alegria nessa conversa,
foi com Deus.
Minha amiga percebe minha mudança de humor e me olha,
entediada.
– Eu não acredito que você ainda tem essa… coisa com o
Arth, depois de semanas. – Cruza os pequenos braços finos na
frente do corpo.
Olho para cima. Estando sentada no lado de fora do Café da
Penny, vejo algumas nuvens dançando no céu acima de nossas
cabeças.
Dai-me paciência, Deus.
– Vai me dizer que você não se irrita com cada baboseira que
escapa daquela boca? – É uma boca bonita? Sim. No entanto,
ninguém precisa saber disso.
– Não, Penélope, eu não me irrito – responde e se inclina em
minha direção, apontando o dedo para mim. Juro por Deus, que ela
acha que tem três metros de altura. – E essa frescura que vocês
têm um com o outro, vai acabar.
Solto uma risada debochada e quase reviro os olhos.
Frescura.
Como ela consegue tolerar o babaca que se acha o homem
mais gostoso do mundo, eu nunca vou entender.
Abro a boca para contestar, entretanto Diana sorri para mim e
puxa sua bolsa do encosto da cadeira. O vestidinho branco florido
combina bem com seus saltos delicados que ela nunca larga. Meus
olhos se estreitam, quando seu sorriso se transforma em pura
malícia.
– A começar por sexta-feira – solta e começa a andar em
direção a parte de dentro do café.
Leva uns bons segundos até que eu entenda o que ela quis
dizer. Me levanto de supetão, arrastando a cadeira para trás.
– O que tem sexta-feira, Diana?
Ela passa por mim, ombros eretos e cabeça erguida.
Tá me irritando!
– Vamos ao Beer Pub na sexta à noite. Nós quatro.
– Quem, nós quatro?
Não sou capaz de controlar o tom da minha voz, de tão
desesperada que estou.
Nem se meu pai descer do céu agora e me mandar fazer
isso, eu faço.
Diana para do nada, em frente a porta de entrada e se vira
para mim.
Ela não responde.
Sabe que foi uma pergunta idiota, e a danada nem se digna a
responder.
Começo a negar com a cabeça, freneticamente.
– Não vou. Ah, mas eu não vou mesmo, Diana. – Solto uma
risada curta e nervosa – Não vou me sentar ao lado daquele homem
do capeta. Não vou!
Talvez eu estivesse jogando vinte e sete anos de maturidade
no lixo, mas eu não estou nem aí. Não quero passar a porcaria de
uma noite inteira ao lado do imbecil.
Diana não se abala.
– Por quê? – Cruza os braços ao questionar.
– Você sabe por quê.
– Não, Penélope. Na verdade, eu não faço a menor ideia do
motivo desse seu comportamento todo. Não faço ideia do que
aconteceu com vocês.
Sua afirmação me atinge, e minha boca se fecha no mesmo
instante.
Nunca contei o que houve entre nós na festa na mansão
Rabello, há meses. Aliás, nunca me permiti reviver aquele momento.
Simplesmente, porque odeio a sensação que me causa.
Vergonha.
Sinto vergonha daquilo e odeio Arthur mais ainda, por me
fazer sentir isso.
Raras foram as vezes em que me envergonhei de algo que
fiz, e isso é apenas mais um motivo para me manter longe do
moreno tatuado.
Ele desperta coisas em mim, e eu não quero lidar com elas.
– Isso não vem ao caso. De qualquer forma, estarei
trabalhando no meu novo projeto e…
– Você vai, Penny. Porque, diferente de você, ele aceitou.
Diana despeja a informação em mim, me dá as costas e sai
andando.
Permaneço parada, a raiva criando raízes em cada canto do
meu corpo.
Como pode?
Como pode continuar me desafiando, mesmo que eu nunca
mais tenha trocado uma palavra com ele em meses?
Como pode me tirar do sério, mesmo eu me esforçando para
ignorar sua existência com tanto esforço?
Só que ele consegue. Arthur me obriga a lembrar que ele
existe, que seu sorriso lindo existe, que sua presença cativante
existe. Ele consegue.
Eu não posso dizer não.
Não em meio ao desafio em que me colocou.
E mais uma vez, eu o odeio.
Nada melhor do que, depois de um dia cansativo no trabalho,
você finalmente chegar na sua casa. Quando se trabalha para
alguém ou para uma empresa, há uma carga horária de trabalho, e
chegando a certo ponto do dia, você simplesmente vai embora.
Quando se tem o próprio negócio, esse é um luxo que não se
pode ter. Eu, no caso, dona de uma franquia de cafeterias
espalhadas por aí, não tenho hora pra voltar. Meu trabalho,
dificilmente termina quando chego em casa, e isso é motivo
suficiente para tirar a dona Marta dos eixos.
Quase oito da noite é quando consigo enfim entrar em minha
residência, depois de uma terça-feira muito corrida. A casa em que
eu moro é a mesma em que cresci durante boa parte da minha vida.
De apenas um andar, um quarto, uma suíte, cozinha e sala, há
poucos meses esse lugar voltou a ser meu lar.
Depois de trancar a porta da frente, largar minha bolsa em
cima do sofá enorme que toma quase toda a minha sala, tirar
minhas botas de salto fino e deixa-las próximo ao aparador da
entrada, já me encaminho para os fundos.
Diferente da casa da maioria das minhas amigas, a minha
não cheira à janta recém pronta no início da noite. Como nunca sei
se chegarei em casa às cinco da tarde ou às onze da noite, costumo
deixar para decidir o que comer apenas quando chego.
Hoje, vamos de macarrão congelado.
Contudo, farei uma visita à minha mãe, sabendo bem que
quando passa das sete, ela já está preocupadíssima se comi direito
ou se estou trabalhando demais. Assim, passo pela cozinha e abro
a porta que vai em direção ao quintal.
Um anexo pequeno, porém, confortável, foi construído antes
mesmo de nos mudarmos para esse lugar há tantos anos, e dona
Marta entendeu que eu precisava de privacidade, depois de tudo o
que aconteceu.
Portanto, passou a morar na pequena casa aos fundos,
mesmo que eu tenha dito que poderíamos dividir a casa sem
nenhum problema.
Só que minha mãe é a pessoa mais sábia que conheço. Ela
sabia que, ao ir embora de onde estava morando, a sensação de ter
uma casa para retornar era, talvez, a coisa mais necessária para
aquele momento.
O momento em que eu fui embora.
Deixei minha própria casa, um homem que não me amava e
sonhos, para trás.
Depois de atravessar o extenso caminho de concreto até os
fundos, abro a única porta para a casa da minha mãe.
A entrada é para a cozinha, e assim que a abro, o cheiro de
sopa sendo preparada me atinge como um soco no meu estômago
vazio. Ele ronca. Alto.
Sorrio ao ouvir burburinhos vindo do quarto, que também
serve de sala, e me dirijo até lá rapidamente.
– Boa noite, senhoras – digo alto, antes mesmo de virar e
entrar no cômodo.
Dona Marta, minha mãe e dona da gargalhada mais gostosa
que já ouvi na vida, ri, enquanto à sua frente, Milene cora
ruidosamente. Minha irmã me olha, balançando a cabeça
negativamente, e imagino qual era o rumo da conversa que tinham.
– Boa noite, Penny. Sua mãe está ficando velha e mais
atrevida do que nunca. – Minha irmã empurra os cabelos lotados de
cachos loiros por cima dos ombros e arqueia uma sobrancelha.
Minha mãe respira fundo e estala a língua, antes de me olhar,
ainda na entrada do quarto.
– Sua irmã está me julgando por achar que o filho do
jardineiro, que veio podar minhas plantas hoje de manhã, é muito
bonito.
Me aproximo e deixo um beijo na testa dela, e outro na
bochecha de Milene.
– O que houve com o Roberto? Por que foi o filho dele quem
aparou suas plantas? – pergunto, me jogando ao lado da minha
mãe no sofá.
– O velho finalmente ouviu os meus conselhos e começou o
tratamento com aquele médico que indiquei. Sua coluna o impedia
de fazer seu serviço, e agora terá que ficar afastado por algumas
semanas – minha mãe responde ao me olhar nos olhos, os mesmos
olhos verdes da nossa caçula. – Só estava aqui dizendo à sua irmã,
o quanto foi gentil da parte do filho dele, Henrique, por estar fazendo
o trabalho, enquanto o pai não pode.
– Ah sim, claro. Não vamos nos esquecer de que a senhora
falou que tem uma filha da idade dele e que também está solteira –
a loira responde, olhando com repreensão para a mãe.
A risada sonora de dona Marta viaja por todo o cômodo
novamente.
– Ele disse que também ama tirar fotos! – É a minha vez de
dar risada.
– Mamãe! Não acredito que contou a ele o que eu faço –
Milene reclama.
– Ora, mas não foi planejado. Estávamos conversando
enquanto ele fazia o serviço, e acabei entrando no assunto.
– Sei… E por um acaso, o menino já sabe qual o trabalho e o
estado civil da sua filha mais nova. – Dou risada e me acomodo
melhor no sofá. – A senhora contou também que ela gosta de ler,
não contou? Aposto que também disse o quanto ela é inteligente, e
bonita, e simpática, não foi?
Minha mãe até tenta disfarçar, porém outra gargalhada
irrompe de sua boca. Tão contagiosa, que nem mesmo Milene
resiste. Acabamos rindo juntas da nossa mãe casamenteira.
Por mais que minha irmã fique emburrada com as atitudes da
nossa mãe, sabemos que ela não faz por mal. Apenas gosta de
achar que pode nos unir a alguém e conseguir o príncipe encantado
para cada uma das filhas.
Ela teve o seu, e viveram juntos até que ele não estivesse
mais conosco, e nunca mais namorou alguém. Pensar na morte do
meu pai, sempre me trará uma pontada dolorosa de saudade, e
minha mãe nunca mais ter sido capaz de amar outra pessoa, me
causa um misto de sentimentos.
Sentimentos esses que evito ter que lidar.
Quando as risadas cessam, minha mãe segura nossas mãos,
transmitindo aquele calor que só o seu toque pode causar.
– Não custava nada, sabe? O moço é tão bonito. Alto, forte,
com a pele negra e um sorriso tão carismático, que eu não pensei
duas vezes antes de falar sobre você, querida.
– Mãe…
– Não perca seu tempo mãe – interrompo Milene. – Essa daí
está esperando seu príncipe, desde que vocês contaram para ela
que ela era uma princesa.
Provoco a loira, que estreita os olhos em minha direção.
– É, mãe. Por que não fala sobre sua filha mais velha? Quem
sabe ela não deixa de ser sonsa e volta a beijar bocas por aí – ela
retruca.
– Filha de uma…
– Opa! Eu sou uma mãe incrível – Marta interrompe o
palavrão que eu provavelmente soltaria e dá outra de suas risadas
sonoras.
Faço uma careta para a loira, e ela devolve me mostrando a
língua. Ela sorri, eu sorrio de volta.
Entramos na onda da nossa mãe, porém sabemos muito bem
respeitar as decisões uma da outra. E por mais que nem ela e nem
eu, tenhamos mentido quando dissemos essas coisas uma da outra,
ainda assim, entendemos como cada uma se sente.
A última coisa que quero no momento é me envolver com
alguém. Seja com beijos, sexo ou algo mais sério. Mesmo que eu
sinta uma falta enorme de transar, não tenho um pingo de
disposição de ir atrás disso.
Eu nem saberia por onde começar.
Nossa mãe arqueja, lembrando-se da sopa ainda na panela e
começa a se levantar. A careta de dor que surge em seu rosto, e a
mão que voa diretamente para sua lombar, faz minha irmã e eu
endireitarmos a coluna.
– Mãe? Está tudo bem? – Milene questiona, apoiando a mão
nas costas dela.
Dona Marta sorri e respira fundo.
– Está sim, meu anjo. Foi só uma fisgada.
– Deixa que eu te ajudo – digo e seguro sua mão, ajudando-a
a se levantar do sofá.
Quando fica de pé, sorri grata para mim e caminha com
cuidado de volta para a cozinha.
Milene e eu nos entreolhamos, e a seguimos.
– Mãe, a senhora está tomando sua medicação
corretamente? – faço a pergunta, assim que entramos na cozinha.
A mulher abre a tampa da panela, e o cheiro de mandioca me
dá água na boca.
Huuum, sopa de mandioca! O macarrão congelado vai ter
que ficar para outro dia.
– Claro que estou. Não precisa se preocupar, Penélope – ela
responde, depois de mexer na panela com a colher de pau.
Ela retira a colher e assopra, antes de lambuzar o dedo e
experimentar um pouco. Sua cabeça balança em aprovação.
– Tem certeza de que não precisa trocar de remédio? Ou a
dosagem? Eu posso te acompanhar em uma consulta ainda essa
semana…
– Meu bem, não precisa. Sabe que as dores nunca vão
realmente embora – me interrompe.
Solto o ar pelos pulmões e quando olho para Milene, seu
rosto é tão apreensivo quanto eu me sinto.
Dona Marta foi diagnosticada com Artrite Reumatoide há
muitos anos. O que era apenas incômodo nas articulações das
mãos, se tornou dor e rigidez ao longo dos anos. A doença a
impede de fazer algumas coisas básicas, e com o passar do tempo,
fica cada vez mais difícil de lidar com ela.
Seus dedos já se encontram na forma que costumamos
chamar de pescoço de cisne, que consiste em suas juntas estarem
com uma certa deformidade e a primeira e a última articulação,
flexionadas e dobradas.
Suas dores, quando em crise, são intensas a ponto de já ter
tido que correr com ela para o pronto socorro mais próximo, por
seus remédios não fazerem efeito.
Além, é claro, de toda a carga emocional que isso lhe
causou. Minha mãe teve problemas de ansiedade por muito tempo.
Devido ao fato de, muitas vezes ter que pedir ajuda para lidar com
as coisas mais simples da vida, como amarrar o tênis ou prender o
botão da calça.
Agora, olhando-a retirar uma forma cheia de torradas de
dentro do forno, me faz pensar que nem isso fez a mulher desistir.
Com exceção de trabalhar, é lógico.
Obriguei minha mãe a deixar os trabalhos que costumava
fazer para nos sustentar, logo que abri o Café da Penny. Por mais
que uma Penélope muito nova tivesse decidido que sustentaria a
mãe e a irmã, levou bons anos para que isso acontecesse de
verdade. O máximo que consegui, foi colaborar com quase todo o
dinheiro que me sobrava e, com um bom planejamento e muita
paciência, pude investir na minha primeira loja.
Meu primeiro valor considerável foi todo para a minha mãe.
Era dela, porque se não fosse pela mulher de cabelos castanhos,
olhos verdes e risada cativante, nunca teria nem sonhado em ser
empresária.
Sorrio quando ela se volta para nós com o rosto sereno.
– Vamos jantar?
Milene e eu não hesitamos nem por um segundo, e corremos
para pegar nossos pratos, e nos servir.
Depois de um momento gostoso em família, minha irmã e eu
lavamos a louça, e deixamos nossa mãe dormindo em sua cama.
Já passa das dez da noite quando entramos na minha casa e
nos sentamos no meu sofá grande.
– Como estão as coisas no trabalho, bebê? – indago à
Milene, usando seu apelido carinhoso.
Ela solta um suspiro e dobra suas pernas em cima do sofá.
– Boas, trabalho é o que não falta, mas não vejo a hora de
trabalhar apenas com fotos. Todo o resto do marketing, não é tão
empolgante assim.
Milene é formada há pouco tempo e, aos vinte e três anos de
idade, ainda está em busca de uma empresa que a contrate
permanentemente e na área que ela tanto ama.
Fotografia.
Minha irmã é uma fotógrafa excepcional, e não é porque é
sangue do meu sangue que digo isso. Se está dizendo que trabalho
não falta, é porque sabem que ela é boa.
Suas redes sociais servem como plataforma para que mostre
a todos o mundo através de seus olhos e suas lentes. E ele é
maravilhoso.
– Tenha paciência, minha irmã. Essas coisas levam tempo
mesmo.
– Eu sei. E você? Já surtou com alguma coisa essa semana?
– Ela solta uma risadinha. – Mesmo que ainda seja terça-feira?
Rio, me lembrando do problema que tive em um dos
estabelecimentos, que fica dentro da rodoviária de Campinas. O
único funcionário que fala inglês não pôde ir trabalhar hoje, e eu tive
que sair correndo da onde estava para socorrer todos os outros
funcionários, que estavam apavorados por terem que lidar com o
gringo.
Dou de ombro.
– Nada demais. Uma terça qualquer. – Dou risada.
Ela me olha de lado e mexe nas unhas pequenas da mão.
– Nem mesmo um certo convite de casamento?
Meu sorriso some do meu rosto, e o aperto que surge no meu
peito, toda vez que penso nisso, retorna.
– É… Teremos que prestigiar nossas amigas no dia mais feliz
da vida delas.
– Como você está se sentindo?
Penso um pouco na sua pergunta e sou sincera:
– Confusa.
– Confusa? – Suas sobrancelhas se franzem.
– Sim. Sou madrinha das noivas e mesmo sabendo que
estarei muito feliz de estar ao lado delas no dia mais feliz de suas
vidas, ao mesmo tempo terei muitos sentimentos angustiantes
batalhando dentro de mim.
Bebê concorda com a cabeça.
– Eles vão estar lá… Os dois… – Solto uma respiração. –
Não sei nem como agir.
– Não precisa pensar nisso agora. O casamento acontece
daqui a pouco mais de um mês. Você estará preparada até lá – ela
afirma, tentando me motivar.
– Pois é, ainda bem que terei você, para não ter que passar
por isso sozinha.
Sorrio, porém quando vejo sua expressão mudar para triste,
eu me endireito no sofá.
– Você vai estar comigo, certo?!
Seu rosto agora fica agoniado, como se sentisse dor.
– Penny, me desculpe, mas não vou conseguir ir.
– O quê?
Praticamente grito e me levanto rapidamente.
– Eu realmente sinto muito, irmã. Lembra daquele curso em
São Paulo que eu fiquei acordada até de madrugada para conseguir
uma vaga?
– Lembro… – respondo e solto um resmungo, fechando os
olhos, angustiada.
– Vai ser no dia em que começa a festa. Conseguirei ir
apenas no sábado, no dia da cerimônia.
Um dia? Apenas um dia?
Não, não é o suficiente. Não é, de longe, o suficiente!
– Você não pode me abandonar assim, Milene! – Falta eu me
ajoelhar na sua frente.
– Eu lamento muito, Penny. – Ela se posta de pé e segura
minhas mãos. – Eu já paguei o curso, e ele é extremamente
concorrido. Eu vou aprimorar minhas técnicas de fotografia e sei que
isso vai me ajudar muito com meus trabalhos… Me desculpe.
Seu rostinho lindo se aproxima do meu, e seu cheiro gostoso
invade minhas narinas, quando me abraça apertado.
Eu a abraço de volta.
Sei que sente muito. Sei que se pudesse, não me deixaria na
mão.
– Tudo bem, Mih. Eu vou ficar bem.
– Vai mesmo? – fala, ainda com os braços ao meu redor.
– Vou sim. Como você disse – nos afastamos, e seus olhos
verdes brilham tristes para mim –, tenho um pouco mais de um mês
para encontrar uma forma de lidar com esse casamento.
Ela concorda com a cabeça, e posso ver pela maneira como
me olha, que se eu insistisse mais um pouquinho, ela deixaria seus
compromissos para me ajudar. É assim que Milene é.
Seu coração é bondoso e enorme demais para esse mundo.
Um mundo que não a merece.
Instantes depois, ouvimos um ruído altíssimo de moto e uma
buzina logo em seguida. Milene me dá mais um abraço apertado e
gostoso, antes de pegar sua bolsa em cima da minha poltrona e se
dirigir à porta.
Eu a sigo, e quando ela abre, vejo a responsável pelo barulho
ensurdecedor parada em frente à minha calçada.
A moto é desligada, e a dona ergue a viseira do capacete
escuro.
– Boa noite, loira furacão! – A morena linda sorri para mim.
– Boa noite, Yolanda. – Milene deixa um beijo no meu rosto e
vai até a melhor amiga. – Esse treco está com abafador?
– Não, tive que tirar, porque quebrou. Sorte que a gente mora
perto, e as chances de eu levar uma multa são pequenas.
Dou risada da mulher, enquanto esta, entrega um capacete
rosa e mais comum para a minha irmã.
Yolanda é melhor amiga de Milene, desde que ambas eram
pequenas. Com a mesma idade, passaram a morar juntas quando
se formaram na faculdade, e como minha irmã ainda não tem carro,
a morena vive dando carona para ela em sua super moto chique e
barulhenta.
– Cuidado na volta, mocinhas – grito, quando minha irmã se
acomoda na garupa da amiga e a abraça apertado.
– Pode deixar, mãe – Yolis responde, e eu dou risada.
A moto é ligada novamente, e o som do motor é tão alto, que
me encolho no lugar.
Cristo, essa mulher é doida.
Provando o meu ponto, a motorista acelera no lugar, fazendo
o som reverberar mais alto ainda, e eu honestamente não duvido
que um vizinho meu não esteja ligando para a polícia agora.
As duas acenam para mim, e eu sorrio, vendo-as se
afastarem.
Permaneço mais alguns segundos na minha porta, até que a
imagem delas suma no final da rua, assim que Yolanda vira na
primeira à direita.
E eu volto para minha solidão diária, ao entrar de novo em
casa.
Sou padrinho de um casamento. Minha amiga veio até a
minha casa ontem à noite, me convidou, e eu não teria como dizer
não. Thays me pediu desculpas por não contar sobre o casamento,
que já estava sendo planejado há alguns meses, e disse que está
tudo muito corrido.
Por mais que tenha me pegado desprevenido, ainda fiquei
extremamente feliz por elas e, obviamente, aceitei o convite.
Além de dar presentes caros e passar de mesa em mesa
pedindo dinheiro para os convidados durante a gravata, a única
outra coisa que eu sei que os padrinhos fazem, é desfilar pelo longo
corredor até o altar, antes dos noivos entrarem.
Quando questionei de quem eu seria par, ela simplesmente
disse que em breve eu a conheceria.
Não sei para que Thays resolveu fazer mistério, porém me
disse que queria ver minha reação quando eu descobrisse quem
era. Segundo minha amiga, ela é um mulherão.
Mais um motivo para me fazer aceitar esse convite sem
hesitar.
Permiti que me deixasse na curiosidade, apenas porque a
festa de noivado na casa dos Mariano é daqui a algumas semanas.
Vamos ver se meu par é mesmo tudo isso.
Entro às nove e meia em ponto na minha editora, depois de
uma reunião com um agente de publicidade no café da manhã, hoje
cedo. Ao que parece, uma das maiores construtoras do Brasil está
vindo para a cidade, e isso me interessa bastante.
Uma empresa grande como aquela, faria um impacto enorme
na economia da cidade. E enquanto os Castro Ribeiro não vêm para
cá, precisamos encontrar uma reportagem master, ainda para o
próximo mês.
Depois de cumprimentar as recepcionistas, entro no elevador
direto para o último andar. Puxo a gravata do meu pescoço, a
alargando e contando os segundos para me livrar dessa coisa.
Detesto esse negócio me apertando.
Poucos minutos depois, chego ao meu andar, e a barulheira
não perdoa. Meus colaboradores trabalham incansavelmente em
suas devidas tarefas, tudo muito bem organizado e dividido.
Ao me verem, seus sorrisos se abrem, e uma enxurrada de
bons dias me atinge em cheio.
Uma das coisas da qual eu me orgulho como chefe, é que
não preciso ser um carrasco para conseguir o respeito dos meus
funcionários. Aprendi que é melhor ter a confiança de seus
subordinados, do que o medo. O medo não traz lealdade, e na
primeira oportunidade, estão te apunhalando pelas costas.
Veja bem, simpatia não tem nada a ver com displicência. Ser
passivo é a última coisa que sou dentro dessa empresa, e meus
funcionários sabem muito bem o quão exigente sou.
Preciso ser ou não vamos continuar sendo os melhores.
E sempre seremos os melhores.
– Bom dia, chefe. Tá a fim de um cupcake? – Emerson fala
de boca cheia, quando estou alcançando a mesa redonda no centro
da sala, e eu dou risada.
Hum… Mais um lanchinho não vai matar ninguém, né?!
Assim que chego na mesa, e meus olhos batem nos diversos
alimentos em cima dela, paro imediatamente no lugar.
Reconheceria as embalagens cor salmão e azul, e o logo
bonito estampado nas caixas, e nos copos de cafés, de qualquer
lugar.
Eu reconheceria, porque eu já cansei de comprar diversos
produtos nessa cafeteria. Só que, no momento em que o cheiro
gostoso de café me atinge, a conversa com meu melhor amigo volta
à minha mente, e eu perco totalmente o apetite.
Emerson intercala o olhar entre os inúmeros produtos
espalhados na mesa e eu, que olho para cada um deles como se
fossem produtos direto de Chernobyl.
Bom, acho que encontrei um apelido adequado para a dona
desses produtos.
Chernobyl. É isso. Perfeito.
– O que foi, chefe? Não gosta da comida do Café da Penny?
Já provou esse café? É delicioso.
Completamente alheio à raiva borbulhando no meu
estômago, quando aquele rosto do capeta surge por trás dos meus
olhos, meu funcionário levanta um copo na direção do meu nariz, e
é inevitável não sentir o aroma.
Não é que até o cheiro dessa porcaria me irrita?
Afasto a cabeça na hora.
– Bom dia, pessoal. Obrigada, Emerson, mas eu já tomei café
da manhã.
– Ora, ora, ora. Nosso chefe saco sem fundo está negando
comida? – Laura, minha produtora surge do outro lado da mesa,
com um copo de café enorme, arrancando risadas de todos. –
Cuidado, gente. A previsão não é de chuva para hoje, mas acho que
Arthur acabou de mudar isso.
Mais risadas surgem ao redor, e eu começo a considerar
aquela ideia de ser um carrasco.
Reviro os olhos, pronto para ir até meu escritório no
mezanino nos fundos do andar, quando Lipe aparece todo
sorridente.
– Qual é a graça, minha gente? O Paper News veio à
falência? – Se refere ao nosso principal jornal rival.
– Não, Felipe. Ainda não nos livrarmos daqueles pés no saco
– Hanna, a revisora, brinca, antes de pegar um brownie de dentro
de uma caixinha de plástico e levá-lo à boca.
Droga, eu adoro esses brownies…
– Estão só enchendo o saco do chefe deles, Felipe. – Ajeito a
pasta na minha mão e não espero para começar a tirar a gravata
com a outra. – Acho que perderam o medo de ficarem
desempregados.
Outra cacofonia de risadas surge, e eu nego com a cabeça.
Eu sou uma piada para os meus próprios funcionários. Puta
que pariu.
– Seu chefe não quer comer nada, Lipe. Não é estranho? –
Emerson fala.
Meu amigo franze a testa para mim e vira a cabeça para o
café da manhã espalhado pela mesa, olhando-o de verdade. Antes
que possa fugir, seu rosto é tomado por compreensão, e ele começa
a gargalhar.
Os outros o acompanham, sem realmente saberem o motivo
do meu editor chefe estar rindo. Bufo, deixando todo mundo para
trás, não antes de soltar:
– Espero que estejam com seus afazeres em dia, já que está
todo mundo parado sem fazer nada. – Uso meu tom de voz nada
amigável, e as risadas param no mesmo instante.
Vai ser carrasco então.
Subo as escadas até minha porta de vidro e retiro de uma
vez por todas a gravata de mim. Deixando tudo em cima do meu
sofá, me sento na minha cadeira, pronto para ler os incontáveis e-
mails que já sei que lotam minha caixa de entrada. Mesmo que
tenha respondido todos os e-mails de ontem.
Mal começo a responder, e Janaína, minha secretária, bate
em minha porta, antes de entrar.
– Bom dia, Arthur. Trouxe aquela lista de opções para a
reportagem master, como me pediu ontem. – Deixa os papéis em
cima da minha mesa, antes mesmo de cumprimentá-la de volta. –
Também já deixei preparada sua apresentação dos resultados da
conferência do mês passado. A reunião está marcada para às dez e
meia.
– Bom dia, Jana. Obrigado. E sobre a festa…
– A festa de aniversário da Rabello’s Company? Conversei
com a Estela, a secretária do seu irmão, e os preparativos já estão
em andamento. Ainda na próxima semana, terei todas as
informações de que precisa.
Sorrio para a melhor pessoa que a Rabello’s Editorial já
contratou na vida. Não existe alguém mais competente e
profissional do que Janaína, e o aumento anual que eu dou para ela,
é o dinheiro mais bem gasto de todos.
– Eu já disse que te amo hoje? – Olho para a ruiva, que
sempre carrega um semblante sério.
– Hoje ainda não, chefe. – Um pequeno sorriso aparece em
seus lábios finos.
– Pois, se não fosse casada, eu te roubaria para mim. – Pisco
um olho, e ela nem ao menos cora.
O que costuma acontecer quando faço isso.
Ela estala a língua e deixa mais alguns papéis em cima da
mesa.
– Você teria que querer se casar para isso, Arthur.
Aponto o indicador para ela.
– Você tem um ponto.
Escuto uma batida na minha porta, e olhamos em sua
direção, vendo Felipe e Laura entrarem.
– Laura teve uma ideia para a reportagem master, Arth – o
homem fala, antes de se jogar no meu sofá, como se fosse o dono
do móvel.
Olho para a minha produtora, que permanece de pé, agora
próxima de Janaína. Muito mais educadas do que o folgado do meu
amigo.
Meus olhos vão para Felipe, e o sorriso endiabrado no seu
rosto me faz temer o que está por vir. Olho novamente para Laura, e
ela não diz nada.
Simplesmente balança seu copo enorme de café na mão e
sorri para mim.
– O Café da Penny! – conta sua ideia, empolgada.
– O quê?
A risada completamente desproporcional vinda do canto da
minha sala, é o suficiente para que eu duvide de que foi minha
produtora que teve essa brilhante ideia. Isso tem dedo do Felipe.
Olho para ele, enfurecido, o que serve apenas para que ele
ria mais ainda.
– Não é perfeito? A cafeteria já é a maior franquia da cidade,
e eu soube que estão pensando em abrir uma nova na outra cidade
e…
– Não!
Afirmo, alto e em bom som, cortando a fala dela.
Um tempo se passa, e o silêncio que fica em minha sala, me
faz finalmente erguer a cabeça do meu notebook e olhar para os
três.
As mulheres têm uma expressão confusa para mim,
enquanto Felipe balança a cabeça.
– O que é, inferno? – Meu tom amigável se foi, porque eu me
recuso a ficar bem, quando o assunto é Penélope e minha editora
na mesma frase.
– Por que não? – é minha secretária quem pergunta.
– Porque eu não acho que seja a melhor opção. – Dou de
ombros e volto a fitar a tela do computador, fingindo me concentrar
em algo ali.
Nem fodendo que vou ter que tolerar a presença da loira
Chernobyl quando estiver com meus amigos e ainda ter que trazer
sua contaminação para dentro do meu ambiente de trabalho.
Mesmo que ela seja uma das melhores empresárias da
cidade, ainda assim, não vou dar esse gosto a ela.
Sei que, no momento em que fizer a reportagem master, que
nada mais é do que diversas entrevistas e publicações sobre o
assunto ali abordado, o negócio dela vai decolar.
A conversa de semanas atrás, volta para a minha cabeça,
fazendo eu segurar o mouse do meu computador com mais vontade
do que o necessário.
Cabelos loiros, um cheiro de maresia, um rosto corado e uma
língua mortal.
“Isso me diz muito sobre seu caráter, Arthur… Vocês são
todos iguais para mim”.
Balanço a cabeça, afastando as lembranças.
Elas só servem para me tirar a paz.
– Desculpa, Arthur, mas talvez você devesse reconsiderar –
Jana fala, fazendo Laura concordar com a cabeça. – Até mesmo
porque a cafeteria está na minha lista de opções, a que te entreguei
agora.
Tiro meus olhos delas e puxo a lista ao meu lado. Passo os
olhos rapidamente, e o ódio que já estava dando as caras, resolve
aparecer de vez em mim, ao perceber que sim, a melhor opção é a
cafeteria da loira barraqueira.
No entanto, indo contra toda a lógica, pego minha caneta,
risco várias vezes – talvez vezes demais – o nome Café da Penny
da lista e estendo as folhas para Laura.
A morena me olha meio insegura ao segurá-las na mão.
– Essa é a lista que Janaína preparou. Dê uma olhada nela e
depois me diga as melhores opções.
– Mas, Arth… – a produtora começa, mas eu a silencio com o
olhar.
– Mais alguma coisa que gostariam de me informar? – Ambas
negam com a cabeça, sem abaixá-las ou se intimidaram. Apenas
estão seguindo ordens.
– Ótimo, estão dispensados.
As duas se viram e saem da minha sala.
Começo a responder o primeiro e-mail do dia, fingindo com
uma atuação impressionante, que meu amigo não está na minha
sala ainda. Quando cinco minutos se passam, e ele não diz nada,
solto uma respiração e enfim, o olho.
– A dispensa foi pra você também.
Ele permanece me olhando, com os olhos pretos e julgadores
para cima de mim.
Entra na fila, meu amigo. Pessoas para me julgar, tem aos
montes por aí.
– Vai mesmo ser teimoso desse jeito?
– Eu não me lembro de pedir sua opinião para decidir ou não
sobre essa reportagem, Felipe – digo, rispidamente.
Ele nem pisca.
– Arthur…
– Saia.
Sustento seu olhar por tempo suficiente para que ele suspire
e negue outra vez com a cabeça.
Se levantando lentamente, caminha até minha porta,
entretanto, ainda assim, me deixa um recado:
– Pensei que, como chefe, conseguisse separar as coisas. –
Me olha nos olhos, com uma seriedade que só vejo quando está
trabalhando. – Nunca imaginei que uma briguinha idiota que
aconteceu há semanas, pudesse ser mais importante do que sua
amada editora.
Penso em mandá-lo tomar no cu, só que me contenho. Felipe
encosta a porta atrás de si, e eu giro minha cadeira no lugar. A
cidade ensolarada está viva e completamente alheia aos meus
sentimentos conflitantes.
Sei o tipo de CEO que sou. Não preciso que me digam o que
é melhor ou não para essa empresa.
Mas está aí, igual uma criança contrariada, se negando a
falar com a mulher.
Balanço a cabeça e decido deixar minha consciência de lado.
Tenho muito trabalho a fazer.
Porém, durante todo o restante do dia, o cheiro de maresia
volta a atormentar minhas lembranças.
É a quarta vez que um sorriso sem dente é direcionado a
mim, e isso faz coisas inexplicáveis ao meu coração. Inclino-me em
direção ao pacotinho e sem ousar tocar minha boca em sua pele,
inspiro profundamente, sentindo o cheirinho de talco e recém-
nascido.
Ai, esse cheirinho.
Esfrego o nariz de um lado para o outro e recebo outra
reação do bebê. Não é exatamente uma risada, mas posso sentir
que ele gostou.
Completamente alheia às minhas amigas ao meu redor, meus
olhos ficam concentrados no menininho de pele marrom e muito
cabeludo para um recém-nascido, apoiado em meu colo.
Esteban Hernández Rodrigues nasceu há exatos trinta e dois
dias, e com exceção do dia em que nasceu, essa é a primeira vez
que todas nós vemos o filho de Rosa e John pessoalmente.
Decidimos esperar passar um mês, mesmo que tivesse vindo para a
casa no dia seguinte ao seu nascimento, apenas porque ele era
pequenininho demais para ter contato com o resto do mundo.
John, irmão mais velho de Diana, é casado com Rosa, irmã
mais velha de Yolanda. E o bebê é uma mistura diferente e linda de
ambos. Enquanto Rosa tem a genética mexicana de sua avó,
mamacita, seu marido tem o tom de pele negro. E então, Esteban
nasceu com a pele negra e cabelos lisos e pretos, como os da mãe.
É a coisa mais linda de todas.
Agora, a torcida de todos, é que o pequeno menino em meu
colo tenha herdado os olhos de sua genitora. Verdes escuros, que
lembram esmeraldas cintilantes.
Olho para a Rosita, deitada confortavelmente em sua
poltrona e me pergunto se o gênio da criança virá dela ou do pai.
Decido perguntar:
– Rosa, como Esteban é à noite? – Seu rosto foca no meu.
O sorriso que domina seu rosto toda vez que fala de seu filho,
é enorme.
– Um anjo, Penny. Só chora quando quer mamar e dorme
quando está de barriga cheia.
Sorrio de volta.
– Então é o temperamento do John que venceu, pelo jeito. –
Milene, Yolanda e Diana dão risada, enquanto a mãe de Esteban,
abre a boca e estreia os olhos em minha direção.
– O que quer dizer com isso, Penélope Duarte?
– Que você deveria dar graças a Deus por seu filho ter
herdado isso do pai ou estaria lascada, antes mesmo da criança
dizer as primeiras palavras. – É Yolanda quem responde, depois de
levar outro brigadeiro à boca, nos fazendo rir.
O bebê nasceu na metade de junho, bem próximo do
aniversário de Rosa. Porém, como preferimos deixar o neném ficar
um pouquinho maior para receber visitas, acabamos não
comemorando o aniversário da canceriana mais dramática que
conhecemos.
Portanto, estamos na casa de Rosa e John, para a noite das
garotas, que também serve de comemoração ao seu aniversário.
Como a quinta-feira era a única noite da semana em que
John estaria no Corpo de Bombeiros onde trabalha, essa foi a noite
escolhida para nos reunirmos. Claro que fiz questão de trazer o bolo
de Leite Ninho favorito da minha baixinha, além de brigadeiros,
beijinhos e camafeus.
Foi a única coisa que todas nós lembramos de trazer para
ela, porque o resto dos presentes não teve nada a ver com Rosa, e
sim com Esteban. Incontáveis sacolas de compras estão no canto
da sala do casal, trazidas por cada uma das suas tias babonas.
Eu sou tia, não importa se biologicamente apenas Yolanda e
Diana o são. Rosa sempre foi como uma irmã para mim, e John não
é muito diferente.
– Será que ele é assim apenas agora que é um bebezinho ou
vai ser sereno para o resto da vida? – Milene divaga, vindo assistir
Esteban se remexer deitado em minhas pernas.
– Não sei… Acho que as coisas podem mudar bastante
enquanto eles crescem – Diana comenta, deitada no carpete
confortável da sala, com a cabeça deitada nas pernas longas de
Yolis.
– Eu acho que ele vai ser assim a vida toda. – Todas me
olham atentamente. – Um bebê pode receber bastante influência
conforme vai crescendo, mas o jeitinho dele já diz muito, desde
cedo.
Minha irmã acaricia com o dedo a bochecha gorduchinha
dele, e sorrimos quando ele faz uma careta.
– Acho que ele está fazendo cocô – Bebê diz, soltando uma
risadinha.
– Não, isso tem cara de pré-choro da fome – discordo, e um
segundo depois, ele abre um berreiro.
Seguro-o com jeito em meus braços e me levanto, para
entregá-lo para a mãe. Me junto às outras duas no chão, vendo
Esteban chorar desesperadamente, até que sua mãe levanta a
blusa e lhe dá o peito para mamar.
O silêncio reina, e todas nós sorrimos com a cena.
– Tão lindo, não é? Amamentar deve ser muito bom – Milene
diz, sentando ao meu lado e segurando minha mão direita.
– No começo doeu como um inferno, mas agora é mais fácil –
Rosita fala, sem tirar os olhos do filho em seus braços.
– Argh, credo! Imagina um ser sugando algo de dentro de
você como um parasita? – Yolanda estremece, fazendo a cabeça de
Didi balançar. – Ainda bem que isso nunca acontecerá comigo.
Sorrio levemente, ao passo que as outras dão risada. Milene
aperta mais a minha mão na sua e a leva até a boca, depositando
um beijo delicado em meus dedos.
Sempre tão carinhosa e atenciosa…
– Ainda com essa ideia de não ter filhos, Yolis? – indago, me
esticando e pegando um camafeu de cima da mesa de centro com a
mão livre.
Um dos doces mais vendidos na minha cafeteria e um dos
meus preferidos, sem sombra de dúvidas.
– Com certeza. Ter uma pessoa crescendo dentro de mim e
amassando todos os meus órgãos como se eu não precisasse mais
deles? Nem a pau!
– Nem adotado? – Diana pergunta, e um sorriso brota em seu
rosto lindo. – Benjamin disse que um dia vamos adotar.
– Claro que disse. O Dr. Gostosão é o homem mais perfeito
do mundo – Rosita comenta, sorrindo de lado e arrancando risadas
de todas.
– Pelo menos, duas de vocês já têm o amor da sua vida. –
Yolis suspira, com os ombros caídos.
– Yolanda, não fale como se você sofresse com isso. –
Milene arqueia a sobrancelha para a melhor amiga. – Opção é o que
não falta pra você.
A morena apenas dá de ombros, os cabelos pretos um pouco
acima dos ombros, balançando com o movimento.
– Achei que fosse rolar algo mais sério com a Ana, semana
passada. Mas não rolou – informa, fazendo todas a olharmos com
as sobrancelhas erguidas.
– Quem diabos é Ana? – Rosa pergunta.
– Como assim, semana passada? – Diana se manifesta.
– Você não saiu com um cara que gosta de motos no
domingo? – Milene traz a informação, que muitas vezes não
sabemos, por não conseguirmos acompanhar as saídas da morena.
Yolis ri da nossa cara, e até Didi se levanta do seu colo.
– Gente, sem estresse. Ana é uma mulher que eu conheci
quando fui naquele show que teve no festival da cidade, e
transamos algumas vezes. – Ela estica o corpo, se espreguiçando,
como se todo mundo não estivesse prestando atenção nela com
expectativa. – Ela é muito gente boa, e achei que tivesse rolado algo
a mais, mas eu me enganei.
– O que tinha de errado com ela? – questiono.
– Carente demais. E eu detesto gente grudenta.
– E o tal cara que gosta de motos? – Diana pergunta por nós,
pegando mais um pedaço do bolo já cortado.
– Ah, eu dei pra ele no domingo.
Não diz mais nada, e ficamos em silêncio.
Yolanda olha para as nossas caras, que esperam uma
resposta mais elaborada, e franze a testa.
– O que, gente? Foi uma foda de despedida.
– Foda de despedida? – Bebê tomba a cabeça para o lado,
confusa.
– Sim, eu e Ana terminamos, e eu dei para o Fernando no
domingo.
Mais silêncio.
Uma risada começa a borbulhar no meu ventre, porém me
contenho.
– Yolanda?
– Hum?
– Como pode ser uma foda de despedida… – Olho em seus
olhos, e ela nos meus. – Se você transou com outra pessoa?
É a vez da morena tombar a cabeça, confusa, para mim.
– Ah é, né? – fala, e é o suficiente para todas nós cairmos na
risada.
Eu tombo para frente, minha barriga doendo de tanto rir, e sei
que as outras não estão muito diferentes.
– Ah, a vida dura de uma bissexual sem nenhuma vergonha
na cara. – Rosa ri, enquanto posiciona o Esteban em seu colo, para
fazê-lo arrotar.
– Coitada da mamacita… Como sua avó aguentou criar você,
é um mistério. – Minha melhor amiga sorri, com a boca suja de bolo.
Puxo o bolinho de guardanapos próximo das caixas de doces
e limpo a boca da baixinha, que não faz nada além de ficar parada
para que eu o faça.
– Já pensou se nossos pais estivessem vivos? – Rosita diz,
agora de pé, movendo-se e dando leves tapinhas nas costas do
neném. – Nosso pai ia ter crises de ansiedade toda semana, com
suas histórias.
Damos risada, todavia a lembrança do meu pai me toma sem
aviso. Seus cabelos loiros escuros, com alguns fios brancos
parecendo luzes em meio às mechas. O sorriso bonito, muito
parecido com o da minha irmã agora. Seus olhos azuis, tão claros
quanto os meus. As marcas de expressão ao lado deles,
denunciando o quanto o homem era sorridente.
E a saudade vem, trazendo consigo a lembrança da perda.
Perder alguém deixa um vazio eterno dentro de você. Você
continua sua vida, sabendo que há algo faltando. Algo que você
gostaria muito que estivesse ali, ao seu lado, mas que nunca poderá
ter.
A sensação de perda pode derrubar uma pessoa tão
intensamente que, dependendo de quem for, será difícil de se
levantar.
Meus olhos correm para a sala, parando alguns segundos a
mais em um canto específico dela.
Perdi muito, e se não fosse por essa família, barulhenta e
desproporcional, eu ainda estaria mergulhada nas profundezas da
minha própria dor.
O assunto muda, e o falatório não cessa por mais algumas
horas. Mesmo dormindo, o bebê Esteban nunca deixa o nosso colo,
que aproveitamos cada segundo para tirar uma casquinha dele.
Já no fim da noite, sou sorteada para lavar a louça do jantar
que Rosita havia preparado para nós. O que fiz com muito bom
grado, porque amo a comida feita pela minha pequena, que tem o
próprio Food Truck, onde vende os mais diversos pratos mexicanos.
Quando finalizo tudo, busco um pano de prato pela cozinha e
encontro-o na bancada do outro lado do cômodo. Assim que o puxo,
vejo que estava tapando uma revista em cima do tampo.
Adoraria que passasse despercebido, porém a foto na capa
me faz pregar os olhos em cima das folhas.
Se trata de uma revista de fofocas famosa na região,
entretanto não é isso o que chama a minha atenção.
O que me faz deixar o pano de prato de lado e segurar a
revista nas mãos, é o rosto estampando a primeira página. Em
letras garrafais está escrito:
“MAIS UM ENCONTRO DO HERDEIRO GALINHA. DESSA
VEZ, A FELIZARDA É A MODELO PÂMELA ABREU, QUE VEIO
PARTICIPAR DO EVENTO DE GALA QUE OCORREU NO PALACE
HOTEL SOFT, ESSA SEMANA”.
Arthur está muito elegante em um smoking sob medida,
sorrindo de lado, com os cabelos castanhos espalhados sem
controle sobre a cabeça, abrindo a porta de uma Ferrari para que a
modelo magrela dos cabelos vermelhos, entre. Solto uma risada de
escárnio, largando a revista de qualquer jeito em cima do balcão.
Não é a primeira e nem será a última vez que lerei uma
manchete chamando o CEO da Rabello’s Editorial de O Herdeiro
Galinha. Não sei o motivo disso me irritar instantaneamente, mas
arrisco dizer que seja porque só de pensar no traste tatuado, já é o
suficiente para roubar qualquer alegria de dentro de mim.
Quando volto para a sala, a imagem de Diana segurando
cuidadosamente seu sobrinho no colo, me traz outra lembrança.
A de que, em menos de vinte e quatro horas, estarei ao lado
de Arthur Rabello.
Aperto os dentes dentro da minha boca.
Perfeito. Uma noite inteira com o idiota arrogante. Tem como
piorar?
Ajeito o decote do meu body preto rendado por debaixo do
meu vestido xadrez estilo blazer, de cor preto e cinza. Bato minha
bota de cano longo e salto quinze fino no chão da calçada em frente
ao Beer Pub, passando a mão pelo meu cabelo, muito bem preso
em um rabo de cavalo diferente.
Faz alguns minutos que estou parada do lado de fora,
remexendo minha pequena bolsa de ombro com as mãos ansiosas.
Estou simplesmente tomando coragem para entrar.
Já mandei mensagem para a Diana, perguntando se ela e
Benjamin já chegaram, mas a maldita ainda não me respondeu. Não
gostaria de ter que ficar sozinha com ele, enquanto espero os dois,
entretanto a avenida já está ficando movimentada, e talvez não seja
uma boa eu ficar aqui sozinha.
Não sei dizer ao certo o motivo de estar tão ansiosa, porém
estou.
E muito.
Respiro fundo, tentando acalmar essa inquietação esquisita
dentro de mim.
E se eu entrar e me esconder no bar, até que o casal
chegue? É isso. Excelente ideia!
Decidida a me manter invisível a qualquer custo, dou o
primeiro passo em direção às portas escuras de vidro. A música
sertaneja me alcança antes de qualquer coisa, e quando finalmente
entro, vejo o quanto o local está lotado.
Dou mais um passo para dentro e a primeira coisa que vejo é
o bar nos fundos. A segunda coisa que vejo, são diversas cabeças
virando em minha direção.
Estou aqui – forçada, no caso – para acompanhar meus
amigos e o embuste arrogante, então já me preparo
psicologicamente para dispensar todos que tentarem alguma coisa
comigo, enquanto me escondo em uma das banquetas do bar.
Entretanto, quando começo avançar naquela direção, algo
me faz parar no lugar.
Sinto um formigamento na minha espinha, e aquela sensação
de estar sendo observada me domina.
Não sei dizer o motivo, contudo, sei exatamente quem me
observa atentamente. E ao virar minha cabeça lentamente para a
direita, tenho minha teoria confirmada.
No canto direito do bar, sentado todo relaxado, o par de olhos
castanhos está pregado em mim. Sinto o ar ao meu redor ficar
denso e tenho que me concentrar em minha respiração, para me
controlar.
Os cabelos bagunçados de um jeito arrumado, como sempre.
O braço apoiado no encosto do banco ao lado, completamente
coberto de tatuagens. O maxilar mais marcado que já vi na vida,
envolto em uma barba bem aparada e bem feita. A boca bonita,
apenas completando toda a obra divina que Deus resolveu fazer
com tanto capricho.
Arthur não quebra a troca de olhares. Nem sei se ele ao
menos pisca.
E quando a porta de entrada se abre de novo é que me toco
de que estou parada no mesmo lugar, encarando-o feito uma
maluca.
Endireito os ombros, jogo meus cabelos presos por cima
deles e tomo um fôlego, antes de começar a andar em direção ao
meu carma.
Durante todo o percurso até a mesa que ele escolheu, muitos
rostos me encaram, alguns até tentando chamar minha atenção. No
entanto, ela está toda no homem de pele bronzeada e músculos
esculturais.
A camiseta preta não faz nenhum esforço de esconder os
braços fortes e o peito marcado pelas incontáveis horas na
academia, que eu sei que ele passa.
Faltando alguns metros para finalmente alcançá-lo, Arthur me
olha dos pés à cabeça, sem nenhuma vergonha na cara. Aperto
minha bolsa nas mãos, ao ver um sorrisinho de deboche em sua
boca, antes de ele levar a caneca de cerveja até ela.
Assisto seu pomo-de-adão se mover, quando a bebida desce
pela sua garganta, e essa droga não deveria ser tão sexy.
Até o pescoço do infeliz é bonito.
Paro na sua frente e logo digo:
– Arthur.
Ele simplesmente continua engolindo a cerveja, olhando em
meus olhos e me fazendo esperar. Ele esvazia todo o copo, deixa-o
com um baque surdo na superfície da mesa e continua sem dizer
nada.
Inquieta, começo a pensar que deveria simplesmente dar as
costas e ir embora. Mas então o bonito abre a boca:
– Penélope.
Rouca. Sua voz soa mais rouca do que eu me lembrava, e eu
amaldiçoo meu próprio corpo por reagir ao som.
Engulo em seco, passando meus olhos pelo lugar, apenas
para ver as outras pessoas ali e não ter que ficar sustentando seu
olhar penetrante.
– Eles ainda não chegaram, caso esteja se perguntando isso
– ele me diz, fazendo-me olhá-lo de novo. – Mas você pode se
sentar. Eu não mordo, sabe?
Fiquei, de verdade, esperando que completasse a cantada
com um “a não ser que você peça”, porém ela não vem. Arthur solta
uma risadinha, como se soubesse o rumo dos meus pensamentos,
e eu bufo, me sentando à sua frente a contragosto.
Um garçom se aproxima, e eu rapidamente peço minha
bebida favorita:
– Um Sex on the Beach, por gentileza. – O moço concorda
com a cabeça e se vira para Arthur.
– Mais uma dessa, por favor – pede, só que sem tirar os
olhos de mim.
Assim que o garçom se afasta, ele apoia os cotovelos em
cima da mesa, e seu perfume alcança meus sentidos.
– Você gosta mesmo dessa bebida… – afirma, chamando
minha atenção.
– Como disse?
– Sex on the Beach. Você gosta do drink, pelo jeito –
responde, me deixando um pouco confusa.
– Como sabe que eu gosto dessa bebida?
– Foi a que você mais pediu quando esteve na minha casa.
Parece que Arthur está determinado a me fazer lembrar da
discussão que tivemos há uns meses, trazendo exatamente esse
dia para a conversa. Só que não é isso que chama a minha atenção.
– Você viu o que eu consumi naquela noite? E ainda se
lembra? – Sua expressão debochada, que não havia abandonado
seu rosto em momento algum, vacila por um instante.
Ele logo volta a se recostar no banco, apoiando seu braço
forte novamente no encosto. Meus olhos passam rapidamente pelos
desenhos permanentemente pintados em sua pele, e consigo
identificar poucas coisas ali.
– Eu me lembro de muitas coisas que meus convidados
fizeram naquela noite, loirinha. – Olho em seu rosto e o vejo dar de
ombros. – Que tipo de anfitrião eu seria, se não observasse meus
próprios convidados?
Minhas sobrancelhas se franzem com sua resposta. Naquela
festa, quase toda a sua empresa estava presente. Seria quase
impossível ele ter prestado atenção em todo mundo.
Estou pronta para lhe dizer isso, quando nossas bebidas
chegam. O copo em forma de ampulheta é deixado à minha frente,
o fundo alaranjado e a parte superior avermelhada, com uma rodela
de limão siciliano cortada ao meio na borda, me dá água na boca.
Levo o canudinho até a minha boca e sugo a bebida, grata
pelo álcool invadindo o meu corpo. Fecho os olhos, apreciando o
sabor e pensando no quanto eu precisava de um desses. Pela
semana caótica e pela companhia sentada bem na minha frente.
Isso me faz olhar para Arthur de novo, que tem a mão
preguiçosamente apoiada em sua caneca grande de cerveja, sem
ainda tomá-la.
Termino de engolir, temendo ter parecido uma alcóolatra por
beber o drink como se fosse a última água do deserto.
Pigarreio, totalmente desconfortável com o seu escrutínio
incessante.
Corro meus olhos novamente pelo lugar, incomodada com o
silêncio insuportável que se estendeu sobre nós. O bar lotado de
todo tipo de gente, é revestido de madeira e com alguns pontos
mais bem iluminados que outros. Quando minha paciência ameaça
se esgotar, eu digo a primeira coisa que me vem à cabeça:
– Você vem sempre aqui? – No momento em que as palavras
saem da minha boca, eu quero tomá-las de volta.
Só que não tem jeito. Ouço a risada do babaca que divide a
mesa comigo.
– Isso é uma cantada, loirinha? – Seu tom desdenhoso ao
usar o apelido irritante, me faz fechar a cara.
– É claro que não, Arthur. Como se eu quisesse alguma coisa
com você.
É sua vez de fechar a cara. O ego ferido mostrando as caras.
Quase reviro os olhos.
– Como você consegue ser tão desnecessária assim? – me
questiona.
– E como você consegue ser tão arrogante desse jeito? – eu
devolvo.
Ele resmunga alguma coisa que envolve Chernobyl, mas eu
não ouço direito. Tomo mais um longo gole da minha bebida,
diretamente da borda e ignoro o canudinho, decidindo ignorar Arthur
também.
A irritação constante quando esse homem está perto de mim,
já está presente, me obrigando a pegar o celular de dentro da bolsa
e ver se Diana me respondeu.
Nada.
Perfeito.
Mais um extenso e silencioso momento recai sobre nós dois,
e meus olhos permanecem abaixados. Não preciso olhá-lo, para
saber que os seus estão em mim.
O que tanto ele me olha? Por Deus.
Mordo o lábio inferior e decido encará-lo de volta.
Arthur abre a boca e hesita por alguns segundos, quando
direciona o olhar para os meus lábios, e então pisca, antes de dizer:
– E a família, vai bem?
– Jura que está puxando assunto, perguntando por minha
família?
Ele me olha, emburrado.
– Estou tentando aqui, Penélope. Colabora, porra.
Reviro os olhos e solto uma lufada de ar. Então tá, né.
– Elas estão bem, obrigada por perguntar. – Sorrio,
ironicamente, e ele nega com a cabeça – E a sua?
– Estão todos bem. Empolgados para o casamento do ano.
Ele engole mais um pouco da bebida, e isso me faz lembrar
do meu convite para outro casamento do ano. Dou uma risada curta.
– Empolgados eles estariam se fossem para o mesmo
casamento que eu vou. – Seus olhos castanhos permanecem nos
meus. – Serão sete dias de festa, e eu nem sei como vou fazer pra
deixar minhas cafeterias sem minha supervisão por tanto tempo
assim.
Arthur se engasga com sua bebida e tosse, batendo o punho
no peito. Arregalo os olhos e quase estico minha mão para ajudá-lo.
No entanto, não chego a tanto.
– Meu Deus, Arthur. Não vai morrer agora, caramba. –
Benjamin provavelmente acharia que eu fui a assassina.
– Você… Você disse sete dias de festa? – Sua voz está
rouca, quando finalmente para de tossir.
– Sim – respondo, ainda preocupada com o seu estado de
saúde.
– Puta que me pariu! – exclama alto, fazendo algumas
pessoas nos olharem.
Não tenho ideia do que ocasionou sua reação e espero, em
silêncio, que me explique. Arthur põe as mãos na cabeça, apoiando
os cotovelos na mesa e depois as arrasta pelos cabelos,
despenteando o não penteado.
Levanta os olhos bonitos para mim de novo e me olha como
se estivesse com uma dor de estômago desgraçada.
– Por acaso… O casamento é entre duas mulheres? – me
pergunta, fazendo-me tombar a cabeça de lado.
– É. Thays e Larissa, os nomes das noivas.
Agora, uma risada muito escandalosa sai do jornalista à
minha frente, e eu sinceramente acho que está ficando louco.
Quando para de rir, de sei lá o que, ele aproxima o rosto de
novo, por cima da mesa. Seus dentes mordem o lábio inferior, e eu
falho majestosamente ao tentar não olhar nessa direção.
A língua umedece o ponto em que seus dentes estiveram há
poucos segundos, deixando um brilho sobre o lábio desenhado.
Pisco, no momento em que um calor estranho me invade e foco em
seus olhos.
– Ao que tudo indica, terei que te aguentar mais vezes do que
gostaria.
– Do que está falando? – digo, entredentes.
– Estou falando, Penny, que minha família e eu fomos
convidados para o mesmo casamento. – Minha boca se escancara.
– Além de conhecer Thays há anos, a família Mariano é muito
próxima da família Rabello.
– Ah, não… – resmungo, não me importando sobre como
isso soa.
– Pois é... Também não estou nada feliz em ter que te
suportar por uma semana inteira, queridona.
Olho para ele com raiva.
– Dá pra parar com os apelidos ridículos, seu idiota?
– Não vou parar com porra nenhuma, loira Chernobyl.
Que filho da puta!
– Babaca arrogante!
O sorriso que dá, me irrita mais ainda, simplesmente por ser
tão lindo, que sinto vontade de quebrar cada um dos dentes
perfeitos.
Ótimo, porque já não basta ter que tolerar o estrume do meu
ex, ainda terei que olhar para cara desse idiota por sete dias
inteiros.
Talvez, eu precise de uma bebida mais forte.
Ainda trocando olhar com o moreno tatuado, que se acha a
última bolacha do pacote, sinto meu celular vibrar por cima da mesa.
Coincidentemente, o de Arthur também recebe uma notificação.
Olhamos ao mesmo tempo para nossos aparelhos, e eu vejo
uma notificação de uma mensagem da Diana.
Diana: Penny, você vai ter que me desculpar. Mas aconteceu
um imprevisto, e eu não vou conseguir ir hoje.
Eu:
Você está me zoando, né? DIZ QUE ESTÁ ME ZOANDO,
DIANA!!!
A mensagem não demora a ser lida, e ela logo está digitando
uma resposta.
Diana: Por favor, não me odeie!
Eu:
Que imprevisto foi tão urgente a ponto de me deixar plantada
aqui, te esperando, com o insuportável do amigo do seu
namorado???
Diana: Foi um imprevisto… Muito complicado…
Levanto meu rosto para Arthur, que me olha no mesmo
instante. O semblante irritado me diz que recebeu a mesma
informação que eu.
As palavras que deixam a minha boca, são as mesmas que
deixam a sua:
– Estão transando!
Jogamos os celulares em cima da mesa ao mesmo tempo, ao
passo que uma risada sem humor, deixa meus lábios.
– O filho da puta virou a porra de um coelho – Arthur
resmunga, terminando sua cerveja de uma vez.
Não poderia discordar, nem se eu quisesse. Depois que
aqueles dois finalmente ficaram juntos, minha melhor amiga se
transformou em uma ninfomaníaca.
E me dar um bolo, foi o ápice do seu vício em sentar no Dr.
Gostosão.
– Ótimo – eu falo.
– Perfeito – ele fala.
Nos entreolhamos, e sei que uma certa lembrança passa pela
sua cabeça, pela forma intensa que me olha.
Dessa vez, eu não sustento.
Não deixo que veja minha vergonha.
Guardo às pressas meu celular dentro da bolsa e começo a
me preparar para ir embora.
– Onde está indo? – Arthur me pergunta, e eu o olho,
confusa.
– Estou indo embora, não é óbvio?
Ele ri, claramente debochando da minha cara e passa a
porcaria da língua por cima do lábio inferior de novo.
E lá vai meu corpo reagindo a esse simples movimento.
Que merda.
– Eu sabia que você desistiria na primeira oportunidade –
murmura, e uma raiva descomunal se apossa de mim.
– O que quer dizer com isso, Arthur?
– Você não é surda, ouviu muito bem o que eu disse.
– Não fale como se fosse gostar de continuar comigo aqui,
enquanto nossos amigos estão fodendo e pouco se importando com
nós dois.
– Você não sabe do que eu gosto ou não, Penélope. Não
saberia nem se parasse para prestar atenção. – Seu maxilar
esculpido se contrai. – Mas vai lá. Volta pra sua zona de conforto.
Suas palavras me atingem como um tapa na cara de mão
virada.
– Por que quer tanto que eu fique? – Cruzo os braços, ainda
no mesmo lugar.
– Não é que eu ame a sua companhia tão calorosa e
simpática, Chernobyl. – Meus lábios se apertam, e eu estou a um
passo de jogar minha bolsa na sua cara. – Só estou pensando que
seria bom começarmos a nos acostumar com a presença do outro,
já que daqui a menos de um ano, nossos amigos provavelmente já
estarão fazendo preparativos para o próprio casamento.
Minha respiração para na garganta, ao constatar que está
correto. Do jeito que as coisas andam, serei madrinha de casamento
de novo, daqui a pouquíssimo tempo.
Respiro fundo e me acomodo no banco, aceitando a situação
de vez.
Arthur arqueia uma sobrancelha, e eu passo a ignorá-lo,
quando chamo o garçom e peço mais uma bebida para mim.
Ele faz o mesmo.
Minha perna se move inquieta por baixo da mesa, e meus
braços continuam cruzados sobre meu peito.
De novo, o silêncio chato nos acomete, e eu tento me distrair
com as pessoas ao meu redor.
Meus olhos se fixam do outro lado, em um casal sentado em
uma roda de amigos.
O moço loiro e de olhos azuis tomba um pouco para trás,
buscando uma visão privilegiada do decote da mulher negra ao seu
lado. Sem perceber a secada que o cara está dando, ela ri,
movimentando-se e fazendo com que seu decote se acentue mais
ainda.
O cara nem pisca.
E então, faço uma das coisas que costumo fazer desde muito
nova. Invento uma história para eles.
Melhores amigos. O loiro sempre foi apaixonado pela mulher,
porém ela nunca percebeu isso. Todas as noites que passaram
juntos, foram uma tortura, pois ele sempre foi obrigado a ouvi-la
contar sobre seus namoradinhos. Sendo que ele queria ter sido um
deles…
– Gosta de dardos? – A voz de Arthur me tira da minha
própria imaginação.
– Perdão? – pergunto, ao me voltar para ele.
– O jogo de dardos do outro lado, era pra lá que estava
olhando, não era?
– Ah, sim… Era sim – minto, percebendo só agora, que atrás
do casal tem uma área com alguns jogos, e os dardos são um deles.
– Já jogou alguma vez? – Bebe um gole da sua cerveja, que
eu nem tinha visto chegar, juntamente do meu drink.
Dou de ombros.
– Sou muito boa nisso, na verdade.
Um brilho desafiador surge em seus olhos, e eu já sei quais
serão suas próximas palavras.
– Ah, eu preciso tirar isso à prova. Aposto que ganho de
você.
Tento esconder um sorriso, levando minha bebida à boca,
entretanto é impossível.
É tão arrogante, que nem cogita perder.
Simplesmente me levanto, segurando meu copo em uma
mão, e minha bolsa em outra.
Uma risada deixa sua garganta, antes de Arthur também se
levantar.
Corro os olhos pela calça jeans apertada, marcando as coxas
muito fortes. Subo o olhar para o seu rosto, e o sorrisinho no canto
da boca, nunca o abandona. Mesmo com meus saltos altíssimos,
Arthur consegue ser mais de cinco centímetros mais alto que eu.
Solto uma respiração e lhe dou as costas, em direção aos
fundos do bar.
Há poucas pessoas aqui, o que deixa o canto um pouco mais
intimista do que o resto. Deixo minha bebida e minha bolsa em uma
cadeira próxima de nós, enquanto Arthur retira os dardos de um
suporte um pouco abaixo do alvo pregado na parede.
Quando ficamos frente a frente, olho do alvo ao nosso lado
para a sua mão, estendendo seis dardos para mim.
Por alguns segundos, reflito se é realmente uma boa ideia
jogar o jogo com o homem irritante à minha frente. Seu olhar ainda
tem aquele brilho desafiador de antes, e sua sobrancelha se ergue.
Ele sabe que estou hesitando.
Agarro os dardos da sua mão e não me passa despercebido
o sorriso que tenta esconder, bebendo sua cerveja. Ele também a
deixa de lado e volta para mim, remexendo as peças em sua própria
mão.
– E então, o que vamos apostar? – questiono, sentindo
aquela adrenalina, que uma boa competição sempre me causa.
– Apostar?
– Você quem disse que aposta que ganha de mim… – Ele ri e
pensa por alguns segundos.
– Quem perder, paga as bebidas das próximas três vezes
que sairmos com nossos amigos.
Meus olhos se arregalam.
– Três?
Ele encolhe os ombros.
– Tenho certeza de que vão nos convidar novamente.
Entorto minha boca de lado e concordo com a cabeça.
Isso, com certeza, vai acontecer de novo.
– Tá certo, então. Quem começa?
– Primeiro as damas. – Ele dá um passo para trás. – Mas,
sinto lhe informar que sou muito bom em…
Não permito que termine. Em segundos, me posiciono de
frente para o alvo, levanto o dardo com minha mão direita e o atiro.
Vejo a expressão da mais absoluta surpresa no rosto de
Arthur, quando acerto o alvo no meio.
Perfeito.
Ele olha de novo para mim, e sua cara me faz cair na
gargalhada.
O pobre coitado ainda não me conhece. Eu nunca perco!
No momento em que consigo controlar minhas risadas,
percebo que ele permanece me olhando. Paro de sorrir na hora, e
ele engole em seco.
Limpando a garganta, ele solta uma risada anasalada.
– É claro que você seria uma adversária à altura.
E se posiciona onde eu estava, atrás da marca no chão e de
frente para o alvo.
Arthur segura o dardo, concentrado em sua mira, e eu mordo
o lábio inferior em expectativa.
Só que nada… Absolutamente nada, me preparou para ouvir
a voz que veio de trás de nós.
– Penélope?
Um calafrio sombrio atravessa todo o meu corpo, me
paralisando instantaneamente.
O homem ao meu lado para os movimentos e vira a cabeça
para trás. Sinto seus olhos em cima de mim, curiosos sobre a
pessoa que me chamou.
– Penny? – de novo, a voz me chama, me obrigando a me
virar.
Marcos está parado na minha frente, uma mão na cintura fina
da loira ao seu lado, e a outra no bolso da calça social. Ele sorri,
sem graça, intercalando o olhar entre mim e Arthur.
O moreno se posiciona mais ao meu lado, não sei se
incomodado com os olhares inquisitórios do meu ex ou se por outra
coisa.
– Boa noite – é o jornalista quem fala.
Não consigo dizer nada.
Não consigo pensar.
Não consigo ao menos respirar.
Achei que olhar para o rosto do meu ex noivo depois de
tantos meses, não fosse me causar nenhum impacto, mas me
enganei.
Nossa, como eu me enganei.
Seu rosto quadrado e marcante tem uma expressão confusa,
e quando dirijo o olhar para sua namorada, esta encontra-se
extremamente constrangida.
Meu corpo fica tenso, e a vontade que tenho é de gritar para
todos nesse lugar, o quão porco esse homem é.
No entanto, eu não o faço.
Pelos próximos segundos, fico sem dizer nada, sentindo meu
rosto esquentar com a mais pura raiva vagando por todo o meu
sangue.
– Quem é esse? – o desgraçado pergunta, apontando para
Arthur, como se ele não estivesse bem aqui, ao meu lado.
Alguma coisa acontece no meu interior.
Não consigo controlar, é um impulso tão forte e tão
desesperador, que quando vejo, já estou abrindo minha boca.
– Esse aqui é Arthur Rabello. – Minha mão voa para a mão
livre do jornalista, e pela minha visão periférica, o vejo olhar para
mim. – CEO e Diretor Executivo da Rabello’s Editorial e… – Meus
olhos buscam suas esferas castanhas, antes de eu dizer a pior
coisa que já disse na vida. – E meu namorado.
A Penélope enlouqueceu. Está absolutamente fora de si, e
essa é uma constatação tão doida, que eu não consigo ter reação
nenhuma.
Estou tão confuso, que começo a perceber algumas coisas
ao meu redor.
A primeira, é que a pele da loira furacão é quente. Muito
quente. Sei disso, porque faz pelo menos um minuto inteiro, que a
mulher está segurando a minha mão, e a sensação de calor da sua
palma é transmitida para a minha.
A segunda constatação, é o loiro playboyzinho, que está
agora me olhando com desdém, como se eu fosse um pedaço de
bosta de vaca. A garota ao lado dele, me parece tão envergonhada
de estar aqui, que eu sinto pena dela.
A terceira, e principal, constatação é: Penélope acabou de
dizer que sou namorado dela?
Porque a noite pode estar sendo uma mistura de momentos
esquisitos, mas eu ainda não fiquei surdo.
Agora, Penny está com os olhos fixos em mim, desesperados
para que eu continue com sua farsa. E eu não faço ideia do que
caralhos está acontecendo.
Vamos aos fatos dessa noite. Começando com a entrada
triunfal da loira bunduda, que fez cada pau daqui de dentro, prestar
atenção nela. E eu fui um deles.
O corpo bonito dentro das roupas estilosas, o rosto com
pouca maquiagem destacado por um rabo de cavalo elaborado, e os
olhos tão azuis, que me lembram mares com águas cristalinas,
simplesmente me fizeram manter os olhos nela do momento em que
chegou, até agora.
Odeio o fato de simplesmente não conseguir prestar atenção
em outra coisa.
Penélope está tão acostumada a chamar a atenção por onde
passa, que mal percebe o impacto que causa em todos, com a sua
presença marcante.
E então, meu melhor amigo escolhe foder a noite toda,
parecendo a porra de uma cadela no cio, e me larga para lidar com
um furacão sozinho.
Não basta ser atraente para um caralho, a desgraçada tem
que ser chata e inconveniente a cada frase que sai da boca bonita e
carnuda. E quando penso que poderíamos ter um momento em que
não iríamos nos alfinetar a cada duas palavras, isso acontece.
Agora, estou olhando para seus olhos azuis, tentando, sem
emitir nenhuma palavra, entender o que raios está acontecendo.
Suas sobrancelhas se erguem, os lábios são umedecidos pela
língua, e nenhuma palavra é dita. Eu já estou começando a perder a
paciência.
Quer saber? Foda-se! Eu não deveria nem ter vindo para
essa merda.
Assim que cogito soltar minha mão da sua, uma sensação,
quase que imperceptível, me impede.
Um tremor.
Não de mim, de Penélope.
Olho para o mauricinho brega, que não sabe combinar o tom
da gravata com o resto das roupas, e olho para ela de novo.
A situação está mais difícil para ela, do que imaginei, pelo
visto.
Por um instante, Penny fecha os olhos. Acho que imagina
que não conseguiu me convencer a participar dessa encenação,
que eu sinceramente ainda não entendi o motivo.
Respiro fundo e decido seguir meus instintos.
Solto minha mão direita da sua, e ela prende a respiração,
porém faço o contrário do que realmente deveria fazer. Estendo a
mão para o loiro engomado, que hesita por alguns segundos, antes
de aceitá-la.
– E você seria? – Uso um tom de voz que costumo usar para
passar confiança, apenas para que não suspeite dos meus
segundos de silêncio, quando Penélope me anunciou como
namorado.
O idiota não diz uma palavra, apenas fica olhando para nós.
Como o idiota não faz nada, retiro os dardos das mãos dela e os
deixo, com os meus, no suporte na parede e volto a me aproximar.
O corpo todo de Penny fica tenso, quando arrasto minha mão
direita por suas costas e a deposito em sua cintura. Puxo seu corpo
um pouco mais próximo do meu, tudo isso sem quebrar nosso
contato visual.
Sua respiração está presa, quando nossos corpos ficam mais
colados, e eu desço minha cabeça até sua orelha, longe dos
ouvidos alheios.
– Respire, loirinha – sussurro, apenas para que ela ouça e
sinto o cheiro de maresia invadir minhas narinas.
Os pelos arrepiados de sua pele, fazem algo com o meu pau,
que deveria ficar bem quietinho agora. Tudo fica ainda pior, quando
uma lufada de ar quente deixa seus lábios e atinge meu rosto.
Vejo-a engolir saliva, e arqueio uma sobrancelha para ela.
Se é para fingir, então que seja a melhor atuação de todas,
meu bem.
Com o rosto um pouco corado, a mulher engole em seco e
respira fundo, antes de se voltar para o casal, que não fez nada nos
últimos segundos.
– Arthur, este é Marcos, meu ex-namorado. E essa é sua
namorada…
– Noivo.
A voz de taquara rachada do cara, me faz virar a cabeça em
sua direção e encarar seus olhos azuis opacos.
– Como? – questiono.
– Eu sou ex-noivo da Penélope – o bostinha endireita a
coluna, ao responder.
Parabéns, idiota. Quer um prêmio?
Que tipo de pessoa se orgulha em ser ex? Puta que pariu.
– É… isso… Ex-noivo – Penny concorda, ainda meio avoada
com tudo o que está acontecendo.
A mulher ao lado do merdinha pigarreia e o cutuca com o
cotovelo.
– Ah, certo, e essa é a Samara, minha namorada.
– Prazer em te conhecer, Penélope – a mulher fala pela
primeira vez.
A loira furacão apenas lança um sorriso sem dente em
resposta, e eu começo a entender o que está rolando.
Um silêncio gritante se estende sobre nós, muito pior do que
os que aconteceram entre mim e Penny a alguns minutos atrás.
Esse é regado de segredos, mágoas e constrangimentos.
E eu fui arrastado para isso. Que lindo.
– Então… É uma surpresa te ver de novo, depois de tanto
tempo. Nunca te vi nesse bar antes.
O tal Marcos tenta puxar assunto apenas com a Penélope e
ignora a mim, e à sua própria companheira. Um exímio filho da puta
cuzão.
– A gente passou a frequentar esse lugar há pouco tempo,
não é, amorzinho? – respondo por ela, atraindo a atenção de todos
para mim.
Vejo os lábios da minha “namorada” ficarem em uma linha
fina, provavelmente puta pelo apelido que eu lhe dei. Sorrio de lado,
a desafiando a discordar.
Ela força outro sorriso, antes de me responder:
– Exatamente, benzinho.
Faço um esforço descomunal para não cair na gargalhada, e
o jeito como entorta a boca, me faz pensar que talvez também
esteja se segurando para não rir.
– Entendi… – o cuzãozinho chama nossa atenção de novo. –
Há quanto tempo estão juntos?
Nos entreolhamos ao mesmo tempo, seus olhos arregalados
de preocupação.
Tsc… Tsc… Tsc... Tem muito o que aprender com o mestre
da atuação aqui, loirinha.
– Estamos juntos há pouco tempo. – Me viro para o idiota,
falando tranquilamente, sem realmente responder à sua pergunta.
– Isso, é recente – Penny concorda.
Começo a fazer círculos com os dedos na cintura fina de
Penélope e vejo o momento em que os olhos do mauricinho voam
naquela direção. Um músculo do seu maxilar se contrai, e eu não
sei porque, mas a sensação de causar desconforto no ex-namorado
dela é muito boa.
Muito boa mesmo.
No entanto, o corpo de Penny se enrijece mais, mostrando-
me o quão desconfortável está com o meu toque.
Minha vontade é de dizer que foi ela quem começou, porém
eu fico quieto.
Principalmente quando ela pousa uma mão em meu peito,
deixando seu corpo se acomodar melhor no meu e apoia a cabeça
no meu ombro.
Mesmo usando uma camiseta, o mesmo calor que eu senti
quando nossas mãos estavam unidas, agora é passado para o meu
peito. Isso causa um arrepio inconveniente e não solicitado em meu
corpo, a ponto de ter que inspirar profundamente para me controlar.
– Bom… Nós já estávamos indo… – Penélope começa, só
que o imbecil a corta.
– Você também recebeu o convite para o casamento da
Larissa, né?
Opa, opa! Não vai me dizer que esse otário também vai estar
no casamento.
– Por acaso, você foi convidado? – Deixo nítido o desprezo
em minha voz, ao me referir a ele.
Ele apenas ri, forçadamente, exibindo os dentes
extremamente brancos e nem um pouco naturais.
Penny suspira ao meu lado, me fazendo olhá-la.
– Marcos é primo da Larissa, Arthur. Ele está na lista de
convidados.
– Ah…
É o que me limito a dizer.
A família Mariano é tão grande quanto a minha, seria
impossível eu me lembrar dele. Mal lembro dos integrantes da
minha.
– Querido, precisamos … Você sabe… – Samara diz
baixinho, e o feio do seu namorado se empertiga.
– É, certo. Precisamos mesmo ir.
Ele ameaça dar um passo em direção à Penélope, e é
instantânea a recusa de seu corpo, quando ela dá um passo para
trás.
Involuntariamente, puxo mais o seu corpo para o meu, em um
movimento de proteção que eu nunca fiz com qualquer outra pessoa
na minha vida.
Pelo menos, Marcos não é tão burro quanto pensei e percebe
nossas reações, parando no lugar, antes de se aproximar. Ele
também agarra mais forte a cintura da namorada, e meus olhos
sentem tanta vontade de se reviraram, que chegam a lacrimejar.
Muito otário, puta que pariu.
– Bem, boa noite. Nos vemos no casamento, Penélope. –
Mais uma vez, ele faz questão de fingir que mais ninguém está aqui.
– É, talvez tenhamos a sorte de te ver no casamento, Marcos.
– A ironia sai deliciosamente por minhas palavras, e sei que o
babaca capta a mensagem.
Penny não diz nada, e ele fica esperando. Chego a sentir
vergonha e nem sou quem está passando.
Quando percebe que não terá o que tanto quer, concorda
com a cabeça e simplesmente vai embora com a mulher a tiracolo.
Imóveis, permanecemos juntos vendo o casalzinho
atravessar as mesas, pagar a conta no balcão da entrada e sair do
estabelecimento.
Mais alguns segundos se passam, até que resolvo quebrar o
silêncio:
– Eu nem sei o que dizer…
No mesmo instante, Penélope se desvencilha de mim e
começa a andar de um lado para o outro. Ouço tudo quanto é tipo
de impropério sair de sua boca rosada, enquanto seus olhos
permanecem no chão.
Cruzo os braços, apoiando o corpo numa pilastra e
esperando que o surto passe.
O que eu consegui entender foi: o loiro oxigenado é seu ex-
noivo, veio até nós para exibir a atual para Penélope, e ela se viu
desesperada para fazer o mesmo.
Fui usado? Sim. Contudo, não é isso o que me incomoda.
O que me incomoda é o fato de essa Penélope, ter sido noiva
de um bosta como aquele.
Ela realmente cogitou se casar com ele?
Decido esclarecer essa dúvida.
– Você realmente disse sim quando aquele pedaço de
estrume te pediu em casamento?
– O quê? – Ela finalmente para de andar e me olha.
– Você teria coragem de viver a vida ao lado daquele
bundão? – Aponto o dedo na direção de onde ele estava, há pouco
tempo.
– Não sei se percebeu, mas o fato de ele ser um ex, quer
dizer que não há mais a possibilidade de me casar com ele, Arthur.
– Tá, mas você noivou. Como pôde ser noiva de um cara
como aquele?
– Olha, eu não preciso de você para me lembrar disso,
inferno!
Agora, eu desencosto de onde estava apoiado e ando em
sua direção, até estarmos de frente.
– Mas precisa de mim pra fingir que sou seu namoradinho,
né?
Sua respiração está acelerada, e eu vejo os peitos tentadores
subirem e descerem no decote da peça rendada que usa.
O que tem de insuportável, tem de bonita.
– Não é como se sua atuação fosse super convincente,
amorzinho!
– Foi convincente o suficiente pra irritar o seu ex, benzinho! –
devolvo, totalmente irritado. – Você nem ao menos me agradeceu
por te ajudar.
– Agradecer? Te agradecer? Eu estou fodida, Arthur.
Completamente fodida. – Ela ergue os braços para o alto, antes de
deixá-los cair ao lado do corpo.
– Mas de que porra você está falando, Penélope?
– Estou falando que daqui a um mês estarei naquela porcaria
de casamento, sem a merda de um namorado comigo.
– Não acha que deveria ter pensado nisso, antes de segurar
a minha mão e me dar apelidos, cacete?
Meu tom de voz se eleva, espelhando a irritação colossal que
essa maldita me causa.
– Pensar? Acha que eu pensei em alguma coisa, porra?
Agora ela grita, pouco se importando com todos ao nosso
redor.
– E você pode me esclarecer o motivo de estar brava
comigo? Tudo o que eu fiz, foi seguir o fluxo da bagunça que você
causou.
E com isso, Penélope se cala.
Seus olhos cor de mar estão absolutamente intensos em
mim, que posso jurar que a cor azul de suas írises está mais nítida
do que nunca.
Há sentimentos, os mais diversos sentimentos passando por
eles, só que um em específico, me deixa intrigado.
Culpa.
Não sei porque ela se sentiria culpada. Algo me diz que o fim
do noivado não tem nada a ver com ela, e isso me deixa confuso
pra cacete.
Não tenho tempo de perguntar, pois seus olhos se fecham
quando ela respira fundo e assim que se abrem, não têm mais o
brilho mortal de segundos atrás.
– Tem razão. Vou poupá-lo de lidar com as consequências
das minhas escolhas, Arthur.
Dando as costas para mim, anda até a cadeira em que sua
bolsa está, a segura e começa a ir em direção à saída.
– Espera, você vai embora assim? Sem dizer mais nada? –
Nem um “obrigada” ou um “me desculpe por fazer você fingir ser
meu namorado”?
– Pode ter sua noite de volta, Arthur… Faça o que você
sempre faz e me deixa em paz – murmura essa resposta ridícula,
sem nem olhar para trás.
Fico puto. Possesso. Enfurecido.
E eu nem sei porque exatamente.
Só sei que amaldiçoo Deus e o mundo, enquanto assisto a
bunda grande de Penélope se afastar quase correndo em direção à
porta. Ela a abre e desaparece do lado de fora.
Olho para o lado e vejo seu Sex on the Beach inacabado,
cerrando meus dentes dentro da boca.
A desgraçada nem pagou a conta!
Que noite merda, puta que pariu.
Você me paga, Benjamin. Me paga.

Não consigo respirar direito. Minha cabeça dói, e eu não


consigo controlar meu próprio corpo.
Eu não faço a menor ideia de como eu peguei um Uber para
cá, de como entrei na minha casa e em que momento enchi minha
banheira de água, e entrei dentro dela.
Só sei que faz muito tempo que estou aqui, tentando com
todas as minhas forças me controlar, para não deixar as lembranças
entrarem.
Arranho meus braços, que envolvem minhas pernas,
forçando minha mente a pensar em outra coisa, mas é difícil. Puxo o
ar com força, muita força, porém meus pulmões não se preenchem.
Não tem ar o suficiente.
E eu sei o que é isso. Sei porque estou assim.
É simplesmente porque não quero que aquelas memórias
apareçam, não quero me lembrar.
Não quero.
Não quero.
Não quero.
Contudo, meus pulmões doem. Minha cabeça tem uma
pressão tão grande, que estou com medo de acontecer algo.
Não vá por esse caminho, não vá.
No entanto, eu tenho que ir ou então nunca mais vou respirar
direito.
Por isso, puxo uma quantidade de ar e mergulho.
Mergulho na água da minha banheira e nas profundezas da
minha maior dor.

São três e meia da tarde. Por mais que o acidente com a


fábrica tenha me impossibilitado de fazer aquela verificação, e eu
tenha que adiar por semanas outra visita, terei a chance de fazer
uma surpresa para o Marcos.
Mal cheguei a sair da cidade, porque recebi um telefonema
dos responsáveis pela fábrica de chantilly, dizendo que o local foi
completamente interditado. Mas eu não me permiti perder o
controle. Acidentes acontecem, e, como uma pessoa positiva que
sou, posso tirar proveito desta situação.
Paro o carro dentro do estacionamento do meu prédio, sem
conseguir conter minha empolgação.
Já faz um tempo que vínhamos conversando sobre, e acho
que hoje é uma oportunidade incrível. Vou até usar aquele conjunto
de lingerie que comprei mês passado.
Por que não?
É para isso mesmo.
O elevador parece subir com uma lentidão fora do normal,
porém sei que é a minha ansiedade. Assim que as portas se abrem,
minhas chaves já estão na minha mão.
Abro minha porta, com o coração palpitando e assim que a
fecho atrás de mim, percebo que alguma coisa está errada.
Sabe quando o ambiente está diferente? A energia do lugar
já não é mais a mesma? Pois bem.
Atravesso o corredor para a sala e a primeira coisa que eu
noto, é a camisa de Marcos jogada de qualquer jeito no sofá.
Estranho, pois ele é sempre muito organizado.
Continuo andando e, ao mesmo tempo que meus olhos
captam as imagens na minha frente, um aperto vai se formando ao
redor do meu coração.
Por favor, diz que estou enganada.
Por favor!
No entanto, o sutiã largado na cadeira da minha mesa de
jantar, não é meu.
O vestido caído no corredor, não é meu.
Os saltos pretos, não são meus.
E os sons…
Os sons de dentro do meu quarto, com certeza não deveriam
estar saindo de lá. Não quando uma das pessoas que dorme lá
dentro, está aqui do lado de fora.
E eu tomo a decisão de me machucar mais. Apenas para
garantir que entendi tudo errado, e que o homem gemendo por trás
dessas paredes, não é o meu.
A porta está entreaberta, e quando eu a abro por completo,
os gemidos ficam mais altos.
Bile sobe por minha garganta.
Meu estômago embrulha, e minha visão embaça.
Dois corpos. Ela por baixo, ele por cima.
Ela me olha, ele me olha, um grito.
Não sei dizer se é meu, dela ou dele.
Dor.
Dor.
Dor.
Meu peito se rasga. Minha alma se quebra. E eu dou as
costas.
Saio correndo, sentindo meu rosto molhado. Sentindo meu
corpo tremendo. Minha alma despedaçada. Minha vida destruída.
Alguém me agarra.
É ele.
Os olhos arregalados, a respiração descompassada, a mão
tapando o pênis ainda ereto.
Ele não diz nada.
Por que não diz nada?
E assim, a raiva finalmente aparece. Pela humilhação, pela
confiança quebrada, pela falta de respeito e consideração, que
deveria receber de quem dizia me amar.
Minha mão voa para o seu rosto perfeitinho em uma
velocidade anormal.
Ouço seu pescoço estalar e vejo seu rosto ricochetear para o
outro lado.
Doeu, porque minha mão arde.
Que bom.
Mesmo com a palma em chamas, e a mão trêmula, consigo
segurar o anel caro em meu dedo. Sem fazer muito esforço, porque
está mais largo, devido a perda de peso que tive nos últimos meses,
retiro-o do meu dedo anelar.
Eu o jogo no peito avermelhado, ainda parado à minha frente.
Vejo os olhos de Marcos se fecharem por alguns instantes,
sua mão posicionada onde meu tapa foi dado, o maxilar cerrado de
impaciência.
Ele diz algo.
Eu não ouço.
Não ouço mais nada e dou as costas.
Para sempre. Como eu achei que nosso amor seria. Para
sempre.

Saio debaixo d’água e puxo uma quantidade gigantesca de


ar.
Consigo respirar. Respiro, e respiro, e respiro muitas vezes.
Dói, meu coração dói, e eu sinto muita raiva.
Contudo, a raiva é de mim. A raiva é por ver o homem que
quebrou meu coração e não conseguir ser indiferente. A raiva é de
mim, por trazer outra pessoa, que não tem absolutamente nada a
ver com a minha vida, para lidar com meus problemas.
Penso em Arthur.
Ele me irrita, é um arrogante insuportável, adora me tirar do
sério, mas não merecia esse show de horrores que foi essa noite.
Ninguém merecia.
Talvez só eu, simplesmente por ainda me importar.
Não faço ideia do que aconteceu comigo, como disse, eu não
pensei. Só fiz.
E que grande merda eu fiz.
Por três motivos, essa foi uma das piores decisões da minha
vida.
Um: Arthur terá assunto para tirar uma com a minha cara pelo
resto de nossas vidas, e sei que me machucará mais do que ele
imagina, e que eu deixarei transparecer.
Dois: Foi ainda mais humilhante a constatação de que eu me
submeti a essa situação, de um jeito tão ridiculamente fácil, apenas
por ver meu ex com a mulher que ele divide a cama que um dia foi
nossa.
Três: Eu disse que tinha um namorado. Eu disse que estava
namorando, e daqui a um mês, eu me sentirei mais idiota ainda, por
aparecer na frente deles novamente, mas sem nenhum namorado
comigo.
Abaixo minha cabeça, a enfio dentro da água de novo e solto
um grito a plenos pulmões, ainda submersa, vendo as bolhas se
espalharem ao redor.
Ergo meu corpo, respirando pesadamente e faço isso mais
uma, duas, três vezes, até que esteja me sentindo melhor.
Certo, Penélope, hora de resolver seus problemas.
Finalmente, saio da banheira, depois de sei lá quanto tempo,
puxo minha toalha do toalheiro e me enxugo lentamente.
Faço isso com o meu cabelo e aqui, no banheiro mesmo,
começo a secar minhas mechas encharcadas. Depois de
desembaraçá-las, uso um creme em meu rosto, outro em meu corpo
e outro em minhas mãos.
Saio do banheiro para o meu quarto, pego meu babydoll de
seda azul bebê, confortável como eu gosto, e vou até minha
cozinha. Lá, uma caixa está posicionada no balcão, deixada por
mim ainda mais cedo.
Dona Benta está trabalhando em um novo tipo de torta e me
pediu para experimentar.
Essa, sem dúvidas, é uma das melhores coisas do meu
trabalho. Mesmo que todas as receitas passem por um grupo seleto
e específico de pessoas, nenhuma deixa de passar por mim. A
aprovação final é sempre minha.
Puxando o caixote branco e o abrindo, vejo a torta de
amendoim intacta e impecável. Minha cozinheira principal informou
que criou um novo recheio para a receita que já existia, e cá estou
eu, pronta para experimentá-la.
Sento à mesa do canto da cozinha, depois de pegar um
prato, uma faca e um garfo.
Me acomodo, pego um pedaço e respiro fundo.
O que raios vou fazer agora?
Levo o pedaço até a minha boca e mastigo.
Não posso apenas aparecer no casamento, ao lado de
Arthur, e fingir que nada aconteceu.
O sabor está realmente um pouco diferente, e tento identificar
o que é. Como mais um pedaço.
Arthur teria que dizer a todos, que havia namorado comigo
por um tempo, e que terminamos. Ou seja, continuaria mentindo.
É um gosto azedo, ainda está difícil de entender o que é esse
ingrediente. Ao que parece, não faz muito tempo que o comi.
Seria também mais um item incluso na situação humilhante
em que me coloquei, sabendo do burburinho que causaria o fato de
não ter conseguido manter um relacionamento por nem um mês.
Mordo outro pedaço da torta.
Não posso deixar isso acontecer. Não posso deixar que o
embuste pense que venceu. Que ainda me vence.
E então, um pensamento me faz parar o garfo na metade do
caminho.
Não foi a percepção de que o sabor diferente e singelo em
meio a torta é de limão siciliano.
O que faz minha garganta travar em uma respiração e meu
coração disparar, é uma ideia.
Uma ideia maluca, terrível e ridícula.
Provavelmente, a pior ideia de todas.
Só que, ao fechar os olhos e imaginar os piores cenários,
aparecer solteira nesse casamento, é o pior deles.
Então sim, vou seguir com esse plano.
O que me resta agora, é convencer o Arthur.
É sábado de manhã, e eu estou com uma bela dor de
cabeça. Seria incrível se a dor fosse porque curti a noite inteira e
dormi muito pouco, porém não foi o que aconteceu.
Eu bebi, mas na minha casa.
Depois do fiasco que foi ontem à noite, apenas voltei para cá.
Paguei a droga da conta com uma irritação tão grande, que não tive
pique nem para procurar outro entretenimento.
Não por conta de dinheiro, que nunca foi problema para mim,
mas por puro orgulho. O fato de a loira furacão ter me deixado para
trás, me incomodou mais do que o normal.
O que não faz nenhuma porra de sentido, porque tudo o que
eu queria, era me livrar daquela atrevida insuportável e seguir minha
vida sem seus julgamentos ridículos.
No entanto, por alguma razão, ser deixado para trás, me tirou
do sério.
Talvez seja porque fiquei curioso em entender melhor o que
havia acontecido. Por mais que tenha minhas teorias, sei que só
saberei o que realmente se passou pela cabeça de Penélope, se ela
for sincera e honesta comigo.
Esse pensamento me arranca uma risada irônica.
No dia em que aquela mulher me der sua sinceridade, eu fico
sem ouvir Anitta por uma semana.
Termino de vestir minha calça de moletom por cima da cueca
e usando apenas isso, desço para tomar meu café da manhã.
Moro em uma mansão de três andares, composta por dez
quartos, quinze salas, um escritório, um cinema particular, uma
cozinha imensa, além da área de lazer, duas piscinas, banheira de
hidromassagem, campo de futebol, quadra de tênis e de basquete.
Eu sei, é ridículo.
Não uso nem metade de todos os lugares daqui, e a outra
parte, eu nem sei o que tem dentro. Contudo, foi a casa mais
afastada que encontrei e, além de me manter longe da encheção de
saco da minha família, ainda me permite dar festas até tarde da
noite, pelo simples fato de que não há vizinhos.
A mansão é no topo de um morro, e mesmo que canse subir
e descer três longos lances de escada todos os dias, ainda é a
minha melhor opção.
Finalmente, alcanço o primeiro patamar, ouvindo vozes
baixas de alguns dos meus colaboradores, afinal, não conseguiria
manter uma casa desse tamanho organizada e limpa, sozinho.
Mesmo que tenha total capacidade para isso, porque meus
pais fizeram questão de me ensinar como ser um ser humano
decente e fazer minhas próprias coisas, eu não tenho tempo.
A Rabello’s Editorial tem tudo de mim, e isso complicaria as
coisas.
Depois de me dirigir até a parte de trás da minha escada
principal, sigo direto para a cozinha, já sentindo o cheiro de café
passado.
Inspiro profundamente, meu estômago já implorando pelo
pedaço de bolo que eu sei que acabou de ser preparado.
Sorrio ao atravessar a entrada da cozinha e ver minha
governanta ajeitar meus talheres por cima da ilha.
– Hum… Mas que manhã digna da realeza. Não sabia que eu
havia virado uma princesa – digo, e a senhora de cabelos grisalhos
e rosto severo, me olha.
– Bom dia, senhor Rabello – ela me cumprimenta, e eu não
resisto a revirar os olhos.
– Bom dia, Teteza. – Deixo um beijo na sua bochecha e vou
até o armário pegar minha caneca. – Será que eu vou ter que
ameaçá-la com demissão para que deixe de me chamar assim? –
Seu rosto se mostra entediado. – Estamos no Brasil, ninguém
chama as pessoas desse jeito.
Ela estala a língua e se senta ao meu lado.
– O senhor não sobreviveria dois dias sem mim.
Dou risada e nem nego.
A senhora me aguarda cortar o primeiro pedaço de bolo de
fubá, posicioná-lo em cima do meu prato e depois dar o primeiro
gole do café preto, e com muito açúcar, para começar a se servir.
Tereza trabalha para a minha família desde antes de eu
nascer. Quando saí da casa dos meus pais e vim para esta, trouxe
minhas roupas num braço e a governanta no outro.
A mulher é uma máquina, de tão eficiente. E como minha
querida mãe queria que seu filho mais novo fosse muito bem
cuidado, não contestou quando praticamente tirei a mulher de lá.
E por mais que seja mais uma das centenas de pessoas que
trabalham para mim e receba um salário gordo e digno todo mês,
minha única exigência foi que nossos cafés da manhã fossem
juntos.
Levei três meses para convencê-la disso.
Do que adianta ter uma casa enorme como essa, se não
tenho outra pessoa com quem compartilhá-la? E, como fiz a escolha
de ficar aqui, eu não precisaria ficar sozinho sempre.
Além disso, Teteza é praticamente da família, então…
Tomamos nosso café da manhã em um silêncio confortável, e
depois de comer o bolo… e os pães, as torradas com geleia, o
sanduíche natural, os biscoitos, tomar a vitamina, comer uma salada
de frutas e beber mais duas canecas de café, eu me sinto satisfeito.
Sim, eu sou um saco sem fundo, como meus funcionários me
chamam.
Eu amo comer e eu como muito.
Não sei se é pelo metabolismo acelerado ou sei lá o quê,
mas eu sempre fui desse jeito. No início, quando era mais novo,
meus pais até chegaram a me levar no médico, que na época disse
que eu estava em fase de crescimento.
Bom, eu acho que ainda estou nessa fase, porque nada
mudou.
Assim que deixo minha caneca na lava-louças, ouço o som
do interfone da entrada. Olho confuso para o relógio na parede, que
marca nove e quarenta da manhã.
Quem será a essa hora?
Tereza se apressa até a entrada, para ouvir o interfone e
depois de algumas concordâncias, o coloca novamente no gancho,
se virando para mim. Chego no meu hall de entrada, olhando-a com
expectativa.
– Senhor, uma mulher chamada Penélope Duarte está aqui.
Arregalo meus olhos de surpresa.
– Quem?
– Penélope Duarte, senhor.
– O quê?
– Penélope Du..
– Eu sei, eu sei. Eu entendi, mas… o que ela está fazendo
aqui?
Faço a pergunta idiota com a minha cabeça girando, e nem é
pela dor de ter bebido duas garrafas de vinho ontem à noite.
O que merda a Chernobyl está fazendo aqui?
Começo a olhar de um lado para o outro, não sei se tentando
descobrir o que a trouxe aqui ou se checando se alguma coisa está
fora do lugar.
Claro que está tudo no lugar, Arthur. Você tem uma equipe
para isso!
Chacoalho a cabeça para afastar os pensamentos confusos e
ouço a voz da minha governanta:
– Quer que eu a dispense?
– Não! – o comando sai como um grito, e é a vez da senhora
à minha frente arregalar os olhos.
– Senhor?
Fecho minhas pálpebras por um instante. Mas que porra deu
em mim?
Certo. Vamos lá.
– Ela pode entrar, Tereza, me desculpe. – Ela concorda com
a cabeça e antes que segure o interfone de novo, eu volto a dizer: –
Espere. Qual é a sala que tem aqueles vasos antigos e caros pra
cacete?
Ela hesita por um segundo, antes de responder.
– É no terceiro andar, à direita, senhor.
– Perfeito. Vou esperá-la lá dentro. – Começo a dar meia
volta, porém mudo de ideia. – Não, melhor. Vou estar na biblioteca.
Isso. Melhor.
Ela me olha, confusa, e quando não me movo, solta o ar pela
boca.
– É a quarta porta à esquerda, no segundo andar.
Sorrio e lhe lanço uma piscadela.
– Você é a melhor, Teteza.
Subo correndo as escadas até o andar indicado e alcanço a
porta rapidamente.
Nem lembro quando foi a última vez que estive aqui. Os livros
que eu costumo ler estão todos no meu escritório ou no meu quarto.
Olho ao redor do cômodo e a primeira coisa que faço, é me olhar no
espelho ornamentado pregado na parede próxima à porta. Como
sempre, meus cabelos estão uma bagunça, e eu tento colocar o
mínimo de ordem neles.
Não muda muita coisa.
As prateleiras de madeira estão posicionadas em frente à
grande janela com vista para o jardim dos fundos. Há um divã logo
abaixo delas, e um sofá no meio do cômodo. Além de algumas
mesas e poltronas.
Puxo qualquer livro da primeira prateleira que eu vejo e me
sento no sofá. Sinto um certo desconforto, como se esse não fosse
o melhor lugar para estar e então corro para o divã. Estendo meu
corpo, que mal cabe no móvel, colocando um braço por trás da
cabeça, e o outro segurando meu livro.
Assim que meus olhos batem no título, eu engasgo com
minha própria saliva.
“Dicas para prevenir pelos encravados na região pélvica.” É o
título.
– Merda! – solto uma exclamação, voltando a me mover.
Quase caio ao sair do divã e corro mais uma vez para as
inúmeras prateleiras. Largo o exemplar da minha mão em qualquer
lugar e volto a focar nos outros títulos. Passo os olhos
apressadamente, em busca de um que não me faça parecer um
adolescente com problemas com acnes.
Sorrio quando encontro algo que me agrada e me apresso a
voltar para onde estava, ouvindo burburinhos se aproximando. Me
jogo de novo em cima do divã, fazendo a mesma pose
despreocupada, quando ouço leves batidas na porta.
– Entre – digo alto e em bom som, ao passo que contraio
meu abdômen.
Qualquer pensamento se esvai, quando o monumento em
forma de mulher, surge na porta aberta da minha biblioteca.
Caralho!
Eu não estava preparado para a visão de Penélope usando
um vestidinho curto rosa claro, sandálias baixas e cabelos soltos ao
redor do rosto, logo pela manhã.
Suas belas e torneadas pernas, que estão à mostra, ficam
belíssimas na roupa simples. Vejo a cintura fina, e os seios fartos
acomodados num decote comportado.
É uma bela de uma visão, e eu sinto o impacto do que ela faz
comigo, enquanto engulo em seco.
Os olhos azuis oceano se arregalam levemente quando me
veem deitado seminu, e, involuntariamente, contraio mais ainda a
minha barriga.
Foda-se o que isso significa, deixá-la impactada tanto quanto
ela me deixa, está sendo doentiamente delicioso.
Fecho o livro na minha mão e me levanto lentamente, não
perdendo nenhum mísero detalhe do rosto de Penny. Seus lábios se
contraem, e suas mãos apertam a pequena bolsa pendurada em
seu ombro, quando começo a caminhar em sua direção.
Talvez eu esteja caminhando devagar demais, pois posso
jurar que minha governanta revira os olhos. Porém, não tenho
certeza, visto que não desvio dos olhos penetrantes fixos em mim.
– Senhor, Penélope Duarte – Tereza anuncia, antes de dar as
costas e encostar a porta com cuidado.
Finalmente alcanço a mulher bem mais baixa que eu, e seu
corpo todo exala nervosismo. Seja pelas mãos esmagando o couro
da bolsa ou pelos olhos que ela tenta, com muito esforço, manter
longe do meu tronco nu.
E eu não deveria gostar tanto disso.
– Penélope – digo, com o tom de voz baixo, e seu corpo
reage à minha voz.
– Arthur – responde depois de um tempo, os olhos, por fim,
nos meus.
Segundos se passam sem que ninguém diga nada, e eu não
resisto, desço meu olhar por todo o seu corpo bonito mais uma vez.
O jeito que a alça fina se esforça para sustentar seu colo
incita a minha imaginação, e eu me esforço para não me deixar
levar pela beleza da mulher.
Ela é insuportável, Arthur. Lembre-se disso.
Ouço-a pigarrear e alternar o peso do corpo de um pé para o
outro. Me mantenho quieto, aguardando o primeiro passo dela.
– É… Sinto muito por ter atrapalhado sua manhã e sua
leitura. – A voz bonita me alcança.
Arqueio uma sobrancelha.
Penélope me pedindo desculpas?
Ela provavelmente sabe do rumo dos meus pensamentos,
porque solta um bufo impaciente. Dou uma risada.
– Tudo bem, não me atrapalhou. – Dou de ombros e levanto
o livro, ainda em minha mão, na altura do seu rosto. – Estava
apenas passando tempo.
Vejo quando seu semblante fica confuso, o momento em que
as sobrancelhas bem feitas se franzem, e a cabeça tomba para o
lado.
– Estava passando tempo, lendo… Física Quântica?
A incredulidade na sua voz poderia me ofender, se realmente
não fosse um tema que raríssimas pessoas conhecessem.
Ok. Talvez não tenha sido uma boa ideia…
Dou de ombros mais uma vez e passo por ela, para deixar o
exemplar de volta na prateleira logo atrás.
Seu perfume gostoso chega até mim, me lembrando de algo
cítrico, e o cheiro de maresia está junto. Forço minhas pernas a
continuarem e não cometerem a insanidade de me fazer parar ao
seu lado, e enfiar o rosto em seu pescoço, para identificar o que é o
tal cheiro cítrico.
– E então, o que traz você à minha casa num sábado de
manhã, Penélope? – pergunto, ao deixar o livro no lugar.
Viro-me para encará-la, e, de novo, suas mãos nervosas
remexem em sua bolsa preta de couro.
Interessante.
– Eu… Bem… – tenta falar.
Sorrio de lado, verdadeiramente impressionado ao ver
Penélope Duarte nervosa em minha presença.
– Você, sem fala? Hoje é o dia dos milagres, e ninguém me
avisou, pra eu fazer minhas preces? – a provoco, e seu rosto cora,
quando me olha com raiva.
Meu sorriso se alarga.
– Eu não devia ter vindo aqui – murmura baixinho, só que eu
consigo ouvir.
– Mas você veio, e agora, esse seu nervosismo todo
despertou minha curiosidade. – Me aproximo e cruzo os braços na
sua frente. – Vamos, Penny. Desembucha.
Ela toma uma respiração profunda, fecha os olhos e solta:
– Podemosfingirqueestamosnamorando? – Sai tão rápido,
que eu não entendo uma única palavra.
– O que disse?
– Podemosfingirqueestamosnamorando? – Seus olhos fogem
dos meus, e eu estreito os meus para ela.
– Você tá parecendo o Eminem em “Rap God”, caramba. Dá
pra falar direito?
– Argh! Eu perguntei se podemos fingir que estamos
namorando! – ela praticamente grita e o que diz, me deixa sem
reação.
Continuo ali, olhando para seu rosto levemente avermelhado
e espero que ela corrija o que falou.
Uma gargalhada escandalosa irrompe de dentro de mim, me
curvando para frente e me obrigando a apoiar as mãos nos joelhos.
Rio, como nunca ri antes na minha vida, até que minha
barriga doa, e meus olhos lacrimejem.
Ergo-me novamente para encará-la, e meu riso some por
completo, quando seu rosto fica ruidosamente vermelho.
Eu espero que diga que é brincadeira.
Espero.
Espero.
Espero mais um pouquinho.
Assim que meu cérebro constata que não é uma brincadeira,
eu solto:
– Você ficou maluca, mulher?
– Mas que droga.
Perdendo totalmente a pose nervosa de agora há pouco,
Penny joga sua bolsa em uma poltrona e passa a andar de um lado
para o outro no meio da biblioteca. Ela leva as mãos até a boca,
mordendo as unhas compridas em um ato ansioso.
Fico absolutamente confuso e me arrasto para o sofá, me
sentando e me certificando de que não vou cair duro ali mesmo.
– Penélope, por que está me pedindo em namoro?
– Eu não estou te pedindo em namoro, Arthur. – Ela para de
andar por um instante e volta logo em seguida. – Quer dizer, não de
verdade.
– Eu juro por Deus, que vou te pegar e te colocar sentada
nesse sofá. – Óbvio que ela me ignora. – Como está me pedindo em
namoro, sem me pedir em namoro?
– É o seguinte. Tenho uma proposta pra te fazer. – Ela para
bem na minha frente, e suas pernas desnudas ficam na altura do
meu rosto. Encosto minhas costas no encosto do sofá, mantendo
distância e focando em seu rosto.
– Certo, uma proposta…
– Isso. Eu proponho um namoro falso, daqui até o casamento
da Thays e da Larissa. – Seus olhos estão vidrados, de um jeito que
nunca vi na vida.
Ela está realmente determinada a seguir com essa loucura.
– Namoro falso – repito suas palavras lentamente.
– Exato.
– E em que momento, de ontem pra hoje, você bateu com a
cabeça?
– Arthur, eu estou falando sério! – exclama, se afastando de
novo, e me obrigando a levantar.
– O que é ainda mais preocupante por que, em que mundo
eu entraria num namoro falso com você, assim, do nada?
– Não seria exatamente do nada. Se levarmos em
consideração que fizemos isso ontem à noite.
– Tudo bem, mas foi só uma encenaçãozinha para o idiota do
seu ex.
– E é exatamente esse o problema. Marcos sabe que estou
namorando e espera que eu chegue naquele casamento
acompanhada de você, Arthur.
– E aparecer solteira é um problema por quê?
Ela respira fundo e fecha os olhos por alguns segundos.
– Aparecer solteira, depois de dizer que comecei a namorar
não faz muito tempo, será absolutamente humilhante.
– Pra você, no caso. Ser solteiro, pra mim, nunca foi um
problema.
Ela arqueia a sobrancelha e me olha com ironia.
– Jura? Eu nunca imaginaria isso.
Travo meu maxilar, me controlando para não mandá-la tomar
no cu.
Sim, você sabe e me julga por isso.
Estou pronto para mandá-la embora, quando volta a falar.
– Se pararmos pra pensar, você já terá que fingir ser meu ex-
namorado durante sete dias. Tenho certeza de que as notícias vão
se espalhar rapidinho por todos. – Ela me olha com determinação –
Principalmente, se pensarmos no fato de aquele embuste fará
questão de dizer pra todo mundo que não estou mais namorando
com você.
– Tá, beleza. Só que você se esquece de que fingir ser seu
ex-namorado, é anos luz mais fácil do que fingir ser seu atual,
Penélope. – Solto um riso anasalado. – Já pensou em todas as
coisas que teríamos que fazer pra, no mínimo, passar credibilidade
sobre esse relacionamento? Eu não estou nem um pouco disposto a
isso.
– Arthur, será por um pouco mais que um mês. – Sinto seu
cheiro de novo, quando dá um passo à frente e se aproxima mais. –
E depois você vai seguir com a sua vida, como se nada tivesse
acontecido.
Me afasto, enquanto balanço a cabeça.
Eu nunca entrei nem num namoro verdadeiro, quem dirá num
falso. Não vai ser por ela que farei isso.
– Tem outra coisa que você esqueceu, loira Chernobyl. – Seu
rosto endurece quando a olho. – Eu não gosto de você.
Seus olhos reviram um segundo depois.
– A recíproca é verdadeira, babaca arrogante.
– Então por que espera que eu faça isso por você, sabendo
que não é a pessoa que eu penso todo dia quando acordo?
Cruzo os braços novamente à sua frente e espero. Sua boca
atrai meu olhar, quando se entreabre e solta uma lufada de ar.
– Te dou um ano de café da manhã grátis em qualquer
estabelecimento meu – lança sua proposta, me deixando
completamente surpreso.
Opa, isso é interessante.
Provavelmente, interpretando que sua proposta foi realmente
convincente, ela sorri de um jeito determinado e se aproxima.
– Pense em todos aqueles donuts que poderá ter. – Ela
chega bem perto. – Eu sei que você já fez várias encomendas.
Benjamin me contou.
Minha boca se escancara, e o sorriso da loira é perverso.
Aquele doutorzinho fofoqueiro de merda!
– Não se pode mais confiar nem no melhor amigo, inferno.
Uma risadinha escapa de sua garganta, e ela me olha com o
olhar vitorioso.
– Benjamin tem uma mania irritante de sempre mencionar
você em nossas conversas. – Ela dá de ombros. – Nunca entendi
por quê.
Eu sei o porquê. Eu sei muito bem por quê.
Aquele emocionado do caralho.
A proposta é realmente tentadora, contudo, jamais faria isso.
Além de ela, possivelmente, não se lembrar da quantidade de
comida que consumo em uma única refeição e não medir o tamanho
do prejuízo que lhe daria, não conseguiria fazer isso com outra
empresária.
É questão de honra entre os CEOs.
Começo a negar com a cabeça, e seu rosto é tomado de
preocupação de novo.
Me afasto imediatamente, assim que meu coração dá uma
leve palpitada.
– Não posso fazer isso com seu trabalho, Penélope. Seria
baixo demais.
– Eu não me importo, Arthur.
– Não. Isso não.
– Então o quê? – Sua voz falha no fim da frase. – O que eu
poderia te dar em troca?
Me esforço para não olhá-la e me render aos olhos pidões,
iguais aos do gato do Shrek.
– Desculpe, Penny, mas não há nada que…
Estanco no lugar, dando de cara com uma moldura na
parede. A foto é um pouco antiga, de quando eu ainda tinha meus
dezoito anos, mas o impacto que aquilo tem no meu cérebro, é
gigante.
Na imagem estamos eu, meu irmão, meus pais e todas as
onze irmãs do meu pai. Pois é, seu Antony Rabello é o caçula de
doze irmãs e o único homem. Meu avô já havia perdido as
esperanças de ter um filho homem, que fosse herdar seu império
jornalístico, até que na última tentativa, conseguiu o que tanto
queria. Infelizmente, morreu faz tempo e não acompanhou meu pai
gerindo a empresa. No entanto, ele não a geriu sozinho, como o pai
planejou.
Algumas de suas irmãs participaram do crescimento da
empresa, porém, principalmente minha mãe. Se não fosse por ela, a
Rabello’s Company não seria tão grande quanto é hoje.
Entretanto, não é isso o que prende minha atenção e me
deixa sem fala. É a lembrança do meu pior pesadelo.
Olho para a loira atrás de mim, que me encara com
expectativa, olho para a foto novamente e praticamente posso ouvir
o falatório incessante na minha cabeça.
– Certo… Talvez exista uma coisa… – falo vagamente, me
afastando da fotografia.
– Ótimo, é só dizer que você terá – responde prontamente,
quando paro na sua frente.
– Paz.
Ela franze o cenho.
– Paz?
– Sim. Essa sua proposta vai me trazer paz, Penélope.
Conto brevemente para ela meu grande carma, explicando o
quanto minhas tias podem ser insuportavelmente inconvenientes
quando querem, e que uma namorada acabaria com isso.
Me lembro da fala de Alfred quando veio me trazer o convite
e me mostrou uma solução simples.
“É só arrumar uma namorada”.
Dou uma risada.
Não é que o filho da mãe tinha razão?
É lógico que meu irmão mais velho gostaria que a namorada
fosse verdadeira, mas foda-se. É o melhor que eu posso fazer.
– Então é isso? Você topa fingir ser meu namorado até o fim
do casamento? – Penny pergunta, depois de assimilar o que eu
disse.
Olho bem dentro de seus olhos claros e decido adiar um
pouco mais essa decisão. Decido que quero sua honestidade.
– Por quê? – Ela fica imóvel. – Por que quer tanto fazer isso?
– Eu já disse pra você. Não quero aparecer solteira na
festa…
– Por que se importa tanto com isso? – Seu semblante se
fecha, só que eu não vou ceder. – Só vai conseguir algo de mim, se
for totalmente sincera comigo, Penélope. Caso contrário, é só sair
pelo mesmo caminho que entrou.
Não sei dizer o motivo, mas isso é importante para mim.
Talvez, porque precisaremos ser os mais verdadeiros
possíveis um com o outro, para que isso funcione ou pelo simples
fato de que quero ter isso dela.
Quero um pedaço que nunca quis me dar.
Seus ombros caem, e seu olhar muda. Vejo tristeza passar
por eles, e um certo sentimento de impotência também. Ela respira
fundo mais uma vez e não desvia, quando me responde:
– Porque eu não quero parecer derrotada para ele de novo.
Isso já aconteceu muitas vezes, e essa seria só mais uma com a
qual eu teria que lidar. Porque ele já me fez perder tudo, e ao
aparecer lá sem você, mostrará que não sou capaz de manter um
relacionamento. Que eu não segui em frente. Que ele me venceu de
novo. – Seus olhos cor de oceano estão em chamas para mim. – E
eu não posso dar esse gosto a ele novamente, Arthur. Não posso.
A vontade de perguntar o que aconteceu entre eles é tão
forte, que minha língua chega a vibrar dentro da boca.
Porém, me detenho.
Já consegui muito até aqui.
Respirando profundamente, repenso em todos os prós e
contras dessa doideira. Eu terei que fingir, não só estar namorando,
como também estar apaixonado pela intragável mulher à minha
frente.
Mesmo que eu a odeie, mesmo que a deteste, eu terei que
deixar de lado o que houve a meses atrás e fingir que nunca
aconteceu.
Vai ser difícil. Provavelmente, a coisa mais difícil que já fiz na
vida.
Mas, porra! Não ter que ouvir a tia Ritinha me chamando de
adolescente durante sete dias…
Antes de abrir minha boca e certamente sentenciar a morte
da minha dignidade, me lembro de uma coisa. Sorrio de lado e vejo
seus olhos estreitarem para mim.
– Eu topo, mas com uma condição.
A esperança em sua expressão facial é quase fofa.
– Qual condição? – me pergunta, contendo o sorriso.
Sorrio, estufando o peito para ela.
– Você e o Café da Penny serão minha próxima reportagem
master.
– Reportagem master?
– Exatamente. – O homem seminu à minha frente se senta
no sofá da biblioteca lindíssima da sua casa e apoia os braços atrás
da cabeça.
– E o que exatamente seria isso? – Me sento na outra ponta
do mesmo sofá, cansada demais das emoções das últimas horas.
A manhã foi uma confusão de sentimentos, desde o momento
em que acordei. Eu tive uma noite péssima, por tudo o que havia
acontecido e não consegui dormir direito, pensando na cagada que
tinha feito no Beer Pub.
E quando despertei, a ideia de ter um relacionamento de
mentirinha com Arthur parecia, ao mesmo tempo, plausível e um
erro absolutamente grande.
Então, das sete às nove da manhã, fiquei deitada na minha
cama, olhando para o teto do meu quarto e pensando em todas as
consequências de seguir ou não com essa ideia.
Resultado? Estou aqui, sentada num sofá lindo e
extravagante – que eu tenho quase certeza de que minha melhor
amiga já transou nele –, ao lado do ser humano mais irritante que já
conheci, planejando nosso namoro falso.
Eu só espero, de verdade, rir dessa história daqui a alguns
meses.
– Reportagem master se trata da entrevista principal do mês,
no jornal. Nós escolhemos um tema, pessoa, estabelecimento ou
qualquer coisa e fazemos algumas entrevistas – Arthur me explica,
se posicionando de frente para mim. – E como não havíamos
encontrado uma para o próximo mês, você e seu negócio foram os
escolhidos.
Olho para ele com desconfiança.
– O que vai ter nessa reportagem, especificamente?
Seus olhos levam pelo menos dez segundos enquanto se
reviram, e eu penso se existe a possibilidade de nunca mais
voltarem ao normal.
– Por mais detestável que você seja, Penélope, eu não vou
fazer chacota do seu trabalho – afirma, e eu resolvo ignorar a
ofensa, por hora. – Além de ser maduro o suficiente pra separar as
coisas, não faria nada que pudesse prejudicar minha editora.
É a minha vez de revirar os olhos.
Seguro minha língua e não cito as vezes em que foi imaturo,
apenas porque ele topou entrar comigo nessa.
– Tudo bem então. Quando isso vai acontecer? – confirmo,
também ciente de que essa reportagem me trará benefícios.
– Minha secretária entrará em contato com a sua na próxima
semana, para decidirem isso.
– Eu não tenho secretária.
– O quê? Por quê? – Levanto meus ombros. – Como você
consegue administrar tudo e ainda não ter alguém pra te ajudar
nessa parte?
– Conseguindo, ué. – Ele me olha com desdém, e eu
reformulo. – Tudo bem que às vezes meu celular parece que vai
explodir, e eu trabalho quase todos os dias, incluindo fins de
semana e feriado… Mas eu dou conta de tudo.
– Mas por que não foi atrás de alguém? Tenho certeza de
que existem muitos profissionais bons por aí.
– Eu já pensei nisso, só nunca confiei em alguém pra isso.
Suas sobrancelhas se franzem, completamente confuso.
Sei muito bem que alguém para me ajudar diminuiria muito o
meu trabalho, e eu conseguiria dar uma atenção melhor a todo o
resto. Porém, confiar o meu negócio, minha agenda, meus
compromissos e prioridades nas mãos de alguém, não é nada fácil.
E como ainda não tive uma Síndrome de Burnout, não vejo
porque correr atrás disso.
Arthur continua me olhando como se eu fosse uma idiota e
quando abre a boca para dizer algo, ouvimos umas batidas na porta.
– Entra – o homem diz.
Me viro para a entrada, vendo a senhora baixinha e com o
rosto sério entrar com uma bandeja na mão.
– Senhor Rabello, trouxe café, chá e alguns biscoitos. – Entra
no cômodo e deixa a bandeja em cima da mesa de centro.
Meu Deus, eu entrei num livro da Julia Quinn, e ninguém me
avisou?
A mulher que me recepcionou usa um vestido médio casual e
um cardigan cinza por cima. Polida, como sempre, acena com a
cabeça e começa a se dirigir até a porta.
– Muito obrigado, Teteza – Arthur agradece, e a mulher sai
sem dizer mais nada.
Olho para ele, que estica a mão grande para os biscoitos e
pega três de uma vez.
– Teteza? – sai, antes que eu consiga me conter.
– Tereza trabalha pra minha família desde antes dos meus
pais terem a mim e meu irmão. Era assim que eu a chamava
quando era pequeno.
Um leve sorriso surge no meu rosto, só que ele dura pouco.
Arthur se esparrama pelo sofá, coloca uma perna no assento,
apoia as costas no braço do sofá e fica totalmente de frente para
mim.
O fato do seu tamanho enorme tomar quase o meu espaço
pessoal é irrelevante, quando minha concentração voa em uma
velocidade surreal para o seu tronco desnudo.
Não sei se é porque está mastigando ou simplesmente
respirando, mas a cada segundo, seu abdômen fica mais contraído.
E isso é um absurdo irritante!
Eu tentei, arduamente, não reparar no quanto todo o corpo de
Arthur é sarado, nos músculos todos desenhados, a pele em um
tom bronzeado muito bonito e no quanto as tatuagens do seu braço
deixam tudo muito mais sexy.
Agora, sem camisa, vejo que os desenhos pretos cobrem o
braço direito inteiro. Do ombro até o punho. E, se ele não me
irritasse tanto, eu até perguntaria sobre o significado delas.
No entanto, existe alguma coisa que esse idiota faça que não
me irrite?
Solto um bufo alto e olho para o seu rosto.
– Dá pra colocar a porcaria de uma camisa? – sou ríspida.
– E por que eu faria isso, amorzinho? – Sorri de lado e ainda
tem a coragem de passar a língua pelo lábio.
– Porque é deselegante ficar assim na frente de alguém. –
Meus olhos me traem por alguns segundos, quando ele ri, e aquela
merda se contrai de novo. – E extremamente desconfortável.
– Eu me sinto muito confortável em ficar com poucas roupas
na frente de alguém, Penny. – Ele pisca, e uma corrente elétrica
passa por mim. – Para mim, quanto menos roupa, melhor.
Sinto uma raiva descomunal, pela reação que meu corpo tem
com as palavras maliciosas, e por ele conseguir ser tão
inconveniente assim.
Respiro fundo, me convencendo de que sou plenamente
capaz de ignorar seu abdômen definido, e também, porque a casa é
dele, e quem veio sem ser convidada fui eu.
– Que seja… E que história é essa de amorzinho? Pode
parando de me chamar assim.
Me levanto e vou até minha bolsa, largada na poltrona.
– Somos namorados, inteligência. Temos que nos chamar por
apelidos.
– Vamos nos chamar, mas não será desse jeito.
– E por que não? – Me olha com a testa franzida.
– Porque eu não sou seu amor, sou? – respondo o óbvio,
pegando meu bloquinho de notas de dentro da bolsa.
– Mas que merda, mulher. Não temos que fingir que somos o
amor um do outro? – Suas pernas longas descem para o chão,
quando ele endireita a postura.
Suspiro e olho para o teto, implorando por paciência.
– Sim, Arthur. Mas quando um homem me chamar de amor,
quero que seja porque me ama de verdade, e não por conta de um
fingimento. – Ele abre a boca para contestar, e eu o impeço. – E não
existe só esse apelido, ok? Pense em outra coisa.
– E você, vai ficar com o benzinho? – Um bico se forma na
sua boca, e eu tenho vontade de estapeá-lo.
– Não, eu já pensei em como vou te chamar.
– Quer ver? Me fodi – resmunga.
– Paixão.
– Paixão?
– Sim. – Aceno positivamente, me sentindo muito orgulhosa.
– É a mesma coisa, inferno! – Nossa, como é insuportável.
– Não, não é.
– É sim, sim.
– Não é não.
– É.
– Não é, e só quem nunca sentiu nem uma coisa nem a
outra, diria que são a mesma coisa, meu bem. – Cruzo os braços,
vendo-o se calar. – Ótimo. Dando continuidade… Você tem até o fim
do dia de hoje pra escolher outro apelido carinhoso para mim.
– Até o fim do dia?
– Exatamente. Agora, vamos às regras. – Abro meu
bloquinho com minhas anotações.
– Você só pode estar de sacanagem comigo. – Olho para ele,
confusa. – Você pegou a porra de um bloco de notas e anotou
regras de um namoro que nem é de verdade?
– Arthur, precisamos ser convincentes. Algumas coisas têm
que acontecer pra que todos pensem que realmente somos um
casal.
– Penélope, pelo amor da divindade… – Ele se levanta e
passa as mãos pelas ondas castanhas do cabelo. – Isso é um
namoro, não o planejamento mensal da sua empresa.
– Eu sei, mas…
– Um namoro acontece naturalmente, não dá pra ficar
ditando regras assim.
– Só que você se esqueceu de um detalhe importante, Arthur.
– Ele me aguarda, apoiando as mãos na cintura. – Nós nos
odiamos. E o fato de estarmos forçando uma relação de fachada,
não vai fazer com que pareçamos um casal apaixonado. No
máximo, o que vamos parecer, é como cão e gato.
– Alguns cachorros gostam de gatos…
– Você entendeu o que eu quis dizer! – levanto a voz, e ele
revira os olhos.
– Tá, então o que você colocou no seu bloquinho chato?
Inspiro uma porção de ar, quase me arrependendo de ter tido
essa ideia.
Leio a primeira linha, e ouço Arthur bufar à minha frente.
– A primeira coisa seria o tratamento que daremos um ao
outro. Eu, sinceramente acho que não vamos conseguir deixar de
discutir um com o outro, mesmo que haja outras pessoas junto.
– Pela primeira vez na vida, você disse algo coerente – o
idiota resmunga, e, mais uma vez, me contenho.
Você que quis isso, Penélope. Você.
Ele se abaixa e coloca café em uma caneca.
– Eu só acho que seria interessante parar com as ofensas. É
o mínimo de controle que precisaremos ter.
– Certo. Sem chamar você de Chernobyl na frente das
pessoas – diz para me irritar. – Eu já tô entediado, mas continue, por
favor…
Leio o próximo item e quando vou falar, uma xícara de café
surge na frente do meu rosto.
Olho para ela e para o rosto de quem a segura, algumas
vezes, sem entender nada. Arthur estala a língua e me olha com
impaciência.
– Pega logo a droga do café, Penélope. – Eu seguro, ainda
desconfiada. – Quer que eu beba antes, pra provar que não tem
veneno?
Arrogante insuportável.
Murmuro um obrigada baixinho e bebo alguns goles. O sabor
é bem gostoso. Apoio a caneca em uma mesinha ao lado da
poltrona e volto para minhas anotações.
– Precisamos ser vistos em público. – Ele fica em silêncio,
bebendo seu próprio café e me olhando com atenção. – O mundo
precisa saber que Arthur Rabello sossegou, e não dá pra aparecer
no casamento com uma namorada, enquanto todas as revistas da
cidade o chamam de O Herdeiro Galinha.
Sua sobrancelha arqueia para mim, e a forma como me olha,
diz que não vou gostar nenhum pouco do que dirá a seguir.
– E está tudo bem, você ser vista ao lado de alguém do meu
tipo? Do tipo que joga sorrisinhos sedutores para qualquer uma que
aparece e pensa apenas em satisfazer seus desejos?
Meu coração dispara no momento em que as palavras
deixam sua boca.
Minhas palavras.
As mesmas que eu disse a ele, alguns meses atrás.
Ele se lembra. Se lembra de cada coisa que eu disse naquela
noite.
Forço minha respiração a se controlar e seguro o bloco de
notas mais firmemente em minhas mãos. Sinto meu rosto esquentar,
e emoções conflitantes duelam dentro de mim.
Ele não diz nada.
Eu não digo também.
Ele sabe. Sabe que eu me lembro, sabe que essas palavras
foram ditas com um propósito.
Arthur está me testando.
O que é compreensível, visto que teremos que conviver mais
intimamente com o outro nas próximas semanas.
Só que eu não consigo dizer as palavras. Não consigo dizer
nada do que ele quer ouvir.
Porque dói. Não o que eu disse, o motivo de ter dito.
Ele é o primeiro a quebrar o contato visual, e meu corpo
quase desaba no chão de alívio.
– Enfim… Acho que tem razão. Precisamos ser vistos juntos,
então vamos pensar em lugares pra isso.
Me dá as costas, pegando mais dois biscoitos e enfiando-os
de uma vez na boca.
– Certo. Ok. Temos que ter algumas informações sobre o
outro – continuo, depois de alguns segundos. – Não nos
conhecemos, então isso precisa mudar.
– Tipo o que? – Volta a se jogar no sofá.
– Cor favorita, comida favorita, filme favorito, pessoas
favoritas… Essas coisas.
– Preto, camarão na moranga, O Exterminador do Futuro,
meus sobrinhos – responde e memorizo tudo.
– Bom… Minha cor preferida é azul, comida favorita é
japonesa, as pessoas são minha mãe, minha irmã, Diana, Yolanda,
Rosa e mamacita, e meu filme preferido é… – Limpo a garganta. –
O Exterminador do Futuro também.
Os olhos de Arthur ficam imensos.
– Nem fodendo que você gosta do Arnold Schwarzenegger. –
Ele quase se levanta.
Dou uma risada.
– Ele foi meu primeiro crush.
– O meu também! Não, espera.
Jogo a cabeça para trás e dou uma gargalhada sonora.
Arthur fica me olhando como se eu fosse uma louca, e eu
provavelmente estou parecendo uma. Odeio o som da minha risada,
é esquisito e chama muita atenção.
Me contenho, colocando a mão na boca, ainda rindo do que
disse.
– Você teve um crush no exterminador do futuro?
Ele limpa a garganta umas duas vezes, antes de responder.
– N-não era crush. Estava mais para inspiração de vida. – Ele
ri. – Já viu o tamanho daquele homem?
– Sim! Minha mãe e eu suspirávamos toda vez que ele
aparecia na tela.
Damos risada, até que o momento vai aos poucos se
esvaindo, e nossos risos morram.
Nos entreolhamos, desconfortáveis.
Pigarreio e volto para o penúltimo item que anotei no meu
bloquinho.
– Esse é um importantíssimo…
– Os outros não foram?
– Você não pode ficar com mais ninguém. – Ele me olha,
completamente chocado. – Sei que deve ser difícil ficar um mês sem
nada, mas você vai ter que se segurar até o fim desse acordo e…
– Isso é óbvio, Penélope! – Ele balança a cabeça, quando o
olho. – O que pensa que eu sou? Eu posso até nunca ter namorado,
mas sei ser fiel, caramba.
– Tá… Certo, então. – Ele nega com a cabeça de novo, o
rosto anguloso marcado pela barba baixa e muito bem feita, me
encara sério.
Eu não digo mais nada.
Respiro fundo e finalmente chego no último item.
Deixei o pior pro final, porque…
– Uma última coisa.
– Sim?
– Casais normalmente… se tocam.
– Se tocam – repete minhas palavras.
– Isso. Há sempre toques, sutis ou não, entre duas pessoas
que estão apaixonadas.
– Beleza, mas você quer que eu te beije na boca ou algo
assim?
– O quê? Não! – quase grito e tenho que beber um gole do
meu café de novo. – Não vou beijar sua boca, Arthur.
– Mas então o que você quer, caramba? Que eu beije seu
cotovelo?
– Arthur, nem todo casal fica se beijando na boca na frente
das outras pessoas. Quando eu digo toque, eu quero dizer algo
como o que você fez ontem à noite. – Ele vira um pouco o rosto de
lado, se lembrando. – Você não precisou me beijar, e mesmo assim
foi bem convincente.
Ele suspira, porém acaba concordando.
– Mais alguma coisa?
– Isso foi tudo o que eu consegui pensar, de ontem pra hoje.
– E precisava usar um bloquinho pra anotar seis coisas?
– No decorrer dos dias, vamos pensando em mais algumas
informações pessoais pra compartilhar com o outro – digo,
ignorando sua pergunta petulante.
Me viro de costas e abaixo meu tronco para deixar o
bloquinho de volta dentro da minha bolsa. Olho a hora do meu
celular e arregalo os olhos, vendo que já se passaram horas. Tenho
muita coisa para fazer hoje.
Quando me viro de volta para Arthur, consigo perceber que
seus olhos estavam grudados na minha bunda, quando voam para o
meu rosto.
Meu rosto queima de vergonha. O que não faz sentido,
porque essa não é a primeira e nem a última vez que isso acontece
comigo.
– Quer saber, acabei de pensar no seu apelido carinhoso.
Ele se levanta e caminha lentamente em minha direção. Um
sorriso safado desponta do canto da sua boca, e seu cheiro de
sabonete e pós-barba faz minha pele se eriçar.
– E-e qual seria? – Tento não parecer afetada por sua
aproximação, mesmo que seu peito forte esteja na altura do meu
rosto.
– Formiguinha. – Sua voz baixa chega aos meus ouvidos.
– Formig… – começo a perguntar, entretanto seus olhos
descem para a parte de baixo do meu corpo, e meu queixo vai até o
chão. – Não!
– Ah, sim.
– Arthur, você não vai usar um apelido que faça referência à
minha… à minha bunda!
– Não só vou, como farei questão de explicar isso a qualquer
um que perguntar.
– Isso é desrespeitoso – esbravejo.
– Você vai lidar com isso. Afinal, ser desrespeitoso é algo que
você conhece muito bem, formiguinha. – Ele pisca e se afasta.
Meu corpo treme de raiva e de impotência.
Filho da puta maldito.
Depois de beber todo o café da caneca, volta para mim e
estende a mão.
– Me dê seu celular, precisamos trocar o número.
– Eu anoto no bloquinho pra…
– Me dê logo a droga do celular, Penny.
Respiro, impaciente, mas entrego-lhe o aparelho,
desbloqueado.
– Dei um toque no meu celular, que deixei no quarto, e já
estou salvando aqui. – Me devolve, e eu guardo antes de colocar a
bolsa no ombro, pronta para ir embora. – Vamos combinar essa
semana pra fazermos a reportagem. Preciso começar já, pois leva
tempo.
– Tudo bem – digo baixinho e, sem dizer mais nada, caminho
até a entrada.
Arthur me acompanha de perto, e enquanto desço as
escadas, algo me vem à cabeça.
– Preciso contar para as meninas que o namoro não é
verdadeiro – confidencio baixinho a ele, que me olha intrigado. –
Elas saberiam mesmo se eu não contasse.
– Certo. Além do Benjamin, que obviamente precisa saber,
tenho que contar ao meu irmão e à minha cunhada.
– Contanto que eles guardem segredo. – Dou de ombros, e
alcançamos o hall de entrada.
– Da minha família, cuido eu, loirinha – responde com
desdém.
A casa que Arthur mora é a maior que já estive na vida. É
moderna, mesmo que seja visivelmente antiga, e eu poderia
facilmente explorar cada canto dela.
Assim que chegamos na porta da entrada, Tereza surge do
nada, abrindo-a para mim.
– Obrigada. E obrigada pelo café. – Sorrio, e ela quase sorri
de volta.
– Não tem de quê, querida.
Saio para fora, depois de me despedir dela, e Arthur ainda
me acompanha. Retiro a chave do meu carro da bolsa e destravo o
alarme.
Um assovio alto vem do homem caminhando descalço ao
meu lado, e eu o olho.
– Uma BMW x5? Não imaginava que você teria bom gosto
pra carro, formiguinha.
Ignoro a pontada de raiva que o apelido me dá e reviro os
olhos.
– Não diga como se você não tivesse uma em algum lugar
dessa mansão, paixão.
Ele ri, ao passo que entro no meu lindo e caríssimo carro, e
me sento.
– Eu não tenho uma BMW, loirinha. – Ele apoia o braço
tatuado na minha janela, e o sorriso aberto que me dá, faz meu
estômago se revirar. – Eu tenho três.
Ele pisca todo sedutor e ri da minha cara de choque.
– Faça uma boa viagem, namorada. – Dá dois tapinhas no
meu teto e se afasta.
Passado o momento de choque, coloco o cinto de segurança
e saio, logo após ligar o carro.
Dou um tchauzinho de qualquer jeito, com meus
pensamentos assimilando as últimas horas.
Entrei por esses portões enormes, solteira e com um baita
problema nas costas, e saio por eles com um namorado, e uma
nova dor de cabeça para lidar.
Uma dor de cabeça muito alta, muito forte e com um sorriso
irritantemente bonito.
É… Isso realmente vai acontecer.
– ¡Saca tus sucias patas de esos dulces, chico![2] – O berro é
ouvido por cada ser vivo de dentro do orfanato “Reviver”, e a
velocidade com que o menino tira a mão de cima dos docinhos é
surreal.
Mamacita, avó de coração de todos do orfanato – e biológica
de Yolanda e Rosa – aponta o dedo para a criança, que sai
praticamente correndo dali.
– Deja de ser codicioso. Todos ya han llenado sus barrigas,
¿verdad?[3] – é Yolanda que dá o comando, fazendo todas as
crianças soltarem um muxoxo.
Dou risada, conforme alguns dos funcionários vão tirando as
crianças do refeitório grande do abrigo.
Pelo menos três domingos no mês, eu trago doces e bolos
para as crianças daqui. E mesmo que a alimentação deles seja em
abundância, graças às doações e ajuda do Governo, não me custa
nada fazer a diversão deles.
A satisfação no rosto de algumas crianças, que nunca
conheceram um brownie ou um chantilly na vida, é contagiante.
Faço isso por eles, e por mim também.
Posso não ser órfã, mas sei o quanto perder a família e
esperar para conseguir outra não é nada fácil. Assisti isso de perto
com minha melhor amiga e o seu irmão, e continuo acompanhando
muitas dessas histórias nas minhas vindas ao orfanato.
– Muito bem, crianças. ¿Cómo décimos a tía Penélope?[4] –
Diana ergue a voz por cima da deles, e todos se viram para mim.
– Gracias, tía Penélope.[5] – dizem em uma só voz, e isso traz
um sorriso enorme para o meu rosto.
Acredito que esse seja o único orfanato no Brasil, em que
todas as crianças falam espanhol. Mexicana de sangue quente,
mamacita veio para o país há muitos anos e abriu o orfanato. A
velha faz questão de ensinar cada criança que vem aqui a falar sua
língua materna.
No caso, isso acabou se estendendo para mim e para Milene,
que passamos a frequentar o lugar desde sempre e aprendemos
juntas a segunda língua.
Nesse domingo, convoquei todas as minhas amigas, com a
desculpa de que eu faria distribuição de doces para as crianças.
Porém, o motivo não foi apenas esse. Eu tenho um anúncio um
tanto quanto inusitado a fazer.
Assistimos as crianças saírem do refeitório e irem curtir seu
domingo como bem entenderem. Mamacita usa esse dia da semana
para ficar um pouco distante de todo o trabalho daqui, então assim
que leva o restante dos doces para a cozinha, Milene, Yolanda,
Diana e eu, acompanhamos Guadalupe até a sua casa, que fica aos
fundos do orfanato.
Rosa ainda mal sai de casa, porque o bebê ainda é bem
pequenininho, mas tenho certeza que dez minutos depois que eu
contar a novidade, alguém contará para ela. Que
consequentemente, contará para o marido.
Não existem segredos nessa família, logicamente.
Andamos conversando em direção à casa da coordenadora
do lugar, que criou as netas praticamente a vida inteira delas ali.
Conforme avançamos pelo extenso gramado, um nervosismo atípico
começa a me incomodar.
Mesmo usando um short curto, uma blusinha de alcinha e
sandálias abertas, sinto um suor brotar na minha testa, e minhas
mãos ficarem grudentas.
– Você está bem, Penny? – A voz da Diana surge em meio
ao meu nervosismo, e quando a olho, percebo que Milene também
me observa.
– Parece ansiosa – minha irmã fala.
Abro a boca para tranquilizá-las, porém mamacita e Yolanda
me olham também, com rostos preocupados e curiosos.
Paro de andar, pensando na melhor forma de dizer o que
tenho que dizer, e quando meus olhos encontram os de Guadalupe,
sua sobrancelha se ergue.
– Venham, putitas[6]. Penélope tem algo a nos contar.
Sorrio para a senhora mais perspicaz que eu conheço. Se
tem alguém que consegue entender uma situação embaraçosa e
interpretar como ninguém, é mamacita.
Meu coração se aperta ao lembrar que quase a perdemos.
Contudo, olhando para o rosto alegre, a perda de excesso de peso,
a disposição em que ela está no momento, me tranquilizo. Mamacita
mudou de vida, depois de quase perdê-la, e é uma lição que
nenhuma de nós esquecerá.
Até Milene, que sempre foi a pessoa mais sedentária que
conheci, passou a fazer caminhadas pelo menos duas vezes na
semana, na companhia da avó de coração. Minha irmã diz que é
porque precisa se exercitar, só que sei muito bem que está
aproveitando o máximo que pode da companhia da mulher mais
velha entre nós.
A vida é curta e inesperada demais para não aproveitarmos a
companhia das pessoas que amamos. Eu sei muito bem disso.
As quatro mulheres se acomodam no sofá da sala, com
mamacita no meio, e me olham em expectativa.
Certo, por onde começar…
– Então… Todas vocês sabem que o casamento daquele
casal de amigas está chegando, certo? – Todas assentem. – E
sabemos que terei que passar dias ao lado de Marcos e da sua
atual…
– ¡Ese maldito mentiroso, hijo de puta![7] – Mamacita
praticamente rosna, como acontece toda vez que alguém cita meu
ex-noivo perto dela.
– Calma, mamacita. Vamos ouvir. – Yolanda, que juntando à
sua irmã, são duas fofoqueiras, silencia a avó e inclina o corpo para
frente, quase não se contendo de curiosidade.
– Então… Como eu estava dizendo, vai ter o casamento, e
eu estarei com o Ma… com essas pessoas durante os sete dias –
me contenho, quando a boca de mamacita se contrai.
Respiro fundo e começo a andar de um lado para o outro,
uma mania que tenho quando fico muito nervosa.
– Puta merda, Penélope. O que você fez? – Diana solta, e eu
olho para ela com culpa.
– É que… eu tive que tomar algumas medidas um tanto
quanto desesperadas… e provavelmente cometi o maior erro da
minha vida… mas quem pode me julgar, não é? – me atrapalho nas
palavras.
– Penny, apenas diga o que está havendo. Não vamos te
julgar – Bebê afirma, e todas assentem com a cabeça.
– Só Deus pode te julgar, hija[8] – Mamacita reforça.
– Estamos com você, pro que der e vier. Vamos te amar
independentemente de qualquer coisa – Yolis também confirma.
Me sentindo mais aliviada, abro um pequeno sorriso e por
fim, digo:
– Arthur e eu começamos um namoro falso.
O silêncio absoluto que se instala dentro da sala é tão
gritante, que poderia ouvir facilmente uma agulha caindo no chão.
Cinco segundos. Passam-se cinco segundos até que Yolanda
jogue a cabeça para trás e gargalhe de uma forma que eu nunca vi
antes. Ela ri, o som alto e escandaloso, enquanto Diana e Milene me
olham, confusas, e mamacita tem um sorriso assustador, e diabólico
no rosto.
Ok, isso não foi muito legal.
– O quê? – Milene quase grita, o que já é muita coisa vindo
dela.
– Como assim, um namoro falso? – Diana me pergunta,
quase se levantando do sofá.
– E com o gostoso do Arthur… – Guadalupe murmura, e eu a
olho, chocada.
– Mamacita!
– O que foi? Já viu aqueles braços? E o tamanho daquele
menino? Ah, se eu ainda fosse jovem. – Ela se abana com a mão
livre, fazendo Didi, Milene e eu a olharmos, incrédulas.
Eu ainda ouço a risada de Yolanda e quando a olho, a mulher
está caída no chão, com as mãos na barriga.
Fecho a cara.
– O que aconteceu com o “vamos te amar
independentemente de qualquer coisa, blá, blá, blá”? – Ponho as
mãos na cintura.
Mais alguns segundos se passam, e quando a morena de
cabelos curtinhos, olhos castanhos e corpo esbelto resolve parar de
rir da minha desgraça, ela me olha nos olhos.
– Mas é porque esse foi o maior absurdo que já ouvi na vida
– diz, limpando o canto dos olhos e ainda jogada no chão.
– Eu sei, tá bom? – vocifero e volto a andar de um lado para
o outro.
– Penny, pelo amor da santa, quer nos explicar o que isso
significa? – Mamacita ajeita a saia longa e se acomoda melhor no
sofá.
Doida por uma fofoca.
É de família, essa merda.
– Tudo começou quando minha melhor amiga resolveu me
deixar sozinha com aquela peste em um bar – começo, fuzilando
Diana com os olhos, que se encolhe no sofá. – A dondoca julgou
que seria uma excelente amiga se simplesmente deixasse de ir,
apenas pra sentar no seu namorado.
– Super compreensível – Yolis afirma, e eu a olho com
irritação. – O que é? Com um macho daquele tamanho em casa, eu
não tiraria aquela pica da boca nem pra escovar os dentes.
– Yolanda, pelo amor de Deus! – Sua avó fica vermelha e
tenta contê-la.
– É sério! Diana deve passar pasta de dentes na rola do
Benjamin e usar como escova…
– Yolis! – Diana fica indignada, e Milene começa a rir.
– Foco aqui, por favor?! – chamo a atenção de todas de volta.
– Continuando, fiquei sozinha com Arthur naquela porcaria de bar, e
como se não bastasse o tormento que é estar na companhia dele,
Marcos surgiu, do nada, com a namorada junto.
– O quê? – todas dizem.
– Espera, espera. Quando você diz surgiu, você quer dizer
que ele só apareceu por lá ou que o embuste tentou chegar até
você? – Yolis indaga, perdendo toda a graça de segundos atrás.
– Não só tentou, como conseguiu. Surgiu atrás de mim e do
Arthur, quando estávamos em um jogo de dardos, abraçado com
ela.
– Mas que…
E aí a sala vira um antro de xingamentos, dos mais diversos,
com direito a variações entre a língua portuguesa e espanhola.
Todas estão furiosas e revoltadas, e eu as compreendo. Foi
de uma cachorrada meu ex vir até mim, com a mulher que me traiu,
e tentar puxar papo como se o que ele tivesse feito não fosse ruim o
suficiente.
Não sei em que momento a humanidade achou que traição é
um ato banal e insignificante. Entretanto, no meu mundo, é apenas
imperdoável.
Eu não sei exatamente o que tanto Marcos queria, porém me
provou apenas que ele não tem consideração nenhuma por mim e
por meus sentimentos. Ele nunca teve.
– O que ele disse? – Milene me pergunta, depois que elas se
acalmam.
– Ah… veio com o papinho furado de sempre. Mas a questão
não é essa. No momento em que eu vi ele e a mulher ao lado, eu
surtei.
Deixo a informação no ar, tomando coragem para contar a
parte vergonhosa da história.
– Você disse a eles que Arthur era seu namorado, não disse?
Todas as cabeças viram para mamacita, que solta risinhos e
olha de um jeito esquisito para mim. As meninas me olham de volta,
boquiabertas.
– Eu disse… – confirmo, mesmo que não haja necessidade
disso.
– Misericórdia, Penélope! – Diana tem os olhos castanhos cor
de mel maiores do que o normal.
– E o que Arthur fez? – Yolanda questiona.
– Ele entrou na minha. Não faço ideia do motivo de ele ter
feito isso, mas ele resolveu me ajudar e entrar na farsa.
Mamacita dá uma outra risada, entretanto essa é diferente. É
cheia de sabedoria, e eu resolvo ignorá-la.
– Claramente, eu agi por impulso. Queria que Marcos não
pensasse que eu ainda estava presa a qualquer resquício do nosso
relacionamento, vendo que ainda estava solteira.
– Você sabe que isso é uma grande bobagem, não sabe,
hija? – Mamacita me olha com seriedade enquanto fala. – A única
pessoa machucada nessa relação foi você, por incontáveis motivos.
Estar reclusa e não estar se relacionando é mais do que
compreensível.
Meu coração se aperta ao mesmo tempo que se aquece.
Sorrio, grata à senhora que me trata como se fosse da
família.
– Obrigada, abuela[9].
– Certo, vocês se passaram por namorados para o Marcos e
a menina, porém isso não explica porque você ainda está nesse
namoro falso – Yolis levanta o ponto, sentando-se no sofá de novo e
apoiando os pés no colo da avó, que os segura com carinho no
mesmo instante.
– Arthur é amigo da Thays, e sua família é próxima da família
da Larissa. Ou seja, ele também estará no casamento.
– E? – ela insiste.
– Não é óbvio? – Diana comenta, chamando a atenção de
todas. – Ela vai encontrá-los no casamento. Tem que manter a farsa
até lá.
– Hum, é verdade – Mamacita comenta.
– E vai me dizer que Arthur, o cara que não te suporta, e que
você suporta menos ainda, aceitou isso numa boa?! – Minha irmã
fala, plenamente ciente dos sentimentos que eu e Arthur
compartilhamos um pelo outro.
– Até parece que não conhecem aquela peste. Arthur jamais
faria algo sem ter algum benefício próprio. Principalmente por mim.
– E que benefícios seriam esses? – Didi me olha,
desconfiada.
Yolanda faz uma cara tão maliciosa, que eu me apresso a
responder.
– Paz. Pelo menos, foi o que ele disse. – Quando todas me
olham com estranheza, eu complemento: – Parece que a família
descomunalmente grande de Arthur pega ele pra cristo quando se
reúnem. Ele disse que cada tia, de sangue ou não, cobra
casamento, filhos e um cachorro, dele. – Finalmente paro de andar
e me sento numa poltrona de frente para elas. – Comigo como
namorada, livrarei ele de uma dor de cabeça.
Mamacita dá risada, enquanto as outras assentem com a
cabeça.
– É a cara dele, fazer isso. Ben me contou que até ele ficava
incomodado quando via a família de Arthur colocar ele contra a
parede – Diana diz, apoiando a cabeça no ombro de Milene.
– Existem pessoas que simplesmente não conseguem
entender que vivemos em um outro tempo e que nem todo mundo
tem que casar, e ter um time de futebol de filhos. Gente como Arthur
e eu, somos sempre julgados por escolher o estilo de vida solteiro –
Yolanda é cirúrgica.
Um desconforto gigante se contorce em meu estômago, e eu
me esforço para permanecer neutra. Contudo, é impossível. Está lá,
a vergonha que parece não me abandonar sempre que penso nisso.
Sempre que lembro do que eu disse.
Meus olhos são atraídos para mamacita, que me encara
atentamente. Ela parece ler a minha alma, e meu rosto esquenta,
me dando vontade de sair correndo daqui e fugir do seu escrutínio.
– Então é isso… – Pigarreio, quando minha voz sai estranha.
– Combinamos de fingir esse namoro até o casamento. Vamos ser
vistos em público, vamos fingir estar apaixonados, e quando tudo
isso acabar, cada um segue seu rumo.
– Ai, meu Deus! – Milene exclama, se levantando do sofá e
jogando a cabeça da Diana pro ar.
– O que foi, menina? – pergunto, tendo levado um susto,
como todo mundo.
– Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! – repete as
palavras, ao passo que anda de um lado para o outro no canto da
sala.
– O que foi, inferno? Quer me matar do coração? – Yolis diz,
e quando mamacita a olha com raiva, ela pede desculpas baixinho.
– Bebê, o que está havendo? – Diana tenta também.
Minha irmã me olha, a princípio assustada, porém, aos
poucos seu olhar vai mudando, e um sorriso vai se formando em
seu rosto.
– Você é igual à Megera! – afirma em voz alta.
Eu posso jurar que ouço um grilo cantando no fundo, porque
ninguém entende nada do que ela diz.
– Megera? – questiono.
– Isso! Você é a Maitê. – Milene ri, como se tivesse dito a
coisa mais engraçada do mundo, e eu estou a um passo de ligar pro
hospital psiquiátrico da cidade. – Você é a Maitê, e o Arthur é o
Lucas.
– Milene, querida. Eu não estou entendendo nada. –
Mamacita soa tão confusa quanto eu me sinto.
– É um livro. – Yolanda me faz olhá-la. – Ela está falando de
algum livro.
Meu corpo amolece na poltrona quando compreendo.
Minha irmã lê mais livros do que eu bebo água. E olha que eu
bebo de dois a três litros d’água por dia. Vira e mexe, ela traz para
nossa realidade alguma coincidência com suas aventuras literárias.
Eu até gosto de ler, só que minha irmã é insana. Onde vai,
está com um livro ou o Kindle na mão.
Milene assume aquela pose que tem quando vai contar
alguma de suas histórias, quando foca em todas nós, sorrindo e
colocando os cachos caídos em seu rosto atrás da orelha.
– A Megera (In)domável, é de uma escritora brasileira
chamada Nathalia Santos. Ela conta a história de uma mulher
chamada Maitê e um mocinho chamado Lucas.
– Onde você quer chegar com isso, Milene? – resmungo.
– Ela meio que obriga o Lucas a entrar em um namoro falso,
pra que ela consiga a guarda de um bebê – explica. – Só que, como
todo bom clichê, no fim, eles acabam se apaixonando e vivendo
felizes para sempre.
Quando a compreensão chega até mim, é minha vez de dar a
gargalhada mais gostosa da minha vida.
– Claro, porque no fim dessa história, eu estarei
perdidamente apaixonada por Arthur – falo, entre risos.
Yolanda e Diana me acompanham, porém Milene e mamacita
cruzam os braços para mim.
Isso me faz parar de rir.
– Ah, qual é, gente. Eu não suporto o Arthur, não existe a
mínima possibilidade de me apaixonar por ele.
– Lucas também odiava a Maitê…
– Milene, isso é só uma história fictícia. Mais uma, das
milhões que você lê diariamente. – Ela abre a boca, mas eu a
impeço. – Diz pra mim, qual é o capítulo em que eles transam pela
primeira vez?
Olho para ela com a sobrancelha arqueada e mordo o lábio,
quando ela pensa.
– Vinte e seis – responde, e mesmo que não tenha lido o
livro, sei que está certa.
– Você decorou o capítulo em que eles transam? – Diana
pergunta, prendendo o riso.
Bebê fica extremamente vermelha, e todas damos risada.
Mesmo que tenha vinte e três anos de idade, minha caçula
ainda é virgem. Não a julgo, pois sei que dá valor a isso e não
encontrou alguém digno dela. O que as pessoas não sabem, é que
o conteúdo dos livros que lê, não é só romântico. É erótico. E ela os
adora.
– Viu só? É só mais uma história que você gostou muito.
Minha irmã cogita dizer mais alguma coisa, só que apenas dá
de ombros.
– Então é isso. Vamos todas fingir que Penélope está
namorando o jornalista gostoso, né? – Mamacita se manifesta, se
levantando.
– Mamacita, pare de chamá-lo de gostoso, por Deus – a
repreendo.
– Por quê? Está com ciúmes? – Ela pisca para mim e se
aproxima.
Não digo nada, engolindo qualquer coisa que possa fazer
com que a velha crie mais ilusões.
Eu? Com ciúmes do Arthur? Faça-me o favor.
Minhas amigas começam a conversar entre si, ignorando o
fato de mamacita ter parado à minha frente. Eu me levanto, e ela
segura meu rosto entre as mãos.
A pele dela é a mais macia que conheço. Nem o toque da
minha mãe é tão delicado como o dela. Tão diferente de sua
personalidade forte.
Seus olhos me sondam, reparando em cada canto do meu
rosto, e eu sorrio quando ela faz o mesmo. Sua voz é baixinha,
apenas para que eu ouça:
– Não tente controlar o incontrolável, nieta[10]. – Seus olhos
castanhos me prendem. – Permita que o destino faça aquilo que
você tanto quer e tanto precisa. Não fuja dele. Não o evite. Tenho
certeza de que não irá se arrepender. – Ela me beija no rosto e
sussurra, antes de se afastar: – Permita-se.
Engulo em seco assim que suas palavras ecoam por minha
mente, e com um sorriso que diz saber de coisas que nem em meus
sonhos mais loucos eu saberia, se afasta.
Dona Guadalupe se dirige até o corredor que dá para a sua
cozinha, me deixando parada no lugar, tentando absorver suas
palavras.
Não sei o que significam ao certo, entretanto, algo me diz que
me lembrarei delas no futuro.
– Diana, tenho uma pergunta muito importante pra te fazer. –
Ouço Yolanda, e minha concentração foca nela.
– O que é? – Didi responde.
Depois de uma pausa dramática, típica da morena
descendente de mexicanos, ela solta:
– Você já deu o cu?
Diana se engasga com a própria saliva, fazendo Milene e eu
darmos risada.
– Mas que droga de pergunta é essa, Yolanda Hernández? –
Diana quase grita, levando as mãos até o cabelo, envergonhada.
– Agradeça por eu ter esperado minha abuela sair daqui.
– Eu não vou te dizer se eu…
– Até a Penny e a Bebê estão curiosas.
Quando a baixinha olha de Milene para mim, faço questão de
ficar em silêncio.
É claro que fiquei curiosa.
Didi revira os olhos e bufa, audivelmente.
– Sim, já fiz sexo anal.
Yolanda fica empolgada de um jeito anormal, Milene, mesmo
vermelha que nem um pimentão, endireita a postura, curiosa, e eu
dou mais risadas.
Assim que começo a prestar atenção no que minha melhor
amiga irá relatar, meu celular vibra no bolso do meu short. Abro e
vejo a notificação de uma mensagem na tela.
Abro a boca, em choque, ao ler o nome do remetente.
Namorado bombado: Boa tarde, formiguinha. Está livre
amanhã de manhã para começarmos as primeiras entrevistas?
Mas que grande imbecil.
Faço questão de mudar seu nome nos meus contatos,
apenas para que ele veja em alguma oportunidade.
Eu:
Não ia ser sua secretária a me mandar mensagem?
Peste: Sim, mas não seria estranho minha secretária marcar
com a minha namorada, ao invés do próprio namorado fazer isso?
O idiota tem um ponto.
Eu:
Certo. Que horas?
Peste: Estaremos te esperando às nove horas, ok?
Eu:
Tá bom.
Mordo o lábio inferior e decido provocá-lo só um pouquinho.
Eu:
E pode parar de fingir que pensou no nosso disfarce, paixão.
Se queria me mandar mensagem, era só dizer.
Bloqueio o celular, sabendo que ele provavelmente vai me
ignorar, porém uma resposta vem logo em seguida.
Peste: No dia em que eu quiser papear com você de forma
casual, pode me internar em um hospício.
Respondo rapidamente.
Eu:
Não existem mais hospícios, anta.
Peste: Com certeza existe um pra pessoas que querem
papear com você…
Filho da mãe desgraçado!
Arthur, um. Penélope, zero.
Benjamin e eu estamos com as mãos na cintura assistindo à
sua labradora se esfregar e rolar pela grama da entrada da minha
casa, como se fosse a coisa mais prazerosa do universo.
– Sua cachorra tem probleminha – digo e dou risada da
linguinha dela para fora.
– Ela só gosta muito de grama… – Benjamin fala.
– Gosta muito? Chéri é obcecada por grama. – Ele suspira, e
eu dou risada.
Meu melhor amigo vive em uma cobertura e acaba sempre
trazendo sua cadela, linda e de pelagem preta, para passar um
tempo na minha casa ou na dos seus pais. Apenas porque o bicho
tem energia demais.
E, enquanto o ninho de amor dele e de sua amada não fica
pronto, ele continua a trazendo para cá. No final do dia de ontem,
ele a trouxe e veio buscar agora, no início da noite de domingo.
Ontem, não tive coragem de contar para ele sobre o namoro
falso, porque ainda estava tentando assimilar tudo. Porém hoje, não
teve jeito. Assim que chegou, despejei tudo o que aconteceu e estou
aguardando pacientemente a opinião do meu melhor amigo.
– Você não vai dizer nada? – insisto, depois de alguns
minutos.
– Eu só vou dizer uma coisa: isso pode dar muito errado ou
pode dar muito certo.
Fico confuso.
– Do que está falando?
Ele ri, como se eu fosse um idiota e não entendesse as
coisas direito.
– Eu estou falando que no final dessa história, você ainda vai
ficar de quatro pela Penélope.
Dou uma risada sonora e olho para ele, incrédulo.
– Benjamin, não fala bosta. – Ele me olha, entediado. – É a
Penélope. Lembra, a loira que eu detesto?
– Eu sei muito bem quem ela é, e também sei que você era
louco por ela, antes de vocês dois brigarem.
Desvio o olhar do seu, me concentrando na sua cachorra,
que agora coça a orelha.
– Louco é uma palavra muito forte.
Agora é a vez de ele dar risada.
– Arth, você diz detestar a mulher, mas nem passou vinte e
quatro horas desde o que houve no bar, e você já engatou num
namoro falso pra ajudá-la.
– Não estou fazendo isso só por ela. Também vou ganhar
algo com esse acordo maluco.
Ele estala a língua e me faz encará-lo.
– Eu não vou perder meu tempo tentando te mostrar algo que
você não quer ver. Eu só sei que, essa história, não vai acabar do
jeito que você imagina.
Nego com a cabeça, tentando não me irritar com a sua
insistência.
– Que seja. Contei pra você porque é meu melhor amigo e
porque provavelmente vai começar a ver manchetes nossas por aí.
– Quem mais vai saber que não é de verdade?
– Alfred, Letícia e Felipe – respondo.
Benjamin ri.
– As outras únicas pessoas que suspeitariam de tudo isso.
– Exatamente.
Mesmo que eu não contasse para ele, conhecendo aquele
grupinho de amigas fofoqueiras, sei que saberia através de sua
namorada.
A propósito…
Minha mão voa em direção à nuca do meu melhor amigo, em
um tapa bem dado.
– Ai! Porra, que isso? – reclama, me olhando incrédulo e
massageando a área atingida.
– Isso é por você ficar fofocando pra Penélope que eu vivo
comprando na loja dela.
Ele segura o riso e me encara com afronta.
– E o que têm? Só contei que você é um cliente fiel.
Eu tento dar outro tapa, mas ele desvia a tempo, dando
risada.
– Não pense que eu não sei que você vive falando de mim
quando ela está por perto, seu puto.
O desgraçado abre um sorriso diabólico, e se eu não o
amasse tanto, teria enfiado outro tapa na sua nuca. Só que mais
forte dessa vez.
Meu melhor amigo dá dois assovios curtos, e logo Chéri está
perto de nós. Ele retira a chave do carro do bolso, e o ouço
destravar o alarme.
Ele me olha, com aquele sorriso sacana, e eu estreito meus
olhos para ele.
– Só posso te desejar boa sorte. Com a Penélope e com todo
o resto.
– Por que eu acho que você está torcendo para que eu me
ferre com tudo isso?
Ele solta uma risada alta e simplesmente me dá as costas.
Depois diz que me ama.
– Deixa eu ver se eu entendi direito… – Respiro fundo,
tentando manter a paciência. – Você, deliberadamente, vai mentir
para toda a sua família, fingindo estar namorando uma mulher, só
pra não ser incomodado durante o casamento de suas amigas?
Letícia tem os dedos em pinça, pontuando pausadamente
meu plano, enquanto Alfred e Felipe me olham como se eu tivesse
batido com a cabeça na parede inúmeras vezes.
– Sim.
– E tá tudo bem pra você, isso? – Lety coloca as mãos na
cintura, em pé, atrás das cadeiras em que meu irmão e meu amigo
estão sentados.
– Eu estou ótimo, obrigado – respondo sarcasticamente, e a
mulher estreita os olhos para mim.
Minha cunhada é foda.
Amo Letícia de todo o meu coração. A Editora Chefe da
Rabello’s Company é uma das pessoas mais engraçadas que
conheço, uma mãe incrível e esposa apaixonada.
Mas, puta merda, como é exagerada.
É claro que surtaria quando eu contasse sobre meu plano
com a loira Chernobyl, e é claro que eu teria que ouvir um sermão.
Convoquei os três para essa conversa, sabendo que são as
únicas pessoas da minha vida que não acreditariam, nem por um
segundo, que eu estou namorando, porém estou começando a
perder a paciência.
– Espera um pouco, Penélope Duarte? – Alfred pergunta, e
eu aceno com a cabeça. – A dona do Café da Penny… Que é amiga
da mulher do Benjamin?
Concordo de novo.
– Aquela Penélope? – Felipe se inclina para frente na
cadeira. – O mulherão, gostosa pra caralho, que você simplesmente
odeia?
Travo meu maxilar e o olho com raiva.
– Mais respeito, porra. De mentira ou não, ela é oficialmente
minha namorada.
O puto sorri de lado e se joga de volta na cadeira.
– É oficialmente para o resto do mundo… Eu sei da verdade
e, para mim, ela é solteira.
Bato com o punho na mesa e aponto o dedo para o rosto
dele.
– Vê se segura esse pau dentro das calças, Felipe. Não
quero dor de cabeça por causa de você de novo.
Ele se encolhe um pouco e depois dá de ombros.
O desgraçado consegue ser mais cafajeste do que eu.
– Pessoal, esse não é o ponto – Letícia toma a frente
novamente. – Você acha que é uma boa ideia fingir estar
apaixonado pra sua família, Arth? Já pensou no quanto ficarão
magoados se descobrirem a verdade?
– Gatinha, não pode negar que é uma boa ideia. – Meu irmão
estica a mão e segura com delicadeza a da mulher. – Eu mesmo já
estive no lugar dele.
– Só que pra mim é muito pior, porque na sua época, você
não tinha um irmão mais velho casado e com dois filhos pra
compararem – Pontuo.
Minha cunhada suspira e olha para o marido com incerteza.
– Eu sei, bonitão. Sei de toda essa história. – Seus olhos
castanhos escuros se voltam para os meus. – Seus sobrinhos
também estarão inclusos nessa lista de pessoas enganadas, senhor
Arthur. Esteja ciente disso.
A mulher se senta de lado no colo do marido, ao mesmo
tempo que eu sinto meu estômago se contorcer.
Letícia é muito protetora se tratando dos filhos. Rian tem oito
anos e nasceu quando seus pais ainda nem eram casados, Victória,
minha princesinha, nasceu três anos depois. Como eu disse à
Penélope, são as minhas pessoas favoritas no mundo, e sua mãe
sabe muito bem que são meu ponto fraco também.
– Gatinha, nossos filhos não vão ser prejudicados com isso,
pode ficar tranquila. – Meu irmão acaricia a cintura fina da mulher. –
Eles nem vão saber o que aconteceu. No fim, será apenas um
namoro do tio que não deu certo.
Meu irmão, muito mais razão e menos emoção que a esposa,
faz sua mágica de sempre e a tranquiliza.
Os dois se completam de um jeito bizarro.
Ela é impulsiva, ele é centrado. Ela é todo sorrisos, e os dele
são reservados para poucos. Mesmo diferentes, ainda assim,
sentiram uma química fodida quando se conheceram e
simplesmente não conseguiram ficar longe um do outro.
A história dos dois é digna desses filmes de romance clichê.
– Independentemente disso, vocês vão conseguir fingir
estarem se amando? – Lipe me desafia. – A primeira e única vez
que vi a loira foi há meses, na sua casa, e pelo que me lembro, a
última coisa que você queria era namorar com ela.
O desgraçado não deixa passar uma.
– É, é… Mas resolvemos unir o útil ao agradável. É vantajoso
para nós dois.
– Por que eu acho que vou me divertir muito, vendo você
tentando parecer apaixonado por uma mulher que não suporta? –
Lety sorri, parecendo o próprio satanás, aceitando de vez essa
história.
– Por que você adora uma bagunça? – respondo
ironicamente, e seu sorriso se alarga.
– A gente vai se divertir muito, não vai, bonitão? – Cutuca
meu irmão, ainda olhando para mim, chamando-o pelo apelido que
usa com ele.
– Ah, a gente vai… Já imaginou? Meu irmão usando uma
coleira durante mais de um mês? – Alfred me provoca.
– Vai se foder! Eu não vou usar uma coleira. Não sou você.
O idiota passa a mão pelos cabelos perfeitamente penteados
para trás e sorri, como se soubesse de algo que eu não sei.
Uma batida leve na minha porta, chama nossa atenção.
Minha secretária entra, segurando um papel na mão e o
notebook na outra.
– Aqui está a lista que você me pediu, chefe. – A deposita na
minha frente. – Só pra eu ter certeza… Eu fiz alguma coisa de
errado?
Dou risada, porque sei que está brincando, mesmo que eu
veja seus dedos apertarem mais o computador nas mãos.
– Você não vai ser demitida, Jana. Eu não sou tão burro
assim.
Ela sorri, aliviada.
– Então minha consciência fica mais tranquila por ter
colocado as melhores opções aí.
Curiosa pra cacete, minha cunhada estica a mão e puxa a
folha para ler o conteúdo.
Sua testa se franze.
– Por que precisa de uma lista de secretárias?
Puxo a folha de volta e a guardo em minha gaveta.
– Deixa de ser enxerida…
Letícia me olha com desconfiança, e sou salvo pelo som do
telefone em minha mesa. Janaína o atende no primeiro toque.
– Sim? Certo, vou descer pra acompanhá-la. – Ela desliga e
olha para mim. – Penélope chegou, Arth.
Os outros três rostos olham para mim com espanto no
mesmo segundo.
– Ótimo. Acredito que esteja tudo pronto, não é? – Jana
concorda com a cabeça. – Perfeito, então. Vou aguardá-la aqui.
Ela acena positivamente e sai logo em seguida.
Evito fazer contato visual com o trio à minha frente por alguns
segundos e me preparo, quando ergo a cabeça.
Puta que pariu.
Os três estão sorrindo.
Abertamente.
– Eu não mereço isso… – resmungo, me levantando e
pegando meu blazer das costas da cadeira.
– Porra, se esse dia não ficou muito melhor de uma hora para
a outra – Felipe grasna e se levanta também.
– Você tá de sacanagem que eu vou conhece-la agora?! –
Letícia praticamente corre em direção à minha parede envidraçada
e começa a abrir as persianas, dando a visão que o mezanino
permite, da minha redação.
– Acho que vou filmar… – Alfred para atrás da esposa,
sorrindo de orelha a orelha.
– Calem a boca – digo, mas estou respirando fundo também.
Posicionados um ao lado do outro, esperamos ansiosamente
até as portas do elevador principal se abrirem.
O frio na boca do meu estômago é, com certeza, porque
apareceremos em público, pela primeira vez.
É… É por isso.
Respiro fundo de novo, enquanto coloco meu blazer e
aguardo.
A tensão e expectativa ao nosso redor são palpáveis, e eu
não sei por quê.
É só a Penélope que vai sair do eleva…
– Puta que me pariu! – Letícia exclama ao meu lado, e, se eu
não estivesse sem palavras, teria dito coisa pior. – Essa é sua
namorada de mentira?
Nem consigo responder.
Assim que as portas se abrem, tudo o que eu vejo é uma
mulher linda pra caralho saindo de dentro da caixa metálica. Minha
secretária atrás, fica completamente ofuscada pela beldade à sua
frente.
Caralho. Caralho. Caralho.
Penny entra no andar e absolutamente tudo, e todos, se
calam ao redor. Todos a olham.
Sua postura altiva não transparece soberba, e sim, elegância
pura. Ela usa um vestido azul royal, com mangas até os cotovelos,
justo até a altura dos joelhos e de decote coração, saltos pretos com
o bico fechado, e seus cabelos soltos e ondulados nas pontas,
apenas completam a obra.
Ela ajeita a alça de uma bolsa preta sobre o ombro enquanto
sorri para os poucos que têm coragem de fazer o mesmo para ela.
Acena com a cabeça discretamente, conforme minha assistente
narra e apresenta o lugar. Como de costume, e sendo o andar
principal de toda editora, Janaína vai apresentando alguns
elementos da redação.
No momento em que mostra os painéis de fotografia ao lado
da entrada, elas viram de costas, meu corpo reage ao que meus
olhos veem.
Pela parte de trás, consigo ver que o vestido possui um único
zíper, de cima a baixo. E isso não colabora em nada com a minha
imaginação fértil.
Não quando sei o quanto seria fácil deixá-la nua…
O jeito justo que a peça abraça seu corpo, faz aquela bunda
ficar maior e em destaque.
Como a mulher é bunduda.
As coxas grossas deixam tudo ainda mais tentador, e eu
aperto minhas mãos em punhos, tentando controlar minha ereção.
Vamos, Arthur. É só um vestido, porra.
Um vestido que a deixa gostosa pra caralho, entretanto,
ainda é um vestido.
Conforme Jana apresenta meus colaboradores e suas
funções, as duas vão avançando pelo corredor rodeado de
máquinas e computadores.
Mais uma vez, vejo cada homem daqui praticamente quebrar
o pescoço para conseguir ter um vislumbre da mulher.
Cada maldito homem!
Uma sensação esquisita e muito inconveniente atiça cada
centímetro do meu corpo. Não sei o que é, só que a cada segundo
que a vejo ser observada como se fosse um animal no zoológico,
sinto vontade de matar alguém.
Lentamente.
– Você está tão, mas tão, mas tão fodido se aquela obra dos
deuses é a mulher que você está chamando de namorada. – Letícia
sorri diabolicamente quando a olho. – Ah, mas isso vai ser o melhor
entretenimento da minha vida.
Bufo, não sendo capaz de dizer qualquer palavra e fico mais
irritado ainda, quando Alfred me olha do mesmo jeito provocador
que sua mulher.
Dois imbecis.
Volto minha concentração para Penélope.
De repente, Felipe para ao lado da minha namorada falsa e a
cumprimenta.
Como um idiota, olho para o meu lado, onde ele esteve até
agora e vejo que não percebi que o desgraçado saiu daqui, e correu
lá para baixo.
Olho com raiva na direção deles e assisto meu amigo sorrir
de lado para a loira.
– Mas que… – não termino a frase.
Simplesmente, me afasto em direção à porta, pronto para
acabar com essa palhaçada.
Conforme vou descendo as escadas, meus funcionários vão
percebendo minha chegada e me olham. Consequentemente, acabo
chamando a atenção dela.
Sinto o impacto no meu sangue quando os olhos azuis claros
se fixam em mim, tão intensos como sempre são.
Caminho lentamente em sua direção, fazendo questão de
que cada ser humano aqui dentro me veja e veja o que farei a
seguir.
Quando finalmente paro na sua frente, preciso engolir a
saliva. Seu rosto está maquiado de uma forma que destaca os
olhos. Não é exatamente uma maquiagem pesada, porém faz com
que os ângulos do seu rosto fiquem mais bonitos e mais
impactantes.
Tudo nela é impactante.
Limpo a garganta, vendo Penny acompanhar cada
movimento meu sem piscar e, dando um sorriso de lado, deslizo a
mão por sua cintura fina.
Meu sorriso se alarga quando um leve estremecimento
acompanha seu corpo bonito, tão logo eu a trago para mais perto.
– Bom dia, formiguinha. – A descida no tom da minha voz
não é proposital.
Ela pisca os olhos, um pouco atordoada, e eu a observo. Vejo
seus dentes cravarem em seu lábio inferior e uma leve cor rosada
assumir sua bochecha.
Por que isso é tão satisfatório?
Acho que ouço algum arquejo próximo de nós e sei que o
plano está surtindo o efeito que desejei. Precisava fazer isso para
que as pessoas entendessem de uma vez por todas que ela é mi…
Que estamos namorando!
Estamos namorando de verdade para o resto do mundo.
Tendo um e oitenta e oito de altura, mesmo que use saltos,
Penélope fica bem mais baixa do que eu. Portanto, seu rosto se
inclina para trás, ao passo que seus olhos se concentram nos meus.
Segundos se passam, mesmo que pareçam horas, e ela, por
fim, limpa a garganta, dizendo as primeiras palavras para mim.
– Bom dia… paixão. – E abre um sorriso, que não chega aos
olhos.
Vamos lá, formiguinha. Precisa fingir melhor.
Talvez meu rosto tenha denunciado meus pensamentos
porque, em seguida, Penny está abraçando meu pescoço. Retribuo
no mesmo instante e faço questão de enterrar meu rosto no seu
longo pescoço.
Isso é um grande erro.
Pois assim que inspiro seu cheiro, aquela capacidade de
controlar minha ereção evapora.
Maresia e algo cítrico. Puta cheiro bom…
Me afasto um pouco rápido demais, torcendo para que
ninguém perceba.
Mesmo que todos os olhos estejam em nós.
– Mais tarde continuamos com as apresentações, Janaína –
falo com minha assistente, sem tirar os olhos do furacão ainda em
meus braços. – Vamos. Quero te apresentar algumas pessoas.
Seguro sua mão, entrelaçando nossos dedos na hora,
enquanto a puxo para o meu escritório no mezanino.
A corrente elétrica que sinto passear por minha pele, é algo
novo.
Conforme subimos os degraus lado a lado, noto que minha
redação ainda não voltou ao trabalho. Paro no meio da escadaria e
desço um olhar cortante para eles. Eles voltam ao trabalho
imediatamente.
Viro o rosto e encaro o de Penny, que tem os olhos em mim.
Eles refletem diversos sentimentos que eu não estou disposto a
descobrir quais são.
Não dizemos nada, e eu prefiro assim.
Tão logo chegamos à minha sala, abro a porta para ela, que
arqueia a sobrancelha, em um tom de loiro um pouco mais escuro
que os cabelos, para mim. Ela passa por mim e entra.
Seus olhos correm rapidamente para cada canto, mas depois
se fixam no casal parado à nossa frente.
Desvio os olhos do rosto perturbador de Penélope e me viro
para Alfred e Letícia.
Solto um resmungo audível, passando as mãos pelo meu
cabelo.
Ambos estão sorrindo abertamente, porém minha cunhada
parece o próprio Coringa, com a boca alargada num sorriso gigante.
– Você não sabe o prazer que é te conhecer, Penélope
Duarte. – Letícia se aproxima, estendendo a mão para ela.
Penny a cumprimenta de volta, olhando-a, intrigada.
– Sou Letícia Manuel Rabello. Esposa de Alfred e,
infelizmente, cunhada de Arthur. – A morena pisca o olho castanho,
fazendo gracinha.
– Ah… – Penny compreende e sorri de mim para ela. – O
prazer é meu.
– Meu irmão contou sobre os planos de vocês de enganarem
metade da cidade com esse namoro de mentira… – Alfred solta,
fazendo Penélope arregalar os olhos.
– É… – a loira tenta falar.
Letícia solta uma risada alta e dá um tapinha no ombro do
marido.
– Deixa de ser chato, bonitão. Está assustando sua cunhada.
– Ela pisca para Penny. – Ele está brincando com a sua cara. Às
vezes, ele tem bom humor.
Meu irmão ri e cumprimenta Penélope com um aperto de mão
também.
– Alfred. É muito bom conhecer a dona da coleira do meu
irmão.
– Nossa, mas vocês estão demais hoje, hein – digo,
querendo expulsar os dois engraçadinhos daqui.
– Sinto te informar, Arth, mas vamos te zoar muito nessas
próximas semanas. – A morena ri e abraça meu irmão pela cintura.
– Lety…
– Larga mão de ser insuportável, moleque. Estamos
aproveitando que é a sua vez de sofrer – o puto do meu irmão diz.
– Fico satisfeita em contribuir com isso – Penny fala ao meu
lado, me fazendo olhá-la com a sobrancelha erguida.
– Como é? – pergunto.
– Eu gaguejei? – ela rebate.
A filha da mãe veio ácida, como de costume. Suas mãos
entrelaçadas e o olhar desafiador, me fazem soltar o ar pelo nariz.
Ouço mais uma gargalhada da minha cunhada.
– Eu gostei dela. Eu gostei muito dela, Arthur!
– Olha, uma das poucas pessoas no mundo… – devolvo, e o
furacão me olha com raiva.
– Esse casamento vai ser caótico – meu irmão lamenta,
ajeitando os cabelos para trás.
– E você sabe o quanto eu amo isso, não sabe? – Lety olha
com uma cara de safada para meu irmão, e eu reviro os olhos.
– Tá bem, já chega vocês dois. Trouxe a Chernobyl aqui pra
cima para que vocês a conhecessem e para que meus funcionários
vissem isso.
– E, suponho, que aquela ceninha lá embaixo foi proposital. –
Alfred aponta e depois desce o nariz nos cabelos da mulher, uma
mania que sempre o vejo fazendo com ela.
– É claro que sim, Alfredo. Por que mais eu faria aquilo?
No mesmo segundo, Felipe adentra minha sala e
rapidamente se coloca ao lado de Penélope.
Mas quem o chamou aqui?
– Vocês causaram um rebuliço lá embaixo, casal do ano. –
Ele mede Penny de cima a baixo. – Quando quiser, eu posso te dar
um tour pelo resto da redação… Tenho certeza de que minha
companhia será dez vezes melhor do que a do meu querido chefe.
O filho da puta dá, descaradamente, em cima de Penélope,
na frente de todos. Vejo o rosto dela ficar completamente confuso e
virar para mim, em busca de respostas.
Reviro os olhos e, sem me conter, puxo seu corpo esbelto
para o meu lado, a distanciando dele.
– Ele sabe. Tive que contar, porque o puto saberia que não é
verdade.
Não me passa despercebido o arranhar de garganta da
minha cunhada, quando tenta prender o riso.
É claro que eu ignoro.
– Por isso, se precisar de algo que meu amigo aqui não
puder lhe oferecer, é só me avisar. – Ele pisca, e eu me contenho
para não dizer que nada que ele tem para oferecer é de interesse da
loirinha.
– Felipe, você não tem uma reportagem master para
supervisionar, não? – Olho o relógio no meu pulso. – Já, já vamos
começar.
Ele tem a cara de pau de bufar e revirar os olhos.
– Estraga prazeres…
Antes que eu tenha a oportunidade de ficar aliviado, o idiota
estica a mão, segura a de Penélope com delicadeza e a puxa, para
depositar um beijo em seus dedos.
Minha mão voa para a sua nuca, antes que eu possa me
conter.
– Ai! Mas que… – reclama, ao receber um tapa.
Seguro a parte de trás da sua camisa e o empurro em
direção à porta.
– Tchau, Felipe.
Vejo-o sair resmungando como um adolescente, ao mesmo
tempo que escuto a risadinha cínica da Penélope.
Mas que inferno.
– Tão fodido… – Alfred murmura baixinho, entretanto eu
consigo ouvir.
– Vocês dois, já conheceram Penny, já podem ir.
– Opa, opa, espera aí. A gente nem conversou sobre como
vai ser essa coisa de fingimento. – Letícia se endireita no lugar, e eu
tenho que pedir a todas as divindades que existem para me darem
paciência. – Vocês estão namorando há quanto tempo? Já
pensaram que as pessoas precisam saber que isso aí tá rolando? –
Aponta com o dedo para nós dois.
– Já pensamos nisso. Temos algumas regras – Penny afirma,
jogando a cabeleira enorme por cima dos ombros.
– E quais seriam essas regras? – meu irmão indaga,
cruzando os braços.
– Não nos matarmos na frente das pessoas – respondo.
– Sermos vistos juntos em público. – Penny responde.
– Usarmos apelidos carinhosos. Ficar na seca até lá…
– Fazer contato físico…
– Entre outras coisas chatas. – Ouço Penélope suspirar,
depois de ouvir isso.
– Ficar na seca e fazer contato físico… Entendi. – Minha
cunhada segura o riso, e estreito os olhos para ela. – Vocês
esqueceram do principal, crianças.
– E o que seria? – a loira questiona, com a testa franzida.
Uma pausa desnecessariamente longa é feita por Lety, até
que ela e o marido sorriem para nós, como dois maníacos.
– Não se envolverem. – a morena responde.
– Como é?
– Não se envolverem. Porque a partir do momento em que
isso acontecer, vão se apaixonar. E aí, meus amigos, vocês estarão
fodidos.
Há um silêncio de alguns segundos, até que eu e Penélope
explodimos em risada.
– Ai, vocês são muito engraçados… – falo, ainda rindo do
absurdo.
Quando olho para Penélope, ela está tentando limpar os
olhos e não borrar a maquiagem.
Ela me olha e depois olha para o casal à nossa frente.
– Não pensamos nessa regra, simplesmente por ser absurda.
– diz exatamente o que eu penso.
Essa regra não foi citada por nós, exatamente por isso. Não
há nenhuma possibilidade de Penélope e eu nos envolvermos.
Nenhuma.
– Uhum… Daqui a um mês, conversamos sobre isso de novo.
– Letícia para à nossa frente e segura as mãos de Penny. – Só
queria dizer que eu admiro muito o seu trabalho. Qualquer mulher
em cargo de poder, merece meu total e absoluto respeito.
O sorriso que o furacão dá em resposta a isso, é o maior que
já vi em seu rosto bonito.
– Obrigada. E preciso dizer que também admiro seu trabalho
junto à Rabello’s Company. Não deve ser nada fácil ser Editora
Chefe de um jornal tão grande quanto aquele.
Letícia ri alto e olha para meu irmão, ainda parado no mesmo
lugar.
– Ela sabe meu cargo! – Seus olhos castanhos pousam em
mim. – Eu quero ela! Posso ficar com ela?
Letícia dá pulinhos, arrancando risadas de todos. Até de mim.
– Tá bem. Já estamos atrasados para uma reunião, gatinha.
– Alfred se aproxima. – Tenho certeza de que nos veremos em
breve, Penélope.
– Sim. E por favor, me chamem de Penny – responde, ainda
segurando as mãos da morena saltitante.
Minha cunhada dá um abraço inesperado e rápido nela, e me
dá um beijo na bochecha em seguida. Meu irmão acena com a
cabeça, a única despedida que acha necessária, antes dos dois
saírem do meu escritório.
Um silêncio se estende entre mim e minha companhia, até
que nossos olhos se encontrem ao mesmo tempo. Sozinhos, tomo a
liberdade de olhá-la de cima a baixo novamente.
Sem nenhum motivo, mas foda-se.
– Vejo que veio preparada para as entrevistas, formiguinha.
Ela ajeita os cabelos na cabeça e os joga por cima do ombro.
– Eu sempre estou preparada, Arthur. – Olho em seus olhos
astutos. – E não precisa me chamar de formiguinha. – Arqueia a
sobrancelha. – Estamos sozinhos.
Dou de ombros.
– Assim, eu vou me acostumando.
Seus olhos reviram, antes de esquadrinharem minha sala de
novo.
– Adoraria elogiar o design da sua sala, mas como seu ego é
maior do que você, vou apenas dizer que é melhor do que imaginei.
Dou uma risada e não contenho o que digo a seguir:
– Meu ego e minha altura não são as únicas coisas grandes
em mim.
Penélope leva alguns segundos para entender o que eu digo,
porém quando acontece, seus olhos ficam enormes.
– Arthur, que nojento. – E aí, faz algo completamente
inesperado.
Ela ri.
Uma gargalhada potente, alta e muito engraçada. Um som
esganiçado deixa sua garganta, e eu até riria, se não estivesse
completamente petrificado.
O som é uma delícia.
Puta merda, acho que nunca ouvi uma risada tão gostosa em
toda a minha vida.
Sua mão tapa a boca quando o som esquisito sai de novo, e
ela me olha, assustada.
– Desculpa, minha risada é estranha. – Ela arranha a
garganta e se recompõe. – Você é tão imaturo.
Ela fica me olhando, com certa expectativa, só que eu não
consigo dizer nada.
Nem xingá-la de volta.
Nem dar alguma alfinetada.
Nada.
Ainda ouço sua risada ecoando em meu cérebro.
Penny desvia os olhos lindos de mim e ajeita a alça da bolsa
no ombro.
– Onde fica o banheiro? Preciso retocar minha maquiagem.
Apenas aponto para a porta aos fundos da minha sala, e ela
se dirige para lá apressadamente.
Parado como um bobo no meio da minha sala, tento colocar
meus pensamentos no lugar.
Você enlouqueceu, Arthur? É só a porra de uma risada.
Respiro fundo e caminho até a minha mesa. Pego o papel de
dentro da gaveta e aguardo até que ela saia do banheiro.
Depois de alguns minutos, Penny retorna, e eu me aproximo.
– Pega – digo, estendendo o papel para que segure.
Assim que o faz, seus olhos correm pelas palavras ali
escritas.
Seu cenho se franze.
– Por que está me dando isso? – Seus olhos brilham, quando
focam em mim.
Dou de ombros e desvio o olhar. Começo a caminhar até a
saída.
– Você tinha dito que não tinha secretária, então eu pedi para
a minha procurar as melhores e mais bem recomendadas da cidade.
Quando alcanço minha porta, olho para seu rosto novamente,
e Penélope me olha sem entender.
– O que foi? Só achei que você pudesse ter um pouco de
ajuda… – Ela não diz nada. – Não foi nada demais. Na verdade, foi
Janaína que fez todo o trabalho, então…
Ela ainda fica um tempo me encarando, com um olhar
esquisito.
– Vamos logo, Penélope. Já está tudo preparado para a
entrevista.
Eu, como diretor executivo, não costumo participar de todas
as entrevistas do jornal. Não conseguiria, nem se quisesse.
Entretanto, é a reportagem master, e eu tenho que estar presente,
pelo menos, em uma das etapas.
Além do mais, precisamos mostrar esse namoro para as
pessoas. Vai ser uma boa oportunidade.
Penny finalmente se move, ainda segurando o papel entre os
dedos. Quando me alcança, para à minha frente, e seus olhos muito
azuis me encaram diretamente.
– Obrigada, Arthur. – Eu a encaro de volta, sem dizer nada.
Sua boca se abre, como se quisesse dizer mais alguma
coisa, mas logo se fecha. Finalmente sai da minha sala, e eu vou
logo atrás.
Aponto para seguir até as escadas, e ela vai à minha frente.
Mais uma vez, meus olhos são puxados para o zíper de fora
a fora em seu vestido e para a bunda balançando, conforme
Penélope desce os degraus.
Inspiro profundamente e arrasto a mão pelos cabelos.
Esse dia vai ser longo.
Penélope e eu teremos o primeiro encontro juntos. Vou
chamar de encontro, pelo simples fato de que serão duas pessoas…
se encontrando.
Sendo assim, combinamos de que o primeiro local realmente
público que iríamos, seria em um boliche.
A sugestão foi minha. Pensei que fazer alguma atividade
minimamente divertida, fosse melhor do que ficarmos olhando um
para cara do outro durante horas, fingindo amar estar ali.
Então cá estou eu, dirigindo até um dos cafés dela para
buscá-la, pois precisou resolver alguns assuntos neste
estabelecimento. E como, tecnicamente somos namorados, nada
mais justo do que irmos em um carro só.
Estaciono do outro lado da rua e olho para a fachada do
local. Nunca vim nesse, o único que cheguei a frequentar foi o
principal, no centro da cidade, e esse claramente é bem menor do
que o que visitei.
Saio do veículo e encosto na porta do passageiro, olhando o
horário em meu relógio. Já passa das sete da noite, e a mulher
ainda está trabalhando. Tudo bem que é meio de semana, mas algo
me diz que isso acontece com frequência.
Como CEO, sei exatamente como seu trabalho pode passar
do horário comum com mais frequência do que gostaria de admitir.
Porém, meu pai sempre fez questão de se esforçar para não
exagerar, e eu sigo seu exemplo.
Os dias são preciosos demais para serem gastos apenas
com trabalho.
Vejo uma movimentação, em seguida, luzes se apagando, e
logo depois, a loira sai de lá com uma mochila pendurada no ombro.
Suas roupas são um pouco mais casuais hoje. Uma calça
jeans, camisa social branca e salto alto. Seu cabelo está preso em
um coque bagunçado no alto da cabeça, com alguns fios caídos,
como se estivesse com pressa demais para ajeitá-los.
Ela anda diretamente para mim, entretanto seu olhar está
distante. Sei que tem algo na cabeça.
Penny, enfim, olha em meus olhos no momento em que se
aproxima. Seu semblante está cansado, e a semana nem chegou ao
fim.
– Boa noite – diz baixinho, provando que estou certo.
– Boa noite, Penny. Aconteceu alguma coisa? – pergunto,
sentindo uma necessidade esquisita de entender o que está
havendo.
Seu cenho se franze.
– Por que está perguntando isso?
– Porque você parece que foi atropelada por uma manada de
elefantes.
Ela solta um riso fraco e sem humor.
– Uma manada de elefantes seria melhor, na verdade. –
Quando não digo nada, ela completa, dando de ombros. – É só um
fornecedor de farinha que vem me dando trabalho há meses.
Mudamos o produto para um mais em conta, porém estou
começando a me arrepender disso.
Aceno com a cabeça.
– Entendo. Se tiver algo que eu possa fazer…
Me afasto da porta e abro para ela.
Penélope entra, sem nem ao menos perceber o que fiz.
– Se encontrar um jeito de fazer as pessoas serem menos
lerdas e mais eficientes, me avisa.
Dou risada, fechando a porta quando se acomoda.
O fato de estar conversando comigo dessa forma e não ter
me dado uma única patada desde que chegou, me diz que o
problema é mais complicado do que parece.
Me sento no banco do motorista, colocando o cinto e logo
dando partida.
Durante boa parte do trajeto, Penélope foca na cidade
passando pela janela e não diz nada, totalmente perdida em
pensamentos. Decido não interromper.
Depois de um tempo, ligo meu rádio, sincronizando com o
bluetooth do meu celular. Obviamente, a primeira música que
começa a tocar da minha playlist é “Essa Mina é Louca”, da Anitta
com o Jhama.
Quando alguns trechos da música passam, vejo pela visão
periférica, Penny virar a cabeça na direção do rádio e depois pra
mim.
Assim que paramos em um sinal vermelho, eu a olho.
Seu rosto contorcido em uma careta engraçada, me faz rir.
– O que foi? – questiono.
– Por que estamos ouvindo a Anitta?
– Porque sim, ué. – A careta não se desfaz, e ela parece
muito confusa. – Eu gosto da cantora, Penélope. Você não?
– Eu? – Concordo com a cabeça, tentando não rir da sua
confusão. – Bem… Eu até que gosto. Mas nunca imaginei que você
ouviria a cantora.
– E por que não? Sou brasileiro, todo brasileiro deveria ouvir
Anitta.
– Pois é, mas não é todo mundo que faz isso não. – Me viro
para frente, quando o sinal abre. – Mesmo que não goste do estilo,
o mínimo de admiração pelo trabalho da mulher, deveriam ter.
Olho rapidamente para ela, surpreso.
– Você acha mesmo isso?
– Claro. Na verdade, acho ela uma das melhores
empresárias do país.
Quase paro o carro no meio da rua.
Minha boca se escancara, e eu dou um tapa no volante.
– É exatamente o que eu digo! – Paro de novo em meio ao
trânsito movimentado e a olho. – Foi ela que administrou a própria
carreira. Começou do zero. Foi e é julgada pelas pessoas até hoje,
pela forma como expressa sua arte. Hoje tem carreira internacional
e os caramba… Até indicação ao Grammy, ela conseguiu.
Penélope ri e concorda com a cabeça.
– Eu sinto como se ela tivesse pensado em tudo e soubesse
exatamente o que aconteceria com ela até agora – ela afirma, me
fazendo concordar também.
– E ela planejou. Tudo. E eu acho isso foda pra caralho.
Levar uma carreira solo não é fácil pra ninguém, e a forma como ela
segurou as rédeas de tudo, é admirável. – Vejo-a a sorrir levemente.
– Não sabia que gostava tanto dela.
– Não ouço tanto assim as músicas da cantora, mas se tem
uma coisa que eu admiro, é uma mulher sendo a melhor no que faz.
– Ela dá de ombros despretensiosamente. – E é inegável que ela é
a melhor.
Sorrio, porque faz total sentido ouvir isso dela.
Empreendedora, dona do próprio negócio, muito bem
sucedido, diga-se de passagem, Penélope é uma das mulheres que
conheço, que deu duro para chegar onde chegou.
E conforme disse na entrevista, foi um sonho de criança.
Olho de esguelha para ela e digo algo, apenas para tirá-la do
sério.
– E também porque você adora rebolar a bunda ouvindo
funk… – Sua cabeça gira para mim, e eu continuo focado na rua à
frente. – Pode dizer, você ama fazer isso quando ninguém está
olhando.
Ouço seu resmungo alto.
– Cala a boca, Arthur. – Dou risada. – Você que gosta de me
imaginar fazendo isso.
Sorrio de lado. Não é exatamente uma mentira.
– Mas eu já vi.
– Já viu o quê?
– Você rebolando. – Olho para o seu rosto rapidamente. – Na
festa na minha casa, a meses atrás.
Seu olhar desvia de mim, e ela estala a língua.
– Continue dirigindo…
Solto uma risada alta, e assim chegamos no local combinado.
Penny nota, e assim que estacionamos, retira o celular e uma
pequena bolsa de dentro da mochila, deixando esta no banco de
trás.
– Certo, vamos às regras – diz, me fazendo olhá-la com
espanto.
– Mais regras?
– Sim.
– Mas que merda de obsessão é essa por regras? Puta que
pariu.
– Dá pra parar de ser chato? É nossa primeira aparição de
verdade em público.
– E já sabemos o que temos que fazer. – Ela me olha com
irritação. – Nossa, mas a sua chatice não dá trégua nem por duas
horas?
Porra.
Pra quê ser tão metódica desse jeito?
– Arthur, você precisa entender que precisamos…
– Eu sei muito bem o que precisamos fazer, Penny – eu a
corto. – Para de se preocupar e deixa as coisas acontecerem, pelo
amor de Deus.
– Por que você tem que ser tão insuportável? – ela aumenta
a voz.
– Por que você tem que ser tão irritante? – eu rebato
Nossos olhos estão concentrados um no outro, e nossas
respirações estão agitadas. A capacidade que essa mulher tem de
estragar tudo com esse jeito rígido de ser, é impressionante.
Respiro fundo, pensando que ainda falta um mês para essa
merda acabar.
– Vamos em um boliche. Todos os casais do mundo vão em
boliches, então só o fato de fazermos isso, já mostra nosso status.
– Não são todos os casais que vão.
– São, sim. Eu nem namoro e sei disso.
Seus olhos desviam dos meus, e vejo um sentimento de
descontentamento perpassar por sua expressão facial.
É quando percebo.
– Você e o bostinha nunca vieram num boliche, não é? – Ela
não diz nada, e eu solto a respiração pelo nariz, bagunçando meus
cabelos. – Eu ainda não sei como você conseguiu ficar com aquele
cara.
Penélope solta o cinto de segurança com mais força que o
necessário e resmunga.
– Tá, que seja. Vamos logo acabar com isso.
Toda irritada, sai de dentro do meu carro.
– Que caralho, viu?! – murmuro, abrindo minha porta e
saindo logo em seguida.
Meu carma e sua bunda enorme estão me esperando na
calçada, quando travo o carro. Assim que me ponho ao seu lado,
entrelaço nossos dedos, quando seguro sua mão.
Nossos corpos reagem ao mesmo tempo, quando aquela
corrente elétrica atravessa por nossas mãos unidas. Ela me olha
com os olhos arregalados, e eu a olho de volta.
Engulo em seco, firmando meu aperto em sua mão.
– Pronta? – pergunto, depois de um tempo.
– S-sim – responde, meio sem jeito.
Avançamos em direção à entrada com vidros fumê. A parte
de fora, iluminada com luzes vermelhas, não está muito
movimentada, entretanto, logo que entramos no local, somos
recepcionados com música, risadas e sons das bolas se chocando
com os pinos.
Mesmo sendo meio de semana, há uma quantia boa de
pessoas que resolveram se divertir à noite.
E olha só, a maioria é casal.
Depois de pegarmos uma pista para dois, nos é oferecido
sapatos próprios para usarmos no tablado das pistas de boliche.
Assim que calçamos, eu peço algumas coisas para beliscarmos
enquanto jogamos, e seguimos para a pista vaga no fim do corredor.
Penélope parece agitada ao meu lado, olhando sem parar as
jogadas que os outros estão fazendo. Quando chegamos em nossa
pista, a parede ao lado tem uma lousa, onde as maiores pontuações
já feitas pelas pessoas que estiveram por aqui, estão registradas. A
coluna da esquerda está marcada para homens, e a da direita para
mulheres.
Ela olha para aquilo como se o maior desafio da sua vida
tivesse acabado de ser jogado aos seus pés, e nada mais
importasse. Isso me faz lembrar do brilho maníaco em seus olhos,
quando a desafiei no jogo de dardos, que graças ao filhote de cruz
credo do seu ex, não nos permitiu jogar.
Dou uma risada, cruzando os braços, alternando o olhar entre
Penny e a parede cheia de nomes e pontuações.
– Você está louquinha pra deixar seu nome aí, não está?
Assim que me olha, sorri de um jeito muito safado e perverso,
e sinto uma pontada estranha na boca do meu estômago.
Acho que estou com fome.
– Eu não quero deixar meu nome aqui, Arthur. – Seus olhos
estão em um tom de azul sinistro. – Eu vou pôr meu nome aqui até
o fim da noite.
Dou uma risada alta.
Além de barraqueira, é competitiva.
– Achei que o desafio que fosse propor, era o de me vencer –
provoco.
– Esse daí eu nem preciso verbalizar. – Ela solta os cabelos
do coque, só para fazer outro, um pouco mais firme. – Qual vai ser a
aposta dessa vez?
Levo a mão ao queixo e penso em algo que será
extremamente torturante para ela.
O que mais tira Penélope do sério?
A resposta vem fácil.
Me aproximo, até que nossos corpos estejam a centímetros
um do outro e seguro sua cintura fina, a trazendo para mim.
A loira ofega, quando seu peito se esfrega no meu, e a vejo
engolir em seco.
A iluminação baixa daqui não colabora muito, mas aposto
que suas bochechas estão coradas, assim como ficaram quando fiz
a mesma coisa com ela na minha empresa.
Afasto de novo a sensação de satisfação pura que insiste em
aparecer quando isso ocorre.
– Quem perder, terá que fazer um post para o outro no
Instagram, todo meloso e cheio de declaração. – Sorrio de lado, mal
notando minha mão tomando o mesmo caminho que a outra.
Sua língua umedece seu lábio inferior, roubando toda a
minha atenção.
– Fechado. – Volto a olhá-la. – Vai ser divertido ler sua
declaração melosa.
Meu sorriso aumenta.
– Você já tem certeza de que venceu, não tem, formiguinha?
– Absoluta – responde, sem titubear.
Permanecemos do mesmo jeito por alguns segundos, nos
encarando com um desafio nada velado. Até que alguém pigarreia,
fazendo nos afastarmos na hora.
– O pedido de vocês. – O garçom deixa na mesa uma
bandeja com batatas fritas, refrigerantes e outros petiscos.
Logo que nos deixa, vejo Penny parando em frente ao
monitor para deixar nossos dados, e iniciarmos o jogo. Já
selecionado para duas pessoas, Penélope digita seu nome e me dá
espaço para fazer o mesmo.
Puff… Sem graça.
Começo a digitar e assim que termino, olho para o seu rosto,
apenas para vê-lo chocado.
– Moreno Sarcástico? O que é isso? Um livro que a Milene
lê? – ela pergunta, cruzando os braços.
Dou uma risada.
– É a melhor descrição, formiguinha.
– Hum…
Ela me dá um empurrão de leve e se posiciona em frente à
tela de novo. Seleciona em editar e muda seu nome.
Minha risada é alta e escandalosa, a ponto de chamar a
atenção de algumas pessoas. Olho para minha namorada falsa, e
ela segura o riso.
– Loirona Gostosa? – Penny dá de ombros. – Olha só, você
sabe o que é humor…
– Vai se ferrar, Arthur. – Me dá as costas, emburrada, me
fazendo rir de novo.
Damos início à partida no computador, paramos em frente à
pista, e ela me olha com uma pergunta nos olhos.
Estendo a mão, fazendo uma leve reverência e dou um passo
para trás.
– Primeiro as damas.
– Olha só, você sabe o que é gentileza… – A mulher devolve
na mesma moeda.
Além de gostosa, é sagaz, a filha da mãe.
Se dirigindo até onde as bolas estão guardadas, ela segura
uma rosa nas mãos e se posiciona na ponta da pista.
Dou uma risada debochada quando a mulher segura a bola
em frente ao rosto e fecha um olho, ajustando a mira. Com os três
dedos já nos buracos, ela posiciona a perna direita atrás, para dar
equilíbrio, balança a bola para trás e a lança, em uma velocidade
que me faz ficar de boca aberta.
Exatamente no meio da pista, a bola rola e rola até chegar
aos pinos e…
Strike!
Ela derrubou todos.
Dez pinos caídos, uma loira me olhando com um sorriso
gigante no rosto, à medida que as máquinas piscam várias cores e
gritam “Congratulations”[11] com uma música irritante no fundo.
– Filha de uma…
– Sua vez, Moreno Sarcástico – diz meu apelido, com um
sarcasmo que nunca ouvi sair da sua boca.
Penélope ainda sorri, enquanto se senta no banco em frente
à mesa, pega uma batata frita, molha no ketchup e, lentamente, leva
até a boca, mastigando-a.
Tudo isso, sem desviar o olhar do meu.
Balanço a cabeça em negativa, porém sinto uma
determinação nascer em meu peito.
Me apresso a pegar uma bola, me posicionar em frente à
pista, e sem demorar muito, lanço-a e faço minha jogada.
Strike!
O prazer que eu sinto ao ver o rosto muito bravo da
Penélope, é absurdo.
Mando uma piscadinha para ela.
– O quê? Achou que seria moleza me vencer, loirinha?
Ela estala a língua.
– Seria sem graça demais se fosse. – Ela prontamente se
põe de pé e para ao meu lado. – Mas eu ainda vou ganhar, paixão.
Penélope sorri de lado, e eu espelho seu movimento.
– Boa sorte com isso, formiguinha.

– O que mais gosta de fazer nas horas vagas?


Penélope está olhando fixamente para a porcaria do
bloquinho em cima da mesa, fazendo suas perguntas chatas.
Respiro profundamente, antes de lançar mais uma bola.
Duas porções de batata frita, dois lanches e mais algumas
outras coisas que pedimos depois, e a loira está me vencendo.
Depois de meia hora, ela veio com essa coisa de que
precisamos saber informações sobre o outro e só para não perder o
costume, trouxe um bloco de notas para ler e anotar tudo.
– Como você pode ser tão metódica desse jeito? – pergunto
para ela, ao ver que acertei só sete pinos. Quando me olha,
entediada, nego com a cabeça. – Eu gosto de malhar, de ficar com
meus sobrinhos, de sair pra beber com os amigos e de comer.
– Todo mundo gosta de comer, Arthur.
– Não, você não está entendendo. – Me jogo ao seu lado,
levando algumas fatias de salame à boca. – Toda refeição para mim
é sagrada. E eu como muito. Muito mesmo.
Ela parece se lembrar de uma coisa e faz um “Ah” silencioso
com a boca.
– Eu me lembro disso. Do dia em que quase me deu prejuízo
no café. – Ela me olha, alarmada. – Meu Deus, Arthur. Você pediu
quase a metade do meu cardápio naquele dia.
Dou uma risada com a lembrança.
– Eu estava morrendo de fome naquele dia, porque meu
melhor amigo me acordou para ir atrás de você, logo cedo.
– Atrás de mim? – Ela franze a testa.
– Isso. Benjamin não estava conseguindo se aproximar da
Diana, então ele foi até você, para ver se conseguia descobrir
algumas coisas sobre a baixinha. – Sorrio com a recordação. – Ele
só não esperava que a própria estivesse lá.
Ela estala o dedo e aponta para mim.
– Eu sabia! Sabia que a sua atuação fajuta era porque vocês
estavam disfarçando.
– Minha o quê? – pergunto, ultrajado.
– Sua atuação foi péssima, Arthur. Eu soube na hora que
vocês estavam ali por causa disso.
– Minha atuação não foi ruim!
– Foi péssima.
– Não foi não.
– Você puxou o ar de um jeito extremamente exagerado,
tentando parecer surpreso e disse que era uma coincidência me ver
no meu próprio estabelecimento. – Ela me olha, entediada. – Aquilo
foi terrível.
– Ah, você que não sabe reconhecer uma boa atuação.
Me levanto, irritado e vou tentar derrubar a porcaria dos
outros três pinos que sobraram.
Eu erro e fico mais bravo ainda.
Penny se levanta e se espreguiça, claramente debochando
de mim.
– Eu também gosto de ir à academia, ver minha família,
passar um tempo com a minha mãe e trabalhar de casa.
Minha mente fica totalmente confusa, e eu a vejo lançar mais
uma bola pela pista.
– Como assim, trabalhar de casa? – Escolho ignorar mais um
strike que faz. – A pergunta não era sobre as horas vagas?
Seus ombros sobem e descem, como se isso não
significasse nada.
– Eu também acabo trabalhando em casa, muitas vezes.
– Você nunca descansa? Por que levar trabalho até lá,
quando deveria fazer exatamente o contrário?
– Não sei… Tem sido assim nos últimos onze meses – ela
responde, sem olhar para mim, e isso me soa estranhamente
específico.
– Mas é importante para o seu desempenho, se desligar um
pouco.
Penélope bebe um gole do seu refrigerante e me olha.
– Desligar faz com que minha mente se esvazie. – Ela respira
fundo. – E é esse o problema.
Uma sensação ruim me diz que as coisas que passam por
sua mente vazia, são nocivas a ponto de ela nem cogitar parar
dentro da própria casa. E isso me faz questionar o que pode ser tão
perturbador, para ser capaz de desestabilizar essa mulher.
Minha boca se abre, pronta para fazer exatamente essa
pergunta, quando seus olhos se arregalam para algo além de mim.
Me viro de costas, confuso, ao me deparar com a mesma
parede cheia de nomes e recordes.
Penny se aproxima e olha para as duas últimas colocações.
E então, eu entendo.
– Caralho, um ponto! – declaro e me viro para o seu rosto.
– Se eu acertar um pino na próxima jogada, eu fico na última
posição. – Ela conta a fileira de nomes com o dedo e depois abre a
boca. – Se eu acertar todos, eu fico em décimo.
Seus olhos estão brilhando quando se fixam nos meus, e
nossos sorrisos se abrem ao mesmo tempo.
Corro para a pista, jogando minhas bolas de qualquer jeito,
apenas para que chegue sua vez. Viro-me para a área dos fundos e
aceno para um funcionário.
– Ela vai quebrar um record! – Isso serve para chamar a
atenção de quase todos no lugar.
O funcionário ergue o dedo, pedindo um minuto e um tempo
depois, ele e mais quatro funcionários, surgem com um lança
confete em cada mão. Além de apitos e uma vuvuzela.
Todos do lugar nos olham com expectativas, e quando penso
que verei Penny tímida, ela simplesmente endireita a coluna e anda
até onde ficam as bolas.
Um silêncio é instaurado em todo o boliche, as pessoas
pararam de jogar, atentas à jogada.
A loira respira fundo, levanta a bola na altura do rosto e
balança de trás para frente, antes de lançar.
Ela rola, rola, rola, rola, rola, até que atinge os dez pinos de
uma vez.
– Isso! Strike, porra! – eu berro, assim como todo mundo no
lugar.
Penny se vira para mim, gritando em comemoração com os
braços erguidos. Uma chuva de confetes cai sobre mim, mas tudo o
que eu vejo é a loira sair correndo de onde está e vir em minha
direção.
Seus braços estão abertos, e antes que seu corpo se choque
com o meu, eu agarro sua cintura, a levantando do chão.
Penélope agarra meu pescoço, ao passo que envolve as
pernas ao redor da minha cintura. Ouvindo a cacofonia ao nosso
redor, misturada com os gritos, apitos, vuvuzela e a chuva de
confete, agarro sua bunda redonda, ainda gritando em
comemoração.
A mulher afasta o rosto do meu pescoço e me olha. Seus
olhos azuis oceano nunca estiveram tão calorosos, os cabelos se
soltaram do coque e estão para todo lado, e seu sorriso é tão largo
e brilhante, que faz com que seu rosto fique mais lindo do que já é.
Linda.
Penélope é linda.
E a constatação desse fato, faz meu sorriso morrer, e meus
olhos intercalarem entre a boca em formato de coração, e seu olhar
penetrante.
Seus olhos também caem para os meus lábios à medida que
o sorriso desaparece do seu rosto.
Minha respiração acelera, e eu sinto uma expectativa
diferente se apossar do meu peito.
Os segundos se passam, e não nos movemos.
Não percebemos quando as pessoas param de gritar.
Não percebemos quando os funcionários param de fazer
barulho.
Não percebemos que ela continua no meu colo, e minhas
mãos na sua bunda.
– Com licença, mas… Quer que eu coloque qual nome no
nosso quadro? – alguém fala, nos obrigando a acordar do transe.
Penny praticamente pula do meu colo e se atrapalha ao
tentar arrumar as mechas lisas, e tirar os pedacinhos de papel que
ficaram presos nelas.
– Eu… É… Meu nome... – Ela umedece os lábios. – Meu
nome é Penélope Duarte.
O rapaz sorri e se desloca até a lousa.
Ainda atordoado, passo as mãos pelos cabelos, vendo alguns
papéis caírem no processo e me viro, focado em lubrificar minha
garganta seca demais. Bebo o restante do meu refrigerante,
enquanto assisto o homem subir em uma pequena escada, apagar o
nome da antiga mulher e escrever o de Penny, com sua pontuação
à frente.
Ela recebe mais uma salva de palmas de todos ao redor e
sorri em agradecimento.
Assim que todos voltam para os seus lugares, ela volta a se
aproximar de mim. Seu olhar busca qualquer coisa ao invés dos
meus olhos, e eu me sinto estranho.
– Então… Acho que serei um bom perdedor e aceitarei minha
derrota.
Ela, enfim, me olha.
– Tem certeza? Você ainda tem umas jogadas.
– Formiguinha, você acabou de quebrar um recorde. Vamos
encerrar a noite com chave de ouro.
Ela ri fraco e concorda com a cabeça.
Nos sentamos no sofá, para colocarmos nossos sapatos de
volta, e eu deixo os tênis usados com um funcionário.
Volto para ela, pego minha carteira do bolso da calça jeans e
faço menção de ir até o caixa.
– Espera, vamos dividir a conta. – Penny segura meu
antebraço, me mantendo no lugar.
– Não precisa fazer isso. Deixa comigo.
– Não. Somos namorados modernos, e namorados modernos
dividem a conta.
Dou uma risada, porém percebo que está falando sério.
– Nem fodendo que minha mulher vai pagar a conta quando
sairmos.
– Arthur, sua namorada também tem dinheiro…
– Minha namorada pode ser o próprio Jeff Bezos. Que tipo de
homem eu seria, se não fizesse o mínimo?
– Isso é machismo, Arthur.
– Isso é cavalheirismo, Penélope. E eu posso ser um
cafajeste, como alguns dizem por aí, mas a partir do momento que o
homem começar a rachar todos os tratamentos estéticos, depilação,
os produtos pra cabelo, cílios, sobrancelha, maquiagem e todos os
produtos que são, inegavelmente mais caros para a mulher, eu
passo a dividir a conta – rebato. – Não sei o que o babaca do seu ex
fazia, mas é comigo que você está namorando. De mentira ou não.
Vejo sua boca se abrir devagar, em choque.
Fui sincero em cada palavra que disse. Minha mãe sempre
fez questão de me dizer que não custa nada ser gentil com as
pessoas, principalmente com quem amamos.
E por mais que esteja longe de sentir algo por Penélope, vou
agir do jeito que fui ensinado a agir.
Segundos se passam, até que a loira furacão pisque os olhos
e limpe a garganta.
– Eu… Eu vou ao banheiro. – Ela pega sua pequena bolsa e
se apressa até o local.
Respiro aliviado por não ter que perder mais tempo com essa
merda e vou até o caixa.
A funcionária sorri, e quando dou meu nome, ela me olha
com expectativa.
– Senhor, quando há um recorde a ser quebrado, nossos
colaboradores costumam filmar o acontecimento. Você gostaria de
ver como ficou? Se gostar, podemos te enviar.
Olho em direção ao corredor, vendo Penélope voltar e olho a
hora, notando que já passa das dez.
– Faz o seguinte, só me manda o vídeo naquele número de
telefone que deixei com meus dados, por favor?
– Claro.
Depois de pagar tudo, ela nos agradece e parabeniza Penny
mais uma vez pela conquista.
Saímos de lá calados, e as únicas palavras ditas são as
instruções dela para a sua casa. Entramos em um bairro simples, e
alguns minutos depois, paro o carro em frente à uma casa pequena.
Não sei porque, mas jurava que a dona de uma franquia de
cafeterias tão bem sucedida como a dela, moraria em um lugar mais
luxuoso. Porém, não cogito tocar no assunto.
Algo me diz que o furacão vai ficar na defensiva, como
sempre, e eu não estou com paciência para aguentar isso. Acordo
cedo amanhã e não quero ter dor de cabeça antes de dormir.
– Minha mãe precisa te conhecer. – Meu pescoço estala,
quando viro o rosto rapidamente para olhá-la.
– Sua mãe?
– Sim. Não tive coragem de dizer a ela que isso é de mentira.
– Respira profundamente. – Vou dar a satisfação a ela de pensar
que finalmente estou me relacionando com alguém. Mesmo que
daqui a algum tempo acabe.
– Você já contou a ela?
Concorda com a cabeça.
– Falei antes da primeira reportagem. Ela ficou brava por eu
ter contado só depois que já estava namorando, e não quando ainda
estávamos nos conhecendo, mas ela ficou tão feliz, que nem ligou
tanto.
– Tudo bem. Isso me faz lembrar que você conhecerá meus
pais no próximo sábado – solto a informação que planejei dar hoje,
vendo-a arregalar os olhos.
– Nesse sábado?
– Sim. Será o aniversário de oitenta e três anos da Rabello’s
Company, e faremos outra aparição pública.
Ela vira para frente, olhando para a rua escura e deserta.
– E imagino que seja um evento formal.
– Sim.
Sua mão voa até a boca, e ela cutuca com os dentes as
unhas grandes, parecendo preocupada.
Puxo-a e a mantenho em cima da minha coxa. Ela me olha,
confusa.
– Não é um baile de gala, mas é um evento onde toda a
imprensa estará presente. Sei que vai conseguir alguma coisa até
lá. – Interpreto que sua preocupação seja o que vestir. – Se precisar
de ajuda, posso sugerir alguns lugares…
Ela puxa de volta a mão e me olha com raiva.
– Não preciso de dicas para isso, Arthur. Me poupe.
Prendo o riso e decido não lembrá-la da sua preocupação a
poucos segundos atrás. Ergo as mãos em rendição.
– Ok.
A loira estreita os olhos para mim e em seguida, estende a
mão.
– Me passa o celular.
– Como é?
– Me dê logo a droga do celular, Arthur.
Bufo, entretanto, acabo entregando o aparelho,
desbloqueado.
Ela e essa mania irritante de usar minhas palavras contra
mim…
Penélope solta o cinto de segurança, clica no ícone da
câmera no celular, se aproxima de mim e estica o braço para
acender a luz interna do carro. Ela ergue o aparelho no alto, e
nossos rostos surgem na tela.
– O que caralhos você tá fazendo? – questiono,
completamente confuso.
– Sorri logo, inferno – ela manda, antes de abrir um sorriso
enorme.
Mais uma vez, faço o que manda, sorrindo o mais
naturalmente possível. Ela tira umas três fotos, depois me entrega o
celular, voltando a se posicionar melhor no banco.
– Pronto. Agora você tem uma foto nossa pra fazer o post no
Instagram.
– Meu cu peludo, Penélope! – brado, enquanto a loira
Chernobyl pega sua mochila no banco de trás. – Nós não
terminamos o jogo. Você não venceu de verdade.
Ela me olha com um sorrisinho inocente, levanta a mão em
minha direção e deixa três tapinhas leves na minha bochecha.
– Nós dois sabemos que você perderia, peste. – Franzo a
testa com apelido ridículo. – Você já tinha desistido há muito tempo.
– Sua…
– Boa noite, peste – repete a porra do apelido e sai do carro.
– Aguardo ansiosamente para ver o post.
Fico parado, vendo sua bunda gostosa rebolar até o portão e
logo em seguida, entrar em casa.
Quando saio, arrancando o carro pela rua, não é a aposta
que me atormenta; não é o evento no sábado, onde conhecerá
meus pais, que me faz refletir; não é o fato de que conhecerei minha
sogra muito em breve, que me deixa com a cabeça atordoada.
O que domina meus pensamentos, é a lembrança daquela
bunda em minhas mãos.
– Você tá incrível.
– Estonteante.
– Muito elegante.
– Uma verdadeira gostosa.
Sorrio para minhas quatro amigas bajuladoras, que estão
dizendo essas coisas apenas para que eu pare de reclamar da
presença delas em minha casa hoje.
– Vocês são umas sem vergonha, isso sim – rebato, fazendo-
as darem risada.
Viro-me para o espelho de corpo inteiro do meu quarto, e é
impossível não sorrir com o que vejo.
Estou realmente muito bonita.
Hoje é sábado à noite, dia da festa de aniversário da
Rabello’s Company. Depois do boliche de quarta, Arthur e eu não
nos encontramos mais, o que foi de certa forma, um alívio para mim.
Primeiro, porque não queria aceitar de jeito nenhum que ao
sair com aquele traste, eu me diverti de uma forma que não
acontecia há muito tempo. E deixando o vexame que eu paguei
quando resolvi, literalmente, me jogar em seus braços para
comemorar meu record, e o fato de que ele consegue me irritar com
muita facilidade, foi uma noite muito boa.
E segundo, não sei com que cara eu olharia para ele no dia
seguinte, quando vi meu rosto estampado nas redes sociais, na
hora em que saímos do local. Graças a Deus, não havia nenhuma
foto nossa do momento constrangedor, mas tinha da nossa saída do
boliche. E como sou conhecida na cidade, por causa do Café, as
pessoas já sabem que a loira junto do jornalista mais cobiçado do
país, sou eu.
Foi muito estranho, mesmo que já soubesse que aconteceria.
Arthur, totalmente acostumado com esse tipo de coisa, foi
quem me enviou a matéria e apenas disse que ele estava
maravilhoso naquele ângulo da foto.
Arrogante, como de costume.
Inclusive, ainda não cumpriu com o pagamento da aposta.
Sigo aguardando o post meloso.
Agora, quase na hora de ele vir me buscar, minhas quatro
amigas fiéis – infelizmente, Esteban ficou em casa com o pai –
fizeram questão de vir xeretar na minha casa.
A desculpa, foi que ajudariam a me arrumar, porém eu sei
muito bem, que estão dando uma de fofoqueiras, como sempre.
– Amiga, onde você conseguiu um vestido tão lindo? – Rosita
se aproxima e passa a mão pelo tecido. – Uma pena que você não
tenha meu tamanho, porque eu, com certeza roubaria de você.
Dou risada.
– Ele estava no meu guarda-roupa há tanto tempo, que já
estava achando que nunca o usaria.
– Que bom que seu namorado é bilionário e vai te arrastar
pra esses eventos chiques… – Diana diz com uma voz melosa,
sentada em minha cama, mas me olhando de modo travesso.
– Ele não é meu namorado de verdade, Diana – digo,
voltando a focar no vestido em meu corpo.
Ela apenas estala a língua.
O vestido midi todo coberto de paetê é marsala, ajustado no
corpo até a metade da minha canela e com uma pequena fenda na
parte de trás da barra. O decote princesa é discreto, as mangas
curtas e drapeadas caídas nos ombros deixam meu colo exposto de
um jeito sensual, e o detalhe drapeado na parte frontal, deixa tudo
mais charmoso.
Yolanda fez sua mágica e prendeu meus cabelos cheios em
um coque baixo na nuca, deixando alguns fios soltos e ondulados
no meu rosto. Fiz um esfumaçado nos meus olhos, destacando a
cor azul e não peguei leve no batom vermelho nos meus lábios.
Ok, eu não estou apenas bonita. Estou um arraso.
E por mais que minha melhor amiga esteja querendo me
provocar, não vou negar que se não fosse pelo meu namorado falso,
não sei quando me produziria assim.
Minha irmã fica ao meu lado, abre um sorriso, e eu sorrio de
volta.
– Você está realmente maravilhosa, Penny. – Ela me abraça
de lado e deita a cabeça no meu ombro, fazendo seu rabo de cavalo
roçar nas minhas costas.
– O que tá acontecendo, que vocês estão desse jeito?
– Que jeito? – Yolis pergunta, se espreguiçando na poltrona
do meu quarto.
– Como se eu nunca tivesse saído na vida.
As quatro se entreolham, e eu semicerro os olhos.
– O que foi? – questiono, me virando para o restante.
– Não é que você nunca saiu, mas é que as coisas não
estavam muito bem pra você nos últimos meses – Diana afirma.
– E sabemos que suas perdas foram grandes demais, Penny
– Rosita completa.
– É que… Vimos você e seu luto. O término ainda mexe com
você, e tudo o que aconteceu… – Yolis me olha nos olhos.
– Só estamos felizes por estar bem e por conseguir se cuidar
desse jeito – Bebê finaliza.
Respiro fundo, forçando o nó da minha garganta a descer.
Minha vida teria colapsado por completo, se não fosse por cada
uma delas. O fato de nem todas serem sangue do meu sangue, é
completamente irrelevante.
Família é aquela que cuida, que abraça, que acolhe, que
briga por você e que ama com você.
E elas são minha família.
Irrevogavelmente.
Pisco os olhos, me recusando a estragar minha obra de arte.
– Vocês, putinhas, vão me fazer chorar. E eu serei
fotografada, não posso estragar a maquiagem. – Sorrio, assistindo
os sorrisos de todas se abrirem para mim.
Vou até minha cama e me sento ao lado de Diana, puxando a
caixa de sapatos onde minha sandália, dourada e de tiras finas, está
guardada.
Alguns segundos depois, Yolanda se levanta num pulo da
poltrona.
– ¿Qué carajo es esto?[12] – A morena quase grita e me olha.
– O que foi? – todas perguntamos ao mesmo tempo.
Ela vem até mim, fazendo o restante também se aproximar, e
mostra a tela do seu celular.
Meu queixo vai ao chão.
Meu coração dá um salto no peito, quando vejo minha selfie
com o Arthur, tirada no carro, postada na conta dele no Instagram.
Minhas amigas não dizem nada, provavelmente mais
chocadas do que eu, e eu arranco o aparelho das mãos da Yolanda.
Corro para ver o que o bendito colocou na legenda e fico sem
palavras.
“Demorei muito pra te encontrar, agora que te achei, não te
deixarei escapar. #minhaloira #minhabarraqueira #minhaestressada
#minhaformiguinha”
– CARALHO! – Me levanto da cama, quase perdendo o
equilíbrio nos saltos.
– Penélope, por que o Arthur acabou de dizer publicamente
que você é dele? – Rosa me pergunta, tirando o celular da minha
mão.
– Ele me chamou de barraqueira!
– Pelo jeito, ele se lembra da primeira vez que te viu… –
Diana segura o riso, e eu quero esganá-la.
– Eu vou matá-lo. – Saio andando, pegando minha bolsa
preta de mão e guardando o essencial dentro.
Minhas amigas ficam fuxicando, e eu finjo que não estão
dizendo que somos um casal lindo. No momento em que puxo meu
celular na mão, uma mensagem de Arthur, dizendo que chegou,
aparece.
– A peste está aí.
As quatro me olham sorridentes e se aproximam de mim,
correndo.
Franzo a testa, quando Yolanda ajeita os grampos do meu
coque, Milene pega um pincel de maquiagem e reforça o brilho que
passei acima dos meus seios, Diana encaixa os brincos em formato
de meia lua em minhas orelhas, e Rosa ajeita meus peitos no
decote.
– O que vocês estão fazendo? – indago, me sentindo a
própria Anne Hathaway em O Diário da Princesa.
– Nada.
– Nadinha.
– Nadica.
– Nada, vamos? – Minha caçula me puxa pelo braço, me
arrastando daqui.
Mais ansiosas do que o normal, elas logo se aproximam da
porta de entrada da casa. Antes de abrir, me empurram para frente
dela e esperam atrás de mim.
Olho para trás, totalmente confusa, vendo seus rostos
sorridentes e ansiosos.
– Vocês são estranhas… – murmuro, antes de pôr a mão na
maçaneta e abrir a porta, logo em seguida.
Todo o ar deixa meus pulmões com a visão que tenho.
Parado em frente a uma Lamborghini preta, está o homem
mais bonito que já vi na vida.
E, infelizmente, esse homem é Arthur.
Vestido de terno e gravata pretos, sob medida, Arthur está
com as mãos nos bolsos, encostado na porta do carro, com a pose
despojada que sempre carrega.
Os sapatos lustrados transmitem sofisticação, assim como o
Rolex no punho esquerdo.
E os cabelos? Bagunçados de um jeito arrumado.
Isso quase me faz rir. Quase, porque ainda estou paralisada
e impactada com a visão do homem de terno preto.
Respire, Penélope. Você precisa respirar.
Puxo uma quantidade enorme de oxigênio, pensando que
não seria nada bom desmaiar aqui, depois de ter tanto trabalho me
produzindo.
Arthur desencosta do carro, entra pelo portão, passa a
caminhar até nós, e eu posso jurar que ele está em câmera lenta.
– Gente, mas é muito gostoso, né? – Rosa sussurra.
– Parece um mocinho dos livros que leio… – Milene diz, no
mesmo tom.
– Quanto tempo mesmo vai durar essa brincadeira de vocês?
– Yolis pergunta, com Arthur a alguns metros de nós.
– Penélope se fodeu e ainda nem se tocou disso – Diana
completa, a tempo de vê-lo nos alcançar.
O homem para de frente para mim, me obrigando a inclinar a
cabeça para conseguir ver seu rosto. O desgraçado ainda é alto pra
caramba…
Sua barba está bem feita, e seu cheiro faz os pelos do meu
corpo se arrepiarem.
Arthur me mede, de cima a baixo, devagar, tomando todo o
tempo do mundo para me olhar. Quando seus olhos bonitos voltam
para os meus, um sorriso de lado desponta de sua boca desenhada.
– Penélope. – Sua voz está mais rouca que o normal.
– Arthur. – Engulo em seco, e seu sorriso se alarga.
Permanecemos aqui, nos olhando, ignorando tudo ao redor.
O ar quente à nossa volta, me deixa arrepiada de novo, e eu me
contenho para não levar minhas unhas, recém feitas, até a boca.
Mais alguns segundos se passam, até que a maldita da
Yolanda abre a boca.
– Galera, tá calor aqui, estão sentindo?
Quebro o contato com ele na hora, me obrigando a encarar
minha amiga com ódio. Todas tentam segurar a risada e falham
miseravelmente.
– Sei que é difícil, mas não é só a Penny que está aqui, viu,
Arthur? – Rosa, o outro demônio, fala. – Tudo bem que ela está
ofuscando a existência de qualquer outra pessoa, mas…
– Querem parar com isso? – ralho, e dessa vez, nem
disfarçar as risadas, elas tentam.
Inclusive Arthur.
– Boa noite, meninas. – Olho para ele, que mantém os olhos
fixos em mim. – Vim pegar minha garota pra sair.
Filho da puta.
Minhas amigas ficam completamente chocadas, e minha irmã
solta um gritinho.
Deus, me mate, por favor.
Quando vejo Yolis dar um daqueles sorrisos diabólicos, me
apresso em dizer:
– Tá bem, tchau. – Seguro Arthur pelo braço, em direção ao
portão. – Já estamos atrasados.
– Tchau, gatinhas – O homem diz, e eu o olho com irritação. –
O que foi?
Apenas reviro os olhos.
Ao alcançarmos o carro, Arthur me segue até o meu lado
para abrir a porta. O negócio é que ela não abre como uma porta
normal, para fora, e sim, para cima. Não disfarço o choque, ficando
boquiaberta vendo esse homem muito gostoso abrir a porta de uma
Lamborghini para mim.
Ele segura minha mão com delicadeza e me puxa, para que
eu entre. Faço tudo o que comanda, como uma garotinha que nunca
saiu com um menino antes, em total silêncio e sentindo borboletas
no estômago.
As borboletas são porque estou sentada num dos carros mais
caros que existem, é claro.
Depois de fechar a porta estranha e se acomodar ao meu
lado, Arthur não faz nada além de pousar uma mão no volante e me
olhar.
Involuntariamente, passo uma mão no cabelo, garantindo que
não há nada fora do lugar. O jornalista acompanha meus
movimentos e em seguida, passeia os olhos por todo o meu rosto,
reparando em cada detalhe.
– O… o que foi? – pergunto sem jeito, não sei por quê.
Ele passa a mão no rosto, respira fundo, vira para frente e
liga o carro.
– Porra… Você está espetacular, Penélope. – Seu pé acelera,
fazendo o ronco do motor soar alto, e me olha diretamente. –
Espetacular.
Sinto minhas bochechas esquentarem e me viro para frente,
tentando esconder meu rosto.
Eu deveria dizer que ele também está lindo vestido com o
terno sob medida, porém não consigo dizer nada.
Isso me deixa irritada.
Mas que droga, Penélope.
O clima fica esquisito, conforme avançamos pela cidade, e o
silêncio dentro do carro é desconfortável. Quando estamos quase
chegando ao hotel onde a festa acontecerá, Arthur finalmente abre a
boca:
– Além dos meus pais, meu irmão e Letícia, também haverá
outros parentes meus. – Viro minha cabeça, e ele me olha
rapidamente. – Depois das matérias nos sites de fofocas e do post
que fiz, todos já sabem que estamos juntos. Por isso, você
provavelmente será muito assediada por eles hoje.
– Tudo bem, já esperava por isso. – É então que me toco de
algo. Dou um tapa em seu braço musculoso, e ele me olha em
choque. – Isso é por me chamar de barraqueira.
Ele ri e volta a se concentrar na estrada.
– E você me bater, não vai me fazer mudar de ideia…
– Cale a boca, Arthur.
Ele ri de novo e após alguns instantes, torna a falar.
– Faremos o melhor para que não aconteça, mas existe a
grande possibilidade de a festa ficar tediosa em algum momento –
continua. – Por mais que seja uma comemoração, a politicagem
chata vai estar presente. Pode ser que em alguns momentos, eu
tenha que me juntar ao meu irmão com alguns engravatados
insuportáveis, mas Lety te fará companhia a maior parte do tempo.
– Não precisa se preocupar comigo, eu me enturmo fácil.
– Certo, e tem mais uma coisa. – Ele respira fundo. –
Digamos que minha mãe esteja um tanto quanto empolgada
demais, com o fato de seu filho mais novo finalmente estar
namorando.
– Ok… – O olho, desconfiada.
– Não se assuste. Ela provavelmente vai te encher de
perguntas e abraços. Meu pai é mais discreto e mesmo que tente
conter minha mãe, nem sempre consegue.
Solto uma risadinha, e ele me olha.
– O que foi? – pergunta.
– Nada é que… Parece mesmo um milagre que Arthur
Rabello esteja namorando.
Ela ri de escárnio.
– Você não faz ideia.
Chegamos ao hotel movimentado, parando atrás de uma
pequena fila de carros. Abaixo o tapa sol do carro chique e com
bancos de couro, e me olho no espelhinho, para checar se a
maquiagem está intacta. Ouço um suspiro profundo ao meu lado e
quando me viro para Arthur, o pego desviando o olhar.
Penso no elogio que me fez e resolvo ser a adulta crescida,
madura e nem um pouco afetada por ele que sou, e respondê-lo:
– Você está muito bonito, também. – Sua cabeça se vira para
mim. – Deveria usar terno mais vezes.
Finjo voltar minha atenção para o espelhinho, passando a
mão no borrado inexistente do meu batom.
– Obrigado… Mas detesto usar essas coisas. A gravata me
aperta… – resmunga.
Um sorriso desponta em meu rosto, com uma pequena
lembrança. Meu pai também odiava usar terno e gravata, e dizia a
mesma coisa.
Quando Arthur faz menção de afrouxar a peça, eu seguro sua
mão.
Seus olhos castanhos vão da minha mão na sua, até meus
olhos. Puxo-a de volta e o olho com a sobrancelha arqueada.
– Não estrague o look. Logo, logo você tira.
Sua sobrancelha escura também arqueia, e ele solta um riso.
– Tá bom, mãe.
Nego com a cabeça e tento conter meu próprio sorriso.
Depois de alguns minutos, a fila de carros anda, e chegamos
à entrada, o guarda carros se posiciona do lado de fora. Quando
Arthur sai, entrega as chaves para ele e vem para o meu lado.
Depois da porta se abrir do mesmo jeito estranho que da última vez,
eu seguro sua mão e saio do carro chique.
Com a mão repousada na minha lombar, Arthur me guia para
a entrada do local. A festa é privada, entretanto isso não impede de
muitos fotógrafos estarem do lado de fora, ansiosos por alguns
registros.
Arthur não para pra falar com nenhum repórter, apenas
sorrindo discretamente e acenando com a cabeça, enquanto flashes
são disparados em nossa direção. Entramos rapidamente no hall de
entrada bem iluminado do hotel cinco estrelas da cidade e seguimos
direto para o salão de festas aos fundos.
Antes de entrarmos, meu acompanhante para e me olha.
– Pronta?
Apenas concordo com a cabeça. Arthur aproxima mais
nossos corpos, com sua mão em minha cintura, e andamos até a
entrada da festa. Os seguranças reconhecem o herdeiro da editora,
sem que este precise dizer nada e abrem as portas para entrarmos.
O salão de festas enorme, possui lustres sofisticados no teto
alto. A decoração em tons de prata e branco deixa com o aspecto
de festividade. As mesas redondas espalhadas pelo local são
compostas por toalhas cor creme e arranjos pequenos de cravos em
cima.
Uma banda toca uma música baixinha no palco, onde um
palanque está posicionado. Ao lado direito, tem a mesa com
algumas entradas, dispostas antes do jantar, que sei que será
servido mais tarde.
Realmente, não se trata de uma festa qualquer. Há uma
quantidade boa de pessoas, porém todas exalam riqueza e poder.
Conforme vamos avançando para o meio do salão, os olhares de
todos nos acompanham.
Sinto o aperto da mão de Arthur aumentar em minha cintura,
e eu o olho.
– Que comece o show – sussurra no meu ouvido.
Nem um minuto depois, um garçom chega e nos oferece
taças de champanhe. Arthur me olha com um questionamento nos
olhos, e eu aceno com a cabeça.
Preciso de álcool.
Porém, ele não chega a me entregar a taça, porque assim
que o garçom se afasta, um casal de meia idade surge como num
passe de mágica, bem na nossa frente.
A mulher linda tem cabelos escuros e um sorriso que, se eu
já não soubesse que é mãe de Arthur, saberia nesse momento. O
sorriso bonito e que às vezes me deixa perturbada, é exatamente o
mesmo. Seu vestido verde molda seu corpo pequeno, e as joias em
seu pescoço e orelhas fazem jus à riqueza da família. O homem
muito bonito, com a pele bronzeada e o rosto anguloso herdados
pelos filhos, sorri mais contido, contudo, tem os olhos em mim,
assim como a esposa.
– Jesus Cristo… – Arthur murmura baixinho, e eu contenho o
riso.
– Boa noite, você deve ser a Penélope – sua mãe diz, ainda
mais sorridente e logo está me abraçando. – Me chamo Rebeca, e
este é meu marido, Antony. – Ela se afasta, ainda segurando meus
ombros. – É um prazer imenso conhecer você, querida.
Dou uma risadinha, quando ouço Arthur bufar atrás de mim e
sorrio para ambos.
– O prazer é todo meu. A festa está incrível – digo. – E
parabéns pelos oitenta e três anos do jornal. Vocês devem estar
muito orgulhosos.
– Estamos sim. É uma conquista feita em família – Antony diz
e enfim, olha para o filho. – Oi, filho.
– Ah, agora vocês lembram da minha existência. – Ele dá um
beijo no rosto do pai e da mãe.
Em seguida, estende a taça de champanhe, e eu finalmente
bebo um gole.
– Ora, deixe de ser petulante. Essa noite queremos conhecer
a mulher que finalmente conquistou o coração do meu filho.
A risada que deixa minha garganta, é de desespero.
Não conquistei o coração de Arthur e sei que isso é tão
impossível quanto nevar em algum estado do nordeste do Brasil.
– Mãe, não seja tão indiscreta…
Estalo a língua e uso o cotovelo do meu braço livre para
cutucá-lo.
– Deixe sua mãe. Ela está feliz com o milagre na sua vida.
Minha sogra – meu Deus, eu tenho uma sogra de novo – joga
a cabeça para trás e gargalha escandalosamente. Mais uma
característica de Arthur.
Olho para seu filho, que nega com a cabeça e tenta parecer
sério, mas o brilho de divertimento em seus olhos o entrega.
– Eu adorei seu senso de humor, querida – Rebeca me diz.
– Às vezes ela tem… – Arthur fala baixinho, apenas para que
eu ouça, e eu adoraria poder olhar com raiva para seu rosto irritante,
só que não o faço.
– Fiquei sabendo que sua editora está fazendo uma
reportagem com a cafeteria dela – Seu pai diz para Arthur e depois
foca em mim. – Eu adoro os bolinhos de chuva que vocês fazem lá.
Sorrio, como acontece toda vez que alguém elogia meu
trabalho.
– Fico feliz em saber disso.
– É o melhor que já provei, desde que minha mãe faleceu. –
Ele sorri de modo caloroso. – Ninguém fazia bolinhos de chuva tão
bem quanto ela, até que eu experimentei os da sua cafeteria.
– E a broa? Céus, quando comi pela primeira vez, não
consegui parar mais por uma semana. – Rebeca ri.
– Vocês sabiam que é a mãe da Penélope quem criou e
aprimorou muitas das receitas do Café da Penny? – Arthur diz, e eu
olho para ele, chocada. – Minha sogra é uma verdadeira benção
nessa Terra.
– Verdade? – Antony me pergunta.
– S-sim… É sim.
Volto os olhos para o homem ao meu lado. Ele toma mais um
gole do seu champanhe, sem desviar o olhar do meu. Essa foi uma
das informações que havíamos trocado no último encontro, porém o
modo como disse foi tão natural, que pareceu que ele realmente se
orgulha deste fato.
– Bom… Espero que um dia sua mãe compartilhe essas
receitas conosco – Rebeca fala, me fazendo olhá-la.
– Mas se fizer isso, perderei dois dos meus melhores
clientes.
Ouço as risadas de todos, inclusive de Arthur, ao mesmo
tempo que Letícia e Alfred se aproximam.
– Vejo que já conheceram minha nova pessoa favorita no
mundo. – A morena, lindíssima em um vestido rosê super decotado,
me abraça.
– Ela não parou de falar de você a semana toda, então acho
que nem está exagerando – Alfred pontua e me cumprimenta com
um beijo no rosto, quando sua esposa se afasta.
– Parece que nós fomos os únicos a saberem da novidade só
agora – Rebeca alfineta, olhando de esguelha para o filho mais
novo.
– E desde quando seu filho caçula conta alguma coisa para
os pais? – Alfred abraça o ombro da esposa.
Arthur encaixa a mão em minha cintura e me puxa para perto.
Seu cheiro de sabonete e pós-barba se impregna por minhas
narinas, e preenche meus pulmões.
Respiro, levemente ofegante, sem saber muito o que fazer.
– Existem certas coisas que ficam melhores, quando são
guardadas para mim – ele diz, antes de descer a boca e depositar
um beijo em meu ombro nu.
Essa é a primeira vez que sinto seus lábios em qualquer
parte do meu corpo, e por mais que seja um gesto tão simples como
um beijo no ombro, ainda faz um calor correr por cada centímetro de
mim.
Não sei o motivo, mas a sensação é gostosa. Merda, é bem
gostosa.
Olho para o seu rosto a tempo de vê-lo engolir em seco e
desviar o olhar para os outros à nossa frente.
Faço o mesmo e acabo cruzando o olhar com Letícia, que
tem os olhos de águia em cima de mim. Um sorriso começa a
nascer em seu rosto bonito, e ela disfarça, levando a própria bebida
à boca.
– E precisava esconder dos próprios pais? – Rebeca diz, toda
emburrada, me trazendo de volta à realidade.
– Mamãe, foram só algumas semanas. Não precisa exagerar
– É Alfred que intervém, fazendo um carinho nas costas da genitora.
– Bem, e quando vamos conhecer seus pais? – Seu Antony
pergunta, me fazendo arregalar os olhos.
– Ah… Bem… – começo, porém a voz potente de Arthur me
interrompe.
– Pai, não é hora, nem lugar para isso.
– Mas eu só estou conhecendo melhor a minha nora…
– A questão não é essa – ele continua, seu rosto tomado por
seriedade. – Penny só tem a mãe. Seu pai faleceu quando ela ainda
era uma criança.
Assim que as palavras deixam seus lábios, o clima
descontraído se esvai, e aquela aura de enterro, se apossa do
ambiente. Mais uma informação que Arthur tem sobre mim, e que,
pelo visto, se lembrou.
Todos os olhos estão em mim, e por mais que já tenha o
costume de lidar com isso, a situação me incomoda.
Ser uma pessoa que perdeu alguém tão importante é muito
ruim, não só pelo que se foi, mas também pelo que fica. E a pena, a
tristeza, a compaixão nos olhos dos outros, muitas vezes não é
nada bem-vinda.
As pessoas pensam que estão sendo empáticas, que estão
ajudando, entretanto, o que a maioria não sabe, é que não há o que
ser dito para alguém em luto. Não existem palavras de conforto que
façam a dor passar.
O silêncio é o maior apoio que podemos ter.
Contudo, isso a vida já me ensinou há tempos, e mesmo que
o luto ainda exista em meu coração, não quer dizer que não saiba
lidar com esse tipo de cenário.
Antes que mais alguém fique constrangido, abro um sorriso
sincero e digo:
– Meu pai foi o fã número um das receitas da minha mãe.
Teriam que brigar com ele para conseguirem os segredos da dona
Marta.
Vejo cada um soltar o ar em sincronia e abrir sorrisos
discretos.
– Eu tenho certeza disso – Rebeca me diz, com afeto.
– Pai, aquele vereador que me falou acabou de chegar –
Alfred, cirúrgico, muda de assunto.
– Ah, claro. Precisamos falar com eles. – Ele se dirige aos
dois filhos.
Olho para Arthur, que me estuda atentamente. Parecendo
procurar alguma coisa em mim, ele tira um fio loiro do meu rosto e o
arrasta para o lado. Tudo sem estragar o penteado.
– Está tudo bem? – pergunta baixinho, apenas para que eu
ouça.
Essa versão, atenciosa e cuidadosa, de Arthur é estranha
demais para o meu gosto, então apenas concordo com a cabeça,
decidindo que o melhor é permanecer em silêncio.
Ele assente.
– Eu já volto. – Olha para Letícia. – Vê se não faz merda,
hein.
– Mas que moleque… – Ela se contém, e um sorrisinho de
lado surge no rosto dele.
– Penélope, querida, aproveite a festa. E qualquer coisa, é só
nos chamar. – Rebeca aperta minha mão livre e se afasta com o
esposo, e os dois filhos.
Ao meu lado, a morena suspira e remexe a bebida na taça.
– Agora vem a parte entediante… – Seus olhos em um
castanho chocolate, pousam em mim. – Vamos comer alguma coisa,
porque esse jantar vai demorar, e eu não sou obrigada a passar
fome.
Dou risada, sendo puxada em direção à mesa de frios.
Pegamos alguns e permanecemos rondando por todo o
salão. Conversamos um pouco, e Letícia, com seu jeito espontâneo,
me fazendo pensar no quanto se encaixaria em meu grupo de
amigas, vez ou outra para pra conversar com alguém importante.
Sempre me apresentando e me introduzindo nas conversas, como
se ela estivesse acostumada com isso.
Também conheci alguns tios e tias de Arthur e Alfred, bem
como primos e primas, que também trabalham na empresa. Como
meu namorado falso havia previsto, eles estavam bastante curiosos
ao meu respeito.
No momento em que paramos, próximas às duas pilastras na
lateral do salão, ela solta um suspiro pesado e leva a segunda taça
de champanhe à boca.
Solto um risinho, antes de dizer:
– Você parece acostumada com isso. – Levo minha própria
bebida borbulhante aos lábios, ao passo que Letícia me olha.
– Mulher, sou casada com o atual diretor executivo do maior
jornal investigativo do estado. Não tem como não me acostumar a
esse tipo de coisa.
– E você gosta?
Ela dá de ombro, como se não significasse muita coisa.
– Não tenho escolha. Mesmo que eu tenha que sorrir para
pessoas que nem sempre são simpáticas, ainda assim, não tenho
muita opção. – Seus olhos repousam em seu marido, ao lado de
Arthur, conversando com outro senhor de idade, que provavelmente
é alguém importante. – Vem com o pacote.
Aceno com a cabeça, compreendendo. Letícia me olha de
lado e sorri de um jeito travesso.
Estreito meus olhos para ela.
– O que foi?
– Nada… Apenas pensando que seria bom você já ir se
acostumando.
– Me acostumando com o quê? – pergunto, franzindo a testa.
– Você sabe… Sendo namorada do CEO importante ali. – E
aponta com a cabeça em direção ao alvo da conversa.
Estalo a língua e bebo mais um gole do champanhe.
– Será apenas um mês. Não daria nem tempo de me
acostumar.
Ela ri, e eu a olho com atenção.
– É sim… Um mês…
– O que você quer…
– Se importa se eu te deixar sozinha um pouquinho? – ela me
corta, e eu nego. – Meu CEO está me chamando.
– Claro, fique à vontade.
Ela me lança uma piscadela e vai em direção ao marido.
Respiro fundo, tentando ao máximo parecer super empolgada em
uma festa que parece tudo, menos de aniversário.
Alguém precisa ter a ideia de festa, atualizada.
Disposta a não morrer de tédio, ando um pouco pelo salão, e
um casal acaba chamando minha atenção. No outro lado, uma
mulher e um homem discutem baixinho, tentando disfarçar. Ela olha
de um lado para o outro, enquanto ele aponta o dedo para o seu
rosto.
Minha mente faz aquilo de novo, e uma história surge, sem
que eu perceba.
Os dois são irmãos. Ela está muito brava, porque ele
expulsou seu acompanhante, por achá-lo ruim demais para ela. A
mulher discute, porque ele sempre faz isso, dando uma de irmão
super protetor e ciumento, estragando seus encontros quase
sempre.
Ele rebate, dizendo que faz isso para o seu próprio bem e
que conhecia o homem que ela levou para a festa. Ele não prestava,
e o irmão não pensou nem duas vezes, antes de colocar o cara para
correr…
– Você sabia que é feio bisbilhotar a briga dos outros? – A
voz de Arthur em meu ouvido me dá um susto tão grande, que eu
quase derrubo a taça da mão.
– Que merda, Arthur. Quer me matar? – digo entredentes,
pondo a mão livre no peito.
Viro-me para ver seu rosto com o semblante divertido e por
pouco não quebro o nariz reto no soco.
– Meu Deus, além de barraqueira, é fofoqueira também? –
Ele nega com a cabeça. – Quantos anos você tem? Setenta?
– Quantos anos você tem, oito?
– Azeda.
– Traste.
Sua boca forma um bico gigante, e meus olhos reviram. Em
uma hora, parece um cara mega sensato; na outra, uma criança
birrenta.
Ele suspira ao meu lado, passando a mão pelo cabelo. Vejo
que não toma mais a bebida alcóolica e acredito que seja porque
está dirigindo. Seus olhos voltam para os meus.
– Eu só vim me desculpar por deixar você sozinha. – Arthur
mexe na gola da camisa preta, fazendo uma careta pelo incômodo.
– Só que se eu a levasse junto, não seria só eu passar pela tortura.
E eu não sou tão filho da puta de fazer isso com você.
Dispenso sua fala com um gesto da mão.
– Fica tranquilo. Letícia estava comigo o tempo todo e só se
afastou agora. – Viro-me novamente para o casal, que parece um
pouco mais calmo agora. – E só pra constar, eu não estava
bisbilhotando a briga alheia.
Ele me olha com desdém, e eu contenho outra revirada de
olhos.
– Vai me dizer que não estava interessadíssima em tentar
entender porque aqueles dois tanto brigam? – Ele se posiciona ao
meu lado, e sinto sua mão em minha cintura. – Eles estão assim
desde que chegamos. Todo mundo está curioso.
– Eu não tinha reparado. E respondendo a sua pergunta, não
estava tentando entender a briga. – Ele me olha com uma
interrogação no rosto, e me obrigo a contar. – Eu tenho uma mania
que faço, quando estou entediada.
– Jura? Me conta, por favor. Vai que me ajuda a aguentar
melhor esses eventos que terei que fazer parte para o resto da vida.
Dou uma risada curta.
Talvez seja realmente útil, mas…
Olho de lado para ele, que me estuda atentamente.
– Você tem que prometer que não vai rir.
Um sorriso ameaça surgir em seu rosto, entretanto ele
reprime, ficando sério.
– Eu prometo.
Ainda desconfiada, olho em seus olhos, até acreditar em
suas palavras.
– Quando era mais nova, meu pai tinha uma imaginação
muito fértil. Ele lia para mim e para a minha irmã, sempre. Não
apenas histórias de princesas, mas de deuses, guerreiros e
guerreiras, e sempre incitava nossa imaginação. – O jornalista me
olha atentamente. – Depois que ele morreu, isso permaneceu vivo
em mim e em Milene. Minha irmã virou uma leitora assídua. Capaz
de ler livros enormes em um único dia… – Inspiro fundo e completo:
– E eu crio histórias.
– Cria histórias? Tipo, escreve livros e coisas assim? –
questiona, de frente para mim, e eu nego com a cabeça.
– Eu vejo algum casal ou família ou até mesmo uma pessoa
sozinha e imagino uma história para eles.
Uma risada começa a sair da boca dele, entretanto eu a corto
imediatamente, apontando o dedo para o seu rosto.
– Não estou rindo. É que, na verdade, eu achei isso muito
legal.
– Achou? – Franzo o cenho.
– Sim. Eu achei. – Ele se volta para o casal, que parou de
brigar. – Me diz, qual realidade você criou ali?
Não sou capaz de conter o sorriso que cresce em mim, e um
sentimento diferente, borbulha em meu peito. Sigo o seu olhar e
respondo.
– Eu imaginei que ambos são irmãos, que ela estava
brigando com ele por ele ter afugentado o moço que ela trouxe para
a festa. Ele estava argumentando que fez isso pra protegê-la,
porque não confiava no rapaz.
– Mas, na verdade, é ele quem gosta do cara que saiu com a
irmã e está fazendo tudo pra que eles não fiquem juntos. – Minha
boca se abre, e Arthur me olha, divertido. – Ela ficou puta, porque o
irmão sempre tenta roubar os namorados dela, por pura inveja.
Eu dou risada, tapando a boca e tomando cuidado para não
chamar atenção.
– Ai, meu Deus… E ela não diz que sabe disso, porque ama
muito o irmão e não quer que eles se distanciem. – Entro na sua
história louca, e ele também ri.
Assim que abre a boca para continuar com a nossa doideira,
se vira para o casal de novo, no entanto, arregala os olhos na hora.
Viro a cabeça na mesma direção e quase grito de surpresa.
O casal está se beijando.
E não é um beijinho, não. É um beijo que, mais um pouco,
estão tirando a roupa um do outro.
– Não! – eu solto.
– Meu Deus! Incesto? – Arthur quase grita, ao mesmo tempo
que olho ao redor, para ver se alguém ouviu.
Nós dois caímos na risada, algumas pessoas nos observam
com cara de curiosidade, e eu me apresso a parar de rir.
Pelo menos, eu tento.
Depois de passarmos bons minutos rindo como dois idiotas,
aquilo acontece de novo. Um magnetismo faz meus olhos pousarem
nos seus, e os dele, nos meus. Em silêncio, olho em seus olhos
castanhos escuros, o sorriso fácil, a barba baixa e muito bem
moldada no maxilar, os cabelos rebeldes e com alguns fios caídos
na testa, e sua pele reluzente.
O sorriso de Arthur sempre foi algo que me intrigou. Mesmo
antes da briga, mesmo antes dessa ideia de namoro, seu sorriso me
causava sensações diferentes.
E eu sei, que se não tomar cuidado, será seu sorriso o
causador de tudo o que eu venho evitando nos últimos meses.
– Boa noite, senhoras e senhores… – A voz de um
cerimonialista soa pelos alto falantes. – O jantar será servido. Por
favor, acomodem-se.
Com um último olhar intenso, Arthur pega minha mão, e nos
encaminha até a mesa principal. Sentamos nós, Alfred e Letícia,
Antony e Rebeca, e um casal de tios de Arthur.
A comida não demora muito para ser servida, e embora eu
achasse que poderia haver qualquer constrangimento, a roda de
conversa está boa. A família de Arthur é bastante acolhedora.
Alfred, mesmo mais contido que a esposa, ainda é receptivo e
aberto à conversa. Letícia continua sendo a simpatia em pessoa,
arrancando risadas de todos e constantemente provocando o
cunhado.
Em um dado momento, quando praticamente todos já haviam
comido e estão apenas conversando, eu sinto a mão de Arthur por
debaixo da mesa. Paro o copo de água a centímetros da boca,
sendo pega de surpresa e olho para baixo.
Sua mão grande está sobre a minha, e ele raspa as pontas
dos dedos nas minhas unhas compridas. Levanto o rosto, a fim de
olhar para o dele.
Arthur está engatado em uma conversa amistosa com seu pai
e seu irmão, e nem olha para o que está fazendo. Na verdade,
acredito que nem percebendo, ele está.
Continua ali, remexendo minhas unhas de um jeito, como se
fosse algo muito comum entre nós dois.
Mas o que ele está fazendo?
Não é como se alguém pudesse ver alguma coisa. Está tudo
acontecendo longe dos olhos de todos.
Constrangida e incomodada com isso, puxo minha mão da
sua e a deixo em cima da mesa.
Arthur nem olha para mim. Solta sua risada escandalosa de
sempre, quando o irmão diz algo e continua sem notar nada.
Respiro fundo, com uma sensação esquisita em meu peito e
puxo o copo de água de novo, sentindo minha garganta seca.
Porém, o que acontece em seguida, é mais estranho ainda.
O maldito contorna minhas costas, e a mesma mão que
estava na minha, a poucos segundos atrás, vem parar no meu
ombro. Já a mão livre, parece buscar a minha em cima da mesa, e
quando vou ver, ele está fazendo aquilo com minhas unhas.
De novo!
Da mesma forma que antes, Arthur nem ao menos se vira
para mim e permanece distraído com a conversa.
Dessa vez, eu permaneço imóvel, sabendo que seria muito
estranho separar nossos dedos de cima da mesa, e tento entender
o que raios está acontecendo.
Uma risadinha ao meu lado me faz virar e encontrar Letícia
me olhando com cara de safada, ao passo que toma um gole do seu
vinho.
– Tão fodido… – diz, tão baixinho que eu mal consigo
entender.
Antes que possa me sentir mais constrangida ainda, o
cerimonialista se aproxima de Antony e diz algo em seu ouvido. O
senhor acena com a cabeça e, quando o homem vai embora, olha
para todos nós.
– Hora do discurso, crianças. – Se levanta da mesa e
estende a mão para ajudar a esposa. – Vamos. Quero todos lá em
cima comigo.
Finalmente, Arthur me olha e ignora totalmente a mão
enorme, ainda sobre a minha.
– Vamos, formiguinha. A família Rabello quer você lá
também.
Pisco, confusa com o que disse e estou pronta para negar,
quando Rebeca me impede.
– Você também, Penélope. Já faz parte da família. – Ela sorri
gentilmente para mim e se afasta de mãos dadas com o marido.
Solto um suspiro frustrado, porém me levanto com todos.
Subimos no pequeno palco, o patriarca em frente ao
palanque, e sua esposa ao seu lado. Alguns parentes que fazem
parte da companhia, Alfred, Letícia, Arthur e eu, ficamos atrás,
aguardando ouvir as palavras.
Assim como o irmão faz com a cunhada, Arthur me posiciona
à sua frente, com as mãos na minha cintura. A pose pode parecer
casual, no entanto, sinto um nervosismo se apossar de mim.
Tento manter a calma, respirando profundamente e buscando
ignorar o homem de mãos enormes atrás de mim.
– Boa noite, meus amigos. É com grande honra que eu
compartilho deste momento tão importante com cada um de vocês.
– Antony começa a discursar, fazendo todo o restante ficar em
silêncio. – Meu pai era uma pessoa extremamente curiosa. Ele tinha
um sonho. Abrir uma editora de jornal investigativo, onde poderia
fazer descobertas e mais descobertas. A mais de oitenta anos
atrás…
Todo o discurso começa a sumir, e de repente, meus
batimentos cardíacos são a única coisa que eu ouço. Não porque
está entediante ou porque estou sendo fotografada junto à família
Rabello.
Não.
Meu corpo inteiro fica tenso, e minha pele começa a suar,
quando sinto algo em mim.
Mais especificamente, na minha bunda!
Uma coisa rígida, pesada e grande.
Puta que pariu, é grande.
As mãos de Arthur apertam mais minha cintura, e meu
coração acelera freneticamente.
Ele está excitado. Muito excitado.
Remexo-me no lugar, mas isso serve apenas para minha
bunda roçar mais ainda em sua pelve. Arthur me segura com mais
firmeza, tentando me manter no lugar.
Ele percebeu.
É claro que ele percebeu, caramba.
Ainda falando sobre sei lá o que, ignoro totalmente meu
sogro no palanque e viro discretamente meu rosto para o filho da
puta de pau duro atrás de mim.
Arthur tem os olhos levemente arregalados para frente, seu
maxilar está travado, e assisto seu pomo-de-adão subir e descer,
quando engole a saliva.
Sussurro, o mais baixo que consigo, para ele:
– Que porra você está fazendo? – Minhas mãos vão para as
suas, e eu as seguro no lugar.
– Eu não estou fazendo nada, inferno – responde no mesmo
tom.
– Ah, não? Então como me explica essa… coisa me
cutucando?
Seus olhos descem para os meus, e há muitas coisas em
suas esferas castanhas.
– Eu não tenho culpa que sua bunda gigante está se
esfregando no meu cacete.
Sinto um frio na barriga muito inconveniente ao ouvi-lo falar
desse jeito, e isso me faz querer matá-lo.
Cravo minhas unhas em suas mãos, com a intenção de lhe
causar o mínimo de dor, só que o tiro sai pela culatra. Porque assim
que faço isso, eu sinto seu pau endurecer mais ainda.
Meus olhos provavelmente estão do tamanho de pratos,
quando percebo isso, e eu vejo Arthur fechar os seus por alguns
instantes. Parecendo sentir dor.
– Pare já com isso – meu sussurro sai mais alto do que
gostaria, e Alfred nos olha de esguelha, rapidamente.
– Eu não consigo controlar isso, porra.
Me viro para frente, sentindo uma vontade enorme de descer
meu cotovelo no seu estômago para ver se assim, ele consegue se
controlar.
Mas que homem infernal.
Uma salva de palmas é iniciada pelas pessoas no lugar, e eu
percebo que o bendito discurso terminou. A música começa a tocar
novamente, e as pessoas de cima do palco começam a sair.
Dou um passo à frente, louca para dar o fora daqui,
entretanto as mãos de Arthur, me puxam de volta para si.
Aquela coisa enorme me cutuca de novo, e eu estou mais
perto ainda de dar aquela cotovelada.
– Mas que…
– Fique na minha frente, não posso ser visto assim – diz,
pertinho do meu ouvido, causando arrepios em minha espinha.
Respiro fundo três vezes, antes de recomeçar a andar, dessa
vez, mais devagar. Quando descemos, viro na direção oposta às
mesas e caminho até uma porta aos fundos.
Assim que a abro, entro em um corredor mal iluminado e
ouço passos atrás de mim. Nem preciso me virar para saber quem
é.
– Mas que merda, Arthur. Você parece um adolescente de
quinze anos, que não consegue controlar os próprios hormônios! –
eu praticamente grito, olhando para seu rosto, por fim.
– Você só pode estar de brincadeira. Como acha que meu
pau ficaria, com você se esfregando nele daquele jeito?
– Me esfregando? Eu não estava me esfregando! Você que
me puxou pra perto.
– Eu não fiz nada disso. Estava quietinho no meu canto, e
você se colocou na minha frente. – Ele passa as mãos pelos
cabelos. – Se a sua bunda fosse um pouco menos tentadora, talvez
eu não tivesse ficado excitado durante a porra do discurso do meu
pai.
Minha boca se abre, em completo choque.
– Tentadora?
– É, caralho. Já viu como sua bunda é grande e redonda?
Ele se aproxima, trazendo seu cheiro gostoso, o que contribui
para que eu fique com mais ódio.
– Pare de falar da minha bunda como se ela não fizesse
parte de mim, Arthur. E pare de botar a culpa em mim, sendo que é
você que não consegue controlar o próprio pau.
– Esse tipo de coisa é incontrolável, Penélope. E você e
essa… – Lanço um olhar cortante, impedindo que continue. – Quer
saber? Foda-se essa merda. Eu não tenho que ficar ouvindo isso.
Absolutamente do nada, Arthur enfia a mão por dentro da
calça. Fico completamente horrorizada, enquanto assisto o homem
remexer lá dentro e ajeitar o pau de um jeito que não fique tão
evidente.
Não adianta muito.
– Por que isso não diminui? – pergunto, olhando na direção
da sua virilha.
– Eu não sei, tá bom? – me responde em um tom alto e em
seguida, se encosta na parede do corredor.
Vejo seu peito subir e descer, ao passo que fecha os olhos.
Permaneço aqui por alguns minutos, até que percebo que podem ter
visto nós dois entrando aqui.
Ai, meu Deus! Será que estão pensando que nós…
Endireito minha coluna e caminho até ele.
– Vamos embora.
Sua cabeça se ergue para mim.
– O que, agora?
– Sim, já estamos aqui há muito tempo, já jantamos,
aparecemos em público, fui fotografada com você, já está ótimo.
Ele bufa, olha em direção ao pênis de novo e nega com a
cabeça.
– É, melhor mesmo. Eu preciso de um banho.
Fomos embora depois de nos despedirmos de todos. Os pais
de Arthur estavam muito contentes por me conhecerem e
prometeram visitar minha cafeteria com mais frequência agora, e
Alfred e Letícia prometeram que nos veremos em breve.
Dentro do carro, o silêncio foi preenchido por mais uma
música da Anitta, e seguimos calados.
Com as ruas mais desertas, pois passa da meia noite, e o
carro potente de Arthur, não demoramos muito para chegar em
minha casa. Assim que ele estaciona, eu retiro o cinto e me forço a
olhá-lo. O blazer e a gravata foram embora, logo que entramos no
veículo. A camisa preta expondo um pedaço de pele bronzeada, me
roubando a atenção.
Ele também retira o próprio cinto e sai do carro. Franzo a
testa, vendo-o dar a volta e abrir a porta para mim. Depois de me
ajudar a sair, ele me segue até a calçada e para ao meu lado.
Arthur coça o pescoço, olhando para os pés e em seguida,
para mim.
– Olha, sobre o que aconteceu…
– Não precisa dizer nada – eu o corto e tomo uma respiração.
– Eu sei que esse tipo de coisa acontece. Eu só… fiquei
constrangida.
Não foi apenas isso, honestamente. Eu poderia negar,
poderia dizer que o que senti não foi nada, mas isso seria mentira.
E eu não tenho o hábito de mentir. Principalmente, para mim
mesma.
Arthur é um homem lindo, com o corpo gostoso e o jeito
sedutor, e mesmo que me irrite na maior parte do tempo, ainda
assim, é atraente. Portanto, saber que ficou excitado com tão pouco,
comigo, me afetou. O calor que percorreu meu corpo, a tensão em
cada músculo meu, a pressão em meu baixo ventre…
Aquilo foi alguma coisa. E não deveria.
Deveria ser nada.
Arthur não é nada. É só um meio para um fim.
Então por que ainda sinto tudo aquilo?
Ele solta uma risada anasalada e fala, completamente alheio
à bagunça em meus pensamentos.
– Você não foi a única a ficar constrangida, acredite.
Desvio o olhar, sentindo meu rosto esquentar.
– Bom, nos vemos segunda-feira, certo? – pergunto,
mudando de assunto e me referindo à segunda parte da reportagem
para o seu jornal.
– Isso, nos vemos segunda.
Concordo com a cabeça e abro o portão. Assim que
atravesso, Arthur diz:
– Boa noite, Chernobyl. – Eu me viro, vendo que tem um
sorriso de lado e as mãos nos bolsos da calça.
Sorrio e lhe dou as costas.
– Boa noite, peste.
Entro em casa, ainda ouvindo sua risada rouca de longe e
sentindo aquelas borboletas no estômago.
Eu estou parecendo a porra de um stalker.
De novo, porque não é a primeira vez que faço isso.
Acompanhar cada passo, cada balançar dos cabelos, cada
expressão facial, cada sorriso ou fala e cada mudança de
comportamento de Penélope, não é exatamente uma novidade para
mim.
Faz tempo desde a última vez que fiz isso, e não deveria
estar acontecendo de novo.
Ela não deveria causar isso em mim.
Depois de sábado, da maior vergonha que já passei na minha
vida, pensar em Penélope é tudo o que faço. Pensei sobre o que
aconteceu, sobre nossa discussão, sobre tudo.
E nesse momento, enquanto a vejo gesticular de forma
contida e falar com Pedro, o repórter comandando a entrevista, eu
não consigo tirar os olhos dela.
A mulher está vestida com um conjunto de blazer e saia
bege, e a camisa por baixo é branca, com um decote redondo que
eu não deveria, mas fico olhando, toda vez que se aproxima. Para
piorar tudo, ela tem nos pés um salto fino vermelho, que deixa suas
pernas gostosas mais longas. Ela prendeu os cabelos num rabo de
cavalo, daqueles diferentes que ela gosta de fazer, com as pontas
onduladas.
Linda, para o meu total desespero.
Quando minha equipe chegou na cafeteria principal, foi ela
quem os recepcionou, apresentou cada membro da equipe pelo
nome e pela função, mostrou os funcionários que participariam de
algumas entrevistas e auxiliou em tudo o que precisávamos.
Quando eu cheguei, tentei ao máximo parecer profissional,
observando tudo e opinando sobre o que precisava, entretanto, não
passa de fingimento.
Estou me sentindo perturbado.
Perturbado pela presença dela, pelo cheiro cítrico que
emana, pelo som da sua voz, pelo rosto bonito e o sorriso simpático.
E isso é errado.
Muito errado.
A Rabello’s Editorial faz um tipo de jornalismo multimídia, ou
seja, além do jornal impresso, como o habitual, nossa principal
forma de publicação é pela internet. Temos nosso site, perfis nas
redes sociais, além de jornalismo audiovisual, como podcasts ou
vídeos que publicamos nestas redes ou em nosso próprio canal do
YouTube. Sendo assim, além das perguntas que serão escritas e
impressas, teremos as filmagens feitas na segunda-feira passada e
as de agora, mostrando a rotina do café principal de Penélope.
É tudo muito trabalhoso e, por vezes, cansativo, porém a loira
esquentadinha tira de letra.
Sua oratória é impecável, ela conhece cada detalhe e
informação dos estabelecimentos, conhece e coordena cada
funcionário com autoridade e gentileza, responde a todas as
perguntas sobre as questões econômicas do seu trabalho e suas
estratégias como administradora.
É um espetáculo ver Penélope Duarte trabalhando.
Ela é perfeita para isso.
Não que eu já não soubesse disso antes, contudo agora,
conhecendo-a melhor, percebo que o sucesso que tem era
inevitável. A mulher é uma máquina de administração. Inteligente
pra caralho, focada, empática e ao mesmo tempo exigente.
E eu não devia notar essas coisas. Para falar a verdade, nem
aqui eu devia estar.
Meu RH contratou o novo repórter de rua, e é meu dever
como diretor executivo, dar as boas-vindas ao novo funcionário.
Só que, quando vi minha equipe se preparando para vir aqui,
não pude resistir. Quando vi, já estava cancelando tudo o que faria
essa manhã e subindo no meu carro.
Agora, começo a me perguntar se foi realmente uma boa
ideia ter vindo até aqui. Como isso se trata de um encontro em
público, tenho que agir como o namorado e, vez ou outra, me
aproximo dela.
E em todas as vezes, meu corpo reage. Como se ficasse em
alerta sobre tudo o que envolve a loira de pernas grossas e bunda
grande. Seu cheiro de mar é sufocante e ao mesmo tempo
inebriante para mim. Toda vez que ouço uma risada dela, um
calafrio esquisito passa por minha espinha. E para piorar tudo, ela
parece não ser imune à minha presença.
Seus olhos me encontraram antes mesmo de eu me
aproximar e quando toquei seu braço mais cedo, sua pele se
arrepiou.
Isso é tão fodido.
Neste momento, estou sentado em uma banqueta do balcão
de entrada. De longe, vejo-a assistir a conversa entre meu repórter
e a Lourdes, sua gerente. A loira está totalmente concentrada no
que sua funcionária diz, atenta a cada informação repassada.
Fico olhando-a sem vacilar, assistindo seus olhos estreitarem
para alguma coisa que a mulher entrevistada diz ou seus lábios
curvarem para o lado, parecendo em dúvida e até mesmo os
sorrisos orgulhosos que lança.
Como eu disse, a porra de um stalker.
De repente, seus olhos azuis focam em mim. Duas esferas
da cor de mares cristalinos, muito vibrantes e intensas, se
encontram com as minhas, que não desviaram dela desde que
cheguei. É algo magnético. A presença de Penélope me atrai, me
obriga a observá-la mesmo quando eu tento com todas as forças
não fazê-lo.
E eu faço.
Sustento seu olhar, sentindo uma pressão esquisita no peito,
como já aconteceu antes. Sentindo uma vontade esquisita de me
aproximar.
E eu também o faço.
Me levanto devagar, caminho até ela, um passo cuidadoso
atrás do outro, como se estivesse a perseguindo. Como se
precisasse tomar cuidado para não assustá-la. Para não afugentá-
la.
Ela me olha. Não pisca. Não se move. Mal respira.
Minha respiração é contida. Calculada. Pois eu sinto que se
forçar demais, ela fugirá.
Talvez até eu fugiria.
Eu paro, bem na sua frente.
Não há mais nada. Ninguém, nenhum som, nenhum gosto,
além do gosto estranho de desejo que sinto em minha língua.
É gosto de tentação.
Gosto de pecado.
E eu nunca fui nenhum santo.
Mas eu deveria fugir, não é mesmo? Fugir do furacão,
quando sua força se aproxima. Deveria procurar abrigo longe dele.
Correr para não ser atingido.
Então por que meu corpo não escuta meu cérebro?
Por que meu corpo quer ser engolido pelo furacão?
Por quê?
Penélope parece ter se esquecido da entrevista, pois sua
atenção está completamente voltada para mim. Sua respiração
acelera, sua língua lubrifica os lábios, seu rosto é tomado por uma
cor rosada bonita.
Ela sente. Sei que sente.
No entanto, será que sabe o que sente? Ou também tem
dúvidas como eu?
Como seus olhos são lindos.
Perto assim, consigo ver o contorno fino ao redor das írises
em um tom de azul escuro. Como um lugar profundo do oceano. É
um contraste impressionante com o restante dos olhos…
Por que estou pensando nessas coisas, mesmo?
– Dona Penélope?
Como uma testada no meio da porta, meus pensamentos são
freados, quando ouvimos uma voz grossa ao lado. Quando me viro,
a princípio, vejo um peito muito grande e muito forte. E ao subir o
olhar, vejo o rosto da muralha à minha frente.
Tombo a cabeça de lado. Eu conheço essa muralha.
– J-Jorginho? – Penny gagueja e limpa a garganta, ao se
virar pro cara.
Com mais de dois metros de altura, careca e com uma barba
grossa no rosto, o homem me cumprimenta com um aceno, e eu me
lembro de onde o conheço.
Foi esse mesmo cara que arrastou para fora o cliente filho da
puta que quase apanhou de Penélope, meses atrás. Na época,
houve um incidente envolvendo Diana, e Benjamin e eu
presenciamos tudo. A patroa convocou o homem que chamam de
Jorginho, mesmo que seja uma parede de tão grande, com a
intenção de conter o cliente inconveniente.
– Desculpe atrapalhar a entrevista, mas o carregamento
chegou só agora.
– Como é que é? – Assumindo uma postura completamente
diferente da de segundos atrás, ela prontamente se aproxima dele.
– Eles recusaram a minha oferta de ir buscar, por causa do
problema que tiveram com os caminhões na semana passada, e
entregaram com mais de duas horas de atraso.
O olhar da loira se torna fúria pura, e seus lábios crispam.
– Essa entrega deveria ter acontecido a horas atrás. Toda a
remessa de bolos vai atrasar por causa disso.
– O que houve? – me intrometo, sentindo a necessidade de
ajudar.
Penny respira fundo e aperta os olhos com os dedos, antes
de me olhar.
– É a fábrica de farinha. Eu nunca consigo que eles façam o
mínimo de trabalho certo. – Ela olha para o funcionário angustiado à
frente. – Tudo o que eu queria, era uma produção de farinha de
mais qualidade, mas parece que isso não inclui o restante do
serviço.
Ela simplesmente dá as costas para todos e se dirige até os
fundos do local. Jorginho e eu a seguimos.
Ao chegarmos aos fundos da cafeteria, um caminhão de
porte médio está estacionado com o compartimento aberto e vários
produtos embalados na parte de dentro. Um homem está encostado
na lateral, mascando um chiclete e mexendo no celular.
Penélope solta um longo suspiro ao avistar o homem, que,
pelo que me parece, não está com nenhuma pressa de esvaziar o
caminhão.
– Bom dia. Ronaldo, certo? – a loira se aproxima e diz, em
um tom de voz autoritário.
O cara se vira e olha seu corpo de cima a baixo, sem nenhum
pudor, fazendo meu sangue ferver.
– Bom dia, dona. Já tá liberado pra vocês descarregarem a
encomenda e…
– Nós não vamos descarregar o caminhão, Ronaldo. Achei
que tivesse ficado bem claro isso, quando os contratei – Penélope
enfatiza, com o tom de voz neutro.
– É, dona. Mas você sabe como é, né… As coisas da vida
nem sempre saem como a gente quer.
Como é que é?
Que tipo de empresa é essa que não cumpre com o
acordado?
E por que esse filho da puta acha que pode falar assim com
ela?
– Eu tenho um contrato que diz claramente… – ela começa,
porém o entregador a interrompe.
– Só que as coisas ficaram complicadas depois da semana
passada. Você sabe que quase perdemos os caminhões e estamos
quase sem funcionário.
– Não recebi nenhum comunicado do seu chefe avisando
dessa mudança, e até onde eu sei, meus funcionários não têm a
obrigação de descarregar nada.
– Tá, mas você viu a quantidade de produto que tem? – Ele
dá uma risadinha desdenhosa e a olha de corpo inteiro de novo. –
Não sou o Superman, dona.
Aperto minhas mãos em punhos, sentindo a raiva atravessar
meu corpo.
Dou um passo à frente, mais do que pronto para colocar esse
idiota no lugar dele, mas não vou muito longe.
Penélope praticamente cola o nariz no rosto do homem.
Antes que eu consiga interferir em qualquer coisa, a loira aponta o
dedo na cara dele, mal parecendo ser muito menor em estatura.
Eu fico completamente imóvel com a cena se desenrolando à
minha frente.
– Em primeiro lugar, se me chamar de dona, você ou
qualquer outro termo desrespeitoso, farei você engolir sua própria
língua. Em segundo lugar, se me olhar dessa forma de novo, será
acusado de assédio, e eu não estou nem aí sobre quais serão as
consequências disso. – A cada palavra que sai da boca dela, os
olhos do homem se arregalam mais. – Eu estou pouco me fodendo
sobre o que aconteceu na porcaria da sua fábrica. Eu contratei a
entrega e o descarregamento do produto, e é isso o que eu terei.
Nem que você leve dez horas pra descarregar tudo, você fará o seu
trabalho como lhe foi pago.
Ela dá um passo para trás, puxa o celular do bolso da saia e
torna a falar com o homem, sem nem ao menos olhá-lo.
– Estarei entrando em contato com os seus superiores nesse
momento, para exigir providências a respeito do entregador mal
educado que mandaram para mim e, mais uma vez, não ligo para as
consequências disso. – Ele ameaça dar um passo à frente,
entretanto Jorginho o faz recuar, ao se colocar ao lado de Penélope.
– E se por acaso não ficou claro tudo o que eu disse, eu farei
questão de pedir para o meu funcionário aqui ao lado, expulsar você
da minha loja do jeito que ele se sentir mais confortável pra fazer.
Nunca mais pense em usar esse tom desdenhoso comigo outra vez
ou com qualquer mulher que surgir, Ronaldo, ou eu farei da sua vida
um inferno. E pode apostar que eu consigo.
C
A
R
A
L
H
O.
Penny dá meia volta, com as costas retas e o celular no
ouvido. Ela não subiu o tom de voz em nenhum momento. Não
levantou a mão. Ela nem ao menos corou.
Penélope mostrou porque é uma das empresárias mais bem
sucedidas que conheço e não precisou mover um único dedo para
isso.
De repente, sinto algo incomodando no meio das minhas
pernas. Olho para baixo, e todo o ar deixa meus pulmões.
Estou de pau duro.
Puta que pariu, eu estou de pau duro!
Levo as mãos aos cabelos e dou as costas para os dois
homens, que ficaram, precisando sair imediatamente daqui.
Não, não, não, de novo não.
Saio para a calçada vazia ao lado do estabelecimento e
começo a andar de um lado para o outro.
O que está acontecendo? Por que fiquei excitado desse jeito,
do nada?
Não foi do nada, e você sabe.
– Porra! – resmungo, sentindo vontade de me causar dor
física.
Como isso foi acontecer? Como passei de desprezo puro,
para paudurecência em um intervalo de tempo tão rápido?
Ela nem fez nada. Eu nem a toquei.
Tudo o que precisei fazer foi assistir Penélope calando um
filho da puta com poucas palavras e com uma elegância digna da
realeza. E eu fiquei excitado.
Isso não está certo.
Isso é errado. Está tudo errado.
Meu pau não pode achar Penélope sexy, pode?
Quer dizer, eu a odeio. Por que meu pau não pode odiá-la
também?
Eu nem a acho atraente.
Mentiroso.
Porra, é a Penélope. A mesma que me deu um fora há
meses, a mesma que me humilhou, a mesma que me julgou, a
mesma que debochou de mim.
Mas você foi atrás dela primeiro, Arthur. Você sabia que ela
não tinha interesse e mesmo assim, buscou a humilhação.
– Cala a boca, subconsciente! – rosno, parecendo um louco.
Nada dá o direito de alguém dizer o que ela disse para mim,
meses atrás. Não fui desrespeitoso, e o que ela fez foi gratuito. E
desde então, todo sentimento que Penny me fez sentir, foi hostil.
Mesmo que seja linda, e que seus olhos tenham uma cor
muito diferente.
Mesmo que seu corpo seja o mais gostoso que já vi.
Mesmo que sua pele exale um cheiro que nunca senti antes.
Mesmo que sua risada seja estranha e adorável.
Mesmo que ela não deixe ninguém, nenhum homem, pisar
nela.
Não.
Mesmo com essas coisas, não gosto dela.
Não posso gostar dela.
Olho para baixo, e minha barraca segue armada. Levanto o
olhar para cima, vendo o céu limpo desta manhã de segunda-feira.
– Céus! Qual é o meu problema?
Volto para lá, vendo o tal do Ronaldo descarregar os produtos
em um carrinho de carga e levar para dentro.
Não vejo mais Jorginho e cogito seriamente ajudar o pobre
entregador, porém, algo me diz que Penélope jogaria o sapato na
minha cabeça se o fizesse, depois de ter deixado claro que era
obrigação do fornecedor.
Passo por uma porta lateral, que leva para um corredor com
algumas salas. Ela apresentou o lugar para toda equipe, então sei
onde fica seu escritório. Tenho um palpite de que esteja lá.
Entro em sua sala, vendo o ambiente arejado, o papel de
parede em tons de branco e rosa, a mesa de vidro e a cadeira logo
à frente, o aparador na lateral direita e na lateral esquerda… uma
bunda.
Uma bunda?
– P-Penélope?! – digo, assustado.
A maluca está agachada na frente do sofá branco encostado
na parede, com a bunda totalmente virada para cima, e com o rosto
encostado no chão.
Fisgada no pau.
– Quê? Ah, é você… – Ela estica o braço para debaixo do
móvel. – Minha caneta rolou aqui pra baixo… E eu estou… tentando
pegar.
Ela se inclina mais, forçando a bunda mais para cima ainda.
Fisgada no pau.
– Eu estou quase… Ah…– Ela solta um gemido sôfrego,
ficando vermelha e se esforçando para pegar a maldita caneta.
Fisgada no pau.
– Puta que pariu… – sussurro, engolindo em seco e
absolutamente paralisado no lugar.
– O que você disse? – Ela se vira para trás e me olha.
Seu rosto corado, a posição, a respiração ofegante, a bunda
redonda.
Fisgada no pau.
Fisgada no pau.
Fisgada no pau.
Caralho de fisgada no pau.
– E-eu…
– Consegui! – ela solta, segurando o objeto, e, para a minha
paz, se levantando.
Só que a paz não dura muito tempo.
Quando se coloca na minha frente, abre um sorriso enorme e
me mostra a maldita caneta. Contudo, não é para ela que estou
olhando. Estou olhando para o seu decote, que por conta das suas
peripécias, desceu um pouco mais e mostra uma pequena parte de
um sutiã rendado, de cor vinho, destacando-se sobre a pele clara do
seio redondo.
Minha boca saliva, e adivinhe… FISGADA NO PAU.
Sua cabeça se move, e eu vejo quando nota onde meu olhar
está fixo, ela solta um ops, antes de ajeitar no lugar.
Permaneço sem palavras, com a cabeça confusa, e o pau
duro.
– Desculpa pelo que houve agora a pouco. Esse tipo de coisa
me persegue há anos, e não há outra maneira de lidar com essas
situações. – Ela dá um passo à frente, e eu dou um para trás. –
Esses homens não gostam de ouvir ordem de mulheres, e eu sou
obrigada a revidar.
– N-Não tem problema… – mal consigo dizer, principalmente
agora, que seu cheiro cítrico está mais evidente depois que retirou o
casaco.
Ela dá mais um passo, e eu recuo mais uma vez. Acabo
esbarrando no aparador atrás de mim, ouvindo as coisas se
moverem no tampo de vidro.
Penny arqueia a sobrancelha e dá um sorrisinho de lado.
– Não precisa ter medo de mim, Arthur. Não vou te bater.
– Não tenho medo de você, Penélope.
Mentiroso.
Cala a boca, subconsciente!
Seu sorriso se torna diabólico. Ela se aproxima mais ainda, e
eu não tenho para onde ir.
– Desde quando você foge de mulher, Arthur? – o furacão
satânico fala baixinho, causando um arrepio na minha espinha.
Minha respiração, de repente, perde o compasso. Assim
como o meu coração.
– Não tenho medo de você – repito as palavras, me sentindo
um idiota.
E ela? Sorri de um jeito que diz que eu deveria fazer
exatamente o contrário.
Deveria sentir medo e fugir.
Fugir para as montanhas.
– Cheguei, casal! – Felipe surge na porta do lugar, fazendo-a
se afastar.
Seu olhar intercala entre mim e Penélope por um instante,
antes de descer pelo corpo todo da loira.
– Bom dia, Felipe.
– Bom dia, Penny. – Ele ameaça tocar sua mão, porém eu
prontamente me ponho na frente dela e olho para ele com irritação.
– Você não tinha que estar supervisionando a reportagem? –
Meu amigo sorri para a minha atitude, mas escolhe não fazer
nenhuma gracinha.
– Estava em uma conferência com a Letícia, e terminou só
agora. – Ele dá um passo para trás, e só assim eu saio da frente da
Penélope. – Na verdade, vim avisar que está quase tudo finalizado.
Precisamos só de mais alguns takes da Penny no ambiente de
trabalho.
– Tudo bem, eu estava fazendo uma ligação, mas já estou
disponível. – Ela abre um sorriso simpático, que nunca a vi usar
comigo.
– Perfeito, vamos? – O idiota oferece o braço a ela, que o
aceita, antes que eu consiga impedir.
Os dois saem pelo corredor, conversando baixinho. Eu os
sigo, pensando que realmente deveria ter ficado na empresa.
Naquele mesmo dia, Penélope e eu havíamos recebido uma
mensagem das noivas, Thays e Larissa, nos informando que o
jantar de noivado aconteceria em sua casa, na quarta-feira.
Alguns parentes de Larissa, amigos e alguns familiares meus
estarão lá, e, para a minha total alegria – leia-se com ironia – terei
que fingir estar apaixonado pela mulher que tem me feito parecer
um adolescente virgem.
Estou começando a me arrepender de ter topado essa coisa
de namoro falso…
O pior é que quando fizemos esse acordo, eu pensei que a
maior dificuldade seria conviver com uma pessoa amarga e irritante,
e ainda fingir estar apaixonado. E a última coisa que achei, foi que
esse seria o menor dos problemas.
Não que agora eu passei a gostar dela, longe disso.
Eu a detesto.
O problema é que aquela parte de mim que eu pensei ter
morrido há meses, quando ela disse aquelas palavras e me fez
odiá-la, voltou à vida. A parte em que eu a acho gostosa demais,
bonita demais, atraente demais.
E eu não deveria ficar excitado por alguém que eu odeio.
Estaciono na academia do bairro onde Penny mora, conforme
havia me pedido. Ela disse que não malhava há alguns dias, por
conta dos problemas que estava tendo com a bendita fábrica de
farinha, e então disse que viria direto para cá, depois do trabalho.
Avisei que não teria problema nenhum para mim,
principalmente sabendo o quanto é difícil aquele furacão encontrar
tempo livre na sua agenda lotada.
Não que eu me importe.
Eu não me importo.
Meu celular vibra assim que desligo o carro, e eu o puxo do
compartimento em que estava guardado. Há uma mensagem dela.
Chernobyl: Estou terminando de me arrumar e já saio.
Eu:
Isso quer dizer que você entrou no banho agora?
Um segundo se passa, e ela logo responde:
Chernobyl: Não, Arthur. Estou realmente terminando.
Eu:
Sei…
Ela não responde, e um sorriso involuntário surge em meu
rosto. Consigo perfeitamente imaginá-la revirando os olhos azuis e
bufando de raiva.
Como prometido, a loira furacão sai pelas portas
envidraçadas alguns minutos depois. Ela usa um vestido azul
marinho longo, com fendas nas laterais, possibilitando a visão das
pernas e das sandálias com tiras delicadas nos pés. O cabelo liso e
solto balança com o vento, conforme se aproxima do carro, e eu não
consigo evitar olhar para a minha camisa social preta, meu jeans
claro e sapato social marrom.
Será que eu deveria ter me arrumado melhor?
Por que ela sempre tem que estar tão linda?
Antes que eu consiga tomar alguma atitude, Penélope já
entrou em meu carro, batendo a porta e deixando a mala de mão no
banco de trás.
Seu cheiro cítrico e de maresia entra por minhas narinas, e
se impregna em meu cérebro à medida que ela joga os cabelos para
os lados e me olha. Aperto o volante com uma força desnecessária,
quando noto o rosto com pouca maquiagem, um colar delicado
caído no meio dos seios redondos e fartos, os lábios desenhados
pintados com aqueles batons que não tem cor, somente brilho.
Aperto o volante mais ainda, quando uma vontade muito
louca e surreal de saber o sabor do brilho, nasce em mim.
Respiro fundo, com a intenção de me acalmar, mas só serve
para eu sentir mais ainda seu cheiro gostoso.
Qual é a porra do meu problema?
– Tá tudo bem? – ela pergunta, com a testa enrugada. – Seu
rosto está um pouco corado.
– Eu tô bem. Só estou com calor – digo, rápido, desviando o
olhar e me apressando para sair daqui.
– Então tá… Por que não liga o ar condicionado?
– O quê? – pergunto, tentando não parecer tão atordoado.
– Por que não liga o ar? Disse que está com calor.
– Ah, é, vou ligar.
Faço o que disse, vendo pela minha visão periférica que
Penélope me sonda sem parar.
– E aí, como foi seu dia? – Como foi seu dia? Jura, Arthur?
– Ãhn… Bem… Foi bom. Quer dizer, foi normal. Problemas e
mais problemas pra resolver. – Olho para ela rapidamente e a vejo
com os olhos estreitados para mim. – Por que está me perguntando
isso?
– Porque sim, ué. Vamos nos encontrar com um monte de
gente. Estou treinando meu jeito namoradesco de ser. – Dou de
ombros, escutando sua risada.
– Sei… E o seu dia, namorado?
– O meu dia? Passei a maior parte dele em reuniões chatas.
– Ligo o rádio, me sentindo um pouco mais confortável. – A parte
legal foi quando chegaram algumas das primeiras matérias sobre
seu café. Está ficando muito bom.
– Sério? Minha mãe está tão ansiosa pra isso. – Ela solta
uma risadinha, e eu a olho, quando paro em um semáforo. – Não
tão ansiosa quanto para te conhecer, é claro.
Sorrio para o seu rosto.
– E quando isso vai acontecer? – Ela torce a boca, pensando
na minha resposta, e meus olhos desviam para lá.
– Vamos pensar em um fim de semana onde ela esteja mais
tranquila.
– Tudo bem então… – Volto a dirigir. – E como ela tem
passado?
Penélope me contou da doença autoimune que a mãe tem.
Disse que há dias melhores e há dias piores. Que, quando sente
muita dor, mal consegue se levantar da cama.
– Ela não tem crise faz algumas semanas. Então está
aproveitando pra fazer suas atividades preferidas, como: assistir a
novela ou jogar xadrez com a vizinha da frente.
– Fico muito feliz em ouvir isso.
Abro um sorriso sincero, e ela retribui.
Seguimos o caminho em um silêncio que, pela primeira vez, é
confortável. Assim que a música Downtown, da Anitta com o J
Balvin, começa a tocar, ouço Penélope cantarolando a letra
perfeitamente.
– Achei que não ouvisse as músicas da Anitta – provoco,
virando a esquina, antes da casa das minhas amigas.
– Eu não disse que não ouvia, disse que não ouço todas. –
Ela dá de ombros. – Gosto das músicas em espanhol.
Isso me faz lembrar de uma coisa.
– Vocês falam espanhol, né? Você e as amigas do clube da
Luluzinha.
Ela dá risada, ao passo que eu estaciono o carro atrás de
alguns outros.
– Sim. Todas nós aprendemos desde pequenas, por conta da
mamacita. Ela obriga as crianças do abrigo a aprenderem, e,
consequentemente, Milene e eu fomos arrastadas para isso.
– Saudades da mamacita. Ela é uma velhinha bem atrevida.
– Dou risada.
– Você não faz ideia…
Saímos ao mesmo tempo do veículo e atravessamos a rua
em direção à grande casa que ambas dividem. Antes de tocarmos a
campainha, Penélope me olha com expectativa, e eu
automaticamente seguro sua mão na minha. Como sempre, sua
pele é quente e macia.
– Pronta? – questiono, ao entrelaçar nossos dedos.
– Pronta.
Ela toca a campainha, e não demora muito tempo para a
porta ser aberta pelas noivas. No momento em que seus olhos
caem sobre nós, seus sorrisos ficam gigantescos. Acredito que por
conta das notícias e fofocas, ambas já saibam que somos um casal.
– Meu casal favorito! – Larissa exclama, abraçando Penélope
e eu juntos. – Eu não acredito que vocês não contaram para nós
sobre esse namoro.
Quando a loira se afasta, é a vez de Thays nos abraçar. Um
de cada vez, diferente da noiva.
– Eu também gostaria muito de saber porque vocês dois não
nos contaram – a mulher com tranças no cabelo, amarradas em um
coque em cima da cabeça, reclama.
– É tudo muito recente – Penélope explica, ao entrarmos. – E
vocês não podem nos culpar. Esse noivado está indo rápido demais.
– Estão noivas há o quê? Dois meses? – pergunto,
segurando a cintura da Penny.
– Por aí… Mas o engraçado nessa história não é isso – Lari
diz e olha para a noiva ao seu lado.
– Do que você está falando? – Penny questiona.
– O engraçado é que o destino resolveu dar uma mãozinha
na nossa organização do casamento. – Thays responde. – Porque
vocês já seriam o par um do outro na igreja, como dupla de
padrinhos.
Olho para ambas, surpreso e depois para Penélope, que não
está muito diferente.
– Tá brincando – falo
– Não. Eu juro por Deus – Larissa diz e solta uma risada. –
Bem que dissemos que teriam umas faíscas entre vocês dois. – Ela
ri mais alto ainda. – Eu só não previ que aconteceria muito antes.
Arqueio a sobrancelha e olho para a minha namorada ao
lado. Penélope tem o rosto corado, de uma forma que ainda não
tinha visto. Sorrio de lado, vendo que tenta não fazer contato visual.
Eu não deveria fazer isso… Contudo, é mais forte do que eu.
– Podem ficar tranquilas, há muito mais do que faíscas
rolando entre nós dois.
Escuto minhas amigas rirem, enquanto aproximo meu corpo
do dela. Penélope arqueja quando seu peito toca o meu, e seus
olhos se enfurecem no mesmo instante.
Meu sorriso aumenta, desafiando-a com o olhar a dizer todos
os xingamentos que eu sei que tem na cabeça.
Porém, nosso acordo não permite, e isso serve apenas para
que seu rosto fique mais corado, e seus olhos com promessas de
uma morte lenta e dolorosa.
Lanço uma piscadinha para o furacão nervoso em meus
braços.
Nossas amigas finalmente nos levam para dentro, e ao
entrarmos em uma sala de estar espaçosa, somos recebidos por
algumas pessoas. Meus pais, os pais de Larissa, Vitor, irmão da
Thays, alguns amigos e familiares. Todos muito empolgados para
conhecerem minha nova namorada, muito bonita e muito bem
sucedida. Não demora muito, ouvimos passos apressados
descerem as escadas e em seguida, os gritos:
– Tio Arthur! Tio Arthur! – Meus sobrinhos correm em minha
direção.
Solto a cintura de Penélope pela primeira vez na noite e me
viro em direção ao som. Sorrio e abro os braços para receber as
melhores pessoas do mundo.
– Tio Arthur, você veio! – Rian me alcança primeiro, se
agarrando ao meu pescoço, e logo depois, Victória me alcança, já
se empoleirando em mim.
Dou risada, segurando cada um em um braço e os
levantando do chão. Eles riem, conforme os giro no ar e os abraço
apertado.
– É claro que eu vim, seus pestinhas.
Deixo os dois no chão, que me olham sorridentes, como se
eu fosse a pessoa mais legal do mundo. Os cabelos castanhos
como os do pai, peles bronzeadas, e olhos iguais os da mãe.
– Tio Arthur, viu minha bota nova? Ela bilha quando eu piso
assim, óh. – Victória bate com o pé no chão, fazendo com que a
luzinha embaixo do calçado se acenda.
– Uau! Que maneiro, Vic.
– Tio Arthur, eu ganhei uma bicicleta maior do papai. Ele
disse que eu tava muito grande pra outra – Rian conta.
– Mas é claro. Você cresce uns cinco centímetros todo dia. –
Os dois soltam risadas gostosas.
Olho para o lado e vejo Penny sorrindo para a nossa
interação. Estico a mão em sua direção. Ela hesita por alguns
segundos, antes de segurá-la. Puxo-a para o meu lado e olho para
os meus sobrinhos.
– Pestinhas, quero apresentar uma pessoa muito especial
para vocês. – Vejo seus olhinhos castanhos brilharem. – Essa é a
Penélope, namorada do titio.
Suas feições ficam surpresas por um instante e logo se
transformam em alegria.
– Ela é sua namorada? – Rian pergunta, meio incrédulo, me
fazendo rir.
– Nossa, ela é tão linda. – Victória se aproxima, tocando o
tecido esvoaçante do vestido de Penny.
A loira ri, fazendo um carinho na bochecha da minha
sobrinha.
– É um prazer conhecer vocês, Rian e Victória. – Eles ficam
boquiabertos, como se ela saber seus nomes, fosse algo incrível. –
Seu tio falou muito de vocês dois.
– Tio Arthur? – Vic me chama, sem tirar os olhos da mulher.
– Sim? – Dou risada da cena.
– Ela paiece a Barbie.
Todos da sala dão risada, incluindo a própria Penny. Minha
sobrinha e sua obsessão pelos filmes da Barbie.
– Para com isso. Você só fala da Barbie – Rian resmunga,
dando um leve empurrão na irmã, se pondo de frente para
Penélope. – O tio Arthur também cheira seu cabelo? Papai sempre
cheira o cabelo da mamãe.
– Rian Rabello! – Ouvimos a voz potente de Alfred atrás de
nós.
Meu sobrinho arregala os olhos e corre para os meus braços
de novo. Eu solto uma risada alta.
– Vocês dois, deixem a mulher respirar. – Letícia também
surge, ao lado do marido.
– Mamãe, eu posso bincá de Barbie com a tia Penélope? –
Vic segura a mão de Penny.
– Filha, a tia Penny não é uma boneca de verdade – Lety diz,
parando à nossa frente.
– Mas, mamãe…
– Depois do jantar, podemos pensar em algo para
brincarmos, tá bom? – Alfred fala, e a menina com chuquinhas na
cabeça, concorda.
– Victória, Rian, venham aqui – minha mãe os chama, e
ambos rapidamente vão até ela.
Penélope e eu cumprimentamos o casal.
– Seus filhos são uma graça – Penny diz, segurando minha
mão e encostando a cabeça em meu ombro.
Tento parecer o mais neutro possível, ignorando o fato de que
ela raramente toma a atitude em demonstrar afeto publicamente.
Normalmente vem de mim.
– Eles são uns capetinhas, isso sim – Letícia diz, entretanto,
tem aquele brilho orgulhoso nos olhos.
– A única coisa boa que minha cunhada já fez – provoco a
morena, que me olha com desdém.
– Melhor do que você, que até agora não fez nada de bom
pra ninguém.
Penélope ri, como sempre faz quando minha cunhada me
provoca.
– Pessoal, o jantar está servido – Larissa chama a todos, que
nos deslocamos para a sala de jantar.
A mesa enorme, lotada de pessoas, é farta. Comemos
diversos pratos, ouvimos histórias sobre a família, os amigos e o
casal. Ambas contam como estão sendo os preparativos para o
casamento e o quanto tem sido corrido e cansativo.
Nossos familiares compartilham vivências de quando éramos
crianças e sobre nossas aventuras.
O tempo inteiro em que minhas mãos estão livres, as
mantenho ocupadas com Penélope. Ora abraçando seus ombros,
ora tirando os fios dos cabelos de frente do seu rosto, ora
segurando sua mão. O tempo todo, eu a toco.
Adoraria dizer que é por encenação. Que faço para manter as
aparências, porém estaria mentindo.
Sinto uma necessidade enorme de tocá-la. A todo instante.
É aquele magnetismo, me atraindo sorrateiramente para ela.
E eu não consigo evitá-lo
Quando já havíamos terminado a sobremesa, estava
entretido com uma história que minha tia Abigail estava contando,
quando noto que Penny tem os olhos em mim.
Assim que encontram os meus, ela desvia para as nossas
mãos unidas em seu colo. Meus dedos estão sobre os seus,
fazendo uma brincadeira com suas unhas.
Ela sussurra baixinho, para que eu ouça.
– É a segunda vez que você faz isso. – Há um brilho de
divertimento, quando foca em mim. – Já tinha percebido isso?
Penso na resposta por um instante, olhando suas unhas
pintadas de rosa claro. Raspo os dedos nelas, sentindo uma
cosquinha gostosa.
Nego com a cabeça e a olho de novo.
– Não. – Sorrio, quando ela solta uma risada baixa.
– Você é estranho.
– Nunca disse que não era.
Fico admirando o sorriso lindo em seu rosto por alguns
segundos, notando o quanto sua boca fica ainda mais bonita
quando isso acontece. Na verdade, o rosto inteiro de Penélope
muda quando ela sorri. Seus olhos se fecham um pouco, o queixo
se torna anguloso, e o nariz dá uma leve enrugada na ponta.
E tem a sua risada.
Tão escandalosa quanto a minha, e mesmo que tenha ouvido
poucas vezes, ainda me lembro de como é.
Solto um suspiro profundo.
De repente, esses detalhes se tornaram mais evidentes do
que jamais foram. De repente, passei a notá-los tão facilmente, que
chega a ser assustador.
Desvio o olhar, usando a mão livre para pegar meu copo e
beber um longo gole do meu refrigerante.
Se eu não fosse dirigir, isso seria Whisky. Seria muito Whisky.
A conversa segue mais um pouco, algumas pessoas já se
levantaram, ocupadas em interagir com as noivas e seus familiares.
Um tempo depois, meus sobrinhos se aproximam de nós com as
carinhas de quem eu sei que vai pedir alguma coisa.
– Titio, a gente queria brincar com vocês dois. – Rian me olha
com os olhinhos cintilando.
– A gente quer esconde-esconde, tio Arthur. – Vic dá pulinhos
e alterna o olhar entre mim e Penélope.
Olho para a loira, que tenta segurar o riso. Nego com a
cabeça.
– Não sei se esse é o melhor momento pra isso, pirralhos.
– Ahhh, tio. Por favoooooor! – Os dois dizem juntos, com as
mãozinhas juntas em frente ao corpo.
Dou risada.
– Vocês têm que pedir pra tia Penélope. O tio faz tudo o que
ela manda.
Penny me olha com a sobrancelha arqueada, e eu lanço uma
piscadela para ela.
Preciso cumprir o papel de cadelinha, não?
– Por favor, tia Penélope. – Rian vai para frente da loira.
– Só um pouquinho, tia Penélope. – Victória tem a
capacidade de lacrimejar os olhos.
Deus, como os pais deles conseguem dizer não para isso?
Penny finge pensar sobre o assunto, fazendo ambos
aguardarem em total silêncio. Depois de torturá-los por bons
segundos, ela decreta:
– Mas é claro que brincamos com vocês.
Os dois comemoram, chamando a atenção dos pais.
– Rian? Victória? – Alfred os chama.
– Papai, o tio Arthur e a tia Penélope vão brincar de esconde-
esconde com a gente. – Rian segura a minha mão e a de Penny, e
nos puxa da cadeira.
– Crianças, o que a mamãe falou sobre importunar seu tio? –
Letícia olha com reprovação para os dois.
– Está tudo bem, Lety – a loira responde, se pondo em pé e
caminhando de mão dada com Vic. – Vamos tomar cuidado, certo?
– Sim, vamos sim. – Meu sobrinho me puxa com pressa, com
medo dos pais mudarem de ideia.
Meu irmão e minha cunhada me olham com aquele olhar de
desculpas, e eu dispenso com um aceno da mão.
Somos conduzidos ao andar de cima, com as duas crianças
tagarelando sem parar. Dou risada ao ver Penélope tentando
acompanhar tudo e sabendo que é impossível.
Os dois herdaram a personalidade da minha cunhada. Ou
seja, falam pra caralho.
Chegamos ao patamar de cima, no corredor escuro que leva
aos quartos. Todos estão lá embaixo, então aqui ficou deserto.
– Ok, quem vai começar contando? – Penny pergunta, me
fazendo olhá-la.
Seu rosto assume aquela feição assustadora de pessoa
competitiva, e eu arregalo os olhos. Ela não está levando essa
brincadeira a sério, está?
– Victória começa. – Rian aponta.
– Eu não queio começar. Eu não gosto de contar. – Ela faz
um biquinho, que me dá vontade de segurá-la em meus braços e
protegê-la do mundo.
– Começa você e depois outra pessoa. – Rian começa a
empurrar a irmã para um canto. – Conta até cem.
– Mas eu não sei contar até cem! – Vic resmunga, já
posicionada no fim do corredor.
– Conta até onde você sabe, querida – eu digo, ganhando um
sorriso largo da pequena.
A menina apoia o braço na parede, esconde o rosto na dobra
e começa a contar:
– Um… Dois… Teis… Quato…
Rian é o primeiro a se mover, saindo correndo para a primeira
porta que vê. Dou risada, achando graça da dedicação dele em
vencer a brincadeira, quando noto um vazio ao meu lado.
Olho para a minha esquerda e percebo que Penélope sumiu.
– Mas que mulher maluca – digo e me apresso para a porta
na direção oposta do corredor.
Ainda ouço Vic contando, antes de abrir a porta do cômodo.
Assim que a fecho atrás de mim, vejo Penny zanzando de um lado
para o outro, em busca de um lugar para se esconder. É um quarto,
com poucos móveis, um divã, poltronas e algumas prateleiras. Há
um guarda-roupa na parede ao lado e mais nenhuma outra porta.
Penélope cutuca a unha com a boca, com o olhar vagando
atrás de uma boa opção.
Dou risada, negando com a cabeça.
– Você só pode estar brincando, né? Penélope, é só uma
brincadeirinha com duas crianças, pelo amor de Deus.
– E o que tem? Só porque são crianças, não quer dizer que
não posso levá-las a sério. – Ela abre a porta do guarda-roupa e
sorri. – Elas sabem quando estamos fazemos isso, e não quero
magoar seus sobrinhos.
A doida levanta a barra do vestido e enfia um pé dentro do
armário. Remexe lá dentro e, em um piscar de olhos, entra.
– Mas que… – Paro em frente, vendo que o móvel é mais alto
que eu, fazendo-a caber perfeitamente. Cruzo os braços em frente
ao corpo. – E você está fazendo isso, porque se preocupa com os
sentimentos dos meus sobrinhos, não porque é uma louca
competitiva, obviamente.
Ela estala a língua e se acomoda melhor, sendo que quase
não há roupas dentro e nenhuma gaveta que atrapalhe.
– Vai ficar aí ou vai se esconder?
Solto outra risada incrédula.
– Você é maluca, Penélope.
– Prontos ou não, aqui vou eu! – Ouvimos o gritinho da minha
sobrinha de longe.
Antes que meu cérebro raciocine, a mulher agarra a frente da
minha camisa e me puxa para dentro do lugar com ela. Tropeço,
pego de surpresa, quase caindo dentro do guarda-roupa. Ela
rapidamente fecha as portas, nos deixando no escuro de dentro do
lugar.
– É só uma brincadeira…
– Xiu, fica quieto. Ela vai nos ouvir – ralha, como se
estivéssemos sendo perseguidos pelo Demogorgon, de Stranger
Things, e não pela minha sobrinha de cinco anos.
Completamente maluca.
Quando abro a boca para xingá-la de novo, ouço a porta do
quarto se abrir e me calo. A luz se acende, fazendo com que passe
pelas frestas do armário, e possibilitando que eu veja minha
acompanhante bem perto de mim.
Ficamos em silêncio, aguardando o momento em que Victória
ou nos achará ou desistirá de nos procurar.
– Você tem certeza disso? – Escuto uma voz adulta demais
para ser de uma criança.
– Tenho, amor. Não vai vir ninguém aqui.
– Você trancou a porta, né? – Reconheço a voz da Thays.
– Claro que tranquei… Agora vem aqui – Larissa fala, e por
um instante, tudo volta a ficar em silêncio.
Arregalo os olhos, sentindo um pânico passar por mim, ao
entender o que está acontecendo. Penélope me olha tão
desesperada quanto eu, tapando a boca, para abafar qualquer
ruído.
Estico o corpo um pouco para o lado e olho através da fresta
da lateral do armário.
Puta que me pariu!
Larissa e Thays estão se beijando. Se beijando com vontade.
Pela visão periférica, consigo ver Penélope também olhar
através do vão entre as portas e ficar boquiaberta com a cena.
Olho para o casal, Larissa passa as mãos pelo corpo da
mulher, ao passo que Thays agarra os cabelos loiros da noiva.
Não. Não. Não. Não.
Eu não quero ver isso. Porra. Elas são minhas amigas. Eu
não quero ver isso. Não quero ver isso.
Penso em simplesmente abrir a porta e sair, mas aí lembro
que terei que explicar porque estamos aqui, e tudo será
extremamente constrangedor.
Entretanto, são minhas amigas se pegando. Eu não posso
ver isso.
Levo as mãos à cabeça, quando elas se deixam cair sobre o
divã, ainda se beijando desesperadamente. Thays sustenta o corpo
de Lari, e não demora para tudo ficar ainda pior.
Minha amiga enfia a mão dentro do vestido da outra, e eu
fecho os olhos.
Não dá, não consigo. Pelo amor de Deus, alguém faz alguma
coisa.
A loira solta um gemido alto, me assustando tanto, que
arregalo os olhos em desespero.
E é quando me lembro que não estou sozinho nesse caralho
de guarda-roupa e olho para o lado.
O que vejo, faz meu coração parar por um segundo.
Penélope está completa e absolutamente vidrada na cena.
Olhando cada movimento, cada atitude que as duas noivas fazem
em cima daquele divã, ela não pisca.
Seu peito sobe e desce com velocidade, fazendo os seios se
destacarem a cada instante. Sua boca está levemente aberta,
ajudando na respiração. Seus olhos estão cheios de luxúria e tesão.
Penélope está com tesão.
E isso me deixa com tesão.
Meu pau contrai dentro da calça, assim que ela lambe os
lábios, para logo em seguida mordê-los.
Ela me olha.
Os mesmos olhos lascivos de desejo caem sobre mim, e eu
fico totalmente imóvel. De frente para mim, vejo o rosto corado, com
uma vermelhidão descendo do pescoço ao colo.
Engulo saliva.
Penélope tem um olhar tão sensual, que me faz imaginar
como ficaria me olhando, se eu estivesse lambendo todo o seu
corpo.
Porque eu lamberia.
Cada centímetro de pele fresca e sedosa passaria por minha
língua. Por meus dentes. Por mim.
É a minha vez de respirar com dificuldade. É minha vez de
olhá-la com desejo. É a minha vez de umedecer os lábios.
Eu beijaria seus lábios. Os beijaria lentamente. Estudando.
Explorando. Experimentando.
Quero beijar esses lábios.
É o que mais quero na vida.
– Isso… Assim… Estou quase… – Larissa solta outro
gemido, e eu sou trazido de volta à realidade.
Olho para elas de novo. O desespero volta.
– Não dá. Não posso mais fazer isso – digo e no segundo
seguinte, abro as portas.
As duas gritam de susto, porém quando vejo o seio de Thays
para fora, tapo os olhos com a mão.
Mas que merda.
– Meu Deus, o que vocês dois estão fazendo aí? – a mulher
negra pergunta.
– Mas que droga. Eu estava quase lá – Larissa tem a cara de
pau de reclamar.
– Eu sei, caralho. Eu ouvi! – grito, ainda sem ver nada à
minha frente.
– Jesus, que situação constrangedora – Penny, ao meu lado,
fala.
– Pode abrir os olhos, Arth. – Larissa ri, entretanto ainda levo
alguns segundos para fazê-lo.
Ao retirar a mão, vejo as duas me olhando com divertimento.
Saio do armário, e Penélope me segue. Essa tem o rosto
extremamente vermelho, me fazendo lembrar de como estava, a
alguns segundos atrás. Não por vergonha, mas sim por tesão.
Rosno, olhando para as duas adolescentes no cio.
– O que deu em vocês para resolverem foder quando todo
mundo está aqui?
– A gente está sem tempo, tá legal? Com as coisas do
casamento, mal conseguimos dormir, quem dirá transar. – Larissa
cruza os braços.
– Mas tinha que ser agora? – pergunto, indignado.
– Não sei se você sabe, mas essa é nossa casa, Arth. Não
era pra vocês estarem aqui – Thays rebate. – E o que vocês dois
estavam fazendo dentro do nosso guarda-roupa?
– Estávamos brincando de esconde-esconde com Victória e
Rian – Penny responde, ainda sem graça.
– Sei… E pela cara que você está fazendo, também
resolveram aproveitar o escurinho do armário, não é? – Lari nos
olha com uma cara de safada, me deixando mais puto.
– Eu não estava… Nós não estávamos… Ah, que se dane. –
Viro de costas, pronto para sair, porém me volto para elas,
apontando o dedo. – Ninguém pode saber o que aconteceu aqui. Foi
traumatizante. Entenderam?
– Não fale como se nunca tivesse visto duas mulheres
transando, Arthur – Thays debocha.
– Mas eu não quero ver vocês transando, inferno.
As duas dão risada, enquanto destranco a porta e saio pelo
corredor. Bagunço os cabelos, andando de um lado para o outro,
repassando a situação toda.
Esconde-esconde.
Guarda roupa.
Pegação.
Penélope excitada.
Penélope excitada.
Penélope excitada.
Penélope excitada.
Penélope excitada.
Penélope excitada.
Porra!
Ouço o barulho da porta se fechando e olho para trás. Penny
vem em minha direção e quando me olha, ando de encontro a ela.
– Nossa, que situação constranged… – Ela se cala, quando
agarro seu cabelo com a mão direita e a empurro contra a parede.
Seu arfar faz cócegas em meu rosto. Umedeço os lábios,
sentindo os fios sedosos do seu cabelo em meus dedos, o corpo
muito quente, quando o colo no meu, suas pupilas dilatando no
instante em que os olhos se arregalam.
Aproximo meu rosto do seu, quase tocando nossos narizes.
– Eu estou começando a ficar cansado de ficar de pau duro
com você, Penélope Duarte. – Minha voz está rouca quando falo.
– O-o quê? – A sua é um sussurro.
Minha mão escorrega do seu couro cabeludo, para o seu
pescoço e depois, para a sua garganta. Sua respiração fica mais
acelerada ainda.
– Da próxima vez que me deixar excitado desse jeito, serei
obrigado a fazer alguma coisa a respeito.
Sua boca se abre e fecha, e nenhum som sai. O furacão está
sem palavras.
E quer saber? Foda-se.
Já está mais do que claro que meu corpo a quer, e é bom que
ela fique ciente disso. Pois em algum momento, não vou conseguir
mais me controlar.
– Achei vocês. Achei vocês. – Vic surge ao nosso lado e
depois sai correndo. – Tio Arthur e tia Penélope pegos, um, dois,
três.
Ela ri e comemora, completamente alheia à minha interação
com a loira gostosa.
Solto sua garganta, ainda sem quebrar o contato visual e me
afasto. Penny tem as mãos espalmadas na parede, como se
precisasse disso para ter equilíbrio. Sorrio de lado, vendo-a respirar
fundo e fechar os olhos por um instante.
Me viro para Vic, que corre em nossa direção, e Rian junto.
– Ela me achou, tio. Vic é muito boa nessa brincadeira – ele
diz, não parecendo magoado com isso.
Minha sobrinha abre um sorriso enorme, e eu me abaixo para
depositar um beijo em seus cabelos.
– Essa é minha garota. Quem conta agora?
– Eu conto. – Penny se prontifica.
Desencostando da parede, ela anda até o outro lado, a fim de
fazer a contagem. Sem nem olhar para mim.
Sorrio mais uma vez, sentindo uma empolgação nova dentro
de mim.
Parece que as regras do jogo mudaram.
Por alguns segundos, esqueço como é respirar.
Minha mente embaraça, meu peito dói, minha pele sua frio.
Eu havia me esquecido.
Como pude me esquecer?
Achei de verdade que essa data estaria gravada em mim
como uma tatuagem permanente, e a lembrança diária fosse me
perseguir pro resto da vida.
A data está chegando. O dia da morte dele está chegando. E,
por algum tempo, eu me esqueci.
Sinto a mão delicada da minha irmã segurar a minha. É como
uma âncora para mim, e eu me sinto voltar à realidade.
Voltar a respirar.
– Penny, você está bem? – Seu rosto surge na minha frente.
Seus olhos estão marejados e preocupados comigo, fazendo
eu me odiar por isso. A última coisa que quero, é que pense que
não estou bem, que não vou ficar bem. Não quero que sofra mais do
que sei que também sofreu. Não quero que se lembre da dor. Isso
cabe a mim, apenas.
No entanto, foi ela quem me lembrou que a data cairá bem
quando estarei em Brotas, no casamento das minhas amigas. E eu
não sei como lidar com isso.
É claro, porque já não basta tudo o que vou passar naqueles
dias, ainda terei mais isso.
Respiro fundo, sentindo o aperto firme dela em minha mão.
Fecho os olhos por um instante e me concentro em me recompor.
– Estou bem, Bebê. Eu só fiquei surpresa com o fato de ter
me esquecido.
Sua testa enruga, e ela acena positivamente com a cabeça.
– Por que você acha que isso aconteceu?
Penso um pouco nos últimos acontecimentos, e a resposta
vem de imediato. Ela tem carinha de safado, pele bronzeada, mãos
grandes e tentadoras, braço tatuado e um abdome trincado.
E para completar, uma pegada assustadoramente boa, que
me deixou de joelhos bambos e calcinha molhada.
Arthur Rabello. Meu namorado de mentira.
Ele é a razão para a minha completa distração nas últimas
semanas. Além de ter que conviver com ele, ouvir suas besteiras e
conhecer sua família incrível, nossa relação está mudando.
Eu sinto isso, e isso me apavora.
Arthur é o tipo mais perigoso que existe. Mesmo que seja
arrogante, irritante e adore me provocar, tudo nele é atraente. Desde
o cabelo bagunçado de um jeito bonito, até o cheiro másculo e
gostoso que emana.
Existe uma única característica que é infalível com todas as
mulheres: homem engraçado.
Ele pode não ser muito bonito, mas se te faz rir, ele te tem.
Você dá altas risadas e quando vai ver, ele está tirando sua calcinha
e te fodendo sem dó.
O pior de tudo, é que o maldito do cara que eu odeio, não é
nem feio, para eu ter essa vantagem. Ele é lindo, insuportavelmente
gostoso e engraçado. Detesto admitir, entretanto Arthur me faz rir
como ninguém. Ele é divertido, carismático e simpático com todos. E
comigo não é diferente.
A questão aqui, é que nada disso contribui para que eu
continue odiando o homem. Quando sua presença me deixa
confortável, quando seu jeito doce com seus sobrinhos me faz
suspirar e quando sua maneira de observar tudo sobre mim me
deixa intrigada, é impossível odiá-lo.
E depois do que aconteceu quarta-feira, naquele corredor
escuro, eu sinto tudo, menos ódio.
Tesão, curiosidade, ansiedade, expectativa, sim. Ódio, não.
Pensei que conviver com ele fosse ser a segunda pior coisa
que já me aconteceu na vida, porém está sendo exatamente o
contrário.
Por isso é tão perigoso.
Não posso me permitir sentir essas coisas por ele. Por
ninguém, na verdade.
Não sou como Arthur, não sei me envolver com alguém de
forma banal. Nunca fiz isso.
Então, todo o desejo que aqueles dedos em minha garganta
e aquela voz em meu ouvido me fizeram sentir, precisa ser
ignorado. Porque eu não posso ficar com Arthur. Nunca.
Meu coração não baterá novamente. E mesmo que isso
acontecesse, ele bateria sozinho, pois aquele homem jamais
entregaria o dele para mim.
– Penélope? Está me ouvindo? – Levo um susto ao notar que
estou parada no meio do provador, olhando para o nada e distraída.
De novo. O que aquele homem tem, pelo amor de Deus?
– É… Sim – respondo, começando a tirar meu sutiã e ficando
de calcinha.
– Você não respondeu à minha pergunta. – Ela me olha,
intrigada. – Por que acha que se esqueceu da data?
– Só ando com muita coisa na cabeça… – dou uma resposta
evasiva.
Pego do cabideiro o vestido maravilhoso que escolhemos em
uma das lojas mais recomendadas da cidade. Ele é longo, rosé
gold, com lantejoulas formando vários desenhos curvos e
simétricos, alças finas e um decote coração. As costas ficam
praticamente expostas, e há uma fenda na parte da frente, no meio
do vestido.
Ele é glamuroso e vai combinar perfeitamente com a
cerimônia à noite, e ao ar livre, do casamento das minhas amigas.
Milene me ajuda a vesti-lo, e vendo o caimento perfeito em meu
corpo, sorrio para o espelho à frente.
– Deus, esse vestido é lindo, Penélope. – Milene segura meu
cabelo e o joga para trás.
– Nossa, ele é mesmo, né?
Passo as mãos pela lateral, sentindo o tecido e ficando
satisfeita por não precisar fazer nenhum ajuste. É como se tivesse
sido feito sob medida.
Nós combinamos de nos encontrar no centro da cidade, para
procurarmos nossos vestidos para o casamento. Para mim, que
serei madrinha, costuma ser muito mais difícil de achar,
principalmente com o evento tão próximo. No entanto, Milene e eu
encontramos algo logo na primeira loja em que entramos.
Eu vi esse vestido magnífico na vitrine e não pensei nem
duas vezes antes de pedir para experimentá-lo. Minha irmã provou
um vestido midi dourado e de cetim, que destaca seus olhos verdes
e abraça seu corpo perfeitamente.
Dou uma voltinha, decidindo que esse é o escolhido.
Minha bolsa vibra, e eu me estico para pegar meu celular,
enquanto Milene estuda seu look no espelho.
Peste: A reunião terminou mais cedo do que esperava. Devo
ir pra casa dormir, assistir três filmes, tomar banho de
hidromassagem e depois ir te buscar? Ou acha que não vai demorar
muito?
Dou risada e nego com a cabeça para mensagem de Arthur.
Digito uma resposta.
Eu:
Eu deveria dizer que ainda não encontramos o que
procuramos e te fazer esperar.
Levo a mão até a boca e mordisco a unha, aguardando sua
resposta. Ela vem logo em seguida.
Peste: Eu achei que você não tivesse esse nível de maldade,
mas acho que me enganei.
Rio da sua resposta e digito outra.
Eu:
Hoje você está com sorte, porque conseguimos encontrar
algo na primeira loja.
Peste: MENTIRA! Me fala agora o nome dessa loja, que
minha próxima reportagem master será com ela.
Solto uma risada alta.
Eu:
O atendimento é bom também. Deveriam investir.
Peste: Vou pensar a respeito. Então quer dizer que posso
sair daqui e que não criarei raízes enquanto te espero?
Eu:
Pode, peste. Já vou pagar e te esperar.
Peste: Chego em menos de dez minutos.
Sorrio, mandando a localização para ele e guardo o celular
de volta na bolsa.
Assim que me viro, me deparo com dois olhos verdes e
astutos em cima de mim. Viro-me de novo para o espelho, evitando
encarar minha irmã.
– Então… Como está indo essa coisa de namoro de
mentirinha entre você e Arth? – Milene diz lentamente, à medida
que vai se aproximando de mim. – Ao que me parece, ele não está
sendo mais o arrogante insuportável de antes…
Ela enfatiza minhas próprias palavras, me obrigando a olhá-
la.
– O quê? Claro que ele continua arrogante e insuportável. –
Me viro para o meu reflexo de novo, quando seu rosto fica
entediado. – Aquele ali só muda se nascer de novo, irmã.
– Pode ser, mas pelo jeito, ele vem arrancando de você muito
mais do que a paciência.
– Como assim? – Franzo a testa, e ela se posiciona atrás de
mim, para me olhar.
– Pelo que vejo, Arthur vem arrancando algo que não via há
muito tempo em você.
– E o que seria?
– Risadas. – Ela sorri, travessa e começa a tirar o próprio
vestido. – Para alguém tão intragável, Arthur anda te fazendo sorrir
muito.
Bufo, puxando o zíper do vestido, também para retirá-lo do
corpo.
– É porque ele é um palhaço e não leva nada a sério.
Assim que as palavras deixam minha boca, me arrependo.
Isso é uma baita mentira. Arthur pode ser sim, um cara cheio
de graça e que adora provocar as pessoas, mas leva muitas coisas
em sua vida a sério. Desde o trabalho, pois o fato de ter ido a uma
reunião num sábado à tarde, diz muito sobre ele, até à sua família.
O jeito carinhoso e atencioso que trata os sobrinhos é encantador, e
aquelas crianças o idolatram por um motivo.
Uma vez, eu o julguei, usando as mesmas palavras que
agora e vi seu sorriso largo e lindo sumir por completo. Posso não
ser minha melhor amiga, que tem uma empatia enorme pelas
pessoas ou minha irmã, que é observadora e perceptiva demais,
entretanto, eu também sei ler as pessoas.
E posso afirmar, com todas as letras, que o que fiz com
Arthur naquela noite, é algo que ele abomina.
E o que eu fiz agora, repetindo as mesmas baboseiras que
daquela vez, aconteceu pelo mesmo motivo.
Negação.
Olho para Milene, que tem as feições sérias. Ela sabe disso.
Sabe que o ofendi, apenas porque não quero aceitar que o que
disse é real. Que as últimas semanas, não me tiraram apenas a
paciência, mas também, sorrisos sinceros.
Respiro fundo e me viro de costas.
Minha imaturidade, me deixando envergonhada de novo.
– Quer dizer… Ele leva várias coisas a sério. Só que ele está
sempre fazendo uma piadinha aqui e outra ali – tento consertar. –
Seria impossível não rir o tempo todo com ele.
O silêncio se instala, enquanto nós duas nos trocamos. Tento
ao máximo não encanar com isso, decidindo deixar para lá e nunca
mais tocar no assunto.
Terminamos de nos vestir e paramos uma de frente para a
outra. Minha loirinha de cabelos cacheados e olhos espertos, me
estuda, tentando encontrar algo que eu ainda não sei.
Ela respira fundo e, me pegando de surpresa, me abraça. Eu
retribuo, sentindo um aperto estranho no peito. Uma certa
ansiedade. Minha irmã se afasta e segura meus ombros com
carinho.
– Fico feliz que pelo menos esteja se divertindo com essa
loucura. Espero de verdade, que no fim de tudo isso, você encontre
aquilo que mais precisa.
– E o que eu mais preciso? – questiono.
Ela não responde. Apenas me lança um sorriso grande e
cheio de certezas. Certezas essas, que eu não possuo.
Saímos de dentro do provador com os vestidos no cabide, e a
vendedora que nos atendeu, logo aparece.
– E então? O que acharam? – inquere, com um sorriso
simpático.
– Você tinha razão, eles foram feitos para nós – respondo, a
deixando com um rosto orgulhoso. – Podemos acertar? Eu preciso
sair agora.
– Claro, é por aqui.
Ela nos conduz até o caixa, e enquanto pagamos, ouvimos o
barulho do ronco de um motor muito alto. Olho para o lado de fora
da vitrine, a tempo de ver Arthur sair de dentro de um carro
esportivo.
– Meu Deus… – sussurro, ouvindo a risadinha da minha irmã.
Depois de finalizarmos tudo com a loja, deixamos os vestidos
para pegarmos um dia antes de ir para o casamento e vamos para a
saída.
Ao abrir a porta de vidro, sou recebida com uma visão
perturbadora e muito sexy.
Meu namorado falso está encostado em um Jaguar branco,
com a capota levantada. Usando uma camiseta branca, calça cinza
e sapato social, os braços cruzados em frente ao corpo, fazem as
tatuagens do braço direito se destacarem pelos músculos definidos.
Seu rosto tem um par de óculos de sol escuro, me
impossibilitando de ver seus olhos castanhos, o cabelo com a
mesma bagunça de sempre, e nos lábios, um sorriso de lado.
Meu coração dá um salto no peito, e eu preciso respirar
profundamente para acalmá-lo.
Não funciona muito.
Decido que tenho que me aproximar, sabendo que estou
parada no meio da entrada da loja. Chego e paro à sua frente.
Arthur lentamente leva a mão até o rosto e retira os óculos escuros.
Vejo seus olhos encontrarem os meus por alguns segundos, antes
de descerem por todo o meu corpo.
Engulo em seco, sentindo minha pele eriçar com o seu
escrutínio demorado. Não sei porque o homem decidiu fazer isso,
sendo que não uso nada além de um vestido branco, curto e
soltinho nas coxas. No entanto, ele me olha, centímetro a
centímetro, como se eu fosse um monumento raro, que precisasse
ser observado com cuidado.
Quando termina sua análise detalhada de mim, desencosta
do carro e vem em minha direção. Seus olhos se fixam nos meus ao
dizer:
– Oi, formiguinha. – A voz dele está mais grossa ou é
impressão minha?
– O-oi… – gaguejo, principalmente quando ele resolve me
abraçar.
Abraçar não, me engolir com esses braços enormes e
definidos. A falta de um salto alto, faz com que eu praticamente
suma no meio do seu abraço. Além de me apertar de um jeito que
nunca fez antes, Arthur enfia o rosto na curva do meu pescoço e
inspira profundamente.
Estremeço, mal conseguindo retribuir o abraço.
Jesus amado, o que está acontecendo?
Ele afasta apenas o rosto, e o sorrisinho que antes me
deixava irritada, agora me faz entender porque ele sempre
conquistou tantas mulheres.
É só sorrir, que o desgraçado te faz ter vontade de tirar a
roupa.
Afasto meu corpo do seu rapidamente, assustada com meus
pensamentos, quase me desequilibrando.
Cristo, eu estou ficando doida.
Ele apenas arqueia uma sobrancelha e foca em minha irmã,
ainda atrás de mim.
– Boa tarde, Milene.
– Boa tarde, Arth. – Ela dá uma risadinha, que me faz olhar
para ela.
– Infelizmente, você não cabe aqui… – Ele dá dois tapinhas
na lateral do carro caríssimo. – Mas se quiser, eu posso te pedir um
táxi.
– Ah, não. Não precisa. Eu ainda tenho que fazer algumas
coisas aqui pelo centro. – Ela olha dele para mim e tenta segurar o
riso. – Bom… Acho que eu vou indo então…
– Ai, meu Deus! Arthur?! – Uma voz estridente surge do outro
lado da calçada. – Há quanto tempo!
Uma mulher magrela e muito empolgada para o meu gosto,
quase sai correndo, com os saltos finos e nada apropriados para o
momento, indo para cima de Arthur.
Antes que qualquer um tenha alguma reação, a loira
oxigenada se empoleira no pescoço dele, rindo como se tivesse
acabado de ouvir a maior piada do mundo.
O homem arregala os olhos, surpreso e fica totalmente
parado, enquanto recebe o abraço.
Mas que porra é essa?
Uma raiva colossal se apossa de mim, ao vê-la dar um beijo
na bochecha dele.
Um beijo!
Na bochecha dele!
Nem eu dei um beijo nele ainda!
Que filha da puta.
Cruzo os braços, observando a cena ridícula se desenrolar.
Arthur olha para mim, e seus olhos ficam ainda maiores.
– É… – ele tenta falar, distanciando o corpo do dela.
– Você não se lembra de mim? É a Kimberly, bobinho. – E ri
de novo, ainda mantendo os braços sobre ele. – Nos conhecemos
naquele jantar, e depois…
– Então. Kimberly. Certo. É… – Ele corta o que quer que a
garota fosse dizer. Segura a cintura magra com o indicador e o
polegar, finalmente a afastando. – Que surpresa te ver por aqui…
Rapidamente, ele sai de onde está e vem para o meu lado.
Eu permaneço aqui, olhando diretamente nos olhos da magricela de
mãos bobas.
– Você não ligou e…
– Kimberly, certo? – Minha voz se faz presente, e, pela
primeira vez, ela nota minha presença. Não permito que responda. –
Se prestasse um pouquinho de atenção, notaria que Arthur está
acompanhado.
Ela alterna o olhar entre mim e ele, ficando com o rosto
corado de imediato.
– A-Acompanhado? – repete, me fazendo soltar um riso de
escárnio.
– Pelo jeito, você vive em uma caverna… Sim, acompanhado
da sua namorada – enfatizo a última palavra, apenas para não ter
que desenhar.
– Ah – é tudo o que diz, torcendo os dedos das mãos.
– E eu ficaria muito feliz se você mantivesse suas mãozinhas
longe do meu namorado.
Ela abre a boca para dizer algo, porém não dou
oportunidade. Viro-me de costas e olho para a minha irmã, que está
com o rosto extremamente vermelho e fazendo um esforço gigante
para não dar risada.
– Milene, nos falamos depois. – Ela apenas concorda com a
cabeça, e eu me viro para o idiota ao meu lado. – E você, pro carro.
– Sim, senhora. – Escuto ele responder, ao passo que ajeito
minha bolsa no meu ombro e caminho a passos largos para o meu
lado do carro. Só vejo que Arthur me acompanhou, quando estendo
a mão para abrir a porta, e ele o faz antes de mim.
Olho para o seu rosto e sinto vontade de socá-lo no mesmo
instante. Ele está sorrindo.
Abertamente.
Aperto os dentes dentro da boca e entro logo no carro.
Fico observando enquanto ele dá a volta e ignora
completamente a loirinha ainda parada na calçada.
Sábia decisão.
Depois de acenar em despedida para Milene, entra e liga o
automóvel. A irritação é tão grande, que eu demoro para perceber o
quão luxuoso é por dentro, o quanto o banco é confortável e tem
cheiro de novo.
A mão grande de Arthur surge em meu campo de visão, no
momento em que ele a estica para abrir o porta-luvas. Retira um par
de óculos de sol de dentro e depois de fechar, os oferece para mim.
Com a capota aberta, óculos de sol é imprescindível.
Pego o objeto sem olhar em seus olhos e o coloco no rosto.
Ajeito meu cabelo, ignorando a risadinha insuportável que ouço e
logo estamos em movimento.
Meus músculos continuam tensos, e a irritação não me
abandonou.
Eu sempre estive muito ciente da vida sexual ativa de Arthur,
antes mesmo de toda essa ideia de namoro fake. Então não deveria
ser nenhuma surpresa acabarmos esbarrando em alguma ex-
peguete dele, por esses meses.
Porém, isso não quer dizer que eu me sinta confortável nessa
situação.
A mulher nem ao menos deu a oportunidade de ele fazer
qualquer coisa. Já chegou logo o agarrando, como se ele fosse um
objeto sem dono. Se tivesse olhos, veria que ele estava comigo.
Estava nítido.
Tudo bem que não estamos juntos de verdade, só que essa
situação é desagradável até para mim, que não sinto nada por ele.
Mulherzinha mal educada e inconveniente.
– Eu sinto muito que ela tenha feito aquilo. – A voz de Arthur
me faz saltar de susto. Eu disse aquilo em voz alta? – Eu nem a vi
se aproximar.
– É, você também não fez muito esforço… – resmungo, ainda
evitando olhá-lo.
– Ela, literalmente, pulou em cima de mim! Não tive nem
tempo de fazer alguma coisa.
– Tá, mas precisava ter demorado tanto pra afastá-la de
você?
– Penélope, não levou nem um minuto…
– Não importa. Isso nem deveria ter acontecido, pra começo
de conversa. – Solto uma lufada de ar, irritada. – Isso vai acontecer
sempre? Porque eu não tenho tanta paciência assim, sabe.
– Sempre? É a primeira vez que isso acontece.
– E já foi o suficiente.
– Penny – ele me chama, contudo, não o olho. – Penny! –
Continuo ignorando – Penélope Duarte.
– O quê, inferno? – brado, olhando para o seu rosto, por fim.
É quando olho ao redor e percebo que estamos parados em
frente à minha casa. Nem havia notado.
Esse era nosso combinado. Hoje foi o dia escolhido para que
ele conhecesse minha mãe, então depois das compras e da sua
reunião, ele me traria para casa e faria a visita.
Os dedos calejados de Arthur tocam meu queixo, me fazendo
olhar para seu rosto, que está muito perto do meu. Sinto um
friozinho na barriga quando seus olhos, já sem os óculos, fixam
primeiro em meus lábios e em seguida em meus olhos.
Ele retira os óculos do meu rosto e sorri para mim.
De perto, o sorriso é ainda mais lindo.
Mas que droga.
– Você pode parar de ficar brava comigo por uma coisa que
eu não tenho culpa?
– Eu não… Aquilo foi…
– Uma merda? Eu sei. Eu estava lá, sendo assediado pela
mulher. – Ele arqueia a sobrancelha. – Mas o que está me
intrigando, é o seu comportamento.
– Meu comportamento?
– Exatamente.
– Meu comportamento foi mais do que adequado para uma
namorada que vê o namorado sendo agarrado por outra – contesto.
– Hum… Talvez, mas sabe o que eu acho? – Seu rosto se
aproxima mais ainda, me fazendo sentir sua respiração em minha
bochecha. – Acho que você estava com ciúmes.
Engasgo com a própria saliva, tentando rir e ao mesmo
tempo, ficar ultrajada.
– Ciúmes? Eu?
– Você. – Ele se afasta, mordendo o lábio e retirando o
celular do compartimento de bordo, o guardando no bolso da calça.
– Por que eu sentiria ciúmes de você, Arthur? – pergunto,
tendo certeza de que enlouqueceu.
Ele abre mais um de seus sorrisos largos, porém esse está
cheio de segredos.
– Você ainda não está preparada para esta conversa,
formiguinha. – E simplesmente sai do carro.
Arrogante insuportável.
Desço às pressas, respirando fundo e me preparando para
entrar no papel de namorada apaixonada.
Entramos pelo portão, e depois de fechá-lo, caminho para a
porta de entrada. Contudo, vejo que Arthur está parado no meio do
caminho, olhando para o meu carro estacionado na garagem.
Enrugo a testa e me aproximo.
– O que foi? – indago, vendo-o olhar para o veículo e para a
entrada da minha casa, confuso.
– Não é nada, é que… Sei lá. Seu carro é de uma das
marcas mais luxuosas que existem e… Não sei, vê-lo parado em
frente a uma casa tão simples, parece meio…
– Destoante? – respondo por ele, que me olha, concordando
com a cabeça.
Seu olhar se prende ao meu, entretanto, não consigo dizer
nada.
Eu sei muito bem o quão estranho isso pode parecer. Sem
falsa modéstia, eu, uma empresária rica e bem sucedida, poderia
muito bem morar em um lugar grande, em um condomínio caro da
cidade.
Só que o motivo de isso não acontecer, é mais doloroso do
que gostaria de admitir. Então eu me calo.
Não estou pronta para revelar essa parte de mim, para ele.
Seus olhos me estudam, e um leve aceno com a sua cabeça,
é tudo o que faz. Ele entende.
Arthur tem um dom surpreendente de me entender.
Dou um pequeno sorriso e me viro, para abrir a porta.
Ele me segue de perto, enquanto eu deixo minha bolsa
jogada no sofá da sala. Sinto um cheiro de café, assim que
adentramos mais.
– Essa é a casa em que eu e minha irmã crescemos com
minha mãe. Ela foi construída com o seguro que meu pai nos
deixou, assim que faleceu. – Vou mostrando os poucos cômodos,
conforme avançamos. – Uma edícula foi construída nos fundos,
depois de alguns anos, que usamos para alugar durante um bom
tempo. Mas hoje, é lá que minha mãe mora. Ela fez questão de
deixar essa parte só para mim.
– Entendi. E esse cheiro de café, vem da sua cozinha, pelo
jeito.
– Eu não podia deixar de preparar algo para alguém tão
especial para a minha filha. – Minha mãe surge na entrada da
cozinha. – Seria uma desfeita enorme.
Ela abre um sorriso caloroso quando nos aproximamos, e a
felicidade em seu rosto me faz sentir a primeira pontada de culpa
por esse arranjo com Arthur, desde quando começamos.
Ela ficará decepcionada quando tudo isso acabar.
– Não precisava fazer nada, mãe. – Ela estala a língua e
acena com um gesto de dispensa.
– Eu fiz apenas um cafezinho e encomendei uma torta no
café. Não foi nada demais. – Ela foca no homem alto ao meu lado, e
seus olhos brilham em sua direção. – E você deve ser o jornalista
riquíssimo que está namorando minha filha.
– Mãe!
Arthur solta uma risada alta e abraça minha mãe, apertado.
– É um prazer conhecê-la, dona Marta.
– O prazer é todo meu. Venham, o café já está pronto.
Entramos na cozinha, e ela nos faz sentar à mesa, enquanto
pega a torta de cima da bancada. Antes mesmo de depositá-la em
cima da mesa, eu me levanto e a retiro da sua mão.
– Mãe, isso é torta de amendoim?
Ela me olha, confusa e concorda com a cabeça.
– O que houve, ele não gosta?
Levo a torta para longe de nós, guardando-a na geladeira.
– Na verdade, dona Marta, eu sou alérgico a amendoim –
Arthur responde, fazendo minha mãe levar as mãos até o peito e
arfar de surpresa.
– Oh, céus. Eu não tinha ideia. Me desculpe.
– Imagina. Não precisa se desculpar. Não tinha como a
senhora saber.
Sua alergia ao grão foi uma das primeiras coisas que me
contou. Quando criança, foi parar no hospital depois de ingerir
apenas um punhado de amendoim, e isso quase o matou. Depois
disso, ele e a família cortaram o alimento de suas casas.
– Bom, se eu soubesse, teria preparado outra coisa. – Dona
Marta fica realmente triste.
Arthur se levanta, apenas para apoiar a mão em seu ombro e
sorri.
– Eu fico muito grato por ter se preocupado com isso. O café
já é o suficiente. Ouvi dizer que é ele o motivo do grande sucesso
da sua filha.
– Ah, bem, é uma receita de família, sabe? – ela diz, risonha
e um pouco encabulada. – Foi algo que fiz há muito tempo...
Espere. – Ela parece se lembrar de algo. – Penélope sempre guarda
alguns biscoitinhos no armário.
– Deixa que eu pego, mamãe…
– Pare com isso. Sente-se ao lado do seu homem, mocinha.
– Ela me enxota com as mãos, arrancando uma risada de Arthur e
me fazendo negar com a cabeça.
Depois de pegar os biscoitos no armário, volta para perto de
nós. Contudo, ao tentar abrir o pacote, suas mãos tremem
violentamente, a impedindo de fazê-lo. Antes que eu faça qualquer
movimento, Arthur posiciona delicadamente as mãos em cima das
dela, parando seus movimentos.
– Deixa comigo, sogra. – E lhe lança uma piscadinha. –
Então… Ouvi falar que a senhora gosta de xadrez.
- Xadrez? Ah, sim. Eu adoro. Jogo desde quando era criança.
– Ela se distrai com o que diz, ao passo que ele retira o pacote de
sua mão e o abre.
Assisto Arthur engatar em uma conversa descontraída com a
minha mãe, sem desviar o olhar do dela. Meu coração se aperta ao
notar a forma como foi atencioso com relação às dificuldades dela e
em como lidou com a situação de uma forma que a deixasse
confortável.
Um bolo se forma em minha garganta, e é difícil de conter as
emoções. As pessoas costumam olhar com pena para os dedos
tortos da minha mãe e a encher de perguntas que, muitas vezes,
são inconvenientes. Ela lida com esse tipo de coisa há anos,
contudo, nunca foi uma situação agradável para ela. Principalmente
quando as pessoas não sabem como lidar com isso.
Só que Arthur, mais uma vez, sabe exatamente o que fazer.
E isso não deveria mexer tanto comigo.
A conversa se desenrola, conforme comemos os biscoitos e
tomamos o café de Dona Marta. Ela está sempre gargalhando das
coisas que Arthur fala, me fazendo sorrir para a interação dos dois.
A maneira como o homem consegue deixar qualquer pessoa
confortável em sua presença, é surreal. Não há assunto que ele não
consiga conversar ou pessoa com quem não consiga lidar.
Arthur é o tipo de pessoa que todo mundo gosta.
Mesmo que sempre solte uma besteira atrás da outra, seu
jeito engraçado é cativante.
Uma hora depois, ele se levanta, anunciando que precisa ir.
Algo me diz que a desculpa de ter que ir para casa é mentira, e ele
está fazendo isso apenas para que minha mãe descanse.
– Tão cedo? Por que não fica para o jantar? – ela pergunta,
se levantando também.
– Eu prometo que outro dia, eu venho só pra experimentar
sua comida – responde, sorrindo e lhe dando um abraço.
– Eu vou cobrar. Quem sabe, agora minha filha trabalhe
menos e venha para casa mais cedo – alfineta.
Arthur ri, e eu nego com a cabeça.
– Está certo, está certo. Eu te acompanho até a porta – digo
para ele.
– Tchau, Dona Marta. Obrigado de novo pelo melhor café que
já tomei na vida.
A senhora ri, com as bochechas coradas.
– Por nada, querido. Espero te ver em breve.
– Se me oferecer esse café de novo, eu volto amanhã.
Ela joga a cabeça para trás, soltando uma gargalhada alta e
me levando junto.
A deixamos na cozinha, enquanto o levo para fora. Já no
portão, ele do lado de fora, e eu de dentro, Arthur me olha nos
olhos, ainda com o sorriso no rosto.
– Sua mãe é um amor de pessoa. Espero realmente
conseguir jogar aquela partida de xadrez que prometi.
Solto uma risada de escárnio.
– Boa sorte com isso.
– Por quê? – Me olha, intrigado.
– Aquela ali é pior do que eu. – Sorrio, quando fica mais
confuso. – De quem você acha que herdei o jeito competitivo?
Arthur dá risada, quando entende o que quero dizer.
– Ótimo. Já não basta você, ainda tenho que aguentar mais a
minha sogra.
– Não é tão ruim assim, vai.
– É ruim quando essa competitividade doentia me obriga a
ficar preso dentro de um guarda-roupa e me enfiar em uma situação
traumatizante. Se bem que… – Seu olhar cai em minha boca, e
minha respiração fica presa na garganta. – Nem tudo foi tão ruim
naquela noite, não é, formiguinha?
Engulo em seco e tento controlar a respiração, que fica
desregulada com o tom de voz rouco que usou.
– N…Não aconteceu nada demais naquela noite.
– Infelizmente não. – Ele se aproxima, segura minha cintura
com uma mão e afasta meus cabelos do ombro com a outra. Seu
lábio toca a minha orelha, à medida que sussurra. – Mas eu adoraria
que muitas coisas tivessem acontecido.
Ele me puxa mais, grudando meu corpo no seu e desce o
rosto até o meu pescoço. Seus lábios desenhados deixam um beijo
na minha pele, me arrepiando inteira.
– O-o que está fazendo? – sussurro, perdendo o controle da
voz.
Arthur carrega um sorrisinho sedutor, quando me olha nos
olhos.
Um sorrisinho que não o via usar para mim, há muito tempo.
– Estou mudando as regras do jogo, formiguinha. – Ele
umedece os lábios. – Mudando para um modo que nós dois
queremos.
– Do… do que você está falando?
– Você sabe do que estou falando. Você me quer, do mesmo
jeito que eu te quero. – Abro a boca, mais do que pronta para negar,
mas ele me impede. – E antes que diga qualquer coisa, é só checar
a sua calcinha. – E pisca para mim.
Sem conseguir me conter, remexo minhas pernas,
comprovando o que ele diz. Sinto meu rosto esquentar.
De raiva.
De vergonha.
De tesão.
Desgraçado.
Arthur sorri, se afastando logo em seguida e destravando o
carro.
– Espero que esteja pronta para o que está por vir, loirinha. –
Ele entra no carro, fechando a porta e descendo o vidro.
– E o que está por vir, Arthur? – pergunto, entredentes,
mortificada e enfurecida.
– Eu, você e sua boca na minha. – Liga o carro e sai,
cantando pneu.
Filho da puta!
Essa semana foi muito estranha.
No sábado, depois do que Arthur disse, me convenci de que
ele estava fazendo só mais uma de suas gracinhas, e que no fim,
me deixaria em paz até que tivéssemos que nos encontrar de novo.
Ledo engano.
Ao que tudo indica, ele está mais do que determinado a
seguir com o seu plano ridículo de ficar comigo.
Começou com uma indicação do meu café para uma
recepção que aconteceria em uma galeria de artes na cidade.
Depois de receber a encomenda, vimos que seria um evento
extremamente lucrativo e que divulgaria a cafeteria para outras
empresas, então topamos.
Quando fui ao local, para checar tudo e agradecer o cliente
pela oportunidade, descobri que foi Arthur que falou sobre a minha
empresa.
Até aí, tudo bem.
Só que, na quarta-feira, eu recebi cinco currículos de
assistentes pessoais, todas muito bem recomendadas e com boa
experiência. Não havia me tocado de que isso era obra dele, até
que recebi sua mensagem dizendo que ele sabia que eu não havia
ido atrás de nenhuma assistente e que tomou a liberdade de
selecionar as melhores opções para mim.
Na quinta-feira, cheguei em casa no final da tarde, e ele
estava sentado na minha varanda, jogando uma partida de xadrez
com a minha mãe e rindo das histórias constrangedoras que ouvia
sobre mim. Jantou a comida dela e ao ir embora, deixou um beijo
molhado na minha bochecha e cochichou no meu ouvido que eu
estava cheirosa demais para alguém que tinha trabalhado o dia
todo.
Na sexta, foi ainda pior.
Ele me mandou sais e hidratantes corporais para banho, pois
eu havia comentado com a minha mãe no dia anterior, que os meus
haviam acabado. Só que não era qualquer produto. Eram de uma
marca francesa que eu nunca tinha ouvido falar, e que, quando
experimentei, levei uma hora e meia para sair da banheira, de tão
fantásticos que eram.
Agora, sábado no final da tarde, estou parada, olhando para
o entregador à minha frente, enquanto seguro um pequeno buquê
de margaridas coloridas em frente ao meu rosto.
Eu estou parada feito uma estátua, pensando que o homem
enlouqueceu de vez.
– Então… A senhora não quer as flores? – O rapaz me olha
de um jeito estranho.
– Eu… Eu… Eu nunca contei que gostava de margaridas… –
murmuro.
– O quê? – O moço alterna o olhar entre as flores e eu, e me
toco de que estou falando sozinha, e ele provavelmente me acha
maluca.
– É… Sim, eu vou querer as flores sim. – Sorrio, sem graça. –
Obrigada.
– Não tem de quê. Só assine aqui, por favor.
Ele me entrega a caneta, e depois de eu assinar a prancheta,
vai embora.
Fecho a porta da minha sala e permaneço onde estou.
Olhando para as flores em minhas mãos, sinto um frio na boca do
estômago e um turbilhão de pensamentos.
Por que ele está fazendo isso?
Não é possível que seja só porque percebeu agora que eu
sou atraente e me tornei seu próximo alvo.
Ele, com certeza faz isso com todas as mulheres com quem
quer ficar.
Mas, flores? Presentes?
Não sei porque, porém eu sinto que isso não é a cara do
Arthur.
E o que eu estou pensando, meu Deus…
– Nossa, que flores mais lindas. – A voz da minha mãe chega
aos meus ouvidos.
Giro os pés, olhando-a no fim do corredor. Ela segura um
prato, com um guardanapo de pano por cima. Vou até ela, e assim
que meus pensamentos confusos se aquietam, sorrio para o
embrulho de papel em minhas mãos.
As flores são lindas, as minhas favoritas. O buquê não é tão
grande, entretanto é delicado e bem colorido.
Droga, eu adorei.
– São muito bonitas, não são? – Chego próximo a ela, que
tem um olhar apaixonado para as flores.
– Imagino que seja presente do seu namorado, certo? – Ela
me olha, cheia de atrevimento.
Dou uma risada e entro na cozinha, para buscar um vaso.
– Sim, mãe. É do Arthur. – Pego um em formato de gota e
encho com um pouco de água. – Quem mais mandaria minhas
flores favoritas?
Rio, só que é de nervoso. Não faço ideia de como ele
descobriu isso, e minha cabeça está muito bagunçada para tentar
entender.
É uma pena pensar que todos esses esforços, sejam em vão.
Não há a menor chance de me envolver com o Arthur. São
tantos motivos, que eu poderia fazer uma lista.
Misturar as coisas é imprudente.
Não estou pronta para me relacionar de novo.
Ele, com certeza, não vai querer ficar apenas nos “beijos”.
Transar com Arthur está fora de cogitação.
Eu não sei fazer sexo casual.
E eu o odeio.
Esses são apenas alguns dos motivos pelos quais eu não
posso, de jeito nenhum, em hipótese alguma, ficar com Arthur.
Ele é lindo? Pra caramba. Me faz rir como ninguém? Com
certeza. Tem um corpo fora de sério? Sem comentários.
Provavelmente faria o melhor sexo da minha vida? Não tenho
dúvidas. Sua boca, mãos, pescoço, braços e todo o resto são muito
tentadores? Minha calcinha que o diga.
No entanto, eu não vou ficar com ele.
De jeito nenhum.
Arthur está em um nível tão acima do meu, que simplesmente
não funcionaria.
Ele não teve o coração quebrado – até onde eu sei –, não
possui inseguranças ou ressalvas e, principalmente, não sairia
prejudicado desse arranjo.
Muito diferente de mim, que com certeza sairia toda ferrada
dessa história.
Então, está mais do que decidido, não vou beijar o Arthur.
Nunca.
Olho para o buquê, que terminei de desembrulhar e coloquei
no vaso. Em uma outra realidade, numa em que eu não tivesse
tantos poréns e muito mais possibilidades, eu realmente daria uma
chance a ele.
Em uma realidade, onde eu não chorasse quase todas as
noites pelas minhas perdas ou que eu não me sentisse um fracasso
e culpada por todas elas ou que eu não morresse de medo de dizer
sim a uma nova tentativa de me relacionar.
Nessa outra realidade, eu amaria tudo o que Arthur faz, tiraria
o máximo de proveito disso e seguiria intacta e feliz.
Contudo, a minha realidade não é essa. A minha é muito
mais dolorosa, difícil e cheia de arrependimentos. Não preciso de
mais um para lista.
– Filha? Está tudo bem? – Marta toca meu braço, com
delicadeza e surge em meu campo de visão.
Pisco os olhos algumas vezes, afastando qualquer resquício
de dor e sorrio.
– Estou bem sim, só muito contente por ter recebido as flores.
Ela me estuda por alguns segundos e depois sorri de volta.
Segura o vaso nas mãos e o admira.
– Estou tão feliz que você tenha arrumado um moço bom.
Achei que nunca mais veria aquele olhar em seu rosto de novo.
– Que olhar? – pergunto, sentindo meu coração errar uma
batida.
– O mesmo olhar que ele tem pra você, querida. – Ela
deposita o vaso no meio da mesa e me olha de volta. – O olhar
apaixonado.
Minha garganta trava, e eu me concentro em sorrir, mesmo
que sinta meu corpo todo esquentar.
Não há nenhum olhar apaixonado, porque nenhum de nós
está nem perto disso.
Mas isso é uma coisa boa, né? Quer dizer que Arthur e eu
estamos fingindo muito bem.
Muito melhor do que imaginei, na verdade.
Porém, é apenas isso.
Fingimento.
Me inclino e deixo um beijo na testa da minha mãe.
– Vou tomar banho e começar a me arrumar. – Olho para o
prato que ela deixou no balcão. – O que é isso?
– A torta de pêssego que prometi que faria para o Arthur. –
Ela sorri, olhando para o prato. – Ele disse que é uma das suas
favoritas no café, mas que gostaria de experimentar uma feita por
mim. Entregarei quando vier aqui de novo.
Dou risada.
– Mãe, a senhora não tem noção da lombriga que vive dentro
do estômago do Arthur. – Saio da cozinha, rumo ao meu quarto. –
Se continuar assim, ele vai dar prejuízo.
Despedida de solteiro.
Nunca cheguei a fazer uma quando estava noiva, pois não
tínhamos escolhido uma data do casamento. Sendo assim, não tive
tempo de usar o pretexto de que estava saindo do grupo dos
solteiros, para me divertir com minhas amigas.
Muitas coisas aconteceram, e divertimento era a última coisa
em minha mente.
Entretanto, as noivas resolveram fazer uma, antes que
fôssemos para a viagem. Não será algo que envolva dançarinos
seminus, para a total infelicidade de Letícia, que estava
empolgadíssima com isso. A morena contou que estava grávida de
Rian na época e que não teve pique para fazer uma.
Thays e Larissa resolveram que seria alguma coisa divertida
e sem danças, e sem gogo boys.
Acho que nem me lembro da última vez em que fui em um
karaokê. Essa foi a escolha das duas, e confesso que estou até
empolgada para isso.
Preciso beber um pouco, relaxar e talvez, dar algumas
risadas.
As semanas têm sido corridas demais, comigo precisando
deixar as coisas o mais encaminhadas e organizadas possíveis,
para os dias que estarei fora.
A campainha toca, e eu corro para frente do meu espelho de
novo. Escolhi vestir uma saia curta, justa, de cor preta e com uma
pequena fenda na lateral. Uma camisa social branca, que
desabotoei os primeiros botões, criando um decote. Nos meus pés,
tenho um scarpin vermelho, que ganhei da Diana em um
aniversário. A baixinha é louca por saltos altos.
Resolvi deixar os cabelos lisos e soltos, brincos de pérola nas
orelhas, e maquiagem destacando meus olhos. A noite está em um
clima gostoso, então acredito que o look seja o suficiente. Pego
minha bolsa pequena e penduro a alça no ombro.
Me olho mais uma vez, respirando fundo e sentindo um
nervosismo muito incomum.
Não sei o motivo, mas estou ansiosa para ver Arthur, depois
de uns dias sem fazê-lo. Não faço ideia do que dizer sobre os
presentes, e isso me deixa inquieta.
– Vamos lá, Penélope. É só o Arthur – digo para o meu
reflexo no espelho e finalmente saio.
Quando abro a porta da entrada, fico, mais uma vez,
impactada com a minha visão.
Arthur entrou pelo portão, que estava aberto, e está
encostado no batente da minha porta.
Usando uma camisa social branca, com as mangas dobradas
até o cotovelo, calça jeans preta e sapatos sociais da mesma cor,
Arthur está um verdadeiro gostoso.
O que é bastante ruim. Não consigo dizer nada, enquanto
vejo seus olhos passearem por meu corpo inteiro e depois,
pousarem nos meus.
Seu olhar é intenso, e a forma como umedece os lábios, me
faz olhar para eles. A parte superior é um pouco mais fina do que a
inferior, o que contribui para que seu sorriso seja tão bonito.
Seu cheiro másculo está mais evidente, fazendo minha
cabeça girar.
Deus, eu estou ferrada.
– Boa noite, loirinha. – Ele usa aquele tom de voz sedutor e
irritante.
– Boa noite, Arthur. – Remexo-me no lugar, não conseguindo
ficar parada.
– Recebeu meu presente? – pergunta, ainda todo relaxado
no umbral da porta, com as mãos nos bolsos da frente da calça.
– Sim, Arthur. Eu recebi todos os presentes…
Ele abre um sorriso largo e brilhante, e eu desvio o olhar.
Droga, o que está havendo comigo?
– E o que achou das flores? – Volto a encará-lo. – Pensei que
algo colorido seria legal. Eu mesmo fui à floricultura escolher.
– Minha mãe adorou. Disse que são muito lindas.
– E o que você achou, Penny? – Ele me encara
profundamente.
Suspiro.
– A verdade? – questiono.
– Sempre – responde.
– Eu adorei as flores. Margaridas são as minhas preferidas,
mesmo que não tenham um cheiro muito bom. – Não consigo conter
meu sorriso, quando ele me olha, feliz. – Elas são lindas.
– Que bom que gostou.
Estreito os olhos para ele.
– O que acha que vai conseguir, fazendo tudo isso?
– Você.
Sua resposta é tão rápida, que me deixa sem fala.
Ele não pode fazer isso, não pode dizer essas coisas assim.
– O que deu em você? – indago, depois de alguns segundos.
– Não sou como as mulheres que passaram por sua vida, que vai
cair em seus encantos por causa de flores e sais de banho.
Ele solta uma risadinha e aproxima o rosto de mim. Prendo a
respiração, quando ele abre a boca.
– Você acha que eu dei flores pra alguma outra mulher na
minha vida, Penélope? – Não respondo, não consigo. – O máximo
que eu fiz, foi flertar, me exibir um pouco, e já foi o suficiente para
tê-las em meus braços. – Sua fala me traz um sentimento de raiva.
– Não farei o mesmo com você, formiguinha. Sei que não a terei,
apenas porque sou bonito e bilionário. Com você, eu preciso me
esforçar mais, tentar mais. E só então, a terei.
– M-Mas quem disse que eu quero você? – Pigarreio, quando
minha voz falha. – Nosso acordo não inclui esse envolvimento, e eu
não estou interessada em você.
O sorriso em sua boca é diabólico, dessa vez. Sinto sua mão
direita descer até minha cintura e sua respiração fazer cócegas em
meu ouvido, quando aproxima o rosto dele.
– Nunca houve acordo nenhum sobre beijar sua boca,
formiguinha. – Esfrega o nariz em minha orelha. – E nós dois
sabemos que é mentira. Você está louquinha pra tirar uma
casquinha de mim.
– E-eu n-nem gosto de você… – Seguro um gemido no
momento em que seus dentes mordiscam o lóbulo da minha orelha.
Estremeço.
– Mentirosa – sussurra e se afasta. – Vamos, já está todo
mundo nos esperando.
Simplesmente se vira e volta para fora.
Meu coração está disparado, e eu levo alguns segundos para
processar o que acabou de acontecer.
Cristo, eu estou muito ferrada.

O lugar é uma mistura de barzinho com karaokê. Com


iluminação quase toda em luzes de LED coloridas, um palco do
outro lado do salão para as performances da noite, mesas redondas
espalhadas, o “Max Karaokê” está cheio.
Assim que chegamos, vemos a mesa com Thays e Larissa,
Letícia e Alfred, Rafaela, Gustavo, Luiza e Fernanda, que são
amigos das noivas, que conheci no jantar de noivado.
Como não é uma despedida de solteira tradicional, os
homens foram convidados a participar. De mãos dadas, seguimos
até a mesa deles, ouvindo a mulher da vez cantar “Evidências” de
Chitãozinho e Xororó.
Um clássico.
– Meu casal favorito! – Letícia brada, com as mãos para o
alto.
– Boa noite a todos. – Sorrio e depois cumprimento cada um,
com Arthur me acompanhando.
– Ei! Você tinha dito que nós somos seu casal favorito. –
Larissa tem os braços cruzados, olhando de cara feia para a
morena.
Thays, ao seu lado, dá risada.
– Nós perdemos esse posto quando Arthur resolveu parar de
ser um canalha e finalmente namorar alguém. – Todos da mesa dão
risada, e Arthur revira os olhos.
– Eu não sou um canalha. – Ele se senta, e eu tomo o lugar
ao seu lado.
– Claro que não. Só transou com metade da cidade. – Larissa
arqueia a sobrancelha.
– Você só precisava encontrar alguém com culhões para te
encoleirar, moleque – Alfred diz, olhando para Arthur por cima do
copo de Whisky.
– Parece que isso é de família – ele responde, sorrindo de
modo travesso.
– Meu marido se rendeu por mim logo depois do nosso
primeiro beijo – ela olha para Alfred, ao dizer isso. – Ficou tão
obcecado, que mal dormia à noite, até me encontrar de novo.
– E depois que te encontrei, continuei sem dormir à noite. – O
casal abre um sorriso safado um para o outro, nem ligando para o
restante da mesa.
– Urgh! – Arthur faz um som de ânsia de vômito, fazendo
todos rirem.
Letícia retribui, mostrando a língua para o cunhado.
– Beleza, quem vai ser o primeiro a cantar essa noite? – Lari
bate palminhas, olhando ao redor.
– Amor, todo mundo sabe que vai ser você – sua noiva
responde.
– Sua voz é linda, amiga. Estou doida pra te ouvir cantar de
novo – falo, sorrindo para a loira.
Todos na mesa a incentivam, e sem demora, ela puxa o
aplicativo do karaokê no celular e seleciona uma música.
Enquanto esperamos a fila de pessoas se apresentarem,
conversamos, comemos alguns petiscos e damos risada de tudo.
Minha taça de Margarita chega, e eu bebo com gosto, suspirando
quando o álcool desde por minha garganta.
Levo bons minutos até perceber que Arthur está fazendo
aquilo de novo. Seus dedos estão segurando os meus
delicadamente, raspando em minhas unhas. Tento conter o sorriso,
mesmo que o gesto seja, no mínimo, intrigante.
Depois de quase dez minutos, Larissa finalmente sobe ao
palco. Arthur solta um grito de comemoração, quando as batidas de
“Rosa”, música de Anitta com Prince Royce, começa. A loira aponta
o dedo para ele, que faz o mesmo para ela, me fazendo rir. A voz
dela é realmente muito bonita. Cantada em um espanhol impecável,
a mulher não desafina nenhuma vez.
As pessoas ao redor a assistem sorrindo, admiradas com a
performance. Quando termina, recebe os aplausos com uma
reverência teatral e muito a cara dela.
– Agora é a sua vez, Arthur – Thays diz, me fazendo olhá-la
com espanto.
– O Arthur? – meu questionamento sai meio incrédulo.
– O que foi, formiguinha? Acha que não sei cantar? – Ele
sorri para mim de lado, fazendo meu estômago se revirar.
– Vai me dizer que nunca ouviu seu macho cantando, Penny?
– Lety diz ao meu lado.
Nego com a cabeça.
– Ele ainda não me mostrou esse talento.
– Bom, se você já não estivesse apaixonada pelo meu irmão,
você ficaria depois de ouvi-lo cantar. – Alfred me olha e depois pisca
para o irmão.
Arthur estreita os olhos para ele e depois balança a cabeça
em negativa.
– Deixa eu ver o que tem de bom aqui. – Puxa o celular do
bolso, para escolher a música e entrar na fila. Quando tento ver o
que vai selecionar, ele tira o celular da minha vista. – Não, não, não.
É surpresa.
Olho para ele com tédio, mas deixo que escolha. Quando
finaliza, deixa o celular na mesa e volta a prestar atenção em mim.
O sorrisinho em seu rosto, me deixa levemente preocupada com o
que esse homem escolheu.
Mais um tempo se passa, até chega a vez dele de subir ao
palco. Todos nos viramos para lá. Seguro meu drink e tomo um gole,
ao mesmo tempo que sinto um frio na barriga.
Já no local indicado, Arthur se posiciona em frente ao
pedestal com o microfone sem fio. Ele fecha os olhos, e
inacreditavelmente todo o karaokê fica em silêncio, como se
esperassem uma apresentação fenomenal.
– Isso vai ser muito bom… – Letícia diz, sorrindo de orelha a
orelha.
Não tenho tempo de pensar no que diz, pois a música logo
começa. Eu só não estava preparada para isso.
Birds flying high, you know how I feel
Pássaros voando alto, você sabe como eu me sinto
Sun in the sky, you know how I feel
Sol no céu, você sabe como eu me sinto
Breeze driftin' on by, you know how I feel
Brisa passando, você sabe como eu me sinto
Com uma voz rouca e espetacular, Arthur canta as primeiras
estrofes da música “Feeling Good”, na versão de Michael Bublé. De
olhos fechados, perfeitamente afinado e pronunciando um inglês
impecável, ele canta sem ao menos olhar para a tela, que mostra a
letra da canção.
Meu coração começa a disparar, e minha respiração acelera.
As pessoas assobiam e vibram, conforme a música vai avançando.
It's a new dawn
É um novo amanhecer
It's a new day
É um novo dia
It's a new life for me
É uma nova vida para mim
Um pouco antes de chegar ao refrão, ele abre os olhos e olha
diretamente para mim. Sorri de lado e canta as próximas palavras
concentrado em mim. Engulo em seco.
And I'm feeling good
E estou me sentindo bem
I'm feeling good
Estou me sentindo bem
Todos ao redor gritam para ele, jogando os braços para o
alto, batendo palmas e assobiando.
Estou completamente chocada. Não consigo me mover.
Minha respiração fica cada vez mais pesada, meu corpo esquenta, e
meu coração acelera, de um jeito que não fazia há muito tempo.
Sinto uma adrenalina percorrer por cada pedaço de mim,
assistindo Arthur tirar o microfone do pedestal e performar como se
fosse um cantor profissional.
Fish in the sea, you know how I feel
Peixe no mar, você sabe como eu me sinto
River running free, you know how I feel
Rio correndo livre, você sabe como eu me sinto
Blossom on the tree, you know how I feel
Flores na árvore, você sabe como eu me sinto
It's a new dawn
É um novo amanhecer
It's a new day
É um novo dia
It's a new life for me
É uma nova vida para mim
And I'm feeling good
E estou me sentindo bem
Dragonfly out in the Sun
Libélula sob o Sol
You know what I mean, don't you know?
Você sabe o que eu quero dizer, não sabe?
Butterflies all havin' fun, you know what I mean
Todas as borboletas se divertindo, você sabe o que eu quero dizer
Sleep in peace when day is done, that's what I mean
Dormir em paz quando o dia termina, é isso que eu quero dizer
And this old world is a new world
E este velho mundo é um novo mundo
And a bold world for me
E um mundo corajoso para mim
Oh, for me
Oh, para mim
A música entra no breaking down[13], e o que acontece a
seguir, me faz prender a respiração.
Arthur apoia uma mão no chão e desce do palco. Ao som dos
gritos de todos ao redor, caminha a passos decididos em minha
direção. Alguém tira minha taça de Margarita da minha mão, ao
passo que ele se aproxima cada vez mais.
Completamente hipnotizada pelo caminhar do homem, noto o
sorrisinho sacana que carrega no rosto. Quando finalmente chega
até mim, puxa minha mão direita, me pondo de pé.
Com ele olhando em meus olhos e caminhando de costas,
quase tropeço nos meus próprios saltos, conforme me leva até a
frente do palco. Os gritos se tornam mais altos, fazendo minha
cabeça girar, e meus joelhos quase perderem a força.
Sem me dizer uma única palavra, Arthur me posiciona de
frente para o palco, no centro de tudo. Solta minha mão, apenas
para pegar uma cadeira vazia e colocá-la atrás de mim.
Com delicadeza, me empurra para trás, me fazendo cair de
bunda no assento. Não faço nada. Apenas me deixo ser conduzida
por essa loucura.
O homem abre um pouco as pernas e se posiciona na minha
frente, deixando minhas pernas no meio das suas e se sentando no
meu colo.
Berros e mais berros são ouvidos, quando começa a dançar
praticamente em cima de mim. Arthur segura as minhas mãos e as
arrasta até a sua bunda durinha.
Para o meu total desespero, seu quadril começa a rebolar em
cima de mim, lentamente, enquanto minhas mãos seguem seus
movimentos. Sem realmente deixar o peso em cima de mim, ele
rebola para frente e para trás, fazendo um lap dance perfeito e
quase arrancando meu coração do peito.
Ainda posicionado sobre minhas pernas, ele volta a cantar.
Stars when you shine, you know how I feel
Estrelas quando você brilha, você sabe como eu me sinto
Scent of the pine, you know how I feel
Aroma do pinheiro, você sabe como eu me sinto
Sua voz é potente e grossa, e não vacila em nenhum
momento. Se já não fosse um jornalista muito bem sucedido, eu o
convenceria a ser cantor.
Arthur segue se remexendo de um lado para o outro de forma
lenta e sensual. Minha boceta pisca, quando olho para seu rosto e o
vejo completamente focado em mim.
Ele canta cada palavra e faz cada movimento perfeitamente
calculado, e sua total atenção é minha. Ignora os gritos, assobios e
a reação de todos ao redor, como se esse fosse um show particular,
e só existíssemos nós dois aqui.
De repente, percebo que algumas mulheres tentam chamar a
minha atenção, e eu não sei como, mas consigo desviar o olhar do
homem grudado em mim e as olho.
Elas falam, só que com a música alta, eu não as ouço,
apenas vejo os seus gestos. Todas dizem, desesperadamente, para
que eu passe as mãos pelo corpo do Arthur.
O quê?
Elas usam as mãos no ar para me mostrar o que fazer, e eu
desvio o olhar para Arthur de novo.
Eu não vou fazer isso.
Eu não vou fazer isso.
Eu não vou fazer isso.
Eu faço isso.
Mais uma onda de gritos viaja por todo o lugar quando, com
as mãos trêmulas, as espalmo por cima da camisa dele, na região
da sua barriga.
Oh, freedom is mine!
Ah, a liberdade é minha!
And I know how I feel
E eu sei como eu me sinto
It's a new dawn
É um novo amanhecer
It's a new day
É um novo dia
It's a new life
É uma nova vida
As veias em seu pescoço ficam visíveis à medida que vai
cantando com mais fervor. Como se tivessem vida própria, minhas
mãos passeiam por sua barriga, me permitindo sentir os músculos
definidos do seu abdome. Meu corpo está completamente tenso, e
eu preciso respirar pela boca, não sentindo ar suficiente entrar em
meus pulmões.
Penso em tirar as mãos dali, antes que eu entre em
combustão instantânea, mas Arthur tem outros planos.
Sem que eu tenha tempo de assimilar qualquer coisa, ele
levanta a sua camisa e enfia uma mão minha por dentro dela. Os
gritos ao redor são ensurdecedores, só não são mais altos do que o
caos dentro da minha cabeça.
Misericórdia. Como é gostoso!
Eu já vi esse homem sem camisa, porém nada se compara a
sentir com as minhas próprias mãos sua pele quente, levemente
suada e macia. O desgraçado me ajuda a passear meus dedos por
seu corpo, dançando e cantando, e segurando minha mão no
processo.
Minha boca seca e ao mesmo tempo saliva, e eu decido fazer
algo. Alguma coisa que faça com que fique tão desestabilizado
quanto eu.
Raspo minhas unhas por sua pele, e o estremecimento do
corpo dele, não tem nada a ver com suas danças.
Por alguns segundos, o filho da mãe morde o lábio e me olha
com desejo puro em seus olhos castanhos. Umedeço os lábios e
não penso.
Deixo que meu instinto domine meus sentidos e aproveito o
máximo que posso dessa oportunidade.
It's a new dawn
É um novo amanhecer
It's a new day
É um novo dia
It's a new life
É uma nova vida
De repente, ele tira minha mão lá de baixo e, me pegando
completamente desprevenida, apoia um joelho no chão, se
ajoelhando na minha frente. Cantando os últimos versos da canção,
joga a cabeça para trás em cada batida instrumental da música e
leva o público à loucura.
It's a new dawn
É um novo amanhecer
It's a new day
É um novo dia
It's a new life
É uma nova vida
It's a new life for me
É uma nova vida para mim
And I'm feeling good
E estou me sentindo bem
Nos últimos versos, ele se levanta, se inclina para pegar
minha mão direita e depositar um beijo nos nós dos meus dedos.
Me engolindo com o mesmo olhar intenso, pisca um olho para mim
e me dá as costas. Vejo sua bunda durinha caminhar de volta para o
palco, conforme vai encerrando a música.
Levo minha mão até o peito, genuinamente preocupada com
a possibilidade do meu coração sair pela boca.
A canção finalmente encerra, e as pessoas do lugar gritam e
o aplaudem fervorosamente. O safado sorri, ainda me olhando,
antes de se inclinar em uma reverência.
E, ainda ouvindo os gritos ao redor, minha percepção volta.
Arthur fez um show para mim.
Como a porra de um gogo boy, que só faltou tirar a roupa na
frente de todos, ele rebolou em cima de mim e cantou olhando em
meus olhos.
Minha respiração falha, e eu arregalo os olhos, ao me tocar
do que eu fiz.
Eu passei as mãos pelo seu corpo, como se isso fosse a
coisa mais natural do mundo.
Um desespero nasce dentro de mim, e começo a sentir raiva
de tudo. De mim, do meu descontrole, do Arthur e da forma como
me manteve sob seu domínio, sem nenhuma dificuldade.
E, principalmente, da minha calcinha molhada, e do desejo
que faz minha boceta latejar.
Eu passei as mãos no corpo do Arthur.
Do Arthur!
Meu Deus, o que foi que eu fiz? O que foi que eu fiz?
Levanto-me em um pulo da cadeira e caminho a passos
largos para os fundos do lugar.
Eu preciso de ar.
As pessoas do lugar me aplaudem de pé, gritando de modo
ensurdecedor, entretanto, meus olhos permanecem nela. Me
olhando com os olhos azuis, tão brilhantes e bonitos, com a mão no
peito, como se tentasse controlar as batidas do próprio coração, e
sua boca bonita entreaberta.
Meus olhos estão pregados nela e não desviam. Vejo quando
se levanta e quase sai correndo para a parte dos fundos do lugar.
Eu não sei em que momento tudo mudou. Como se uma
chave tivesse virado em meu cérebro, e agora tudo o que eu quero,
é experimentar o gosto de Penélope.
A semana foi uma mistura de ansiedade com indecisão.
Mesmo que tenha deixado mais do que claro que minhas intenções
com ela mudaram, ainda assim, pensei se realmente seria uma boa
ideia sair de onde estamos, para algo além.
Para mim, sempre foi simples. Eu fico com alguém, deixo
bem claro minhas intenções, levo para a cama, e vida que segue.
Dificilmente fico com a mesma mulher mais de uma vez, apenas
para garantir que não haverá confusão.
Penny não é como eu. Mesmo que nunca tenha me dito
abertamente sobre isso, sei que não é uma pessoa de relações
casuais. Ela é intensa demais para isso. Um furacão aprisionado
dentro de uma mulher linda.
Além de tudo isso, tem o fato de que não gosto dela. Pelo
menos, não o tempo todo. Tudo bem que ela tem se mostrado uma
pessoa divertida e inteligente pra caralho, mesmo assim, eu deveria
odiá-la.
Contudo, mesmo com isso matutando na minha cabeça
durante toda a semana, não pude evitar pensar que, talvez, eu
devesse fazer algo com essa atração fodida que sentimos um pelo
outro.
Penélope não saía da minha mente. Seu cheiro me perseguiu
como se estivesse impregnado em minhas roupas. Sua risada
ecoava por meu cérebro. O corpo perfeito me fez imaginar coisas
muito criativas. E o rosto.
Seu rosto sempre foi tão lindo.
Ele foi a primeira coisa que notei quando a conheci. A
expressão furiosa, quando surgiu pelas portas de sua cafeteria,
pronta para defender seu negócio e sua melhor amiga. Aquele fogo
ardente, queimando em seus olhos cristalinos, me chamou para ela.
Desde o primeiro momento.
E por mais que tudo tenha acontecido de um jeito ruim depois
daquela noite, eu continuei atraído por ela.
Posso não ser o cara mais correto que existe, mas não nego
quando desejo algo.
E eu a desejo.
Desejo sentir sua pele na minha. Desejo mergulhar em sua
boca e saborear seu sabor. Desejo mostrar a ela como faço quando
quero alguém. Desejo que simplesmente esqueça o que teve até
hoje e experimente o que eu tenho para oferecer.
Eu quero tudo. Dar e receber.
E é por isso que desço do palco, deixando para trás toda a
gritaria do lugar e seguindo em direção ao meu alvo.
Penélope Duarte.
Com o corpo suado pela apresentação de há pouco, o corpo
rígido e é claro, excitado, por sentir as mãos quentes de Penny em
mim, sigo para a área dos fundos.
Abro a porta, recebendo a brisa fresca do lado de fora e olho
ao redor. É um lugar aberto e com algumas caixas de papelão
jogadas. Um muro de tijolos cerca o lugar, que provavelmente é
usado para fumantes e para as pessoas tomarem um ar.
Está vazio, com exceção de uma loira andando de um lado
para o outro no meu lado esquerdo. Ela murmura algumas coisas
que não ouço, porém minha atenção está em seu corpo.
Penélope está maravilhosa, como sempre, e sua sainha curta
me faz imaginar como seriam minhas mãos passeando por suas
coxas fortes, enquanto estão enroladas na minha cintura.
Meu pau pulsa dentro da minha calça, e eu preciso respirar
fundo, para não perder o controle.
Algo me diz que ele está por um triz.
Ela finalmente nota a minha presença e para de andar, assim
que me olha. Começo a me aproximar, lentamente, como sempre
fiz.
Mesmo que minha vontade seja correr e devorá-la sem
piedade.
– Eu tive muitas surpresas essa noite – falo. – Mas jamais
imaginaria que você fosse tão pervertida assim.
Sua boca escancara, e eu tenho que conter minha risada.
– P-Pervertida? Eu fui pervertida? Você que se esfregou em
mim na frente daquelas pessoas. – Ela começa a se afastar,
conforme vou avançando.
– Pode ser. Mas foi você quem me aliciou, passando essas
mãozinhas quentes na minha barriga.
– Você enfiou minha mão lá dentro! – ela grita, me olhando
com ódio.
Meu pau cresce dentro da calça.
– E você nem hesitou, não é mesmo? – Sorrio, quando suas
costas batem na parede atrás dela. – Aproveitou pra sentir cada
centímetro dos músculos do meu abdômen.
– E-Eu não… Eu não…
– Se você queria saber como é, era só ter me falado. – Dou
mais um passo para frente. – Eu mesmo teria te mostrado, o que
você quisesse ver. Era só ter pedido.
– Eu nunca disse que quero alguma coisa de você – ela
rebate, entretanto, a sua respiração está descompassada.
Chego a um palmo de distância dela, olhando para baixo e
focando em seus olhos viscerais.
Levo a mão até seu cabelo, tirando-o do seu ombro e passo o
indicador pelo seu pescoço.
– Não precisa dizer nada, quando seu corpo faz isso por
você, Penélope. – Sua pele se arrepia, à medida que desço até sua
clavícula. – Cada parte dele implora por mim, por meu toque, e temo
lhe informar que terei que atender a esse pedido.
– Você… Você ficou louco, Arthur. – Ela fecha os olhos por
alguns segundos, quando meu dedo se aproxima do decote da sua
blusa.
Porém, não se afasta ou faz qualquer coisa para me impedir.
Isso, loirinha. Continue se entregando assim…
– Talvez eu tenha realmente ficado louco, Penny. Mas não da
maneira como pensa. – Ela engole em seco e presta atenção em
minhas palavras. – Eu fiquei louco pra sentir o sabor do seu beijo e
seu corpo nas palmas das minhas mãos. – Inclino meu corpo, para
dizer em seu ouvido: – Essa, com certeza é a maior loucura da
minha vida, formiguinha. Porque você não sai da minha cabeça há
dias.
Sorvo uma respiração forte, me embriagando com seu cheiro
cítrico, como um maldito viciado.
Um viciado que ainda nem provou da sua droga favorita.
Afasto a cabeça, sorrindo ao me deparar com seu rosto
tomado por raiva. Umedeço os lábios, pensando no quanto meu pau
vai aguentar, se continuar endurecendo toda vez que essa mulher
ficar nervosa.
É uma tortura.
Seu peito sobe e desce, quando inspira profundamente, a
pele avermelhada do seu rosto, me mostrando tudo o que está
sentindo.
– Eu te odeio – ela fala.
– Eu te odeio mais. Sabe por quê? – Ela fica em silêncio, e
eu respondo. – Porque ninguém me faz sentir tanto tesão quanto
você.
Seus dentes mordem seu lábio, me obrigando a focar
naquela direção.
– Idiota! – me xinga.
– Azeda – devolvo.
– Insuportável!
– Mesquinha.
– Arrogante!
– Irritante.
– Imaturo!
– Gostosa!
Abro um sorriso perverso quando ela arfa, ficando sem
palavras.
– Linda. Cheirosa. Inteligente. E gostosa. Muito gostosa.
Não sei quem faz o primeiro movimento, mas não me
importa.
Nada importa.
Porque no segundo seguinte, nossos lábios se colam. Minha
boca beija a de Penélope, e é como se meu corpo inteiro sentisse o
contato.
É melhor.
Muito melhor do que imaginei.
Diferente do resto do seu corpo, sua boca é mais fria. O
gelado dos seus lábios contrasta com o restante da sua pele, e a
sensação é deliciosa.
Antes de conseguir aprofundar o beijo e finalmente enfiar
minha língua em sua boca, Penélope corta o contato, segurando em
meus ombros e me afastando.
– Arthur… – sussurra, mas qualquer que seja a coisa que
queira me falar, eu a impeço.
– Cala a boca e me deixa te beijar.
Suas unhas cravam em minha pele, e ao contrário do que
achei que aconteceria, ela me beija.
Dessa vez, com vontade.
Abrimos nossas bocas ao mesmo tempo, encontrando
nossas línguas no meio do caminho. Um arrepio se espalha por
minha coluna, fazendo meu corpo implorar por mais.
Tiro minha mão da sua cintura e agarro seus cabelos,
pressionando mais seu corpo contra a parede.
Meu coração cavalga descontroladamente, conforme beijo
sua boca, sentindo cada parte dela e me deliciando a cada segundo.
Seu gosto é de Margarita e limão siciliano. Seu cheiro de mar
faz meus sentidos ficarem em alerta.
Eu quero engoli-la.
Cada parte sua.
Minha mão esquerda desce até sua bunda, e eu solto um
gemido quando aperto a região.
Puta que pariu. Finalmente!
Meus pulmões ardem, implorando por oxigênio, só que eu
não paro.
Nem eu, nem ela.
Nos beijamos, desesperados e ansiosos.
Penélope agarra meus cabelos, e seus dedos puxam meus
fios. Um rosnado escapa da minha garganta, e isso parece agradá-
la, pois fricciona o corpo no meu.
Mordo seu lábio inferior e enfim deixo sua boca, apenas para
descer até seu pescoço.
– Arthur… – geme meu nome, fazendo meu pau multiplicar
de tamanho.
– Porra, Penélope.
Agarro seus cabelos com mais força, mordo a curva do seu
pescoço e desço a outra mão até sua coxa.
Tudo ao mesmo tempo, sedento por ela.
Por cada parte que puder me dar.
E eu aproveitarei cada segundo.
Sem que eu peça, Penélope ergue a perna esquerda e gruda
na lateral do meu corpo. Espalho beijos molhados em seu pescoço,
sentindo sua respiração acelerar cada vez mais. Seus gemidos
baixos me deixam a ponto de enlouquecer de vez.
Minha boca volta para a sua, e ela me beija ferozmente.
Esfrega a boceta coberta na minha calça, bem em cima do meu pau
duro e rígido.
Sem conseguir me conter, agarro sua outra perna e a levanto
no lugar. Imediatamente, ela enrola as pernas nos meus quadris,
sem quebrar o contato dos nossos lábios.
Meu coração parece que vai sair pela minha caixa torácica.
Nunca um beijo foi tão espetacular como este.
Beijo sua boca, chupo sua língua, lambo cada centímetro,
buscando por mais, mais, mais.
Quero mais. Quero tudo.
Quero foder Penélope de um jeito que nunca fiz antes.
Minhas mãos amassam a carne das suas coxas torneadas, e
ela geme entre o beijo. Seus dentes mordem meu lábio inferior,
quase com raiva, e eu sorrio.
A desgraçada está adorando e odiando tudo isso.
– Sente o que eu estou sentindo, loirinha? – Esfrego meu pau
na sua boceta, e ela geme baixinho. – Isso é química. Uma química
fodida que temos, e me vejo obrigado a tomar uma atitude.
– Acho que você está falando demais e fazendo de menos. –
Seus olhos azuis me desafiam.
Sorrio, enfiando logo minhas mãos por baixo da sua saia.
– Filha da mãe. – Ela sorri, e eu a beijo de novo.
A beijo com força, sem delicadeza, e ela adora. Rebola,
esfregando a boceta quente em mim e raspa as unhas na minha
nuca.
Subo cada vez mais minha mão, até que sua saia esteja
enrolada e expondo sua pele para mim.
E depois de tantos meses imaginando como seria isso,
finalmente agarro sua bunda enorme e redonda.
Caralho, que coisa boa.
– Eu já disse que amo a sua bunda? – sussurro, com os
lábios colados nos seus.
Ela ri, baixinho.
– Não, mas deu pra perceber.
– Que bom. – Esfrego minha mão, sentindo a calcinha
pequena enfiada no meio dela. – Porque eu amo a sua bunda e
acho que nunca mais vou tirar as mãos dela.
Lambo a pele do seu pescoço, até alcançar seus ouvidos.
Ouvindo sua garganta soltar outro gemido e sentindo seu corpo
estremecer.
– V-você… é… completamente maluco – ela tenta dizer.
Olho em seus olhos de novo, sorrindo de um modo maléfico.
– Você não viu nada, ainda.
Trago sua boca para a minha de novo, e voltamos a nos
beijar, da mesma forma que antes.
Como se estivesse no deserto, e os lábios de Penélope
fossem a única fonte de água que existe.
É necessidade, o que eu sinto. Uma necessidade carnal,
vívida e crescente dentro de mim.
Não penso em mais nada. Não quero mais nada.
Só ela.
E algo me diz que esse desejo nunca vai acabar.
Ouvimos a porta se abrir e bater com um baque alto, me
obrigando a interromper tudo. Olho para trás, vendo um grupo de
homens sair, dando risadas altas e alheios a nós dois.
Rapidamente posiciono meu corpo melhor, para tapar a visão
do corpo de Penélope, e a desço ao chão, ao mesmo tempo que
ajeito sua saia no lugar.
Seus olhos estão levemente arregalados para mim, e não
consigo evitar sorrir.
– Calma, formiguinha. Ninguém viu nada que não deveria.
Ela fica em silêncio por alguns segundos, respirando e
olhando para o meu peito como se estivesse envergonhada.
Coloco a mão em seu rosto, estudando suas feições
atentamente. Seus olhos encontram os meus, e eu tento decifrar os
sentimentos passando por eles.
– Não tem do que se envergonhar, Penny. Somos duas
pessoas solteiras e não fizemos nada de errado.
Ela fecha os olhos por alguns instantes, agarrando minha
camisa.
– Eu sei, é que… Nunca fiz algo do tipo, nunca me arrisquei
desse jeito. – Ela solta uma risada nervosa. – Vamos dizer que eu
seja um pouco inexperiente.
Mordo o lábio inferior, vendo um milhão de pensamentos
voarem por minha cabeça.
No entanto, o principal deles é:
– Eu posso te mostrar, Penélope. Posso te mostrar tudo.
Seus olhos se iluminam tanto, que preciso respirar fundo para
conter meus próprios impulsos.
Inclino meu corpo e deixo um beijo delicado em sua testa.
– Vem, vamos sair daqui antes que eu faça algo imprudente –
aviso, e ela concorda com a cabeça.
Saímos de mãos dadas e voltamos para o karaokê.
Minha vontade é de arrastá-la para fora daqui e arrancar as
roupas do seu corpo.
Entretanto, não vou agir assim. Mesmo que tenha dado o
melhor beijo da minha vida, e ela tenha se mostrado tão sedenta
quanto eu, Penélope é como uma gata arisca.
Preciso me aproximar devagar e deixar que venha até mim
por vontade própria. E quando isso acontecer, farei cada maldito
segundo valer a pena.
Faz meses que não havia algo que não saísse da minha
cabeça. Quase um ano, especificamente.
Nos últimos tempos, eu andei pensando em tudo o que houve
comigo, até no término do meu antigo relacionamento.
Pensei no meu fracasso, nos meus erros, no meu coração
partido e na saudade. Porque eu perdi sim, algo bom. Mesmo que
tudo tenha acabado numa verdadeira tragédia, ainda assim, a
possibilidade de uma vida, foi tirada de mim.
Então, durante quase um ano, tudo o que eu pensava era
nisso.
Até aquele beijo.
Não há raiva, nem desprezo, irritação, ódio ou qualquer
aspecto negativo que aquele homem possa ter despertado em mim
algum dia.
Tudo o que se passa por minha cabeça, são seus lábios nos
meus, o modo como me agarrou, a forma como me conduziu e,
principalmente, a maneira como eu correspondi.
Tão facilmente, que depois de sair daquele bar, eu me fechei
dentro da minha casa e da minha mente, e aqui fiquei por uma
semana inteira.
Tirando os momentos em que saía para trabalhar, eu ficava
dentro de casa, repassando incessantemente aquele momento na
minha cabeça.
Arthur me mandou mensagem e até me ligou, indicando
lugares que poderíamos ir. No entanto, eu simplesmente não estava
pronta para vê-lo tão cedo.
Dei várias desculpas e por mais que o conheça há pouco
tempo, sei que sabe muito bem o que estava acontecendo.
Eu surtei.
Ainda estava tentando decidir se surtei porque nem me
lembrei da promessa que eu mesma tinha me feito, de não me
entregar a ele, quando decidi enfiar minha língua na sua boca ou se
surtei porque, a cada segundo, a cada respiração que dei, eu o
queria de novo.
Eu o queria de novo, de um jeito assustador.
Foi perfeito. Suas ações, seus gestos, o modo como seus
lábios se encaixaram perfeitamente nos meus, tudo perfeito.
E isso tem sido um problema do caralho!
Não consigo me concentrar em nada, além de ficar
repassando aquela cena, várias e várias vezes, na mente.
Meu corpo anseia tanto por sentir seu toque de novo, que tive
que me virar sozinha todos os dias da semana, de tão tensa que
fiquei.
Só que siririca nenhuma foi o suficiente.
Não chegou nem perto.
E agora, parada em frente à minha casa, com minhas malas
prontas, meu vestido de madrinha num cabide fechado e meus pés
inquietos, chego à conclusão que essa viagem vai ser uma tortura.
Contudo, por motivos completamente diferentes dos que eu
pensei que seria.
Disposta a me distrair, enquanto espero meu namorado de
mentira, que beija muito bem e tem uma pegada fodida, tiro o celular
do bolso.
Abro o grupo com minhas melhores amigas, para ver o que
conversaram.
“Safadas da Mamacita”
Yolanda: É hoje?
Milene: Eu já disse que é hoje.
Yolanda: Estava só confirmando… Vai que num é hoje.
Diana: Esse tem sido o assunto desse grupo há dias, Yolis.
Não se faça de sonsa.
Rosa: Eu acho que ela tá mais ansiosa que a própria
Penélope.
Milene: Eu tenho certeza.
Yolanda: Gente, aquele casamento vai ser um caos. Queria
ter sido convidada.
Diana: Yolanda, como você seria convidada para o
casamento de uma mulher que você transou uma vez?
Yolanda: A Thays e eu nem tivemos nada demais. Poderia
ter sido convidada sim.
Rosa: Ela, provavelmente, nem se lembra de você, sua
cachorra.
Milene: Yolis está resmungando tão alto no quarto dela, que
eu ouço do meu.
Diana: Eu nem moro com vocês, e estou ouvindo também.
Rosa: HAHAHHAHAHA
Milene: Hahahahhhaha Ai, Didi.
Yolanda: Essa baixinha está ousada ultimamente, vocês não
acham?
Eu:
É o efeito doutor gostosão na vida dela.
Entro na conversa e dou risada das dezenas de figurinhas de
“gritos” que mandam.
Rosa: Ela apareceu, gente.
Milene: Já está surtando, Penny?
Yolanda: PENÉLOPE DUARTE, VOCÊ TEM UMA SEMANA
PRA DAR PRO ARTHUR OU EU MESMA FAÇO ISSO!
Arfo, ao ler as palavras da minha amiga.
Eu:
Você ficou maluca? Ninguém aqui vai dar pro Arthur!
Rosa: Ninguém aqui… Além de você, certo?
Milene: Gente, ela vai surtar.
Diana: Vocês viram as tatuagens no braço dele? Benjamin
falou que ele tem mais em outra parte do corpo.
Eu:
DIANA!
Yolanda: Não vou nem falar daquele maxilar quadrado e da
boca carnuda, que é apelar…
Eu:
Eu vou matar cada uma de vocês!
Milene: Ouvi dizer que o homem até canta…
Eu:
Eu não deveria ter contado isso pra vocês…
Rosa: Como assim? Tem mais alguma coisa que não
estamos sabendo, senhorita?
Meu coração erra uma batida, e eu dou graças a Deus por
essa conversa estar sendo pelo celular e não pessoalmente.
Não contei para elas sobre o beijo. Se contasse, elas
surtariam, e de surtada, já basta eu.
Diana: Deixem ela se divertir com o namorado bilionário dela,
meninas. Essa história ainda vai dar o que falar.
Eu:
Ele não é meu namorado de verdade!
Yolanda: Não é o que parece…
Eu:
O que quer dizer com isso?
Yolanda: Tchau, gente. Vou pra manicure.
Milene: Me espera, vou com você.
Eu:
Suas putas! Voltem aqui!
Rosa: Vou aproveitar que o neném está dormindo e eu vou
dar pro meu marido. Tchaaaaau. Penny, divirta-se e use camisinha.
Eu:
Estão falando sério?
Diana: Preciso terminar uns relatórios do hospital. Beijinhos.
E Penny… NÃO tenha juízo.
Eu:
Hoje é domingo! Não tem relatórios coisa nenhuma.
Eu:
Gente?
Eu:
Eu odeio vocês!
Suspiro e nego com a cabeça. Eu estou cercada de idiotas.
Bem neste momento, uma SUV branca da marca BMW vira a
esquina da minha casa, e qualquer conversa de antes, fica para
trás. Meu coração começa a disparar, e sinto uma ansiedade fora do
normal me dominar.
Ele chegou. Eu estou suando. Puta merda.
Respiro umas cem vezes, tentando acalmar meus nervos e
começo a ficar preocupada com a minha sanidade mental.
Até parece que nunca beijei um homem na vida!
O carro encosta bem de frente para mim, e depois de alguns
segundos, a porta se abre. Sinto um frio na barriga, quando o
homem alto sai lá de dentro.
Usando uma camiseta branca, uma bermuda cinza e um tênis
social, pela primeira vez, vejo as outras tatuagens que a minha
amiga tinha comentado. Do joelho para baixo, sua perna esquerda
tem os mesmos desenhos de traços padronizados que o braço.
Arthur fica parado, enquanto eu olho o conjunto inteiro.
É lindo. Suas tatuagens o deixam com um estilo jovial que ele
sempre teve, mesmo que seja um herdeiro cheio da grana.
Ergo os olhos e encontro um sorrisinho torto despontando de
sua boca, e os olhos atentos em mim.
Ele dá um passo em minha direção, mais outro e outro, até
que esteja a poucos centímetros de mim. Inclino a cabeça, para
permanecer concentrada em seus olhos, com sua altura quase me
sobrepujando.
Como sempre, escrutina meu corpo todo, antes de morder o
lábio inferior e me fazer engolir saliva.
– Vai continuar me evitando ou podemos voltar ao nosso
relacionamento normal? – Sua voz é baixinha e rouca, e não deveria
me deixar excitada.
Mas deixa.
Droga.
– Q…que relacionamento normal? – Limpo a garganta, me
odiando por gaguejar.
– Aquele relacionamento em que você briga comigo até me
tirar do sério, depois me deixa de pau duro e por fim, me beija
loucamente em um lugar escondido.
Meus olhos se arregalam, e eu sinto minha respiração ficar
presa na garganta. Tento dar um passo para trás, porém minha mala
está no caminho e me faz tropeçar. Arthur rapidamente segura
minha cintura e me puxa para si. Espalmo as mãos em seu peitoral
e sinto a força dos seus músculos.
Abro e fecho a boca, entretanto não consigo emitir nenhum
som, por alguns segundos. Sinto meu rosto esquentar e eu adoraria
que fosse de raiva.
Só que é de vergonha.
Principalmente quando o idiota abre um sorriso imenso,
sabendo muito bem o efeito que está causando em mim.
– Não vamos… Você não pode… Aquilo foi um erro – me
atrapalho nas palavras, especialmente quando seu rosto se
aproxima do meu. – Um erro que não cometerei de novo.
Ele solta uma risada baixa, segura a minha nuca com a mão
enorme e se inclina em direção ao meu ouvido. Fico totalmente
imóvel, enquanto sua barba bem aparada faz cócegas na minha
orelha e arrepia a minha pele.
– Acha mesmo que eu vou me contentar com um único beijo,
Penélope? – Seu nariz arrasta por meu pescoço de cima a baixo, e
ele inspira meu cheiro. – Eu estou bem longe de estar satisfeito.
Fecho os olhos, quando seus lábios beijam a curva do meu
pescoço e me seguro, verdadeiramente, para não gemer.
– Eu te odeio – sussurro, baixinho.
– Mentirosa – sussurra de volta.
Arthur se afasta, me olhando de um jeito sedutor e pisca um
olho. Ele aperta um botão na chave do carro, e o porta-malas se
abre. Começa a pegar minhas coisas, como se nada tivesse
acontecido, e eu fico aqui, parada feito uma estátua.
E agora, farei uma viagem de duas horas com a calcinha
molhada.
Lindo.

Tirando o momento constrangedor e provocador que tive que


passar, a viagem foi tranquila. Arthur é um excelente motorista, e
mantivemos uma conversa constante durante todo o trajeto.
Tentei ignorar a forma como suas tatuagens ficaram
destacadas enquanto o homem segura o volante, o cheiro de loção
pós-barba que impregnou no carro todo, e os sorrisos largos que
lançava para mim.
Eu nunca imaginei que um homem pudesse me fazer sentir
dessa forma, depois de um simples beijo.
Um beijo que, de simples, não teve nada.
Saber que foi tão bom, que sentimos uma atração fodida um
pelo outro, e que ele está disposto a repetir a dose, não está me
ajudando em nada com o nervosismo.
Pelo menos, sua presença foi o suficiente para me distrair do
que eu sei que está por vir.
Brotas é uma cidade pequena, localizada no interior de São
Paulo. É conhecida por suas diversas cachoeiras e é uma das
escolhas feitas pelos moradores da região, quando querem curtir um
fim de semana de calor.
Mesmo estando no meio do ano, o clima aqui é quente, e
pelo que vi na previsão do tempo, continuará assim por um bom
tempo. O que é excelente para mim, que vou aproveitar essa
pequena “folga”, para conhecer tudo.
Passamos por ruas tranquilas e arborizadas. As pessoas
andam pelas ruas de paralelepípedo sorridentes.
O silêncio no carro é confortável, até que desvio o olhar da
janela e me viro para Arthur. Vejo que paramos em um semáforo, e
ele tem os olhos sobre mim.
Sorrio discretamente, vendo-o fazer o mesmo.
– Você nunca esteve em Brotas, não é? – pergunta,
provavelmente percebendo meu vislumbre.
– Não, é a primeira vez – respondo. – Sua família sempre
vinha pra cá?
Ele concorda com a cabeça e desvia os olhos para a rua,
quando põe-se em movimento.
– Antigamente, as famílias costumavam se reunir em alguns
feriados. Vivi parte da minha infância visitando essa cidade, pelo
menos duas vezes ao ano.
– Que legal. E você gosta daqui?
– Eu gosto. É um lugar bacana pra passar o fim de semana. –
Me olha rapidamente. – Mesmo que não seja uma cidade muito
grande, ainda é um lugar indicado para descanso. Principalmente,
pra quem mora no interior.
Aceno com a cabeça, olhando as montanhas e a mata ao
redor delas, conforme seguimos o caminho.
– Vou ter que trazer minhas amigas aqui um dia. – Sorrio ao
imaginar. – Milene ficaria louca para fotografar toda essa paisagem.
Ouço uma risadinha e me viro para ele.
– Você sempre faz isso, não faz? – me pergunta.
– O quê?
– Cuida de todo mundo. – Ele sorri. – Já notei que você
conhece suas amigas muito bem e está sempre pensando no bem-
estar delas. Você é tipo a mãezona do grupo.
Desvio o olhar para frente, ignorando o nó que se forma em
minha garganta.
– Eu sempre fui assim. Quando meu pai morreu, jurei para a
minha mãe que cuidaria dela e da minha irmã.
– Você não tinha tipo, uns sete anos na época? – questiona,
meio inconformado.
Dou risada.
– Oito, na verdade. E cumpri a minha promessa, mesmo que
tenha demorado muitos anos pra isso. – Olho para ele, e nossos
olhos se encontram por uns segundos. – Não queria que minha mãe
trabalhasse mais do que podia. A doença dela já era cruel naquela
época, e eu sabia que não seria nada fácil.
– Eu imagino. Por que eu sinto que você tinha uns dezesseis
anos e já estava trabalhando?
– Dezesseis não… Treze.
– Treze? Você nem poderia trabalhar com treze anos,
Penélope – ele quase grita, e eu não consigo segurar a risada de
novo.
– Não eram trabalhos de verdade…
– Olha, eu posso não ser o Benjamin e ser especialista em
assuntos que envolvem crianças, mas eu sei que nessa idade, você
deveria estar fazendo tudo, menos trabalhando – cita o melhor
amigo pediatra.
Dou de ombros.
– Eu não podia ver minha mãe se matando por causa de
dinheiro. Comecei a cuidar de crianças para os vizinhos, a entregar
panfletos de restaurantes ou ganhava qualquer trocado quando
ajudava em algum evento no orfanato de mamacita – conto, quando
fazemos uma curva para a direita e entramos em uma estrada de
terra. – Eu me sentia um peso a menos para a dona Marta.
– Eu acredito que era pouco, o que você ganhava.
– Era pouco. Bem pouco. Mas ainda era alguma coisa.
Vejo-o concordar.
– E então, você seguiu fazendo isso. Cuidando dos seus.
Olho para o seu perfil por alguns segundos, antes de
responder.
– As coisas ficaram diferentes nos últimos meses. Depois de
tudo, essa necessidade de cuidar, se tornou muito maior. – Olho
para o lado de fora. – Se tornou uma obrigação.
Sinto meu coração doer ao lembrar de tudo. Ao lembrar da
dor.
Não sei exatamente o motivo de ter dito isso a ele, mas estou
começando a perceber que não adianta tentar entender minha
cabeça quando se trata de Arthur.
Arrogante ou não, ele me faz sentir confortável. Ou até
mesmo, segura.
Uma onda de tensão e ansiedade passa por mim.
Não me sinto segura há anos.
Para falar a verdade, não sei se um dia já me senti.
Minha mão deixa o meu colo, quando Arthur a segura. Viro o
rosto a tempo de vê-lo depositar um beijo casto nos nós dos meus
dedos. Seu polegar acaricia minha pele, quando descansa a minha
mão em sua perna.
Seu rosto se vira para o meu por alguns instantes, e ele me
lança um sorriso pequeno.
– Gosto do seu jeito, loirinha. Mesmo que ele me faça passar
nervoso às vezes.
Uma risada me escapa, e seu sorriso aumenta.
Andamos por mais alguns minutos na estrada de terra –
minha mão permaneceu no mesmo lugar, sei lá porque –, até que
ao longe, vejo um portão grande.
Assim que nos aproximamos, dois guardas ladeando o local,
se aproximam do carro. Arthur abaixa o vidro para falar com o
homem.
– Bom dia. Nomes, por favor – o homem negro pergunta,
enquanto o outro olha ao redor do carro.
– Arthur Rabello e Penélope Duarte – o jornalista responde.
Fico impressionada com a segurança do local, quase me
esquecendo das duas principais famílias que estarão aqui para a
celebração.
Só duas famílias bilionárias e famosas. Nada demais.
Depois de checar os nomes num tablet moderno, o homem
concorda com a cabeça.
– Estão liberados. Sejam bem-vindos à casa da família
Mariano.
– Obrigado – Arthur responde, e o portão com grades altas se
abre automaticamente.
Me sentindo em um filme Hollywoodiano, assistindo
boquiaberta a paisagem florida ao lado da pequena estrada até a
casa. Grandes palmeiras estão lado a lado pelo caminho, e há um
jardim colorido e muito bem cuidado do outro lado.
Tudo é muito lindo, mas nada se compara à vista da
residência. Me inclino para frente, quando a parte arborizada fica
para trás, e alcançamos a parte da frente da casa.
Casa, não. Mansão.
A arquitetura me lembra as mansões antigas do século XVII,
com fachada branca e inúmeras janelas nos três andares dela. No
caminho de cascalho, bem de frente à escadaria para porta de
entrada, há uma enorme fonte, onde jatos de água voam para cima
de forma discreta e muito bonita.
Os detalhes são impressionantes, e eu provavelmente estou
parecendo uma doida, com a boca aberta para a janela do carro.
Arthur estaciona, e com a mesma cara de choque, olho para
ele.
Sua risada alta ecoa pelo carro.
– Alguma coisa me diz que você gostou.
– Se eu gostei? Arthur, essa casa parece um hotel fazenda
tirado direto de um filme europeu. – Ele ri de novo. – Eu achei que a
sua casa fosse grande, mas isso aqui… – Aponto em direção à
casa.
– Temos uma bem parecida com essa também. Mas ela não
fica em Campinas. – Ele faz uma pausa e destrava o cinto de
segurança. – Fica em Londres.
Meus olhos se arregalam, e ele ri de novo.
– Meu Deus, eu nunca me acostumaria com isso.
– Você não é exatamente pobre, dona de uma BMW. – Ele
arqueia a sobrancelha e retira o meu cinto.
– Eu sei, mas estamos falando de mansões, Arthur. – Aponto
de novo em direção ao local. – E vocês tem duas!
Ele faz uma careta, e eu me preparo para o que vai dizer.
– Temos sete, na verdade. – Fico em choque. – Eu já falei
que meu pai faz coleção de carros antigos?
– Ok, chega. Eu estou ficando tonta.
Ele ri mais uma vez. Abro um sorriso, porém ele se desfaz no
momento em que ele se inclina para perto de mim e aproxima seu
rosto do meu.
– Você é a pessoa mais elegante que eu conheço, Penny. O
luxo combina com você.
Mordo o lábio inferior, e seus olhos caem nessa direção.
Arthur leva a mão até o meu queixo e solta o lábio dos meus
dentes, usando o polegar. Ele acaricia a pele onde meus dentes
estavam cravados, olhando para a minha boca, como se fosse a
coisa mais apetitosa que existe.
Vejo seus ombros subirem e descerem, quando respira
fundo.
– Penélope, Penélope... Eu prometi a mim mesmo pegar leve
com você, mas estou vendo que me tornarei um quebrador de
promessas se continuar fazendo isso.
– Fazendo o quê? – sussurro, hipnotizada por sua voz e seu
toque.
– Me seduzindo.
A boca do meu estômago gela.
– E-eu … não estou tentando te seduzir.
Seus olhos castanhos e intensos focam nos meus, antes de
dizer:
– Exatamente.
Cristo Amado.
Ele se afasta e abre a porta do carro.
Tomo fôlego, enquanto ele dá a volta para alcançar o meu
lado.
Ele e sua mania de me desestabilizar, e fingir que nada
aconteceu.
Assim que abre a porta para mim, um homem se aproxima.
Arthur entrega a chave para ele, quando saio de dentro,
carregando apenas uma pequena bolsa transversal. O calor da
cidade me permiti usar uma regata rosa, um short jeans curto e uma
rasteirinha nos pés.
Depois de agradecer ao rapaz, Arthur me conduz até a
entrada.
Tive que me segurar para não perguntar sobre nossas malas,
percebendo que essa era a função do moço que ficou para trás.
O luxo pode até combinar comigo, entretanto, ainda tenho
alma de pobre. Decadente.
Passamos pela entrada vazia e logo estamos passando pela
porta de entrada.
Perco o fôlego por alguns instantes, ao ver o lado de dentro.
É ainda mais bonito.
Um hall de entrada grande, com pessoas de todo o tipo
espalhadas pelo lugar. Uma escadaria gigantesca no meio, que eu
nem perco o meu tempo tentando ver para quantas portas leva. O
chão é revestido de piso de porcelanato branco, os papéis de
parede com detalhes dourados, quadros e estatuetas posicionados
estrategicamente.
– Deus, eu pareço uma formiguinha aqui dentro – murmuro
baixinho, vendo as pessoas andarem para lá e para cá.
– Mas você é uma formiguinha. – Olho para ele, que tenta
segurar a risada.
Reviro os olhos, tentando não rir da sua piada ruim.
– Bom dia. Arthur e Penélope, certo? – uma mulher negra,
bem vestida e com os cabelos crespos presos no alto da cabeça,
nos cumprimenta.
– Isso – ele responde, abraçando minha cintura.
– Meu nome é Fátima. Sou a cerimonialista e organizadora
da festa. Vocês são os últimos padrinhos a chegar. As noivas e a
família Mariano estão recebendo os convidados aos poucos, e já
vão lhes dar as boas-vindas. – Ela sorri polidamente, antes de olhar
a prancheta em seus braços. – Vou mostrar o quarto de vocês dois,
e poderão aguardá-los lá. Se puderem me seguir, fica…
Os dois começam a andar em direção às escadas, porém
uma bomba cai sobre minha cabeça.
– Espera. Quarto? – Travo no lugar, fazendo ambos olharem
para mim.
Arthur me olha, confuso, e a Fátima me lança um sorriso
discreto.
– Sim. As noivas fizeram questão de escolherem esse lugar,
para poder acomodar o máximo de convidados possível.
– Mas… Vamos ter um quarto? Só para nós dois? –
questiono, sentindo um tremor ansioso passar por meu corpo.
– Exato. Não é maravilhoso?
Fico parada, olhando para o rosto da mulher, sem dizer nada.
Um quarto.
Apenas um quarto.
Para mim e para Arthur.
Juntos.
Meu Deus, como eu não havia pensado nisso?
A mulher começa a me olhar de forma confusa, até que
Arthur segura a minha mão e me dá um leve puxão, para me
aproximar.
– Desculpe, minha mulher está cansada da viagem.
Minha mulher?
Mas o que esse idiota pensa que está fazendo?
Agindo como seu namorado, estúpida.
– Eu imagino que deva ter sido cansativo. Mas fiquem
tranquilos, as acomodações são extremamente confortáveis, e
vocês nem perceberão a movimentação dos outros do lado de fora.
Seguimos a mulher, que não faz ideia da confusão em minha
mente. Minha mão sua, com um turbilhão de sentimentos duelando
dentro de mim.
Arrisco olhar para o homem caminhando ao meu lado. Vejo
uma veia saltar de sua garganta, enquanto ele se esforça para
segurar o riso, à medida que seguimos a mulher.
Imbecil.
Aperto sua mão com toda a força que tenho, porém não
parece surtir o efeito que desejo.
Pelo contrário.
O homem me olha com desejo nos olhos, como se minha
reação o excitasse.
Desgraçado, desgraçado, desgraçado.
Ainda tentando não matar meu namorado de mentira,
chegamos ao último patamar. Viramos à esquerda, e a mulher para
na última porta do corredor.
– Aqui está a chave de vocês, suas coisas já serão trazidas.
– Ela entrega a chave na minha mão.
– Obrigada – agradeço, me lembrando que fui bem educada,
e a mulher não tem nada a ver com a raiva que sinto no momento.
Ela acena com a cabeça e sai.
Bufo, empurrando Arthur para o lado de um jeito nada
delicado e enfiando a chave na fechadura.
Abro a porta e, mais uma vez, travo no lugar.
Toda a decoração impecável e os móveis bonitos são
ignorados por mim, quando meus olhos pousam na cama king size
no meio do cômodo.
Ouço a risadinha de Arthur atrás de mim. Ele passa por mim,
esticando os braços e se espreguiçando. Quando chega na cama –
a única cama, por Deus – se joga nela e apoia os braços atrás da
cabeça.
– Ahhh… Nunca fiquei tão feliz em vir para Brotas.
– Eu não vou dormir na mesma cama que você – afirmo,
andando de um lado para o outro no meio do quarto.
– E onde, exatamente, você pretende dormir? – Arthur
continua todo relaxado, como se estivesse tudo bem.
Mas não tem nada bem!
– Eu vou dormir na cama. – Sua cabeça se ergue, e ele me
olha, confuso. – Você vai dormir em outro lugar.
Sua risada debochada e irritante ecoa pelo quarto. Ele
finalmente se levanta, caminha até mim e para bem na minha frente.
Controlo a respiração, tentando não perder de vez a cabeça.
Querer Arthur de novo, não quer dizer que eu deva ficar com
Arthur de novo.
E mesmo que tenha tido momentos vergonhosos e me
masturbado pensando nele, ainda não posso fazer isso.
Beijar esse homem de novo, vai bagunçar ainda mais as
coisas. Era para eu odiá-lo, a todo momento, e isso já não está mais
acontecendo.
Não era para ser bom, ficar em sua companhia, não era para
eu ficar relaxada e dar boas risadas ao seu lado, não era para eu ter
beijado sua boca e sentir vontade de beijar de novo.
Está tudo errado.
E agora, eu vou ter que aguentar dormir ao seu lado na
mesma cama?
Nem a pau.
O desgraçado me olha de um jeito desafiador, me irritando
instantaneamente.
– E eu vou dormir onde, formiguinha? Pode me esclarecer,
por favor? – O tom debochado me faz fechar as mãos em punho e
apertar os dentes dentro da boca.
Olho para um lado e para o outro. Do lado direito tem duas
poltronas, de frente para uma TV e uma mesa de centro.
Certo, ali não dá.
Do lado esquerdo, logo abaixo da janela grande, há um divã
acolchoado. Aponto para o lugar, e Arthur olha naquela direção.
– Ali. Vai ser ali que você vai dormir.
Seu rosto volta para o meu, e sua sobrancelha arqueia. Ele
faz um som rouco, como se estivesse segurando a risada e anda
até o divã.
Virando-se de frente para mim, ele pergunta:
– É nesse lugar que você quer que eu durma?
Aceno com a cabeça.
– Isso.
– Pois bem, então…
O homem, lentamente, se senta no meio do móvel, e meu
desespero multiplica de tamanho.
Sentado, Arthur praticamente cobre o espaço inteiro. Nem
sua perna caberia ali, quem dirá ele deitado.
Merda, merda, merda.
– Você tinha que ser tão alto? – O idiota ri da minha cara.
– Acho que esse lugar não foi feito pra uma pessoa de quase
um metro e noventa de altura, loirinha. – Se levanta e caminha de
volta para mim. – Mais alguma ideia genial?
– Podemos pedir um colchão. Tenho certeza de que tem
algum sobrando e…
– E qual vai ser a sua justificativa para isso? – Cruza os
braços e me olha. – Que está esperando até o casamento para se
deitar com o seu namorado?
– Argh! Mas que merda. Dormir com você não estava nos
planos.
– Você está desesperada à toa. – Ele sai do meu campo de
visão, para que eu olhe para a cama. – Olha o tamanho daquele
negócio. Cabe nós dois ali, facilmente.
Pode até ser… Ainda assim, é perto demais.
– A não ser que… – ele fala, voltando a se aproximar.
– O quê? – Dou um passo para trás, mas ele não me deixa ir
muito longe.
Agarra minha cintura com ambas as mãos e gruda meu peito
no seu. Nenhum som deixa a minha garganta, enquanto ele acaricia
as minhas costas de um jeito horrível.
E gostoso. Bem gostoso.
– A não ser que você esteja com medo de não resistir e
acabar em meus braços no meio da noite. – Sua voz desce um tom,
e eu sinto meus joelhos fracos.
Dou uma risada, que com certeza é de desespero.
– Você é um arrogante insuportável. Acha que é tão
irresistível assim? – digo, mal convencendo a mim mesma.
Ele dá um sorriso. Aquele sorriso safado e predatório, que
costuma fazer estragos na minha calcinha.
– Eu não acho, Penélope. Eu sei que sou irresistível. – Fico
parada, ao passo que sua boca quase encosta na minha. – E até o
fim dessa viagem, terei provado o gosto da sua boceta e afundado
meu pau nela.
Solto o ar pela boca e estremeço.
Uma onda de calor sobe pelo meu corpo todo, e eu
simplesmente não consigo responder nada. Minha boceta pisca, e
eu me pego imaginando isso.
Imaginando-o com a cabeça enfiada no meio das minhas
pernas, sua língua habilidosa me explorando, e seu corpo encaixado
no meu, enquanto me fode.
Porque eu tenho certeza de que seria isso o que ele faria.
Me foderia.
E isso não deveria ser uma imagem tão boa.
Engulo em seco e ergo os olhos para encontrar os dele. A
forma como me olha, me diz que seus pensamentos são muito
parecidos com os meus.
Não sei se por obra divina ou se por pura força do
pensamento, alguém bate à nossa porta.
Me desvencilho rapidamente de Arthur e posso jurar que
ouço um rosnado vindo dele.
– P-Pode entrar – digo, passando a mão desesperadamente
pelos cabelos.
A porta é aberta pelo funcionário com as nossas malas.
Aguardamos até que as deixe em um canto, e, assim que termina,
as noivas, seus pais e os pais de Arthur, aparecem na porta.
– Bom dia, meu casal preferido. – Larissa, com a sua energia
lá no alto, entra no quarto e nos abraça ao mesmo tempo.
Arthur e eu damos risada.
– Bom dia, crianças. Fizeram uma boa viagem? – Rebeca
pergunta, depois de dar um abraço no filho e em mim.
– A viagem foi tranquila – respondo.
– A nossa, nem tanto. Choveu o tempo todo, quando viemos
ontem – Lauane, a mãe da Larissa, conta.
– Mas correu tudo bem, certo? – Arthur questiona, segurando
minha cintura, depois de cumprimentarmos todos.
– Deu sim. Tirando que ouvimos a Thays dizendo, a viagem
toda, que o casamento estava arruinado por conta disso, foi tudo
tranquilo. – Seu Roger, pai de Larissa, olha de modo brincalhão para
a nora.
– Eu estava ansiosa, ok? – A mulher negra se justifica, nos
fazendo rir.
– É por isso que todos nós vamos curtir a primeira atividade
aqui em Brotas. – Lari bate palminhas e olha para mim e para
Arthur. – Vamos nadar na Cachoeira Monjolinho, pra espantar o
calor infernal que está fazendo e depois, faremos uma pequena
trilha até a Cachoeira Escorregador.
– Cachoeira Escorregador? – questiono e vejo ela e Arthur
trocarem um olhar cúmplice.
– Faz tempo, desde a última vez, hein – ele diz, dando uma
risada.
– Exatamente. E que oportunidade incrível para rever o lugar
e de quebra, levar sua linda namorada junto, não? – A loira pisca
um olho.
Olho para todos ao meu redor, um pouco confusa e ao
mesmo tempo curiosa.
Seu Antony resolve me ajudar.
– É um dos lugares mais divertidos. Você vai gostar. – Sorri
de modo tranquilizador.
– Bem, vou buscar os meus netos para que seus pais
possam curtir um pouco sozinhos – Rebeca diz.
– Alfred e Letícia já chegaram? – Arthur pergunta.
– Chegaram não muito antes de vocês – Antony responde. –
Estão organizando as malas das crianças, mas vão com vocês.
– Penny, pegue roupa de banho, mas sugiro levar tênis
também, para a trilha – Thays me avisa. – É mais confortável.
– Fiquem à vontade, estaremos aqui se precisar – Roger diz.
– Vai ser um evento maravilhoso, vocês vão amar – Lauane
afirma, toda sorridente.
Depois de combinarmos onde nos encontrar, todos saem, e
Arthur acompanha o pai, para conversarem sobre alguma coisa que
eu não sei o que é. Eu fico no quarto para me aprontar, colocando
meu biquíni por baixo da minha roupa, porém levando uma saída
para depois de nadar.
Preparo uma pequena bolsa com todas as coisas, passo
protetor solar, calço os tênis e saio do quarto.
A movimentação na parte de dentro da casa continua grande.
Pessoas de idades diferentes, rindo e conversando. Sorrio, ao
passar por todas elas e ir em direção à porta da saída.
Mal tive tempo de assimilar tudo, por conta da correria e de
tudo o que aconteceu no último mês, entretanto estou mais do que
feliz pela união das minhas amigas.
Só elas sabem o preconceito e as dificuldades que tiveram ao
longo da vida. Desde o momento de se assumirem até o de
encontrarem o amor de suas vidas. É linda a história de Thays e
Larissa, e mesmo que minha ex-funcionária esteja sem a família
toda ao seu lado, para acompanhá-la no momento mais importante
para ela, sei que está muito feliz.
E isso basta para mim também.
Finalmente chego até a entrada e abro a porta. Meu sorriso
morre, quando vejo os rostos à minha frente.
De olhos arregalados e surpresos, Marcos e Samara param
no lugar, assim que me veem. Uma sensação de extremo
constrangimento surge em mim, e eu não sei o que fazer.
Puta merda, eu tinha que estar sozinha justo agora?
– Penélope? – ele fala, e eu tenho que conter uma careta.
Desde quando meu nome saindo da sua boca, se tornou algo
tão nojento?
O pior de tudo, é sua a namorada, com o rosto extremamente
vermelho, intercalando o olhar entre ele e eu.
Gostaria de ser super educada e dizer bom dia. Gostaria de
ser indiferente e sair andando, só que eu não consigo.
Quando olho para o rosto do homem que eu amei por anos,
sinto meu estômago embrulhar. Minha mente trava, e eu sinto raiva.
Uma raiva que deveria ter ido embora, depois de todos esses
meses, mas não foi.
O meu ex abre a boca para dizer algo, ameaça dar um passo
à frente, contudo, mãos delicadas seguram meus ombros, o fazendo
parar.
– Finalmente encontrei você. Seu namorado já está pegando
suas coisas e logo desce pra te encontrar. – Nunca a voz bonita de
Letícia, foi tão gostosa.
Olho para ela, quando fica ao meu lado, e seus olhos de um
castanho chocolate se fixam nos meus. Por alguns segundos, ela
me vê.
Me vê de verdade.
E eu não preciso que diga que sabe o que está se passando.
Ela sabe.
Sorrio, grata demais por sua presença, e ela sorri de volta.
– Certo. Vamos então. – Escolho ignorar a presença dos dois,
e nós duas saímos rapidamente.
Passamos pelo caminho de cascalho e viramos à direita. Ao
longe, vejo um estacionamento extenso, onde provavelmente o
carro de Arthur foi guardado. Antes que alcancemos o lugar, paro de
andar, e Letícia faz o mesmo.
Viro de frente para ela, seguro sua mão, e ela me olha
atentamente.
Tomo um fôlego.
– Obrigada por isso.
Letícia fica alguns segundos em silêncio, me estudando.
Estala a língua e nega com a cabeça.
– Famílias grandes têm uma vantagem. Você conhece gente
de tudo quanto é tipo e nunca está sozinha. – Ela olha ao redor,
focando na lateral da mansão e depois retorna para mim. – Eu não
tinha isso antes de conhecer Alfred. Mas foi fácil me sentir acolhida
quando me conheceram.
Permaneço em silêncio, esperando que continue.
– A família Rabello me deu a família Mariano também, e
conhecer Thays e Larissa foi apenas uma consequência. Mas como
tudo na vida, há sempre um lado ruim. E famílias tão grandes como
essas, também têm.
Seu dedo segura uma mecha do meu cabelo, e ela a coloca
para trás.
– Com tantas pessoas assim, não conseguimos ser próximos
de todos. São gerações e gerações, e isso dificulta de conhecermos
todo mundo. – Ela sorri levemente. – Seu ex-noivo é um deles.
– Você também não o conhecia? – indago.
Ela nega com a cabeça.
– Parece que aquela parte da família aparece apenas em
eventos caros e enormes como esses. Isso, se aparecer.
Reflito um pouco sobre isso.
– Marcos não gostava de se reunir com a família. Pra falar a
verdade, eu só conheci os pais de Larissa, porque ela era minha
amiga e namorava a Thays na época.
– Pelo que me contaram, houve uma briga, há anos. E aquele
lado, é meio esquecido no churrasco. – Ela solta uma risada.
– Imagino que esteja sabendo de tudo isso, porque as noivas
te contaram.
Balança a cabeça em um sim.
– No jantar de noivado, quando vocês foram embora. Thays
acha que você surtou, porque poderia dar merda deixar seu ex e
seu atual no mesmo lugar.
Agora, é minha vez de rir.
– Queria que fosse assim tão simples.
– Sabe, eu fiquei me questionando do porquê você iria querer
inventar um namoro falso.
Franzo a testa.
– Arthur não disse?
Ela nega com a cabeça.
Desvio o olhar para o chão, sentindo algo gelar meu peito.
Arthur me respeitou e respeitou a minha privacidade. Mesmo
que ele soubesse muito bem que tudo isso veio de um surto, ao ver
meu ex-noivo e sua atual, depois de meses, ele não disse nada.
Pela primeira vez, penso sobre isso. Sobre o fato de que ele
poderia ter caçoado de mim. Poderia ter zombado e rido da minha
cara.
Eu teria rido da minha cara.
Eu merecia isso. Merecia dele.
Contudo, ele não o fez.
Foi extremamente compreensivo e não fez nada, além de
deixar bem claro que não gosta muito de Marcos.
Ele escolheu isso. Escolheu a mim.
Meu coração se aperta, e eu sinto uma pressão na minha
cabeça.
Arthur se mostrou, mais do que em qualquer outro momento,
a pessoa madura que eu sei que é. Respeitoso, compreensivo e
maduro.
Fecho os olhos por um instante e sinto a mão de Letícia
apertar a minha.
– Você está bem? – Me olha com apreensão.
– Estou, eu… É só muita coisa pra digerir.
– Eu sei. E se precisar de mim para algo, é só falar. – Ela
sorri fraco, e eu correspondo.
– Obrigada de novo, Lety – agradeço à minha salvadora.
– Por nada. Espero estar por perto, sempre que o imbecil
estiver também.
Dou risada, e voltamos a caminhar em direção à garagem.
– Como você sabe que ele foi o imbecil? – Arqueio a
sobrancelha para ela, que ri alto e debochadamente.
– Meu amor, viu aquele cabelinho penteado para o lado?
Aquele é o mais imbecil de todos.
Jogo a cabeça para trás e solto uma gargalhada.
– É… Não tem como argumentar contra isso. Você está certa.
– Penélope? – me chama e eu a olho.
– Hum?
– Eu estou sempre certa.
Sabe aquelas situações na vida, que você jamais imaginaria
que poderia acontecer, mas se vê em uma delas?
Se formos parar para pensar, todo esse mês tem sido
recheado de situações que, nem nos meus maiores sonhos, me
imaginei vivendo.
A começar pelo fato de que não transo faz um mês. Além de
ser algo muito raro de acontecer, desde que eu descobri que gosto
de transar com mulheres, eu pensei que sentiria mais falta.
Que estaria querendo comer cada mulher que aparecesse na
minha frente ou que bateria tanta punheta, que criaria mais calos
nas mãos.
Porém, nada disso está acontecendo.
Não que eu não queira mais transar ou que não tenha me
masturbado nas últimas semanas. No entanto, a novidade de tudo
isso, é que tudo está direcionado a uma única pessoa.
À loira de bunda grande, subindo a trilha na minha frente.
As coisas já estavam mudadas fazia um tempo, só que
depois daquele beijo, eu me vi obcecado por ela.
Quando nessa vida, eu ficaria obcecado por alguém, não é?
Quem imaginaria?
Eu penso nela a todo instante, e não é um tipo de
pensamento coerente. É meio insano.
Me pergunto o que ela está fazendo, se está comendo, se
está descansando. Aí eu me lembro de como ela ficou em meus
braços. De como correspondeu tão de imediato aos meus toques e,
inegavelmente, penso como seria na cama.
Principalmente nessa semana, que resolveu me evitar a todo
custo.
O certo a se fazer, é me afastar. Penélope se envolveria
demais, e eu não sou um cara para nada além de algo casual e
passageiro.
Eu estava disposto a isso, até que a vi, cercada por suas
malas, em frente à sua casa.
O jeito como me comeu com os olhos, teve um resultado
completamente oposto a tudo o que planejei. A forma como
amoleceu em meus braços, como a pele se arrepiou sob minha
boca, e como tentou, com todas as forças, me afastar e não
conseguiu, me deixou mais curioso ainda.
E, como o destino é bondoso comigo, dividirei uma cama com
a mulher por sete dias.
Abro um sorriso, olhando os músculos da sua perna se
contraírem, quando sobe uma pequena rampa.
Serão sete dias muito interessantes.
– Argh! Vamos ter que andar tudo isso pra chegar na outra
cachoeira também? – uma voz resmungada fala atrás de mim.
– Eu disse que deveríamos ter ficado jogando Free Fire –
outra voz diz.
Reviro os olhos.
Esses adolescentes estão insuportáveis.
– Vocês deveriam aproveitar, isso sim. Logo, logo vocês
voltam pra escola e pra vida entediante de vocês – respondo e
sorrio, quando mais resmungos surgem.
Penélope olha para trás e lança um leve sorriso para os meus
dois primos reclamões.
Seus olhos focam nos meus por uns segundos, e ela desvia
rapidamente.
Ela tem feito isso desde que deixamos a mansão com um
grupo de pessoas. Alguns familiares meus, de Larissa e poucos
amigos.
Já havia notado que no carro ela estava meio dispersa, mas
como viemos com Letícia e Alfred, eu deixei passar.
Contudo, quando começamos a trilha, Penny ficou calada.
Pensativa.
E eu acho que sei por quê.
Ao alcançar o segundo andar da casa, depois de buscar
minhas coisas, vi o mauricinho do seu ex com a namorada.
E meu palpite é que eles se encontraram, quando ela saiu
antes de mim.
Me amaldiçoei por ter combinado de encontrá-la depois e por
não estar lá, quando o encontro aconteceu.
Estou louco para perguntar o que houve, entretanto, ainda
não tive oportunidade.
Espero que as atividades, pelo menos, a animem de novo.
– Vamos entrar de férias mês que vem. – Olho para trás,
vendo minha prima Emanuela. – Não deveríamos estar aqui.
– E você preferia estar estudando? – Gabriel, meu outro
primo, da mesma idade da menina, pergunta.
– Vocês não sabem aproveitar o que é bom, isso sim – meu
tio Ivo, logo atrás deles, afirma.
– Exatamente, tio. Eu era um adolescente muito melhor, não
era? – Sorrio e ouço ele dar risada.
– Você era terrível, menino. – Penélope vira para trás,
guardando um sorriso, ao ouvir a conversa. – Vivia dando perdido
em todo mundo e fugindo à noite.
Sua risada rouca e alta, me faz rir também. Penélope me olha
com a sobrancelha arqueada, antes de voltar para o meu tio.
– Pra onde ele ia, seu Ivo?
Estreito os olhos para ela, que sorri de modo travesso.
– Ninguém nunca soube, minha cara. Ele, o irmão e mais um
bando de molecada, saiam e voltavam ilesos. Eu só não faço ideia
pra onde.
– Essa cidade é minúscula. Não tem pra onde ir – Gabriel diz,
com toda a convicção que um adolescente chato tem.
– Se você largar esses jogos chatos, vai ver que está
errado… Ai! – Levo a mão até a nuca, ao sentir um tapa.
Ao lado do meu tio, minha tia Antonela me olha, irritada.
– Pare de incentivar o menino a sair vagando à noite como
você fazia, Arthur Rabello.
Olho para ela, indignado, mas uma risada gostosa ao meu
lado, me faz ficar quieto. Penélope ri alto, e pela primeira vez,
percebo que estava sentindo falta desse som.
– Sua tia está certa. – Ela me olha com um brilho divertido
nos olhos. – Melhor não incentivar seus primos a seguirem seu
exemplo.
As pessoas ao redor riem, e eu tento fazer o mesmo, porém
fico olhando para o rosto fascinante dela, com uma pequena
camada de suor na pele e um tom rosado nas bochechas.
Seu sorriso é grande, daquela forma que toma seu rosto
inteiro e contagia qualquer um que o vê.
Nos encaramos por um tempo, e aquela necessidade de
beijar sua boca, volta com força.
Preciso respirar fundo e voltar a andar ou terei que arrastá-la
para uma moita aqui perto e fazer tudo o que tenho em mente há
semanas.
Depois de alguns minutos, finalmente chegamos à primeira
cachoeira. A Cachoeira Monjolinho fica no Mirante das Águas e
possui uns onze ou doze metros de altura.
Cercada por vegetação, é de fácil acesso e possibilita um
bom banho de ducha natural. Além da “piscina” à sua frente, para
quem quiser nadar e relaxar.
Deixamos nossas coisas embaixo de uma palmeira, e eu já
arranco minha camiseta, molhada de suor. Letícia e Penélope estão
um pouco afastadas, com a loira passando protetor solar nas costas
da morena, e Alfred e eu permanecemos onde estamos.
Puxo uma garrafa de água do cooler que trouxemos e a viro
quase toda de uma vez.
– Como as coisas estão indo? – meu irmão me pergunta.
Eu o olho, e ele aponta com a cabeça em direção às duas.
Penny gargalha de algo que minha cunhada diz, enquanto ambas
tiram os tênis, e eu olho para ele de novo.
– Está tudo ótimo – respondo e recebo um olhar desconfiado
dele. – O que foi?
– Eu achei que vocês não se suportassem…
– Ela até que é legal… – digo, dando de ombros.
– Legal?
– Isso – respondo e levo a garrafinha até a boca de novo.
– E quando foi que você a beijou?
Engasgo com a água ainda na garganta e começo a tossir
feito um doido. Alfred cai na gargalhada, deixando tapas nas minhas
costas.
Quando volto a respirar normalmente, olho para ele com um
questionamento nos olhos.
– Arthur, está escrito na sua testa. – Faço uma careta. – Veja
pelo lado bom, você nem precisa fingir que está caidinho por ela.
– Não estou caidinho. Foi só um beijo. – Desvio o olhar e vejo
minha cunhada começar a tirar a roupa, ficando com a de banho.
– Certo… E você está tentando me enganar ou se enganar?
– Ah, cala a boca, Alfredo. – Sua risada diz que estou,
provavelmente, fazendo a mesma cara que fazia quando era
criança.
Começo a levar a garrafinha de novo até minha boca, quando
minha visão, trava meus movimentos por completo.
Penélope começa a tirar a roupa também.
Meu coração dispara, minha respiração acelera, e eu não
consigo me mover.
Ela primeiro tira a blusinha. De costas, vejo sua coluna reta
com um pequeno laço no meio, só que quando se vira de frente
para mim, sinto que terei uma parada cardíaca a qualquer momento.
Meu caralho!
Seus seios são grandes, entretanto, não de um jeito
excessivo. Sustentados por um biquíni amarelo, eles balançam
conforme ela dobra a blusa e a guarda na bolsa.
Minha boca saliva ao vê-la jogar os cabelos longos para trás
e deixar todo o tronco exposto para mim.
Distraída e conversando com minha cunhada, a filha da mãe
se vira de costas de novo e começa a tirar o short.
Mal noto a garrafinha na minha mão caindo no chão no
momento em que o tecido escorrega para baixo, e minha visão é
preenchida por uma bunda redondinha, grande e coberta por um
filete ridículo de tecido amarelo.
Ela está usando um fio dental.
A porra de um fio dental.
Ela ajeita o biquíni ao lado do quadril e depois a parte enfiada
na bunda.
Meu pau cresce de uma forma perigosa, e eu respiro
profundamente, para não passar vergonha na frente dos meus
familiares.
Ela finalmente me olha e me pega a encarando. Ao contrário
do que imaginei que aconteceria, Penélope não parece ficar irritada.
Pelo contrário, um sorrisinho perverso surge em seu lábio,
para logo em seguida ser mordido.
Deus, se quiser me levar, seu filho está pronto. Ele morrerá
feliz.
A maldita se vira de costas, diz algo para Letícia e anda em
direção às rochas mais altas na lateral da água.
Minha cunhada me vê e solta um risinho.
Minha concentração ainda está na bunda grande caminhando
em direção aos pequenos rochedos.
– E aí, vai fazer alguma coisa ou vai ficar parado? – Lety diz,
ficando ao meu lado.
Meus olhos não desviam do alvo.
– Não precisa dizer nada, gatinha. Ele já se decidiu – meu
irmão afirma.
Ele me conhece. Me conhece muito bem.
Sem dizer mais nada, tiro os tênis, arranco minha bermuda
do corpo, a largo de qualquer jeito e fico com minha sunga boxer
preta.
Assisto Penélope saltar em um mergulho perfeito até a água
e submergir depois de alguns segundos. Ignoro os gritos dos meus
familiares ao redor. Ignoro as conversas e risadas. Ignoro a
existência deles.
Ignoro tudo, enquanto caminho até a água.
Conforme avanço, vejo a loira nadar um pouco, receber os
jatos da cachoeira e boiar na água.
Ela não repara na minha presença, nem quando finalmente
entro na piscina natural.
Faltando alguns metros, eu mergulho.
A água não é transparente e dificulta a visão por debaixo,
portanto, volto para a superfície um pouco antes de alcançar a
mulher. Quando estou a um braço de distância, ela se vira para mim
e solta um arquejo assustado, assim que me vê bem na sua frente.
Não dou tempo para que diga algo, agarro suas pernas, a
levantando e encaixando no meu colo. Suas pernas abraçam minha
cintura, e minhas mãos voam para sua bunda.
Ela me olha, assustada, abraçando meus ombros e
respirando com dificuldade.
Meus olhos reparam em cada detalhe bonito do seu rosto. Os
olhos parecem mais claros que o normal, provavelmente por conta
do reflexo da água, os deixando mais lindos ainda.
Sua boca está rosada e tentadora, sua pele molhada e
levemente corada. Os cabelos molhados e escorregadios.
O cheiro da sua pele, misturado com o cheiro da natureza ao
redor, é intoxicante, e eu me sinto hipnotizado.
Hipnotizado pelas suas curvas. Desde os seios redondos até
os sorrisos largos.
Hipnotizado pela forma como pensa, como age, como inspira
qualquer um ao redor.
Hipnotizado pela lembrança de ter seus lábios nos meus, de
saber como é bom e de querer mais uma vez.
Hipnotizado por ela.
Toda ela.
– Você deveria ser punida, sabia? – Minha voz sai tão rouca,
que eu nem a reconheço.
– Pelo que? – sussurra de volta.
– Por usar essa coisa que mal cobre sua boceta. – Aperto
sua bunda e a sinto se remexer em meu colo.
– É-é … só um biquíni. – Sua voz falha, e meus olhos são
atraídos para sua boca, quando umedece os lábios.
– Essa coisa que chama de biquíni, quase foi a causa da
minha morte, mulher. – Aperto sua carne novamente e a esfrego de
novo em mim.
Ela sorri de um jeito tão sexy, que me preocupo se meu pau
não vai furar a porcaria da sunga.
– Morreria tão fácil assim, Arthur? – Ela me olha nos olhos. –
Achei que o Herdeiro Galinha fosse mais resistente que isso.
A loira me provoca, e esse apelido nunca foi tão horrível aos
meus ouvidos.
Nego com a cabeça.
– Você não tem noção, não é?
Suas sobrancelhas se franzem em confusão.
– Noção de que?
Balanço a cabeça de novo e respiro fundo.
– Preciso de mais um.
– Mais um o quê?
– De mais um beijo.
Arrasto minhas mãos por suas pernas e volto para sua
bunda. Levo uma mão até seu rosto, encaixando sua bochecha na
palma. Ela me olha.
Um olhar cheio de dúvidas, mas também cheio de desejo.
– Não deveríamos fazer isso. – Seus olhos caem em meus
lábios quando sussurra.
– Não sou conhecido por tomar decisões prudentes,
Penélope.
– Eu sou. Eu sou conhecida por isso.
– Então me deixe te mostrar o quanto é bom tomar péssimas
decisões.
Ela respira fundo algumas vezes, esmagando os seios no
meu peito.
– Só mais uma vez, ouviu? – afirma. – Só mais uma ve…
Eu a silencio.
Colo minha boca na sua e faço exatamente aquilo que
desejei a cada minuto da última semana.
Eu a beijo.
Primeiro, saboreio o gosto dos seus lábios. Macios e
desenhados. Lábios esses que me tentam desde o primeiro
momento em que a vi. Quando disse palavras espertas e
provocadoras.
Depois, peço passagem com a minha língua.
Ela permite.
Tombo a cabeça para o lado e busco sua língua dentro da
sua boca. Quando elas se tocam, um gemido deixa seus lábios, e
eu sinto meu pau pulsar.
Minha mão desliza para sua nuca, e eu a agarro com força.
Muito mais calmo do que da primeira vez, esse beijo é
exploratório.
Mantendo seu corpo colado no meu e agarrando-a de forma
firme, conduzo o beijo do jeito que gostaria de fazer.
Lento.
Como se eu estivesse fazendo uma pesquisa.
Aprendendo os movimentos que faz com a cabeça. O que a
faz soltar gemidos baixinhos. Como gosta que minha língua dance
com a sua. A reação que tem quando mordo seu lábio inferior. O
jeito que passa os dedos por meus cabelos.
Eu aprendo tudo. Memorizo cada reação, enquanto nossos
lábios se encaixam de uma maneira quase poética.
Não preciso que me diga o que quer.
Eu sei. Eu faço.
Como se soubesse disso minha vida toda. Como se
nascesse para beijá-la.
E eu a beijo. Até o momento em que tudo deixa de ser
cuidadoso e passa a ser sensual. Seu corpo começa a se esfregar
no meu, e minha mente entra em pane.
Sinto meu corpo esquentar e esfriar ao mesmo tempo. Sinto
tudo relaxar e também cada músculo se tensionar.
A boca de Penélope é deliciosa. Seus lábios tem um sabor
único. E eu começo a querer mais. Minhas mãos passeiam por seu
corpo, ansiando por mais.
Sua boceta quente se esfrega em mim, e eu só quero
arrancar essa porra de biquíni e sentir sua excitação melar meus
dedos.
Seguro sua bunda com ambas as mãos, à medida que ainda
a engulo com a boca.
Quero fazê-la sentir. Sentir tudo.
De novo e de novo. Incessantemente.
Eu gemo, eu sugo seus lábios, engulo sua língua. E ela
corresponde. Cada movimento, tão sedenta quanto eu.
Um grito muito alto e muito próximo de nós, nos assusta e
nos obriga a desgrudar as bocas.
Olhamos para o lado, vendo algumas pessoas pulando dos
rochedos e jogando água uns nos outros.
Minha respiração descompassada reflete a de Penny. Seus
olhos estão nos meus, em um tom de azul mais profundo. Ela lambe
os lábios e sorri para mim.
– Por um instante, eu me esqueci aonde estava.
Sorrio e ponho uma mexa do seu cabelo atrás da orelha.
– Eu também.
Ela ri, porém fica séria logo em seguida.
– Isso vai acontecer de novo, não vai?
– Vai – respondo no mesmo segundo. – Com certeza, vai.
Penny fecha os olhos e toca a testa na minha. Inspiro seu
cheiro, ao passo que acaricio suas costas.
– Eu vou me arrepender disso? – questiona.
– Farei de tudo para que não se arrependa.

– O que está fazendo? – pergunto para Penny, quando ela se


concentra no celular.
– Olhando minhas mensagens – responde, distraída.
Depois de ficarmos mais um tempo lá, nadando e relaxando,
almoçamos o lanche que os Mariano haviam nos preparado e
seguimos para a próxima cachoeira.
Chamada de Cachoeira Escorredor, a água escorre por cima
das pedras na forma horizontal, formando um grande escorregador.
Com uns seis metros de extensão, você pode usar tirolesa ou uma
boia gigante para escorregar para, no fim, cair na piscina natural,
com um pouco mais de um metro de profundidade.
Era uma das principais cachoeiras em que vinha quando era
criança, por ser divertida e de fácil acesso.
Nosso grupo de pessoas terminou de encher as boias, e
estão se preparando para descer.
Penny franze a testa e entorta a boca para o lado, como se
estivesse em dúvida sobre algo.
– Está tudo bem? – pergunto, me aproximando.
– Está… Na verdade, está.
Fico confuso.
– E isso é uma coisa ruim?
– Não é que… – Ela solta uma risada e me olha. – Estou
treinando uma secretária.
Minhas sobrancelhas se erguem.
– Jura?
Ela ri de novo e guarda o celular na bolsa.
– Juro. O nome dela é Luisa, e me pareceu a melhor opção. –
Ela suspira. – Ao que parece, está tudo bem, já que não me mandou
nenhuma mensagem.
Sorrio para ela e a trago para perto. Minhas mãos
repousando em sua cintura.
– Estou feliz que ouviu meu conselho – digo, e sua
sobrancelha se ergue.
– Não vai se acostumando.
Solto uma risada alta e não perco o momento em que a
esquentadinha revira os próprios olhos.
Ouvimos um apito de longe, do instrutor, avisando que está
tudo pronto. Seguro sua mão, e andamos até a beirada da
cachoeira.
– Está tudo ok. Quem quer ir primeiro? – o instrutor pergunta.
– Nós vamos – falo alto, antes de todo mundo.
Penny me olha, assustada, e eu apenas pisco para ela.
Subimos na boia amarela, que comporta dois adultos, no máximo,
com ela sentada no meio das minhas pernas.
O instrutor explica que não é uma descida muito veloz, mas
que mesmo assim, é necessário segurar firme nas faixas laterais.
Mesmo que faça anos que não faço isso, já estou mais do
que acostumado.
Diferente de Penélope.
Seus dedos ficam brancos com a força com que segura as
faixas, me obrigando a brincar com a sua cara.
Quem resistiria?
Inclino meu corpo, até alcançar seu ouvido e digo baixinho:
– Fica tranquila, formiguinha. Ninguém morre nessa
cachoeira há uns dez anos.
– O quê? – Sua cabeça se vira para mim tão rápido, que sua
testa quase bate na minha.
– Preparados? No três! Um… – o instrutor grita atrás de nós.
– Espera. Espera. Eu quero descer.
Seguro sua cintura no lugar, quando ela ameaça se levantar
e dou risada.
– Dois. Três!
Ao som do berro assustado de Penélope, o homem nos
empurra, e começamos a descer.
Chacoalhamos de um lado para o outro, por conta do chão
irregular.
– Eu vou morrer. Eu vou morrer. Eu vou morrer – ela fala
desesperadamente, conforme descemos.
Minha barriga dói, do tanto que dou risada. A mulher começa
a dizer uma centena de palavrões, que nunca imaginei saindo da
boca dela antes.
E eu rio, de uma forma que não me lembro de ter feito na
vida.
– EU VOU TE MATAR, ARTHUR. SE EU MORRER, EU VOU
TE MATAR! – berra, me fazendo gargalhar mais ainda.
Finalmente a queda termina, e caímos na água. Quando isso
acontece, abraço sua cintura, tombo meu corpo para o lado,
fazendo a boia perder o equilíbrio e nos jogar na água.
Penélope grita feito uma doida, antes de mergulhar comigo.
Quando submergimos, as pessoas lá de cima comemoram
aos gritos. Penny balança os braços na água e olha ao redor,
assustada.
– Eu estou viva? Eu estou viva! – Ela me olha, sorrindo. –
¡Estoy viva, hijo de puta![14]
Quase caio na água de novo, quando começo a gargalhar
sem parar. Penélope me acompanha, e damos risada como dois
idiotas.
Puta merda, isso foi sensacional.
Abraço minha barriga, sentindo dor de tanto rir e fecho os
olhos.
Eu sabia que seria engraçado, entretanto não imaginei que
fosse vivenciar uma das cenas mais hilárias da minha vida.
De repente, noto que estou rindo sozinho e percebo que
Penélope se calou. Abro os olhos e vejo que seus olhos estão em
mim, mas seu sorriso desapareceu.
Forçando minha respiração a voltar ao normal, paro de rir aos
poucos.
Algo em seus olhos, me faz ficar preocupado.
Eu só vi esse olhar uma vez, e já faz um mês.
Foi no dia em que vi seu ex-noivo pela primeira vez.
Era um olhar de culpa. Como se sentisse culpa por algo que
fez.
O que não entendo, é o porquê desse mesmo olhar estar me
encarando agora.
Abro a boca para questionar, porém o que ela diz, faz meu
coração errar uma batida.
– Me perdoe.
Perco o fôlego por alguns instantes, piscando os olhos para
entender o que está havendo.
– O quê? – sussurro, sentindo meu peito se comprimir.
– Me perdoe, Arthur.
– Te perdoar pelo quê? – Me aproximo e seguro seu rosto
entre as mãos.
Não consigo pensar em nada que ela pudesse ter feito para
que a desculpe, contudo, a dúvida dura pouco. E sua resposta faz
com que o mundo pare de girar por alguns segundos.
– Me perdoe pelo que houve naquela noite. Me perdoe por
tudo.
Alguns meses antes…

– E do que você gosta, Penélope?


O homem tatuado e com o rosto perfeito se aproxima, e eu
tento segurar o estremecimento do meu corpo ao ouvir sua voz
baixa.
O jeito que fala comigo, e a forma como meu corpo reage a
isso, está ficando intragável.
Toda vez é a mesma coisa. Ele insiste em falar comigo, em
chamar a minha atenção para si, e, de alguma forma, funciona.
Onde quer que eu esteja, se ele estiver por perto, eu vou notá-lo.
Foi assim na primeira vez, e continuou sendo depois.
Só que isso é ruim. Muito ruim. Não quero notá-lo. Não quero
vê-lo. Não quero sentir nada a respeito dele.
– Por que quer saber? – Tiro os olhos do quadro à minha
frente e o olho por cima do ombro.
– Eu não posso querer te conhecer? – Meu coração dá um
salto. – Pela forma como as coisas estão indo, nossos amigos logo
estarão em um relacionamento sério, e acredito que nos veremos
com frequência.
Sua voz se aproxima mais ainda, e eu consigo sentir o calor
do seu corpo às minhas costas.
Isso é errado.
Não quero que me conheça. Não quero que conheça nada do
que eu sou. Do que me sobrou.
Não sou mais uma pessoa normal. Não sei se poderei ser
novamente.
Ele não entende que me conhecer, é a última coisa que eu
quero. Mesmo que já tenha deixado claro que não estou
interessada, ele continua insistindo.
Por que insistir em algo que já foi perdido?
Por que insistir em mim?
– Por que realmente quer me conhecer, Arthur? – Finalmente
me viro de frente para ele. – Não vamos fingir que tudo isso é
apenas porque Diana e Benjamin serão um casal em breve.
Vejo uma confusão passar por seu olhar. Os olhos castanhos
que sempre foram tão atentos a tudo, me estudam. Acho que tenta
me entender.
No entanto, não há o que entender. Eu não o quero. Não
quero ninguém.
O problema é que sempre foi fácil. Dizer “não” para qualquer
um foi fácil. Não sentir nada, nenhuma vontade, nenhum desejo,
nenhuma curiosidade. Ninguém me despertou nada.
Até ele chegar.
Até ele me tocar pela primeira vez e me fazer sentir.
Sentir qualquer coisa, pois não sentia nada há meses.
E isso é o pior para mim. Não deveria acontecer.
Arthur deveria ser indiferente, como qualquer outro.
Entretanto, ele não é.
Ele é alguém. Ele me faz sentir… algo.
E eu o odeio por isso. Odeio que me faça pensar no quanto
estou quebrada, que me faça querer juntar os cacos e tentar de
novo.
– E por qual outro motivo, eu iria querer te conhecer, loirinha?
Ele sorri, e isso me quebra mais um pouco.
Gosto do seu sorriso, gosto de como é fácil. Tão diferente de
mim, que sorrio de verdade apenas com a minha família.
E ainda assim, em alguns dias, é difícil. Muito difícil.
Arthur tem uma leveza que eu gostaria de ter. Sua maneira
de levar as coisas, deveria me inspirar.
Eu deveria pegar o seu jeito e aprender com ele.
Só que é exatamente o contrário, que eu faço.
Eu detesto.
Detesto que ele seja tão desinibido, quando tudo o que eu
faço é me inibir.
Detesto que não tenha medo de mostrar o que quer, quando
tudo o que eu faço é me mascarar.
Detesto que ele seja tudo o que eu gostaria de ser, quando
tudo o que eu faço é o oposto.
O que pessoas machucadas fazem quando sentem dor?
Elas machucam.
E essa é a minha vontade agora. Quero ferir, como fui ferida.
Quero que ele sinta o oposto do que eu senti.
Quero que tenha raiva. De mim. Que me odeie, como eu me
odeio.
Então é isso o que eu faço.
– Vocês só estão atrás de uma boceta para foderem e irem
embora, sem se importarem com o que a garota sente.
Vejo seus olhos perderem um pouco do brilho que sempre
carregam.
O sorriso ainda não se foi totalmente. Por enquanto.
– Espera, do que está falando? Você nem me conhece – ele
retruca, e eu já sinto sua raiva.
– Eu conheço o seu tipo. Joga sorrisinhos sedutores para
qualquer uma que aparece e pensa apenas em satisfazer seus
desejos.
– E qual é o problema de transar casualmente, Penélope?
Que pecado eu cometo por isso? – rebate, e eu tenho que me
esforçar para não sucumbir.
Não há nenhum problema, na verdade. Uma das minhas
melhores amigas vive uma vida de sexo casual e sem apego
emocional com ninguém.
Contudo, eu preciso disso. Preciso de um motivo para que
me odeie.
Estou chegando lá. Só mais um pouquinho.
– Isso me diz muito sobre seu caráter, Arthur. Acha que não o
vejo nas revistas semanais com uma mulher diferente toda semana?
– Solto uma risada de escárnio. – Vocês são todos iguais para mim.
– É sério que está me comparando com alguém, sem nem ao
menos me conhecer? Não, meu bem. Você não me conhece. O fato
de transar sem compromisso, não me transforma em alguém ruim. –
Agora é sua vez de rir. – Não acredito que eu esteja explicando isso
para uma mulher adulta. O que é? Nunca deu para alguém sem que
fosse um namorado?
Ele me atinge. Ele está certo e ao menos sabe disso.
Eu vacilo. Meus olhos ardem, com vontade de lacrimejar, mas
eu seguro. Mantenho o rosto impassível.
Dou minha cartada final.
– E você, sempre brincando e tirando sarro de tudo, nunca
levou nada a sério na sua vida?
E, finalmente, eu consigo.
Seu sorriso caloroso morre por completo.
Seus olhos? Esses se apagam como um sopro na chama de
uma vela.
Vazia. Me sinto vazia. E agora, eu sei que ele me odeia.
Me odeia como eu o odeio.
E eu mereço. É o que mereço por ser assim. Por estar assim.
Por não conseguir mudar. Por não querer sentir.

Foi o sorriso.
O culpado por me fazer lembrar daquela festa. Da noite em
que eu me esforcei para conseguir tirar o brilho do sorriso que eu
tanto gostava.
A forma como gargalhou agora, foi como um gatilho. Por
alguns instantes, eu ouvi sua risada, vi seu rosto se contorcendo em
alegria e tive medo.
Temi que um dia esse sorriso se apague de novo por algo
que eu faça.
Que ele suma e nunca mais apareça para mim.
Então, eu finalmente disse as palavras. As palavras que
estavam entaladas na minha garganta há meses. O que eu deveria
ter dito desde o momento em que despejei aquelas coisas nele,
naquela noite.
No entanto, o orgulho me impediu. E a vergonha.
Nossa, essa foi grande.
Uma vergonha que nunca senti antes e que me corroía por
dentro.
Entretanto, as últimas semanas me mostraram que eu estava
errada.
Não apenas naquela noite, mas ao pensar que Arthur não me
perdoaria. Que ele me condenaria por ser uma completa idiota.
Essas semanas me mostraram um pouco do seu coração. O
quanto é bondoso e bonito.
Tão bonito quanto ele.
Levo minhas mãos até as suas, ainda repousadas em meu
rosto.
Seus olhos estão diferentes do que imaginei que estariam.
Pensei, de verdade, que ele não facilitaria para mim.
Porém, é dor o que vejo.
Não por ele.
Por mim.
Ah, Arthur… Como é impossível te odiar.
Ele continua sem dizer nada, estático e surpreso com minhas
palavras.
– Eu me arrependo do que disse pra você naquela noite,
desde o momento em que pus os pés pra fora da sua casa –
continuo. – Eu queria voltar, me ajoelhar na sua frente e… e
implorar por seu perdão. Dizer que fui uma completa estúpida e que
você não merecia aquele tratamento.
– Penélope… – ele tenta dizer, mas eu o impeço.
– Por favor, me deixe falar. Eu… eu preciso falar. – Minha
respiração fica desregulada.
Ele concorda com a cabeça, abraça meu ombro e me puxa
para o seu lado.
– Vem, vamos sair daqui.
Andamos alguns metros para o lado, deixando o caminho
livre para quem ainda vai descer a cachoeira.
Saímos da água e paramos ao lado de uma árvore grande,
longe de todos.
Minha mente dá voltas, meu corpo treme, e eu tento controlar
a respiração.
Quando Arthur para à minha frente, seu olhar fica mais
preocupado.
Por que se preocupar? A culpa foi minha.
Ele abre a boca querendo dizer algo, só que logo a fecha.
Fica em silêncio, até que eu esteja pronta para continuar.
Sem saber ao certo por onde começar, começo por onde dói
mais.
– Ele me traiu.
Arthur fica completamente imóvel à minha frente.
– A mulher que está com ele aqui, é a mesma que eu
encontrei nua, nos lençóis da minha cama, gemendo o nome do
meu noivo. – Respiro com dificuldade. – Naquele dia, eu dei as
costas para tudo, Arthur. Para ele, para nosso casamento, para o
nosso passado e para o futuro. Eu me fechei em um casulo
impenetrável. No momento em que lhe dei um tapa na cara e joguei
a aliança no seu peito ainda nu, eu enterrei uma parte de mim.
Meus olhos lacrimejam, porém eu não choro. Ainda não.
– Tem ideia do que eu dei para ele? Do que eu fiz? Eu
entreguei meu coração, confiei em alguém que dizia me amar, e na
primeira crise que tivemos, ele me traiu. Ele tirou tudo de mim, e eu
não sabia como recuperar.
Arthur leva as mãos até seus cabelos molhados e bagunça
os fios. Seu olhar se perde por alguns instantes, provavelmente, é
sua mente tentando compreender, e se volta para mim.
– O que houve depois? – me pergunta com um fiapo de voz.
– Eu me parti, em milhões de pedaços. Como um espelho
quebrado, eu tinha tantos cacos espalhados pelo chão, que todas as
minhas forças se foram. – Engulo em seco, tentando manter a voz
intacta. – Eu não comia, não dormia, não falava com ninguém, não
via ninguém. O jeito como fiquei, não me permitiu nada. As roupas
que ficaram em nossa cobertura de luxo, foram trazidas por minhas
amigas. O apartamento que eu batalhei tanto pra ter, ficou para ele,
assim como tudo lá dentro. Eu não queria nada, nada que pudesse
me lembrar dele. Nada que representasse o que eu havia perdido.
Desvio o olhar, quando seus olhos espelham a dor em meu
coração.
– Acha que eu não sei que a casa onde eu moro é simples?
Eu não tinha forças nem para isso. Nem pra procurar algo melhor
pra mim, que trabalhei muito pra ter. – Eu o encaro novamente. – Eu
não queria mais viver, Arthur. Se não fosse pela minha família, por
minhas amigas, eu não sei se estaria aqui, conversando com você.
Eu não sei afirmar ao certo se teria tirado minha própria vida,
mas certamente eu me afundaria no buraco negro que engoliu meu
coração, e não sairia mais dali.
Agora é a vez da respiração de Arthur mudar. Ele se
aproxima, segura meu rosto em suas mãos de novo e me olha
intensamente.
– Você não pensa mais assim, certo? Você… você superou.
Você está bem, não está?
Eu quase sorrio.
– Se está perguntando se eu não o amo mais, não. Não amo.
O que eu perdi nesse relacionamento, foi muito maior do que a
confiança. Eu levei alguns meses pra parar de chorar durante à
noite. Pra conseguir sair, trabalhar, viver novamente.
Sua cabeça sobe e desce rapidamente.
– Isso. Você está vivendo e vai continuar assim. – Ele franze
a testa. – Naquela noite…
– Naquela noite, eu não soube lidar com algo que estava
acontecendo comigo e que não acontecia há muito tempo.
– E o que era?
– Você. Eu não estava sabendo lidar com você, com o que
você me fez sentir.
Seu rosto se contorce em confusão de novo, e eu esclareço.
– Eu estava oca, vazia, não sentia. Não desejava, não
ansiava por ninguém. Quando fiquei solteira e finalmente saí de
dentro de casa, eu não me senti atraída por ninguém. Tinha certeza
de que havia perdido essa possibilidade e que jamais voltaria. – Um
leve sorriso surge em minha boca. – Até o dia em que nos
conhecemos.
Seus olhos se arregalam, e suas mãos caem do meu rosto.
– O que quer dizer com isso? – questiona.
– Quando aquele cliente horrível machucou minha amiga,
foram seus braços que me envolveram e me impediram de fazer
alguma coisa. – Levo minha mão até seus ombros e aliso sua pele,
até alcançar as mãos. – Eles eram quentes, fortes, seguros. Foi
uma sensação tão estranha. Uma que eu nunca havia sentido. –
Volto a focar em seus olhos. – Eu queria continuar ali. Permanecer
sendo abraçada pelo cara desconhecido que surgiu do nada atrás
de mim. E isso me assustou.
Ele concorda, como se entendesse o que eu quero dizer.
Completo:
– Foi como um interruptor de luz, me iluminando em meio à
escuridão.
– Mas… Se você se sentiu assim, por que me rejeitou tantas
vezes?
Desvio os olhos dos seus. Essa é a parte que demorei muito
tempo pra entender. A parte que me envergonha.
– Eu não queria aquilo, não queria sentir. Eu não merecia
sentir nada.
– Como não merecia, Penélope? – Suas mãos seguram meu
rosto de novo, e eu sou obrigada a olhá-lo.
Dou de ombros.
– Estava machucada. E morrendo de medo de me permitir e
não conseguir lidar com o que viesse. Fosse algo bom ou ruim. E
então eu te repeli. Afastei o causador do sentimento, simplesmente
porque não merecia isso de você.
– Para de dizer besteiras.
– Eu te magoei, Arthur.
– Eu não me importo.
– Eu quis te magoar.
– Aquilo não foi nada. Era ego ferido, eu não aceitei sua
rejeição.
– Não diga isso. Não diminua o que eu fiz.
– Não estou diminuindo, estou te compreendendo, Penélope.
– Ele umedece os lábios. – Você estava na defensiva. Atacou antes
de ser atacada.
– E isso é horrível, Arthur. Eu chamei você de imaturo e mal
te conhecia. – Ele nega com a cabeça. – Eu era a imatura que não
soube lidar com os próprios sentimentos. Fui eu quem te afastei e te
fiz me odiar.
– Eu não te odeio, Penny.
– Pois deveria. Deveria me odiar, porque eu não mereço
nada além disso. Tudo o que eu recebi por confiar em alguém que
não me amava, eu mereci. Foi minha culpa que…
– Não diga isso. Não ouse terminar essa frase, Penélope.
Seu tom de voz firme me cala.
Seus dedos calejados acariciam minha bochecha, e por
alguns segundos, fecho os olhos.
Sua respiração se mistura com a minha, conforme ele
aproxima o rosto do meu.
– Nem a pior pessoa do mundo, merece o que ele fez com
você. Não há justificativas para uma quebra de confiança tão grande
como essa. Aquilo não foi postura de um ser humano de caráter.
Não importa os erros que você possa ter cometido ou que pensa
que cometeu.
Se ele soubesse de tudo… Talvez não pensasse assim.
Todavia, eu não conto. Não posso contar o meu maior
fracasso.
Esse é meu segredo, para que me puna diariamente.
Levo minha mão direita até seu rosto, acariciando a barba
baixa e bem feita de sua bochecha. Me concentro em seus olhos
castanhos, querendo que ele me diga o que preciso ouvir.
– Você me perdoa?
– Penny, não precisa…
– Por favor, eu preciso disso. Preciso ter certeza.
Ele suspira e me olha profundamente, antes de dizer.
– É claro que eu te perdoo, Penélope. Mesmo que não tenha
o que perdoar.
O alívio que sinto é tão grande, que meus joelhos falham.
Arthur me segura e me abraça apertado, deixa um beijo no topo da
minha cabeça, com meu rosto no seu peito nu.
Permanecemos assim por um tempo, ele com o nariz enfiado
no meu cabelo, e eu sentindo as batidas do seu coração.
Fortes e ao mesmo tempo, serenas.
Como uma canção, elas me acalmam. Me trazem de volta
para o estado pacífico em que estava.
– O que acha de voltarmos pra mansão? – Arthur me oferece,
depois de um tempo.
Como sempre, sabendo exatamente do que eu preciso.
– Acho uma ótima ideia.
Saímos de lá depois de encontrarmos outra carona para
Letícia e Alfred. De volta para a mansão, depois de um banho,
conheci mais alguns familiares de Arthur, passei um tempo com os
seus sobrinhos, conversei com algumas pessoas e em nenhum
momento, vi Marcos ou Samara de novo.
À noite, depois do jantar ao ar livre que as noivas nos
proporcionaram, ficamos conversando do lado de fora da casa, até
que quis me deitar.
Arthur permaneceu ao meu lado o tempo todo. Sempre
perguntando se estava bem, sempre me tocando, sempre me
observando.
De alguma forma, ele sempre estava lá. Me sondando.
E já está na hora de admitir que gosto disso.
Depois de vestir meu pijama, olho-me pelo reflexo do espelho
do banheiro do quarto.
Minha pele está um pouco queimada de sol, entretanto não
de um jeito ruim.
Estou tentando não pensar sobre a única cama, mas quer
saber? Dane-se.
Estou cansada demais para me importar com isso.
Saio do banheiro e olho para a janela. Arthur está de costas,
olhando a noite estrelada. Com uma calça de moletom preta e nada
mais no corpo, suas costas estão marcadas pela luz fraca do abajur.
Limpo a garganta, chamando sua atenção, e ele se vira para
mim.
– Vou dormir… Eu… – Coço a cabeça nervosamente. – Não
tem problema dormir na cama também. Ela é enorme…
Solto uma risada nervosa, e ele sorri. Viro-me depressa,
antes que veja o rubor nas minhas bochechas e me enfio debaixo
dos lençóis.
Alguns segundos depois, sinto a cama afundar e seu cheiro
de sabonete invadir minhas narinas. Ficamos alguns segundos em
silêncio, até que eu o quebro.
– O que significam as tatuagens?
Como ficou de sunga, pude ver que as pinturas estão
espalhadas pela perna esquerda inteira, assim como no braço.
Ele fica em silêncio por tanto tempo, que sou obrigada a me
virar para conferir se está acordado.
Seus olhos já estão em mim, quando o faço.
– Não tem um significado específico, na verdade. – Sua voz é
baixa. – Eu gostei dos traços do tatuador e quis fazer.
– Entendi. Vi que tem rosas, um lobo e mais algumas outras
coisas que não consegui decifrar.
Ele abre um sorriso malicioso, e eu estreito os olhos na sua
direção.
– Está querendo me pedir para conferir os desenhos,
formiguinha? Que curiosa.
Pego um dos travesseiros sobrando e jogo na sua cara. Ele
ri, e eu me esforço para não sorrir de volta.
– Você é impossível – resmungo, me ajeitando melhor
embaixo dos lençóis e fechando os olhos.
– É você quem está interessada em meu corpo. – Abro os
olhos no mesmo instante, o pegando com aquele mesmo sorrisinho.
– Não se preocupe com isso. Você tem passe livre quando quiser.
Minha boca se abre em choque.
– Sem vergonha – digo.
– Irritadinha – ele rebate.
– Arrogante.
– Mal humorada.
– Irritante.
– Linda. – E sorri, quando me calo.
Bufando, volto a fechar os olhos, mas não antes de dizer:
– Eu te odeio.
O silêncio predomina o quarto, e eu começo a pegar no sono.
A última coisa que lembro de ouvir, é:
– Mentirosa.
Eu pensei que já tinha sentido ódio.
Pensei que odiei as pessoas que tentaram impedir que minha
empresa crescesse. Pensei que odiei situações que saíram do meu
controle. Pensei que tivesse odiado quem fez mal às pessoas que
amo.
Pensei que odiei doenças incuráveis, catástrofes irreparáveis,
injustiças e mais algumas outras situações que presenciei na vida.
Pensei até que tivesse odiado Penélope.
Mas nada, absolutamente nada, me fez odiar algo, tanto
quanto Marcos.
Qualquer sentimento antes disso, não chegou nem perto da
dimensão que foi sentir o que eu senti.
Eu escondi bem.
Me concentrei nela e em ouvir o que tinha para me contar, e
não no que aquilo causava em mim.
Tenho certeza de que ela nem percebeu que cada palavra
que saía da sua boca ontem, incendiava minhas veias de uma forma
tão intensa, que cheguei a me assustar.
Se aquele filho da puta aparecesse na minha frente naquela
hora, eu não responderia por mim.
Eu o mataria.
Com minhas próprias mãos.
O mais medonho de tudo isso, não é o ato em si, mas sim o
fato de que eu não ligaria, nem mesmo por um segundo, de que
pudesse ser errado.
Que provavelmente a assustaria, assustaria meus familiares,
meus amigos.
Estava pouco me fodendo.
Não sei se foi Deus ou apenas a sorte, porém pelo restante
do dia, eu não o vi.
Porque se tivesse visto…
Ele não só a magoou.
Ele a dilacerou.
Desconsiderou toda a fidelidade e lealdade que ela tinha por
ele. A desrespeitou de tal maneira, ao trazer para a casa deles, uma
outra mulher. Não se preocupou com ninguém, além de ele mesmo.
O que aconteceu meses atrás, entre Penélope e eu, se
tornou algo muito irrisório e muito insignificante, comparado a tudo o
que me contou.
Mesmo me conhecendo há pouco tempo, mesmo que algo
esteja nascendo entre nós agora, ela se abriu.
Se abriu de verdade.
Sem agressividade. Sem defensiva. Ela me deu exatamente
aquilo que eu pedi, quando tudo isso aconteceu.
Honestidade.
Eu posso ser visto como uma pessoa rasa, aos olhos de
muitos. Penny não foi a única a dizer aquele tipo de palavra para
mim.
Contudo, eu jamais brincaria com os sentimentos de alguém.
Nunca magoaria ninguém, propositalmente.
E, por mais que nunca tenha passado pelo que ela passou,
sei que não foi fácil.
Imagina você ouvir promessas de amor eterno e fidelidade
inabalável, construir algo, planejar, idealizar, sonhar e ver tudo isso
ruir bem diante de seus olhos.
Pois foi isso o que aconteceu com Penélope.
Noites em claro, choro incessante e muitas outras coisas, que
eu sei que ela passou, mesmo que não tenha me dito.
E para completar, nem viver ela queria.
Sinto uma pontada tão forte no meu coração, que preciso
respirar fundo.
Não consigo imaginar um mundo em que Penélope Duarte
não exista. Um mundo onde não ouvirei sua risada estranha, não
verei seus olhos vibrantes, não me irritarei com algo que sair da sua
boca.
Um mundo onde eu não a tocaria mais. Não a beijaria mais.
Não a veria mais.
Esse mundo não pode existir. Nunca.
Já faz uma meia hora que acordei e percebi que ela estava
aconchegada em meus braços. Deitados de conchinha, não movi
um milímetro, com medo de acordá-la e ter uma morte lenta e
dolorosa.
Seus cabelos estão espalhados pelo meu peitoral, sua mão
segura a minha próxima ao rosto, e, para o meu total desespero, a
bunda está acomodada bem em cima do meu pau.
Ficar imóvel, não é apenas para que ela não acorde, mas
também para que meu estado de paudurecência não piore.
Deus, quando ficar de pau duro virou algo tão fácil e tão difícil
ao mesmo tempo?
Não sei em que momento da noite ficamos dessa forma.
Penélope dormiu rápido, já eu, fui pegar no sono horas depois dela.
Mesmo cansado da viagem e do dia, não conseguia desligar minha
mente de tudo o que havia descoberto.
Precisava me acalmar e tirar da cabeça a ideia de descer um
andar e bater na porta do quarto daquele merdinha.
Quando peguei no sono, ela ainda estava no seu canto da
cama, e eu no meu.
Ouço um resmungo baixinho, e meu corpo fica todo tenso,
quando a loira se remexe. Como se despertasse aos poucos, sua
cabeça se move um pouco, depois os braços, os pés e por fim, sua
bunda. Quando faz isso, para de se mover no mesmo instante.
Prendo o riso, sabendo que sentiu minha nada discreta
ereção matinal e aguardo, para saber o que fará em seguida.
Lentamente, sua cabeça vai virando para trás, até que seus
olhos sonolentos e assustados encontrem os meus.
Não resisto ao abrir um sorrisinho sedutor.
– Bom dia, formiguinha. – Minha voz sai rouca de sono.
Ela pisca uma, duas, três vezes, até que solta um arquejo
alto e pula para longe de mim.
Começo a dar risada da sua exasperação. Seu rosto
marcado pela noite de sono, está tomado de raiva.
E começamos o dia assim.
– Por que você estava me abraçando, Arthur? – pergunta,
enquanto passa as mãos rapidamente pelos cabelos.
– Eu estava te abraçando? Eu acordei, e você tinha se
enfiado no meio dos meus braços.
– Eu não enfiei nada.
– Enfiou sim.
– Arthur, eu dormi bem longe de você.
– E pelo jeito, não resistiu aos braços fortes e com tatuagens.
– Ela me olha, ultrajada. – Eu sabia que você queria explorar meu
corpinho. Que safada, Penélope.
– Safada? Ora, seu… – exclama, antes de pegar um
travesseiro e jogar em mim.
Seguro ele com a mão facilmente, impedindo de atingir meu
rosto.
Largo o travesseiro de lado e começo a me arrastar para
perto dela, bem devagar.
– O que mais você quer saber, loirinha? – Seus olhos vão se
arregalando, conforme me aproximo. – Ou será que gostaria de
aprender? Eu posso te mostrar tantas coisas…
– Arthur, para já com isso…
– Eu posso te fazer sentir tantas coisas diferentes… – Ela se
afasta para a beirada da cama. – Você só precisa pedir.
– Eu não… Eu não vou pedir nada…Ah! – Antes que eu
consiga segurá-la, Penélope cai da cama.
Me estico para a beirada, para ver se está bem. Com os
cabelos espalhados por todo lado, e com as mãos apoiadas no
chão, ela caiu de bunda.
Um rosnado animalesco deixa sua garganta, ao olhar para
cima, e quando meu cérebro entende que ela está bem, uma
gargalhada sonora cria vida dentro de mim.
Rolo na cama, segurando a barriga e rindo como uma
criança.
– Você… tinha… que ter visto… a sua cara! – tento dizer,
mas não consigo parar de rir.
Resmungando audivelmente, Penny se levanta e deixa um
tapa forte no meu ombro.
– Babaca – me xinga.
– Gostosa – eu elogio. – Sua bunda fica espetacular nesse
shortinho de seda… Ai! – A mulher me belisca no braço.
– Eu te odeio, Arthur Rabello.
– E você é uma mentirosa, Penélope Duarte.
Ela simplesmente me dá as costas e entra no banheiro,
batendo a porta.

Nesse segundo dia, resolvemos ficar na casa, com a maioria


dos convidados. A manhã e a tarde passaram tranquilamente.
Conversamos com alguns parentes meus que não via há muito
tempo e com os de Larissa.
Como sempre, todos estavam empolgados e encantados com
a presença da minha namorada, e a cercavam a todo instante.
Agora, no final da tarde, estou voltando para uma das salas
de descanso, onde a deixei com algumas das minhas tias. Precisei
atender uma ligação importante do trabalho e tomar algumas
decisões que só eu poderia tomar.
Meu editor chefe está comandando tudo por lá na minha
ausência e só entrará em contato, quando não tiver jeito.
Termino de descer as escadas e vou em direção à área dos
fundos. Passo por várias pessoas, várias salas, desde sala de
jogos, quartos de descanso e mais um monte de coisa inútil.
Assim que viro à esquerda, em direção ao meu objetivo,
tenho que frear meus passos, para não trombar com uma criaturinha
pequena e serelepe.
– Ah! Oi, tio Arthur! Estamos brincando de pega-pega. – Rian
sorri para mim.
Olho para trás e vejo mais umas cinco crianças correndo em
nossa direção, incluindo minha princesinha.
– Oi, tio Arthur. Qué bincá de pega-pega com a gente? – Ela
e o restante param à minha frente, me olhando com expectativa.
Dou risada de seus rostinhos esperançosos, mas não estou
com pique nenhum no momento.
– Vocês não acham que deveriam brincar disso lá fora, e não
aqui dentro? – Olho para cada um.
– Minha mamãe disse que vai anoitecer, e não posso pegar
serena – uma menininha de cabelos castanhos diz.
Tenho certeza de que é minha priminha, porém não me
lembro seu nome.
– É sereno, sua boba – um outro menininho fala.
– Então, acho que vocês deveriam brincar de outra coisa que
não envolva correr – sugiro.
– Podemos brincar de UNO – o menino diz.
– Ótima ideia, Gustavo – incentivo.
– É Guilherme. – Me olha, carrancudo.
– Isso, Guilherme. Agora, vão brincar de UNO.
– Mas eu não sei bincá de UNO. – Victória faz um biquinho
fofo, e eu sorrio.
– Eu te ensino, Vic – a outra menina diz.
– Pronto, a Melissa vai ajudar – afirmo.
– É Manoela – me corrige.
– Isso, isso. Vão lá, titio precisa ir salvar a tia Penélope.
Rian franze a testa.
– Salvar ela de quê?
– Da nossa família. – Pisco um olho e saio, os deixando para
trás.
Ao me aproximar da última porta, reduzo os passos ao ouvir
meu nome. Não que seja algo fora do comum, entretanto alguma
coisa, me chama a atenção. Paro do lado de fora, ao lado da porta e
longe da vista de todos. Aprumo meus ouvidos, tentando escutar o
que estão conversando.
Juro que não sou enxerido, porém fiquei intrigado.
– O que quer dizer com isso? – é Penélope quem pergunta, e
seu tom de voz, me deixa preocupado.
– Ora, querida, você sabe o que quero dizer… – Ouço a voz
da minha tia Carminha.
– Não. Poderia me esclarecer, por gentileza? – A voz de
Penny se torna passiva agressiva.
– Bem… Não é novidade alguma que seu namorado é
conhecido como alguém que não pode ver um rabo de saia, que já
está correndo atrás.
Mas que velha desgraçada!
– Até onde eu sei, não é nenhum crime ser solteiro e bem
resolvido – a loirinha rebate.
– Mas você tem que concordar que, para a imagem de uma
empresa tão grande como a nossa, esse tipo de comportamento
pode ser mal visto e… – minha outra tia, Augusta, começa, todavia
logo é interrompida pelo furacão loiro.
– Terei que discordar. Até mesmo porque, a Rabello’s
Company não é a empresa do Arthur, e sim a de Alfred. O nome da
empresa em que meu namorado é CEO, é a Rabello’s Editorial.
O tom condescendente em sua fala, me deixa tão chocado
quanto admirado.
– E, permitam-me acrescentar – ela prossegue –, Arthur está
comprometido comigo, e eu confio totalmente nele. O fato de ter
aproveitado como bem entendeu a vida de solteiro, não o torna
infiel.
Espera aí! Eles estavam me chamando de infiel?
Sinto raiva crescer dentro de mim, contudo, não preciso fazer
nada. Ouço o som de uma cadeira arrastando e a voz de Penélope
se sobressair ao burburinho que se iniciou.
– Arthur é um dos homens mais honrados que conheço.
Comprometido com sua empresa, seus funcionários e com o seu
público de maneira ímpar. Fez questão de me apresentar para cada
pessoa daqui desse lugar, tendo em vista seu amor por sua família.
Seus sobrinhos o adoram, assim como todos que conheço. – Sua
voz chega mais perto da porta. – Então, me desculpem se estou
sendo rude, mas não ficarei no mesmo lugar que pessoas como
vocês, ouvindo-as falarem mal do meu namorado para mim. Com
licença.
Meu coração dispara, e uma adrenalina percorre meu corpo.
Um segundo depois, Penny sai pela porta e passa por mim.
Nem ao menos me vê, carregando aquele semblante da mais
pura raiva no rosto.
Linda pra caralho.
Dou dois passos e já a alcanço. Agarro seu braço e a viro
para mim.
Ela consegue soltar um arquejo assustado, antes de eu beijar
sua boca.
Engulo seus lábios com vontade, enfiando minha língua
dentro de sua boca e procurando pela dela.
Empurro o seu corpo contra a parede do corredor, fazendo
sua respiração perder o ritmo e meu corpo pressioná-la.
Beijo-a com toda a vontade que estou sentindo, desde a
última vez que tive esse prazer, mordendo seus lábios e sentindo-a
amolecer em meus braços.
Desço uma mão até sua bunda coberta por um vestido fino, e
com a outra, agarro seu pescoço. Afasto o rosto, ao mesmo tempo
que mudo minha mão de lugar e agarro sua garganta.
Penny respira com dificuldade e olha para mim com surpresa
e desejo.
Meu aperto em sua garganta é leve, mesmo assim, a
impossibilita de se mover.
Umedeço meus lábios, tentando conter meu impulso de
rasgar suas roupas com minhas próprias mãos e fodê-la contra essa
parede.
Meu pau implora por isso.
– Vamos ter que impor um limite nesse relacionamento,
Penélope. – Mordo seu lábio e arrasto os dentes por ele, até soltá-
lo. – Toda vez que você falar esse tipo de coisa, agir dessa forma
com alguém, terá que ser perto de algum quarto, pra eu poder te
chupar depois disso.
– Eu… – sussurra.
– Tem ideia do que fez lá dentro por mim?
– E-elas mereceram… – diz, com dificuldade e engole em
seco.
Ela olha para a minha mão em seu pescoço, antes de morder
os lábios com vontade.
Então ela gosta das coisas mais brutas. Bom saber…
Meu pau pulsa dentro da calça.
– Eu nem te vi e sei que você estava tão gostosa acabando
com elas daquele jeito… – Um sorriso desponta no canto da minha
boca. – Que me deu vontade de te arrastar para um quarto isolado e
te fazer gozar.
– Arthur… – sussurra meu nome de um jeito tão gostoso, que
é como se jogasse gasolina no fogo.
– Quer saber? É exatamente isso o que farei.
Seguro sua mão, e antes que proteste, estou atravessando
para o outro canto do corredor.
Conhecendo esse lugar como conheço, sei que há uma
saleta bem pequena e quase inutilizada, e é para lá que eu vou.
Chegamos na última porta, e dou graças a Deus por estar
aberta.
Entro, puxando Penélope comigo, que não disse uma única
palavra durante o caminho. Assim que fecho a porta e acendo a luz,
seguro seu rosto entre as mãos e ataco sua boca de novo.
A mulher geme quando nossas línguas se encontram e fazem
a dança mais sensual que já senti na vida. Beijo-a ferozmente, e ela
corresponde na mesma intensidade.
Suas mãos passam por meus braços, meus ombros e vão até
meu cabelo.
Agarrando a sua cintura e a grudando em mim, mordo seu
lábio inferior um pouco mais forte.
Em resposta, Penélope puxa os fios dos meus cabelos com
força, e um gemido deixa minha garganta.
Sinto o desejo por ela crescer, a cada segundo que seus
lábios estão nos meus. A forma como se esfrega timidamente em
mim, é excitante de um jeito novo. Seu cheiro cítrico preenche meus
pulmões e me enlouquece.
Preciso de mais. Preciso ter mais dela.
Empurrando seu corpo para o canto oposto da sala, paro
quando ela encosta numa mesa pequena. Desço minhas mãos para
suas pernas e a levanto com uma facilidade ridícula.
Penny arfa quando a sento na mesa e me coloco entre as
suas pernas. Me olha com os olhos enormes e lindos.
– O que está fazendo, Arthur? – pergunta, apoiando as mãos
nos meus ombros.
– O que eu tenho vontade de fazer desde a primeira vez que
eu te vi, loirinha. – Arrasto meus dedos dos seus joelhos, até entrar
pela saia do vestido e alcançar sua coxa. – Desde que passou por
aquela porta feito um furacão e me deixou de pau duro, por acabar
com aquele babaca.
Sua respiração está pesada, porém seu olhar, atento.
– Você ficou de pau duro por me ver brigando?
Abro um sorriso de canto, arrastando mais minhas mãos, até
que o tecido da roupa esteja acumulado em seu quadril. Aperto sua
bunda e a assusto, ao puxá-la para a beirada da mesa.
– Você se surpreenderia com a facilidade com que eu fico
excitado com você. – Inclino o rosto até seu pescoço e passo o nariz
por sua pele. – Quando encosta essa bunda gostosa em mim. – Sua
pele arrepia, quando passo a língua da base até o topo, alcançando
seu ouvido. – Quando usa de sua autoridade e não deixa nenhum
filho da puta te diminuir. – Mordo seu lóbulo, e seu corpo estremece.
– Quando usa uma roupa com decote, e seus seios perfeitos
chamam minha atenção. – Levo uma mão até seu seio esquerdo,
apertando-o por cima do tecido e a fazendo gemer baixinho. –
Quando solta uma gargalhada, e aquele som estranho deixa sua
garganta. – Distribuo beijos molhados pelo pescoço e subo de volta
para sua boca, dizendo com os lábios bem próximos dos seus. –
Quando sinto seu cheiro e seu toque, quando é inteligente, e
quando fica linda dormindo em meus braços. Ou seja… – Afasto o
rosto, para que me olhe. – Eu sinto tesão por você a porra do tempo
inteiro, Penélope. E já passou da hora de lidar com isso do jeito
certo.
Sinto suas unhas cravarem em meus ombros. Seus olhos
refletem o mais puro desejo, com o rosto corado e a boca em
formato de coração marcada por nossos beijos.
– E qual é o jeito certo de lidar com isso, Arthur? – questiona.
Sorrio de novo. Ela quer ouvir, quer ter certeza.
– O jeito certo, é dando aquilo que nossos corpos querem,
Penny. Meu corpo anseia pelo seu, assim como o seu anseia pelo
meu. Não precisa ser complicado, é bem simples, na verdade. É só
sexo.
Ela me olha por um tempo, ponderando o que disse e depois
acena, concordando com a cabeça discretamente.
Preciso respirar fundo, ao sentir meu peito quase explodir de
felicidade.
É isso, porra!
Olho para baixo, focando em suas roupas amassadas e
afasto mais ainda seu vestido. Penélope usa uma calcinha rosa
clara, de tecido fino. Levo os dedos até sua boceta ainda coberta e
esfrego seu clitóris por cima do tecido. Seu corpo se contorce de
modo brusco, e eu olho em seus olhos.
– O-o que você vai fazer? - me pergunta com dificuldade.
– Por enquanto, vou te fazer gozar. Você está merecendo,
depois da forma como me defendeu lá fora.
Arrasto o tecido para o lado e não consigo conter um gemido,
ao sentir seus lábios vaginais quentes e encharcados. Penélope
abre a boca, soltando um gemido silencioso, e eu mal pisco,
querendo registrar cada detalhe.
Sinto sua boceta molhada e lambuzando meus dedos com
facilidade. Suas pálpebras pesam, e Penélope começa a se
remexer. Levo minha boca até a sua novamente, beijando os lábios
desenhados e convidativos.
Meu coração está disparado com o desejo crescente em
mim.
Penny agarra minha nuca, ao passo que rebola mais ainda
na minha mão. Ela busca por alívio, porém eu estou bem longe de
terminar o que vim fazer aqui.
Puxo seu lábio com os dentes, antes de deixar um selinho e
me afastar. Tiro a mão da sua boceta e a ouço protestar. Levo meus
dedos até o nariz e inspiro profundamente, sentindo seu cheiro.
Porra!
Meu pênis duro implora para participar de tudo isso, mas não
farei isso agora. Meus planos são outros.
Os olhos azuis cristalinos da loira se arregalam, e eu abro um
sorriso enorme, antes de me pôr sobre um joelho na sua frente.
Enfio o rosto no meio das suas pernas, inspirando o cheiro da sua
excitação diretamente da fonte.
É gostoso, é inebriante, é o melhor perfume.
– Arthur, e se alguém entrar aqui? – ela sussurra, entretanto
não me passou despercebido o movimento do seu quadril em
direção à minha boca.
Está doidinha para ser chupada.
Esfrego minha barba na pele sensível da sua coxa, a fazendo
estremecer de novo.
– Não me importo se nos verem aqui dentro. – Seguro sua
calcinha para o lado, olhando para a boceta brilhando, de tão
molhada. – A única coisa que verão aqui, é um homem venerando
uma deusa como ela merece.
Vejo seus olhos cintilarem um pouco, antes de soltar um
gemido alto no instante em que minha língua toca sua entrada.
O sabor do seu sexo é tão arrebatador, que desperta algo
dentro de mim.
E eu a ataco.
Usando minha língua.
Meus lábios.
Minha boca.
Chupo seus lábios grandes, como se saboreasse o banquete
mais caro que existe.
Lambo sua boceta, como se quisesse saciar uma sede
infinita.
Engulo sua lubrificação, como se não pudesse deixar uma
gota de fora.
Ao som dos gemidos baixos e contidos de Penélope, eu
devoro sua boceta, como se minha vida dependesse disso.
Sinto as mãos dela segurarem os fios do meu cabelo com
força. Apertando suas pernas ao redor da minha cabeça, foco em
seu rosto contorcido de prazer.
Seus olhos estão fechados, a cabeça jogada para trás, e os
lábios abertos. Totalmente entregue.
No momento em que me concentro em seu clitóris, seu olhar
cai sobre mim, completamente surpreso. Chupo seu ponto de
prazer, sentindo o aperto de suas mãos no meu cabelo se
intensificar.
– Arthur! Meu Deus – sussurra, estremecendo o corpo de
modo violento.
Ela não vai demorar muito para gozar.
Desço e subo minha língua por toda a sua extensão, sempre
voltando ao clitóris, sempre lhe dando a devida atenção.
Levo minha mão até sua boceta e deixo de chupá-la, só por
alguns instantes, para poder levar dois dedos à sua entrada.
– Ah… Merda! – Ela geme mais alto.
– Xiiii… Quer que alguém escute o que estamos aprontando
aqui dentro, formiguinha? – Passo a língua em seu ápice, tirando e
pondo os dedos, e vendo-a morder o lábio. – Você vai gozar agora,
Penélope. Acha que consegue ficar quietinha?
Ela me olha de modo desafiador, provocando uma fisgada
dolorida no meu pau.
– Como sabe que vou gozar agora? – a filha da mãe me
desafia.
Abro um sorriso felino para ela e não respondo.
Apenas levo meu polegar até seu clitóris, pressionando-o de
modo firme e começo a fazer movimentos circulares.
A boca de Penélope escancara, quando desço meu rosto e
enfio a língua dentro de sua entrada.
Assisto a mulher tapar a boca com a mão e tentar conter
outro gemido. Faço movimentos de entra e sai, até que chupo seus
lábios de modo bruto e só solto seu clitóris, para substituir meu dedo
por minha boca.
Suas pernas apertam minha cabeça, e eu sorriria, se não
estivesse determinado a fazer essa mulher explodir em um
orgasmo.
Seu corpo se contorce, mas é quando raspo os dentes
delicadamente por seu ponto de prazer, que Penélope goza.
E então, algo acontece.
Mesmo tapando a boca com a mão, um som fino e estridente
deixa sua garganta.
Isso me deixa com um tesão do caralho, e, pela primeira vez
em muitos anos, tenho que me concentrar para não gozar nas
calças.
Cacete. É a melhor coisa que já ouvi na minha vida.
Seus olhos estão fechados, conforme goza sem parar, e eu
faço o trabalho de beber cada gota do seu orgasmo.
Eu ainda estou a chupando, quando seu corpo finalmente
para de tremer, e ela apoia as mãos na mesa que a sustenta.
Deixo um beijinho no topo da sua vagina, rindo ao vê-la dar
um pulinho no lugar. Toda sensível.
Me ponho de pé, sorrindo feito um idiota e olhando para o
seu rosto corado e saciado.
Que rosto mais fantástico.
Seguro-o entre as mãos e levo meus lábios para os seus,
apenas porque não consigo evitar. Beijo sua boca, misturando o
gosto da sua boceta com o da sua língua.
Afasto, para ver Penny toda mole e sorrio, quando tem
dificuldade de abrir os olhos.
– Seu gosto é esplêndido, Penélope. – Umedeço os lábios,
resgatando os últimos vestígios da sua excitação.
– Isso foi… Isso nunca… – Ela respira com dificuldade e olha
para mim. – Isso nunca aconteceu.
Levo alguns segundos, tentando entender o que quer dizer,
só que não consigo.
– O que nunca aconteceu? – Ela fica envergonhada, e eu
arregalo os olhos, chocado. – Penélope, você nunca gozou antes?
– O quê? Não, claro que já. – Meus ombros caem de alívio,
entretanto dura pouco. – Quer dizer… Não desse jeito. Com um
oral.
Minha mente dá voltas, à medida que penso em suas
palavras.
Chego a uma única conclusão.
– Você só transou com ele, não foi? – Ela concorda com a
cabeça, e eu fecho os olhos por alguns segundos. – E ele nunca te
fez gozar enquanto te chupava?
– Não…
Nego com a cabeça, inconformado com a capacidade que
aquele merda tem de ser tão ruim.
– Eu estou chocado, mas não surpreso – digo.
– Ele não fazia muito sexo oral e…
– Como é que é? – eu praticamente grito, me esquecendo
totalmente de onde estamos.
Penélope dá de ombros.
– Eu entendo. Ele não gostava. Às vezes, algumas pessoas
não gostam mesmo…
– Me responde uma coisa – Eu a corto. – Você fazia sexo oral
nele?
Vejo um rubor subir por suas bochechas, porém, ela
responde mesmo assim, concordando com a cabeça.
Caralho! Como consegue ser tão bosta?
Seguro seu rosto entre as mãos e deixo um beijo demorado
em seus lábios. Ao desgrudá-los, apoio a testa na sua e respiro o
mesmo ar que o seu.
– Isso, é um cara fazendo esforço pra gostar de mulher,
Penny. – Ela afasta o rosto e me olha com curiosidade. – Te chupar
foi uma das melhores coisas que já fiz na vida. Você é a porra de
uma deusa! – Ela sorri, e eu passo o polegar por seu lábio inferior. –
Eu chuparia você a cada minuto livre do meu dia e seria o homem
mais sortudo do mundo.
Eu o faria com prazer.
Explorando e experimentando tudo, até que a conhecesse
como a palma da minha mão. Memorizaria cada reação e buscaria
por uma nova, toda vez.
Penélope pode ter sido comprometida por bastante tempo,
mas não viveu tudo o que poderia viver.
No entanto, isso muda a partir de agora.
Ela ainda não sabe, só que acabei de traçar a maior meta
dos últimos tempos para minha vida.
Dar à Penélope tudo o que ela merece, e de quebra, ter uma
das melhores experiências da minha vida.
Esse namoro falso está se tornando a melhor decisão que já
tive.
Eu estou me esforçando, verdadeiramente, para não surtar.
Não sou nenhuma santa. Mesmo que tenha tido apenas um
parceiro sexual na vida, nunca me considerei uma mulher recatada.
Conheci meu ex na faculdade, e antes disso, estava tão
focada em crescer na vida, que transar era a última coisa que
passava pela minha cabeça na época.
Contudo, sou amiga de Rosa e Yolanda. Duas mulheres
desinibidas e que nunca tiveram nenhum pudor, em se tratando de
suas vidas sexuais. Elas sempre nos contavam – muitas vezes com
detalhes demais – sobre suas experiências, e Milene, Diana e eu
estávamos sempre ouvindo.
Minha mãe se esforçou bastante para nos dar o máximo de
educação sexual possível, conversando sobre prevenção e tudo o
que uma pessoa precisa saber, antes de começar, a de fato, pensar
em fazer isso. Porém, ela não ensinou tudo.
Minhas amigas tiveram esse papel.
Pode parecer estranho para as pessoas de fora, mas aquelas
três são tão minha família, quanto Milene. E seria inevitável
compartilharmos esse tipo de experiência.
Quando ouvi sobre masturbação pela primeira vez, eu era
uma adolescente, e demorou bons anos para aderir à prática. Desde
então, tenho me virado sozinha, tendo ciência do quanto isso é tão
saudável e fundamental para uma mulher, quanto para um homem.
Mesmo quando estava comprometida, eu mantive a prática.
Principalmente, porque não era sempre que saía satisfeita de uma
transa.
Sempre reservei esse meu lado mais safada, para quando
estava com minhas irmãs, e falávamos todo tipo de besteira, e
nunca escondi que o adoro. A grande questão, é que esse meu lado
estava guardado e esquecido há quase um ano.
Até ontem à noite, quando foi despertado de modo tão
espontâneo e natural, que nem pareceu que esteve reprimido por
todo esse tempo.
Arthur fez sexo oral em mim, dentro de um quartinho
apertado.
Ele me beijou, me chupou, me dedou e me levou à loucura
dentro daquele lugar, correndo o risco de alguém abrir a porta e
pegá-lo com a cara enfiada no meio das minhas pernas.
Talvez, não seja justo fazer isso, entretanto não tem como
não comparar a minha única experiência com a que eu tive com ele.
O fato de descobrir que o que eu recebia era medíocre e
vergonhoso, me fez sentir raiva de mim mesma, por aceitar tão
pouco.
Arthur me levou do céu ao inferno em questão de segundos.
Rápido e fácil, me fez ter o orgasmo mais surreal da minha
vida, e eu nem estava nua.
Não tive que me esforçar, não tive que orientá-lo, nem tive
que me satisfazer sozinha depois.
Ele fez tudo com maestria e experiência.
Me observou a todo instante, atento a qualquer reação. Me
dominou de uma forma que, quando vi, estava à sua mercê, sem
impedimento algum.
Eu não tenho palavras para o que foi aquilo e eu nem tive a
experiência completa.
E chegamos a outra questão: nós vamos transar.
Em algum momento, nos próximos dias, vou ter muito mais
de Arthur, do que eu tive ontem, e isso está fazendo minha cabeça
girar.
Só de imaginá-lo totalmente nu, bem na minha frente, fico
desnorteada. Sentir dentro de mim, o que eu senti apenas por baixo
das roupas. Ouvir as palavras sujas, que eu sei que sairão da sua
boca.
Eu sei que isso vai acabar comigo.
Só espero que seja de uma forma boa e que eu aproveite o
máximo que durar. Porque eu sei que é passageiro. Estamos
convivendo e fingindo um relacionamento, a atração é inegável,
então estamos apenas seguindo nossos instintos.
Quando essa viagem acabar, em alguns dias, a realidade
voltará, e tudo isso não passará de uma aventura insana em que eu
mesma me meti.
Eu só não sei porque pensar isso, me faz sentir algo estranho
no peito.
Uma mão grande, com dedos calejados e que fazem
maravilhas, aperta minha coxa.
Pela primeira vez em quase meia hora, tiro os olhos da
estrada e encaro o motorista ao meu lado.
Arthur me olha de relance, e um sorrisinho desponta do canto
da sua boca.
– Você tá surtando, não tá? – pergunta, ao seguirmos o
caminho para o bar.
Suspiro, balançando a cabeça para os lados.
– Não, mas estou me esforçando muito para isso.
Sua risada baixa faz algo com meu baixo ventre, e a maneira
como anda me afetando, depois de ontem, está ficando
preocupante.
– Acho que você está até se saindo bem, formiguinha. – Ele
me olha rapidamente. – Até parece que tem experiências com
pegações em lugares proibidos.
Dou uma risada de escárnio, desviando o olhar para as ruas
iluminadas do centro de Brotas.
– Nem você acredita nisso, Arthur. – O carro entra numa rua
movimentada. – Ainda não acredito que fizemos aquilo…
Combinamos de vir a um bar popular na cidade. Mesmo
sendo meio de semana, quando ele estaciona na garagem do local,
conseguimos ver o quanto está lotado. Até chegamos a convidar
seu irmão e sua cunhada, só que os dois passaram o dia todo em
atividades com os filhos e decidiram descansar.
Arthur desliga o carro e me olha.
– Se você quiser, posso te mostrar de novo. Talvez assim,
você acredite. – Abre um sorriso malicioso demais, com dentes
bonitos demais e sedutor demais.
Desvio o olhar do seu, arrumando meu cabelo e me sentindo
nervosa, de repente.
– Você é muito pervertido – murmuro, soltando o cinto.
Arthur solta o próprio cinto, segura meu queixo com a mão e
aproxima o rosto, me obrigando a olhá-lo.
– Eu sou pervertido e não nego. Mas você também é, Penny.
Ou se esqueceu dos gemidos gostosos que deu naquele quarto e
do jeito descontrolado que puxou meus cabelos. – Solto o ar pela
boca, sentindo minha pele esquentar. – Eu sempre me perguntei
como você seria na cama. Eu só não esperava que fosse tão
depravada quanto eu.
Seu polegar acaricia meu lábio inferior, e seus olhos
acompanham o movimento.
Deus, ele mal me tocou, e eu já sinto que vou derreter aqui
mesmo.
Esfrego uma coxa na outra, procurando por alívio, e ele
também capta o movimento.
Sua língua passa por seus lábios, deixando-os com um brilho
de saliva.
– É melhor nós entrarmos nessa porcaria de bar ou eu vou te
comer dentro desse carro.
Antes que eu possa assimilar o que disse, sua boca cobre a
minha, e sua língua me invade, impiedosa.
Gostoso e bruto, Arthur me beija com raiva. Como se
quisesse me punir.
Infelizmente, o beijo dura pouco, logo ele está se afastando e
abrindo a porta para sair.
Tomo alguns segundos para me recompor, recuperando meu
fôlego, antes de ter minha porta aberta por ele.
Sinto o ar fresco da noite, assim que saio do carro. Ajeito o
decote reto do meu vestido branco de seda, curtinho, com duas
finas alças e uma pequena fenda na coxa. Nos pés, escolhi pôr uma
sandália preta de tiras, e eu trouxe uma jaqueta para usar na saída.
Como seríamos só nós dois, escolhi um look que combinasse
com o lugar e ao mesmo tempo, fosse simples. Arthur também
optou por uma camiseta preta, onde me proporciona a visão do
braço tatuado e calça jeans azul escura. É incrível como no seu
modo mais casual, ele ainda exala beleza e poder.
Arthur é um dos homens mais altos que conheço.
Acho que só perde para o John, esposo de Rosa e irmão de
Diana.
Onde passa, sua beleza chama a atenção ao redor. E não é
diferente quando entramos no bar.
Com três ambientes, um para as mesas e o bar, outro para
jogos, como sinuca, e outro mais afastado e escuro, onde consigo
ver pessoas dançando, o lugar está realmente cheio. Cada pescoço
se vira em nossa direção, conforme Arthur me guia em direção às
mesas.
Estamos de mãos dadas, como sempre fazemos, e mesmo
assim, cada mulher aqui, tem o olhar com intenções bem claras.
Algumas ignoram minha existência, algumas desviam o olhar ao me
notarem, e outras simplesmente me encaram, como se isso
pudesse, de alguma forma, me intimidar.
Eu havia me esquecido de como isso pode ser incômodo,
principalmente agora, que estou ao lado do homem mais lindo que
já vi na vida.
Ele nos leva até uma mesa mais isolada, puxando a cadeira
para eu me sentar e se sentando logo em seguida.
Assim que me acomodo, passo os olhos pelo lugar,
concluindo que gosto mesmo do ambiente. Sendo para agradar todo
tipo de gente, com os três ambientes separados, e ao mesmo tempo
juntos, cada um pode aproveitar do jeito que bem entender.
Não demora muito, sinto os olhos de Arthur me queimarem e
eu volto minha atenção para ele. Seu olhar penetrante me encara
com certo divertimento e mais algum outro sentimento.
Fico em silêncio, tentando adivinhar o que está pensando.
Depois de um tempo, eu abro a boca:
– Como é ter todas as pessoas desse lugar olhando pra
você? – pergunto, apoiando os cotovelos na mesinha redonda entre
nós.
Ele solta uma risada desacreditada e nega com a cabeça.
Imita meus movimentos e aproxima o rosto do meu.
– Essas pessoas estão olhando pra você, Penélope. Não
para mim. – Olho para ele com descrença, e ele murmura alguma
coisa baixinho, que eu não consigo entender e completa: – Você se
olhou no espelho? Está maravilhosa, como sempre, e uma delícia
nesse vestidinho. Não tinha como alguém não te olhar, formiguinha.
Rio da sua declaração, porém não me dou por vencida.
– Todas as mulheres desse lugar te olharam. Não diga que
não viu.
– Eu vi alguns olhares sim, mas estava mais preocupado em
encarar cada idiota aqui dentro e deixar bem claro que você não
está disponível.
Ergo uma sobrancelha, mal acreditando na forma possessiva
como disse. Além, é claro, do frio na barriga, que me deu por ouvir
isso.
– Não se esqueça de que esse namoro é falso e tem prazo
de validade.
O desafio, erguendo o canto da minha boca em um sorriso e
vendo seus olhos caírem nela.
– Estou pouco me fodendo pra isso, Penélope. Você é minha.
– Seus olhos castanhos me encaram. – Sendo por mais alguns dias
ou não.
Um arrepio percorre minha coluna, e eu tenho que engolir em
seco, quando minha garganta seca.
Porra, preciso de uma bebida.
Como se lesse meus pensamentos, um garçom se aproxima
da mesa.
– Bem-vindos ao Petiscos e muito mais. O que vão querer? –
Deixa um cardápio para cada um.
Feliz com a interrupção, leio, descobrindo que o lugar vende
vários tipos de petiscos. Além da grande cartela de bebidas.
– Se importa de eu pedir algo para nós dois comermos? –
Ouço Arthur perguntar e vejo que está me encarando. – Eu já vim
aqui algumas vezes e conheço algo que você vai gostar.
– Sim, claro – respondo e não consigo evitar o sorriso que
nasce em meu rosto. Ele fez questão de me perguntar, antes de sair
fazendo o pedido por mim.
Diferente do outro babaca, que achava que sempre sabia o
que eu queria comer.
– O prato da casa, chefe – diz ao garçom, que anota o
pedido.
– Anotado. E pra beber?
Me apresso a dizer:
– Sei que está dirigindo, mas o que acha de me acompanhar
em um shot de Tequila?
Mordo o lábio inferior, quando seu rosto fica surpreso por um
instante. O sorrisinho de lado, me diz que se lembra da primeira e
única vez em que fizemos isso, meses atrás.
– Um shot de Tequila pra cada um, então. E duas águas, por
favor – confirma, sem tirar os olhos de mim.
O garçom se afasta, e ele permanece me encarando.
– Tem certeza de que não vai ficar bêbada? – indaga, de
modo provocativo.
Estalo a língua e jogo meus cabelos para trás.
– Meu bem, sou cria da mamacita. Se não der conta de um
shot de Tequila, eu nunca mais piso dentro da casa dela.
Arthur joga a cabeça para trás e solta uma de suas
gargalhadas escandalosas. É impossível não acompanhá-lo.
– Eu achei que suas amigas que tivessem te ensinado a
beber e a fazer o ritual.
Abro um sorriso, ao notar que ele se lembra do nosso ritual
sagrado antes de tomar a bebida.
– E quem você acha que ensinou a elas? Mamacita só tem o
rostinho de vovó doce. Você que dê mole perto dela, pra você ver.
Ele ri de novo e concorda com a cabeça.
– Eu percebi. Eu e meus bíceps apalpados por ela.
– Ai, meu Deus! – Tapo os olhos, envergonhada, enquanto
ele ri. – Ela tem alguma coisa com seus braços. E ela adora abraçar
o Benjamin também. Aquela velha é um perigo.
– Ela é e educou vocês direitinho… – Me olha, com o ar
malicioso.
– Rosa e Yolanda são iguais a ela. Duas depravadas…
– Não, não, não. Eu não as conheço tão bem, mas você,
Penélope, não me engana.
Abro e fecho a boca, algumas vezes. Ele aproxima mais
ainda o rosto do meu e fala pertinho, me fazendo sentir seu hálito no
meu pescoço.
– Existe uma mulher fogosa dentro de você, formiguinha.
Uma que, com os estímulos certos, se mostrará facilmente.
Sinto sua mão, por baixo da mesa, espalmar minha coxa.
Respiro fundo quando sua carícia segue para cima, quase
adentrando a saia do meu vestido.
– Eu leio muito bem as pessoas, Penny. Não te chamo de
furacão à toa. – Os dedos longos se enfiam dentro do vestido e
arrepiam minha pele toda. – Quando descobrir os benefícios de uma
foda boa, algo dentro de você, vai despertar. E eu serei o sortudo
que a terei, quando isso acontecer.
Tento fechar minhas pernas, quando seus dedos ficam
perigosamente perto da minha calcinha, porém ele é insistente.
Sua fala me deixou molhada tão facilmente, quanto qualquer
outra coisa que esse homem faz. Eu ainda não sei como dormi ao
seu lado ontem à noite, depois de tudo o que aconteceu, e
simplesmente não montei em seu colo, e cavalguei até não sentir
mais minhas pernas.
Puta homem gostoso, dormindo com aquele tronco desnudo
e definido de fora, apenas para querer eliminar o resto de sanidade
que me resta.
Nunca alguém me fez sentir isso.
Essa urgência de tê-lo comigo, em mim, a todo momento.
É mais do que tesão.
É necessidade.
É precisar tanto de algo, que nada mais importa.
– Você gosta de flertar, não gosta? – sussurro a pergunta.
– Na verdade, não. – Sua resposta me surpreende, ao passo
que seus dedos resvalam o tecido rendado da minha calcinha. –
Sou seletivo e direto com o que quero.
– Então por que…
– É você, Penélope. Você desperta um lado meu
incontrolável e desconhecido. Você me faz querer flertar com você,
tocar em você, olhar para você, te deixar toda vermelha e imaginar
se ficaria desse jeitinho, depois que te fodesse como a porra de um
animal.
Arfo com o impacto de suas palavras. Seus dedos esfregam
meu ponto sensível, e me concentro para não gemer no meio do
bar. Arthur me olha daquele jeito atento, que não quer perder
nenhuma reação minha.
Seguro seu antebraço, sem saber se empurro sua mão ou a
trago para mais perto, quando o garçom retorna com o nosso shot.
Arthur endireita a coluna e sorri para o homem, sem a menor
vergonha na cara e fingindo que não estava quase me masturbando
em um lugar público.
E eu ia deixar. Por Deus, eu ia deixar mesmo!
Quando o homem sai, depois de deixar as bebidas, o
jornalista me olha com um sorrisinho cínico e me entrega o copinho
e o limão.
Preciso respirar fundo algumas vezes, e ele acha graça de
mim.
– Você me paga – murmuro, e seu sorriso aumenta.
– Me faça pagar, loirinha gostosa. – Piscando o olho, segura
o copo no alto e me aguarda. Balanço a cabeça em negativa, mas
imito seus movimentos. – Faça as honras.
Com um sorriso no rosto, que espelha o seu, digo as palavras
sagradas:
– Arriba![15] – Brindamos, um pouco acima de nossas
cabeças. – Abajo![16] – Agora um pouco abaixo do tampo da mesa. –
Al centro![17] – Os copos se chocam na altura de nossos rostos.
E dizemos em uníssono.
– Y adentro![18] – Lambemos o sal da borda e viramos os
pequenos copos de uma vez.
Nossas caretas são iguais, quando sentimos o líquido descer
por nossas gargantas. Arthur chacoalha a cabeça, e eu fecho os
olhos, tentando aguentar a bebida forte.
– Só Diana Mendes Rodrigues pra conseguir beber essa
coisa e manter a plenitude.
Arthur ri da minha fala e concorda.
– Eu não tenho esse dom, por mais que aguente uma boa
bebida forte.
Continuamos o papo, até que os petiscos chegam, e eu me
surpreendo por serem de frango. Achei que seriam iguais a todos os
que já provei, porém não eram. Com algum tempero meio ácido e
diferente de tudo o que já provei, a comida é muito saborosa, e
acabamos com o prato em poucos minutos. Obviamente, Arthur
pediu mais dois.
Conversamos mais algumas amenidades, sem mãos bobas
dessa vez, e eu fico pasma com como é fácil conversar com Arthur.
Antes, eu o achava arrogante, e devido a tudo o que aconteceu, não
notei que na verdade, ele é um homem decidido e que sabe o que
quer.
Agora, eu percebo que, quando nos conhecemos, ele havia
percebido a atração que sentimos um pelo outro, muito antes de
mim. E como minhas barreiras estavam erguidas, e meu coração
partido, eu não enxerguei.
Eu não o enxerguei.
Arthur é divertido. Engraçado. Me ouve, de verdade, e nunca
me interrompe. Entende o que meu trabalho significa para mim, pois
é o mesmo para ele. Sua forma atenciosa e perspicaz é um charme
que, só quem o conhece de verdade, percebe.
A cada dia que passa, conheço mais do que a fachada de
herdeiro bilionário mulherengo e vejo o quão sortudas são as
pessoas à sua volta.
Depois de um tempo, peço licença para ir ao banheiro e ao
me levantar, ele se levanta também. Estranho, por alguns segundos,
e logo me lembro, que é um costume muito fofo que ele aprendeu
com Benjamin.
O namorado da minha amiga foi criado para ser um
cavalheiro e deu algumas dicas para o amigo.
A forma como ele faz isso é tão natural, que eu tenho certeza
de que ele ao menos percebe.
Vou e volto rapidinho, depois de me aliviar e no momento em
que me aproximo da mesa, ouço gritos de comemoração. Olho para
a área de jogos e uma ideia me vem à cabeça.
Ao ficar ao seu lado, estendo a mão para Arthur, que me olha
sem entender.
– Estou te devendo um jogo de dardos decente.
Ele ri e aceita minha mão. Atravessamos o lugar e vamos
para o outro ambiente. O alvo de dardos está vazio, e aproveito para
pegá-los no suporte ao lado. Volto para perto de Arthur e mexo os
dardos nas mãos.
– Ainda vai querer apostar alguma coisa? – Sorrio, travessa.
– Mesmo sabendo que vou vencer? Mais um post no Instagram?
Sugiro, mesmo que eu e ele tenhamos postado uma coisa ou
outra durante esse mês.
Ele ri, aproximando o corpo do meu e o rosto do meu ouvido.
– Já entendi que você é boa em tudo, Penélope. Dessa vez,
sem apostas. – Sinto sua boca depositar um beijo logo atrás da
minha orelha, me fazendo estremecer.
– Mas assim é sem graça… – digo baixinho, quando ele
inspira meu cheiro.
– O que você quer de mim? – Seu tom de voz é o mesmo
que o meu.
– Quero tantas coisas… – As palavras deixam meus lábios,
antes que consiga contê-las.
Um rosnado baixo, arranha a garganta de Arthur, que agarra
a minha cintura e me aproxima mais.
– Você está brincando com fogo, formiguinha. – Sua língua
passa por minha pele, arrepiando-a. – Não pode dizer uma coisa
dessas a um pobre homem como eu.
Dou uma risadinha e tento me afastar, mas ele me impede.
Sua boca distribui beijos por meu pescoço, me fazendo
perder a fala por alguns instantes.
– A última coisa que você é, é pobre, senhor Rabello.
– Porra, não me chame assim… – Seu rosto se afasta, e
seus olhos contém um brilho excitante. – Vamos sair daqui. Eu
preciso tirar sua roupa.
Sorrio e mordo o lábio inferior, decidindo torturá-lo mais um
pouquinho.
Balanço o dardo no ar, e ele joga a cabeça para trás,
resmungando feito uma criança.
– Eu começo. – Dou um empurrãozinho em seu peito, e
relutante, ele se afasta.
Me posiciono na frente do alvo, levanto o primeiro dos cinco
dardos e depois de mirar, jogo.
Acerto o centro em cheio.
Ouço um suspiro pesado ao meu lado e dou risada, ao ver
Arthur apoiado em uma pilastra e de braços cruzados.
Jogo os outros quatro dardos, atingindo três na primeira fileira
ao lado do alvo central, e mais um no meio.
– Perfeito! – Sorrio, orgulhosa, para Arthur, que me olha com
tédio.
– Já podemos ir, pra eu tirar sua roupa? – diz alto e em bom
som, me obrigando a olhar para os lados, preocupada.
– Arthur!
– Eu já disse que você tá gostosa nesse vestidinho? Adoro
como sua bundinha é empinada, e essas coxas ficariam lindas ao
redor... – Tapo sua boca no mesmo instante, impedindo que
continue.
Ele ri, mesmo que não veja seu sorriso, e eu o olho com
raiva.
– Quer parar de dizer essas coisas, alto desse jeito, caramba!
– Seus dentes mordiscam a palma da minha mão, e eu a puxo de
volta.
Ele desencosta da pilastra e se aproxima. Sua mão vem
parar na minha nuca de maneira firme, e eu nem tenho para onde
correr.
– Ficar brava comigo, não vai ajudar você com essa tortura,
Penélope. – Meu coração dispara. – Só vai me deixar com tesão e
me obrigar a cometer a loucura de te jogar por cima do ombro, e te
tirar daqui.
Ele me beija, quando mal termina de falar e me deixa
totalmente sem fôlego. Finaliza com uma mordida forte no meu lábio
inferior, me larga e vai até o alvo na parede.
Cambaleio para trás, sentindo as pernas fracas e gelatinosas,
entretanto consigo me equilibrar e não cair de bunda no chão.
Gente, o que foi isso?
Arthur retira os dardos do alvo e se vira para mim com um
semblante sério. Para na distância indicada e joga o dardo
de qualquer jeito no alvo.
Nem ao menos, tenta acertar.
– Pelo menos, tenta atingir o alvo… – protesto, encontrando
minha voz, depois de alguns segundos.
– Tem outra coisa que eu quero atingir, e ela é muito maior do
que um alvo de dardos – ele diz, todo rabugento, e eu dou risada.
Bufando alto, ele parece aceitar o jogo, e o segundo dardo
atinge o alvo em cheio.
E o terceiro.
O quarto.
O quinto.
Fico boquiaberta.
Ele me olha, daquele jeito arrogante que sabe que é bom em
alguma coisa.
– Eu já disse que era muito bom nisso na faculdade? – diz,
com um sorrisinho cínico. – E olha que correr era o meu esporte, e
nem envolvia mira.
Cruzo os braços, irritada por ele ter se saído melhor.
Arthur me contou que fazia parte da equipe de atletismo na
faculdade e que foi quando conheceu seu melhor amigo. Já vi os
dois correndo, quando teve a festa de boas-vindas de mamacita no
orfanato, logo que ela voltou do hospital, e mesmo que não
pratiquem mais o esporte, os dois continuam incrivelmente rápidos.
E pelo jeito, o homem tem outros talentos.
Ainda bem que não apostamos nada.
– Isso aí é sorte… – murmuro despretensiosamente, olhando
minhas unhas impecavelmente pintadas de vermelho e ouço sua
risadinha.
– É verdade, deve ser mesmo. – Eu o olho. – Melhor eu
tentar de novo, só pra termos certeza.
O idiota pisca um olho, pega os dardos de novo, volta para o
lugar e em menos de dois segundos, joga e acerta o alvo em cheio.
– Como…
– Acho que sou muito sortudo – devolve e acerta mais um.
– Exibido. – Ri da minha cara e continua acertando a merda
do alvo.
Cruzo os braços, tentando lidar com a minha incapacidade de
aceitar perder e vagueio os olhos ao redor.
Um homem solitário me chama a atenção, sentado quase
escondido, nos fundos do outro lado do bar.
Ele usa um terno surrado, amassado, tem a gravata frouxa e
segura uma garrafa de Vodka, enquanto olha para o nada.
Minha mente imediatamente entra em ação.
Ele perdeu o emprego. Trabalhava naquela empresa fazia
mais de dez anos, e o demitiram porque estavam fazendo cortes,
com o intuito de poupar gastos. O problema, é que semana
passada, ele deu entrada em um carro zero e agora não sabe como
vai pagar a dívida.
Uma voz grave sussurra no meu ouvido, me assustando.
– O que você imaginou? – Arquejo e levo a mão até o
coração.
Viro-me de frente para Arthur, que me olha com expectativa e
carrega um sorrisinho nos lábios.
– Como sabe que é isso o que estou fazendo?
Ele eleva os ombros, despretensiosamente.
– Você muda de expressão, quando está fazendo isso. Seu
olhar fixa no alvo e ao mesmo tempo, fica vago. Acredito que esteja
passando as imagens na sua cabeça.
Solto uma risada alta, achando graça no fato de que ele sabe
exatamente o que aconteceu.
– O duro, é que é isso mesmo. – Me viro para o homem, que
não mexeu um milímetro e continua agarrado à garrafa de bebida. –
A julgar pelo seu estado decadente, acho que foi demitido depois de
trabalhar uma década em uma empresa, e agora não terá como
pagar suas dívidas.
Sua mão agarra minha cintura, me pegando desprevenida, e
ele volta a afundar o rosto no meu pescoço.
Arthur parece vidrado, como se não tivesse forças para se
afastar de mim. Com a boca grudada na pele do meu pescoço, ele
fala baixinho:
– Acho que está errada. Na verdade, o homem está abatido
daquele jeito, porque a mulher que ele quer, não dá aquilo que
ambos desejam. – Seus lábios deixam um beijo na curva do meu
pescoço, me fazendo apoiar em seus ombros, quando minha
respiração acelera. – Ela quer, desesperadamente, ter uma segunda
dose, uma dose melhor e maior, do que já experimentou, mas está o
enrolando. Apenas para ter certeza de que ele realmente a quer e
que não quer mais nenhuma outra mulher nesse mundo. Que não
vai desistir tão fácil e, que quando acontecer, fará valer a pena.
Meu peito dispara, ao passo que meu corpo se acende com
suas palavras. O fato de ele saber exatamente o que se passa na
minha cabeça, é incrível e assustador ao mesmo tempo.
Foi por isso que não fiz nada ontem, quando fomos dormir. É
por isso que estamos aqui, quando poderíamos estar fazendo outra
coisa na mansão.
Estou insegura. Por muitas coisas.
Será a primeira vez que transarei com outro homem, que me
envolverei com alguém, depois de muito tempo, e essa pessoa era a
que eu odiava muito, a poucas semanas atrás.
Mesmo que meu corpo anseie por seu toque, meu cérebro
ainda me faz dar um passo para trás e ter certeza. Só não sei
exatamente do que.
Afasto meu rosto, a fim de olhá-lo. Seus olhos me sondam
com uma intensidade típica. Suas mãos apertam minha cintura, e
seu peito sobe e desce em uma respiração.
– Eu acertei, não acertei? – pergunta.
– Sobre o homem solitário ali? Provavelmente não. – Dou
uma risada, todavia, seu rosto permanece sério. Solto um suspiro. –
Sobre mim? Acertou.
Concordando com a cabeça, ele diz:
– Eu imaginei. Mas continuarei aqui, Penny. Até que entenda
que não tem para onde fugir. Você me quer, tanto quanto eu te
quero. E nem que seja uma única vez, precisamos fazer isso. – Ele
encosta a testa na minha e fecha os olhos. – Eu preciso muito disso.
Mordo o lábio e estou prestes a ceder, porém, uma música
que eu conheço começa a tocar.
Sorrio, quando as primeiras batidas de “Envolver”, da Anitta,
começam a tocar. Ouço a comemoração das pessoas, sabendo que
é o maior sucesso da cantora.
– Olha só, se não é a indicada ao Grammy, tocando.
Arthur levanta a cabeça, como se percebesse só agora o que
começou a tocar e concorda.
– É ela mesma.
Ele me encara, com uma ansiedade e expectativa visíveis.
Mordo o lábio de novo, olho para a pista de dança cheia, com luzes
neon rosa e azul de um lado para o outro, e volto a encará-lo.
– Uma dança. – Seguro sua mão, vendo-o estreitar os olhos
para mim. – Uma dança, e eu direi exatamente o que eu quero.
Tento levá-lo para a pista, só que ele não se move.
– Penélope…
– Vamos. Temos que dançar a música da mulher pela qual
você é obcecado.
Seu olhar penetra a minha alma, quando ele se aproxima de
novo.
– Minha obsessão mudou. Agora ela é loira, cheirosa e tem
uma bunda enorme.
Abro o maior dos sorrisos e quando o puxo de novo, ele não
resiste.
Caminhamos rapidamente até o ambiente com a pista de
dança, nos infiltramos um pouco e paramos no meio dela, quando o
refrão da música começa.
Viro de frente para Arthur e começo a dançar de um lado
para o outro, no ritmo. Ele me olha, acompanhando meus
movimentos com o olhar luxurioso, até que também começa a se
mover.
Aos poucos, encontramos nossa sincronia.
Ergo os braços, sentindo as batidas do reggaeton[19] lento
reverberarem por todo o meu corpo. Arthur se aproxima mais,
segurando minha cintura e nos conduzindo naturalmente.
É claro que ele também saberia dançar. Não sei se existe
algo que ele não saiba fazer.
Seu corpo musculoso e firme se encaixa no meu. Suas mãos
acariciam minhas costas de um jeito lento e gostoso. Fecho os
olhos, enquanto ele enterra o rosto no meu pescoço, e dançamos.
Dançamos como se não existisse mais ninguém ao nosso
redor. Dançamos em total sincronia e na velocidade perfeita.
Dançamos e deixamos a música penetrar nossas peles, até
alcançar nossos ossos.
Eu inicio um movimento, e Arthur termina.
Ele me conduz, e eu o acompanho.
Perfeitamente coordenados, como se tivéssemos acabado de
criar a nossa própria coreografia.
De repente, Arthur me gira de costas e agarra minha cintura,
me colando em seu corpo. Suas mãos passeiam por meu corpo, da
minha coxa descoberta, passando pela minha barriga e subindo até
alcançar meus cabelos.
Ele os agarra, puxando meu rosto para si e mordendo a pele
do meu pescoço.
Tudo isso, sem perder o ritmo em nenhum momento.
Minha pele se arrepia, sua e pede por mais. Ela deseja seu
toque, deseja senti-lo, mais do que tudo.
Um tesão se alastra por meu corpo. Nossa dança é como um
sexo, com roupas e sem penetração.
Minha boceta se contrai, seu pau cutuca a minha bunda,
nossas respirações estão descontroladas, e nossos corações batem
rápidos e em sincronia.
É como uma preliminar.
Me deixando tão molhada, tão pronta, que se seus dedos
adentrassem minha calcinha agora, escorregariam com facilidade
para dentro de mim.
Solto um gemido, que é abafado pela música alta, quando ele
lambe o suor da minha pele. Lambe da base do pescoço, até
alcançar meu ouvido, me fazendo erguer um braço, agarrar seus
cabelos e puxá-los.
Arthur rosna no meu ouvido, me agarrando mais ainda, como
se não fosse o suficiente.
Quando achei que tudo não poderia ficar mais
enlouquecedor, ele começa a cantar.
Puta que me pariu!
Tocando os lábios na minha orelha, sua voz rouca, profunda
e afinada, é a gota d’água para mim.
– Y no te vaya' a envolver. Sé que lo hacemos y tú vas a
volver. Un perreíto en la pared. Yo soy un caso que hay que
resolver.[20] – Sua mão sobe por minha costela, e seus dedos tocam
meus seios. A outra mão agarra minha coxa, tocando a pele por
baixo do vestido. – Pero no te vaya' a envolver. Sé que lo hacеmos
y tú vas a volver. Un perreíto pa' bеllaquear. Pegadito a la pared.[21]
Juro que estou prestes a gozar.
Sua voz, misturada com seus movimentos e suas mãos
firmes, me deixa à beira da combustão.
E assim, eu decido acabar com a nossa tortura.
Eu o quero. Eu quero isso. E não há motivos para resistir.
Virando-me de frente para Arthur de novo, espalmo minhas
mãos no seu peito, e ele para de dançar na hora.
Ainda respirando com dificuldade, digo as palavras que estão
em minha mente faz um tempo:
– Você disse que poderia me mostrar muitas coisas. – Seus
olhos brilham de excitação.
– Sim. Eu posso.
– Então me mostre.
Ainda ao som de Anitta, Arthur agarra minha mão, e em
menos de cinco minutos, estamos saindo daqui.
Arthur andou tão rápido com esse carro, que me surpreende
não termos sido parados por uma blitz. Na certa, ele receberá uma
multa por excesso de velocidade.
No entanto, ele não parece se importar. Não quando
estaciona o carro de qualquer jeito na garagem e quase sai
correndo para abrir minha porta. Não consigo deixar de rir da sua
pressa, principalmente quando subimos as escadas, de dois em
dois degraus.
Comigo rindo, e com ele resmungando que não quer perder
nem um segundo.
Ele destranca a porta do nosso quarto, meio que me empurra
pra dentro e fecha a porta atrás de si.
Pensei que me jogaria na parede e arrancaria minhas roupas
como um neandertal, mas nada acontece.
Viro-me para vê-lo, e Arthur está parado em frente à porta.
Poderia dizer que mudou de ideia, só que sua postura e seu
olhar me dizem o contrário.
Arthur está se contendo.
Não sei se para não me assustar ou para que eu não mude
de ideia ou para que as coisas não sejam tão rápidas.
Só que eu não vou mudar de ideia.
Meu corpo ainda sente o seu atrás de mim, dançando e se
esfregando de maneira sensual. Ainda sinto o toque da sua mordida
no meu pescoço e seu hálito quente no meu ouvido, cantando a
música no espanhol mais sexy que já ouvi na vida.
Não há escapatória. O primeiro passo foi dado, e nada do
que ele faça, poderá impedir o que está prestes a acontecer.
E assim, ainda no silêncio e na penumbra do quarto, decido
mostrar a ele o meu ponto.
Jogo minha bolsa na poltrona, para logo em seguida jogar
minha jaqueta. Sem interromper o contato visual, levanto meu pé
direito, tiro minha sandália e depois faço o mesmo com o esquerdo.
Arthur mal pisca. Acompanha cada movimento com os olhos
atentos e a respiração controlada.
Assim que fico descalça, é a vez do homem começar a se
despir. Primeiro, tira os sapatos e as meias. Em seguida, é a vez do
cinto. Sua camiseta é sem botões, e em questão de segundos, ele
está sem camisa na minha frente.
Sem precisar disfarçar ou me conter, corro os olhos para
cada parte do seu tronco nu. Suas entradas destacadas na cintura,
o caminho de pelos escuros do umbigo, até se perder no cós da
calça. Os seis gominhos definidos e perfeitos no seu abdômen, o
peitoral grande e forte, seu maxilar coberto por uma barba por fazer,
seus lábios grossos e macios, o nariz reto e, finalmente, os olhos.
Gosto dos seus olhos. Quando abre um sorriso, eles sorriem
com ele. Eles sempre me dizem o que Arthur está pensando.
E no momento, eles me dizem que ele me quer. Que quer pôr
em prática todas as fantasias em sua mente.
E eu estou pronta para todas elas.
Como pode um homem, ser tão lindo assim? Arthur sai do
comum e alcança o extraordinário. Cada dia que passa, parece mais
bonito e mais atraente para mim.
Abro um pequeno sorriso, levando as mãos até a barra do
meu vestido e o subindo.
Apenas usando um conjunto de lingerie branco e rendado,
sinto minha pele queimar por cada centímetro que Arthur olha.
Desde as minhas coxas, à calcinha, à barriga, meus seios cobertos
pelo sutiã, até o meu rosto.
Seu peito sobe e desce em uma respiração profunda, e o
maxilar contrai.
Suas mãos que eu adoro tanto, vão para a braguilha da
calça, e ele abre os botões e o zíper. Desce a calça, chutando-a
para o lado e ficando só com uma cueca boxer preta na minha
frente.
O homem parece que foi esculpido pelos deuses. Não há
nenhum defeito, nada desagradável ou ruim.
Apenas o cara mais gostoso que já vi na vida.
Para completar a obra, tem as tatuagens pintando sua pele.
Só mais um detalhe dentre tantos, que me faz suspirar e ao mesmo
tempo, perder o fôlego.
Meus olhos caem sobre o volume dentro da sua cueca, e eu
umedeço os lábios, ao notar o quanto é grande e o quanto está
rígido.
Minha boca chega a salivar.
Quando começo a levar as mãos até o fecho do sutiã, Arthur
me para.
– Espera! – Caminha em minha direção, parando a poucos
centímetros do meu corpo e transferindo o seu calor para mim. –
Existem algumas coisas que precisam ser admiradas
apropriadamente. E eu não quero perder nenhum detalhe seu,
formiguinha. – Seu olhar me queima. – Nenhuma porra de detalhe.
Vai até o interruptor da luz e o acende.
Ele tinha razão. A visão é muito melhor às claras.
Volta até mim, segura minha mão e caminha até a cama. Ele
se senta na beirada e me posiciona bem à sua frente.
Seus olhos olham cada parte do meu corpo novamente,
dessa vez, com demora e com um certo cuidado. Suas mãos
seguram minha cintura e acariciam minha pele.
Devido à sua altura, seu rosto fica na altura dos meus seios.
Ele se curva um pouco para baixo e deixa um beijo na minha
barriga. Inspira profundamente, sentindo meu cheiro e de olhos
fechados, o aprecia.
Sinto meu coração bater, descontrolado.
Nunca tive meu corpo venerado dessa forma. Não como ele
faz.
Ele se afasta, foca os olhos bonitos nos meus e acena com a
cabeça. Entendo que é para eu continuar de onde parei.
Dou um pequeno passo para trás, não querendo que ele
perca nada, levo as mãos ao fecho do sutiã e o solto.
Meus peitos pulam para fora, pesados e com os mamilos
duros de excitação.
Vejo a boca de Arthur se abrir ligeiramente, parecendo
chocado com a imagem à sua frente.
Jogo meus cabelos para trás, esticando o tronco e fazendo
meus peitos empinarem mais.
Tenho certeza de que ele não pisca.
Seguro o riso e finalizo a tarefa de ficar nua na sua frente.
Pego as laterais da minha calcinha e a retiro do corpo.
Estou totalmente nua.
Seus olhos estão por toda parte.
Rápidos, intensos, vidrados, focados.
Ele olha para a minha vagina depilada, para os meus seios
pesados e intercala o olhar entre eles.
Estreito os olhos, quando percebo que Arthur não está se
mexendo.
Ou seja, ele não está respirando.
Ele não está respirando!
– Arthur? Arthur, respira! – Ele não o faz. – Arthur, pelo amor
de Deus, respira!
Estalo o dedo na sua cara, e ele desperta.
Puxa uma lufada de ar e pisca rapidamente. Suas mãos vão
parar em seus cabelos ondulados, e ele os bagunça, totalmente
perdido.
Não consigo mais conter a risada borbulhando dentro de mim
e começo a rir.
Rir de verdade, jogando a cabeça para trás, sem me conter.
A imagem dele totalmente paralisado na minha frente, será
algo que eu jamais esquecerei.
Percebo o silêncio ao redor e foco nele novamente.
Arthur está me olhando de um jeito estranho.
Seus olhos possuem um brilho de admiração diferente de
tudo o que eu já vi. Ele balança a cabeça de um lado para o outro,
como se estivesse inconformado com algo.
Penso em perguntar, mas seus braços enormes me alcançam
com facilidade e me puxam para si. Sua pegada muda, assim como
sua respiração, e seu olhar, quando encontra o meu, também está
diferente.
Em segundos, Arthur se transforma e me olha como se
quisesse me devorar.
Sinto suas mãos apalparem minha bunda, subirem por minha
coluna e pousarem nos meus cabelos.
Minha pele se arrepia ao sentir os calos dos seus dedos
rasparem por todo o caminho.
– Você é uma deusa, Penélope. Capaz de deixar qualquer
homem aos seus pés. – Seu aperto em meu couro cabeludo
intensifica, e um gemidinho me escapa. – Essa noite, eu serei seu
servo. Reverenciarei seu corpo como você merece e farei até os
demônios se curvarem diante de você.
Sua boca engole o arfar que deixa meus lábios.
Ele me beija com força, com fome, com sede, com ânsia.
Suga meus lábios, minha língua e o ar dos meus pulmões.
Não me dá trela, tempo, dúvida ou incerteza.
Arthur beija minha boca com toda a imponência que exala por
onde passa. Me comanda, como faz em sua editora. Me domina,
como faz com todos à sua volta.
Ele me toca, como se precisasse me sentir inteira; me morde,
como se estivesse faminto; me lambe, como se quisesse me
saborear.
Isso tudo em um beijo.
Quando meus pulmões queimam, precisando de ar, agarro
seus cabelos e afasto nossas bocas. Enquanto tento recuperar o
fôlego, Arthur não perde tempo.
Desce sua boca até o meu pescoço, lambendo, beijando e
chupando minha pele. Seus dentes deixam marcas e arranhões.
E eu adoro.
Com a respiração descompassada e as batidas do coração
aceleradas, eu sorrio ao senti-lo em minha pele.
Puxo seus cabelos, adorando ouvir seu gemido no meu
ouvido e sentindo minha boceta latejar.
Meu corpo queima com um desejo descomunal. Algo intenso
e avassalador, que nunca experimentei antes.
Sua boca desce mais, e quando vou ver, Arthur está
segurando meus dois seios com as mãos enormes e os apertando
com vontade.
Ele os massageia, torce os mamilos e me olha, quando gemo
alto.
– Seus seios são lindos, Penélope. Assim como todo o seu
corpo. – Ele bota a língua para fora e lambe meu mamilo direito. –
Vou te lamber inteirinha, minha deusa. Vou lambuzar seu corpo todo
com a minha saliva, apenas porque quero sentir cada pedacinho
seu.
E abocanha meu seio, arrancando um grito de prazer da
minha garganta. Uma de suas mãos segura minha cintura com
firmeza, e a outra não para de apalpar meu seio esquerdo.
Sua língua áspera me leva à loucura, me fazendo cravar as
unhas em seus cabelos.
Ele geme na minha pele, chupando e chupando meu peito.
Meu corpo tenciona, minha boceta lateja, e eu não consigo controlar
os gemidos saindo da minha garganta.
Seus dentes raspam o bico do meu seio, antes de ele mudar
para o outro e repetir o mesmo processo.
Estou a ponto de enlouquecer, quando sua língua espalha
baba por toda a minha pele.
Parecendo determinado a cumprir com o que prometeu, ele
lambe todo o meu peito, o vale entre eles e chupa minha pele.
Suas mãos me apertam muito, conforme ele vai descendo,
espalhando saliva por todo caminho. Por minha barriga, rodeando
meu umbigo, até que chega próximo à minha boceta.
Ele para, olha para ela, olha para mim e passa um dedo por
entre os meus lábios vaginais. Mordo minha boca, ao passo que ele
esfrega minha boceta, sem realmente entrar.
Apoio as mãos em seus ombros, fincando as unhas em sua
pele e remexendo meu quadril em busca de mais.
Arthur abre aquele sorriso endiabrado e não aprofunda seu
toque. Crispo meus lábios, começando a ficar irritada com a sua
tortura. Ele abre a boca para dizer:
– É ruim, não é? Quando queremos algo, desesperadamente,
mas não conseguimos.
Rosno, arranhando mais ainda seus ombros. Seu sorriso
aumenta, e ele não muda os movimentos.
– Você é um imbecil.
– E você é uma delícia.
Ele tira a mão da minha boceta, e quando acho que vou
enlouquecer de vez, ele puxa uma perna minha e apoia meu pé na
beirada da cama, ao seu lado.
Mais aberta para ele, Arthur não pensa duas vezes antes de
descer a boca até a minha boceta e me chupar com vontade.
O gemido que dou é tão escandaloso, que eu me
preocuparia, se não estivesse tendo a melhor sensação de todas.
A sua boca me engole e me lambe, enquanto sua respiração
bate na minha pele, e suas mãos me apertam.
Arthur chupa a minha boceta como se quisesse gravar em
suas papilas gustativas o meu gosto.
É prazer que eu vejo em seu rosto, conforme ele passa sua
língua molhada por minha vagina inteira. Seus lábios se fecham ao
redor do meu clitóris, tal qual seu dedo se enfia em minha entrada.
Minha mão em seus cabelos os puxa, ao mesmo tempo que
o empurra em minha direção.
Estou descontrolada.
Grito, me contorço, gemo a cada movimento que sua boca
gostosa faz em mim.
É ainda melhor que da primeira vez, pois não há restrições.
Não há medo de alguém entrar e nos atrapalhar.
Somos nós dois, e uma vontade latente de nos satisfazer.
Meu corpo começa a tremer, indicando que meu orgasmo
está vindo.
– Eu vou gozar, Arthur – me esforço para dizer.
– Goza, minha deusa. Goza gostoso na minha cara.
Seu comando, sua voz, seus dedos, sua boca, sua língua,
são minha perdição.
Gozo intensamente, curvando o corpo para frente e gritando
seu nome.
Se não fossem as mãos de Arthur me segurando, estaria
caída e acabada no chão do quarto.
Sua boca não me dá brecha, me chupando à medida que
sinto o orgasmo acabar comigo.
Tento afastá-lo, mas ele não me deixa. Me consome, como se
não pudesse perder nenhuma gota do meu prazer.
Quando paro de estremecer, Arthur não me dá tempo nem de
respirar. Ele desgruda sua boca de mim, me agarra, nos vira e nos
troca de lugar.
Agora, sou eu quem está deitada na beirada da cama, ainda
tentando voltar a respirar direito.
Rápido como um raio, o homem arranca a sua cueca e fica
completamente nu.
Tomo alguns segundos para olhar o pau grande e grosso
pairando acima de mim.
Não sei se agradeço a Deus ou se choro.
Meus olhos se arregalam, e ele tem a cara de pau de rir da
minha cara.
– Você tá querendo me matar? – pergunto, vendo-o se
masturbar devagar.
Com um sorriso de lado, ele responde:
– Sim. Mas você vai gostar.
Pisca, antes de sair em direção às suas roupas. Ele volta, já
encapando o pênis em uma camisinha que eu nem o vi pegar.
Uma expectativa cresce dentro de mim, mal parecendo que
acabei de ter o maior orgasmo da minha vida.
Sem tempo a perder, Arthur segura minhas pernas, enrola em
sua cintura e se curva em cima de mim. Seus olhos não deixam os
meus em nenhum segundo, e sua mão tira os fios loiros do meu
cabelo do meu rosto com delicadeza.
Ele olha para cada parte do meu rosto, até que fixa em meus
olhos. Sinto seu pênis roçar minha entrada, porém ele permanece
parado, me olhando.
– Você é a mulher mais linda que já vi, Penélope. Seu corpo
é perfeito, seu rosto, seu cabelo, seus olhos, tudo. – Sinto um frio na
barriga, e meu coração pula uma batida. – Eu nem acredito que isso
está acontecendo.
– Você me queria tanto assim? – sussurro.
Seus olhos escurecem, antes de se fecharem e sua boca
tomar a minha. Seu beijo traz a resposta para a minha pergunta.
Sim. Ele me queria.
Desesperadamente.
Assim como eu.
Ainda com os lábios nos meus, seu pau encontra a minha
entrada e avança devagar.
Nossas bocas desgrudam, quando os primeiros centímetros
do seu membro me alargam, e nossos gemidos escapam. Mais e
mais ele entra, eu arranho suas costas, e ele morde minha boca.
Gememos ao mesmo tempo, quando ele atinge o fundo e me
preenche inteira.
Porra, que sensação divina.
Respirando com dificuldade, ele se mantém parado, me
dando tempo para me adaptar.
– Está tudo bem? Sente dor? – questiona de modo doce,
quase arrancando meu coração no processo.
– Não, não sinto nada. Apenas você. Só você.
Seu maxilar trava, e ele fecha os olhos, quando encosta a
testa na minha.
– Você é perfeita, Penny.
Ele apoia os braços pelos cotovelos e me olha atentamente.
Mexo o quadril, fazendo um rosnado escapar dele, e um
sorriso de mim.
– C-como você quer? – Sua pergunta sai com dificuldade. –
Quer devagar ou quer forte?
Sorrio, passando as mãos por seu rosto e seu peitoral.
Olhando em seus olhos, dou voz ao meu lado preferido. O lado
safado.
– Você disse que me mostraria tudo. – Raspo as unhas em
suas costas, e seu corpo estremece. – Me mostre o seu pior, Arthur
Rabello.
Abrindo o maior sorriso de todos, ele responde:
– Sim, senhora.
Arthur agarra minhas mãos e as eleva para cima da minha
cabeça. Segurando-as com uma mão, a outra vem parar na minha
garganta.
– Respire fundo – ordena, e eu obedeço no mesmo instante.
Quando encho meus pulmões de ar, ele aperta meu pescoço
e me impede de expirar.
E ele mete.
Uma.
Duas.
Três.
Quatro.
Várias vezes.
Com força, impiedoso e sem me permitir respirar.
Arthur começa a me foder sem parar.
Reviro os olhos, ao senti-lo tocando meu ponto de prazer,
arremetendo sem parar.
Abro a boca em busca de ar, e quando tudo se torna intenso
demais, ele afrouxa a mão.
Minha respiração se mistura com os gemidos, e ele não para.
Seu quadril choca de encontro ao meu, e continua me
fodendo.
Seus olhos são fogo puro, seu pau duro é impiedoso, e seu
aperto não me permite lhe tocar.
À sua mercê.
Estou absolutamente à sua mercê.
E eu adoro. Inclino mais meu quadril para cima, o recebendo
mais a fundo e ouvindo Arthur rosnar.
– Sua putinha ardilosa. – Ele estoca fundo e volta a agarrar
minha garganta. – Quer acabar comigo rápido, não quer, minha
putinha?
Mesmo sem ar, gemo, alucinada. Transtornada.
Ele solta minha garganta, apenas para roubar meu ar em um
beijo molhado. Sua mão percorre meu corpo, com seu pau entrando
e saindo sem hesitar.
Ele me acaricia, me aperta, e mesmo que não veja, deixa
marcas.
Não satisfeito em me marcar para sempre com a melhor foda
de todas, Arthur quer marcar minha pele.
E isso é maravilhoso.
Eu quero que me marque, quero me lembrar amanhã, quero
sempre me lembrar.
Ele diminui um pouco o ritmo, deslizando com lentidão e
facilidade de dentro para fora. Sua boca deixa a minha e voa até
meu pescoço, onde sinto uma chupada ardida e forte.
– Arthur… Porra! – Gemo, sentindo meu orgasmo chegando.
– Vai gozar, minha putinha? – sussurra no meu ouvido,
arrepiando minha pele. – Quero sua bocetinha apertando meu pau,
Penélope. Faça isso. Agora.
E eu faço.
Gozo, gemendo alto e tremendo descontroladamente.
Minha cabeça dá voltas, e minha boceta o aperta.
Assim como mandou.
Arthur geme, sem parar de meter em mim e finalmente solta
minhas mãos. Imediatamente, agarro seus cabelos e beijo sua boca.
Suas estocadas são curtas e precisas, até que ele urra e
goza, gemendo meu nome.
Um segundo depois, e Arthur desaba em cima de mim.
De olhos fechados, tento recuperar o fôlego, assim como ele.
Meu corpo nunca esteve tão relaxado em minha vida.
Foi extraordinário.
Tudo antes disso, acaba de ser instantaneamente apagado
da minha memória.
Arthur acabou de me dar o melhor sexo da minha vida.
Cansada demais para abrir os olhos, o sinto sair de dentro
mim e dar um beijo gostoso na minha boca. Seu corpo se afasta,
arrepiando minha pele de frio, mas logo me sinto sendo puxada para
o topo da cama.
Minha cabeça é depositada no travesseiro fofo, e depois de
alguns instantes, meu corpo é coberto pelo lençol de seda.
Meu corpo relaxa tanto, que mal percebo o sono vindo. Antes
de me render a ele, ouço as palavras sussurradas de Arthur:
– Foram meses de espera, formiguinha. – Sua mão acaricia
meu cabelo, e sua boca beija minha testa. – Valeu a pena cada
segundo.
E então, eu durmo.
Toco a campainha e espero.
Alguns minutos se passam, e eu toco de novo.
Olho o relógio no celular e vejo que são duas e treze da
manhã.
Meu coração está disparado como louco, e não paro de bater
o pé no chão. Não satisfeito, começo a andar de um lado para o
outro, para ver se assim, aplaca um pouco da ansiedade que sinto.
Eu estou surtando.
Surtando, surtando, surtando.
Não estou sabendo lidar com o meu surto, com o que está
acontecendo comigo, então viajei por duas horas e vim até à única
pessoa no mundo que me entende.
Vejo pela janela da frente a luz da sala se acender, ouço o
trinco da porta, indicando que está sendo aberta, e segundos
depois, Benjamin surge à minha frente.
Primeiro, ele tem um olhar de alerta. Depois, muda para
entediado e sonolento, e depois, volta a ficar alerta.
– O que foi que aconteceu? – questiona, olhando atrás de
mim e vendo apenas meu carro parado em frente à calçada.
– Estou fodido.
É a única coisa que consigo dizer.
Meu melhor amigo me olha com o semblante confuso e a
testa franzida.
Mais um segundo se passa, e ele compreende.
Um sorriso lento e ardiloso começa a nascer em seu rosto
negro, até que se torne tão grande quanto a porra de uma lua
crescente. Branco e brilhante.
– Eu te avisei – apenas diz.
– Eu sei, caralho. Não precisa me dizer isso! – digo,
impaciente.
Ele só dá um passo para o lado e libera a passagem para
mim.
Estou surtando pelo simples fato de que eu me fodi. Me fodi
ao quadrado.
Transei com a Penélope, e foi divino.
Acho que não tem palavra melhor para definir.
Quando ela adormeceu, quase que imediatamente depois de
finalizarmos, passei pelo menos quarenta minutos olhando para ela
esticada em nossa cama.
Lembrando de tudo.
Do que eu vi, do que senti, do que ouvi, do que provei.
A sensação de algo extraordinário, é igual a que eu tive ao
gozar com a boceta da Penélope em volta do meu pau.
Como o corpo de uma pessoa pode ser tão quente? É um
contraste tão bom, que ao sentir seu corpo sob o meu, eu queria
nunca mais sair dali.
Sua pele é macia e convidativa. Sem defeitos, imaculada.
O que eu disse, é verdade. Penélope não é um ser humano
comum, ela é uma deusa criada para dominar qualquer pessoa.
Ela me dominou.
Mesmo que eu tenha a conduzido. Mesmo que estivesse
totalmente entregue à minha mercê, era sobre ela que se tratava
tudo aquilo. Sobre o que ela queria, o que ela precisava.
E então, controlado e submetido por ela, eu dei tudo de mim.
Muito mais do que eu gostaria de ter dado e que achei que
poderia dar.
Ela agarrou, com todas as forças, e tomou de mim o que
tanto merecia.
Poderia dizer que apenas cumpri com minha palavra. Que dei
o sexo que uma mulher como Penélope merece, com toda a
atenção e dedicação que se deve ter, porém não foi isso o que
aconteceu.
Eu não deixei apenas a minha porra naquele ato, deixei
minha alma.
E eu estou surtando por isso. Pura e simplesmente, porque
não quero minha alma de volta. Quero entregá-la àquela mulher de
novo.
Eu a quero de novo.
De novo.
De novo.
E de novo.
Eu não estou sabendo lidar. É algo novo. Completamente
estranho.
Nunca houve nada assim. Jamais senti qualquer coisa
transando com alguém. Era para ter sido apenas mais uma transa, e
não a transa.
Se eu ficasse lá, teria a acordado e repetido tudo. Melhor.
No entanto, eu não podia. Precisava colocar a cabeça no
lugar e pensar.
O que nos traz aqui, à casa da baixinha mais legal que eu
conheço. A casa da namorada do meu melhor amigo, pois eu sabia
que o cara estaria aqui.
– Arthur, você vai abrir um buraco no chão, se continuar
andando de um lado para o outro – ele me tira dos meus devaneios.
Noto só agora que estou no meio da sala, enquanto ele está
sentado, todo esticado, no sofá e com as mãos atrás da cabeça.
Uma raiva surge dentro de mim quando olho para o seu rosto
completamente relaxado, destoando da sensação opressora dentro
de mim.
– Eu estou aqui, pirando, e você está com essa merda de
sorrisinho na cara? – Ponho as mãos na cintura e o encaro.
O idiota dá de ombros.
– Estou esperando a crise passar.
– Não estou em crise – minto.
– Surto, crise, é a mesma coisa.
Ranjo os dentes e volto a andar de um lado para o outro.
– Achei que você fosse me ajudar – resmungo, passando as
mãos pela cabeça.
– Não há o que fazer. Como você mesmo disse – eu o olho, e
ele completa: – você está fodido.
– Caralho! – Tapo o rosto com as mãos. Não é possível. – Eu
sou o único? Isso aconteceu com você também?
Pergunto, genuinamente curioso, e vejo meu amigo rir de
mim.
– O quê? Transar uma vez e saber que nada no mundo vai
ser igual? – concordo com a cabeça freneticamente. – Desde a
primeira vez.
– E o que você fez?
– O que você acha, Arth? – Ele abre os braços e indica o
lugar com a cabeça. – Olha onde eu estou. Olha o que estou
fazendo para nós. Estou construindo uma casa para morarmos com
a nossa futura família. – Sinto um pânico crescente em meu
estômago. – Você acha que eu seria idiota de perder a melhor coisa
que surgiu na minha vida? Sou emocionado, não burro.
– Puta que pariu! Construir casa? – eu exclamo, e ele solta
outra risada.
– Você está o assustando, mi querido[22]. – A voz carregada
de sono de Diana, surge na entrada da sala.
Olhamos para a pequena silhueta sonolenta caminhando em
nossa direção. Com os cachos presos em um coque e um moletom
que eu tenho certeza que é do meu amigo, pois vai até seus joelhos,
ela se aproxima de mim.
– Desculpe te acordar, Diana – falo, me sentindo um otário.
Me curvo, enquanto ela se põe na ponta dos pés e deixa um
beijo na minha bochecha.
– Não tem problema. Quem precisa de uma boa noite de
sono, depois de lidar com crianças doentes e pais desesperados o
dia todo? – ironiza, caminhando até Benjamin e se sentando ao lado
dele no sofá.
Ela se aninha em seu peito quando ele a abraça e deixa um
beijo em sua cabeça.
Ambos trabalham num hospital pediátrico e,
consequentemente, lidam com todo o tipo de situação.
Existem algumas profissões que simplesmente não são para
qualquer um. As deles são um exemplo.
– Ele tá surtando, ma fleur.[23] – ele tira sarro da minha cara, a
chamando pelo apelido carinhoso.
Eu os acharia fofos, se não estivesse com os nervos à flor da
pele.
– Eu sei, e você não está ajudando, falando sobre casa e
promessas de amor eterno.
Ele dá uma risadinha, e eu não acho a mínima graça.
– Pelo jeito, você ouviu a conversa… – Sento-me numa
poltrona ao lado.
– Eu e meu condomínio todo. – Ela ri e depois foca os olhos
cor de mel em mim. – Vocês finalmente deixaram essa briguinha de
lado e resolveram tentar?
– Tentar? Eu não quis tentar nada. Quer dizer… – me
desespero para falar. – Íamos apenas transar. Sexo casual, normal,
como qualquer outro. Era pra ter acontecido e fim.
– Mas não foi como você planejou, pelo jeito – Benjamin
pontua, mas consigo ver daqui o quanto está se segurando para não
rir.
– Você sabe que Penélope não é muito adepta ao sexo sem
compromisso, não sabe? – Diana me sonda.
– Ela topou, Diana. Disse que aproveitaríamos o tempo em
que estamos juntos e que seguiríamos cada um para o seu lado.
– E você acreditou nisso? – Diana pergunta, com um
sorrisinho.
– Claro que acreditei nela. Ela queria a mesma coisa que eu.
– Não estou falando dela, Arth. Estou falando de você. –
Franzo a testa para o que ela diz.
– Achou mesmo que ia se envolver e não sentir nada? – Benji
completa, me deixando ainda mais confuso.
– Do que vocês estão falando?
Ambos abrem sorrisos idênticos, o que é meio assustador. A
forma como nasceram um para o outro, e como se entendem, é
anormal.
Diana explica:
– Estamos falando que estava óbvio que, quando isso
acontecesse…
– E aconteceria, mais cedo ou mais tarde… – Benjamin diz.
– Vocês sairiam dessa, diferentes – ela finaliza.
– Gente, não é possível. Isso não faz sentido.
– Na verdade, faz todo sentido, Arth – meu amigo observa,
me olhando, sério, dessa vez. – Estava mais do que claro, pra todo
mundo, o quanto a química entre vocês é grande. Você está sempre
sondando ela. Ouvindo, prestando atenção. Até mais do que eu, pra
ser bem sincero. – Tombo a cabeça para o lado, e ele se explica. –
A forma espontânea e natural que você sempre esteve ao redor de
Penélope, é maior do que qualquer coisa que eu já tenha feito com
Diana. É como se fosse inevitável pra você. Inconsciente.
Fico em completo silêncio com suas palavras e tento
assimila-las.
– Não é muito diferente dela, se você quer saber – Diana se
manifesta. – Você despertou algo na Penélope desde a primeira vez
que vocês se viram. Eu lembro. Eu estava lá. – Ela sorri. – Mesmo
que a princípio não foi o melhor dos sentimentos, e ela se sentisse
mais irritada que qualquer coisa, ninguém nunca havia a afetado
tanto quanto você.
– Vocês estão falando sério? Isso… Isso não é possível…
Eu…
– E teve a briga de vocês – meu amigo me corta, trazendo o
assunto à tona.
– Por que você acha que ficaram tão bravos com o que
aconteceu? – Diana quem pergunta.
– Porque no fim das contas, nunca foram indiferentes um ao
outro – seu namorado finaliza.
Minha cabeça dá voltas.
Eu sabia da atração. Porra, como não saber? Penélope é
maravilhosa.
Linda, inteligente e sagaz, seria impossível não querê-la, não
desejá-la.
Mas isso? Esse fascínio, como uma espécie de
encantamento?
É demais para mim.
Eu não quero isso. Não quero me prender a uma pessoa, não
quero descartar todas as outras, apenas por ela.
Não quero ser exclusivo para ela e que ela seja exclusiva
para mim.
Mas então, a imagem dela com outro homem me vem à
mente, e eu escuto um baque surdo dentro da minha própria
cabeça.
Outro homem a olhando, a tocando, a sentindo…
Levo as mãos à minha cabeça, sentindo-a latejar.
Sentindo que poderia matar alguém, só de imaginar.
Não. Porra, isso não!
Isso quer dizer que ela é minha…
Caralho de quatro! Será?
Ergo a cabeça e vejo meus dois amigos me olhando com
apreensão. Fecho os olhos por alguns segundos, respirando fundo e
acalmando o aperto no meu coração.
– Eu não sei o que fazer, gente – digo, derrotado.
A baixinha me olha com doçura, se levanta, anda até mim e
segura minha mão.
Me coloco de pé, mesmo que tenha que olhar para baixo, e
ela para cima.
Com um sorriso singelo no rosto, ela fala:
– Esse é o seu problema, Arthur. Você não tem que fazer
nada. Deixe as coisas acontecerem naturalmente.
– Existem algumas coisas na vida que não são exatas,
amigo. Não há explicação ou compreensão – Benji diz, se
levantando também. – Você só as vive. Então deixa de pensar tanto
e deixa rolar.
– Vocês são inteligentes. Saberão o que fazer – Diana
completa.
Respiro fundo e concordo.
Não dá para pensar em tudo, o tempo todo. Preciso dar
tempo para as coisas acontecerem.
– Tenho um colchão extra – Diana fala, antes de soltar um
bocejo. – Vou preparar pra você dormir aqui. Amanhã cedo, você
volta pra lá com a cabeça menos quente.
– Obrigado, baixinha.
Ela sorri e se afasta.
Meu amigo e eu permanecemos em silêncio por um tempo.
Ele me olha profundamente, como se entendesse de algo que eu
ainda não entendo. Sua mão vem parar no meu ombro, e ele diz:
– Às vezes, você é tão burro.
– Vai se foder, idiota. – Empurro sua mão, e ele ri da minha
cara.
– Venha. Vamos dormir, que amanhã os meros mortais não
bilionários precisam trabalhar.
Dou risada, acompanhando-o até o outro quarto.
Talvez eu precise dormir longe dela por uma noite e amanhã
eu volto ao normal.
Quem sabe até lá, essa vontade louca de fodê-la de novo, já
tenha ido embora.

Eu quero foder a Penélope de novo.


Muito. Várias vezes.
Puta merda, eu vou fodê-la nesse minuto.
Estou de pau duro, travado no lugar, quase babando com a
imagem na minha frente.
Com as águas limpas de uma cachoeira correndo atrás do
seu corpo e a vegetação densa, que esconde o local ao nosso
redor, Penny está de olhos fechados, passando as mãos pelos
cabelos molhados, depois de sair de dentro da água.
Ela está nua.
Seus peitos grandes e deliciosos estão empinados, me
convidando a engoli-los, conforme ela faz os movimentos.
Que mulher gostosa da porra.
Quando cheguei na mansão e entrei no quarto, Penélope não
estava lá. Mesmo sendo sete e pouco da manhã, Larissa já estava
acordada e me disse que minha namorada tinha perguntado por
mim. Como eu não estava em lugar algum, pediu para indicar um
lugar onde pudesse ficar sozinha. Pegou o carro dela emprestado e
veio até aqui.
Minha amiga indicou a pequena Cachoeira Escondida. Ela é,
literalmente, escondida. Pouquíssimas pessoas na cidade sabem
onde ela fica localizada, com exceção de nós, que desbravamos
cada canto desse lugar, quando ainda éramos crianças.
Envolta por uma vegetação alta, a pequena cachoeira
possibilita que quem venha, não tenha companhia.
Eu só não imaginei que chegaria aqui e veria essa cena
espetacular.
– Eu deveria ficar bravo por você estar nadando nua e
correndo o risco de ser vista por algum babaca… – Ela leva um
susto e tampa os seios na mesma hora. – Mas eu estou hipnotizado
demais pra dizer qualquer coisa.
Passado o susto, seu olhar muda de alarmado para
decepcionado.
Penélope me dá as costas, virando-se de frente para a
cachoeira e me ignorando.
Eu fiz merda. É claro que eu tinha que fazer merda.
Começo a tirar minha roupa, ficando nu em poucos segundos
e indo em direção à água.
Eu mal dormi à noite. Depois de acordar meus amigos com a
minha crise existencial, tentei descansar, porém eu só queria voltar
para cá e me deitar ao lado dela novamente.
Peguei a estrada às cinco e meia da manhã e cheguei aqui
mais rápido do que nunca.
Não encontrá-la na cama, não deveria ter sido tão doloroso,
entretanto a pontada no meu peito, disse o contrário.
A mesma pontada está aqui agora, sabendo que a
decepcionei.
Avanço na água, escutando apenas a queda da cachoeira à
frente e vendo as costas de Penélope para mim.
– Está brava comigo, formiguinha? – pergunto, a poucos
metros de distância.
– Não me chame assim. Você está proibido de me chamar
assim – fala, ainda sem olhar para mim.
– Desde quando você é tão má desse jeito? – tento brincar,
mas me calo, quando se vira para mim com o olhar fulminante.
– Desde quando você some no meio da noite e só aparece
de manhã. – Seu tom de voz se eleva. – Eu procurei por você de
madrugada, Arthur. Na propriedade toda.
Fecho os olhos e me amaldiçoo.
Burro, estúpido, imbecil.
Tento me aproximar mais, vendo-a se afastar.
– Me desculpe, Penélope. Eu precisava fazer uma coisa.
– Precisava fazer uma coisa? E tinha que ter me deixado
sozinha na cama depois de… depois de tudo?
Sinto uma faca cravar o meu peito, quando seu olhar se torna
magoado.
Como eu sou idiota.
– Eu errei, desculpa. – Me aproximo de novo, e ela se afasta.
– Não.
– Eu fui um completo idiota. – Dou mais um passo, e dessa
vez, ela não se afasta.
– Você foi.
– E imaturo. – Outro passo.
– Sim.
– E eu não mereço o seu perdão. – Outro passo, e estou bem
na sua frente.
– Não merece.
– Sabia que você fica linda dormindo? – Sua boca se abre,
em choque.
– Seu… Seu… – Ela empurra o meu peito, e eu seguro o seu
punho.
Puxo seu corpo para junto do meu, não lhe dando a chance
de protestar. Ela tenta se desvencilhar do meu aperto, contudo, mal
sai do lugar.
Passo as mãos por suas costas, fazendo um carinho lento, e
ela vai se acalmando aos poucos.
Quando finalmente para de tentar se livrar de mim, desço as
mãos até sua bunda grande e a levanto. Suas pernas me envolvem
no mesmo instante, causando uma fricção do meu pau na sua
entrada.
Um gemidinho escapa dos seus lábios, quando ela abraça
meus ombros, e eu a seguro firme.
Abro um sorriso, entretanto ele logo desaparece do meu
rosto.
– Eu sinto muito por ter saído assim, minha deusa. – Seus
olhos azuis cristalinos refletem a água ao nosso redor.
– Onde você foi?
Suspiro, tomando coragem para contar.
– Fui falar com o Benjamin – respondo, e sua testa enruga.
– Você voltou pra Campinas e foi até o Benjamin?
– Sim. Na verdade, eu fui até a casa da Diana, sabendo que
ele estaria lá.
– E por que você foi pra lá?
– Porque eu estava surtando e precisava falar com meu
melhor amigo.
Ela morde o lábio inferior, processando o que eu disse, e eu
sinto uma vontade irracional de beijá-la.
– Estava surtando por quê? – questiona, olhando no fundo
dos meus olhos.
– Porque o que aconteceu ontem à noite, foi a melhor coisa
que já tive na vida, Penélope. – Seu olhar cintila. – E eu não sabia
como lidar.
– Ah… – murmura baixinho.
– Pra falar a verdade, eu não pensei muito bem no que
estava fazendo. Quando fui ver, já estava na estrada, dirigindo até a
única pessoa que me entende melhor do que eu mesmo.
– E o que ele disse?
Penso no que dizer. Não sei se tudo o que meus amigos
disseram é real ou se só estão emocionados com a possibilidade de
que algo possa estar brotando entre mim e Penélope.
No fim das contas, não cheguei a nenhuma conclusão.
A única que cheguei foi:
– Que preciso parar de pensar tanto e viver o momento. – Ela
pensa por um instante e assente.
– Diana também estava acordada?
– Sim. E disse a mesma coisa que Benjamin. – Torço os
lábios, pensando. – O que às vezes, é meio sinistro, na verdade. Já
reparou como um completa o pensamento do outro?
Ela solta uma risada alta, e eu sinto meu peito se aquecer.
– Já. Eles são almas gêmeas.
Sorrio para ela, ao passo que subo uma mão para sua
bochecha e a acaricio.
– Eu não queria ter te assustado ou te decepcionado ou te
magoado.
– Você não me magoou…
– Magoei sim. E farei o possível para te compensar por isso.
Para a minha completa surpresa, um sorriso mordaz
desponta do canto da sua boca, acendendo meu corpo inteiro.
– E como você pretende fazer isso? – ronrona, fazendo meu
cacete pulsar, e minhas mãos agarrarem sua bunda com força.
– Que tal eu foder você gostoso nessa cachoeira, até que
esteja gritando meu nome pra cidade inteira ouvir que sou eu quem
te faz gozar?
Sua língua passeia por seu lábio inferior, e ela esfrega a
boceta em mim, me fazendo gemer.
– A cidade inteira? – Seu olhar é puro fogo.
– A porra da cidade inteira.
– Mostre seu pior, paixão.
– Porra de mulher perfeita – solto, antes de agarrar seu
cabelo com uma mão e colar sua boca na minha.
Beijo seus lábios com o mesmo fogo de sempre. Saboreando
cada canto, cada pedaço, enquanto minha língua busca pela sua.
Seu peito nu se esfrega no meu, assim como seu quadril
rebola em cima do meu pau.
Antes que eu faça algo de que não possa voltar atrás, separo
nossas bocas e falo:
– Estou sem camisinha aqui. Eu estou limpo, mas…
– Eu tomo pílula, Arthur. E estou totalmente limpa. Tudo bem
pra você?
– Está me perguntando se está tudo bem eu foder sua boceta
e senti-la envolvendo meu pau, sem nada no caminho?
Ela abre um sorriso, e eu dou uma risada irônica.
Volto a beijar sua boca, com Penélope correspondendo com
a mesma urgência que eu. Levo minha mão entre nossos corpos e
toco sua boceta.
Mesmo com a água ao nosso redor, sua lubrificação quente e
gostosa molha meus dedos. Penny geme quando toco seus grandes
lábios, desgrudando nossas bocas e respirando rapidamente.
– Que bocetinha deliciosa você tem, minha deusa. – Fecha
os olhos, quando toco seu ponto de prazer. – Molhadinha e pronta
pra receber meu pau duro dentro dela, não está?
– Arthur… – sussurra, rebolando sem pudor na minha mão.
– Porra, eu quero que você sente em mim um dia, Penélope.
Quero que cavalgue com vontade, me levando até o talo,
balançando esses peitos gostosos na minha cara.
– Ah… Porra! – Ela geme mais alto, quando enfio dois dedos
em sua entrada.
Busco seu seio com a outra mão e o aperto. Suas paredes
internas se contraem ao redor dos meus dedos, me indicando sua
excitação.
Sua boca está entreaberta, as pálpebras pesadas, e o rosto
avermelhado de tesão.
Como fica linda quando está excitada.
Torço seu mamilo rígido, ouvindo-a resmungar e gemer
baixinho.
– Gosta disso, formiguinha? Gosta das minhas mãos em
você? – continuo o trabalho de vai e vem dentro da sua boceta,
sentindo suas unhas arranharem minhas costas.
– Sim. Eu gosto – responde à pergunta, me deixando mais
duro.
– E minha boca? Gosta dela em você? – Levo meus lábios
até seu seio e o enfio de uma vez dentro da boca, o chupando.
Um grito alto deixa a garganta de Penélope, que tomba a
cabeça para trás, alucinada.
Passo a língua por seu mamilo, chupo com força e raspo os
dentes. Ela se contorce, de olhos fechados e gemendo sem parar.
– Responda – ordeno, com uma rouquidão na voz.
– Eu adoro sua boca em mim, Arthur.
Sua boca desce até meu pescoço, e ela morde com força,
quando esfrego seu clitóris com o dedão.
– Porra, eu também adoro sua boca, loirinha. – Puxo seu
cabelo próximo à nuca e a faço me olhar. Mordo seu lábio inferior
com firmeza e o chupo logo em seguida. – Essa boquinha é boa pra
me tirar do sério, quero ver como fica ao redor do meu pau.
– Arthur… Eu vou… – Ela me olha e começa a estremecer o
corpo.
– Goza gostoso, Penélope. Goza enquanto grita meu nome.
– Arthur! – E como ordenado, ela se desmancha, urrando
meu nome para quem quiser ouvir.
Beijo sua boca, engolindo seus gemidos, sedento por sentir
seu gosto. Seu gozo lambuza meus dedos, ao passo que seu corpo
treme sem parar.
Continuo beijando-a, caminhando para debaixo das águas
em queda, até que ela caia sobre nossas cabeças.
Como se estivéssemos debaixo de um chuveiro, sinto a água
correr por nossos cabelos, entre nossas bocas ávidas e nossos
corpos entrelaçados.
Seguro sua bunda, a elevando um pouco e posicionando meu
pau em sua entrada.
– Vou te comer agora, Penélope – falo, com a boca próxima à
sua. – Será rápido e bruto. Não vou aguentar por muito tempo.
– Arthur… Por favor… – implora, me arrancando um sorriso
lascivo.
– Por favor, o quê?
– Me come. Agora! – manda, com firmeza, e quem sou eu
para dizer não?
Ainda não fiquei louco.
Lentamente, vou descendo seu corpo, sabendo que a água
diminui bem a lubrificação.
Nossos gemidos se misturam, à medida que entro pouco a
pouco, até estar enterrado dentro dela. A falta da camisinha deixa
tudo muito mais intenso, me obrigando a respirar fundo.
– Deus, isso é tão bom – ela sussurra, parecendo falar com si
mesma.
– Isso é formidável, minha deusa. – Nossos olhos se
encontram. – Você é formidável.
Com o olhar preso no do outro, começamos a nos mover.
Em sincronia, Penélope e eu nos movimentamos. Eu entro e
saio, ela sobe e desce, rebolando e me engolindo.
Aperto sua bunda com força, sentindo aquela coisa no meu
peito de novo. Igual à noite anterior.
Me sinto preenchido. Completo. Pertencente.
A sensação aumenta gradativamente, conforme eu a fodo.
Dominando meu corpo e minha mente.
De repente, não há mais nada. Em lugar algum.
Há isso. Nós dois. Nossos corpos se unindo, nosso prazer se
acendendo, nosso tempo, espaço e mundo.
Ela busca minha boca, e eu a entrego. Beijo-a, sem parar de
estocar em sua boceta apertada.
Grudo em seu corpo quente, mesmo na água fria espalhada
por nós. Sentindo seu cheiro de mar se impregnar em meu cérebro.
Sua boceta molhar meu pau inteiro. Seus gemidos se misturarem
com os meus em uma melodia luxuriosa.
Algo desperta dentro de mim, e eu busco por mais.
Meto estocadas curtas e firmes. Mordo seu pescoço, ao
passo que suas mãos puxam meus cabelos, e ouço meu nome
escapar em sussurros sôfregos de sua boca.
Eu enlouqueço.
Acelero meus movimentos, buscando nosso ápice
freneticamente.
Buscando algo que eu nem ao menos entendo.
Com suas coxas gostosas ao redor da minha cintura, e
nossos corpos se chocando sem parar, gozamos ao mesmo tempo.
Sem comando.
Sem aviso.
Sem preparo.
Eu rosno seu nome, apertando sua carne com força e
esporrando quente dentro da sua boceta.
Continuo metendo, sentindo o orgasmo mais longo que já tive
na vida.
Exaustos, paramos quando me esvazio, e ela para de tremer.
Respiro múltiplas vezes, tentando acalmar as batidas
frenéticas do meu coração. Penélope não está muito diferente.
Tocamos nossas testas e respiramos o mesmo ar.
Sentindo a água acalmar os músculos do meu corpo,
permaneço em silêncio e de olhos fechados, curtindo a melhor
companhia de todas.
Abraçado à sua cintura, e com seus dedos acariciando meus
cabelos, eu chego a mais uma conclusão:
Eu não estou fodido, eu estou condenado.
Um rosto muito bonito está me encarando enfaticamente, me
obrigando a ficar completamente parada e esperar sua inspeção.
Letícia tem as mãos na cintura fina e descoberta, porque está
usando um conjunto de biquíni vermelho, olhos estreitos, e a cabeça
tombada um pouco para o lado.
– Tem alguma coisa de diferente em você – fala, sem desviar
os olhos de mim.
– O quê? – questiono.
– Eu ainda não sei…
Olho de um lado para o outro.
– Okay…
– Mamãe, mamãe! – Victória grita de longe.
– O que é? – Letícia grita de volta e nem se vira para a
menina, ainda procurando alguma coisa em mim.
– Eu vou descer com a vovó. – Vejo a pequena colocar o
capacete pequeno na cabeça e segurar a mão de Rebeca.
– Tá bom. Faça tudo o que sua avó mandar – Lety diz, dando
um passo e se aproximando de mim.
– Tá bom, mamãe.
As duas se afastam, apenas para Rian aparecer com um
menino ao lado.
– Mãe, eu vou voltar pra cachoeira com o Henrique, tá? – ele
diz, inquieto e ansioso.
– Hum…
– O vovô vai olhar a gente.
– Tá certo.
Sem dizer mais nenhuma palavra, ambos saem correndo.
Letícia começa a me circular lentamente, e eu dou risada.
– Estou começando a ficar preocupad…
– Achei! – ela exclama, e eu logo sinto um dedo seu cutucar
minha cintura.
– O quê? – Viro meu corpo para enxergar e vejo-a apertando
a marca que os dedos de Arthur deixaram na minha pele.
Arregalo os olhos para ela, que sustenta uma cara atrevida e
que diz “eu sabia”.
– Você deu pra ele, não deu? – Ela abre um sorrisinho –
Sabia que tinha alguma coisa de diferente em você.
– Como você sabe disso?
– Penélope, vocês quase se engoliram dentro daquela
primeira cachoeira que a gente foi. Me surpreende vocês não terem
transado ali mesmo.
– Ai, meu Deus… Aquele não foi meu melhor momento.
Ela ri, jogando os cabelos negros por cima dos ombros e
voltando a se posicionar de frente para o sol.
– E outra, eu conheço a cara de quem foi muito bem comida.
– Fico chocada, e ela ri de mim. – É a mesma que a minha, quando
meu marido me dá um trato bem dado.
– Meu Deus, você está parecendo minhas amigas.
– Suas amigas parecem ser muito sensatas.
– Eu não diria isso…
– E então? – indaga, ansiosa.
– O quê?
– Ele fode tão bem quanto dizem?
Arquejo, assustada, porém depois, solto uma gargalhada
potente.
– Ele é seu cunhado, Letícia! – Me curvo para frente, rindo
com vontade.
– E daí? Eu sento em um único pau há anos, mas ainda sou
muito curiosa. – Ela cutuca meu braço. – Anda, fala logo. A fama o
precede?
Quando consigo parar de rir, olho bem em seus olhos e
decido dizer a verdade.
– Sexo nunca mais vai ser o mesmo.
Ela bate uma palma na outra.
– Eu sabia! Deve ser coisa de genética.
– Jesus Cristo… – Massageio a testa, com ela rindo.
– Mas me diz, desde quando isso está acontecendo?
Suspiro, antes de responder.
– Há dois dias.
– E como você está lidando com isso?
Seu questionamento gentil, me mostra o quanto é esperta.
Sabe que isso mexeu comigo.
Eu reflito sobre sua pergunta, olhando Victória se posicionar
para descer de rapel com a avó.
Deixamos os homens na mansão e viemos para uma das
atividades de rapel em uma das cachoeiras. Os irmãos quiseram
ficar, então decidi acompanhar meus sogros – de mentirinha,
preciso me lembrar disso –, Letícia e seus filhos. Fizemos algumas
brincadeiras, antes de os deixarmos um pouco de lado, para tomar
um sol.
Hoje, deixei o quarto depois de um sexo matinal fenomenal.
Como se não pudéssemos mais manter as mãos longe um do
outro, acordamos com tesão. Ele, com o pênis cutucando minha
bunda na conchinha que insiste em dizer que sou eu que faço, e eu,
com minha boceta latejando e o querendo de novo.
Eu sou uma piada.
Primeiro, digo que nunca ficarei com ele. Depois, fico e digo
que será uma única vez. E aí, não só o beijo, como também transo
com ele como uma vadia.
E então, ele some.
Desaparece, sem nem me dar satisfação e vem com uma
explicação meio bunda. E o que eu faço? Transo com ele de novo.
Fácil, fácil.
E agora, eu não consigo mais desejar outra coisa, que não
seja Arthur.
Eu sabia que ceder seria um risco. Desde que o conheci, ele
me afeta de uma forma, como nada afetou antes.
E agora, sinto que quanto mais eu avançar, mais meu
coração ficará em risco.
Porque ele é maravilhoso. Tudo em Arthur é incrível.
Não só a maneira como me ouve e me faz rir, como também
me fode com força e me cobre com um lençol, e beija a minha testa
com ternura.
Cada ação sua, não contribui em nada com o meu objetivo de
sair ilesa dessa.
Estava mais do que ciente de onde estava me metendo,
entretanto não resisti.
Exatamente como todas as mulheres ao redor dele, Arthur
me encantou e me seduziu, a ponto de não poder negar mais.
Respiro fundo de novo, olhando nos olhos atentos de cor
chocolate, ainda aguardando minha resposta.
Faço uma careta e tapo o rosto com as mãos.
– Por que tinha que ser tão bom? – resmungo, ouvindo a
risadinha de Letícia.
– Oh, amiga… Eu te entendo perfeitamente.
Ergo a cabeça para ela.
– Entende? – Ela assente.
– Os irmãos Rabello têm um magnetismo único. Foi assim
comigo.
Começamos a caminhar novamente, o calor da manhã em
Brotas não dá trégua, nos permitindo tomar um banho de cachoeira
refrescante e marcar nossos corpos com os biquínis que usamos.
Lety nos leva até uma pedra grande, próxima à queda
d’água, e nos sentamos, vendo o pessoal se divertir.
– Como foi que vocês se conheceram? – pergunto, vendo um
sorriso bonito nascer em seu rosto.
– De um jeito muito peculiar, eu diria. Era Ano Novo, eu fui
em um baile de máscaras e ao chegar lá, um moreno enorme e todo
gostoso veio até mim. – Ela me olha, sem perder o sorriso no rosto.
– Não contamos quem éramos um para o outro. Decidimos
conversar sobre como nos sentíamos, sobre o que gostávamos e
sobre outras coisas, que não fossem denunciar nossas identidades
reais.
– Por quê?
– Porque eu estava cansada do monótono. Queria algo
especial, mágico. E ele me deu. – Ela mira as águas caindo à frente.
– Entrou na minha ideia sem hesitar. No final da noite, nós nos
beijamos, e foi um verdadeiro sonho.
– E o que aconteceu? – Fico verdadeiramente curiosa.
– O idiota ficou fascinado por mim, tirou a porcaria da
máscara, e eu descobri que ele seria meu próximo chefe.
Meu queixo cai, e ela desata a rir, ao olhar para a minha cara.
– Mentira! Quais as chances?
– Pois é, mulher. Quando entrei na Rabello’s Company, eu
sabia quem ele era, mas ele não sabia de mim – continua. – Mas
não demorou nem uma semana pra ele descobrir. E então, começou
a luta para me conquistar.
– Você não o queria?
Seu olhar desvia mais uma vez, parecendo sentir tristeza ao
lembrar.
– Não, eu não queria. Só queria mudar de vida e me envolver
com o meu chefe, era a última coisa que eu precisava. – Ela volta a
me olhar, com a sobrancelha arqueada. – Pelo menos, era isso o
que eu pensava.
É a minha vez de desviar os olhos, ao sentir um aperto no
peito.
– É diferente… – digo, vagamente.
– No que, exatamente?
Como se para comprovar meu ponto, duas silhuetas surgem
na entrada do lugar. Marcos e Samara aparecem com roupas de
banho, acompanhados por meus ex-sogros.
Vejo o olhar dele percorrer por todo o lugar, procurando por
algo, até que param em mim.
Sinto uma angústia ao ter seus olhos sobre mim, porém
dessa vez, um pouco menor.
Não sei dizer o motivo, entretanto achei que seria outro
baque, ver os dois novamente.
É como se alguma coisa, tivesse feito diminuir a agonia de
sempre.
Mas então, o que a Letícia me disse, volta à tona.
O dia está se aproximando. Na verdade, o aniversário é
amanhã, e isso serve apenas para me lembrar do quanto doeu.
Olhar para Marcos, me lembra do quanto doeu.
Me envolver com Arthur não era o planejado, não só porque
eu o odiava ou por qualquer outro motivo plausível. Era porque ele
conseguiria destruir todas as barreiras que eu construí ao redor do
meu coração.
Vulnerável.
Essa é a forma como eu me sinto ao lembrar de tudo, e eu
não sei o que ele fará quando me ver assim.
Arthur tem espírito livre.
É alegre, espontâneo e contagia todos ao seu redor.
Eu sou uma bagunça. Sou quebrada e quando estou ao seu
lado, esqueço de que posso me quebrar novamente.
E isso não é prudente. Não posso deixar acontecer de novo.
Porque eu não sei se me levantaria da queda.
Sinto a mão quente e acolhedora de Letícia sobre a minha e
desvio o olhar da fonte da minha maior tristeza.
Ela me olha com ternura, apertando minha mão e dizendo
nesse ato, que entende o que eu sinto. Mesmo que não saiba de
nada.
– Eu deveria ter te ouvido – falo, com a voz embargada. –
Não deveria me envolver com Arthur.
Ela me sonda, com o semblante sério e fala:
– O fato de ter tido o coração partido por alguém, não quer
dizer que você não possa senti-lo vivo de novo. – Sua mão magra
acaricia meu rosto, me fazendo prender a respiração. – Eu não sei o
que aconteceu entre vocês, mas eu sei que você deu a volta por
cima. Se está aqui, se está se permitindo, é porque teve forças pra
isso. E acima de tudo, você precisa parar.
Franzo a testa e fungo, segurando o choro.
– Parar com o quê?
– Parar de se culpar.
Minha respiração fica presa na garganta, junto do bolo que se
formou.
Como ela sabe?
Acho que minha pergunta fica estampada no meu rosto, pois
ela sorri de leve e se vira para a piscina natural.
Olhando com carinho para seus filhos, que brincam juntos na
água, ela responde à pergunta que nem cheguei a fazer.
– Fiquei grávida de Rian quando Alfred e eu ainda
transávamos escondidos na empresa. Foi uma loucura, e aquela foi
a primeira vez na vida, que eu me senti a maior irresponsável do
mundo. – Ela suspira e continua. – Mas, anos depois, quando
estávamos tentando ter outro filho, eu senti a maior culpa de todas.
Sinto meu corpo gelar e meus músculos se contraírem.
– O que houve? – sussurro.
Ela me olha com profundidade, antes de responder.
– Eu perdi um bebê. Tive um abordo espontâneo, e foi muito
difícil lidar com isso.
Um arrepio se alastra por minha coluna, até atingir meu couro
cabeludo.
Tenho que respirar fundo algumas vezes, para conter os
sentimentos dentro de mim.
– Eu… Eu sinto muito, Lety. – É a minha vez de segurar a
sua mão. Ela sorri ligeiramente.
– Obrigada. Está tudo bem agora, Vic veio no tempo certo.
Mas eu estou te dizendo isso, porque eu sei o que é me culpar por
algo que não tenho controle.
Fecho os olhos por um instante, sentindo tudo o que me
disse.
O que houve entre mim e Marcos, vai estar sempre marcado
em meu coração. Seja para me machucar ou apenas para me
lembrar dos erros e das escolhas que eu fiz.
Letícia pode não ter tido a mesma história que a minha,
contudo, é mulher e sabe o peso que cai sobre nossos ombros. O
peso do mundo, que temos que aguentar.
Às vezes, é cansativo, e acho que não tinha me dado conta
disso, até esse momento.
Quando não digo nada, a morena assente em compreensão.
– Minha torcida é para que você seja feliz, no final dessa
história.
A sinceridade transbordando em seus olhos, faz algo
florescer dentro de mim.
– Quando tudo isso acabar, eu espero que sejamos amigas –
eu falo. – De verdade.
Ela sorri, do jeito malandro de sempre e completa:
– Não existe outra possibilidade, meu bem.

Marcos tentou falar comigo inúmeras vezes.


Além de ficar o tempo inteiro me encarando, ele fez várias
tentativas de se aproximar e falar comigo.
Em todas elas, Letícia me salvou.
Me puxava para algum lugar, me chamava de longe, e eu ia
ao seu encontro ou simplesmente se colocava na frente dele,
perguntando o que ele queria.
Se não tivesse sido tão constrangedor, eu teria rido com a
atitude dela.
O homem simplesmente ignorou a presença da namorada.
Desrespeitou, não só a mim, que claramente não queria falar com
ele, mas a ela, que me olhava com aquela cara de dor.
Eu não sei o que aquele idiota tem na cabeça.
Quando deu umas onze horas, resolvemos voltar, e eu não
os vi mais.
Arthur estava jogando sinuca com o irmão e alguns primos
quando cheguei, e disse que o almoço logo seria servido. Portanto,
o deixei lá embaixo e subi para tomar um banho e escolher uma
roupa fresquinha para passar o dia.
Olho meu celular, vendo que há uma mensagem de Luisa,
minha secretária, que tem feito o excelente trabalho de deixar tudo
em ordem até o momento.
Luisa: Bom dia, Penélope. Desculpe atrapalhar seu
descanso, mas você me pediu pra avisar caso a fábrica de farinha
desse problema de novo.
Solto o ar entre os dentes, ao abrir a porta de dentro do
quarto e sair.
Haja paciência.
Eu:
Bom dia, Luisa. O que aconteceu dessa vez?
Luisa: O de sempre. Enrolação pra entregarem. Dessa vez,
não providenciaram a quantidade que encomendamos e chegou só
a metade.
Mando uma resposta rápida, dizendo que após o almoço eu
ligarei lá e assim que aperto para enviar a mensagem, alguém para
na minha frente, me impedindo de seguir.
Ergo a cabeça e dou de cara com Marcos.
Com um olhar esquisito, ele fica aqui, parado, no meio do
corredor, bloqueando minha passagem.
Alguns segundos se passam, e ele não diz nada. Olho de um
lado para o outro, para atrás dele, mas vejo que estamos sozinhos.
Estranhando tudo, decido sair daqui.
– Ãhn… Com licença. – Tento dar um passo para o lado, e
ele me bloqueia de novo.
– Penélope, precisamos conversar.
É o quê?
Suas palavras me deixam tão chocada, que fico em silêncio
total. Ele interpreta errado e continua falando.
– Eu sei que as coisas terminaram esquisitas, mas se você
me deixar explicar…
– Eu não tenho nada pra falar com você, Marcos – corto sua
fala. – Não quero ouvir suas explicações. Agora, se me der
licença…
De novo, tento passar por ele e sou impedida.
– Penny, por favor… – Sua mão toca meu braço, e eu o
afasto no mesmo instante, ao sentir um arrepio horrível na minha
pele.
– Não toque em mim. Eu já disse que não quero falar com
você.
Não estou pronta para ter essa conversa e não serei obrigada
a fazer algo que não me deixe confortável.
– Penélope, você não pode deixar as coisas assim…
– Quem você pensa que é pra dizer o que eu posso e o que
eu não posso fazer, Marcos? – Meu tom de voz aumenta, e ele me
olha com irritação. E eu estou pouco me fodendo. – Eu farei o que
eu quero e no momento, quero seguir meu caminho.
Consigo, finalmente passar por ele, entretanto não vou muito
longe. Sua mão gelada agarra meu braço, e eu sou puxada com
firmeza. Completamente sem fala, não consigo impedir de ser
levada para dentro de um quarto vazio e ter a porta fechada por
Marcos, atrás de si.
Olho para ele com uma fúria me dominando, inconformada
com a sua audácia.
– Você ficou maluco? – esbravejo.
– Você precisa me ouvir. – Ele se aproxima, e eu recuo.
– Eu não preciso de porra nenhuma!
– Penélope, por favor. Apenas me escute. Serão só alguns
minutos para…
– Eu já disse que não quero conversar com você.
– Penny…
Ele continua se aproximando, e eu me afasto, até sentir a
parede às minhas costas.
Com um grito desesperador travado no fundo da minha
garganta, sinto Marcos segurar meus braços e me olhar de um jeito
atormentado.
Meu coração dispara, e um medo que nunca senti antes, se
apossa de mim.
De repente, a porta se abre e bate na parede com um
estrondo, e, segundos depois, Marcos voa.
Ele, literalmente, sai voando da minha frente e bate com tudo
na parede ao meu lado.
Atordoada, levo alguns segundos para perceber que Arthur
está aqui.
Com um rosto dominado pela raiva, ele segura o colarinho da
camisa de Marcos e grita na cara dele:
– Seu filho da puta desgraçado! Como ousa pôr suas mãos
nela?
Sem dar tempo para que o outro responda, ele ergue o punho
direito e desfere um soco na boca de Marcos.
Um grito assustado deixa a minha garganta.
– Arthur, para! – Mais um soco, tão forte que ouço osso
estalar. – Arthur, pelo amor de Deus!
– Ela disse não! Ela disse não, e você tocou nela mesmo
assim. – Outro soco, e eu corro em direção a eles.
Não os alcanço.
Alfred entra em um rompante, segurando o irmão e o tirando
de cima de Marcos.
– Arthur, para, porra! – ele grita, agarrando-o com força, e
Arthur tenta se soltar.
Mais pessoas entram no quarto. Vejo as noivas com os olhos
enormes, e meu sogro correndo para tentar conter Arthur.
– Eu vou matar você, está me ouvindo? – grita para Marcos,
que tenta levantar com dificuldade. – Se encostar um dedo nela de
novo, eu arranco cada um deles com minhas próprias mãos.
– Arthur, chega! – Seu Antony o segura com força, mas
Arthur está transtornado.
Com o coração disparado, eu finalmente faço alguma coisa.
Entro no meio dos dois, fazendo Arthur perceber minha
presença.
Como num passe de mágica, assim que nossos olhos se
encontram, ele para de se mover.
Nunca vi seu olhar desse jeito.
Furioso.
Nem quando discutia comigo, nem quando eu disse aquelas
coisas horríveis para ele.
Arthur parece outra pessoa.
Respirando com dificuldade, levo ambas as mãos para o seu
rosto.
– Eu estou bem – digo as únicas palavras que importam.
Ele umedece os lábios e corre os olhos por todo o meu rosto.
– Tem certeza? – questiona, com a voz rouca.
– Absoluta – enfatizo. – Eu estou bem, paixão.
Alguns segundos se passam, e ele parece relaxar. Seu irmão
e seu pai finalmente afrouxam o aperto e o soltam.
– Acho que é melhor cada um ir para o seu quarto – Thays
diz, angustiada. – Peço para levarem o almoço de vocês lá.
– Não acredito que você tem o mesmo sangue que eu… –
Larissa resmunga baixinho, enquanto ajuda Marcos a se levantar.
Vejo seu rosto ensanguentado uma última vez, antes de
segurar a mão de Arthur e dar as costas.
Deixamos todos para trás e seguimos para o nosso quarto.
Assim que a porta se fecha, as suas mãos grandes correm
por meu corpo.
– Ele te machucou? – Olha meus braços, meu pescoço, cada
parte. – Se ele deixou alguma marca em você, eu juro que…
– Ele não me machucou, Arthur.
– Eu devia ter ido com você. Deveria ter subido ao seu lado…
Ele continua procurando algo em mim, parecendo mal ter
ouvido o que eu disse.
– Arthur, eu estou bem…
– Não, isso é culpa minha, eu devia…
Agarro seu rosto e o calo com a minha boca.
A princípio, ele fica parado, por ser pego de surpresa,
contudo, não dura nem um minuto. Suas mãos agarram minha
cintura, e ele me beija de volta.
Sua boca me chupa, e sua língua encontra a minha com
desespero.
É um beijo diferente de todos. Há um sentimento novo, que
eu não sei identificar qual é, mas que exala por nós dois.
Nos beijamos com vontade e, ao mesmo tempo, alívio.
Quando ficamos sem ar, separamos nossas bocas com a
respiração acelerada.
Sua testa se apoia na minha, e eu o abraço, sentindo o calor
do seu contato e seu cheiro me acalmar.
Acho que ele faz o mesmo.
Depois de alguns segundos, abro os olhos e afasto o rosto,
para que me olhe.
– Só há as suas marcas em meu corpo, Arthur.
Seu olhar escurece, e o aperto em minha cintura se
intensifica. Ele murmura baixinho algo como “estar fodidamente
condenado”, só que eu não entendo direito.
Sua boca volta para a minha, só que dessa vez, em um beijo
delicado e lento.
– Me desculpe se te assustei – pede, me olhando com
preocupação. – Eu enxerguei vermelho. Quando ouvi seus gritos e
percebi o que estava acontecendo, não consegui me controlar.
– Não precisa se desculpar. Ele mereceu, por tentar me
obrigar a fazer algo que eu não queria.
Seu maxilar contrai, e ele toma um longo fôlego.
– O que ele queria? – questiona, e dou de ombros.
– Conversar. Não sei o que, exatamente, mas tenho uma
noção.
Ele concorda com a cabeça e deixa um beijo terno em minha
testa.
– Tem certeza de que está bem?
A pergunta abrange, não apenas meu estado físico, como o
emocional também.
Sentindo uma necessidade maior do que qualquer
impedimento que eu possa ter, abraço seu corpo e apoio a
bochecha no seu peito.
Arthur me envolve apertado, descansando o queixo no topo
da minha cabeça.
– Agora eu estou bem.
Fecho os olhos, me entregando às sensações, e posso jurar
que seu coração acelera um pouco, ao ouvir minhas últimas
palavras.
Flexiono os dedos da mão direita, os sentindo doloridos. Não
há marcas, pois aprendi há muito tempo, como socar a cara de
alguém.
Ainda não acredito que aquele merdinha teve a coragem de
encostar em Penélope daquele jeito.
Impondo sua vontade acima da dela.
Nem posso ficar lembrando muito disso, porque senão vou
atrás dele de novo e termino de acabar com aquele rostinho ridículo
que ele tem.
A única coisa que me impediu, realmente, de fazer isso, foi a
lembrança dos gritos assustados de Penélope. Não quero assustá-
la de novo, mesmo que eu tenha feito aquilo por ela.
Mais uma coisa que essa mulher desperta em mim, que nada
nunca o fez.
Já briguei outras vezes na minha vida, principalmente quando
era um adolescente impulsivo. Depois de adulto, aconteceram
poucas vezes, e uma e outra porque estava bêbado.
Dessa vez, foi diferente.
Foi muito bem pensado e intencionado.
Conforme subia os degraus da escada, ao perceber que
Penny demorava demais, comecei a ouvir seus gritos e eu já sabia o
que estava acontecendo.
E eu sabia exatamente o que faria quando os encontrasse.
A ideia inicial era matá-lo.
Não, dar poucos socos na sua cara.
A fúria transbordando por meus poros, não se satisfaria
apenas com alguns socos.
Eu estava pronto para ver a vida deixando seus olhos.
Sinistro? Sim, eu sei.
Eu só não consigo explicar o que aconteceu comigo. Vários
cenários se passaram pela minha mente naqueles minutos que
antecederam tudo, e nenhum foi, minimamente, agradável.
E no momento em que o vi segurando os braços dela e o
rosto de Penélope angustiado, eu não respondia mais por mim.
Fecho os olhos e respiro profundamente, com intenção de
aplacar essa raiva querendo voltar.
Eu nunca fui assim, protetor ao extremo, com ninguém na
minha vida. Entretanto, imaginar Penélope machucada, ferida ou até
mesmo triste, me transforma em algo desconhecido.
E isso é um problema do caralho.
Meu celular vibra no meu bolso, e eu finalmente desvio o
olhar do jardim ao longe.
Vejo a mensagem, que estava aguardando ansiosamente, de
Felipe:
Felipe: Está online, chefe.
Eu:
Perfeito. Obrigado, Lipe.
Ele me responde com uma figurinha pedindo um aumento de
salário, e eu só dou risada. O filho da mãe tem o maior salário
daquela editora.
Com exceção do meu, é claro.
Viro-me de volta para os fundos da casa, vendo as luzes
postas em forma de varal sobre as mesas espalhadas pelo gramado
no fundo da mansão. As famílias estão reunidas em um jantar ao ar
livre, providenciado pelas noivas. Penny e eu ficamos no quarto pelo
resto do dia, conversando e assistindo uma série qualquer, e só
saímos de lá agora.
Levo meu copo de Whisky até os lábios e termino minha
bebida com os olhos focados na loira mais linda e perturbadora que
já conheci.
Ela tomba a cabeça para trás, ao rir de algo que Letícia e
Alfred contam, deixando aquele barulho estranho e adorável
escapar.
Sinto algo borbulhar na boca do meu estômago.
Nunca pensei que uma mulher pudesse ter esse poder sobre
mim.
Ela me tira do sério e ao mesmo tempo, injeta vida em
minhas veias.
É como saltar de paraquedas ou escalar uma montanha. É
extremamente perigoso, mas a sensação de prazer que aquilo
causa, te faz deixar a cautela de lado e mergulhar naquela aventura.
Eu estou mergulhando em Penélope. Cada dia mais.
A cada beijo, a cada toque e a cada palavra.
E, como um bom viciado em adrenalina, não quero parar.
Quero mais.
Nossos olhares se encontram depois de um tempo, causando
aquele choque em minha pele, como toda vez. O azul intenso e
bonito cai sobre mim e me aquece.
Mais do que qualquer cobertor que já tive na vida.
Porra, o que está acontecendo comigo?
Meus pés fazem o caminho até ela, sozinhos. Penny se põe
de pé alguns segundos depois e vem ao meu encontro. Usando um
vestido longo e esvoaçante, branco com flores azuis espalhadas
pelo tecido, me alcança com um leve sorriso no rosto.
Assim que fica à minha frente, minha mão vai direto para a
sua cintura, a trazendo um pouco mais para perto.
Apenas porque quero.
Seu sorriso se amplia, causando aquele borbulhar na boca do
meu estômago de novo.
– Oi, paixão – diz.
– Oi, formiguinha – respondo.
Percorro seu rosto com os olhos, admirando cada mínimo
detalhe.
Sua pele está bronzeada do sol que vem pegando nos
últimos dias, destacando mais a cor azul clara de suas esferas
redondas. Há uma pintinha, quase imperceptível, bem próxima ao
seu lábio superior que, quando usa maquiagem, fica impossível de
ver.
Seus cílios são grandes, mesmo sem nada por cima. Suas
sobrancelhas possuem um tom de loiro um pouco mais escuro que
seus cabelos, que eu sei que são naturais.
Sem resistir, deixo meu copo vazio em uma mesa, levo minha
mão até seu rosto e acaricio sua bochecha. Adoro sentir sua pele
macia e quente.
Como pode estar sempre tão quente?
Alguma coisa se quebrando em algum lugar, me tira dos
meus pensamentos e eu pisco algumas vezes, tentando clarear
minhas ideias, que foram bagunçadas por um lindo furacão.
– Então… – Limpo a garganta. – Tenho uma coisa pra te
mostrar.
Sua cabeça tomba um pouco para o lado, e ela me olha,
curiosa.
– O que é?
– É surpresa. – Seus olhos brilham, me fazendo abrir um
sorriso. – Vem, vamos até a sala de TV. – Seguro sua mão e a levo
comigo.
Antes de sairmos de lá, chamo meu irmão e meus pais, que
trazem meus sobrinhos e as noivas.
Penélope fica agitada, conforme seguimos todos para lá, e eu
dou risada da sua ansiedade.
Meu pai e meu irmão sabem do que se trata.
Precisei mexer alguns pauzinhos, correr com o cronograma,
porém senti que precisava fazer isso.
Por ela.
Chegamos na sala de TV, que está desocupada no momento,
e todos se acomodam nos sofás. Penny me olha com expectativa,
se segurando para não estragar a surpresa. Sento-a no meio do
sofá, me colocando ao seu lado, enquanto Alfred liga a TV gigante e
sincroniza com o YouTube.
– Vamos assisti Peppa, mamãe? – Vic pergunta, eufórica.
Todos dão risada, ao passo que abro o aplicativo no meu
celular, clicando no link que meu amigo me mandou.
– Não, bebê. Vamos assistir outra coisa.
– Eu não quero ver Peppa. É coisa de criancinha – Rian
resmunga, nos fazendo rir de novo.
– Não é Peppa Pig, crianças – Alfred afirma.
Abro o vídeo no celular e “jogo” para a televisão. Enquanto
carrega, viro o rosto para o de Penélope, que está ansiosa.
Provavelmente, já sabe do que se trata tudo isso.
Suas mãos esfregam uma na outra, e sua perna balança para
cima e para baixo, sem parar.
Seguro seu joelho, fazendo-a parar com os movimentos na
hora. Ela me olha por alguns instantes e respira fundo. Quando a
introdução do meu jornal começa, todos focamos na tela à frente.
“Quem não gosta de um bom cafezinho? Responsável por
um terço da produção mundial, a plantação de café no Brasil, é uma
das principais fontes de emprego e da movimentação econômica do
país. Consequentemente, somos um povo que consome muito café,
levando a marca de maior mercado mundial em volume total de café
como bebida quente. Estamos na cafeteria mais popular da região
de Campinas e que tem crescido em popularidade nos últimos anos:
O Café da Penny.”
O jornalista segue com as apresentações do local, até que
toda a reportagem foca na criadora e administradora do lugar.
– Tia Penny, você tá no YouTube! – Rian grita, apontando
para a tela.
Encaro o rosto da mulher em questão e sorrio, ao vê-la
vidrada. Sem ao menos piscar, ela assiste a entrevista.
De modo avaliativo e atento, seus olhos estreitam em alguns
momentos, seu lábio entorta, enquanto morde a bochecha, e sorri
quando os funcionários entrevistados aparecem, as mãos estão
sempre unidas.
A importância que a cafeteria tem para a Penélope é visível a
qualquer um. Seu amor transborda pelos seus olhos, pela sua forma
de falar do lugar ou sua maneira de lidar com sua equipe.
É algo lindo de se ver.
Os vinte e cinco minutos se passam, e a entrevista finaliza,
com um convite às pessoas, para visitarem o lugar e um close no
letreiro do café principal.
Todos na sala comemoram, aplaudindo e gritando. Penny
respira aliviada, sorrindo de orelha a orelha, antes de focar em mim.
Seus olhos estão marejados, transmitindo aquele orgulho que
eu sei que tem, de todo o trabalho duro que teve por anos.
Em meio aos gritos, seus lábios formam um “obrigada”
silencioso. Eu apenas pisco um olho, orgulhoso da minha equipe,
tanto quanto ela.
– Amiga, você arrasou! – Larissa puxa a loira pela mão e a
abraça apertado.
Logo, cada um aqui, cumprimenta nós dois.
– Sua equipe foi ótima como sempre, filho. – Minha mãe
acaricia minha bochecha.
– Obrigado, mãe. Eles são os melhores.
– E aí, como se sente depois de participar do melhor jornal
econômico do mundo? – Letícia pergunta à Penny, e eu rio da sua
fala.
– Sinceramente? Nem sei o que sentir. Não estava preparada
pra ver a reportagem hoje. – Penélope me olha, antes de indagar. –
Não sairia daqui a algumas semanas?
– Sairia, mas resolvi adiantar.
– Por quê?
Dou de ombros, tentando parecer despretensioso, porém
coço a nuca, me sentindo um pouco envergonhado.
– Ah, sei lá… Só queria que você se sentisse melhor, depois
do que aconteceu hoje.
Todos, incluindo meus sobrinhos, olham para mim de um jeito
estranho. No entanto, o olhar no rosto do meu irmão, é o que me
deixa inquieto. Ele faz aquela cara de irmão mais velho e mais
experiente do que eu, me mostrando que sabe de alguma coisa.
O ignoro, me voltando para a pessoa mais importante daqui.
Meu coração bate mais forte, ao me deparar com o olhar
profundo que Penélope tem em mim. Engulo em seco, sentindo meu
corpo esquentar e meus músculos tensionarem.
Porra, por que ela está me olhando assim?
– Pessoal, me deem licença, por favor? Vou mandar uma
mensagem para minha família e para os meus funcionários.
A loira fala e sai rapidamente.
Conversamos por mais alguns minutos, até que eu noto que
Penélope está demorando muito. Um desespero nasce no meu
peito, ao me lembrar de mais cedo.
Quando estou prestes a correr escada acima, uma
mensagem surge no meu celular. Pela notificação na tela, noto que
é de Penélope.
Franzo a testa em confusão, já desbloqueando o aparelho e
abrindo a mensagem.
A imagem que eu vejo, expulsa todo o ar dos meus pulmões.
Minha santa puta que pariu!
Usando um conjunto preto e rendado de lingerie, Penélope
tirou uma foto na frente do espelho e me mandou.
Fico momentaneamente imóvel, até que uma segunda foto
chega.
É agora que eu morro.
Empinando aquela bunda para o alto, ela exibe um fio quase
invisível, totalmente enfiado entre suas nádegas.
Meu pau acorda, e minha mão coça para deixar um tapa bem
dado naquela bundinha branca.
Uma mensagem escrita chega.
Chernobyl: Está esperando o que?
Saio correndo.
Eu, literalmente, saio correndo, deixando minha família para
trás e indo em direção ao paraíso.
Eles até me chamam, mas os ignoro completamente e subo
os degraus de dois em dois.
Como uma criança prestes a se entupir de doces, sorrio,
enquanto corro ao encontro da minha deusa.
Ofegante, entro e fecho a porta depressa.
O quarto está com a iluminação mais baixa, trazendo um
ambiente mais intimista.
A primeira coisa que noto, é uma bunda. Grande, redondinha
e empinada. Os cabelos loiros soltos quase a tocando e
balançando, quando Penélope olha para mim por cima do ombro.
Ela se vira, causando um mini infarto no meu pobre coração,
ao começar a andar lentamente em minha direção.
Não há câmera no mundo, que faça jus à imagem real.
Penélope está uma delícia com esse conjuntinho quase
transparente, carregando um semblante malicioso demais e
provocando espasmos no meu pau.
Parando à minha frente, tomo alguns segundos para ter
certeza de que não vou morrer bem aqui. Me sentindo mais vivo que
nunca, ergo os olhos para o teto e digo:
– Eu não sei o que eu fiz de tão bom na vida, mas obrigado,
Deus. Prometo aproveitar cada segundo dessa benção.
A risada de Penny me faz olhá-la, sentindo uma coisa no
peito, ao ouvir sua risada tão gostosa.
– Você é um bobo.
– Não, não. Eu sou um bom homem que sabe agradecer,
quando é agraciado por algo.
Seus dentes mordem seu lábio inferior, e ela olha para o
próprio corpo por alguns instantes.
– Gostou? – pergunta, e eu não consigo deixar de rir.
– Se eu gostei? Não me viu agradecendo a Deus por isso,
não? – Ela ri de novo. – Penélope, você é a mulher mais gostosa
que já vi na vida.
Seu olhar cai na direção da minha barriga, e suas mãos
delicadas seguram a barra da minha camiseta. Ela morde o lábio
daquele jeito sexy de novo, me obrigando a engolir em seco.
– Você também, Arthur. – Seus dedos correm por minha pele,
e eu contraio meus músculos com o toque delicado. – É o homem
mais gostoso que já conheci.
Cada pelo do meu corpo se arrepia, quando sinto suas unhas
percorrerem minha barriga e me fazerem estremecer.
– Penny… O que está fazendo? Por que tá fazendo tudo
isso? – Ela levanta minha camiseta, até que a tire do meu corpo. –
Não que eu esteja reclamando…
Soltando uma risadinha, joga a peça de roupa no chão,
espalma as mãos no meu peitoral e acaricia a região.
– Estou fazendo isso por você. Pelo que fez por mim hoje. –
Inclinando para frente, seus lábios se aproximam da minha pele.
Sinto seu hálito me tocar, antes de deixar um beijo bem em cima do
meu coração. – Quero te mostrar minha gratidão, Arthur. Posso?
Tenho certeza de que ela pode sentir meu coração batendo
freneticamente.
Essa mulher ainda vai me matar.
– Você pode fazer o que quiser comigo, deusa. – Minha voz
sai áspera. – Eu sou todo seu.
– Ótimo, porque quero chupar o seu pau.
– Porra! O quê? – praticamente grito, sentindo as palavras
direto no meu pênis.
O furacão loiro não diz mais nada, apenas pisca um olho,
segura a minha mão e me puxa em direção à cama.
Sua mão me empurra, me sentando no colchão. Um segundo
depois, ela me beija.
Penélope me beija, e eu sou obrigado a corresponder no
mesmo instante.
Suas mãos agarram os fios do meu cabelo, enquanto as
minhas vão até sua bunda. Encho cada palma, sentindo a pele
gorda e gostosa vazar por entre meus dedos, conforme aperto sua
carne.
Me beijando de um modo totalmente diferente de todas as
outras vezes, dessa vez, Penélope é quem comanda. Lambendo e
chupando minha língua ferozmente.
Eu gemo em sua boca, quando morde meu lábio inferior, e
quando achei que não poderia ficar melhor, ela desgruda nossos
lábios, para se pôr de joelhos entre minhas pernas.
– Meu santíssimo Jesus.
Ela ri, já levando as mãos em direção ao cós da minha calça
jeans.
– Você está falando muito com Deus, hoje – a danada
provoca.
– Claro. É bom já preparar o caminho, porque do jeito que as
coisas estão indo, eu vou acabar vendo Ele até o fim da noite.
Ela solta mais uma risada gostosa e desce minha calça e a
cueca, depois de abri-la. Meu pau pula para fora, brilhando com o
pré-gozo e pronto para receber sua boca quente em volta dele.
Penélope o olha, como se fosse a oitava maravilha do
mundo. Assim que sua mão o envolve, tenho que segurar o lençol
da cama.
– Caralho, Penélope. Por que você é sempre tão quente?
Seu olhar volta para mim, apenas por alguns segundos, antes
de ela iniciar uma punheta lenta.
– Sempre fui assim. Achei que incomodasse você… – Seus
movimentos se tornam firmes, me obrigando a respirar fundo.
– Me… incomodar? N-Nada em você me incomoda… Ah. –
Solto um gemido profundo, quando sua mão acelera um pouco.
Mas que merda. Parece que é minha primeira vez, inferno.
– Incrível como as coisas foram de “há um hospício
reservado para pessoas que querem conversar com você” para
“nada em você me incomoda”. – Com um sorrisinho de lado, me
encara com a sobrancelha arqueada.
Sibilo, ao ver meu pau crescer cada vez mais em sua mão.
Se eu fosse um artista, pintaria essa imagem à minha frente.
A mulher segurando meu pau com firmeza, enquanto usa um
conjunto de lingerie preto e bem sexy, e me olha de maneira
provocativa.
É uma obra de arte, sem dúvidas.
– As co-coisas mudaram – gaguejo igual a uma criança.
Ela se ajeita melhor por sobre os joelhos e me olha
intensamente.
– Sim. Mudaram. – Sua língua sai de dentro da sua boca e
lambe a cabecinha do meu pau.
Solto um gemido alto com o contato, estremecendo meu
corpo de um jeito ridículo.
– Porra…
– Eu estou um pouco sem prática, paixão. Mas prometo me
dedicar, tá?
E antes que eu responda que ela pode fazer o que quiser que
eu vou amar, seus lábios se fecham em torno do meu pau.
Um rosnado escapa da minha garganta, ao passo que sua
boca sobe e desce em minha extensão.
Sentindo o tesão se alastrar por cada pedaço do meu corpo,
agarro seus cabelos com uma mão, apreciando a vista.
– Quente. Muito, muito quente – sibilo, com sua boca
espalhando saliva por meu cacete.
Penélope prende os olhos nos meus, levando-me o mais
fundo possível e voltando para o topo, para depois me lamber.
Ela usa uma mão para me masturbar, soltando gemidos de
prazer no processo.
O prazer que sinto é descomunal.
Me esforço veementemente para manter o controle e curtir o
máximo que posso, só que é difícil.
Principalmente, quando a maldita usa a outra mão para soltar
o sutiã e acariciar o próprio seio.
– Isso, gostosa. Se toca pra mim. – Gemo, assistindo seus
dedos apertarem os mamilos.
Sua boca me engole, chupando com força e habilidade.
Que tesão bom do caralho!
Ela passa a alternar entre lambidas e chupadas. Sempre
usando uma mão para me masturbar, e a outra para se tocar.
De repente, com o pau ainda enfiado dentro da boca, ela
segura minha mão, solta de seu cabelo e a puxa para si.
Levando minha mão até sua boceta, Penélope me pede
silenciosamente para que a toque.
E eu atendo ao seu pedido na hora.
Com sua cabeça enfiada no meio das minhas pernas, toco
sua bocetinha e rosno, ao senti-la encharcada.
Uso a outra mão para segurar seu cabelo e soltar sua boca
do meu pau. Olho em seus olhos, em um tom de azul mais escuro
que o normal, movimentando meus dedos na sua entrada.
– Você ficou molhada desse jeito, só de chupar o meu pau? –
Sua boca se abre em um gemido profundo, quando enfio dois dedos
dentro dela. – Me responde, putinha.
Firmo o aperto em seu couro cabeludo, e a mulher geme
mais, começando a rebolar na minha mão, como a verdadeira
safada que é.
– Sim, Arthur. Seu pau me deixou molhadinha.
Solto um rosnado animalesco e beijo sua boca. Ela grita
quando meus movimentos em sua boceta aceleram e tocam seu
ponto sensível. Meu dedão massageia seu clitóris, com movimentos
circulares e precisos.
– Então mama gostoso meu cacete, sua cachorra.
Desço seu rosto novamente, para que volte ao boquete
fenomenal que estava fazendo.
Seus gemidos reverberam por todo o meu membro, agora
mais desesperados que antes, por sentir meus dedos a torturando.
Com sua boca quente me engolindo, meus dedos
lambuzados, e seus gemidos me enlouquecendo, chego ao meu
limite.
– Eu vou gozar, deusa. Precisa parar ou…
Ela não para.
E eu sorriria, se não estivesse gozando.
Me levando até o fundo e me masturbando com vontade,
recebe os jatos da minha porra dentro da sua garganta.
Grito seu nome para o silêncio do quarto, contraindo e
relaxando os músculos do meu corpo. Mal consigo continuar com o
meu trabalho de masturbá-la, conforme ela engole cada gota do
meu esperma.
– Caralho, Penélope! – sussurro.
Ela finalmente larga meu pau, passando a lambê-lo, até que
esteja totalmente limpo.
Precisando de alguns segundos, tombo o corpo para trás e
caio no colchão da cama.
Respiro com dificuldade, me esforçando para acalmar meu
corpo e minha mente.
Fecho os olhos, não contendo o sorriso de completa
satisfação no meu rosto.
– Se isso é você sem prática, estou ansioso pra saber como
você é com ela.
Ouço sua risada, mas ainda estou tentando me recuperar.
Poucos minutos se passam, e eu sinto o colchão ao redor do
meu corpo afundar. Abro os olhos e ergo a cabeça, sendo agraciado
com a visão do paraíso.
A loira está completamente nua e montada em cima de mim.
Seu corpo espetacular está disposto para mim. Os seios
grandes e redondos envoltos por uma sutil marquinha de biquíni, os
bicos rosados dos mamilos entumecidos, a barriga sarada, as
pernas fortes e a boceta brilhando.
Acho que nunca vi nada tão lindo na vida.
E tem seu rosto. Anguloso, com as bochechas proeminentes,
os lábios inchados e pele corada.
– Quando eu falo que você é uma deusa, eu estou falando
sério, Penélope. – Passo as mãos por suas pernas, até sua cintura.
– Você é muito linda.
Então ela sorri, e algo acontece em meu coração.
Algo que me dá medo e ao mesmo tempo, coragem.
Algo que me tira o fôlego e ao mesmo tempo, me faz respirar
melhor.
Algo único, que veio silenciosamente. Rastejando, e que
agora, se impregnou em mim.
As batidas do meu coração se tornam frenéticas. Minha
mente clareia, ao passo que se torna uma bagunça.
Estou me apaixonando por Penélope.
E diferente do que achei que poderia acontecer comigo, eu
me sinto bem.
O sentimento novo e crescente é bem-vindo.
Seu olhar para mim se torna confuso e depois, preocupado.
– O que houve? – pergunta baixinho.
Respiro fundo, tentando ao menos, controlar minha mente.
– Eu quero você. Senta em mim, linda.
Ela abre um sorriso pequeno, antes de fazer o que eu disse.
Com o pau já ereto de novo, ajudo-a a me posicionar em sua
entrada.
Sua boceta molhada me faz deslizar com facilidade para
dentro, mesmo que esteja descendo lentamente.
Fecho os olhos, apreciando a sensação de preenchê-la, até
que esteja todo enterrado dentro dela.
Penny geme, inclinando a cabeça para o alto e apoiando as
mãos no meu peito.
Agarro sua bunda com força, e ela me olha.
– Agora se mexe. Cavalga em mim do jeito que você quiser.
Seguindo meu comando, ela obedece. A princípio devagar,
se movimentando lentamente, para frente e para trás, e rebolando
em cima de mim.
Continuo segurando sua bunda firmemente, porém deixo-a
no controle.
Gememos em sincronia, sua cintura indo e voltando em um
rebolar gostoso e preguiçoso.
Ela tomba o corpo um pouco para frente, beija a minha boca
e esfrega o clitóris na minha pelve.
A mulher sabe o que está fazendo.
Gradativamente, acelera os movimentos, tornando-os mais
desesperados e frenéticos.
Sugo sua boca, mordendo seus lábios e gemendo dentro
dela. O vai e vem com sua boceta engolindo meu pau, é delicioso.
Penny se endireita novamente.
Me olhando de modo atrevido e cheio de tesão, sorri
diabolicamente, quando apoia as mãos nos meus pulsos e começa
a quicar.
Um grito de prazer deixa minha garganta, quando ela sobe e
desce no meu pau, sem piedade.
Seus seios grandes pulam com os movimentos, me
proporcionando uma vista fantástica. Minha boca saliva, e minhas
mãos passam a ajudá-la no processo de acabar comigo.
– Isso, gostosa. – Deixo um tapa forte na sua bunda, e ela
geme com vontade. – Esfrega esses peitos na minha cara.
Gemendo, ela puxa minhas mãos e as leva até os seios.
Seguro-os com firmeza, enquanto ela volta a se curvar por cima de
mim.
Como a porra de um animal faminto, abro a boca e enfio um
mamilo dentro dela.
– Ai, Arthur. Puta que pariu! – A mulher geme, descontrolada.
Penny começa a perder as forças nas pernas, então eu
passo a fodê-la. Dobrando minhas pernas e a segurando no lugar
com uma mão, começo a meter sem parar na sua boceta gostosa.
Suas unhas me arranham, ao passo que sua garganta grita
meu nome sem pudor.
Sinto suas paredes internas me apertarem, me avisando do
seu orgasmo, e eu decido colaborar mais.
Desferindo mais um tapa estalado na sua bunda, sem parar
de meter, arranho os dentes em seu mamilo e a levo ao ápice.
Penélope estremece o corpo inteiro, atingindo um orgasmo
potente.
Beijo sua boca, sem intenção nenhuma de lhe dar descanso.
– Ainda não terminei com você, loirinha.
– Cristo… – sussurra, exausta.
Mudo nossas posições tão rápido, que ela mal percebe. Me
ajoelho na cama e, usando uma única mão, viro seu corpo de costas
para mim.
Abro suas pernas ainda fracas e a posiciono de quatro.
Mal percebo o tapa vindo, só quando sua pele quente vibra
sobre minha palma.
Ela se contorce, enquanto acaricio a pele, agora marcada por
meus dedos.
Dou outro tapa, bem em cima do primeiro, e ela geme com a
dor.
– Você sabia que eu era obcecado por essa bunda, desde a
primeira vez que te vi? – Seu cuzinho pisca quando dou mais um
tapa, e meu pau pulsa.
– Era? – a loira pergunta, me fazendo sorrir.
– Sou. Eu ainda sou. – Seu cu pisca mais uma vez,
acendendo uma centelha de curiosidade em mim.
Desço meus dedos até sua boceta encharcada, lambuzo-os e
os levo até seu ânus.
Penélope geme e rebola, quando espalho lubrificante na
região.
Um rosnado me escapa, assim que enfio meu dedo indicador,
e ela me recebe sem hesitar.
– Penélope? – pergunto com um fiapo de voz, prestes a
enlouquecer.
– Hum?
– Você, por acaso, já deu o cu? – Ela apenas me olha, de
modo provocativo, por cima do ombro, rebola a bunda e enfia mais
fundo meu dedo. – Puta merda!
Quase gozo.
– Você ainda vai me dar esse cu, Penélope – determino, já
imaginando a maravilha que vai ser. – Só não como ele agora,
porque você não vai aguentar.
Ela me lança aquele olhar.
O olhar de desafio, que foi uma das primeiras coisas que me
deixou fascinado por ela.
– Isso é um desafio? – indaga, porém, solta um gritinho,
quando bato na sua bunda de novo.
– Não me provoque, puta. Você tem sorte de que eu sou um
homem sensato. – E retiro meu dedo do seu cu.
Sem qualquer aviso, afundo meu pau na sua boceta, até
sentir sua bunda tocando minha virilha.
Penny grita, perdendo as forças e jogando o rosto na cama.
Paro de vez com a enrolação e vou em busca do que quero.
Começo a estocar sem dó. Rápido, forte e delirante.
Sua bunda grande ocupando quase todo o meu campo de
visão, as costas lisas e nuas, os cabelos loiros esparramados por
todo o colchão, e as mãos agarrando os lençóis com força.
– Isso, porra! Era isso o que eu queria. – Meto mais e mais
forte. Agarro seus cabelos e levanto um pouco sua cabeça. – Eu
sonho com isso há meses, Penélope Duarte. Meses.
Seus olhos reviram, conforme seus gemidos são abafados
pelo colchão.
Meus movimentos se tornam erráticos. Desesperados.
Meu corpo enrijece, e eu travo maxilar, sentindo meu
orgasmo chegar.
Levo uma mão ao seu clitóris e o massageio, até que ela
comece a estremecer.
– Goze, minha deusa. Lambuza meu pau, vai.
Nosso orgasmo chega ao mesmo tempo. Não paro de meter,
até que Penny perca totalmente as forças, e eu esporre tudo dentro
dela.
Caímos de qualquer jeito na cama, com os corpos suados e
as respirações descompassadas.
Depois de alguns segundos, ela sussurra:
– Você acabou comigo, homem.
Abro um sorriso imenso e olho em seus olhos.
– Eu estou apenas começando, formiguinha.
E minha gargalhada flutua pelo quarto inteiro, quando ela faz
uma careta.
Acordo sobressaltada com o estrondo do lado de fora. Com o
coração acelerado, levo alguns segundos para me situar de onde
estou. O quarto está coberto de escuridão, apenas a claridade dos
raios caindo lá fora o iluminam.
Olho para o lado e vejo a janela do quarto ser castigada pela
chuva torrencial que está caindo, concluindo que foi isso o que me
acordou. Viro-me para o meu outro lado da cama, vendo a imagem
do corpo musculoso e tatuado deitado.
O braço cheio de tintas permanentes, descansa em minha
barriga de modo possessivo, e Arthur ressoa baixinho, enquanto
dorme profundamente de bruços.
Fecho os olhos, sentindo as batidas do meu coração, ainda
aceleradas, não entendendo ao certo o motivo disso.
Encaro o rosto do homem que tem me atormentado nos
últimos meses. Mais uma noite, mais uma vez em que me entrego a
ele sem hesitação. E dessa vez, eu busquei por isso.
Eu o procurei. Eu o provoquei.
E honestamente? Não consigo me arrepender disso.
A cada dia que passa, ele tem despertado partes de dentro
de mim, até então adormecidas. Desde as risadas espontâneas e
prazerosas, até o desejo latente por suas mãos em mim e seu corpo
no meu.
Sem que ao menos tenha planejado, Arthur tem me dado
muito mais do que qualquer pessoa um dia o fez.
Ele tem me acordado. De um sono longo e profundo.
Tem me trazido prazer, vontade, ousadia.
E está sendo maravilhoso experimentar tudo isso.
Então por que acordei assustada e ainda sinto um aperto no
peito?
Solto devagar o braço dele de cima de mim, tomando todo o
cuidado para não acordá-lo. Estico minha mão até a cabeceira da
cama, puxando o meu celular. Ligo a tela, vendo que são duas e
trinta e seis da manhã, e noto uma quantidade exorbitante de
mensagens e ligações.
Todas de minhas amigas.
Diana: Você está bem? Por que não me lembrou, Penélope?
Deveria ter me lembrado.
– Lembrado de quê? – sussurro para mim mesma, abrindo
outra mensagem.
Yolanda: Penélope Duarte, como ousa fazer essa viagem
nesta data? Onde você estava com a cabeça, ao decidir ficar longe
de nós?
Mais confusa do que nunca, vejo a mensagem de Rosa.
Rosa: Essa foi uma péssima ideia, Penny. Péssima. Ele está
aí, e você foi mesmo assim.
Me apresso para ver o que Milene disse.
Milene: As meninas estão desesperadas. Não faça nada,
ok?! Já estamos indo.
Essa última mensagem veio agora há pouco.
Quando estou prestes a ligar para ela, subo meu olhar para o
topo da tela do celular e vejo a data.
E como o impacto de um carro em alta velocidade batendo
contra uma parede, eu entendo o que está acontecendo.
Onze de Agosto.
Dia do aniversário da morte dele.
Meu celular cai da minha mão trêmula, em cima da cama.
Como um vulcão prestes a entrar em erupção, sinto todo o meu
corpo ficar quente. Muito quente.
E depois frio.
Muito frio.
Eu esqueci.
Eu esqueci de novo.
Eu esqueci de novo do que estava por vir, por estar vivendo
os melhores dias da minha vida.
Como eu pude me esquecer?
Como é possível se esquecer do dia mais triste da sua vida?
Levanto meu tronco, começando a sentir uma dor no meu
peito. Tento ao máximo não fazer barulho, para não acordar Arthur,
enquanto tento respirar.
Mas eu não consigo respirar.
Minha visão embaça, quando toco o chão frio do quarto. Sinto
uma tontura forte, levanto-me com dificuldade, concentrada em não
me perder de vez.
Preciso ir ao banheiro. Preciso ir ao banheiro, para não
acordá-lo.
Dou um passo. E outro, e meus joelhos falham.
Eu caio.
Caio na escuridão do quarto e da minha mente.
Ajoelhada no tapete do cômodo que nem é meu, abraço
minha barriga e me curvo para frente.
Ouço gritos.
Meus gritos.
Contudo, não estou gritando agora.
São gritos de um outro tempo, de um outro momento.
São gritos que deixaram minha garganta há exatamente um
ano.
Hoje faz um ano.
Um ano que eu o tinha e o perdi.
Um ano em que uma vida crescia dentro de mim e deixou de
crescer.
Um ano que eu senti o maior amor do mundo, e ele
simplesmente parou de brotar dentro de mim.
Com lágrimas inundando meu rosto, eu me lembro daquele
dia.
Havia sangue.
E dor.
Tanta dor.
Não era para ter dor. Era para ter vida, saúde e esperança.
Era para ter um coração, muito pequeno, batendo dentro de
mim.
Mas ele não batia mais.
Ele deixou de bater.
No momento em que o sangue surgiu. No momento em que a
dor apareceu.
E então escuridão.
Uma que me perseguiu por tanto tempo, uma que tomou o
meu coração e minha mente, a ponto de quase me fazer sucumbir.
Eu estava feliz. Eu estava tão feliz e o perdi.
O perdi, porque não fui capaz de segurá-lo em mim.
Não fui capaz de aguentar.
Disseram que é normal. Que acontece sempre. Que ficaria
tudo bem, e na próxima vez, poderia dar certo.
Contudo, eu não pude acreditar. Essas palavras não podiam
servir para mim.
Porque eu o queria. Ardentemente, profundamente. Eu o
queria vivo.
Porém, ele não viveu.
Ele morreu.
E a culpa é minha, e de mais ninguém.
Sinto uma pressão sobrepujante na minha cabeça e percebo
que não estou respirando.
Inspiro profundamente, sentindo o ar preencher meus
pulmões.
Em meu peito, estacas estão sendo cravadas bem no meu
coração.
Fazendo-o sangrar.
Quebrar.
Machucar.
Eu preciso sair daqui. Ou eu vou acordá-lo.
Encontrando o que me resta de forças, levanto-me,
caminhando até o banheiro. Cambaleante e mal enxergando, pelas
lágrimas em meus olhos, fecho a porta atrás de mim e me permito
chorar de verdade.
Por mim.
Por ele.
Pelo que tive.
Pelo que não tenho mais.
Levo as mãos até a minha boca, tentando abafar os sons que
me escapam, só que é difícil.
Olho para o outro lado da parede e vejo o chuveiro.
Me jogo para lá e o ligo, na esperança de que isso cubra o
barulho do meu choro.
Sem entender muito bem o que estou fazendo, me enfio
debaixo d'água.
Quem sabe assim, eu sinto menos dor.
Dor.
Deus, como eu senti dor naquele dia.
Na minha barriga e no meu coração.
Eu sabia que ele estava indo. Eu sentia dentro de mim, que
ele não aguentaria mais.
Ele não pôde lutar.
Como lutaria, sendo menor que a palma da minha mão?
Mas eu lutei por ele. Por nós.
E não consegui.
Um soluço agudo escapa da minha boca e encosto na parede
de azulejo atrás de mim.
Alguém me chama.
Não sei quem é.
Eu apenas escorrego até estar com a bunda no chão,
abraçando meus joelhos e sentindo a água cair sobre mim.
Não ajuda. Em nada.
De repente, ouço a porta sendo aberta por alguém.
Eu não a tranquei. Deveria tê-la trancado.
– Penélope? – Desespero.
Ele me chama com desespero.
Com a visão ainda embaçada, vejo a silhueta do homem
mais lindo do mundo.
Ouço sua voz. Entretanto, não compreendo.
Só ouço gritos.
Meus gritos.
De um ano atrás.
A água deixa de cair em cima de mim, e mãos grandes
seguram meu rosto.
– PENÉLOPE! FALA COMIGO! – ele grita, e eu finalmente o
escuto.
– Arthur… – acho que sussurro. Não tenho certeza.
– Penélope, meu amor, o que está acontecendo? – Suas
mãos limpam a água e tiram os cabelos molhados do meu rosto.
Vejo seu rosto angustiado. Muito angustiado.
Eu não queria isso. Queria que continuasse dormindo.
– Como eu poderia continuar dormindo? – ele indaga,
ouvindo meus pensamentos. Ou talvez, eu tenha dito em voz alta. –
Por favor, linda. Diz o que está havendo.
Sua voz falha. Embarga. Ele está preocupado, está com
medo.
E eu me odeio por isso. Eu me odeio por tudo.
– Ele… Ele… – tento dizer, porém minha garganta arde.
– Ele? Ele quem, Penélope? – Sua fala se torna mais
urgente. – Quem fez isso com você? Me diga agora!
Começo a negar com a cabeça. Ninguém fez nada comigo.
Eu fiz. Eu causei isso.
– Ele… se foi. Eu não pude… – Respiro com dificuldade.
– Quem se foi?
– Eu … o … perdi. – Seguro seus braços, implorando assim,
para que entenda.
– Quem você perdeu, Penélope?
– Meu bebê. Eu perdi meu bebê.
– O quê? – Sua voz morre, e suas feições se tornam
desoladas.
E eu não aguento mais.
Me jogo em seus braços, pondo para fora toda a dor que
ainda sinto.
Eu choro o choro mais triste de todos.
Arthur se senta no chão do banheiro, me põe em seu colo e
me abraça apertado. Derramo toda lágrima que contive nos últimos
tempos. Tudo o que escondi e guardei para mim.
Soluços deixam minha boca, lágrimas encharcam meu rosto,
e lamentos escapam de minha garganta.
Em seus braços, eu encontro o que procurei por tanto tempo.
Liberdade.
Para me lamentar, para me culpar, para culpar a ele, que me
abandonou.
Os braços de Arthur se tornam meu abrigo.
Não sei por quanto tempo ficamos aqui. Cinco minutos. Cinco
horas.
Mal percebo quando sou carregada para fora do box do
banheiro. Quando meu pijama é retirado do meu corpo, e uma
toalha quente me seca, e me envolve.
Quando sou levada até o quarto, sentada na cama, e uma
camiseta muito grande, é colocada em mim.
Mal noto quando um secador é ligado, quando meu cabelo é
seco.
Aos poucos, os gritos vão embora, apenas para serem
substituídos por outra coisa.
Mágoa.
Não perdi apenas um filho naquele dia. Perdi um noivo.
Eu o perdi naquele momento, quando escolheu não estar ao
meu lado na saúde e na doença.
Quando me cobrou melhora. Quando disse que eu deveria
erguer a cabeça e dar a volta por cima. Quando disse que eu teria
que sorrir e parar de chorar.
Quando me cobrou sexo, num momento em que eu me
odiava. Odiava meu corpo. Odiava o corpo dele.
Quando não me esperou. Escolheu a si próprio e se satisfez
com outra.
Eu posso ter perdido meu bebê, mas eu perdi Marcos muitas
vezes depois.
De várias formas diferentes.
Fungo, olhando para o homem parado à minha frente,
esperando que eu diga algo.
Paciente como sempre.
Se pudesse, eu estaria sorrindo.
– Hoje, faz exatamente um ano que tive um aborto
espontâneo – digo, com a voz rouca de tanto chorar. – Eu estava
grávida de seis semanas quando aconteceu. Ele era menor do que
uma uva. Minha barriga nem havia crescido, eu não sentia nada se
mexer ainda, mas o coraçãozinho já estava em formação. – Respiro
fundo, levando a mão até onde meu pequeno anjo um dia esteve. –
Eu senti dores e tive sangramento. E horas depois, descobri que
não seria mais mãe.
Os olhos castanhos que me encaram, lacrimejam, para logo
em seguida, derramarem uma lágrima solitária.
Arthur está chorando.
Por mim. Por minha dor.
Sua mão encaixa em minha bochecha, e seus dedos alisam
minha pele.
Fecho os olhos por alguns instantes, me entregando à
sensação.
– Eu sinto muito, Penélope. Sinto muito por sua perda.
Tento respirar normalmente, levando minha mão até a sua e
sorrindo fraco.
– Eu perdi muito mais naquele dia, Arthur. Não só o meu
sonho de ser mãe, mas o de ser esposa também – digo e posso
jurar que sua mão em meu rosto, treme. – Ele não me esperou, não
quis entender, e eu… eu… – Minha respiração volta a falhar, e
Arthur logo me abraça de novo.
– Ei! Xiiii, calma. Não precisa falar agora, tá bom? – Ele faz
um carinho gostoso nas minhas costas. – Você está muito sensível.
Não é hora pra lembrar dele.
Assinto, mantendo meus braços firmes ao redor da sua
cintura.
– Você está certo…
– O que eu posso fazer por você? Quer que eu chame
alguém?
– Não. Não quero ninguém.
Seus braços começam a me soltar, e seu corpo a se afastar.
Meu coração dispara, assustado.
– Tudo bem então. Vou te deixar sozinha pra…
– Não! Você não. Eu quero você comigo. – Agarro seus
braços, o mantendo no lugar.
– Você quer? – Me olha, surpreso.
– Sim. Eu te quero aqui comigo, Arthur. Eu preciso de você –
digo a mais pura verdade. – Por favor, não vá.
– Eu não vou. Eu não vou. – Suas mãos seguram meu rosto.
– Prometo ficar. Venha, vamos nos deitar.
Ele deita na cama, e eu me aconchego ao seu lado.
Descanso minha cabeça em seu peito nu, ouvindo as batidas
estrondosas do seu coração e me acalmando com elas.
A chuva ainda caía lá fora, quando adormeci.

Eu não consigo definir o que eu sinto.


São muitas sensações predominando em mim.
Estou triste por ela, preocupado, revoltado, tudo ao mesmo
tempo.
Há algo no luto, que faz com que todos se identifiquem.
Ninguém quer perder quem ama. Ninguém gosta de viver com
alguém, e depois, esse alguém deixar de existir.
Eu perdi meu avô, quando ainda era criança. Foi muito difícil
para mim na época, pois éramos muito próximos.
No entanto, como é quando perdemos alguém que ainda não
conhecemos?
Como é imaginar, idealizar e nunca realmente ter?
Olho para o corpo adormecido de Penélope agarrado ao
meu.
A mulher é tão forte, tão decidida, que vê-la quebrada dessa
forma, chega a ser incoerente.
Não faz sentido.
Só que eu sei muito bem que todos temos vulnerabilidades.
Aquela coisa que lutamos tanto para esconder, mas que algo
sempre a traz para a superfície.
Um gatilho.
Para a Penny, foi a data de hoje.
Um dia de tristeza que não vi chegar.
Eu não vi nada, na verdade. Ela escondeu muito bem.
Eu não sei o que exatamente me acordou, se foi a falta do
seu corpo quente perto do meu ou a chuva que não deu trégua ou
os soluços que ela tentou esconder de mim.
Só sei que nunca mais quero viver isso de novo.
Apenas a lembrança de ver seu corpo pequeno encolhido e
tremendo debaixo do chuveiro, já é o suficiente para fazer aquela
angústia comprimir meu peito.
Foi a pior coisa que já passei na minha vida.
Eu fiquei apavorado. Perdido. Atordoado.
Nada, nunca, me fez sentir isso. Eu estava pronto para tirá-la
daqui, levá-la para qualquer lugar que quisesse.
Que precisasse.
Eu daria a ela qualquer coisa. Faria qualquer coisa, se isso
significasse que pararia de chorar.
Mas então, eu soube do motivo, e tudo simplesmente mudou.
A forma como a vejo, a sua história, e a dor que sei que
sentiu, me mostraram o que faltava para que eu visse as coisas com
mais clareza.
Fizeram muitas peças se encaixarem e muita coisa fazer
sentido.
Seu modo protetor.
O jeito como sempre falou de perdas.
A maneira como cuida de todos. De tudo.
É uma mãe que vive ali.
Uma mãe que não teve oportunidade de carregar seu filho
por mais tempo.
Um barulho me assusta, me fazendo dar um pulo no lugar.
Algo bateu na porta. Um baque surdo, que acabou me tirando dos
meus pensamentos.
E então silêncio.
Decido ignorar, porém eu ouço de novo.
Outro baque.
Penélope se mexe em meus braços, e temendo que acorde,
decido ver o que está acontecendo.
Solto delicadamente seu braço do meu e deixo a cama de
mansinho.
O barulho surge de novo, dessa vez, um pouco mais forte, e
alguém resmunga algo do lado de fora.
– Merda – sussurro, apertando os passos.
Destranco a porta e giro a maçaneta.
Um corpo bêbado e débil cai aos meus pés, assim que a
porta se abre.
Por alguns segundos, fico completamente estático e confuso,
até que vejo uma garrafa de Vodka rolar pelo chão, e o homem
murmurar com a cara grudada no piso.
– Penélope… – ele diz, e eu finalmente reconheço o rosto
todo cheio de hematomas.
– Ah, mas não é possível.
Agacho-me e o seguro pelos ombros, o deixando sentado no
chão. Faço uma careta, quando o fedor forte de álcool alcança
minhas narinas.
– Caralho, Marcos – sussurro, ainda tentando evitar que
Penny acorde.
É claro que tinha que ser a última pessoa no mundo que eu
gostaria de ver. O homem que causou sofrimento àquela mulher,
que já estava lutando contra as próprias dores.
Absolutamente embriagado, o cara não consegue manter o
corpo ereto e volta a cair no chão.
Puta merda.
Olho de relance para a cama. A mulher permanece dormindo,
e eu respiro aliviado.
– Você quer parar de fazer barulho? Vai acordá-la, seu merda
– sibilo, puxando seu tronco novamente, para que se sente.
– Eu p-preciso … Urgh … que ela me esssscute – ele tenta
falar, se levantar e me segurar.
Tudo ao mesmo tempo.
– Você não vai fazer nada, Marcos. Está completamente
bêbado.
– Eu ten-nho que pedir dessssculpa…
Vejo Penélope se remexer na cama e aperto meus lábios na
boca, tentando controlar meu instinto assassino.
Merda, preciso tira-lo daqui.
Enfiando os braços embaixo dos dele, o apoio e uso minhas
pernas para nos pôr de pé.
Ele mal consegue se apoiar, resmungando sem parar que
tem que conversar com a Penélope.
Me apresso para sair daqui, apoiando seu braço em meu
ombro e caminhando para fora do quarto.
Ando até o final do corredor, sentindo o estômago embrulhar
com o bafo de cachaça que sai da boca do cara, que não para de
falar nunca.
As coisas que eu passo por aquela loira.
Faço uma curva à direita, e de repente, Marcos se endireita.
Ele olha confuso para mim, depois para seus próprios pés e
depois para mim de novo.
– Não, eu tenho que contar pra ela… – tenta retornar,
entretanto eu o impeço na hora.
– Você não vai fazer nada, porra. Não vai chegar perto dela,
nesse estado.
Em estado algum, se depender de mim.
– Não, eu vou…
Marcos consegue se desvencilhar de mim, apenas para dar
dois passos, perder o equilíbrio e cair no chão de novo.
Ele fica imóvel.
Quer saber? Foda-se.
Ele mal consegue andar. Não vai aparecer lá de novo.
Passo por ele, deixando-o jogado do mesmo jeito, porém algo
me faz estancar no lugar.
– Faz um ano… Um ano que a gente perdeu… Um ano… –
ele murmura baixinho, com os olhos fechados e o rosto com o
semblante de dor.
E é então que eu percebo o meu erro.
Não foi apenas Penélope que perdeu um filho naquele dia.
Marcos também.
Ele foi um filho da puta depois? Da pior espécie.
Ainda assim, seria o pai daquela criança.
E eu não sou um babaca a esse ponto.
Como aprendi a nunca bater em um homem já caído, ajudo o
homem a se levantar novamente.
Olho para as infinitas escadas e decido que não é uma boa
ideia que volte para o quarto.
Cristo, como ele conseguiu subir, nesse estado?
Lembrando de uma sala de estar aqui no terceiro andar, eu
caminho com ele até lá. Ao abrir a porta, noto o sofá no canto do
cômodo e o carrego até o lugar.
Com dificuldade, coloco o cara deitado em cima, que
praticamente se joga no móvel.
Dou uma chacoalhada em seu ombro, fazendo-o abrir os
olhos e focar em mim.
– Não volte para lá, ok? Penélope está dormindo, e você não
está em condições de fazer nada.
Sei que estou falando com um bêbado, mas ainda é melhor
que nada.
– Penélope… – ele resmunga, e eu juro que tenho vontade
de esmagar seu crânio toda vez que diz o nome dela.
Começo a dar as costas e voltar para os braços da loira,
quando Marcos segura a minha mão.
Me viro, sendo surpreendido com a intensidade do seu olhar.
Ele me pergunta, mais sóbrio que antes:
– Acha que ela vai me perdoar?
Franzo a testa.
– Acha que ela deveria? – devolvo a pergunta, vendo seu
semblante derrotado.
– Não. Acho que não…
– Apenas ela pode responder a essa pergunta, Marcos. Mas
não será hoje.
Volto a me afastar, entretanto, sua fala me impede de seguir.
– Se ela me ouvir, talvez… talvez a gente possa voltar. Eu
ainda a amo e …
– Cale a boca. Cale a porra da boca! – esbravejo,
assustando-o.
Até eu me assusto com o meu rompante de raiva.
Fecho as mãos em punho, e minha respiração acelera, ao
mesmo tempo que meu coração.
Penélope não vai voltar com ele.
Ela não pode voltar para ele porque…
Porque ela é minha.
Penélope é minha.
Só minha e nunca mais será desse filho da puta que a
machucou. Não enquanto eu respirar.
Seguro o colarinho da sua camiseta, minhas mãos tremem e
ranjo os dentes tão forte, que ouço minha mandíbula estalar. Vejo-o
se encolher e esperar por um soco, só que é com minhas palavras
que eu o atinjo:
– Você nunca mais tocará um dedo nela, Marcos. Ou
conhecerá a dor de verdade.
Largo-o de qualquer maneira e saio da sala, furioso.
A passos apressados, volto para o meu quarto, para perto
dela.
Entro, fecho a porta e noto que não acordou.
Graças a Deus por isso.
Rapidamente, me deito ao seu lado, e mesmo que esteja em
um sono profundo, seu corpo abraça o meu.
Eu a aperto junto a mim, inspirando o cheiro cítrico de seus
cabelos.
As batidas do meu coração se aquietam. Minha respiração
volta ao normal. Eu me acalmo.
Como um calmante, permaneço daquela maneira, até ver os
primeiros raios de sol nascerem.
Estico o meu braço para a mesa de cabeceira e seguro meu
celular.
Preciso mandar algumas mensagens.
Meu corpo está quente, coberto por um cobertor leve.
O silêncio absoluto é estranho. Não escuto nada.
Nem a chuva que caía lá fora, nem a respiração de alguém
ao meu lado ou a movimentação das pessoas na imensa casa.
Há apenas os meus pensamentos.
Eu escondi tudo dentro de mim por tanto tempo, que foi
estranho dar espaço para ela. Para a dor.
Eu segui em frente, regenerei meu coração e juntei os cacos
quebrados.
Trabalhei, melhorei, vivi.
Fiz o que eu tinha que fazer.
Se eu parasse, eu sucumbiria. Não viveria. Física ou
emocionalmente.
Minha mãe dizia que eu podia chorar quando quisesse, sentir
raiva sempre que precisasse, podia parar e não fazer nada, quando
fosse difícil demais.
E por um tempo, eu o fiz.
Seus braços foram o meu local preferido por um longo
período.
Os seus e os das minhas irmãs.
Elas choraram comigo, odiaram comigo, lamentaram comigo,
permaneceram comigo.
E foi só por isso, que um dia deixei de chorar pelo meu bebê
que nunca nasceu e pelo homem que nunca me amou.
Contudo, faz um ano.
E mesmo que os últimos meses tenham sido melhores, mais
especificamente desde que engatei em um namoro falso com o cara
mais fantástico que conheci, ainda não tinha como esse dia passar
em branco.
Então, eu continuo assim, deitada e encolhida na cama.
Sem abrir os olhos. Sem me mover.
Pela primeira vez em um bom tempo, ouço outra coisa além
dos meus pensamentos.
É a porta se abrindo.
Não vejo nada. A cama afunda, e eu sinto um cheiro que eu
tanto amo.
Lavanda.
Entra debaixo das cobertas, deita ao meu lado, braços finos
me abraçam, e um corpo quente me aquece.
Milene.
Outra vez a cama afunda. Do meu outro lado, um outro corpo
me aquece. Braços pequenos me envolvem. Sinto outro cheiro que
amo.
Flores.
Diana.
Outro cheiro. Esse é apimentado, forte. Como a dona.
A cama afunda.
Outro corpo.
Braços compridos.
Yolanda.
Dessa vez, a cama afunda de um modo mais dramático. Os
braços são mais curtos, ainda assim, acolhedores.
O cheiro me lembra vinhedos. Uva.
Rosa.
Elas vieram. Elas estão aqui.
Minhas irmãs.
As responsáveis por colaram os cacos do meu coração. Por
me amarem incondicionalmente. Por lutarem quando eu não pude,
por me segurarem quando eu caí, por me apoiarem quando eu não
o fiz.
Elas estão aqui, por mim.
Mas então, outro corpo se junta a nós.
Sua mão segura a minha, com firmeza e delicadeza ao
mesmo tempo.
Seu cheiro é doce. Gostoso. É novo. Baunilha.
Letícia.
Ela também está aqui.
Ela entende. Ela, mais do que ninguém, entende minha dor.
Minha culpa.
Por isso está aqui.
E por fim, eu choro de novo.
Choro por minha perda. Choro por meu coração. Choro por
meu bebê.
Choro por meu amor por ele, que jamais deixará de existir.
Mesmo que ele não exista mais.
Os braços nunca vão embora. Os aromas se misturam de um
modo bagunçado e perfeito.
Minhas amigas. Minhas irmãs.
Elas estão aqui.

Uma colher de sopa está posicionada bem em frente ao meu


rosto.
Milene está sentada ao meu lado, segurando minha mão
esquerda, Rosa, ao meu lado direito, segura a outra mão. Yolanda
faz massagem no meu pé, Letícia está de pé, na beirada da cama,
com as mãos na cintura. É Diana quem segura, com o braço
esticado, a sopa em direção à minha boca.
– Gente, eu não estou com fome – falo.
– Penélope, pelo amor de Deus… – Yolanda bufa, e todas
começam a falar em conjunto.
Uma risada floresce dentro de mim.
Ao que parece, são mais de três horas da tarde. Eu dormi por
sei lá quantas horas e acordei só naquele momento.
Acho que nunca dormi tanto na minha vida.
Minhas amigas chegaram de manhã cedinho, mas não
quiseram me acordar. Arthur as recepcionou, contou o que houve, e
eles decidiram que eu precisava descansar mais um pouco.
Foi ele quem contou à Letícia.
A morena de olhos de chocolate permaneceu ao lado das
minhas amigas o tempo inteiro, até que finalmente entraram no
quarto.
Honestamente, estou grata por Arthur ter feito isso. Não sei
dizer o motivo, porém Letícia é especial. Soube disso no momento
em que falou comigo pela primeira vez.
É como se ela tivesse que fazer parte desse grupo, desde
sempre.
Não sei explicar.
Há algo que a ligue a todas nós.
Eu sinto isso no fundo do meu coração.
Então, eu me sinto melhor por tê-la aqui, conosco.
– Ela é sempre esse poço de teimosia? – a própria, pergunta.
– Infelizmente, sim. – Diana abaixa o braço, cansada de
mantê-lo no alto.
– Você não tem ideia – Milene murmura ao meu lado.
Solto uma respiração longa.
– Eu não estou a fim de comer…
– Não ligamos pra isso, Penny. Você precisa se alimentar –
Rosa diz ao meu lado, e eu a olho.
Olho para Milene, para cada uma delas.
Com exceção de Letícia, todas deixaram suas vidas e
viajaram até aqui por mim. Não sei se sinto meu coração se encher
de amor ou se as chamo de estúpidas.
– Milene, você não devia estar aqui. Estava na reta final do
seu curso – falo, lamentando que tenha o perdido.
Ela estala a língua e dispensa com o gesto da mão.
– Deu pra aprender bastante coisa.
– Mas…
– Não se preocupe, Penny. Você é mais importante. – Ela me
lança um sorriso discreto, entretanto, eu ainda me sinto com a
consciência pesada.
Viro meu rosto para Rosa.
– E você está aqui por quê? Não deveria deixar o bebê
sozinho.
– Eu estou aqui para tentar roubar os canapés da festa – a
morena ironiza. – Vim por você, loira. Esteban está com o pai dele,
e logo eu estarei de volta.
Negando com a cabeça, inconformada, olho para Diana.
– Nem me olhe assim. Eu tinha banco de horas no hospital e
pude sair sem problemas – ela fala, deixando o prato de sopa de
lado e cruzando os braços.
A síndrome de três metros de altura dando às caras.
Yolanda abre um sorrisão, quando foco nela.
– Meu chefe me ama. Ele nem questionou quando disse que
era uma situação de urgência. Os bichinhos podem esperar – se
refere à clínica veterinária em que trabalha.
Não digo que talvez os bichinhos não possam esperar,
preferindo aceitar que não tem mais volta.
– Não precisavam fazer isso, eu… – começo, mas Lety me
interrompe.
– O poço de teimosia de novo.
– Penny, para de dar uma de preocupada. Sabemos que
amou o fato de estarmos aqui – Rosa fala.
– Não há nenhum outro lugar para estarmos, irmã. – Diana
sorri para mim, segurando minha mão.
– Como está se sentindo? – Bebê me pergunta.
Inspiro e expiro profundamente, refletindo um pouco sobre
sua pergunta.
– Eu estou triste. Isso é inegável. Essa noite foi um tanto
quanto… intensa. Lembrar de tudo, nunca foi fácil, mas eu sempre
consegui conter as lembranças. Menos dessa vez. Dessa vez, elas
vieram com tudo.
– Faz um ano, certo? – Letícia indaga, sentando na beirada
da cama.
– Sim. Um ano hoje.
– Eu sinto muito, Penny. Sei como se sente, mas quando
aconteceu comigo, eu não estava sozinha. Meu marido me apoiou,
e ao que me parece, não foi o que aconteceu com você.
Seu olhar aflito me encara. Um pequeno sorriso surge no
canto da minha boca.
– Eu nunca estive sozinha, na verdade. – Olho para minhas
irmãs, que sorriem para mim. – Mas sim, não tive todo o apoio que
precisei.
– Por falar nisso, como tem sido a convivência com o
escroto? – Yolanda me pergunta, apertando meu pé com um pouco
mais de força que o necessário.
– Não o vimos no tempo em que estivemos aqui – Milene
conta.
– Graças a Deus… – Diana resmunga, fazendo todas
concordarem.
– Se estão falando de Marcos, posso dizer que estão
perdendo a cara horrível que ele está – Letícia chama a atenção de
todas. – Arthur arrebentou a cara dele, por tentar agarrar Penélope
à força.
– O quê? – as outras quatro dizem em uníssono.
Seus olhares caem sobre mim, um pouco irritados até. Me
apresso a explicar:
– Ele não tentou me agarrar à força. – Olho atravessado para
Letícia, que sorri de lado. – Ele queria me obrigar a conversar com
ele, mas Arthur surgiu e o impediu.
– Impediu com o punho, pelo jeito – Yolis afirma, com um
brilho satisfatório no olhar.
– Sim. Ele me puxou e me levou para dentro de um quarto,
dizendo que precisava que eu o ouvisse. Eu disse que não, mas ele
insistiu.
– E então, Arthur arrombou a porta numa voadora e quebrou
a cara dele no soco. – Letícia sorri como o próprio diabo, igual às
irmãs mexicanas.
– Eu queria ter visto isso – Rosa afirma, fazendo as outras
rirem.
– Ele não arrombou a porta…
– Eu sabia que ele era um idiota, mas não sabia que seria
burro – Diana fala, jogando os cachos por cima do ombro.
– Então, quer dizer que você e Arthur estão juntos – Milene
me sonda, fazendo meu coração saltar no peito.
– O quê? Não, não estamos juntos…
– Só estão transando… – Yolis pontua.
– Isso. Só isso.
– E o fato de ele ter mandado mensagem para todas nós, é
porque estão só transando, claro… – Diana limpa as unhas, fingindo
naturalidade.
– Ele o quê? – pergunto, endireitando a coluna.
– Já estávamos a caminho, mas foi ele quem providenciou
nossa entrada. Quem nos atualizou de tudo, quem ficou ao nosso
lado, até que pudéssemos entrar. Ele até nos arrumou almoço… –
Rosa conta.
– Foi ele quem me contou, dizendo que você precisaria de
todo o apoio do mundo… – Lety decide ajudar.
– Foi Arthur que manteve tudo no sigilo, para que ninguém
soubesse nada… – Milene comenta. – Mas vocês estão só
transando, é claro.
Eu fico tão chocada, que me faltam palavras por alguns
instantes.
Ele fez tudo isso, por mim?
Levo minha mão ao coração, sentindo-o se aquecer. Arthur
me irrita, me provoca, me tira de órbita, porém é o homem mais
atencioso que já conheci.
O que é algo muito bom e muito ruim, porque eu me sinto
cuidada por ele. Só que eu não deveria.
Deveria ser só um namoro falso.
Deveria ser só sexo.
Contudo, não é.
Está sendo muito real. Muito mais.
Está sendo tudo.
Deus, eu vou infartar! Não posso me apaixonar por ele. Não
posso.
– Ela vai surtar. – A voz de Letícia me traz de volta.
– Tá certo. Que tal não falarmos de Arthur por enquanto,
hein? – Diana fala por todas, que concordam com a cabeça,
entretanto consigo vê-las muito bem, tentando esconder os sorrisos.
Ardilosas, isso sim.
Quando meu pequeno pânico se esvai, olho para cada uma
sabendo que, não importa o que aconteça, eu nunca estarei
sozinha.
– Obrigada, meninas, por virem até aqui. Por me ampararem,
por ouvirem meu choro novamente. – Elas sorriem, dessa vez. – O
amor de vocês é o responsável por me manter respirando.
– Nós te amamos, Penny. Hoje e sempre – Diana fala por
todas.
E eu as amo. Muito.
– Agora, comer! – Milene determina.
E, dessa vez, não protesto.

Minhas amigas foram embora no final do dia. Depois que


conseguiram me alimentar – se não o fizesse, elas enfiariam a
comida goela abaixo –, permaneceram o resto do dia ao meu lado.
Apenas Milene já ficou para o casamento, se acomodando
em um dos quartos que os pais da noiva arrumaram para ela.
Não chorei mais.
Não precisei.
Elas me mantiveram sã. Me ouvindo, me fazendo rir, me
amparando e me amando.
Inclusive Letícia, que não deixou o quarto, até poucos
minutos atrás.
Resolvi tomar um banho quente de banheira, relaxar os
músculos tensos do meu corpo. Agora, termino de vestir meu outro
pijama, de passar os produtos na minha pele e de escovar os
dentes.
Saio do banheiro e sinto meu coração errar uma batida.
Primeiro, seu cheiro me alcança.
Loção pós-barba e sabonete.
E então, vejo-o olhando pela janela do quarto.
Ele se vira para mim.
Usando uma calça jeans azul escura, uma camiseta preta,
com os cabelos ondulados úmidos, e o olhar atento a cada
movimento que faço.
Arthur.
Meu Arthur.
Não o vi pelo resto do dia, e só agora percebo o quanto senti
sua falta, mesmo que faça apenas algumas horas.
Deus, como eu sou patética.
Começamos a caminhar um para o outro ao mesmo tempo,
até nos encontrarmos no meio do caminho.
Eu inspiro profundamente, ele também. Umedeço meus
lábios, ele também. Abro um pequeno sorriso, ele também. Levo
minhas mãos até sua cintura, ele também.
Fechamos os olhos.
Tocamos nossas testas.
Nos sentimos.
Seu corpo está quente, cheiroso. Dá a sensação de
aconchego, de casa, de refúgio.
E meu pobre coração, é atingido de novo.
– Como está se sentindo? – Sua voz rouca arrepia a minha
pele.
– Estou bem. Melhor – respondo num sussurro.
– Ótimo – sussurra de volta. – Isso é ótimo.
Abraço mais o seu corpo, repousando a cabeça no seu peito.
Ele inspira o cheiro do meu cabelo.
Eu ouço as batidas do seu coração.
É bom. Muito bom. Nada nunca foi tão bom.
Permanecemos em silêncio por um tempo. O som das
nossas respirações predominando a quietude do quarto.
O dia está acabando.
O fatídico dia, o pior dia de todos.
Lembro-me mais uma vez de tudo, só que dessa vez, sem as
estacas afundando no meu peito.
Dói. Sempre doerá.
Entretanto, os braços ao meu redor, milagrosamente
diminuem o impacto das lembranças.
Abro a boca, depois de sei lá quanto tempo.
– Eu não me despedi dele.
O corpo de Arthur enrijece, quase imperceptivelmente. Sua
mão grande inicia uma carícia lenta nas minhas costas.
– Por quê?
– Ele era muito pequeno. O tamanho da gestação não obriga
os médicos a emitirem atestado de óbito, e, consequentemente,
haver enterro. Só aconteceria se os pais quisessem.
Ele se cala, provavelmente refletindo sobre o que eu disse,
antes de questionar:
– E por que não escolheu?
– Marcos não quis. – Ele para de se mexer. – Disse que não
havia nada para ser enterrado. E que o melhor era seguirmos e
superarmos aquilo.
Arthur fica tão imóvel, que mal parece respirar. Quando
começo a me preocupar, ele toma uma inspiração longa, me
aliviando na hora.
– Apenas me responda mais isso. Você gostaria de ter se
despedido?
– Sim – respondo de prontidão.
Com toda a certeza que habita o meu coração, sim.
Não há outra resposta para isso. Eu gostaria muito que
tivesse havido uma despedida.
E isso é mais um de meus maiores arrependimentos.
Não dizemos mais nada por mais alguns minutos, até que
Arthur se afasta, segura meu queixo com a mão e me faz olhá-lo.
– Vista-se. Vamos a um lugar.
Vejo Penélope vestir uma calça jeans clara, uma blusinha
com mangas compridas, mas que deixa os ombros de fora. Também
pedi para calçar um tênis, pois no lugar onde iremos, poderá fazer
um pouco de frio.
Sem questionar mais nada, ela simplesmente foi se trocar.
Confiando verdadeiramente em mim.
O que isso causa no meu coração, é inexplicável. Não sei o
que fiz para merecer essa confiança. Honestamente, eu sou um
homem normal.
Não sou extraordinário, como ela.
Refleti muito sobre tudo o que aconteceu hoje. Depois de
providenciar a entrada da trupe e do meu melhor amigo, que as
trouxe, tive tempo para pensar nos meus próximos passos.
Sou um homem organizado.
Alcancei o patamar em que estou hoje, traçando objetivos e
maneiras para alcançá-los.
No entanto, não consegui chegar a nada muito concreto.
Foi então que conversei com a melhor pessoa para isso.
Benjamin.
Eu conheço a história da Diana meio por cima, porém o
suficiente para saber que a pequena é traumatizada, por conta de
problemas na infância.
Não é a mesma coisa, mesmo assim, perguntei para ele
como agir e lidar com situações complicadas, como a que eu passei
ontem à noite.
E ele simplesmente disse:
– Apenas esteja lá para ela quando acontecer, Arth. Esteja
pronto para segurá-la, quando ela estiver prestes a cair.
– Eu só não sei o que dizer, Benji.
– Não há o que dizer. Não diga nada, faça!
– E o que eu devo fazer?
Ele colocou a mão em meu ombro e me olhou nos olhos.
– O que estiver ao seu alcance.
Na hora, eu não entendi exatamente o que ele quis dizer e
achei que não fez muita diferença.
Contudo, agora eu entendo.
E sei exatamente o que fazer.
Poucos minutos depois, saímos de lá. Era onze horas da
noite, e a casa estava com uma movimentação intensa.
Com o casamento daqui a dois dias, todos os preparativos já
começaram a ser feitos, principalmente porque vai acontecer nos
jardins.
Penny apenas passou para ver como a irmã estava, se
estava bem acomodada – protetora como sempre –, e logo
partimos.
Estou levando minha loira até um dos lugares mais lindos que
já vi na vida. É só mais um dos lugares que descobri em uma das
escapadas à noite, ainda criança, e que acredito que será perfeito
para a ocasião.
Fazemos o caminho em um dos nossos silêncios
confortáveis, com nossas mãos unidas em cima da minha perna, e
com Penélope olhando as árvores passarem pela janela.
Ao chegar no final da trilha que possibilita a passagem de
veículos, estaciono e desligo o carro.
Penny olha de um lado para o outro, estranhando tudo, até
que seus olhos encontram os meus.
– É assim que você vai me matar? – Dou risada, aliviado por
estar melhor do que imaginei que estaria.
– Não. Não seria algo inteligente a se fazer. – Lanço um
sorriso sacana. – Muita gente te viu saindo comigo.
Ela ri.
Não é sua melhor risada, mas ainda é uma.
– Então, por que estamos aqui?
Fixo meu olhar no seu, sabendo que posso ter ultrapassado
algum limite, mas simplesmente, tinha que tentar.
Tomo um fôlego, preparado para qualquer reação que venha
dela.
– Você queria uma despedida, eu pensei que pudesse te dar
uma.
Seus olhos ficam momentaneamente chocados, para logo se
transformarem em emocionados. Sua mão vai até o coração, como
se quisesse controlar o que sente.
– Arthur…
– Eu sei que não tenho o direito de fazer esse tipo de coisa. É
a sua história, é a sua perda. Mas pensei que talvez você quisesse
fazer isso – acrescento, quando ela permanece em silêncio. – Se
isso for invasão de privacidade, eu te peço desculpas. Podemos
voltar pra mansão agora e…
– Eu quero – me interrompe, com os olhos lacrimejantes. –
Eu quero isso.
Um peso desmedido sai dos meus ombros, tamanho o alívio.
Pego sua mão delicada, trago até meus lábios e deposito um beijo
em cada um de seus dedos.
– Então vamos lá, linda. Precisamos andar um pouquinho até
chegar no lugar.
Ela concorda com a cabeça, e saímos do carro.
A noite está quente, sem nenhuma nuvem e qualquer sinal de
chuva.
Como se a mãe natureza quisesse nos proporcionar o melhor
de tudo, deixou o final do dia e a noite, com o céu limpo.
Caminhamos entre o matagal em uma trilha íngreme por
alguns minutos, até que finalmente chegamos.
Viro meu rosto para trás, vendo Penélope me olhar com
expectativa e digo, antes de ultrapassar o próximo arbusto.
– Eu não posso te dar um velório ou uma lápide. – Respiro
fundo e coloco a mão no arbusto. – Mas eu posso dar para você, as
estrelas, minha deusa.
Afasto as folhas para o lado e abro o caminho para ela.

Vejo um mar de estrelas.


Brilhante, cheio e lindo.
Nunca vi um céu tão estrelado como esse e estou
completamente sem palavras.
Eu nem percebi que o caminho que fizemos até aqui era uma
subida, pois eu noto só agora, que estamos no topo duma colina.
Arthur segura minha mão e me ajuda a subir uma pequena
elevação, até que saímos da área de vegetação para a ponta do
morro.
O vento balança meus cabelos soltos de um lado para o
outro, trazendo um ar mais fresco aqui em cima. Andamos até a
beirada, onde lá embaixo é uma total escuridão, e podemos ver
apenas a copa das árvores mais altas.
E adiante, uma imensidão em tons escuros de azul.
O céu com a lua nova, é completamente dominado pelas
estrelas. Elas cintilam no alto, trazendo a sensação de estarmos
próximos a elas.
Quase as tocando.
Nunca vi nada parecido. É de tirar o fôlego.
Sinto a presença de Arthur um pouco atrás de mim.
Ele me trouxe aqui, ele fez isso. Para eu me despedir.
Para dizer o adeus que nunca pôde ser dito.
Levo alguns segundos para tomar coragem. Foram exatos
doze meses pensando nisso, querendo isso, sonhando com isso e
sabendo que não aconteceria.
Fecho os olhos por uns instantes e clareio minhas ideias.
– Era uma menina. – Viro-me e olho para Arthur. – Pelo
menos, eu sentia que era.
Ele sorri de leve e assente.
– Qual era o nome dela?
Dessa vez, eu sorrio. Sempre sorrio quando penso no nome
dela.
– Angel. Ela era a minha Angel.
– É um nome lindo.
– É sim.
Arthur vem para o meu lado, segura a minha mão e beija
meus dedos novamente. Um gesto terno e que aquece meu
coração.
– Por que não se despede da Angel? – Ele olha para as
estrelas e depois para mim. – Ela vai te ouvir.
Sinto meu coração dar um salto no peito.
– Você acha? – sussurro.
– Eu tenho certeza. – Arthur deixa um beijo na minha testa e
me solta. – Vou estar logo ali.
Ele se afasta alguns passos, mas permanece perto.
Volto para o mar de estrelas espalhadas, respirando fundo e
sentindo a brisa tocar minha pele.
Está certo. É agora.
Com o coração retumbante, digo as palavras que guardei por
tanto tempo:
– Oi, filha. Como você está? Eu espero que esteja bem, que
esteja feliz. – Sinto as primeiras lágrimas caírem. – Eu gostaria de
começar dizendo que eu te amo. Te amei desde o primeiro teste de
gravidez que fiz. Te amei no primeiro ultrassom. Te amei quando
você foi embora e te amo até hoje.
“Nossa, como eu te amo. Eu penso em você todos os dias da
minha vida. Penso em como você seria hoje em dia, qual seria a cor
dos seus olhos. Se você herdaria a risada da sua avó ou o sorriso
do seu avô. Penso em como seria sentir seu cheirinho, qual seria o
som do seu choro. Também penso em suas primeiras palavras, nos
seus primeiros passos, na primeira vez que daria risada e em como
ficaria dormindo. Imagino quem seria sua tia preferida, tendo um
palpite muito forte de que seria Yolanda, por ela ser a mais legal. Eu
imagino as risadas que daria com a Rosa, os livros que leria com
Milene, os abraços que ganharia de Diana, e os mimos que teria de
mamacita e dona Marta.
Penso em como seria o seu primeiro dia de aula, a sua
primeira paixão, a sua primeira decepção amorosa e a primeira vez
que me desobedeceria. Penso em como seríamos unidas, como
conversaríamos sobre tudo e como você enjoaria da minha
companhia. Penso em qual faculdade escolheria, que profissão
seguiria e que talentos teria.
Eu penso em tudo, desde que soube que você existia, mas
eu só não pensei, em como seria te perder.”
Um soluço sai da minha garganta, me obrigando a me curvar.
Está doendo.
Muito. Exatamente como achei que seria.
Mãos quentes seguram meus ombros. Me amparando.
Eu me apoio nelas para prosseguir.
– Eu não estava pronta para te perder tão cedo. Eu tinha
esperanças de que conseguisse te manter dentro de mim, até
quando fosse necessário. Mas eu não consegui. Eu não consegui e
eu sinto muito, meu amor.
Abraço minha barriga, que foi sua casa por um tempo.
– Eu sinto muito que tenha acontecido assim. Ah, como eu
sinto. Por muito tempo, eu não soube como sobreviver a isso, como
viver sem você, como seguir sem o amor da minha vida ao meu
lado. Mas eu sobrevivi, e é isso o que eu preciso dizer a você.
“Sua mãe está bem. Mesmo que a dor que sinto ao lembrar
de você, ainda seja esmagadora. Mesmo que minha vida tenha
mudado completamente depois que você se foi. Mesmo que uma
parte de mim tenha se perdido naquele hospital, eu estou bem. Vou
ficar bem. Tenho uma família que me ama, um trabalho que adoro e
sou apaixonada pela vida. Mesmo que você não tenha a conhecido,
saiba que ela é maravilhosa. E que eu teria feito de tudo para que a
sua fosse também.”
Respiro fundo e concluo.
– Obrigada por ter existido, mesmo que por um período tão
curto. Obrigada por me mostrar esse amor que sempre carregarei
comigo. Obrigada por ter me feito mãe. Eu sempre serei sua mãe,
meu anjo. E você sempre será minha filha. Eu te amo, Angel. Nos
veremos algum dia.
E então eu caio.
No entanto, não atinjo o chão.
Ele me segura. Arthur me segura firme, enquanto eu me
debulho em lágrimas.
Há uma tristeza em meu coração. Um buraco, que nunca vai
ser coberto. Porém, também sinto alívio.
Por dizer adeus. Por deixá-la ir.
Eu finalmente a deixei ir.
Meu bebê se foi.
Sem vacilar nem um único segundo, Arthur permanece desse
jeito. Me segurando com firmeza, ao mesmo tempo que acaricia
meus cabelos.
Um tempo se passa, as lágrimas secam, e sobram apenas
nós dois.
Nós dois e as estrelas.
Por fim, me sentindo mais estabilizada, levanto os olhos, para
encontrar os de Arthur focados em mim.
Seus cílios estão molhados, indicando que também chorou.
Sua sensibilidade me comove.
Ele usa uma das mãos para secar os vestígios das lágrimas
em meu rosto, mantendo a outra mão firme em minha cintura.
– Quando eu deixei o hospital, eu já senti que as coisas
estavam diferentes – começo, com ele atento, como sempre. –
Marcos queria muito ser pai. Era um dos sonhos dele. A gravidez
nos fez adiar o casamento, mas ele não se importava. Ele estava
muito feliz. – Respiro fundo, apoiando as mãos em seu peito. –
Quando Angel se foi, ele nunca mais me olhou do mesmo jeito. Ele
nunca disse, mas me culpava pelo que tinha acontecido. Pelo que
eu tinha tirado dele.
– Não foi culpa sua, Penélope. Você não tinha controle sobre
isso.
Eu balanço a cabeça, concordando, sabendo que no fundo é
verdade.
– Eu sei. Agora eu sei disso. Mas não foi assim na época. Eu
me sentia culpada, sentia que tinha algo de errado comigo e não
conseguia mais transar com ele. – Solto uma risada incrédula. – Faz
mais de um ano que transei com Marcos. Desde quando aconteceu.
Ele me traiu, cerca de seis meses depois.
Arthur fecha os olhos e pressiona o maxilar, porém não diz
nada. Se controla.
– Eu sabia que isso estava acabando com ele. Eu não estava
distante apenas sexualmente, emocionalmente também. Só que eu
não conseguia, não com ele… Não com o homem que disse que eu
não poderia me despedir da minha filha.
Naquela época, o meu relacionamento já estava condenado.
Não havia mais volta, não quando ele tirou isso de mim.
– Ele não teve sensibilidade alguma, Penélope. Você tinha
perdido um filho, porra. Não se trata essa situação dessa forma.
– Pois é. E aconteceu a traição, e eu nunca mais falei com
ele.
– Nunca? – Suas sobrancelhas se erguem, surpreso.
Nego com a cabeça.
– A primeira vez foi naquele dia no bar, em que nós os vimos.
Eu saí do meu apartamento e nunca mais voltei lá. Minhas irmãs
ficaram responsáveis por pegar minhas coisas. Eu cancelei com os
fornecedores que já tínhamos pagado para o casamento. Eu mesma
paguei as multas. E encerrei tudo. Não queria mais nada que o
envolvesse.
Arthur desvia o olhar por um instante, parecendo se lembrar
de algo.
– Ele apareceu bêbado em nosso quarto de madrugada.
Fico completamente surpresa.
– O Marcos?
– Sim. Abraçado a uma garrafa de Vodka, caiu bem na minha
frente quando eu abri a porta e disse que precisava falar com você.
– Meu Deus, e o que você fez?
– Praticamente o carreguei de lá e o deixei num sofá na sala
de estar ali do terceiro andar. – Ele nega com a cabeça. – Ele
provavelmente dormiu assim que atravessei a porta.
– Jesus. Você colocou Marcos para dormir… – Dou risada,
quando ele faz uma careta.
– Não é uma lembrança que gostaria de trazer à tona
novamente, obrigado.
Sorrio, imaginando um homem desse tamanho, arrastando
meu ex bêbado.
E essa é só mais uma das coisas incríveis que Arthur faz.
Ele poderia ter deixado o homem jogado em qualquer lugar
ou tê-lo expulsado a pontapés ou qualquer coisa do tipo.
Contudo, ele escolheu ser gentil.
Arthur Rabello é um bilionário, herdeiro, bonito e inteligente.
E, ainda assim, o homem mais gentil que existe.
Perco-me por alguns segundos em seu olhar. As ondas dos
cabelos castanhos balançando com o vento, seu toque em meu
rosto é quente e delicado. E as batidas do seu coração, que sinto
por debaixo das minhas mãos, são fortes.
Ele é forte.
E hoje, depois de me dar o maior presente que eu poderia
desejar, sei que tomou o meu coração para si.
Estou apaixonada pelo meu namorado de mentira.
Simples assim.
Um calafrio se alastra por minha coluna, me fazendo
estremecer.
Estou apaixonada.
Deus, eu estou apaixonada pra caramba.
– O que foi? – pergunta, provavelmente vendo alguma coisa
em mim.
– Nada, eu… – Pigarreio. – Obrigada por isso, Arthur. Por me
dar esse momento tão especial – digo, mesmo que esteja surtando
por dentro.
Um sorriso discreto surge em sua boca linda.
– Não foi nada. Fiz isso por você.
– Eu sei, mas isso… Isso foi tudo – sussurro, olhando para a
sua boca, morrendo de vontade de beijá-la.
– Você merece tudo, Penélope. Merece ter o mundo aos seus
pés. – Seu olhar também cai em minha boca.
– Eu não quero o mundo aos meus pés… – Sopro o ar,
aproximando mais nossos rostos.
– Você me tem, loirinha. Me tem completamente aos seus
pés. – Ele também se aproxima, até que nossos lábios estejam a
milímetros um do outro.
– Eu ainda te odeio.
– E você ainda mente muito mal.
E com isso, nos beijamos. Nossos lábios se conectam
perfeitamente. Inspirando o cheiro da sua pele, sentindo seu corpo
se encaixar no meu e nossas línguas se entrelaçarem, eu o beijo
com tudo o que tenho.
Arthur pode não saber, porém cravou seu nome em meu
coração para sempre.
E, sob as estrelas de uma noite de despedidas, eu tenho a
certeza de que nada, nunca mais será o mesmo.
A sexta-feira foi dedicada inteiramente à Penélope.
Focamos em deixá-la o mais tranquila possível, aproveitando
a presença da irmã aqui.
As duas passaram um tempo juntas e fizeram uma chamada
de vídeo com a mãe, que estava sentindo dor e quase fez com que
ambas voltassem para Campinas.
Foi então que entrei em contato com Janaína e pedi para
providenciar uma cuidadora para ela, pelo menos até o fim de
semana terminar, e voltarmos para casa.
Dona Marta repudiou a ideia, mas as irmãs conseguem ser
mais teimosas que ela e a convenceram, dizendo que seria apenas
uma companhia.
Penny preferiu passar boa parte do dia nos jardins, com
Milene, eu, Alfred, Letícia e meus sobrinhos como companhia. Rian
e Victória, mesmo sem saberem, colaboraram para que a loira se
sentisse melhor.
Eu via o sorriso em seu rosto.
É impressionante como, mesmo não tendo mais sua filha em
sua vida, Penélope é uma pessoa que adora crianças. Que as
encanta, e fica claro o quanto gosta delas.
Ela poderia repudiá-las. Até mesmo, evitá-las a todo custo.
No entanto, meu furacão age exatamente ao contrário disso,
fazendo com que me apaixone ainda mais por ela.
Sim, eu estou apaixonado.
Tudo o que aconteceu no dia anterior, tudo o que eu senti, e
a minha necessidade de fazer Penélope ficar bem, me mostraram
que a loira domou o meu coração.
Eu só não vou, de jeito nenhum, dizer isso a ela.
Pelo menos, não agora.
Não é o momento, e meu medo de que ela se distancie, é
muito maior do que minha vontade de me declarar.
Portanto, permaneci apenas cuidando de suas necessidades,
ouvindo-a atentamente e dormindo com ela em meus braços a noite
toda.
Sábado chegou, e hoje é o dia do casamento.
Penny acordou cedo e foi se juntar às madrinhas para o dia
das noivas. Passaram o dia inteiro juntas, fazendo massagens,
tratamento de pele e sei lá mais o que as noivas prepararam para
elas.
Fiquei com minha família, até a hora de me arrumar e esperar
por minha companhia.
Estou do lado de fora da casa, já vestindo um terno azul
marinho, com gravata cor de rosa claro, colete e sapatos sociais
pretos. Foi Penélope que escolheu minha gravata, no dia em que eu
disse que veria a roupa para o casamento. Disse que combinaria
com o tom da cor do seu vestido.
Solto uma risada e olho para as pessoas começando a se
encaminhar para o lugar onde vai ocorrer a cerimônia
A mulher pensa em tudo.
Meu pai surge, descendo as escadas da frente da casa com
meus sobrinhos, e minha mãe de mãos dadas com eles. Sorrio ao
ver meus pestinhas vestidos para fazerem suas entradas.
Ela de daminha, e ele de pajem.
– Eles não estão encantadores? – minha mãe solta, olhando
para eles com afeto.
– Estão. Nem parecem que são dois pestinhas – digo,
fazendo Rian soltar uma risada gostosa.
– Você amou meu vestido, tio? É de pincesa. – Vic dá uma
voltinha, fazendo o vestido rodar.
– Mas você é uma princesa – eu digo, e ela solta uma
risadinha fofa.
– Vamos, temos que nos preparar para a entrada. – Minha
mãe os leva em direção ao local.
Meu pai ameaça dar um passo à frente, e eu o chamo. Ele
me olha e por um instante, fico aflito.
Começo a mexer na gravata nervosamente, e o velho me
olha com a sobrancelha arqueada.
– O que quer conversar, filho? – pergunta, já entendendo
tudo.
Eu pensei muito sobre isso. Sobre esse território
desconhecido que venho explorando nos últimos tempos. Nunca
tinha vivenciado nada do que aconteceu.
Foram dias intensos.
Mesmo antes de saber sobre a perda de Penélope, os
sentimentos novos que ela estava me causando, me fizeram pensar
a respeito disso.
A respeito dela.
E ninguém melhor do que o homem mais inteligente que
conheço, para me ajudar com isso.
– Pai, como descobriu que o que sentia pela mamãe era
amor? – solto, antes que perca a coragem.
Minhas mãos suam, e eu começo a alternar o peso de um pé
para o outro.
Meu pai ergue as sobrancelhas por um momento,
demonstrando surpresa e depois me lança um sorriso.
– Quando coisas simples se tornaram magníficas – responde
simplesmente.
Permaneço alguns segundos em silêncio, absorvendo suas
palavras.
Quando coisas simples se tornaram magníficas.
Ok, mas…
– O que, por exemplo?
Ele solta uma risada baixa, se coloca ao meu lado e olha na
direção da sua esposa. Minha mãe agacha para arrumar a gravata
do meu sobrinho e sorri quando ele resmunga.
– Se tornou magnífico o modo como ela morde a caneta
quando está pensando em algo. O jeito acolhedor que tem com todo
mundo. A risada anasalada que ela tanto detesta. A personalidade
amigável e calorosa. A forma como olha admirada para o sol se
pondo. Mas, principalmente – me olha e sorri com carinho –, como
fica linda quando está brava comigo.
Sinto meu estômago gelar.
Tento não pensar em todas as coisas bobas que eu acho
encantadoras em Penélope, só que elas vêm como uma enxurrada,
em meus pensamentos.
Sua risada estranha. Sua forma de cuidar de todo mundo.
Suas unhas sempre bem feitas. A forma competitiva, e como ama
um desafio. A cor dos seus olhos refletida pela água. Seu cabelo.
Sua boca. Seu corpo. Seu cheiro de mar.
E como amo que brigue comigo.
Caralho, caralho, caralho!
Será?
Meu pai começa a rir, e acho que estou hiperventilando.
– Calma, filho. Me diga, do que você tem medo?
– Eu… Eu não estou com medo.
– Então por que sempre fugiu disso? – o velho é certeiro.
Olho para a aliança grande no dedo anelar do meu pai. Ele é,
sem dúvidas, o melhor pai do mundo.
Mesmo que tenha errado muitas vezes durante a sua vida,
sei que errou tentando acertar.
Ele geriu um dos maiores jornais do Brasil, entretanto nunca
deixou de estar presente com sua família em casa. Sempre amou os
seus filhos, sua esposa e nos ensinou tudo o que sabemos.
E é esse amor, que me assusta.
O absoluto.
O incondicional.
Ele é poderoso. Pode dar tudo a você e ao mesmo tempo,
tirar.
Veja Penélope, ao perder a filha que nunca conheceu.
Como eu conseguiria amar alguém dessa forma? Como
carregar dentro do peito o maior sentimento de todos?
– É um sentimento potente demais, o amor – tento ser o mais
sincero possível. – E se eu não for capaz de sustentá-lo? E se não
for o suficiente para ela?
Ao contrário do que pensei que aconteceria, meu pai sorri.
Abertamente. Segura em meus dois ombros e aproxima o rosto
bonito do meu, me fazendo reparar nas pequenas rugas ao lado de
seus olhos.
– Está enganado se pensa que já não o faz, Arthur. Você
ama. Imensamente. Sua família, seus amigos, sua empresa e a si
mesmo. – Suas mãos seguram meu rosto. – Amar aquela mulher,
não fará com que se perca, fará com que se encontre. Nela. E ela,
em você.
Meu pai deixa um beijo na minha bochecha e caminha a
passos largos até minha mãe.
Respiro fundo várias vezes, com o intuito de me acalmar.
Decidindo que é informação demais para mim, guardo suas
palavras e resolvo pensar nisso uma outra hora.
Sinto uma presença atrás de mim e quando me viro, meu
coração para de bater por um segundo.
– Minha nossa… – Levo a mão até o peito, só para ter
certeza de que não estou morrendo.
Penélope está parada na minha frente, e eu não consigo
raciocinar direito.
Está absolutamente deslumbrante.
O vestido rosa com detalhes brilhantes é perfeito, deixando
seu corpo ainda mais bonito. O seu cabelo está lotado de ondas nas
pontas, dividido ao meio em um penteado elegante. Seu rosto
esplêndido está com uma maquiagem marcante, que apenas a
deixa mais linda do que já é.
Há um sorriso radiante preso em seus lábios, e ela também
me olha de corpo inteiro.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, tentando colocar
os pensamentos em ordem.
– Isso vai acontecer sempre?
– O quê? – pergunta, e eu me aproximo devagar.
– Toda vez que eu coloco meus olhos em você, meu coração
parece que vai rasgar no peito, Penélope. É como se ele se
tornasse maior, como se não coubesse dentro de mim.
– E isso é bom ou ruim? – Seus olhos cintilam para mim.
– É fantástico. – Abro um sorriso enorme, abraçando sua
cintura. – Não faz sentido, mas é a melhor sensação que já tive na
vida. Eu sinto um desejo esmagador de lhe entregar…
– Entregar o quê?
– Meu coração. Para fazer o que quiser.
O sorriso em seu rosto faz as batidas do meu coração
acelerarem mais ainda.
Deixo um roçar de lábios nos seus, apenas para que não
estrague a maquiagem feita com tanto cuidado.
– Você está linda, Penny. É a mulher mais linda que meus
olhos já viram.
Não sei como, porém seu sorriso fica ainda mais lindo.
– Obrigada. Você também está maravilhoso nesse terno
elegante. – Ela leva as mãos até minha gravata e a arruma. – Você
já quer tirar a gravata, né?
– Eu, com certeza já quero tirar a gravata.
Damos risada, e eu seguro sua mão, a levando para o local
indicado.
O sol já está se pondo, quando nos posicionamos na fileira
de padrinhos. Nós dois somos os quintos, de oito casais.
O lado do jardim escolhido, fica de frente para o lago aos
fundos da mansão. Ao ar livre, o local está repleto de flores brancas
e rosas.
Na entrada do caminho até o altar, há um arco lotado de
flores. No chão até o pergolado, há velas tremeluzentes,
posicionadas ao lado das cadeiras dos convidados.
O local está lotado. Não apenas por duas famílias imensas,
mas por diversas outras pessoas. Mais ainda do que as que
estavam hospedadas e passaram os dias aqui.
O pergolado tem mais flores ainda, luzes e uma pequena
mesa, onde a celebrante nos aguarda.
O clima está perfeito, mal parecendo que choveu pra
caramba há apenas dois dias.
– Tivemos sorte – sussurro para Penny. – Não há uma única
nuvem no céu.
– Graças a Deus, porque até a festa é ao ar livre.
– Larissa é maluca – falo, sabendo que foi ideia da loira.
Penélope ri, concordando.
– E Thays é mais maluca ainda, por entrar na onda dela.
Rimos, mas logo nos seguramos, pois a cerimonialista se
aproxima e nos avisa que já vai começar.
Depois dos pais de Larissa entrarem e os primeiros
padrinhos, é a vez de mim e da minha loira.
Coloco um sorriso no rosto e ando de braços dados com ela
até o altar. Vejo rostos conhecidos e desconhecidos nos admirando
e sorrindo, até que vejo um nada agradável.
Marcos ainda tem o rosto com alguns roxos e olha para
Penny com certa tristeza.
Estufo o peito mais do que o necessário, e quando finalmente
me olha, arregala os olhos levemente.
É isso aí. Perdeu, cuzão.
Concluímos o caminho de tapete branco, tomando o lado
direito, conforme nos foi orientado.
Penny se senta em uma cadeira na minha frente, enquanto
permaneço de pé, atrás dela.
Depois dos padrinhos, é a vez dos meus sobrinhos fazerem a
entrada, arrancando suspiros e sorrisos de todos. Eles ficam
sentadinhos nas primeiras cadeiras, logo à frente de seus pais e
Milene. Rian bate uma palma na mão de Alfred, e Vic na mão de
Lety.
Sorrio com a cena.
Alguns minutos depois, e finalmente as noivas entram.
A primeira é Thays. De braços dados com o irmão, a mulher
usa um coque cheio de tranças no alto da cabeça, e seu vestido é
diferente.
Como uma espécie de macacão largo, a roupa branca a
deixa em um tom despojado, e a elegância fica toda na saia, com
uma cauda grande presa em sua cintura.
Minha amiga está linda.
Ao chegar no altar, deixa o buquê de flores com Penélope e
aguarda sua noiva.
Larissa aparece logo em seguida.
Está linda também.
Como uma verdadeira princesa, seu vestido rodado é
totalmente liso e sem rendas. Ela entra abraçada ao pai, que não
esconde a emoção.
Todos sorrimos, cientes de que essa união poderia ser muito
odiada por pessoas de mente pequena e coração duro.
A cerimônia começa, e todos ficam em silêncio.
Nunca fui de me emocionar em casamentos, mas esse em
especial, está me fazendo respirar profundamente, incontáveis
vezes.
Seja pela história de ambas as noivas. Uma que conheço a
vida toda, e a outra que sofreu muito para estar aqui.
Ou seja pela mulher que hoje me acompanha.
Olho para baixo, para a Penélope, que segura as flores
firmemente em uma mão e usa um lencinho cuidadosamente, para
secar as lágrimas com a outra.
Apoio as mãos em seus ombros, e seus olhos encontram os
meus.
Eu ainda não sei se é amor, só que de uma coisa eu tenho
certeza: não posso mais viver sem meu furacão.

Tudo está tão lindo, que não consigo tirar o sorriso do rosto.
Eu casei minhas amigas!
A cerimônia foi perfeita, foi tudo muito lindo, e a festa não fica
atrás. No jardim principal, um varal de luzes flutuantes foi posto
sobre nossas cabeças. Mesas espalhadas, com arranjos de flores e
velas compõem quase todo o jardim. Um grupo instrumental, que
toca música clássica, está em um dos cantos, mantendo o clima
ameno, porém há uma pista paris enorme em frente à mesa do DJ.
As pessoas riem e se divertem, mesmo que esteja lotado de
gente que nem conheço.
Já comi mais do que poderia, bebi, ri e me diverti com meus
amigos.
Achei que estaria melancólica, que não conseguiria disfarçar
a tristeza, mas surpreendentemente, eu não estou triste.
E isso é mérito totalmente do homem ao meu lado.
Cutucando minhas unhas como sempre.
Arthur está conversando com Milene alguma coisa sobre
fotografia. Alfred e Letícia conversam com Rebeca e Antony,
enquanto as crianças correm para lá e para cá.
O jornalista já está sem gravata. Na verdade, ele a arrancou
assim que terminamos de jogar arroz na cabeça das noivas. É claro
que eu o fiz colocar de volta, porque ainda teríamos centenas de
fotos para tirar.
Ele não gostou nada disso.
Dou risada sozinha e acabo chamando a sua atenção.
Seu olhar encontra o meu, e ele sorri de lado.
– Do que está rindo? – questiona, virando-se para mim.
– De você e de sua aversão a gravatas.
Ele ri, tomando um gole de champanhe.
– Gravatas são superestimadas – afirma, me fazendo rir.
– Eu acho que você fica muito bem com elas.
O olhar sedutor que me lança, causa um espasmo entre
minhas pernas.
– Consigo pensar em coisas muito mais interessantes que
poderia fazer com uma gravata. – Umedece os lábios e se aproxima
para sussurrar. – Todas elas, envolvem você nua.
Sinto minha calcinha molhar e cruzo as pernas na cadeira.
Arthur desce os olhos até minhas pernas, que ficaram de fora,
devido à fenda do vestido.
– É muito estranho eu já estar com saudade de foder sua
boceta? – diz no meu ouvido, antes de morder meu lóbulo.
– Não… Não é – sussurro e sinto seu sorriso contra minha
pele.
– Vocês dois, há vários quartos disponíveis nesta casa –
Alfred fala, fazendo-se ser ouvido por todos.
Sinto meu rosto queimar, e Arthur lança um olhar astuto para
o irmão.
– Por que, Alfredo? Está precisando de um?
– Não preciso de um quarto, moleque. – Ele segura a taça de
champanhe próxima à boca. – Cuidei da minha esposa no banheiro
mesmo.
Antony engasga com a bebida, Rebeca escancara a boca,
Letícia solta uma gargalhada alta, e Milene tenta disfarçar o riso,
enquanto bebe uma taça de vinho.
Arthur fica tão chocado quanto eu, que leva bons segundos
para dizer alguma coisa.
– Qual é o lance de vocês com lugares públicos?
Alfred dá de ombros.
– Proibido é sempre mais gostoso.
– Cristo Amado. – Antony passa a mão pela testa.
Dessa vez eu rio, fazendo uma nota mental para um dia
perguntar à Letícia que papo é esse.
Conversamos por mais um tempo, assistimos às noivas
fazerem a primeira dança, até que o DJ começa a tocar a música “At
Last”, da Etta James. Vários casais, incluindo as noivas recém
casadas, se preparam para dançar.
Arthur segura a minha mão, me fazendo olhá-lo.
– Dança comigo, formiguinha?
Sorrio.
– Danço.
Nos levantamos, e as primeiras estrofes da bela música,
iniciam quando entramos na pista de dança.
Arthur segura a minha cintura com uma mão, e minha mão
direita com a outra. Sem qualquer hesitação, nossos corpos
começam a dançar em uma sincronia perfeita.
Prendemos o olhar um no outro. Seus olhos castanhos tão
alegres, me fazem desejar me perder neles.
Me perder em Arthur.
À medida que dançamos, rodamos e balançamos conforme a
música, tenho aquela sensação de pertencimento.
De estar onde deveria estar.
Mesmo que tudo tenha começado com uma mentira, com um
acordo entre duas pessoas que não se gostavam, eu nunca quis
tanto, que algo fosse verdade.
Que o falso se tornasse real.
Porque, para mim, é mais que real.
É como uma tatuagem. É permanente.
Arthur se curva, descendo o rosto até o meu ouvido, e eu
levo alguns segundos para perceber que está cantando e traduzindo
a música.
– Eu encontrei um sonho, que eu posso falar. Um sonho que
posso chamar de meu. Eu senti uma emoção apertar minha
bochecha. Uma emoção que eu nunca havia conhecido. – Fecho os
olhos, ouvindo sua linda voz rouca. – Ohh, sim, sim. Você sorriu,
você sorriu. Oh, e assim o encanto foi lançado. E aqui estamos nós,
no paraíso. Pois você é meu enfim.
Arthur ergue delicadamente meu rosto com os dedos e beija
a minha boca. Seus lábios me beijam com tanto carinho, que sinto
algo apertar meu peito.
É bom e ruim. E me causa medo.
Medo de não ter mais disso.
Nossas bocas se separam, e nossas testas se tocam.
Inspiro seu cheiro bom, tocando seu rosto com a barba bem
feita.
– O que estamos fazendo, Arthur? – sussurro.
– Estamos dançando conforme a melodia – responde no
mesmo tom.
– Eu não sou uma boa dançarina.
– Nem eu sou. – Nos olhamos. – Mas eu não preciso ser um
bom dançarino. Preciso apenas dançar conforme o seu ritmo.
– E se eu pisar no seu pé? E se doer?
– Eu aguento. Tudo o que você me der, eu aguento,
Penélope.
Uma emoção vagueia por mim, por saber que não estamos
falando da nossa dança.
Estamos falando de nós. Disso.
Respiro profundamente, quando meus pensamentos
começam a ficar confusos. Escolho contar a ele como me sinto.
Pelo menos, uma parte.
– Eu… Eu acho que não te odeio.
Ele me lança aquele sorriso. O sorriso que me fez me
apaixonar por Arthur.
– Eu sei. Eu sempre soube.
Eu não me lembro da última vez que tive ressaca.
Provavelmente foi na faculdade, depois da formatura.
Naquela vez, minhas amigas e eu fizemos a loucura de inventar a
noite da Tequila e, bom… Nunca mais fizemos aquilo.
Hoje, eu acordei com uma ressaca horrível. Tudo por conta
da festa de ontem. Mais especificamente, quando o DJ começou a
tocar as músicas agitadas e clássicas, que todo mundo ama.
Foi ali que tudo desandou.
Eu, Arthur, Alfred, Letícia, Milene, Thays, Larissa e mais uns
primos um pouco mais jovens ou da nossa idade, começamos a
beber e dançar como se não houvesse amanhã.
É sério.
Esquecemos completamente que haveria um dia seguinte.
A gente bebeu pra caramba, vi Alfred sarrar a esposa,
enquanto esta tinha as mãos no chão e a bunda para cima. Milene
deu um show, mesmo que não saiba dançar muito bem e aproveitou
que estava todo mundo bêbado para se soltar. Thays e Larissa só
se beijavam. Rebolavam e se beijavam no meio de todos, e a cada
dez minutos, nos diziam o quanto nos amavam.
No entanto, acho que nada, nem ninguém, vai superar Arthur
me ensinando a fazer o quadradinho.
Das minhas amigas, a que sabe fazer isso com maestria é
Diana. Aquela lá tem molas no lugar da coluna e faz movimentos
com a bunda, que deveriam ser estudados.
Como não sou igual à minha amiga, no momento em que
começou a tocar algum funk da Anitta, eu fiquei triste, porque não
sabia fazer como a cantora. Foi então que meu companheiro e
especialista no assunto “Anitta”, colocou as mãos nos joelhos e
começou a me ensinar.
Eu até aprendi, mas ninguém supera o homem requebrando
perfeitamente daquele jeito.
Eu já disse que Arthur tem uma bunda muito redonda e
durinha?
Tudo para colaborar com o melhor quadradinho de todos.
Dançamos, rimos e cantamos pra caramba, até que Letícia
sugeriu que todo mundo subisse e transasse.
Milene ficou triste.
Saiu de lá batendo o pé no chão, mesmo que Larissa tenha
dito que arrumaria um primo dela para a minha irmã.
Entretanto, ela não quis e foi dormir.
O resto adorou a ideia, e fomos todos para nossos quartos.
Alfred e Letícia aproveitaram que os filhos ficaram com os avós, as
noivas já tinham uma edícula separada para elas, e eu e Arthur
subimos aqueles três lances de escada correndo.
Literalmente correndo.
Tropeçamos nos nossos pés, nos degraus, no ar e ríamos
toda vez que isso acontecia. Às vezes, ele me mandava ficar quieta,
às vezes, eu o fazia, apenas para que no fim, caíssemos na risada.
Quando finalmente chegamos no nosso quarto, entramos aos
beijos e morrendo de tesão. Tropeçando nos próprios móveis do
cômodo, tiramos, sei lá como, nossas roupas, sem desgrudar
nossas bocas.
Quando estava apenas de calcinha, e ele de cueca, Arthur
ergueu a gravata rosa no alto e gritou para casa inteira que ia
transar com a gravata.
Aí ele ficou confuso e explicou que iria transar usando a
gravata.
Começou a dizer palavras sujas para mim, beijar meu corpo,
meus peitos, eu alisei seu corpo tatuado, apertei sua bunda, e nossa
excitação só aumentava.
Caminhamos para a cama, nos agarrando e fazendo
promessas e mais promessas, e, quando caímos em cima do
colchão, nós dormimos.
Sim, exatamente isso.
Com meu rosto ainda lotado de maquiagem, um cílio postiço
sumido, Arthur com uma mão no meu seio, e a outra segurando
firmemente a gravata, caímos num sono profundo.
Eu estou verdadeiramente impressionada com o fato de me
lembrar de tudo isso. Acordamos na hora do almoço, ambos com
uma ressaca do cão.
Olhamos um para a cara do outro, vimos nosso estado e
rachamos de rir, ao nos lembrarmos do fiasco da noite anterior. Nos
aprontamos para ir embora, tomamos remédios para dor de cabeça
e descemos para comer alguma coisa.
Encontramos Milene com cara de poucos amigos, comendo
em uma das mesas do jardim e nos juntamos a ela.
Quando comentamos sobre ir embora, a loira disse que
ficaria mais esse dia, para conhecer pelo menos um pouco de
Brotas, a convite de Alfred e Letícia, e pegaria carona com eles à
noite.
Portanto, Arthur e eu pegamos a estrada logo no início da
tarde, e estamos agora, a caminho da minha casa.
Gostaria de dizer que estamos bem, que conversamos o
caminho todo, nos lembrando de ontem e rindo de tudo. Porém, não
é isso o que está acontecendo.
Não quando fui me despedir dos pais, do irmão, da cunhada
e dos sobrinhos de Arthur, e a realidade caiu como um piano de
cauda sobre a minha cabeça.
O casamento acabou.
Consequentemente, o namoro de mentirinha também.
Agora, dentro do carro de Arthur, olho para o céu com nuvens
carregadas, sentindo uma dor espremer o meu peito.
A mudança de clima e humor de poucas horas atrás para
agora, é palpável.
Em duas horas de viagem, nós não dissemos nada.
Eu mal olhei em sua direção.
Tudo, porque eu não sei o que fazer. Não sei o que falar.
Eu topei esse acordo, pensando que seria apenas um
negócio vantajoso para nós dois. Sabia perfeitamente que Arthur
não tem e nunca teve, nenhum interesse em relacionamentos
sérios.
Quando aceitei me deitar com ele e deixá-lo fazer o que
quisesse com o meu corpo, fiz plenamente ciente de que seria
passageiro.
Eu só não contava que sairia completamente apaixonada
desse namoro de mentira.
Solto um longo suspiro no momento em que viramos a
esquina da minha casa, e pingos grossos de chuva começam a cair
do céu.
Por que a vida não pode facilitar para mim só um pouquinho?
Por que meu coração tinha que se envolver?
Era para ser apenas sexo. Duas pessoas satisfazendo suas
necessidades básicas.
Mas aí ele sorriu para mim, me fez rir, cuidou de mim e me
deu uma despedida para minha filha, e pronto.
Meu coração se apaixonou.
E eu me fodi, é claro.
Não posso pedir isso a ele. Arthur é um espírito livre. Gosta
de ser desapegado e ficar com outras mulheres.
Jamais abrirá mão desse seu lado, por mim.
Para ficar com apenas uma mulher.
Simplesmente, não consigo dividi-lo com ninguém. Não
consigo… não me envolver.
Então, terei que seguir em frente sem o meu Arthur.
Paramos em frente à minha calçada, ele desliga o carro, e
apenas a chuva caindo lá fora, é ouvida por nós.
O nervosismo em mim, faz minhas mãos suarem, e não
colabora em nada para o que tenho que fazer.
Respiro fundo e viro meu rosto para o homem que fodeu meu
coração.
Seu olhar é de confusão. E um pouco aflito.
Provavelmente, está sem graça por ter que terminar nosso
acordo.
Resolvo fazer isso eu mesma, o poupando do
constrangimento.
– Então… É isso – falo pateticamente.
– É isso…
Ficamos nos olhando de um jeito esquisito, e aquela dor no
meu peito, aumenta.
Sinto meus olhos umedeceram e um bolo se formar na minha
garganta. Tento assumir a postura de empresária e lidar com a
situação de forma racional, porém não consigo.
Não quando me lembro de tudo o que tivemos e de tudo o
que ele me fez sentir em um pouco mais de um mês.
Preciso acabar logo com isso, antes que chore na sua frente
como uma criancinha.
Abro a boca para dizer algo, mas nada sai. Sinto como se até
meu corpo não quisesse que isso tudo termine.
Assim como meu coração.
Arthur segura a minha mão e se aproxima.
– Penélope… – Sua voz rouca faz meu coração disparar
mais, e eu não aguento.
Solto sua mão da minha e seguro minha bolsa de colo com
firmeza.
– Então tá. Agradeço por ter topado essa farsa comigo. Você
me ajudou muito mais do que eu esperava então, serei eternamente
grata.
– O quê? Não, Penny, espera…
– Não precisa se preocupar comigo. Prometo nunca mais te
incomodar com uma loucura dessas. – Solto uma risada nervosa e
puxo a fechadura da porta. – Foi uma loucura, né? Fingir um
relacionamento na frente das pessoas.
– Penélope, preciso que me ouça…
– Hoje mesmo, eu apago nossas fotos das redes sociais e
começo a espalhar por aí que fiquei solteira de novo. – Abro a porta.
– Não terá que se incomodar comigo nunca mais.
– Penny, para!
– Obrigada mais uma vez, foi… divertido.
Saio como um raio de dentro do carro, apenas para ficar
totalmente ensopada em poucos segundos.
As primeiras lágrimas caem do meu rosto, conforme vou
andando até o portão da minha casa.
Contudo, no momento em que o abro, uma mão segura meu
braço e me faz girar no lugar. Minha mochila cai no chão, ao mesmo
tempo que os lábios mais gostosos que já provei na vida, grudam
nos meus.
Arthur me beija fervorosamente, segurando meu rosto, e nos
encharcando completamente.
Sua língua não pede passagem, ela exige.
E, como uma boa mulher apaixonada, eu sedo. Seguro seus
braços e me entrego ao melhor beijo de todos.
Nenhum outro beijo será como este. Nenhuma outra pessoa
será como ele. Nada se compara a Arthur, e isso esmaga meu
coração mais um pouquinho.
Ele separa nossas bocas e, mesmo com a chuva caindo
sobre nós sem parar, ele me olha nos olhos.
Respirando com dificuldade, assim como eu, ele fala por cima
do barulho da chuva.
– Por que você não pode calar a boca por um segundo?
– Arthur, eu…
– Eu não quero que acabe. – Meu coração para. – Eu não
quero que acabe, está me ouvindo? Não quero.
– Mas… Mas…
– Se tivesse me deixado falar e não saído daquele carro,
desesperada, saberia que eu estou completamente apaixonado por
você.
E então, silêncio.
A chuva nos molha, enquanto meu cérebro fica em absoluto
silêncio.
Apaixonado por você.
Apaixonado por você.
Apaixonado por você.
Apaixonado por você.
Suas palavras ecoam por minha mente. Meu corpo
estremece, e eu tenho certeza de que não tem nada a ver com a
chuva.
– Ap-paixonado? – gaguejo.
– Sim. – Ele sorri.
– Por mim?
– Sim. Por você. – Ele ri e passa a mão nos meus cabelos. –
E não quero que isso, que a gente, acabe. Quero ficar com você, só
você.
– Mas… Mas eu pensei que você não quisesse se relacionar
com uma pessoa só.
Ele dá uma risada, mostrando os dentes brilhantes em um
sorriso genuíno.
– Como eu posso querer outra coisa, se estou absoluta e
irrevogavelmente rendido por você?
Ai, meu Deus.
– Arthur…
– Eu sou rendido por você. Em você. Para você, Penélope. –
Aproxima o rosto do meu. – Eu sou todo seu, minha deusa. Em
você, eu me encontro.
Meu peito sobe e desce em uma respiração acelerada. Meu
coração parece querer pular do meu peito.
É felicidade.
A mais pura e maravilhosa, felicidade.
Abro um sorriso, segurando seu rosto entre as mãos e
sentindo a pele quente, mesmo em meio à chuva fria.
– Eu também me encontro em você, Arthur.
– Diz que quer ficar comigo. Diz que quer ser minha
namorada, minha mulher, minha amiga, minha companheira. Por
favor, diz que quer ser minha.
– Eu quero. É claro que quero.
Ele ri.
Arthur joga a cabeça para trás e solta uma gargalhada alta e
gostosa.
Ah, como eu amo esse som.
Ele pega minha mochila do chão e me puxa para dentro de
casa.
No momento em que entramos e fechamos a porta, nossas
bocas se chocam de novo.
De algum jeito, chegamos no meu quarto. De algum jeito,
tiramos nossas roupas. De algum jeito, entramos no banheiro.
Sem pararmos de nos beijar.
Nossos lábios se separam, apenas para que Arthur ligue o
registro, teste a temperatura da água e só então, estenda a mão
para que eu entre no box com ele.
Ele me abraça por trás, enquanto entramos debaixo da água
quente, beijando meus ombros, meu pescoço.
Eu aprecio a sensação, sentindo meu corpo se aquecer com
a água e com o seu toque. Seu pau já rígido, toca as minhas costas.
Arthur me vira e me beija com ternura. Sua boca se encaixa
na minha daquele jeito mágico e único, me fazendo suspirar em
seus lábios.
Ele se afasta, apenas para descer até o meu pescoço. Solto
um gemido baixo, quando sua boca espalha beijos por minha pele,
quando ele me lambe e me morde, ao passo que passeia as mãos
pelo meu corpo.
Sua palma e seus dedos calejados, causam um atrito gostoso
e arrepiam minha pele.
Arthur segura meu rosto entre as mãos e mira dentro dos
meus olhos.
– Você é minha, Penélope? – Seu tom de voz rouco e
autoritário, faz minha boceta piscar.
– Sim, eu sou sua.
– Toda minha?
– Cada parte de mim.
– Seu corpo é meu? Seu coração? Sua alma? – pontua cada
coisa de forma precisa.
– Tudo. Tudo o que há em mim é seu.
– Ótimo. Porque eu também sou seu, Penélope. Nunca
duvide disso, está me ouvindo?
– Sim.
– E o que eu faço com o que é meu? – Sua língua umedece
seu lábio carnudo.
Arranho seu abdômen, até alcançar o caminho de pelos até
seu pênis.
– Você faz o que você quiser, meu bem.
Seu sorriso de lado poderia matar qualquer um.
– Perfeito. Boa garota.
Arthur nos faz trocar de lugar, fazendo a água do chuveiro
cair em suas costas. Seu olhar sobre mim, arde como fogo do
inferno, incendiando cada gota de sangue no meu corpo.
– Ajoelhe-se.
Ordena, e eu me ponho de joelhos.
Sem hesitar.
Ele sorri, gostando do meu ato de obediência.
Uma mão repousa em minha bochecha, fazendo um carinho,
para logo em seguida, seu polegar tocar meus lábios e pedir
passagem para a minha boca.
Eu a abro, ele o enfia dentro, e eu o chupo com força.
Arthur sibila quando sugo seu dedão, e seu pênis se contrai.
– Segure meu pau e bata uma punheta.
Feliz em obedecer, seguro o seu membro duro como pedra e
faço movimentos lentos e precisos.
Arthur roda o dedo dentro da minha boca, tira e põe,
gemendo e mordendo os lábios no processo.
Eu continuo tocando-o e chupando-o com força.
Completamente ao seu dispor.
Ele retira o dedo, segura o seu pau e passa a acariciá-lo em
meu rosto. Ele passa por minha bochecha e pelos meus lábios,
observando a cena completamente vidrado.
– Você é tão linda, minha deusa. Nunca ninguém me fez
sentir tanto tesão quanto você. – Coloco a língua para fora, quando
passa por minha boca novamente. – Vou gozar em você assim, bem
nesse rostinho perfeito. Me chupe. Agora.
Seu pau entra em minha boca, um segundo depois.
Arthur geme e rosna ao mesmo tempo, quando minha boca o
envolve, e minha língua circula sua glande.
Sem quebrar o contato de nossos olhos, sugo seu pau com
vontade, sem nunca deixar de lambê-lo. O homem puxa os cabelos
do meu couro cabeludo com firmeza, me fazendo gemer com ele
ainda enfiado dentro da minha boca.
Ele solta diversos impropérios, conforme subo e desço sem
hesitar. Seu quadril começa a ir para frente e para trás, ainda de
forma controlada.
– Sua puta, gostosa. Essa boca em volta do meu pau é do
caralho, Penélope. – Minha mão masturba a parte que minha boca
não alcança, e ele contrai o maxilar. – Se toque. Quero que você
goze comigo.
Sem qualquer domínio sobre meu próprio corpo, levo minha
mão direita até o meio das minhas pernas.
Assim que meus dedos tocam meu clitóris, eu solto um
gemido alto. Estou totalmente excitada, e meu orgasmo não vai
demorar muito para chegar.
– Isso, deusa. Agora massageie seu clitóris devagar.
Sem soltar seu pau da minha boca, sigo o seu comando mais
uma vez. Meus olhos se fecham por alguns segundos, quando o
tesão se alastra por todo o meu corpo.
Ponho a língua para fora, lambendo seu membro de cima
para baixo e gemendo junto de Arthur.
– Agora… – Ele engole em seco e respira fundo,
provavelmente alcançando o seu limite. – Agora desça seus dedos
por seus lábios e espalhe sua lubrificação por toda a sua bocetinha.
Uso dois dedos para fazê-lo, remexendo meu próprio quadril
e chupando a cabeça do seu pau simultaneamente.
Mais palavrões deixam a boca de Arthur, e se a minha boca
não estivesse ocupada, eu faria o mesmo.
Aliso toda a minha boceta, espalhando a lubrificação por toda
a parte, sempre voltando para estimular meu clitóris.
Arthur segura meus cabelos com mais força e passa a
movimentar o quadril com mais afinco.
Relaxo a garganta e o recebo sem problemas.
– Agora… Enfie… dois dedos… em … você… Porra! – ele
manda, mesmo que esteja cada vez mais sem controle.
Faço como me foi ordenado, entrando com cuidado e me
concentrando em respirar.
Mas é difícil.
Arthur socando na minha boca, e meus dedos me
masturbando, é demais para mim, e meu orgasmo chega sem aviso.
Estremecendo violentamente, solto seu pau da minha boca
por uns segundos, para gritar seu nome enquanto gozo.
Reviro os olhos, sentindo aquela sensação avassaladora
dominar meu corpo.
Arthur se masturba rapidamente e em poucos segundos, está
gozando na minha cara.
Abro a boca e jogo a língua para fora, recebendo seus jatos
de porra.
Ele joga na minha boca, na minha bochecha, no meu queixo,
e eu sinto seu gozo escorrer até meu pescoço.
– Caralho! – ele sussurra, fechando os olhos e apoiando as
mãos no azulejo ao lado.
Aproveito para respirar algumas vezes, curtindo a sensação
magnífica pós-orgasmo.
Em um passe de mágica, Arthur está me pondo de pé, me
enfiando debaixo d'água e beijando minha boca.
Com força, paixão e urgência. Exigindo mais e mais de mim.
Seus lábios descem por meu pescoço, minha clavícula e
alcançam meus seios.
Sem esperar um segundo, ele abocanha um mamilo e o
chupa com força.
– Arthur! – grito, segurando seus cabelos e puxando seus fios
castanhos.
Sua mão apalpa o outro seio, e sua língua lambe minha pele
inteira.
Minha boceta palpita, louca pelas sensações que Arthur me
causa e pronta para recebê-lo. Sua boca desgruda do meu peito,
apenas para ir até o outro, que recebe a mesma atenção.
A água quente descendo por minhas costas, colabora para
que eu me sinta queimar, mais e mais, a cada segundo.
Logo, os lábios de Arthur seguem o caminho para baixo, até
que esteja de joelhos na minha frente e segurando minha cintura
firmemente.
Sem qualquer aviso, ele fecha a boca ao redor do meu
clitóris, me fazendo revirar os olhos e ver estrelas.
Eu me remexo, mesmo que seu aperto me mantenha no
lugar, soltando gemidos descontrolados e cada vez mais altos.
Ele passa a língua por entre meus pequenos e grandes
lábios, me chupa com vontade e rosna contra a minha pele.
Arthur parece um animal enjaulado.
Sua mão direita segura meu calcanhar e abre mais minhas
pernas. Essa mesma mão, vai até a minha boceta e enfia de uma
vez, três dedos na minha entrada.
– Puta merda, Arthur. – Quase arranco seus cabelos, de tanto
puxar.
Meu corpo fica tenso, sentindo seus lábios me chuparem, sua
língua rodear meu clitóris, e seus dedos me castigarem.
Até que eu jogo a cabeça para trás, gemendo loucamente em
um orgasmo arrasador.
Sua mão firme me mantém no lugar, enquanto meu corpo
treme, e minha cabeça gira.
Sensível demais, começo a empurrar a cabeça de Arthur
para longe, mas ele não me dá trégua. Suga tudo de mim, até que
quase desfaleça em suas mãos.
Assim que se põe de pé, sua mão agarra minha garganta
com força. Ele beija a minha boca com agressividade, mordendo
meus lábios e sugando minha língua.
– Você vai gozar de novo – determina, me fazendo arregalar
os olhos.
– Misericórdia… – sussurro, e o aperto em minha garganta se
intensifica.
– Está pedindo misericórdia a Deus ou a mim?
Abro um sorriso diabólico, adorando ter seus dedos ao redor
do meu pescoço.
– Responda, putinha – exige, afrouxando o aperto.
– A você. Peço a você.
Arthur inclina a cabeça, passa a língua por meus lábios e
depois por meu pescoço, até alcançar minha orelha.
– Deveria ter feito uma oração, Penélope. Porque eu não
serei misericordioso.
Em um piscar de olhos, Arthur segura a minha bunda e me
lança para cima. Ignorando a parede ao lado por completo, ele
encaixa a parte de trás dos meus joelhos na curva dos seus braços.
Seguro em seus ombros, sentindo uma aflição, por estar sem
nenhum apoio, porém os braços fortes do homem, me seguram sem
nenhuma dificuldade.
Sem precisar usar assistência da parede, suas mãos grandes
agarram minha bunda, encaixando a entrada da minha boceta em
seu pênis e iniciando uma descida lenta por toda a sua extensão.
– Caralho, que boceta apertada que você tem, Penélope.
Puta que pariu. – Mordendo os lábios, ele continua descendo o meu
corpo, até que esteja totalmente dentro de mim.
Um gemido arrastado deixa minha garganta, adorando a
sensação de ser preenchida por ele.
Rebolo, fazendo Arthur soltar um gemido e apertar mais a
carne da minha bunda e cintura.
Contraio as paredes internas da minha vagina, e ele me
aperta mais.
– Porra, faz isso de novo – exige, entredentes.
E eu faço. Ele rosna.
Sua boca beija a minha, e seus braços começam a nos
movimentar. Seu quadril vem de encontro a mim, enquanto subo e
desço no seu colo.
Os movimentos são lentos a princípio, mas como tudo com
Arthur é intenso demais, suas estocadas rapidamente se tornam
mais violentas.
Tentamos nos beijar em meio aos gemidos que saem de
nossas bocas, e seu pau entra e sai de mim, deliciosamente.
A cada segundo, os movimentos aumentam e aceleram, sua
pélvis faz um barulho alto quando entra em contato com minha pele,
e seu pau entra cada vez mais e mais fundo.
Minhas unhas arranham sua pele, meus dentes mordem os
seus lábios, e suas mãos apertam minha bunda cada vez mais forte.
Nossa! Essa, sem dúvidas, é a melhor de todas as fodas.
Ajudo com os movimentos o máximo que posso, entretanto
Arthur é implacável. Me faz subir e descer, e deslizar por seu
membro rígido, sem vacilar nem um único segundo.
Sinto minha boceta rasgar por dentro de um modo esplêndido
e minhas paredes internas voltarem a se contrair
Transar com Arthur é tudo o que há de melhor. E estarmos
apaixonados, apenas ajuda para que eu tenha as melhores
sensações.
Mordo o lábio no momento em que o terceiro orgasmo se
aproxima, e o homem gostoso me fodendo, percebe.
– Vai continuar sendo uma boa garota e me obedecer de
novo, Penélope? – Aceno com a cabeça, incapaz de dizer algo. –
Isso. Muito bom. Então goza no meu pau, putinha. Lambuza ele,
para que eu possa te encher de porra.
Meu corpo simplesmente o obedece.
Quando seu pau sai e entra de novo com firmeza, estou
gozando e gritando seu nome a plenos pulmões.
Com mais três estocadas curtas, Arthur finalmente se junta a
mim.
Gozando quente dentro da minha boceta.
Rapidamente, me apoia na parede, parecendo perder todas
as forças que o mantiveram de pé esse tempo todo.
Saindo de mim e respirando pesadamente, me põe no chão e
se afasta um pouco, para olhar em direção à minha vagina. Sinto
seu esperma escorrer por minhas pernas, causando um arrepio na
minha pele.
– Você é a mulher mais linda que existe, Penny. – Sua mão
segura minha bochecha com carinho. – Mas consegue ficar ainda
mais, com a minha porra em sua pele.
Sorrio, me apoiando em seu peito e tentando me manter de
pé.
– Você… é louco.
Seu sorriso se abre, e ele beija minha boca em seguida.
– Sou completamente louco por você, deusa.
Nos abraçamos e voltamos a nos beijar.
Trazendo aquela sensação de conforto ao meu coração de
novo.
Não acabou. Ele quer ficar.
Eu mal posso acreditar nisso.
Levamos um susto com uma batida leve na porta e
desgrudamos nossas bocas na hora.
– Quando resolverem parar de gastar água e energia,
venham tomar um café – minha mãe fala, do outro lado.
– Jesus Cristo, eu esqueci da minha mãe – murmuro
baixinho.
– Você esqueceu da sua mãe e do resto da vizinhança, né? –
fala, e eu poderia morrer de vergonha aqui mesmo.
– Já vamos sair, sogrinha – Arthur grita, segurando o riso.
Ao percebermos que minha mãe não diz mais nada, nos
limpamos rapidamente e saímos do box.
Enrolados em uma toalha, observo o sorriso bobo nos lábios
de Arthur e pergunto:
– Por que está sorrindo assim? – Ele me fita, sem perder a
expressão alegre.
– Porque eu amo estar apaixonado por você, linda. – E eu
sinto borboletas no estômago. – Vamos nos vestir. Quero tomar o
melhor café do mundo.
E com um beijo rápido, abre a porta e sai para o quarto.
E eu?
Eu sorrio como boba.
As férias, sem sombra de dúvidas, acabaram.
Na segunda-feira pela manhã, toda a energia caótica que
meu trabalho me proporciona, voltou com tudo, não me dando
nenhum minuto de paz.
A vantagem, é que manterei Luisa como minha secretária. De
maneira excelente, ela me passou todos os detalhes que não fiquei
sabendo enquanto estive fora e a forma como lidou com tudo.
Desde os problemas, até as situações mais simples.
A mulher é um crânio.
Pesquisou as vans mais econômicas do mercado, pois já
estava atrás dessa informação para melhorar a forma de entrega
dos meus produtos. Lidou com as crises que algumas lojas tiveram,
envolvendo clientes ou até mesmo, os próprios funcionários. E o
melhor de tudo, conseguiu lidar com a bendita fábrica de farinha.
Graças ao bundão do meu ex, acabei não ligando para eles,
como havia dito, e ela nem esperou que eu o fizesse. Pegou o carro
e foi pessoalmente lidar com os responsáveis.
Os superiores não demonstraram desrespeito, mas ela
contou que teve que passar bons minutos apontando todos os
problemas que eles vêm causando para nós e o prejuízo de tudo
isso.
Não satisfeita e se compadecendo da minha dor de cabeça
semanal com esses caras, também fez uma busca pelas melhores
opções no mercado.
Até o momento, não chegamos a nenhuma conclusão. Sendo
assim, teremos que aguentá-los por mais tempo.
Mais especificamente, agora.
Estou parada na entrada da área de descarregamento de
carga, com as mãos na cintura, batendo o pé no chão e olhando
furiosamente para o fundo vazio do caminhão.
Eu já nem tento mais respirar fundo e acalmar meus nervos,
porque já estou nervosa o suficiente.
Aponto com a mão na direção do caminhão e olho para o
entregador.
– Que porcaria é essa, Ronaldo? – O homem segura o boné
na mão com força e, diferente da última vez, olha para mim com
receio.
– Me disseram que era essa a entrega – responde.
Inspiro uma lufada de ar, me esforçando de verdade, para
não surtar.
– Isso não é nem de longe a quantidade que eu solicitei,
Ronaldo.
– Eu sei, dona Penélope. Eu falei pra eles. Disse que tava
estranho demais, mas eles falaram que essa semana seria uma
entrega menor.
Miro minha secretária ao meu lado, lançando para ela, um
olhar questionador. A mulher rapidamente liga o tablet na sua mão,
chega perto de mim e me mostra o pedido feito há duas semanas.
Pego o aparelho de suas mãos, levo até o homem, que dá
um leve passo para trás, quando me aproximo.
– Está vendo isso aqui, Ronaldo? É a confirmação do pedido
há mais de quinze dias. O que diz aqui no final da solicitação?
Ele aperta os olhos e quando entende, me olha, alarmado.
– Isso mesmo. Eu pedi quinhentos quilos de farinha de trigo,
Ronaldo. Quantos quilos você me trouxe no caminhão?
Ele faz uma careta de dor e me encara com angústia em
suas feições.
– Cinquenta.
– Exato. Cinquenta míseros quilos de farinha. E sabe,
Ronaldo… – Eu devolvo o aparelho à minha secretária e apoio a
mão no ombro do cara. – Eu estava com um excelente humor, mas
isso acabou com ele.
– Eu vou falar com eles, dona Penélope. Vou xinga-los e
pedir para que se retratem com a senhora – ele fala, todo
determinado, e é até admirável.
– Não será necessário, querido Ronaldo. Porque eu já sei
onde vou descarregar todo esse estresse que sua entrega me
causou.
Seus olhos se tornam enormes.
– A culpa não foi minha. Eu juro. Eu só subo no caminhão e
faço as entregas…
– Fica tranquilo, que eu sei muito bem que a culpa não foi
sua. – Viro-me para minha assistente. – Luisa, vou aceitar apenas a
entrega completa do produto que eu comprei, então veja se temos
estoques sobrando nas outras lojas, por enquanto, até que eu
resolva isso.
– Está feito, chefe.
Dou as costas para ambos, ciente de que Luisa lidará com o
pobre entregador.
Entro em minha sala minutos depois, já retirando o celular do
bolso.
O número deles está nas minhas últimas ligações, então em
poucos segundos, já estou ligando.
A próxima meia hora é transcorrida comigo colocando para
fora toda a frustração que a fábrica tem me feito passar nos últimos
tempos. Sem precisar gritar, uso de todos os argumentos possíveis,
para mostrar a eles que me irritar, é a pior decisão que poderiam
tomar.
Eu meto a influência do meu estabelecimento na jogada, a
entrevista no melhor jornal econômico do estado, e até meus
advogados são mencionados.
Tudo para que entendam que é uma péssima ideia tratar o
meu trabalho e o da minha equipe, desse modo.
É libertador.
Encerro a ligação com a cabeça doendo de tanto falar e com
esperanças de que possa surtir efeito dessa vez.
Sento-me em minha cadeira, fechando os olhos por alguns
segundos, até sentir meu celular vibrar com uma mensagem.
Normalmente, ignoraria qualquer conversa que não
envolvesse meu trabalho, porém assim que vejo que é de Arthur, um
sorriso genuíno brota em meu rosto, e eu me apresso para abrir a
conversa.
Peste: E aí, minha deusa. Como está sendo sua manhã,
depois de ter dois orgasmos incríveis assim que acordou?
Solto uma risada, ao mesmo tempo que meu corpo vibra, ao
lembrar de hoje cedo.
Eu:
Você só pensa nisso?
Peste: Em você nua e gozando na minha cara? Vinte e
quatro horas por dia.
Mando vários emojis de risada, enquanto gargalho na minha
sala.
Eu:
Você é muito pervertido.
Peste: Eu e minha namorada bunduda e gostosa.
Mordo o lábio, sorrindo fácil ao ler a palavra namorada.
A melhor parte de tudo isso, é que tivemos que contar a
poucas pessoas que continuaríamos namorando, já que para a
maioria, isso já estava acontecendo há um mês.
Eu:
Respondendo à sua pergunta. Minha manhã já começou me
tirando do sério.
Peste: Me deixa adivinhar, a fábrica de farinha.
Eu:
A própria.
Peste: Mas que merda, hein. Por que você não compra logo
essa porcaria? Assim nunca mais terá problemas com a produção e
a entrega, e ainda fará um trabalho dez vezes melhor do que eles.
Solto uma risada alta e irônica, mesmo que ele não possa
ouvir.
Seria um sonho.
Eu:
Seria maravilhoso, mas não tenho dinheiro para isso. Não
agora. Vou ter que aguentá-los por mais um tempo.
Peste: Que bom que você tem um namorado bilionário e que
facilmente pode comprar essa simples fábrica pra você.
Eu:
Não diga besteiras, homem.
Peste: Eu ainda vou surgir na sua frente com o contrato de
compra do lugar. Me aguarde.
Dou risada, porém digito uma resposta, apenas para garantir
que ele não cometa essa loucura.
Eu:
Não ouse fazer isso, Arthur Rabello. Não precisa gastar esse
dinheiro comigo. Mesmo que não vá fazer cócegas em sua fortuna.
Peste: Hum… Tá certo.
Sua resposta vaga me deixa intrigada, mas logo em seguida,
ele está digitando de novo.
Peste: Tenho uma coisa aqui, que pode te alegrar.
Eu:
O que é?
Alguns segundos depois, um vídeo aparece na conversa.
Clico, para ver o que é, e sorrio ao entender do que se trata.
Nas imagens, estamos no boliche da cidade, naquele nosso
primeiro encontro como um casal. Eu estou fazendo os movimentos
perfeitos com a bola, enquanto Arthur e todas as pessoas do lugar,
permanecem esperando em silêncio.
A bola rola pela pista e faz o strike perfeito.
Gritos, assovios e aplausos ecoam por todo o lugar, ao
mesmo tempo que uma chuva de papel colorido cai para todo o
lado.
A melhor parte do vídeo, vem em seguida, quando Arthur
grita e comemora com os braços para cima, e eu berro, correndo em
sua direção.
Sem hesitar e como se estivesse pronto para aquilo, ele me
pega assim que me jogo em seus braços.
Começo a dar risada do vídeo, reproduzindo-o várias vezes.
Arthur e eu estávamos longe de sermos um casal de
verdade, entretanto nossa troca de olhares nesse vídeo, mostra o
quanto um já afetava o outro.
Penso em mandar uma mensagem de volta, só que mudo de
ideia e inicio uma ligação.
Arthur atende no segundo toque.
– Onde conseguiu isso? – pergunto, sorrindo de orelha a
orelha.
– Essa preciosidade foi enviada para mim, logo depois
daquele dia. Eu acabei perdendo a mensagem em meio às dezenas
que eu tenho diariamente e a encontrei por acaso.
– Meu Deus, esse vídeo é maravilhoso!
– Ele é. Viu como sua bunda encaixa certinho na minha mão?
– Arthur! – Solto uma gargalhada alta, quase caindo da minha
cadeira. – Para de falar sobre a minha bunda, pelo amor de Deus.
– Como eu posso falar de outra coisa? Eu fiquei sentindo a
maciez dela na minha mão, dias depois. Acredita que até sonhei?
Solto outra risada, acreditando sim, que isso tenha
acontecido. Principalmente porque, hoje de manhã, eu disse que
precisava sair para o trabalho, e ele disse que iria sentir muita falta.
Eu sorri, achando que falava de mim, mas ele abraçou a
minha bunda e encostou a bochecha nela, dizendo que mais tarde
voltaria para ela.
Esse homem não é normal.
– Eu adorei o vídeo. Eu acho que você já gostava de mim
naquela época. Viu o jeito que me olhou? – provoco e ouço sua
risada gostosa do outro lado.
– Eu acho que você já gostava de mim naquela época,
loirinha. Não viu como seus olhinhos brilhavam para mim.
– Não, não. Eles estavam brilhando, porque eu quebrei o
recorde do boliche.
– Confessa, vai. Era porque eu estava te apalpando.
Rimos da conversa, sabendo muito bem que ambos estavam
igualmente mexidos um com o outro. Mesmo que eu dissesse a mim
mesma que o odiava.
Uma batida na minha porta chama a minha atenção, e Luisa
aparece, me olhando de um modo estranho.
– Espera só um segundo, Arthur. – Afasto um pouco o
aparelho da orelha e fito minha assistente.
– Desculpe te incomodar, Penélope. É que eu recebi uma
ligação, já que o seu telefone estava ocupado.
– O que foi, Luisa? – Sinto um aperto no coração, quando o
seu tom de voz muda.
– É a sua mãe. Sarah, a cuidadora, ligou e disse que chamou
a ambulância para a sua casa. Ela entrou em uma crise muito forte
e precisou ser levada ao Hospital Central.
Minha respiração fica presa na garganta, e meu coração
dispara.
Mesmo que já tenha passado por situações iguais a essa,
centenas de vezes, todas são terríveis. Eu sei como minha mãe
sofre, mesmo que nunca tenha realmente sentido sua dor, e o fato
de ter sido levada ao hospital, é porque as dores estão
insuportáveis.
Engulo em seco, fechando os olhos por um momento, para
me acalmar.
Levo meu celular para o ouvido de novo. A palavra sai como
um sussurro:
– Arthur…
– Já estou no carro. Chego aí em dez, quinze minutos, no
máximo.
Ele ouviu. Graças a Deus, ele ouviu.
– Ok…
– Vai ficar tudo bem, Penny. Já estou chegando.
Encerro a ligação, sentindo um pouco mais de alívio, por
saber que ele está comigo.
Deixo uma mensagem de voz para Milene, explicando o que
está havendo, sabendo que em algum momento, ela ouvirá.
Luisa me tranquiliza, dizendo que cuida de todos os meus
afazeres do restante do dia e aguarda a chegada de Arthur comigo,
na entrada do café.
Assim que seu carro vira a esquina, um peso esmagador
diminui no meu peito. Entro no carro quando para, e logo seguimos
para o hospital.
Segurando minha mão o tempo todo, Arthur nos conduz ao
hospital em alguns minutos.
Fico dizendo a mim mesma, o tempo inteiro, que é só mais
uma crise, que ela estará bem, e que os remédios para a dor vão
lhe fazer melhorar, só que é muito díficil.
Principalmente quando chegamos ao hospital, e eu sinto
aquele desconforto costumeiro.
Hospitais me deixam nervosa.
Desde que perdi meu bebê, se tornou o lugar que mais evito
entrar. Infelizmente, não tanto quanto gostaria, já que estou sempre
acompanhando a dona Marta.
Com a mão entrelaçada na minha, meu namorado
acompanha meu ritmo até a entrada, sem ao menos abrir a boca.
Está aqui para me dar o suporte que eu precisar, quando eu
solicitar.
A recepcionista nos informa que ela chegou há um tempo,
passou com o médico e já está tomando a medicação.
Pelo menos, dessa vez foi rápido.
Caminhamos até a entrada da sala de medicação, porém
Arthur não é autorizado a ir comigo. Seu dedo faz um carinho na
minha mão, quando eu o fito com tristeza.
– Pode ir, Penny. Estarei aqui se precisar de algo.
– Ok. Prometo voltar aqui o mais rápido possível.
– Não precisa ter pressa.
Ele deixa um beijo delicado em meus lábios e se afasta, para
que eu siga. Me sentindo bem mais leve do que o normal, vou até o
local indicado.
Sarah está ao lado da minha mãe, que recebe a medicação
direto na veia.
Ao me ver, se aproxima com um sorriso discreto no rosto.
Observo minha mãe deitada e com os olhos pesados, antes de me
voltar para a mulher à minha frente.
– Oi, Sarah. Obrigada por tê-la trazido – falo baixinho.
– Olá, Penélope. Não precisa me agradecer, faz parte do
trabalho.
– O que houve? O que o médico disse?
Seus ombros caem, e ela me lança um olhar decepcionado.
– Ela começou a reclamar de muita dor, mas quando não
conseguiu se levantar da cama, eu soube que tinha algo estranho.
Quando só piorou, entendi que era melhor ela tomar algo mais forte.
– Ela suspira e olha para a minha mãe no canto da sala. – Já o
médico, não disse nada demais. Apenas deu a medicação para
reduzir a dor e falou que ela precisa ir ao reumatologista.
– Claro que disse. – Como sempre acontece.
Não há muito o que fazer, na verdade. Ela precisa tomar
diversos remédios para controlar as dores e a rigidez nas
articulações, e torcer para que funcionem.
– Obrigada mais uma vez, Sarah. Pode deixar que eu
assumo daqui.
– Por nada. Precisando é só chamar. Estarei em casa, de
prontidão.
– Muito obrigada mesmo.
Ela vai embora, enquanto me aproximo da minha mãe.
Sonolenta, ela abre um pequeno sorriso ao me ver.
Seguro sua mão delicada, ao me posicionar do lado da sua
maca.
– Oi, dona Marta.
– Não precisava ter vindo, meu anjo. A Sarah estava me
fazendo companhia.
– Sarah, hein? Devo contar para ela qual foi o nome que a
senhora a chamou, quando sugerimos que te fizesse companhia?
Seus olhos crescem um pouco, e a danada dá risada.
– Ela tem as mãos suaves e gosta de Chitãozinho e Xororó.
Não posso perder essa mulher de jeito nenhum.
Dou uma risada, o mais baixo que consigo. Minha mãe pode
passar por um sufoco enorme sempre, por causa da doença, mas
nada, nem seus momentos de muita ansiedade, tiram seu bom
humor.
Uma pessoa entra pela porta da sala, e eu levo alguns
segundos para perceber que é Arthur.
Olho para ele, chocada, sabendo que ele não pode estar
aqui.
– O que está fazendo aqui? – sussurro, olhando a porta de
esguelha, com medo de alguém aparecer.
– Relaxa, eu convenci a enfermeira de que precisava entrar.
– Ele sorri para a minha mãe, e a senhora sorri de volta, toda
apaixonada. – Oi, sogrinha, veio tomar umas?
Ela ri, mesmo que esteja fraca pelas medicações.
– Arthur, como você convenceu a enfermeira? – Fico
verdadeiramente curiosa.
– Eu disse que precisava entregar uma blusa de frio para a
minha sogra, já que essas salas são sempre muito frias.
Franzo as sobrancelhas e olho para suas mãos vazias.
– Mas você não tem nenhuma blusa.
Ele simplesmente dá de ombros.
– Ela estava ocupada demais olhando meu belo sorriso para
perceber isso.
Fico boquiaberta, enquanto minha mãe desata a rir.
– Seu namorado não existe, Penélope – ela fala, ainda dando
risada.
Seu olho pisca para mim de modo atrevido, e eu nego com a
cabeça.
– Não, ele não existe.
Já se passou uma semana desde que minha querida sogra
teve que ir ao hospital por conta de dores.
Aquela segunda, serviu para que eu refletisse sobre algumas
coisas.
Eu tenho uma namorada.
Na verdade, eu continuo tendo uma namorada, a diferença é
que agora, eu a beijo e a fodo toda vez que briga comigo por
alguma coisa. Ou porque está linda. Ou porque disse algo fofo para
mim. Ou porque acordou, tomou banho, comeu e ficou com a boca
suja de algo.
Basicamente, estou arrumando qualquer desculpa pra tocar
em Penélope.
Se não soubesse que seus sentimentos são recíprocos,
ficaria preocupado, por me achar grudento demais.
O que eu posso fazer, se ela é viciante?
Além de ter adquirido uma apreciação ridícula por coisas
azuis e ter assistido aquele vídeo de nós dois no boliche mais de mil
vezes, houve outras coisas que eu entendi, que agora fazem parte
da minha realidade.
A principal é: fazer Penélope feliz.
A felicidade da pessoa que você ama, se torna mais
importante do que o ar que você respira. Vê-la sorrindo, assisti-la
respirando de alívio ou conquistando algo que tanto almejou é tão
prazeroso, que você fará tudo o que está ao seu alcance para
conseguir.
Acho que o que meu pai disse naquele casamento, começa a
fazer sentido. Tudo o que eu quero agora, é testemunhar o
acontecimento das coisas magníficas de Penélope em primeira mão
e admirar cada uma.
Descobrir que amo Penélope foi fácil. No entanto, a forma
como subiu no meu carro e relaxou visivelmente ao me ver, quando
fomos ao hospital, fez algo comigo.
Posso nunca ter me apaixonado antes, mas sei que devo
valorizar a confiança de alguém em mim. Foi assim com a sua mãe,
foi assim quando a levei ao morro para ver as estrelas e foi assim
quando topou ficar comigo, mesmo eu sendo um homem tão falho.
Essas e outras coisas magníficas, me fizeram entender que
eu a amo.
E, portanto, há algumas coisas que preciso fazer.
A começar pela doença da sua mãe.
Infelizmente, não encontrei algo que possa curá-la. Em
minhas incansáveis pesquisas, eu entendi que, até o momento, não
há cura para a doença, que é autoimune.
E eu pesquisei muito.
Há uma semana, eu venho passando horas e horas no meu
trabalho lendo e entendendo melhor do que se trata. Quais são os
tratamentos disponíveis e os mais recomendados.
E em meio a tanta procura, encontrei um tratamento
alternativo.
Ainda não tenho certeza se Penélope, Milene ou sua mãe
sabem, porque foi autorizado o uso dele há poucos anos.
Obviamente, não apresentaria uma proposta dessa
magnitude para elas, sem ter todo o conhecimento e base para isso,
e foi quando entrei em contato com um colega da UNICAMP, a
Universidade de Campinas, e ele me direcionou à equipe de
pesquisa.
Conversei com Andreza, a pesquisadora e cientista
responsável pela pesquisa desse tratamento alternativo para
diversas doenças. A mulher se dispôs a explicar tudo para Penélope
e Milene, que provavelmente não se contentarão com alguns
simples vídeos explicativos do YouTube.
Minha loira é cética demais para isso.
É por isso que estou aguardando ambas em frente a uma das
cafeterias, no final da tarde de segunda-feira.
Pedi para as duas me encontrarem hoje, pois consegui
marcar uma reunião com a cientista da Universidade.
Confesso que estou nervoso, temendo ter ultrapassado
algum limite, porém farei o possível para que elas foquem em ajudar
a mãe, e não a me matarem.
Depois de alguns minutos, as duas loiras bonitas saem da
cafeteria, sorridentes, e conversando entre si.
Espero que continue assim.
Já do lado de fora, espero que se aproximem um pouco, para
eu ir de encontro à minha mulher.
Quando me vê, seu sorriso aumenta, e meu coração palpita.
Porra, como eu sou ridículo.
– Boa tarde, minha deusa. – Seguro sua cintura e deixo um
beijo na sua boca. – Boa tarde, olhos de águia.
Me refiro à Milene, e ela dá uma risada, antes de me
cumprimentar com um beijo na bochecha.
– Boa tarde, ex-cafajeste.
Solto uma risada e abro a porta do carona, e do passageiro,
para que elas entrem.
Minha cunhada e eu começamos a nos chamar assim, depois
do casamento. Mais especificamente, quando me mostrou algumas
de suas fotos, e eu fiquei completamente abismado com o talento da
mulher.
A loira de cabelos volumosos e cacheados tem verdadeiros
olhos de águia e faz maravilhas com sua câmera fotográfica.
Como é mais sagaz do que deixa aparentar, disse que ela
também deveria me dar um apelido, e escolheu esse, dizendo que
faz total sentido.
Eu não poderia concordar mais.
– Ok, pra que tanto mistério sobre para onde vamos? –
Penny questiona, assim que me sento no meu banco.
– Alguém já te disse que você é muito curiosa? – Lanço uma
piscadinha, e ela estreita os olhos para mim.
– Isso tá mais pra ansiedade, viu? – Milene diz, no banco de
trás, me fazendo dar risada.
– Que traiçoeira. – Penny olha para ela, e a vejo dar de
ombros, pelo espelho retrovisor.
– Você sempre foi assim, irmã. – Meu furacão cruza os
braços, e eu dou risada.
– Vocês já vão descobrir.
Para descontrair, ligo o som e inicio uma conversa sobre
amenidades. Quando começo a sair da cidade e entrar na pequena
estrada para a Universidade, Penélope percebe a mudança do
trajeto.
Quando me olha, sinto um nervosismo estranho, entretanto,
sigo sem dizer nada.
Assim que chegamos no campus gigante, é Milene quem faz
a pergunta:
– Porque estamos entrando na UNICAMP?
Ambas parecem confusas, e minha namorada me olha
daquele jeito que me deixa com medo.
Estaciono na vaga para visitantes, depois de liberarem nossa
entrada, e desligo o carro. Viro-me, de modo que as duas me vejam
e respiro fundo.
As testas franzidas delas, me deixam mais nervoso ainda.
– Você tá me deixando ansiosa, Arthur Rabello – Penny diz,
em tom de aviso, e eu concluo que é melhor falar de vez.
– Desde semana passada, eu estive fazendo algumas
pesquisas sobre a doença da sua mãe. – Elas me olham com mais
atenção agora. – Primeiro, eu queria entender como ela realmente
funciona e quais são os tratamentos disponíveis. Aí, eu fiquei um
pouco obcecado em descobrir uma cura e…
– Não há cura. Não para a doença autoimune – Penélope
avisa.
– Eu sei, eu entendi isso. Mas existe aquela coisa chamada
remissão, certo?
– Isso. Quando a doença adormece, e os sintomas somem,
podendo durar semanas, meses ou anos – Milene confirma.
– Exatamente. E mesmo que ela não tenha uma remissão tão
cedo ou que tenha, mas os sintomas um dia voltem, ainda assim,
pensei que seria interessante vermos outra alternativa de
tratamento.
– Que outra alternativa? – Penélope me pergunta, com o
semblante extremamente sério.
Certo, isso não é um sinal ruim. Ela apenas está tentando
entender tudo.
– É um medicamento que foi aceito no Brasil recentemente. E
como eu não sou nenhum especialista, trouxe vocês para
conversarem com uma pessoa. Ela é médica e a cientista
responsável por algumas pesquisas desse remédio aqui na
Universidade, e se disponibilizou para conversar conosco.
As irmãs ficam em silêncio por bons minutos. Tento mostrar
tranquilidade, porém meu coração retumba forte no peito.
– Se eu tiver passado dos limites, me desculpem, de
verdade. Dou meia volta agora, e saímos daqui como se nada
tivesse…
– Nós queremos ver. Claro que queremos, né Penny? –
Milene olha, ansiosa, para a irmã.
Minha loira tem os olhos fixos em mim. Mesmo ansioso,
sustento seu olhar, para que perceba que minhas intenções são
boas e que não estou aqui para brincadeira.
Sua boca se abre.
– Você entrou em contato com ela e marcou essa reunião?
– Sim.
Mais alguns segundos de contato visual intenso, até que ela
feche os olhos e inspire fundo. Quando os abre, segura a sua bolsa
e nos olha.
– Então vamos, a mulher deve estar nos esperando.
Milene e eu soltamos uma respiração ao mesmo tempo.
Saio do carro um pouco mais aliviado, e caminhamos para a
área de pesquisas da faculdade.
A mais nova até tenta manter uma conversa amigável,
conforme andamos, mas Penny está nitidamente nervosa.
Após alguns minutos de caminhada, nos é informado a sala
da mulher que nos aguarda. Passamos por uma sala de aula dentro
de um laboratório, e uma mulher de meia estatura, negra, com
cabelos crespos ao redor do rosto e óculos quadrados, nos espera
em frente à uma porta, com um sorriso simpático no rosto.
– Olá, você deve ser o senhor Arthur Rabello. – Aperta a
minha mão.
– Oi, você deve ser a Andreza. É um prazer conhecê-la. –
Olho para as duas irmãs ao meu lado. – Essa é minha namorada
Penélope, e minha cunhada Milene.
Elas se cumprimentam.
– É um prazer recebê-los em nosso centro de pesquisas
universitário. Marquei esse horário por ser a troca de turnos, senão,
isso aqui estaria caótico. – Sorrimos para a mulher. – Entrem e
fiquem à vontade.
Nos sentamos nas três cadeiras de frente para a mesa da
cientista, que se acomoda do outro lado. A sala branca e lotada de
livros é fresca e confortável.
Andreza cruza as mãos em cima da mesa larga e olha para
as irmãs. Um sorriso divertido brinca em seu rosto, provavelmente
por notar o nervosismo das duas.
– A senhora disse que poderia explicar para nós a respeito do
tratamento alternativo, certo? – começo, quebrando o silêncio.
– Por favor, senhora está no céu. Eu não me casei e não
pretendo fazer isso tão cedo – a mulher pontua, nos fazendo rir, e
visivelmente relaxando as duas ao meu lado.
– Então, nada de senhor para mim também.
Ela sorri para mim.
– Como preferir. Bem, vamos ao que interessa. – Ela ajeita os
óculos no rosto. – Poderia apresentar a vocês todo o meu currículo
acadêmico, mas acho que é perda de tempo. Algo me diz que o
CEO de um dos jornais mais bem sucedidos do Brasil, já fez suas
pesquisas.
Ela me olha com um sorriso de lado, e eu faço o mesmo.
– É o meu trabalho.
– Ótimo. Nesse caso, antes de apresentar a vocês o remédio,
preciso que me contem todo o histórico de medicação que a
paciente usou nos últimos anos e como reagiu a eles.
Penny e Milene trocam um olhar, concordam com a cabeça, e
a mais velha começa a falar.
– Minha mãe começou o tratamento com corticoide todos os
dias e três comprimidos de Metotrexato aos sábados, mais 3 aos
domingos. E Ácido Fólico na segunda-feira.
– Porque o MTX te obriga a tomar o ácido por conta da
toxicidade – Milene complementa.
Andreza escuta atentamente, e Penélope prossegue.
– Como ela precisa fazer exames de três em três meses, por
conta de a doença ser autoimune e os remédios fortes demais,
descobrimos que o remédio estava atacando o fígado, e ela
precisou parar com ele. – Sem ao menos perceber, sua mão segura
a minha, e eu tento fingir costume, mesmo que tenha feito meu
estômago revirar. – Em seguida, ela passou a tomar Leflunomida
todo dia com o corticoide, só que também não funcionou. E agora,
ela toma corticoide mais Leflunomida todo dia, e o Tofacitinibe duas
vezes ao dia, todos os dias.
– Infelizmente, isso está causando uma reação ruim à pele
dela, deixando-a ressecada demais – a caçula lamenta.
– Certo. E em algum momento, a paciente teve problemas
com ansiedade?
Penny concorda com um aceno.
– Principalmente no início de tudo, quando foi diagnosticada,
e ainda éramos muito pequenas. Uma pessoa que era muito ativa e
de repente precisa de auxílio para os afazeres mais simples, tende a
desenvolver sintomas de transtorno de humor e de ansiedade. – Ela
suspira, e eu faço um carinho em seus dedos. – Foi exatamente o
que houve com ela, além de algumas medicações também
desencadearem isso, mesmo que tenham ajudado com a dor.
– Mas sabemos que é um ciclo sem fim. A dor vem. Ataca a
ansiedade. Ansiedade piora a dor. A ansiedade vem. Ataca a dor.
Aumenta a ansiedade. Aumenta a dor – a médica completa, e as
duas concordam.
Minha sogra e todas as pessoas que lutam contra essa
doença terrível, são guerreiras. Eu não teria nem metade da força
que elas têm e não sei como lidaria com isso. Não só com as dores,
mas também com o emocional, que é nitidamente afetado.
– Bem, o que vou mostrar a vocês é uma medicação que foi
aprovada pela ANVISA[24], para ser produzida e distribuída no Brasil,
há mais ou menos dois anos. Mais especificamente, no estado de
São Paulo. – A mulher abre a gaveta da sua mesa, retira de lá um
pequeno frasco com um líquido transparente e o deposita no meio
da mesa. – Isso aqui se chama Canabidiol. – Ela ri, quando ambas
arregalam os olhos. – Sim, é o primeiro e único produto brasileiro à
base de Cannabis.
Ela se levanta, enfia as mãos dentro dos bolsos do jaleco e
inicia a explicação que tanto pesquisei nos últimos dias.
– Ele é um fitofármaco, ou seja, fármaco de origem vegetal, e
a indicação terapêutica é determinada pelos profissionais médicos
na prescrição. Sua venda é totalmente controlada e com receitas
muito específicas. – Olho para as duas, que mal piscam enquanto
escutam. – O Canabidiol Prati-Donaduzzi é produzido a partir do
princípio ativo puro, ou seja, contendo somente o Canabidiol, sem
nenhuma outra substância da Cannabis. O produto é livre de THC,
tetrahidrocanabinol, que é o composto psicoativo.
Andreza faz uma pequena pausa, esperando alguma
pergunta, porém as duas permanecem em silêncio. E então, ela
prossegue:
– Há diversas pesquisas sendo feitas sobre os benefícios do
uso dessa medicação. Não só para a artrite reumatóide, como
também para esquizofrenia, Parkinson, Alzheimer, e muitas outras
doenças que atacam o Sistema Nervoso Central. – Ela solta um
suspiro cansado. – O problema que envolve o uso desse
medicamento, é o preconceito da sociedade. Por ter princípios da
maconha, fazem todo e qualquer tipo de interpretação sobre ele, e
acabam fugindo do remédio, antes mesmo de pesquisarem sobre.
– E a eficácia? Já foi comprovada? – Penélope pergunta,
depois de um tempo.
– Sim, mesmo que cada organismo reaja aos tratamentos de
formas singulares, já foi comprovado cientificamente que é um
produto cem por cento eficaz, e não envolve nenhum ato ilícito.
– Sem contar que, pelo que eu pesquisei, você consegue de
graça pelo SUS[25] aqui no estado de São Paulo – afirmo e olho para
a cientista, que confirma com a cabeça.
– E quais são as reações ou sequelas? – Milene questiona.
– Como eu disse, varia de pessoa pra pessoa. Como sua
mãe tem histórico de problemas com ansiedade, precisaria fazer um
acompanhamento psiquiátrico e quem sabe, tomar uma medicação
junto do Canabidiol, apenas para controle.
As irmãs tiram mais algumas dúvidas com a mulher, que as
responde prontamente. Parecendo realmente interessadas em
tentar esse novo tratamento, isso faz com que me sinta muito mais
aliviado.
Saímos da sala da Andreza com uma nova possibilidade para
a dona Marta. A mulher se disponibilizou para qualquer dúvida que
tivessem.
Já é noite quando entramos no estacionamento, as duas
mulheres pensativas e caladas.
Penso em perguntar algo, quando Penélope para no lugar.
Milene e eu a olhamos, confusos, e a loira olha para mim e depois
para a irmã.
– Mih, pode esperar um pouco lá no carro? Nós já vamos –
pergunta à mais nova, que concorda sem problemas.
Destravo o carro, dando a possibilidade que espere lá dentro
e quando se afasta, me viro para o meu furacão.
Seu rosto impassível não demonstra nada, o que é uma
raridade, por ela ser bem expressiva. Volto a sentir aquele
nervosismo de antes, chegando perto dela bem lentamente.
– Penny, eu sei que é bastante coisa pra digerir. Eu só queria
deixar bem claro, que eu nunca quis causar nenhum desconforto a
vocês duas.
– Por quê? – apenas diz.
– Por quê, o quê?
– Por que fez tudo isso?
Seus olhos azuis me sondam com intensidade. A imagem do
jeito como olhou para a cientista com atenção e esperança, me volta
à mente. Estava claro o quanto isso poderia fazer diferença para
suas vidas e, quem sabe, trazer uma grande melhora para a mãe.
E saber que eu ajudei a trazer esperança à sua vida, me
torna o homem mais fodidamente feliz do mundo.
Trazer isso à Penélope, foi muito maior do que eu imaginava
e causou um impacto irreversível ao meu coração.
Coração que pertence totalmente a essa mulher.
Opto por dizer o que precisa ser dito.
– Quer saber de verdade por que eu fiz tudo isso, Penélope?
– Sim, por favor.
Sorrio, aproximo meu corpo do seu, seguro sua cintura com
uma mão, e com a outra, sua nuca. Inspiro, sentindo seu cheiro de
mar e limão. O cheiro mais gostoso do mundo.
– Porque eu te amo.
Testemunho seu olhar mudar de espantado para
emocionado.
– Você me ama? – sussurra baixinho.
– Eu te amo com todo o meu coração, Penélope. – Meu
polegar toca seus lábios bonitos. – Amo cada minúscula parte sua.
Amo seus olhos lindos, sua boca atrevida, seu cérebro e seu corpo.
Amo quando fica brava comigo e quando solta aquela risada
esquisita. Amo sua força, seu coração e também suas fraquezas.
Amo até essa pintinha quase invisível no canto da sua boca.
Seus olhos marejam, e ela ri, levando a mão até a pinta.
– Você reparou na minha pintinha…
– Sim. Eu vejo cada detalhe seu. Aqueles que todos
enxergam, e os que você tenta esconder. Eu fiz tudo isso e farei
muito mais, simplesmente porque eu te vejo. E eu amo o que eu
vejo.
– Arthur… – Não resisto e beijo sua boca.
Mostro a ela tudo o que está em meu coração, através dos
meus lábios nos seus. Toda a minha vontade de vê-la feliz e
realizada. Todo o meu desejo de estar ao seu lado, não importa a
situação.
Eu nunca quis tanto algo na minha vida, como quero viver
com a Penélope para sempre.
Não há mais escapatória. Eu finalmente me encontrei.
Às vezes, passamos por situações que nos fazem refletir e
perceber que precisamos tomar certas atitudes.
A morte do meu pai foi um ponto chave na minha vida. Eu vi
a vida da minha pequena família mudar por completo, porque o
homem e provedor da casa havia falecido. Em seu leito de morte,
enquanto me despedia, jurei que sustentaria minha família e
ajudaria a minha mãe, até o dia em que não precisasse mais
trabalhar.
Sua morte, por mais triste que tenha sido, e por mais que eu
sinta saudade dele até hoje, foi importante para que essa semente
nascesse dentro de mim.
A perda da minha filha, não foi muito diferente. Mesmo que
um pedaço de mim tenha ficado naquele hospital, e que, toda vez
que olhar para as estrelas, me lembrarei da minha Angel, o que veio
depois disso, também foi algo crucial na minha vida.
Eu me tornei uma mulher que cuida muito mais dos seus,
meu trabalho decolou, e com ele, eu pude ajudar muitas pessoas.
Aquilo me transformou e, por mais que eu trocaria qualquer coisa
para ter visto minha filha crescer, eu consegui enxergar muitas
coisas, que antes eu não via. Marcos foi uma delas.
Dito isso, há o terceiro acontecimento mais marcante na
minha vida.
O momento em que ouvi Arthur dizer que me ama.
Naquele instante, eu soube que precisava tomar algumas
atitudes com relação a mim, ao meu passado e ao meu futuro.
Eu precisava ter coragem para encerrar o passado, para que
pudesse ter um futuro.
Um futuro ao lado do homem que eu amo.
O que nos traz a esse exato momento.
Estou dentro de um outro carro, que eu não faço ideia da
marca, mas que tem bancos muito confortáveis e de couro branco,
ao lado de Arthur.
Mesmo que eu tenha meu próprio carro de marca, nunca vou
me acostumar com os carros infinitos e variados dele.
O braço tatuado está tenso no volante, assim como seu
maxilar. Passo as mãos sobre suas tatuagens, sentindo a pele
quente e os músculos definidos.
Trago ele para mim, vendo Arthur me olhar de relance e
reparo em cada detalhe das tatuagens. Tem desenhos diferentes de
outros, mas que ao mesmo tempo, se completam. Há rosas
desenhadas no antebraço, uma andorinha voando, uma caveira com
sombreamento escuro, e tudo isso harmonizado com traços finos,
grossos e mais sombreados.
Sua perna não é muito diferente. Mesmo que esteja de calça
jeans agora, eu já reparei o suficiente, para entender que segue o
mesmo padrão.
– Eu acho suas tatuagens lindas – digo, passando minha
mão pelas linhas.
– Obrigado, eu também gosto delas.
– Nunca pensou em fazer algo que tivesse um significado
muito grande pra você?
Seu olhar encontra o meu, de modo penetrante, por alguns
instantes, antes que se vire e foque na rua de novo.
– Já. Já pensei sim.
Penso em perguntar mais sobre, contudo, chegamos ao
destino.
Arthur estaciona em uma vaga próxima a uma das praças
mais movimentadas de Campinas, conforme eu havia indicado.
A princípio, eu pensei em vir sozinha, entretanto o
conhecendo como conheço, nem cogitei dar essa sugestão.
Ele desliga o carro, só que quando estendo a mão para abrir
a porta, ela trava de novo.
Franzo a testa e me viro para ele.
Meu namorado está com uma cara muito fofa de bravo,
olhando para frente e mexendo os dedos ao redor do volante.
– Arthur? – o chamo, e ele não se move. – Eu vou ficar bem.
Ele começa a negar com a cabeça, parecendo uma
criancinha. Prendo o riso, sabendo que só pioraria a situação.
– Nada vai me acontecer, eu prometo. – Ele bufa. – Desde
quando você se tornou tão superprotetor?
Seu olhar cai sobre mim, e eu vejo o quanto ele está irritado.
– Desde que você teve a ideia mais sem noção do mundo.
Dessa vez, eu que bufo, olhando-o com tédio.
– Não é sem noção.
– Conversar com o seu ex-noivo sozinha, depois de tudo o
que ele fez, não é sem noção, Penélope?
– Por isso, escolhi um lugar público.
– Não é o suficiente.
– Por isso, você está aqui.
– Não vou junto e, portanto, não é o suficiente.
– Eu preciso disso. Preciso ter essa conversa.
– Por quê? Não podemos simplesmente fingir que ele nunca
existiu?
Respiro fundo, me esforçando para não brigar com ele. Eu o
entendo, de verdade, porque eu estaria do mesmo jeito. Senão, pior.
Porém, isso precisa acontecer. De uma vez por todas.
Levo ambas as mãos até seu rosto e acaricio sua pele. Meu
CEO nervosinho relaxa os ombros no mesmo instante.
– Preciso fazer isso por mim. Para que não haja nada
pendente.
– Você não deve nada a ele, Penny – insiste, repousando a
mão na minha.
– Eu sei, meu bem. Mas eu sinto que tenho que fazer isso. –
Ele abre a boca, e eu logo o corto. – Você confia em mim?
Seu olhar muda.
– Com minha vida.
– Ótimo. Eu também confio em você, por isso, grito se
precisar de algo. – Me inclino, deixando um beijo demorado em seus
lábios. – Prometo que vai ser rápido.
Mesmo com os olhos angustiados e odiando isso, ele
concorda com a cabeça.
Abro um sorriso, grata por ele não tentar me impedir.
Arthur destrava as portas, e quando eu saio, ele vem junto.
Um pouco à frente, Marcos me espera sentado em um dos
bancos da praça. O sol está se pondo, e há diversas pessoas
passeando pelo local.
Quando chego ao lado do carro com Arthur, Marcos nos vê.
Dou um passo à frente, porém a mão forte do meu namorado,
me puxa para si. Sou virada, e minha boca é atacada.
Com fervor.
Arthur enfia a língua dentro da minha boca e de quebra,
aperta a minha bunda sem nenhuma vergonha na cara, quase me
arrancando do chão. Ao desgrudarmos nossas bocas, eu fico
levemente tonta e levo alguns segundos para me recuperar. Miro
seus olhos castanhos, que brilham em diversão e tantos outros
sentimentos.
– Que possessivo… – digo, olhando para sua boca com um
sorriso de canto e sentindo muita vontade de beijá-la de novo.
– Sou possessivo com o que é meu. – Seu tom de voz baixo,
me deixa arrepiada.
Mordo o lábio, quase deixando meu ex para trás e montando
em Arthur, dentro do carro mesmo.
– Droga, por que você tem que ser tão bom?
Ainda com um sorriso travesso, ele tenta aproximar a boca da
minha de novo, mas eu me afasto.
Senão, não saio mais daqui.
Volto a caminhar em direção ao homem com quem um dia eu
dividi a mesma cama, notando o seu desconforto visível pelo que
acabou de ver.
Minha vontade é de voltar lá e fazer tudo de novo, isso sim.
Ando os bons metros até ele e ao me aproximar, ele ameaça
se levantar do banco e vir na minha direção.
Eu o impeço com um olhar.
Sento-me ao seu lado, em uma distância boa e tomo uma
inspiração profunda.
Diferente de algumas semanas atrás, quando o vi naquele
bar e simplesmente travei, hoje, eu não sinto aquele nervosismo.
Não sinto nada, na verdade.
Apenas uma vontade louca de voltar para o homem que tem
meu coração.
Viro meu rosto para o lado, notando que Marcos me olha
atentamente. Os cabelos loiros escuros penteados para o lado, a
camisa polo batida, os jeans impecáveis e sapatos sociais compõem
um conjunto caro e sem graça.
Tão diferente do despojado chique que amo ver em meu
namorado.
Seu rosto está tenso, assim como todo o resto do corpo.
É claro que ele é o primeiro a falar:
– Oi, Penny. Obrigado por conversar comigo.
– Há algumas regras que você vai seguir, Marcos. Caso não
o faça, eu simplesmente vou dar as costas e nunca mais você me
verá.
Seus olhos se arregalam levemente, antes de ele engolir em
seco. Quando estuda meu rosto e percebe que não estou brincando,
concorda com a cabeça.
– Tá certo.
– Bom. Em primeiro lugar, me chame de Penélope. Penny é
apenas para meus amigos, e você não é meu amigo. Em segundo
lugar, se pensar em me tocar, eu mesmo quebro a sua cara. E caso
não seja o suficiente, chamo meu namorado, para fazer isso melhor
que eu – declaro, e ele se encolhe, quando digo a palavra
namorado. – E em terceiro lugar, eu vou te ouvir. Ouvirei tudo o que
insistiu tanto em dizer no casamento, mas depois, será sua vez de
me escutar. Entendeu?
– Sim – responde fraco e encolhendo os ombros.
Deus, como eu pude me apaixonar por um bunda mole
desses?
– Ótimo, pode começar.
Mantenho meu rosto impassível, enquanto ele toma um
fôlego, antes de começar a falar.
– Em primeiro lugar, quero me desculpar por ter sido um
idiota com você no casamento da minha prima. Eu estava
desesperado para que finalmente conversasse com você e não
pensei que isso poderia não ser sua vontade.
E quando eu disse não? Aquilo foi o quê?
Permaneço em silêncio, mesmo que já esteja fervendo de
raiva.
Ele continua:
– Em segundo lugar, eu quero te pedir perdão por ter te
traído. – Ele parece esperar alguma coisa de mim, porém continuo
sem reagir – Eu não devia ter feito aquilo com você. Você não
merecia ver as coisas que viu, e eu fui um completo idiota.
Eu quase me convenço de que ele realmente está
arrependido. Quase. Conheço muito bem Marcos e não fico nada
surpresa com suas próximas palavras.
– Mas você estava distante, Penny… Quer dizer, Penélope –
se corrige. – Fazia meses que você mal olhava para mim. Não
conversava comigo, não me dizia o que estava pensando ou
sentindo. Eu tentei me aproximar. Tentei entender seu lado, mas eu
tenho necessidades que precisam ser supridas.
Desvio o olhar para o horizonte, não porque fiquei
constrangida, nem nada. E sim, porque se continuar olhando para a
sua cara de idiota, vou perder o controle.
Meu coração se aperta ao ouvir isso. Ao saber que, no fim,
ele vai continuar pondo a culpa em mim. Mesmo depois de um ano.
Puta merda, como eu pude dar meu cu para esse imbecil?
– Eu juro que não estou dizendo que estava certo em te trair.
Eu só estou te dizendo que tive motivos para isso. E eu sinto muito
por tudo, Penélope. De verdade.
Ele se cala, me dizendo que essas foram as palavras de
merda que tanto queria me dizer.
Que patético.
Respiro mais uma vez e fito seu rosto. O rosto do homem que
achou que tinha direito de quebrar meu coração e seguir a vida
tranquilamente com isso.
– Acabou? – questiono, apenas para garantir.
– Acabei sim.
Perfeito. Minha vez.
– Acha que a pior coisa que me fez, foi me trair? É uma
pergunta retórica, não precisa responder – acrescento, quando ele
abre a boca. – Pensa que eu fiquei devastada, quebrada e arrasada,
quando deixei o meu apartamento naquele dia? Outra pergunta
retórica.
Eu solto uma risada curta, quando fica confuso.
– Pegar você comendo outra mulher na minha cama, foi
apenas a última das inúmeras coisas que você fez comigo, Marcos.
Começou quando não me deixou enterrar minha filha. – Seus olhos
se tornam enormes. – Quando tratou a pior situação da minha
existência, como algo que eu poderia simplesmente esquecer. Ali,
Marcos, eu já tinha deixado de te amar.
Seu olhar se torna perdido e doloroso. Eu também sinto dor,
só que pelos anos desperdiçados.
– Às vezes em que me cobrou atenção, que dizia que eu
estava chorando demais, que eu tinha que me levantar e trabalhar,
que me pediu para engordar, pois havia perdido peso demais ou
quando me pediu sexo, mesmo que não estivesse em condições
para aquilo. – Eu o encaro, para que não perca nada em meus
olhos. – Basicamente, Marcos, você condenou nosso
relacionamento, quando não me respeitou. Você não respeitou meu
tempo, meus sentimentos, meu luto e minha perda. Eu sei muito
bem que a forma que encontrou de superar a perda do seu tão
amado filho, foi seguindo em frente, mas deixa eu te contar uma
novidade: essa forma não funcionaria comigo.
Preciso fazer uma pausa, quando a raiva tenta nublar meus
pensamentos.
Tenho que acabar logo com isso.
– Você destroçou o meu coração, mas isso não teve nada a
ver com o seu pau minúsculo entrando dentro de outra boceta. –
Seu rosto se torna vermelho, principalmente por saber que estou
certa. – O que me magoou, foram as inúmeras vezes em que
escolheu a si mesmo e não a nós dois. Quando não escolheu ficar
ao meu lado, a enxergar a dor que eu estava sentindo e o quanto
aquela perda me magoou.
Olho por cima do ombro, para o homem de pé e se
remexendo nervosamente, sem desviar os olhos de mim.
Eu abro um sorriso. Arthur me acalma.
Volto-me para Marcos, decidida a finalizar.
– É por isso que, o que fez comigo, não tem perdão. Não a
traição, mas o motivo que o levou a cometê-la. Sei que também
perdeu um filho, mas a forma egoísta com que lidou com isso, foi
sua pior escolha. Eu escolhi falar com você, para encerrar essa fase
tão dolorosa da minha vida e seguir em frente, mas principalmente
para que você saiba, o tipo de homem que você foi para mim. – Ele
fecha os olhos por uns segundos, parecendo realmente magoado. –
Eu espero, do fundo do meu coração, que você seja mais sensível
com aquela menina. Que você cresça e amadureça, para que não
tenha mais nenhum coração partido por aí.
– Ela me deixou – ele solta, mesmo que não tenha
autorizado. – Depois do casamento, ela me deixou, dizendo que eu
ainda te amava. – Ele me olha de um jeito angustiado e irritante. –
Eu ainda te amo, Penélope.
Dou risada e balanço a cabeça de um lado para o outro.
– O que você sente por mim está muito longe de ser amor.
Arrependimento? Eu tenho certeza de que se arrepende. Afinal… –
Me levanto, e ele faz o mesmo, meio apressado. – Eu sou uma
mulher foda pra caralho. Mas isso nunca foi amor. E tudo bem, o
que eu sentia por você também não era.
Por um instante, ele se encolhe com minhas palavras. Acho
que até cogita argumentar, entretanto, sabe muito bem que não vai
adiantar.
Ele pode ter sido um babaca, porém me conhece o suficiente
para entender que suas chances acabaram há tempos.
Seus ombros caem, compreendendo que a conversa não terá
a conclusão que imaginou.
Ele fala mais uma vez.
– Acha que, sei lá, eu e você poderemos ser pelo menos a…
– Não existe a mínima possibilidade de sermos amigos,
Marcos. Na real, nunca fomos. E eu não quero mantê-lo na minha
vida. Isso não me acrescentaria em nada, e daqui pra frente, eu
quero apenas o que me faz bem.
Marcos olha por cima do meu ombro e se volta para mim.
Aponta a cabeça em direção à Arthur.
– Ele te faz bem?
Abro um pequeno sorriso, no entanto, decido não responder.
Não devo satisfação a ele há muito tempo. Aliso o meu vestido e
concluo o que vim fazer aqui.
– Só mais uma coisa, vou vender aquele apartamento.
– O quê? – pergunta, alarmado.
– Exatamente o que ouviu. Vou vender o apartamento que eu
comprei, com o meu dinheiro.
– Mas… Eu moro lá.
– Pois se mude. Te darei um mês para encontrar um lugar e
depois disso, já o colocarei à venda.
– Mas…
– Minha secretária entrará em contato com você. – Seus
lábios crispam, e ele não diz mais nada. – Adeus, Marcos. Desejo
que você seja feliz.
Olho em seus olhos frios uma última vez. Fiz isso por mim,
por minha filha e por todas as vezes em que me senti presa e
impedida de seguir à diante.
Finalmente, deixo meu passado onde ele deve ficar: no
passado.
Viro-me de costas, mais do que pronta para voltar para os
braços do meu futuro, mas paro quando ouço a voz de Marcos.
– Adeus, Penélope. Que você continue sendo muito feliz.
Pela primeira vez, sorrio de verdade para ele. Eu já sou muito
mais feliz, e ele sabe disso.
Sinto um friozinho na barriga, conforme vou me aproximando
de Arthur. Solto uma risada, quando o vejo andando de um lado
para o outro, muito ansioso.
Assim que atravesso a rua, seus braços já estão vindo em
direção à minha cintura. Ele a abraça, assim que o alcanço.
– Está tudo bem? Ele fez alguma coisa com você? – Ele
avalia o meu rosto, me fazendo sorrir mais ainda. – Se ele fez, já me
fala já, que eu tô no jeito. Acabo com aquela cara de cão chupando
manga que ele tem de uma vez.
Jogo a cabeça para trás, soltando a maior gargalhada de
todas. Arthur me olha de um jeito estranho e intrigado.
– Por que está rindo desse jeito?
Mordo o lábio, com aquela sensação de felicidade que só ele
me causa. Abraço seu corpo e olho em seus lindos olhos castanhos.
– Porque eu te amo, Arthur Rabello.
Ele para de respirar, ficando completamente surpreso com a
minha afirmação.
– Eu amo tanto você, que às vezes acho que meu coração
vai parar – completo.
Ele ri de nervoso, me envolvendo em seus braços.
– Por favor, não diga uma coisa dessas.
– O quê?
– Não diga que me ama e logo em seguida, que seu coração
para de bater. É muita coisa pra eu absorver em poucos minutos.
Dou mais uma risada e observo seu rosto relaxar.
– Então, saiba que esse mesmo coração é seu, e que eu me
encontrei, quando te encontrei – falo, sorrindo para o amor da minha
vida.
Agora, seu sorriso é imenso. Suas mãos seguram meu rosto,
e sua boca cola na minha.
– Eu te amo, formiguinha.
Franzo as sobrancelhas.
– Vai continuar me chamando assim?
Ele pensa um pouco.
– Eu gosto de formiguinha. E de deusa. Gosto muito de te
chamar de deusa. – Reviro os olhos, e ele ri. – Do que você vai me
chamar agora?
– Oras, não é óbvio? – Ele nega, me olhando divertido. –
Amor. Vou te chamar de amor.
Arthur morde o lábio inferior, sorrindo daquele jeito bobo.
– Eu gostei desse. – Ele me beija mais uma vez, antes de se
afastar e abrir a porta do carro para mim. – Agora que resolvemos
isso, vamos para a minha casa. Mais especificamente, para a sala
de cinema.
Minha boca escancara.
– Você tem uma sala de cinema dentro de casa?
– Penélope, tem uma sala só de porta-retratos da minha
família. Acha que não teria um cinema? – Dou risada, porque faz
sentido.
– E o que vamos assistir?
– O homem mais gostoso do mundo. – Fico confusa, e ele
esclarece com um sorriso safado. – Vamos maratonar o
Exterminador do Futuro.
Saímos de lá com a barriga doendo de tanto rir.
A casa de John e Rosa está vagamente caótica. Isso porque,
resolvemos vir todos para cá e ter uma sexta-feira entre amigos.
E quando digo todos, eu quero dizer eu, Arthur, Diana,
Benjamin, Chéri, a cachorrinha fofa deles, Milene, Yolanda, o casal
anfitrião e um bebê, e pela primeira vez com todo o restante da
turma, Alfred, Letícia e as crianças.
Como eu disse: caótico.
Para a tristeza de mamacita, ela não pôde vir, por conta de
algumas questões do orfanato, mas nos convidou a ir para lá na
semana que vem, em um evento.
As crianças estão adorando a companhia da labradora mais
fofa que existe, brincando com ela no quintal dos fundos sem parar
e gastando toda a energia acumulada. Isso se aplica à Chéri e às
crianças.
Rosa e Letícia engataram em uma conversa sobre
maternidade há alguns minutos, e minha amiga baixinha está
pegando todas as dicas que pode com a outra, que já teve
experiência em dobro.
Os homens estão bebendo no balcão da cozinha,
conversando sobre assuntos nos quais eu nem me atrevo a me
meter, fazendo de tudo para Alfred se sentir à vontade, já que
precisa se acostumar com o caos. Mesmo que faça parte de uma
família grande, nada se compara à minha.
Diana está tendo uma conversa baixinha com Yolis do outro
lado da sala, e eu tenho um palpite muito bom sobre qual é o
assunto.
Milene carrega Esteban no colo, com todo o cuidado do
mundo, só que minha irmã está estranha. Não sei dizer ao certo,
porém seus sorrisos estão mais contidos, e ela age de forma
ansiosa. Sinto que quer compartilhar algo, entretanto não teve
oportunidade ainda.
Quando todos estiverem distraídos, eu a levo para o quarto
de hóspedes, e conversamos.
Observo todos ao meu redor, sem conseguir conter o sorriso
em meu rosto.
Os dias passam, as batalhas são vencidas, e novas lutas são
travadas, a gente perde, a gente ganha, a gente conquista e a gente
desiste. Tudo passa como um foguete, e no final, é isso aqui o que
mais importa.
A família.
A minha é estranha, escandalosa, dramática e nem todos
compartilham do mesmo sangue, ainda assim, é a melhor família de
todas.
Saio de dentro da cozinha, depois de beber um copo d’água
e ouço a notificação do meu celular. Vejo mais um anúncio de
apartamento para alugar e o abro para ver melhor.
Estudo o preço, a qualidade do imóvel, porém a localização
não me agrada.
É em um lugar muito agitado, e estou procurando algo mais
tranquilo para a minha mãe.
– Penélope Duarte, está vendo apartamentos de novo? –
Rosa chama a minha atenção, sem deixar passar nada.
Agora, todos estão olhando para mim, curiosos. Meu
namorado estica o braço e me puxa para ele, me posicionando no
meio das suas pernas. Sua boca deixa um beijo no meu pescoço,
arrepiando minha pele toda.
– O que chegou pra você, desta vez? – Ele segura o celular
da minha mão, faz um beicinho fofo, avaliando o anúncio, e nega
com a cabeça. – Localização muito ruim. Minha sogrinha vai odiar.
Abro um sorriso bobo, por ele saber exatamente o que eu
quero, sem eu ter dito nada. Mas então, meu sorriso desaparece, ao
perceber que já se passou um mês, e eu não consegui achar nada
que me agrade.
– Você precisa relaxar, logo vai surgir alguma coisa muito boa
pra vocês. – Diana se aproxima e se posiciona do mesmo jeito que
eu, só que entre as pernas do seu namorado.
– Já faz um mês… – lembro.
– E você é uma pessoa muito exigente. Ou pensa que não
me lembro de quando escolheu o apartamento que você colocou pra
vender agora? – Yolis solta uma risada anasalada. – Foram meses
até que escolhesse um ponto entre suas cafeterias, pra que a
locomoção fosse melhor.
– Por que você não fica nesse apartamento, mesmo? – Ben
questiona, apoiando o queixo no topo da cabeça da namorada.
Solto um suspiro e me acomodo melhor nos braços de Arthur.
– Porque eu não vou, de jeito nenhum, voltar a morar no
lugar onde eu fui corna – digo, e eles dão uma risada meio
compreensiva. – Sem contar que o prédio é alto demais, e fica na
cobertura. Mesmo que tenha elevador, será muito ruim para a minha
mãe e para a minha melhor amiga. – Olho para Didi, que segura a
minha mão, agradecida. – Quero algo que seja, pelo menos, no
térreo.
– Mulher, você está sendo bem específica, não? – Lety diz,
apoiando-se no encosto do sofá.
– Se você quiser, eu conheço ótimos corretores de imóveis.
Posso passar alguns contatos pra você – Alfred se disponibiliza.
Abro a boca para agradecer a ele, quando Arthur me
interrompe, pegando o celular e o deixando na bancada.
– Que tal… não nos preocuparmos com isso agora? – Seu
olhar cai sobre mim, e eu franzo a testa. – Tenho certeza de que
uma sugestão muito boa vai surgir logo.
Arthur me olha de um jeito estranho. Troca olhares com seus
amigos e não diz mais nada.
Fico confusa por alguns segundos, porém logo ouvimos
passinhos apressados vindo do quintal, e em seguida, Rian, Victória
e Chéri entram na sala a toda velocidade.
– Mamãe! Mamãe! – Vic a chama, indo até o sofá onde a
mãe está. – Eu posso jogar a senhor patinho pra Chéri pegá?
– Eu disse pra ela que a Chéri vai rasgar o brinquedo todo,
mas ela não me escuta. – Rian cruza os braços e olha para o pai.
– Mas eu falo pra ela não rasgá – a menina tenta argumentar.
– Meu amor, a Chéri é uma cachorrinha muito agitada. Ela
não vai ouvir você pedir pra ela não rasgar – Alfred explica, olhando
divertido para a cena.
– Mas papai… – a pequena choraminga. – Ela não qué mais
a boinha…
– E ela te disse isso, gênio? – Rian retruca.
– Rian! – sua mãe o repreende, e ele se encolhe um pouco. –
Filha, a Chéri está muito feliz com a bolinha que você está jogando.
Olha a carinha dela.
Todo mundo se vira para a labradora, que balança o rabo
sem parar, tem as orelhas atentas e a língua para fora. Apenas
aguardando que a pequena jogue.
– Nós temos outra coisa que você pode jogar – Benjamin
avisa, e Vic se vira para ele com os olhos brilhantes.
– O que é, tio Benji?
Ele ri, entretanto, é minha melhor amiga que se apressa para
dentro e volta com mais dois brinquedos de plástico para cachorro
na mão.
– Onde conseguiu isso? – John questiona, olhando para as
mãos ocupadas de Diana.
– Eu sou uma mulher prevenida, irmão. E me preparo para
casos como esse. – Diana entrega para os irmãos, que sorriem
felizes. – Trago alguns em minha bolsa.
– Está se referindo àquela mala que é quase do seu
tamanho, e que você leva tudo quanto é tipo de coisa dentro? –
Yolis questiona e dá risada.
– Essa mesma.
– Obrigado, tia Diana – Rian agradece.
– Obigada, tia Diana – Victória fala, antes de segurar o
brinquedo atrás da cabeça e ameaçar jogá-lo no meio da sala.
– NÃO! – todo mundo diz ao mesmo tempo, assustando a
pequena, que arregala os olhos.
– Lá fora, meu amor. Tem que brincar com a Chéri lá fora –
Rosa avisa, engolindo em seco, provavelmente imaginando o
estado em que a sala ficaria.
As duas crianças saem, para o alívio de todos.
– ¡Ahí cabrones! [26] – Yolanda chama a atenção para ela. –
Mamacita está ligando.
Sorrimos para a mulher, que atende o telefone e fala com a
idosa.
– Espera, vou colocá-la no viva-voz. – Ela aperta um botão, e
a voz muito alta da senhora, é ouvida.
– ¡Buenas noches, niños![27]
– Boa noite, mamacita – dizemos em uníssono.
– Como estão todos? Ouvi dizer que meus hombres[28]
gostosos estão com vocês.
– Mamacita! – exclamo, quando todos, incluindo a velha, dão
risada.
– Semana que vem levaremos mais um, mamacita – Arthur
diz, olhando para Alfred. – Os braços dele não são tão fortes quanto
os meus, mas dá pro gasto.
O mais velho estreita os olhos para o mais novo, que lhe
lança uma piscadinha.
– Ay, Dios mío.[29] Vou estar muito bem servida.
Todos riem, enquanto eu balanço a cabeça em negativa.
Essa velha atrevida…
Sinto um arrepio passar por minha pele no momento em que
Arthur aproxima a boca do meu ouvido, e seu hálito bate contra ele.
– Com ciúmes, minha deusa? – Sua língua passa por meu
lóbulo, antes de seus dentes morderem a pontinha.
Me encolho no lugar, tendo aquela sensação costumeira de
quando ouço sua voz, nesse tom baixo e rouco.
– Não preciso ter ciúmes, amor. Eu me garanto.
Ele solta um gemido baixo, ao passo que abraça mais o meu
corpo. Por um instante, estamos em nosso mundinho, esquecendo
todo o resto ao redor.
– Toda vez que você me chama de amor, eu fico de pau duro
e louco pra te comer gostoso na primeira superfície que encontrar.
Solto um riso e me viro para olhá-lo nos olhos.
– Você sempre fica de pau duro, Arthur – sussurro baixinho. –
Essa é só mais uma desculpa.
Mordo o lábio, quando suas mãos apertam mais minha
cintura.
– Essa é só mais uma das coisas em você que me deixam
louco, formiguinha.
– Eu te deixo louco? – provoco.
Arthur sorri de lado e aproxima a boca da minha.
– Você sabe que sim.
Ele me beija, de um jeito que diz que mais tarde irá me
mostrar o quanto o deixo louco.
E minha calcinha molha de expectativa.
Nossas bocas se desgrudam, e eu solto um suspiro
apaixonado.
Volto para a agitação das pessoas na sala, vendo Yolanda
encerrar a ligação com a minha avó de coração. Ao lado, Milene
entrega Esteban nas mãos de John, e chega a ser engraçado, ver
um homem de um e noventa de altura segurando um bebezinho tão
pequeno.
– Com licença – Milene não olha para ninguém ao dizer isso
e sai para outro cômodo.
Franzo a testa, achando muito estranho o comportamento
dela. Na mesma hora, Yolanda e eu fazemos uma troca de olhares.
É, não sou só eu que estou a achando estranha.
Quando cogito ir atrás dela, o celular de Arthur apita junto do
meu. Olhamos ao mesmo tempo para nossas telas e o que vemos,
nos faz sorrir.
– Essas aqui, não estão querendo sair das Maldivas tão
cedo, viu – falo alto e viro o meu celular, para mostrar para Letícia.
Arthur mostra o dele para o irmão, que sorri abertamente.
Thays e Larissa receberam, de mim e de Arthur, uma viagem
com tudo pago para passarem a Lua de Mel nas Maldivas.
Meu namorado podre de rico quis pagar tudo sozinho, mas
obviamente, eu não deixei, porque queria participar do presente,
como uma boa madrinha que sou.
As coisas foram tão corridas, que mal pensamos no que dar a
elas, até que a mãe de Larissa comentou que elas ainda não tinham
definido o que fariam depois da festa de casamento. Foi então que
me lembrei de Thays já ter comentado o quanto adoraria ter dias de
paz nas ilhas, então Arthur e eu resolvemos dar exatamente isso às
noivas recém-casadas.
Ao que parece, um mês depois, elas continuam lá. Na foto,
ambas estão segurando seus drinks, vestindo seus biquínis e
deitadas confortavelmente em espreguiçadeiras.
Eu queria ter padrinhos tão maravilhosos quanto nós.
A foto passa de mão em mão, até que para em Rosa, que
solta um longo suspiro.
– Eu queria ir para as Maldivas…
– Bonitão, vamos para as Maldivas de novo? – Letícia mira
Alfred, que a encara com aquele semblante sério, entretanto, com
um sorrisinho despontando do seu rosto. – Eu mereço as Maldivas.
– Você merece o lugar que quiser, gatinha. – Ele pisca,
fazendo todas nós suspirarmos um pouquinho.
– Eu também mereço as Maldivas, marido – Rosa pontua,
sorrindo sacana para John.
– Se eu passar no processo para ser Major, nós vamos com
certeza. – Ele pisca, e a mulher comemora.
– Está tentando subir de cargo? – Benjamin questiona,
sorrindo para o cunhado.
John dá ombros, antes de apoiar o filho no ombro e segurá-lo
com uma única mão.
– Vou tentar, vamos ver se consigo.
– É claro que consegue. Você é o melhor bombeiro do
mundo. – Diana sorri para o irmão.
A baixinha estende o potinho de amendoim para o namorado,
que pega alguns na mão, e depois o deixa ao nosso lado, no balcão
da cozinha.
Meus olhos se arregalam, e eu me jogo na frente dela na
hora.
– Ficou maluca, Diana? – Seguro o potinho e o levo até a
mesa de centro, do outro lado.
Minha melhor amiga me olha, alarmada, assim como Yolanda
e Rosa.
– Arthur é alérgico a amendoim… – Letícia explica.
– Mas precisava quase jogar o pote na parede? – Yolis
pergunta, exagerada como sempre.
Coloco as mãos na cintura e olho para Arthur.
– A partir de hoje, está terminantemente proibido o amendoim
nas nossas reuniões de família – determino.
Um falatório se inicia. Todo mundo protestando e dizendo que
é só o Arthur não pegar, só que eu não quero saber. Não vou
arriscar.
– Nem adianta reclamarem – falo por cima de todos. –
Amendoim nem é tão gostoso assim.
– Não foi você que disse que é uma das melhores tortas da
sua cafeteria, até algumas semanas atrás? – Rosa arqueia a
sobrancelha, contudo, eu não me abalo.
– Isso foi antes de começar a namorar. – Chego perto de
Arthur, e ele abraça minha cintura de novo.
– Minha namorada é muito protetora – se gaba, levando a
cerveja até a boca e me fazendo sorrir.
Tomo um fôlego, para explicar para todos o meu ponto mais
uma vez, quando Milene entra em um rompante na sala, fazendo
todos a olharem e simplesmente solta:
– Eu vou perder a virgindade!
– O quê? – Rosa, Diana e eu soltamos.
Arthur cospe a cerveja que estava tomando, toda na minha
cara, Benjamin se engasga com um amendoim, e Diana corre para
bater nas suas costas, Alfred olha para a minha irmã com os olhos
arregalados e totalmente petrificado, Letícia tem o semblante
confuso e John tem um sorriso discreto no rosto, nem um pouco
abalado com o que acabou de acontecer.
Yolanda está caída no chão, dando risada sem parar.
– Milene, você enlouqueceu? – pergunto, enquanto ajudo
Arthur a respirar, depois que também começou a tossir.
Yolis não consegue parar de rir.
– Essa… foi… a … melhor coisa… da minha… vida! – E ri
mais ainda.
Diana e eu olhamos bravas para a minha irmã, que tem o
rosto roxo, de tão vermelho.
– Ai, meu Deus, me desculpem, eu… eu …
– Rapazes, gostariam de ver a churrasqueira que eu estou
construindo no meu quintal? – John, sereno e nada abalado,
pergunta.
– Sim! Por favor, sim! – Arthur se apressa a dizer e vai atrás
de John, que ainda carrega o pequeno Esteban.
– Churrasqueira. Eu adoraria ver a churrasqueira – Alfred
fala, largando a garrafa de cerveja na pia e seguindo o irmão para
os fundos.
Benjamin ainda parece transtornado, tentando se recuperar
do baque, e balança a cabeça para cima e para baixo, seguindo os
outros.
Tomo uma respiração bem longa, pegando um guardanapo
na pia e secando o rosto.
Agora, as mulheres reunidas, olhamos para a Bebê, que
parece estar prestes a chorar.
Aponto para o sofá.
– Senta aí e explica isso direito – mando, e ela obedece na
hora.
Ao seu lado, Letícia olha ainda mais estranhamente para ela.
– Você é virgem? – a morena questiona.
– Ela… Ela é um neném virgem, sim – Yolanda responde,
finalmente parando de rir e se sentando ao lado da melhor amiga.
Rosa começa a andar de um lado para o outro, Diana leva os
dedos até a boca, e eu cruzo os braços em frente ao corpo.
– Foi uma decisão dela – acrescento, já que o rosto de
Letícia continua confuso.
– Entendi. Faz sentido, na verdade. Uma mulher tão linda
assim, não teria transado ainda por opção. – Ela sorri para a minha
irmã de modo simpático. – Você é uma pessoa muito religiosa?
– Não. Quer dizer, eu tenho a minha fé… Isso não tem nada
a ver com religião. – Ela cutuca os dedos das mãos. – Eu só ainda
não encontrei um cara que me fizesse desejar isso, sabe?
– E, por um acaso, você o encontrou agora? – Diana indaga.
– Ainda não.
– E por que caralhos você disse que vai perder o cabaço, de
uma hora para outra, Bebê? – Rosa parece verdadeiramente
inconformada.
– E tinha que jogar isso na roda? No meio de todo mundo? –
eu questiono.
Milene faz aquela cara de choro de novo, e Yolanda a abraça,
apoiando a sua cabeça no ombro. Rindo, mas abraça.
– Eu acho que sei o que aconteceu – a morena de cabelos
curtinhos diz.
Milene afasta a cabeça e a olha.
– Sabe?
– Sei, Bebê. Você viu os casais formados aqui dentro e ficou
triste.
– Eu não fiquei triste, eu estou muito feliz por todas vocês… –
Ela nos olha, desesperada.
– Sabemos que está feliz por nós, Milene. – Diana se agacha
na sua frente. – Principalmente por sua irmã.
A Bebê fita meus olhos, e eu sinto meu coração se apertar.
– Oh, meu amor! Conta o que está acontecendo. – Me sento
na mesinha no centro da sala, Rosa faz o mesmo, ficando ao meu
lado.
Rodeada de amigas – depois dessa, Letícia é oficialmente
nossa amiga –, minha irmã parece mais confortável para falar.
– Começou no casamento. Eu fiquei tão feliz por você ter tido
coragem de seguir seu coração, Penny. – Ela me olha, e eu abro um
sorriso. – Você estava tão apaixonada pelo Arthur. Abriu mão dos
seus medos, do seu orgulho, de toda a ideia de ódio que sentia por
ele e tentou de verdade.
Minhas amigas se viram para mim, uma sorrindo de modo
mais orgulhoso que outra.
– Eu tive, sim, que abrir mão do orgulho. Tive que parar e
enxergar Arthur de verdade, e perceber o homem extraordinário que
ele é.
Meu peito se enche, ao pensar na nossa trajetória. Quando
tudo começou de um jeito estranho, com duas pessoas magoadas,
e acabou com um amor que eu jamais imaginei sentir por alguém
um dia.
Todos os dias, eu aprendo como é amar uma pessoa. Todas
as vezes em que eu vejo o calor nos olhos castanhos de Arthur e o
brilho do sorriso que me desestruturou.
Assistir Arthur vivendo, é o que encoraja a prosseguir. É o
que me motiva e incentiva.
Qualquer coisa que eu tenha pensado que senti por meu ex,
não se compara ao que eu sinto por ele.
Arthur me mostra todos os dias que eu posso ter a vida que
sempre quis, e eu quero que seja ao seu lado.
– Isso! É isso o que eu quero. – Milene aponta para mim, me
tirando dos meus pensamentos. – Eu quero pensar no homem que
está comigo e ter essa feição.
– De boba? – Yolis brinca.
– De amada. Eu quero ser amada por alguém, como vocês
são.
– Mas por que você precisa perder a virgindade, Bebê? –
Rosa pergunta.
– Foi o que a Larissa disse, não foi? – Letícia diz, e ela
concorda com a cabeça. – Ela disse que apresentaria um cara pra
você, e você não quis.
– Exato. E eu não quero mais isso. Sexo é pra ser só sexo.
Se ele será a porta de entrada para que eu encontre minha outra
metade, então vai ser assim que farei.
– Milene, talvez seja melhor pensar mais a respeito – eu
sondo.
– Eu já pensei muito, Penny. Foram vinte e três anos
pensando. Estou prestes a fazer vinte e quatro. – Seu olhar é
decidido. – Chega de pensar. Está na hora de agir.
Estudo seus olhos verdes bonitos, não encontrando nenhuma
dúvida. Ela vai mesmo fazer isso.
Eu só espero que não se arrependa e que tenha um final
feliz.
– Então é isso? Você é a próxima – Yolanda conta, nos
fazendo sorrir.
– Próxima? – Lety pergunta.
– Quem, de nós, terá sua próxima história de amor contada –
Diana esclarece.
– Não é como se tivesse sobrado muitas opções. Só vocês
duas, na verdade – Rosa pontua.
– Você também é virgem? – Letícia se vira para Yolanda, e
todo mundo ri.
– Só do cu mesmo.
– Mentirosa, você já deu o cu! – Milene afirma, dizendo mais
alto que o recomendado.
– Aquilo não conta. Entrou errado! – Yolis protesta.
Rosa e Diana jogam a cabeça para trás e cascam o bico.
– Mas só tem dois buracos lá embaixo. Como entrou errado?
– eu questiono, mesmo já sabendo essa história de cor e salteado.
– Então, quando o pau ficou na entradinha…
– Yolanda, não vai assustar a visita. Pelo amor de Deus –
Rosa tenta controlá-la, se referindo à Lety.
– Ah não, não. Eu quero saber dessa história agora! – A
morena até se desencosta do sofá.
Dou risada, observando a cena na minha frente e ouvindo
pela enésima vez, a história da quase perda de virgindade do cu da
Yolanda.
Rodeada por quem eu amo, me traz a sensação de estar em
casa.
Como eu disse, os dias voam. Mas isso aqui…
Isso aqui é a melhor parte dos meus dias. Isso e Arthur
Rabello.
Eu nunca imaginei que seria um homem que cometeria
loucuras por amor.
Para começar, eu sempre o evitei. Nunca me relacionei com
alguém tendo intenções de aprofundar a relação, criar algum laço ou
ter algum sentimento envolvido.
Tudo o que eu sempre procurei foram fodas passageiras, que
suprissem minhas necessidades, e nunca tive nenhuma pretensão
de iniciar um relacionamento sério.
Amor? Esse, eu nunca nem cheguei perto de sentir.
Sempre foi algo que apenas vi em casa, na relação dos meus
pais, do meu irmão e minha cunhada, entretanto, nunca havia
experimentado.
No fim, acho que se trata muito mais de encontrar a pessoa
certa, do que apenas estar disposto a amar alguém.
Porque, mesmo que eu tivesse tentado, não seria em nada
parecido com o que eu sinto por Penélope.
Eu entendi que é ela. Se trata dela. E que eu só precisava
encontrá-la, para viver o amor que eu apenas conheci, mas nunca
realmente senti.
E chegamos na minha loucura de amor.
Eu queria mostrar à Penélope o quanto eu estou nessa. Em
nós. Em nosso amor e no que ele significa para mim.
No que ela significa para mim.
Eu pensei muito a respeito e no que isso implicaria. Analisei
todas as nuances e probabilidades. Tentei encontrar qualquer
resquício de incerteza, porém não encontrei nada.
Tudo o que encontrei foi o que eu sinto por ela e o quanto
desejo passar o resto da minha vida ao seu lado.
Da sacada do meu quarto, vejo Penny entrar pelo grande
portão da minha casa e depois, seu carro desaparecer na garagem
coberta.
Saio de onde estou e me posiciono no meio do meu quarto.
Um nervosismo cresce dentro de mim, com meu corpo
percebendo que algo muito importante está prestes a acontecer.
Respiro fundo algumas vezes, contudo, a cada segundo de
espera, fico mais ansioso.
E se eu tiver sido precipitado demais? E se assustá-la? E se
ela se sentir pressionada?
E se…
Qualquer dúvida que tenha nascido em minha mente é
completamente evaporada, no momento em que Penny entra no
meu quarto.
Como é linda…
Seus cabelos bonitos estão soltos ao redor do rosto, ela usa
um vestido azul, na altura dos joelhos, e sandálias rasteiras nos pés.
Seu rosto está um pouco aflito e preocupado, como
normalmente acontece por causa de alguma questão no trabalho,
entretanto, assim que deixa sua bolsa na minha poltrona e ergue os
olhos para mim, sua feição muda por completo.
E é isso. Esse é o momento que confirma tudo.
Que me dá a certeza de que tomei a decisão certa.
O ar ao meu redor se torna mais fácil de respirar. Meu corpo
relaxa os músculos tensos. Meu coração bate mais forte.
Tudo melhora, quando o amor da minha vida para à minha
frente, carregando um sorriso lindo e espalhando o seu cheiro bom
para todo o lado.
– Oi, amor – diz.
– Você tem cheiro de mar. – São as minhas palavras.
Como se fosse possível, seu sorriso se torna mais radiante.
– Eu tenho?
– É um cheiro de maresia. Que me lembra praias, águas
cristalinas e verão. Mas também… – Aproximo, até que sinta o calor
do seu corpo no meu. – Também tem um cheiro de limão. Algo
cítrico.
Ela solta um risinho e me agracia com o toque delicado de
suas mãos nos meus braços. Elas deslizam por minha pele,
alcançando meus ombros e se infiltrando em meus cabelos.
– Acho que é o creme hidratante que passo. Esses dias,
estava pensando em mudar, porque…
– Por favor, não mude. – Seus olhos encontram os meus,
curiosos. – Eu amo esse cheiro misturado com o seu. Eu amo tudo
em você, na verdade.
Seus olhos cintilam de uma maneira que destaca os detalhes
azuis em suas írises. Nunca vi olhos tão azuis como os dela, tão
marcantes.
Nunca vi nada como ela, sinceramente.
Penélope é uma obra feita por mãos divinas e que merece
ser zelada pelas mãos do melhor curador que existe.
E hoje, pedirei para que seja eu, o felizardo.
– Vamos assistir o filme? – Ela segura a minha mão e
começa a me puxar para a cama. – Paramos no terceiro, né?
– Espera um pouco – a impeço de prosseguir e a puxo de
volta. – Tem algumas coisas que queria dizer.
Penny me olha, curiosa, porém faz o que eu peço. Ando um
pouco, até chegarmos de frente para o espelho de corpo inteiro que
toma quase toda a parede do quarto.
– O que você tem? – A preocupação em seu rosto, faz meu
peito se encher.
Como eu amo essa mulher.
– Você acredita em amor à primeira vista? – Miro seus olhos
bonitos.
Ela pensa um pouco, antes de responder.
– Não tenho certeza. Parece ser uma coisa muito significativa
para acontecer de primeira. Por que a pergunta?
– Porque eu acho que te amei na primeira vez em que te vi.
Penélope para de respirar por um momento. Levo minhas
mãos até seu rosto, afastando uma mecha de seu cabelo e a
colocando atrás de sua orelha. Abraço sua cintura, trazendo-a para
mais perto.
– Você estava tão linda, que eu fui levado à você, Penélope.
Atraído, como uma mariposa é atraída pela luz. Mal percebi o que
estava fazendo. Eu só andei. Caminhei até você e acho que sei o
que aconteceu. – Seus olhos marejam, tornando-se mais vívidos. –
Meu coração foi ao encontro daquilo que ele sempre buscou.
Uma lágrima escorre pelo seu olho esquerdo, e eu a pego
com o dedo. O mesmo acontece com o direito, e eu a pego também.
– Eu sempre tive de tudo na minha vida, Penny. Desde
dinheiro a poder. Mas nada, nem o item mais valioso dentro dessa
mansão, se compara ao que você é e ao que me faz sentir. Não
chega aos pés da luz que você trouxe aos meus dias nublados.
– Arthur… – ela sussurra, e eu sorrio.
Isso sempre acontece quando fica sem palavras. E eu adoro
o fato de sussurrar meu nome.
– Eu vejo você. Eu estava perdido, até te encontrar. – Seguro
sua mão e levo até meu coração, batendo violentamente. – Meu
coração bateu de verdade, quando você entrou em minha vida, meu
amor. Mesmo que a princípio tenha despertado raiva, você ainda foi
o que o despertou. Eu te amei, quando te odiei. Eu te amei, quando
você me fez rir pela primeira vez. Eu te amei, quando me deu uma
parte sua que eu nem merecia. Eu te amei, quando se entregou
para mim. E eu te amei muito mais, por você me amar de volta.
Respiro fundo e digo a frase que habita o mais profundo da
minha alma.
– Eu cheguei tarde para ser o seu primeiro amor. Mas por
favor, me deixe ser o último.
– Ah, Arthur…
– Eu pensei em como poderia demonstrar para você o que
sinto. O quanto desejo tê-la ao meu lado para sempre. E então, eu
cometi uma loucura.
Seu olhar se espanta ao ouvir isso.
– Arthur Rabello, o que você fez? – Seu nariz avermelhado
funga.
– Eu te marquei, permanentemente em mim.
Seus olhos ficam maiores ainda, e eu sorrio. Ela não faz
ideia…
Sem precisar dizer mais nada, me afasto um pouco do seu
corpo e me viro de frente para o espelho.
Penny parece confusa, mas eu escolhi esse lugar, para não
perder nenhuma reação dela.
Seguro a barra da minha camiseta, a levanto e a retiro de
uma vez.
E um arfar deixa os lábios de Penélope.
Os olhos azuis dela se arregalam. No início, fica sem reação
nenhuma. Em seguida, mais lágrimas molham sua bochecha
corada, e seus olhos encontram os meus através do espelho.
– Angel?
Sorrio e concordo com a cabeça.
Na parte superior das minhas costas, há uma nova tatuagem.
Com as cores preta, azul cobalto, azul marinho e azul royal,
há um céu estrelado pintado permanentemente em minha pele.
Somos nós. Ou pelo menos, a visão que tivemos naquele
morro, a algumas semanas atrás.
O céu está banhado de pontos brilhantes, a paisagem
também leva o topo das árvores mais altas na parte inferior do
desenho, e não há nuvens. Apenas as estrelas que hoje, tanto para
mim quanto para Penélope, possuem um novo significado.
Com uma mão, minha mulher tapa a própria boca, ainda
chocada, e com a outra, passeia delicadamente os dedos pelo
desenho.
Ela toma o seu tempo. Observando cada detalhe com
cuidado.
Seu olhar encontra o meu novamente, e ela sussurra a
pergunta:
– Por quê?
Viro-me, para que entenda cada palavra que direi.
– Porque nós somos eternos. Permanentes. Como as tintas
em minha pele. – Minhas mãos secam o seu rosto, que agora
carrega um lindo sorriso. – Mesmo que já te quisesse, esse foi o
momento em que as coisas mudaram para nós. Foi o momento em
que eu soube que estava apaixonado e que eu faria de tudo para
ver você bem e feliz. E, se eu tivesse uma sorte do caralho, você
também estaria comigo.
– Deus… ela é linda. – Seu olhar se volta para atrás de mim,
em meu reflexo no espelho.
– Quero que, quando não puder olhar as estrelas do céu, as
veja em mim. – Seu olhar encontra o meu novamente. – Sempre
que quiser vê-las, elas estarão aqui. Comigo.
Suas mãos se apoiam em meu peito. Penny fecha os olhos
por alguns instantes, antes de se concentrar em mim.
– Arthur, eu… Não tenho palavras pra dizer o quanto eu amei
esse gesto. Eu… – Ela respira fundo. – Angel teria te amado. Tanto
quanto eu amo.
Essa declaração faz meus olhos pinicarem. Saber disso, é
tão precioso quanto ouvir que seu coração me pertence.
– Eu também teria a amado, Penélope.
– Eu sei. Eu tenho certeza disso. – Ela sorri. Há um
sentimento de tristeza junto, porém ela sorri.
Tomo um fôlego e me preparo para a segunda parte do meu
plano.
– Eu tenho uma proposta para te fazer. – Ela me olha,
assustada, e eu dou risada. – Calma, ainda não é uma proposta de
casamento. Mesmo que eu não vá demorar muito tempo para
colocar uma aliança em seu dedo.
Lanço uma piscadinha, e ela ri.
– Certo… E qual é a proposta?
Mordo o lábio, sentindo um frio na barriga. Levo a mão até o
bolso de trás da minha calça de moletom e pego o objeto.
Trago-o para frente do rosto dela e a deixo ver o que é.
Sua testa enruga, quando ela olha dele para o meu rosto,
depois para ele e para o meu rosto de novo.
– Uma chave? Pra quê uma chave? – Permaneço em
silêncio, com um sorriso discreto no rosto, até ela entender. Quando
acontece, sua boca escancara. – Você não está me sugerindo…
– Mora comigo?
– Eu?
– Sim.
– Morar aqui?
– Aqui.
– Com você?
– Eu pretendo morar na minha casa, sim. No caso, não
pensei em ir morar na rua, nem nada do tipo.
Ela solta uma risada desesperada e volta a olhar para a
chave, antiga e adornada, como se fosse um item mágico.
– Arthur, isso é loucura… E minha mãe? Eu não posso deixá-
la sozinha, principalmente agora, que vai começar o tratamento e…
– Penélope, já viu quantos quartos tem essa casa? Lugar
para a sua mãe, não vai faltar.
– Mas… É a sua casa…
– Sim, e eu tenho mais dezenas espalhadas por aí. Se não
gostar dessa, é só escolher outra.
– Meu Deus… – Ela segura a chave, ainda chocada.
– Não precisa mais quebrar a cabeça para tentar encontrar
um lugar tranquilo para a sua mãe, nem de companhia para ela,
porque aqui tem tudo isso. Ela ficaria em um quarto no primeiro
andar e teria acesso livre à cozinha sempre que quisesse. Só vejo
vantagens.
– E você faria isso? Nos traria para dentro da sua casa?
– Penélope, meu amor. – Retiro a chave da sua mão, a jogo
em cima da minha cama e seguro seu rosto entre as mãos. – Não
entendeu ainda que eu faria tudo por você? Eu vou poder acordar
todos os dias ao lado da mulher da minha vida. Essa foi a melhor
decisão que já tomei na vida.
Penny fecha os olhos por alguns instantes, nega com a
cabeça e volta a me olhar. Há um sorriso brincando em seus lábios.
– Você é completamente maluco, Arthur Rabello. Me tira do
sério, me irrita, me faz passar raiva… – Suas mãos se fecham ao
redor das minhas. – Mas é o único homem que eu amei de verdade
em toda a minha vida. Eu aceito vir morar com você.
E como fogos de artifício estourando no céu, meu peito se
enche da mais pura alegria.
Nossos lábios se encontram no instante seguinte. Há aquela
sincronia, aquela coreografia, aquela dança que fazemos com tanta
perfeição.
O que nossas mãos tocam, os sons que fazemos, e a
respiração que compartilhamos, fazem parte de uma sinfonia
perfeita.
Penélope nasceu para ser minha, e eu nasci para ser dela.
E sou grato por ter percebido isso a tempo.
O beijo se torna mais ardente. Mais necessitado.
Minhas mãos retiram seu vestido, suas mãos retiram minha
calça. Meus dedos arrancam sua calcinha, seus dedos puxam de
mim a minha cueca.
Minha boca desce até seu pescoço, eu beijo, eu chupo, eu
mordo sua pele.
Eu ouço seus gemidos. Sinto seu arfar.
Seus dedos buscam minha pele. Suas unhas me marcam.
Minha mão agarra seus seios, sua garganta deixa um
gemido. Meu coração dispara. Seu coração dispara.
Meu corpo pede por ela. Seu corpo pede por mim.
E eu me entrego.
Beijando e tocando sua pele sempre tão quente, eu dou à
Penélope tudo o que ela quer, e ela me dá o que preciso.
Afasto meus lábios de sua pele avermelhada, focando em
seu olhar languido e sensual. Sua boca em formato de coração está
inchada, os cabelos bagunçados, e seus peitos gostosos sobem e
descem em uma respiração ofegante.
– Você é linda pra caralho, Penélope. – Viro-a de frente para
o grande espelho, exibindo para nós dois, nossos corpos nus. –
Olha a perfeição de mulher que você é, minha deusa. Minha. Você é
toda minha.
Encosto meu pau endurecido em sua bunda, ao passo que
minhas mãos se fecham ao redor dos seus seios. Ela geme, se
esfregando com ousadia em mim, sem desviar o olhar de nós dois.
– Gosta do que vê, não gosta? – Ela murmura. – Sei que
gosta de ser espectadora, Penny. Ou pensa que me esqueci
daquele dia dentro do guarda-roupa, quando ficou excitada vendo
as nossas amigas se pegarem?
Seus olhos arregalam, e eu sorrio perversamente. Acho que
Penélope mal percebeu o que estava acontecendo ou o que estava
sentindo naquele momento. Contudo, eu vi. Não há nada nessa
mulher, que eu não veja.
– Você sabia que tinha tendências voyeurs, Penélope? –
Seus lábios se desgrudam um do outro, quando minha mão
escorrega para o meio de suas pernas. – Você percebeu que sua
bocetinha ficou molhada, exatamente como está agora?
Aliso meus dedos em seus lábios excitados, ouvindo o
gemido alto da boca dela. Enterro meu nariz em seu pescoço,
sentindo seu cheiro bom, para logo em seguida, morder sua pele.
– Eu acho que você gosta de olhar, de assistir… Talvez um
dia, te leve a uma casa de swing, não sei. – Minha outra mão solta
seu seio e segura firme o seu cabelo, a obrigando a me olhar. – Mas
hoje, você vai olhar nós dois, Penélope. Vou foder a sua boceta e o
seu cu em frente a esse espelho, e você não vai perder nenhum
segundo disso.
– Arthur, por favor… – choraminga, e eu não paro de torturá-
la com meus dedos, pressionando seu clitóris.
– Apoie as mãos no espelho – ordeno, e ela me obedece.
Afasto suas pernas, usando meu pé, e ela se abre mais ainda para
mim.
– Ai, Deus… – Seus olhos pesam.
– Me diz, Penélope. O que você vê? – Ela engole em seco,
me olhando atentamente. – Qual a história do casal à sua frente?
– Você quer…
– Quero que me diga qual é a história do casal em frente ao
espelho. – Tiro minha mão da sua boceta, e ela resmunga. –
Responda. Agora.
Olhando para mim através de nossos reflexos, ela faz o que
eu mando.
– A mulher teve o coração partido, vivia reclamando de tudo e
vivia de mau humor. – Solto uma risadinha e começo a beijar a sua
nuca. – Ela só pensava em trabalho e não queria ficar com nenhum
homem.
– E o que mais? – Meus lábios vão descendo por toda a sua
coluna, até que esteja ajoelhado atrás da sua bunda grande.
– O ho-homem… Ele era um galinha… – gagueja, quando
distribuo beijos por sua bunda, a segurando firme em minhas mãos.
– Ah, ele era?
– Era… Muito... Jesus! – Penny perde a compostura, quando
minha língua encontra sua vagina pela primeira vez. – E… E ele é
rico. Muito rico… Ah.
Seguro sua cintura, quando começa a se contorcer, passando
a chupar sua entrada. Minha língua se lambuza com sua excitação,
deixando seu sabor e fazendo meu pau pulsar a cada lambida. Levo
um dedo até sua entrada, o molho, e depois o levo até o seu cu.
Penny luta bravamente para permanecer com os olhos
abertos, mesmo que esteja gemendo e se contorcendo cada vez
mais.
– O que aconteceu com esse casal? – indago.
– Eles…
Sua fala morre e se transforma em um gemido, quando meus
lábios envolvem seu ânus, e em seguida, minha língua o lambe.
Enfio dois dedos dentro da sua boceta, entrando e saindo, enquanto
minha boca continua o serviço de enlouquecê-la.
– Eles… Porra… Eles brigaram – ela se esforça para falar.
– E depois, Penélope. O que houve? – Minha língua sobe e
desce. Desde sua boceta encharcada, até o seu cu apertado.
Penélope joga a cabeça para trás, gemendo alto quando uso
a outra mão para massagear seu clitóris.
E eu me concentro para não gozar aqui mesmo.
– Eles fizeram as pazes. Arthur, puta merda!
Seu corpo começa a estremecer, e eu paro tudo o que estou
fazendo. Ouvindo Penélope rosnar, furiosa, inclino seu tronco um
pouco mais para frente e trago sua bunda mais para mim. Posiciono
meu cacete na sua boceta, melando sua entrada com o meu pré-
gozo.
Bom pra caralho!
– E agora, meu amor, ele vai fodê-la. Como nunca a fodeu
antes.
– Por favor… – implora, e eu me afundo nela.
De uma vez.
Nós dois gememos com o impacto. Sinto sua boceta me
apertar e me engolir até o fundo.
Olho para baixo, admirando sua bunda encaixada na minha
frente e desfiro um tapa forte na sua nádega branca.
Ela geme. Outro tapa.
Ela geme de novo. Mais um tapa.
Sua bunda rebola, e eu começo a me mexer.
Fodo de encontro a ela. Assistindo em primeira mão, sua
bunda tremer conforme toca em meu quadril.
Saio e entro com vontade. Apertando sua pele e deixando
minhas marcas nela.
Foco no espelho à minha frente, vendo Penélope com os
lábios entreabertos, as mãos firmemente apoiadas no espelho, os
peitos balançando para frente e para trás, e os olhos fechados.
– Abra os olhos, Penélope. Olha como você fica linda sendo
fodida por mim.
Como sempre, ela obedece. Seu olhar encontra o meu, e eu
fico transtornado.
Arrasto minha mão por sua coluna, beijo sua nuca, mordo
seu pescoço e lambo sua orelha.
Estoco, cada vez mais descontrolado, sentindo a melhor
sensação de todas, que é ter meu pau sugado por ela.
Bato na sua bunda de novo uma, duas, três vezes.
Sua pele se torna avermelhada de um jeito magnífico, e
quando minha mão desfere mais um tapa, Penélope solta aquele
sonzinho estridente e delicioso, e goza.
Seu orgasmo é potente, me obrigando a segurar firme seu
corpo no lugar, quando estremece violentamente.
Ela mal termina, e eu já estou retirando o meu pau, e usando
minha mão para espalhar seu gozo na sua outra entrada.
Seu cu pisca quando melo sua pele, e quando olho para
Penélope, ela está de olhos arregalados.
– Eu não sei se aguento você… – fala, ofegante.
Sorrio, ao passo que meu dedo a penetra sem dificuldade.
– Você vai aguentar, deusa. Vai aguentar tudo o que eu tenho
pra te oferecer. – Enfio mais outro dedo e bombeio lá dentro. Minha
safada geme e rebola sem pudor algum. – Vou comer seu cu agora,
Penélope.
Quase choro de alegria.
Tiro os meus dedos, apenas para substituí-los por meu pau.
Quando a cabeça pede passagem, Penélope o contrai, e eu espero
até que relaxe. Levo minha mão livre até seu clitóris e inicio uma
massagem lenta.
Ela finalmente relaxa, e eu começo a entrar.
Pouco a pouco.
Centímetro a centímetro, Penélope vai me recebendo.
Trinco os dentes, quase perdendo o controle, por ser tão
apertado. Sentindo um calafrio se arrastar por minha coluna e o
tesão dominar cada parte do meu corpo.
Minha mulher me ordenha uma última vez, até que esteja
totalmente dentro dela.
– Puta que pariu. É a porra do paraíso! – rosno, olhando mais
uma vez para a imagem à minha frente.
Inicio o vai e vem devagar, deixando Penélope se acostumar,
mas sabendo que não vou durar muito mais tempo.
Meus dedos em seu clitóris começam um trabalho mais
preciso, fazendo-a gemer meu nome e revirar os olhos.
Começo a perder o controle e a aumentar a velocidade. Para
a minha felicidade, Penny não reclama.
Não faz careta.
Não resmunga.
Apenas me recebe. Gemendo, rebolando e se contorcendo.
E então, eu fodo o seu cu do jeito que sempre quis.
Seguro na lateral da sua bunda gorda e meto sem parar. Meu
coração martelando forte, cada músculo do meu corpo rígido, e
minha respiração quase inexistente.
Com a bunda mais gostosa de todas batendo de encontro a
mim, eu tenho a melhor foda da minha vida.
Penny já se perdeu, fechando os olhos, gritando sem parar e
arranhando o espelho à sua frente, e quando minha mão segura a
sua garganta, ela tem um segundo orgasmo.
Estremecendo e com vários sons deixando sua boca, seu
orgasmo chega e antecede o meu.
Esporro dentro do seu cu, soltando um rosnado entre os
dentes e vendo pontos pretos na minha visão por alguns segundos.
– Caralho… – digo ofegante, conforme toda a minha porra
deixa o meu corpo.
Ficamos em silêncio durante uns instantes, com nossas
respirações sendo o único som em meu quarto.
Saio de dentro dela devagar, estremecendo no processo e
vendo um filete branco escorrer por suas pernas.
Sorrio abertamente, como um maluco possessivo.
– Linda, com a minha porra em sua pele.
Penélope abre os olhos, ainda respirando com dificuldade e
nega com a cabeça.
– Você é maluco – sussurra.
Dou risada, virando-a para mim e em seguida, a segurando
no colo. Deixo um beijo lento e delicioso na sua boca, com ela
abraçando meus ombros.
– Eu posso ser maluco, mas eu sou um maluco rendido por
você. – Ela solta aquela gargalhada que eu tanto amo. Olho em
seus olhos brilhantes, para o sorriso aberto e o rosto mais lindo de
todos, antes de completar: – Eu me encontro em você. Eu vejo
você. Eu amo você.
Em sua boca há um sorriso carinhoso. Sua mão toca a minha
bochecha, e me olha com ternura.
– Eu me encontro em você. Eu vejo você. Eu amo você,
Arthur.
Toco nossas testas e inspiro seu cheiro.
– Briga comigo para sempre?
Sorrindo, concorda com a cabeça.
– Para sempre, como as tintas de uma tatuagem.
E, quando beijo a sua boca mais uma vez, entendo como é
amar alguém.
É fácil. É prazeroso. É perfeito.
Isso é tudo o que eu preciso. Isso e Penélope Duarte.
7 anos depois
O coração de Arthur Rabello batia à toda velocidade.
Anos depois, e ele continuava desafiando as leis, e pondo
sua vida em risco.
Eram momentos eletrizantes como este, que faziam de sua
vida a melhor de todas.
Não quando sua editora ganhara prêmios e reconhecimento
por ser o melhor jornal econômico de todo o país.
Ou quando sua esposa abrira outras lojas, e o Café da Penny
se tornara a melhor cafeteria do estado de São Paulo.
Nem quando a fábrica de farinha que Arthur lhe comprara, há
bons anos atrás, triplicou de tamanho e se transformara em uma
das maiores distribuidoras de farinha da região.
Não.
Os momentos em que Arthur mais sorria, mais se sentia
completo e mais agradecia por estar vivo, eram os entre família.
Sorrindo abertamente, ele anda devagar, agachado, até se
pôr atrás de uma das bancadas da cozinha. Seu rosto se vira, e ele
espia com cuidado, para avaliar a situação por completo.
Do outro lado da ilha da cozinha, Penélope remexe nos
ingredientes do bolo que decidiu preparar de última hora.
Depois de alguns anos, sua esposa resolveu ser mais ativa
na preparação de algumas das maiores receitas de sua mãe. Dona
Marta passou a frequentar a cozinha com menos frequência,
principalmente quando sua doença voltara, depois de alguns anos
de remissão. Foi então que a filha decidiu passar mais tempo
conhecendo suas receitas, do que somente as vendendo.
Nesse momento, por conta de uma visita de última hora, sua
mulher correu para preparar algo para receber as pessoas.
De costas para onde está, Arthur admira, sem nenhum pudor,
a bunda da esposa, sendo que essa, sem dúvidas, é uma das
características nele, que jamais mudará.
– Papai, você tá fazendo de novo. – O sussurro próximo ao
seu ouvido, faz com que Arthur tire sua atenção do corpo de
Penélope.
Virando-se para o seu lado, já com o indicador nos lábios, ele
pede silêncio ao filho.
O pequeno Carlos Eduardo, de apenas cinco anos, cruza os
braços e faz um bico irritado para o pai.
Sua cópia perfeita, a criança tem os cabelos castanhos de
Arthur, ondulados e sempre bagunçados, e o tom de pele bronzeado
dos Rabello. Se não fossem pelos olhos incrivelmente azuis como
os da mãe, diriam que ele é apenas filho de Arthur.
O pai não resiste. Deixa um beijo molhado na bochecha
gorducha do filho, só que a careta não se desfaz.
O gênio, claramente, igual ao da mãe.
E ela continua sendo meu carma…
– Filho, precisamos ficar em silêncio – sussurra o mais baixo
que pode.
– Mas o papai tá olhando bobo pa mamãe de novo –
resmunga.
O homem suspira derrotado, sabendo sim, que estava
olhando com cara de bobo para a mulher.
Porém, ele não pode evitar.
Existem momentos em que ele simplesmente não conseguia
deixar de admirar a esposa. Principalmente agora, quando ela está
desse jeito.
O pai une ambas as mãos em um gesto de desculpas e pede
silêncio novamente.
Aponta em direção à esposa, e o rosto carrancudo do filho
logo se desfaz, e o sorriso perverso toma o rosto.
Isso ele herdou de mim, sem dúvidas.
O pequeno se aproxima mais, avaliando a mãe, que agora
cantarola enquanto passa a farinha na assadeira. O pai o questiona
com o olhar, que desde muito novo, o filho já entende, e o menino
acena com a cabeça.
Com os dedos no ar, ele conta.
Um.
Dois.
Três.
– Buuuuuu! – Pai e filho saltam de trás da bancada aos
berros, dando um susto em Penélope.
Um grito alto deixa a garganta dela, ao mesmo tempo que
farinha voa para todo lado.
Os dois caem na gargalhada no instante em que veem a cara
de espanto da mãe e o rosto completamente tomado pelo pó
branco.
– Te pegamos de novo, mamãe! – A criança tem a mão na
barriga, conforme ri.
– Eu e o Cadu te assustamos de verdade. Não é, filhão? –
Arthur ergue a palma da mão para o filho bater nela de encontro.
Os dois ainda estão rindo, quando percebem que Penélope
não esboçou mais nenhuma reação. Suas risadas vão morrendo, e
seus sorrisos desaparecendo, ao passo que seus olhos encontram o
rosto da mulher.
Furiosa.
Penélope está furiosa.
O silêncio reina pelo recinto, quando os dois se entreolham e
depois fitam o rosto avermelhado dela.
Arthur começa a sentir o peito acelerar novamente, porém
não é mais de excitação, e sim, de medo. Sua boca se abre para, ao
menos tentar apaziguar a fera, mas nada chega a sair.
Não quando a esposa se vira rapidamente para o balcão,
mergulha as mãos dentro da farinha e se vira para eles de novo.
– Vocês me pagam! – E a primeira lufada de farinha vai na
direção de Arthur.
O homem desvia por pouquíssimos centímetros, e quando
percebe, sua esposa está correndo atrás do filho na cozinha.
– Corre, Cadu. Corre! – o pai grita.
Gargalhando alto e sem parar, o menino corre com toda a
velocidade que suas pernas pequenas o permitem.
– Vem aqui, seu malandrinho! – a mãe grita, determinada a
fazê-lo pagar.
Cadu escorrega e cai no chão, quando se aproxima da pia, e
antes que consiga se reerguer, uma montanha de farinha cai sobre
seu rosto.
A mulher não perdoa.
Rindo diabolicamente, espalha a farinha pelo rosto e pelo
cabelo do menino.
– Não! Não! Para! – ele suplica, entretanto não há piedade
por parte da mãe.
– Eu te salvo, filho. – O pai corre em direção aos dois, pronto
para acabar com a tortura do mais novo.
Tomando todo o cuidado do mundo, Arthur envolve a cintura
da mulher e a tira de cima dele. Rindo, quase não percebe quando
Penélope solta um pequeno gemido de dor e leva as mãos para a
barriga inchada.
Toda a diversão evapora do corpo do homem, que se
apavora.
– Amor? Tá tudo bem, o que houve? – Ele olha para o rosto
da esposa, ofegante e preocupado.
Ela se curva, apoia uma mão no balcão, e a outra na barriga.
Respira fundo algumas vezes de olhos fechados, e uma sensação
de pânico invade cada centímetro de Arthur.
– Penélope, vamos para o hospital agora, você precisa…
E então, ele sente seu rosto ser atingido por bons quilos de
farinha de trigo.
– Peguei você, papai! – ela zomba, e ambos escutam a
risada estridente e gostosa do filho.
O pequeno Cadu não se mostra satisfeito com a bagunça,
pois se põe de pé em um salto, acumula um pouco de farinha do
chão nas mãos e resolve mudar o alvo.
Dessa vez, as pernas do pai são atingidas.
– Ei! Você não pode me trair desse jeito, mocinho – ele
reclama, contudo, o sorriso voltou para o rosto.
Os dois começam uma brincadeira de lutinha. Uma coisa que
ambos gostam muito de fazer.
Para falar a verdade, o pequeno Cadu se mostrara um exímio
lutador, mesmo com tão pouca idade.
O pai tem bons palpites de que será o caminho que o
pequeno irá seguir.
Ele só precisa aprender a controlar seu talento na creche,
com os outros meninos.
Arthur e Penélope se esforçam para que a criança não se
envolva em problemas, porém a cada dia que cresce, o
temperamento do pequeno fica mais difícil.
– Tá bom, tá bom, lutadores. Chega. – Mesmo que não
queiram, os dois obedecem ao comando da mulher. – Agora que
estou cheia de farinha, vou ter que tomar banho de novo. Ou seja –
dessa vez, é para o esposo que ela olha –, terão que receber a tia
Letícia, o tio Alfred e as crianças.
– Ok, mamãe – o filho concorda.
– Ok, minha deusa – o pai concorda.
Concordando com um aceno da cabeça, ela se abaixa um
pouco, para ficar na altura de Cadu, deixa um beijo em sua testa e
bagunça os cabelos iguais aos do pai, só que cheios de farinha.
– Você, mocinho. Vá agora para o banho.
– Ah, não. Eu não quero tomar banho, mamãe – Cadu
resmunga, fazendo uma careta.
– Não importa, já pro banho, Carlos Eduardo. – Ela apoia as
mãos na cintura.
Com o rosto ainda coberto de farinha, seus olhinhos azuis e
pidões voam para o pai, tal qual um bico se forma em sua boca.
Arthur suspira, sabendo que essa tática muitas vezes
funciona com ele, mas não tem jeito. Seus familiares estão prestes a
chegar, e ele precisa se limpar.
– Não me olha assim, filhão. Precisa tomar banho –
acrescenta. – Ou vai dar uma de Caducão?
– Ah, então vou ter que te chamar de Caducão? – Penélope
estreita os olhos para o menino.
Fechando a cara, nervoso e sem desfazer o bico emburrado,
ele dá meia volta, se voltando para o andar de cima da casa.
O filho do casal mostrara um certo desprezo por banho há
alguns meses. Preguiçoso, ele sempre acaba enrolando para tomar
ou reclamando no processo.
Foi então que mamacita, depois de lutar bravamente para
que o bisneto de coração tomasse banho em uma das vezes em
que esteve em sua casa, começou a dizer que ele parecia o
Cascão, personagem da Turma da Mônica.
Seus primos mais velhos, Rian e Miguel – filho de Diana –,
fizeram a junção dos dois nomes, e ficou Caducão.
A criança, obviamente odiou, entretanto, é a única coisa que
o faz ceder, quando insiste em se livrar do banho.
– Nós somos péssimos pais por chamá-lo desse jeito, não
somos? – Penny diz, olhando o pequeno se arrastar escada acima.
Seu marido se aproxima, segura sua cintura entre as mãos e
estala a língua na boca.
– Nós somos excelentes pais. Ele vai ficar bem. Agora, minha
senhora – o olhar dela encontra o seu –, nunca mais faça isso.
Quase desmaiei antes da hora com essa sua brincadeirinha.
Ela sorri perversamente, levando as duas mãos para o monte
crescendo em sua barriga. Grávida de quase seis meses do
segundo filho do casal, Penélope acaricia o lugar com ternura.
– Suas meninas estão perfeitamente bem, meu amor. O pai
dela que ainda não aprendeu que a mãe nunca perde. – Pisca um
olho, e tem as mãos envolvidas pelas de Arthur.
– E que desenvolveu uma sede de vingança cruel, também. –
Ela ri, e ele se abaixa para depositar um beijo em sua barriga.
No entanto, começa a cuspir a farinha que acabara entrando
em sua boca. Sua esposa ri da cena e nega com a cabeça.
– Isso é culpa sua – afirma.
– Minha?
– Sim, sua. Ou pensa que eu não ouvi vocês dois
cochichando ali atrás. – O rosto do homem fica chocado, e ela sorri
debochadamente. – Achou mesmo que me enganaria? – Sua boca
se aproxima da do esposo, antes de dizer: – Acha que não sei que
estava com cara de bobo para a minha bunda?
Arthur abre um sorriso malicioso e puxa o corpo da esposa
para o seu.
– É que você fica gostosa pra caralho quando está grávida.
Eu não consigo resistir.
– Eu sei, e seu filho também. – Ela estreita os olhos para ele,
que não resiste e solta uma gargalhada alta.
– Tá bom. Vou ser mais cuidadoso.
Satisfeita, Penélope concorda e passa os olhos ao redor da
cozinha.
– E temos que limpar essa bagunça, antes que o pessoal
chegue – avisa.
– Deixa que eu cuido disso. – Os lábios dele encontram os da
esposa em um beijo lento. – Vai tomar seu banho.
– Não, eu preciso terminar o bolo.
– Então termina, que eu vou arrumando tudo.
– Ok.
O casal então inicia os seus afazeres.
Hoje em dia, em uma casa que não é nem de perto grande
como a que moraram juntos a anos atrás, eles não vivem com uma
governanta todos os dias. Mesmo que ainda seja uma mansão, e
precisem de equipes de limpeza e manutenção, momentos como
esse, costumam acontecer.
Arthur e Penélope jamais deixaram de trabalhar e gerenciar
seus negócios, que apenas prosperaram no decorrer dos anos.
Contudo, a família se tornara sua maior prioridade.
Quando eram apenas os dois ou quando esperavam o
primeiro filho. Entendiam que seu bem mais precioso era aquele e
sempre fizeram questão de valorizar o que tinham.
Penélope ainda conversa com as estrelas sempre que pode,
mesmo que também as tivesse tatuado em suas costas, um tempo
depois que seu marido o fez. Conta ao seu pequeno anjo, as
dádivas que a vida lhe dera e compartilha suas maiores alegrias.
Arthur se tornara mais próximo da família que antes, sempre
fazendo questão de estar presente nos encontros e eventos. Jamais
deixara de apoiar quem ama e é o maior incentivador daqueles que
querem perseguir seus sonhos.
As duas gravidezes de Penny não foram de risco, para o
alívio dos dois.
A família de coração de Penélope, junto à de sangue, está
empolgadíssima com a chegada da pequena Luna, e como de
costume, há um bolão rolando entre eles.
Desta vez, para descobrirem a cor dos olhos da menina.
A vida do casal, que no início fora regada de culpa e mágoa,
tomara proporções inimagináveis para eles. Hoje, não há nada que
Arthur não fizesse para eles, e não há vida melhor que Penélope
pudesse um dia ter desejado.
Penny coloca a assadeira dentro do forno pré-aquecido e
solta um suspiro pesado.
– Tudo bem, minha deusa? – Um instante depois, Arthur está
ao lado dela.
Ela sorri, o abraçando e apoiando a cabeça em seu peito. O
homem a abraça, sentindo a costumeira sensação de
pertencimento.
Eles permanecem em silêncio por um instante, até que sua
esposa diz:
– E se ela for uma bailarina profissional e reconhecida na
Broadway?
– E a estrela principal do espetáculo O Quebra-Nozes? –
Arthur imagina.
– E receba uma proposta milionária para atuar em um filme
de Hollywood…
– Mas negue, porque prefere os palcos.
A testa de Penélope enruga, quando ela afasta a cabeça para
olhá-lo.
– Luna não deveria recusar uma proposta milionária assim…
Arthur estala a língua e tira a mecha de cabelo caída sobre o
rosto lindo da esposa.
– Meu amor, ela já é bilionária – lembra, e Penélope abre um
grande “A” com a boca.
– Verdade, né?
Eles riem da brincadeira que ainda fazem juntos, depois de
tantos anos.
Arthur observa a íris azul dos olhos brilhantes da esposa e o
sorriso aberto.
– Eu ainda amo a sua risada.
Ela sorri.
– E eu ainda amo que me faça rir.
Ele desce os lábios até os da esposa, em um beijo molhado,
cheio de amor e farinha.
Agora, o coração bate forte de um jeito diferente de novo.
Daquele jeito que Arthur sente quando tem certeza de que é o
homem mais feliz do mundo.
É assim todos os dias.
Seus lábios se desgrudam, e ele diz com a boca próxima da
de sua esposa:
– Aposto que ele não começou a tomar banho e está
brincando com o novo carrinho de corrida.
O sorriso de satisfação por encontrar um novo desafio de sua
esposa é ferino.
– Aposto que ele não começou a tomar banho e está
brincando no tablet. – E acrescenta: – Valendo uma massagem nos
pés.
Um tapa forte é dado por Arthur na bunda redonda da
esposa, que solta um gritinho, pulando no lugar.
– Safada. Sabe que farei a massagem mesmo assim.
Ela apenas morde o lábio.
Com um sorriso imenso no rosto, o homem se afasta para
subir as escadas até o quarto do filho.
Feliz por ter tudo o que sempre precisou, mas que não sabia
disso até ter em seus braços.
E, é claro, quando alcança o segundo andar e entra no quarto
do filho, solta um grande e sonoro:
– Ganhei!
Minha mente funciona de uma forma diferente. Percebi isso
quando ainda era criança, e minha mãe me levava para conhecer
alguns lugares na cidade onde eu moro.
Lembro-me que começou com um pássaro. Mais
especificamente, um beija-flor, que voava e batia as pequenas asas
muito rapidamente, enquanto pairava em cima de uma flor amarela.
Eu olhei aquilo, e minha mente travou naquele momento.
Nas cores vívidas e diferentes nas penas do pássaro. Na
minha quase incapacidade de perceber o bater das asas. Na flor
amarela linda e pronta para dar ao pequeno pássaro aquilo que ele
queria.
Eu queria registrar aquele momento.
E então, ao passo que minha mãe e minha irmã conversavam
ao meu lado, enfiei minha mão em minha mochila rosa e puxei de lá
um caderninho e um lápis.
Meus dedos trabalharam apressadamente, para que o beija-
flor não fosse embora, e eu perdesse aquilo. Desenhei e desenhei
cada detalhe que havia reparado. Cada detalhe que eu havia
achado encantador.
Ao terminar, o pequeno pássaro saiu voando, e eu olhei o
meu desenho.
E eu me decepcionei pela primeira vez na minha vida.
Eu era péssima desenhista. Horrível.
E foi quando aceitei meu destino e entendi que não era para
aquilo que eu servia.
Entretanto, os registros que meus olhos faziam, não pararam.
Eu via algo, o admirava e queria registrá-lo.
No entanto, como eu faria isso, se ao desenhar, estragava
toda a beleza que meus olhos tinham captado?
Levei alguns anos para entender que eu não precisava usar
lápis e papel para conseguir guardar a imagem que eu via.
Eu precisava de uma câmera fotográfica.
E no momento em que eu consegui a minha primeira, minha
vida mudou por completo.
Eu poderia gravar a beleza que meus olhos viam por aí.
Tempos depois, deixei de usar isso como apenas um hobby,
e a fotografia passou a ser minha profissão.
Porém, ainda há situações em que eu apenas gostaria de ter
a minha câmera em mãos, para poder registrar um momento belo.
Exatamente como agora.
Ao som de “At Last”, de Etta James, uma das canções mais
românticas que existem, assisto minha irmã e seu suposto
namorado de mentira dançarem abraçados na pista de dança do
casamento de minhas amigas.
Eu digo, suposto namorado de mentira, porque até mesmo a
pessoa mais desatenta neste lugar, perceberia que os dois se
amam.
Seja pela maneira como ficam confortáveis na presença do
outro ou pela forma como as mãos dele estão sempre procurando
por ela ou pelos sorrisos fáceis que minha irmã dá ao lado dele.
No entanto, principalmente, pela forma como se olham nesse
instante.
Como em um dos romances que eu costumo ler, os olhos de
Arthur e de Penélope dizem o que os lábios muitas vezes não
fazem.
E seria exatamente isso, o que eu fotografaria.
Esse brilho. Essa admiração.
Minha irmã ainda não sabe, mas aquele homem vai amá-la
pelo resto de seus dias.
Contudo, isso não deveria me causar o sentimento de
angústia que estou sentindo no peito.
Penny está linda vestida de rosa, sorrindo e, depois de tanto
tempo na negação, finalmente se permitindo.
Só que minha tristeza não é pela felicidade dela. A felicidade
da minha irmã é tão, senão mais, importante que a minha.
Não.
Eu estou triste, porque parei no tempo.
Não busquei nada além de coisas banais, como trabalhar e
pagar contas.
Eu nunca saí para um encontro com um rapaz. Eu nunca me
deitei com um homem. Eu nunca fiz nada do que uma mulher da
minha idade deveria fazer.
Tão diferente da minha melhor amiga, que não perde tempo e
aproveita o máximo que pode.
Eu parei e adoraria dizer que foi porque algum cara quebrou
meu coração. Pelo menos assim, eu teria vivido alguma coisa.
Vamos lá, Milene. Você sabe porque isso aconteceu.
Solto um suspiro, apoio os cotovelos na mesa redonda à
minha frente e a cabeça em minhas mãos.
Foi porque a romântica e iludida aqui, esperou um príncipe de
olhos acinzentados a vida toda.
Exato.
Eu, vergonhosamente acreditei, que amaria e viveria com um
único homem a minha vida inteira. Um homem que, quando conheci,
era apenas um menino um pouco mais velho do que eu.
E o mais vergonhoso, é que, mesmo que ele volte a morar
em minha cidade, ele ainda poderia não se interessar por mim.
Céus, ele poderia ser gay.
Por isso, tomei a decisão de esquecê-lo. De esquecer que
um dia, ele me fez uma promessa. Esquecer que ele, um dia existiu,
e eu fui loucamente apaixonada por ele.
Hoje, decido esquecer que Lucas foi o meu primeiro amor e
que, daqui por diante, viverei o que não me permiti viver até então.
Eu só espero que os olhos azuis acinzentados não voltem a
aparecer em meus sonhos.
As gotas da chuva escorrem pelo vidro do edifício onde
trabalhei pela última vez na vida.
Gostaria de dizer que estou a essa hora no meu escritório,
porque havia muito trabalho para colocar em ordem antes de viajar.
Ou pelo simples fato de que gostaria de prolongar meu lugar aqui.
Mas daí seria mentira, e eu não gosto de mentiras.
A verdade?
Passo mais tempo atrás da minha mesa ou em alguma
construção da minha empresa, do que na minha própria casa.
O silêncio me incomoda.
Faz minha cabeça silenciar, e eu não suporto duelar com
meus próprios pensamentos.
Eles se enchem de lembranças, e com elas, vem a mágoa, e
com ela, a culpa.
Portanto, quanto mais distração, melhor.
Manter a maior empresa de construção do país, exige muito
de mim. A Castro Ribeiro construiu um império, e eu não aceitaria
menos do que a perfeição, em se tratando da empresa da minha
família.
Disciplina, foco, inteligência administrativa e confiança em
seus funcionários, são apenas alguns dos requisitos para conquistar
e sustentar o que conseguimos até hoje.
Mais uma vez, poderia mentir e dizer que minha mudança
para Campinas é única e exclusivamente por conta dos interesses
da empresa.
Entretanto, como disse, mentir não faz parte da minha índole.
Os motivos vão muito além disso, na verdade.
A porta do meu escritório se abre, e eu nem preciso me virar
para saber de quem se trata.
Apenas uma pessoa entra sem bater, coisa que nem meus
próprios pais fazem.
Viro apenas meu rosto para trás, focando nos olhos verdes e
bonitos do meu melhor amigo.
Ele me encara com o semblante entediado, enquanto ajeita
os óculos de grau, e eu logo solto um suspiro.
– Não precisava ter vindo se despedir de mim aqui… – Volto-
me para a chuva caindo lá fora. – Ainda vai me ver amanhã, quando
me levar ao aeroporto.
– Vai mesmo me fazer andar pelo aeroporto do Rio de
Janeiro às seis horas da manhã? – o cara resmunga, nem
parecendo que tem trinta anos nas costas.
– Malik, foi o horário em que liberaram o voo do jatinho.
– Sei… E isso não tem nada a ver com sua aversão a dormir
até tarde – diz, desconfiado, e eu solto um pequeno riso.
– Não. Eu apenas dei sorte.
– E eu, azar.
Arqueio a sobrancelha para ele de novo, estranhando seu
incomum momento de reclamação.
Diferente de mim, Malik é alto astral e de bem com a vida.
Quem o conhece, mal sabe que é péssimo com as mulheres.
Bom, pelo menos até que elas cheguem à sua cama. Ali, o
homem se transforma.
– De novo, não precisava vir até aqui – reafirmo, vendo-o se
aproximar.
– Precisava sim, já que você está aqui e não em qualquer
outro lugar.
Nossos olhares se encontram novamente.
Sua pele negra se repuxa, quando ele faz aquela coisa com a
boca, me dizendo que está pensativo. Levo as mãos até os bolsos
da calça social e apenas aguardo.
– Você tem certeza de que vai fazer isso? Ainda dá pra
desistir, sabe – ele fala, levando o dedo até o meio dos óculos e os
empurrando para trás.
– Eu sei o que estou fazendo, Malik.
– Lucas, é Campinas. Não só é outro estado, também é…
Você sabe. – Seus olhos se tornam preocupados. – É o lugar.
Desvio o olhar do seu, sentindo as sombras querendo
envolver meu coração de novo. Respiro fundo, não permitindo que
elas surjam.
– Eu sei, meu amigo. Sei de tudo isso e ainda assim, vou pra
lá. Eu só… – Penso um pouco, antes de concluir. – Sinto que tenho
que fazer isso. Alguma coisa me diz, que eu preciso estar lá. Então
estarei lá.
Outra característica minha: sou um homem que confia em
meus instintos.
Não farei diferente agora.
Olho para meu amigo de novo, que me fita seriamente, sua
cabeça sobe e desce, quando concorda.
– Tá bom. Então eu vou com você.
– O quê?
Ele simplesmente dá de ombros.
– Estou precisando dar uma mudada na minha rotina mesmo.
– Mas Malik, e o escritório? E sua família?
– Eu vou com você, Lucas. Primeiro, que não sobreviveria
muito tempo longe de mim. – Ele pisca. – E segundo… faz tempo
que quero deixar o Rio de Janeiro, e você sabe.
Explica, o sotaque carioca escorrendo por cada palavra.
Observo o seu semblante e compreendo que, assim como
eu, já está com a decisão tomada. Meu melhor amigo é um
excelente advogado, e creio que não levará muito tempo para
conseguir se estabelecer por lá.
– E você pretende ir quando? – pergunto, sabendo que não
será amanhã.
– Ainda não tenho certeza, mas em poucas semanas.
Balanço a cabeça, e ele apoia a mão em meu ombro, antes
de afirmar:
– Então é isso? Eu estou indo para um novo lugar, e você
voltando para as suas origens.
– É isso.
Miro outra vez o céu escuro à minha frente. Um raio rasga os
céus, iluminando os prédios como o flash de uma câmera.
E ainda não sei o motivo de estar voltando para a cidade
onde eu nasci.
Não há muitas lembranças boas por lá.
Tudo o que eu me lembro, é de uma época em que as coisas
eram muito diferentes e muito mais fáceis.
Me lembro disso e de dois pares de olhos verdes como
grama cortada.
Esses, nunca realmente deixaram a minha mente.
E uma batida diferente no meu coração, me faz pensar se eu
os verei novamente.
Eu espero que sim.
Eu aprendi com algumas amigas autoras a sempre se
orgulhar de suas histórias. Pois bem…
Que livro foda!
Eu finalizei essa história com tanto orgulho e tão feliz, que eu
queria liberar eles pra vocês no momento em que finalizei.
Como eu já disse algumas vezes, eu provavelmente nunca
mais escreverei um livro desse tamanho de uma forma tão fácil.
Os capítulos se desenvolveram de um jeito tão natural, que
quando fui ver, já estava na metade.
A grande questão aqui é: Arthur e Penélope são muito bons
juntos.
Meu Deus, como eles são bons. E foi muito engraçado
escrever isso e gritar a cada cinco páginas: “VOCÊS SÃO MUITO
BONS! PAREM DE SER CEGOS”.
Os diálogos nunca foram tão fáceis, a tensão sexual nunca
foi tão natural e a química nunca foi tão grande. Eles se
completavam. Como Arthur disse, algo os unia. O puxava para ela,
e ela para ele. Esse magnetismo foi muito surpreendente para mim,
e eu adorei escrever cada palavra.
Confesso que quando chegou no final do livro, eu tive um
leve surto e estava acreditando piamente que o livro não estava
bom. Que as declarações não foram tão profundas, e que eu não
sabia encerrar a história.
Mas era apenas eu, inconscientemente, lutando para que a
história não acabasse.
Eu não queria que eles acabassem.
Eu queria continuar rindo, suando e chorando com sua
história. Queria continuar descobrindo e navegando por entre essas
linhas, de encontro ao final feliz que eles tanto mereciam.
Foram poucos detalhes que realmente mudaram de quando
iniciei e de quando finalizei, porém esse pouco, fez toda a diferença.
Mais especificamente quando Arthur virou para mim e disse: “Sinto
muito, mas estou rendido demais. Não terá o desfecho que você
planejou”.
No início, eu fiquei puta. Brava mesmo, porque achei que não
conseguiria dar uma boa conclusão para o livro, mas esse maldito
me mandou confiar nele. E eu confiei.
Nunca um título de um livro, fez tanto sentido.
Penélope sempre foi minha favorita, e o seu plot era o motivo.
O fato de saber que perdeu alguém, antes mesmo de conhecê-lo,
me quebrou. Quando ela me contou, eu chorei. Quando idealizei o
capítulo, eu chorei. E quando finalmente escrevi, eu chorei demais.
E espero, do fundo do meu coração, que se alguma mulher
aqui se identificou com a Penny, que você encontre nas estrelas o
conforto que precisa.
Elas estão lá, mesmo em meio às noites mais escuras.
Encerro essa história sabendo que fiz um excelente trabalho,
mesmo que meus dias sejam extremamente corridos. A cada
palavra que escrevo, eu me sinto em casa. Pertencente.
Portanto, começo os meus agradecimentos a você leitor, que
chegou até aqui e que leu essa história. Vocês são a razão de tudo
isso. É o verdadeiro retorno que recebemos quando damos a cara a
tapa e arriscamos, dando voz às vozes em nossa cabeça. Obrigada
por tudo.
À Camila Cocenza, que em uma noite disponibilizou do seu
tempo precioso para contar um pouquinho da sua trajetória de luta
contra a Artrite Reumatóide. Obrigada por não hesitar, nem por um
segundo, em expor sua história e suas vulnerabilidades. Obrigada
por confiar em mim, mesmo que não me conheça profundamente.
Não é a primeira vez que você me ajuda, mas essa vez ficará
guardada no meu coração para sempre. Você sabe que sou sua fã,
que leio todos os seus livros e o que você fez por mim, significa o
mundo. Você é foda, gentil e uma mulher extremamente talentosa.
Minhas orações são para que tenha forças para continuar e que, um
dia, alguém encontre a cura para essa doença. Se precisar de algo,
por favor, conte comigo!
Às minhas betas:
Geise, obrigada mais uma vez por fazer a diferença na minha
história. Por torcer por mim, por ser honesta e por estar ao meu lado
pro que der e vier. Você é um gênio (não canso de dizer isso) e é
sempre um prazer planejar e montar um roteiro incrível, para no
final, você adivinhar o plot antes de todo mundo. Amo você por isso
e muito mais, esposa.
Mayanne, obrigada por continuar aqui e por acreditar em
mim. Eu espero do fundo do meu coração que você tenha gostado
da história do seu fav e que você tenha perdoado a Penélope no fim
das contas. Amo você e sou grata por me ajudar a realizar meu
sonho, seja com apontamentos sobre o livro ou seja me ouvindo,
mesmo que odeie áudios. Você é foda.
Gabriela, a puta que resolveu sumir nos últimos dias. Sei que
sua vida está tão corrida quanto a minha, mas quero que saiba que
você é importante para mim e para a minha carreira. Você é uma
pessoa que, não importa o assunto, se eu puxar, você vai engatar,
vai ouvir e vai me apoiar. E mesmo que seu humor seja inconstante,
ainda é um amor de pessoa (risos). Te amo.
Laís, adoro o fato de que o livro não estava nem na metade,
e eles já se tornaram os seus favs. Eu provavelmente não terei uma
leitora tão surtada e tão empolgada quanto você. Obrigada por me
apoiar como me apoia e por querer que eu escreva imediatamente
toda e qualquer história que tenho guardada. Você é fundamental.
Amo você.
À Ariel, a assessora mais gostosa do mundo, obrigada por
mais um lançamento ao meu lado. Você é uma pessoa tão dedicada
e tão apaixonada por esse universo, que quando as pessoas
começarem a perceber seu profissionalismo, você vai ser rica.
Escuta o que eu tô falando. Obrigada por me aguentar, obrigada por
me amar, obrigada por me ajudar. Te amo, na moral.
À Jully, você é uma pessoa que o mundo não merece. Não só
pelo trabalho impecável que sempre faz, mas pelo coração enorme
que tem. Você é alguém que não se contenta com o simples e está
sempre buscando melhorar. E eu te admiro por isso. Obrigada por
fazer parte da minha equipe e por me responder as mensagens de
madrugada. Amo você, vadia.
Ao meu marido, que no momento em que escrevo isso, ainda
não leu a história e ainda odeia o Arthur. Espero poder jogar na sua
cara que eu estava certa e você errado, sobre ele. Eu te amo e sem
você comigo, não poderia estar vivendo esse sonho. Obrigada pela
paciência (mesmo que você não tenha muita) e obrigada por ser
meu maior fã.
Aos meus pais, amo vocês e o apoio de vocês. Mesmo que
não saibam da metade das besteiras que passam pela cabeça de
sua filha, por não terem lido meus livros ainda. Aos meus amigos e
familiares, obrigada pelo amor e carinho. Em especial à minha prima
Thays e sua noiva Larissa. Sou grata por me deixarem usar vocês
de inspiração. Amo vocês.
À minha revisora, obrigada pelo trabalho impecável, mais
uma vez, mesmo que não esteja passando por um momento fácil.
Você é incrível e está sempre salvando meus trabalhos. Aguardo
ansiosamente os áudios de dez minutos.
À Nathalia Santos, agradeço por me ajudar com a
diagramação de novo. Você é foda, gnomo.
À Marília, minha digníssima psicóloga, obrigada por ler e me
dar sua sensibilidade em meio a essa história. E principalmente, por
comprar meus livros (risos).
Às minhas parceiras. Obrigada pela empolgação, pelos
surtos e por todo apoio nesse lançamento. Vocês são fundamentais
para nós, autoras, e fazem toda a diferença. Amo vocês e amo o
amor de vocês pelos livros.
E por último, mas não menos importante, ao Arthur e à
Penélope, obrigada por me deixarem contar sua história. Vocês são
especiais e me ensinaram muito. Obrigada por se encontrarem um
no outro e por me darem suas vidas de presente.
Lembrando que estou sempre à disposição para conversar no
direct do meu Instagram ou no Whatsapp, caso tenha meu contato.
Vou amar ouvir seus surtos e saber suas opiniões.
Vejo vocês, agora na próxima aventura.
Com amor,
Natália Tilcailo.
Não esqueça de avaliar
Sua opinião é muito importante para mim e para aquela
pessoa que está pensando em ler o livro.

Contatos:
Para falar comigo, fique à vontade para me chamar pelo
Instagram ou pelo e-mail. Me sentirei honrada e vou amar conversar
com você.
Instagram: @autorantilcailo
TikTok: @autorantilcailo
E-mail: autorantilcailo@gmail.com
Twitter: @autorantilcailo
Leia a primeira obra da autora: Regenerado.
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Sinopse:

“Tenho medo de não conseguir evitá-lo como gostaria, permitir que se aproxime
demais e o queime com todo o fogo destruidor que carrego dentro de mim.”
Aos 27 anos, Diana é uma mulher inteligente e reservada, sua postura tranquila
esconde uma mente e um coração devastados por um trauma de infância. A última coisa
de que precisa é entregar seu coração para alguém, apenas para que essa pessoa vá
embora quando conhecer seus maiores pesadelos.
Até que um incidente a faz conhecer o homem mais atraente que já viu e colocar em
cheque tudo o que acredita.
Benjamin tem 31 anos, é um médico bem sucedido, educado, pai de pet e bonito. O
pacote completo. Por muito tempo tirou proveito de suas qualidades, até o momento em
que relações casuais se tornaram desinteressantes. Com sorrisos safados e provocações
incessantes, ele tentará conquistar uma certa baixinha de olhos castanhos claros, que
surgiu em sua vida de modo inesperado.
Ela não quer se apaixonar.
Ele nunca teve problema com isso.
Ela acredita que tem muita bagagem.
Ele é o homem mais paciente de todos.
Ela o deseja.
Ele a deseja.
Ela tentará resistir aos seus encantos.
Ele irá quebrar todos os muros que ela construiu.
Pode um coração, despedaçado pela dor, ser regenerado?

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[1]
Ódio gratuito
[2]
Tire suas mãos imundas de cima desses doces, garoto!
[3]
Deixa de ser guloso. Todo mundo já encheu a barriga, certo?
[4]
Como dizemos a tia Penélope?
[5]
Obrigado, tia Penélope.
[6]
Putas
[7]
Esse maldito mentiroso, filho da puta!
[8]
Filha.
[9]
Avó
[10]
Neta
[11]
Parabéns
[12]
Mas que porra é essa?
[13]
É uma "pausa" nas passagens ou no final das músicas, onde normalmente a parte
instrumental prevalece.

[14]
Estou viva, filho da puta!
[15]
Para cima
[16]
Para baixo
[17]
Para o centro
[18]
Para dentro
[19]
Estilo musical caribenho, surgido em Porto Rico na década de 1990, que combina
reggae com ritmos latino-americanos e elementos do hip-hop e do rap, cantado em
espanhol.
[20]
E não vá se envolver. Sei que vamos nos pegar e você vai voltar. Rebolando gostoso
contra a parede. Eu sou um caso que precisa ser resolvido.
[21]
Mas não vá se envolver. Sei que vamos nos pegar e você vai voltar. Rebolando gostoso
para seduzir. Pertinho da parede.
[22]
Meu querido
[23]
Minha flor
[24]
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
[25]
Sistema Único de Saúde
[26]
Aí seus putos.
[27]
Boa noite, crianças
[28]
Homens
[29]
Ai, meu Deus.

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