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Médicos-Educadores Arquivo Completo
Médicos-Educadores Arquivo Completo
1Antipoff, H. (1937). Círculo de estudos medico-pedagógicos. Boletim da Secretaria da Educação e Saúde Pública
de Minas Gerais (Publicação a cargo da Sociedade Pestalozzi – A Infância Excepcional), Belo Horizonte, (20), 41-
44.
SUMÁRIO
Prefácio .................................................................................................................... 06
Raquel Martins Assis
Capítulo VIII - Henri Wallon: uma visão integradora da pessoa ....................... 178
Mariana Batista Vieira & Laurinda Ramalho de Almeida
5
PREFÁCIO
7
desejo de transformações sociais pela educação ou o empenho de Arthur Ramos
em fazer da integração da criança à sociedade seu objeto de trabalho. É também
instigante encontrar um Ulysses Pernambucano humanista e plural,
interessante para a Antropologia.
2 Clementino da Rocha Fraga (1880-1971): médico, escritor, professor e político brasileiro. Dedicou-se
tanto aos problemas que afligiam tanto a saúde quanto a educação do país. Chefiou a campanha contra o
surto contra a febre amarela (1928); fundou o primeiro curso sobre Tuberculose no país; foi Secretário
Geral da Saúde e da Assistência no Distrito Federal, de 1937 a 1940; pertenceu às Academias Nacional de
Medicina de Paris e Buenos Aires, à Academia das Ciências de Lisboa e à Academia Brasileira de Letras,
ocupando a cadeira 36, de 1939 a 1971.
3 Fraga, C. (1941). Médicos-Educadores. Rio de Janeiro: A Noite Editora.
4Os médicos-educadores descritos por Fraga foram Carneiro Ribeiro, Francisco de Castro, Osvaldo Cruz,
Pacífico Pereira, Azevedo Sodré e Miguel Couto.
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discutidas ao longo dos séculos e, em especial e com mais ênfase, a partir do
século XX.
5 Traitement moral, hygiène et éducation des idiots et des autres enfants arriérés e Idiocy and its
Treatment by the Physiological Method, ambas as obras sem tradução para a Língua Portuguesa.
6 A troca da ordem entre as palavras educador e médico, não foi um equívoco; ela fará sentido quando da
leitura do capítulo.
11
que especificamente com as crianças dentro de espaços clínicos.
César Rota Júnior, Sérgio Dias Cirino & Laurent Gutierrez, no sétimo
capítulo, intitulado Théodore Simon (1873-1961) : un aliéniste au service de la
cause infantile/Théodore Simon (1873-1961): um psiquiatra a serviço da causa
infantil, abordam o trabalho de Theódore Simon dedicado ao comportamento
humano, com base em uma perspectiva fenomenológica, principalmente, sua
preocupação com o ensino das crianças com “atraso de inteligência” (deficiência
mental) e a formação de profissionais para trabalhar com estas.
Boa leitura!
Daniela Leal
13
CAPÍTULO I
7 Descrição da foto: Jacob Rodrigues Pereira segurando as mãos de uma menina surda, como se estivesse
lhe ensinando os sinais de comunicação. A menina veste uma longa bata com rendas e laços, enquanto
Pereira usa colete, um casaco grosso e com enchimento nos ombros, gola da camisa para cima e os cabelos
amarrados em um rabo, com uma fita da cor do casaco. Por ser a foto em branco e preto, não há como
identificar as cores.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Jacob Rodrigues Pereira não deixou nada escrito sobre o trabalho que
desenvolveu com crianças surdas. As informações expostas neste capítulo são
oriundas da primeira biografia, que se tem conhecimento, até o momento, sobre o
estudioso, intitulada Jacob Rodrigues Pereire. Notice sur sa vie et ses travaux et
analyses raisonnée de sa méthode précédées de l’Eloge de cette méthode par
Buffon (1847), escrita por Edouard Séguin8, e da última biografia, “Jacob
Rodrigues Pereira: homem de bem, judeu português do séc. XVIII, primeiro
reeducador de crianças surdas e mudas em França” (2010), escrita pelo médico
português Emílio Eduardo Guerra Salgueiro.
Que os judeus se saiam destes reinos, e não morem, nem estem neles.9
O decreto real “Que os judeus se saiam destes reinos, e não morem, nem
estem [estejam, fiquem] neles”, de D. Manuel I, em 1496, mostrou a
intolerância, na época, dos portugueses cristãos católicos com os portugueses
judeus. D. Manuel justificou tal decisão de expulsão, alegando que por ser rei
tem mais obrigações do que qualquer outro cristão fiel à fé católica e, assim, não
se poderia mais tolerar o “ódio” dos judeus à fé católica de Cristo. Para Salgueiro
8 Professor e médico, nascido em 1812 e falecido em 1880, que fundou a primeira escola privada do mundo
para crianças e jovens com deficiência intelectual. Séguin conseguiu aliar o conhecimento médico ao
enfoque pedagógico, ao considerar que dar oportunidades de escolarização às pessoas com deficiência
intelectual seria um dos passos em direção a uma sociedade mais perfeita.
9Édito de expulsão dos judeus do rei D. Manuel I (1469-1521), decretado em Muge, em 4 de dezembro de
1496. Fonte: Originais da Câmara de Évora, Lvº73, “3º, Fº113, 1496. Arquivo Distrital de Évora.
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(2010), apesar de não deixar claro que “ódio” seria esse, o rei não tomou essa
decisão sozinho. D. Manuel apoiou-se nos seus conselheiros e letrados (a maioria
eclesiástica) para determinar que todos os judeus e judias, de qualquer idade,
tivessem que sair dos reinos, no prazo de dez meses, incluindo os muitos
milhares de judeus espanhóis, acolhidos três anos antes pelo próprio rei.
10Ordenações Manuelinas (1513). Reprodução fac-símile da edição de Valentim Fernandes (Lisboa 1512-
1513). In: Salgueiro, E. E. G. (2010). Jacob Rodrigues Pereira: Homem de bem, judeu português do séc.
XVIII, primeiro reeducador de crianças surdas e mudas em França. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
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sofreu duras penas como a obrigação de ouvir missas, o açoite, o degredo, o
confisco dos bens, o uso de hábito penitencial, a prisão perpétua, entre outras.
11 Berlanga era uma povoação importante desde a época romana, pelas suas minas de galena argentífera,
destaque mineiro que se mantém ao longo dos séculos, a ponto do rei Filipe II, da Espanha, ter publicado
algumas ordenações com que pretendeu restringir essa atividade a favor da agricultura (Salgueiro, 2010).
12Os “Visitadores da Inquisição”, pelas pompas que os acompanhavam e pela autoridade que possuíam
para ditar sentenças, representavam uma figura de poder; no entanto, estes poderiam ter o poder
questionado pelas elites locais, ou seja, moradores considerados alvos da ação dos visitadores poderiam
encaminhar à Inquisição denúncias de “abusos” do agente inquisitorial; em sentido contrário, os
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
João Lopes Dias e Leonor Henrique Pereira, que eram primos distantes,
casaram-se em 18 de maio de 1690. Viviam em Chacim, numa casa perto da dos
pais de Leonor, tidos como “cristão-novos”.
João Lopes era mercador de profissão e não tinha uma boa relação com
seus sogros. Tal fato o levou a separar-se de Leonor por dois anos, período em
que ela viveu na casa dos pais, indo para a Espanha e adquirindo, no regresso, a
alcunha de o Castilho.
visitadores também poderiam ser alvos de denúncias por “complacência” (permitir que seus
acompanhantes viajassem em companhia de mulheres jovens, manter contatos amistosos com “cristãos-
novos”, conversar com mulheres mundanas etc.). A visitação inquisitorial também oferecia, a seus
agentes, a oportunidade de realização de negócios privados: visitadores aproveitavam as viagens a
diferentes partes do reino luso para adquirir escravos, ouro e outras mercadorias de valor, o que implicava
o aprofundamento dos contatos com mercadores que, não raro, eram cristãos-novos (Pereira, 2011).
13 Livorno era considerada como um porto seguro de refúgio, acolhimento e abrigo para os judeus
portugueses forçados a viverem o judaísmo na clandestinidade. Era a terra de recomeço para os “cripto-
judeus” que se sentissem em risco de poderem ser descobertos e perseguidos pela sua crença de origem,
após o édito de expulsão de D. Manuel I, em 1496 (Salgueiro, 2010).
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– treze homens e dezesseis mulheres – e dezenove crianças – dez meninos e nove
meninas – de todas as idades, incluindo três bebês.
Salgueiro (2010) afirma que a referência mais segura que se tem, nesse
período, do casal – João Dias e Leonor Pereira – data de 30 de outubro de 1707
e surge por meio de um registro de batismo de uma nova filha nascida em
Llerena e que recebera o nome de Beatriz Maria. Para o autor, a surpresa maior
desse registro está na identificação de Beatriz: “(...) hija de Juan Lopez y Leonor
Enriquez su mujer residentes em La carcel de la penitencia del Santo Oficio de
la inquisición desta dicha ciudad por quien es reconciliado el dicho Juan Lopez
y la dicha Leonor Enriquez (...)”14. Conclui-se, portanto, que, passados oito anos,
os futuros pais de Pereira e seus irmãos continuavam presos pela Inquisição,
agora, de Llerena. Contudo, curiosamente, as condições em que se encontravam
permitiram ao casal condições de gerar uma filha em cárcere.
14Archivo Parroquial de Llerena. Libro 10 de Bautismo. Parroquia de la Granada. Folio 626. In: Salgueiro,
E. E. G. (2010). Jacob Rodrigues Pereira: Homem de bem, judeu português do séc. XVIII, primeiro
reeducador de crianças surdas e mudas em França. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Sobre o irmão mais novo – Luis –, acredita-se que tenha migrado para os
Estados Unidos e, em seguida, tenha ido encontrar-se com a família em Bordéus,
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em 1746, ajudando o irmão em seu trabalho com as crianças surdas, tornando-
se seu assistente.
(...) não é claro qual seria esta irmã, se a Mariana, a irmã mais velha,
nascida em 1696 ainda em Chacim, Portugal, se a Isabel, já nascida em
Berlanga, em Espanha, em 1713.
Não se encontra qualquer referência documental de que a Mariana tivesse
este problema; a irmã Branca, a 2ª filha, nascida em Chacim em 1688, terá
sido quem, mais tarde, acabou por ir para Paris ajudar o irmão, sobretudo
no seu trabalho com crianças do sexo feminino, sendo pouco provável que
não ouvisse nem falasse; a irmã Beatriz, a 3ª menina e 4ª filha, nascida em
Llerena em 1707, casa e constitui família em Espanha onde fica a viver,
nada constando sobre uma eventual surdês de nascença. Também não é
muito natural que se tratasse da irmã Isabel, que terá casado e tido filhos.
(p. 139).
Diante disso, o que se pode afirmar, segundo Salgueiro (2010), é que aos
19 anos de idade, em 1734, Jacob Pereira – ainda Francisco António – procurou
trabalhos sobre métodos de educar surdos, aproximando-se, por meio de
correspondências, de Jean Barbot, Presidente Perpétuo da Académie Royale des
Belles-Lettres, Sciences et Arts de Bordéus. Jean Barbot ficou admirado com os
conhecimentos que o jovem Jacob Pereira possuía sobre a surdez e recomendou-
lhe a leitura de Juan Bonet (1620), Willian Holder (1670) e Johan Conrad
Amman (1700).
Uma vez que quereis, Monsieur, que vos envie o que encontrar nos meus
documentos sobre os surdos e mudos de nascença, irei obedecer-vos (com
uma longa lista das obras consultadas sobre esta questão). Encontrei nos
meus documentos muitas outras coisas sobre os surdos ou sobre os mudos,
mas não dizem respeito aos que são de nascença.
Eis, Monsieur, os materiais grosseiros que encontrei nos meus
documentos; não são mais do que uma tabela, mas para um entendedor
como vós, basta uma meia palavra, e ultrapassareis facilmente os que vos
precederam.
De Bordéus, 23 de agosto de 1734.
Assinado, Barbot.
(como citado em Séguin, 1847, p. 17)15.
Infelizmente, Séguin, que foi o único dos autores consultados para esta
pesquisa a ter acesso ao conteúdo dessa carta, não transcreveu a lista de obras
indicadas na carta de Barbot. Assim, pouco se pode afirmar sobre quais obras
15Puisque vous voulez, Monsieur, que je vous envoie ce que je trouve dans mes recueils sur les sourds et
muets de naissance, vous allez être obéi (suit une longue nomenclature d’ouvrages à consulter sur cette
question). Je trouve dans mes recueils plusieurs autres choses sur les sourds ou muets, mais il ne s’agit
pas de ceux qui le sont de naissance. Voilà, Monsieur, les matériaux grossiers que j’ai trouvés dans mes
recueils; ce n’est qu’une table, mais, d un entendeur comme vous , il ne faut qu’un demi—mot, et vous
surpasserez aisément ceux qui vous ont précédé. De Bordeaux, ce 23 aoust 1734. Signé, Barbot.
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foram consultadas e o porquê do interesse de Pereira pelos trabalhos dos
precursores espanhóis do ensino de surdos16.
16 Salgueiro (2010) lista alguns trabalhos da segunda metade do séc. XVII e início do séc. XVIII, sobre a
educação de pessoas surdas, na Europa: na Inglaterra, Philocophus, or the Deafe and Dumbe Man’s Friend,
1648 – primeiro livro sobre surdez escrito por um inglês – de John Bulwer; Grammatica linguae Aglicanae
cui praefigitur de loquela sive sonorum formationes, 1653, de John Wallis; Elements os Speech, with na
appendix concerning persons that are deaf and dumb, 1669, de William Holder; Didascalocophus, or the
Deaf and Dumb Man´s Discourse, 1680, de George Dalgarno; e Escola para Surdos em Edimburgo, 1760,
de Thomas Braidwood. Na Holanda, The Deaf and Dumb Man´s Discourse, 1656, de Anthony Deusinge; e
Surdus loquens, 1692, e Surdus loquens sive dissertatio de loquela, 1700, de Johan Conrad Amman. Na
Alemanha, Alphabeti vere naturalis Hebraici, 1667, de Francis Van Helmont. E, por fim, na Espanha,
Teatro crítico universal, 1730, de Jerónimo Feijóo y Montenegro. Salgueiro acredita que este último foi
lido por Francisco António ainda em Cádis.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Nível Características
ü Os surdos absolutos, ou da primeira espécie, são menos frequentes;
ü É possível que nunca os tenha observado; mas parece-me mais provável que os tenha confundido
1ª Espécie ou Surdos com os da segunda classe, com os quais são parecidos sob alguns aspectos;
Absolutos
ü A privação total da audição não seria suficiente para impedir a percepção de alguns ruídos por
uma espécie de tato que, de algum modo, lhes substitui a audição e que, sem a sagacidade que só uma
longa experiência permite adquirir, é fácil de ser tomado como o próprio ouvir.
ü São incomparavelmente mais numerosos que os das duas outras espécies;
ü Inclui todos os que têm o órgão da audição mais ou menos acessível a diversas espécies de ruídos
2ª Espécie e são capazes de conhecer e de comparar, em certos casos, o grau da força e algumas outras qualidades
destes ruídos que, com frequência, ferem o seu ouvido, mas que, apesar disso, não conseguem perceber
nenhum dos sons que compõem a palavra, nem mesmo chegar a formar a menor ideia.
ü São os que não somente ouvem alguns ruídos de maior ou menor intensidade, mas, também, que
conseguem distinguir os sons de algumas vogais, ou pelo menos formarem uma ideia que os ajude a
distinguir estes sons, desde que sejam pronunciados com as precauções indicadas;
ü Esta classe seria a mais numerosa de todas se só se considerasse as crianças ainda ao peito até
3ª Espécie à idade aproximada de três anos, devido, sobretudo, a esta substância mucilaginosa que recobre as
paredes do canal interno do ouvido desde que vêm ao mundo, e fica lá colada em um tempo mais ou
menos longo; mas, no decurso destes três primeiros anos, muitas destas crianças morrem de doenças
que causam a sua surdez, e muitos se curam, de modo que não se encontram mais surdos desta espécie
entre os adultos.
Quadro 01: Níveis de Surdez segundo Pereira
Fonte: Salgueiro, 2010
Feita a avaliação do nível de surdez do aluno, Pereira traçava um plano
de educação.
17Johan Conrad Amman escreveu dois livros sobre a educação de crianças surdas - Surdus loquens, em
1692, e Surdus loquens sive dissertatio de loquela, em 1700 -, no entanto, Séguin não cita o nome do livro
adquirido por M. d’ Azy d’Étavigny.
18“(...) lhe fizesse, pelo preço de uma educação como a de todos os outros, o que Pereira fizera em La
Rochelle”.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
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Quanto aos particípios, compreenderá também alguns dos que podem ser
tomados como adjetivos verdadeiros, tais como, por exemplo: morto,
perdido, etc.
Sobre os nomes dos números, M. d’ Azy filho terá alguns conhecimentos
através dos algarismos ordinários; a sua ciência será muito mais limitada:
1º para os pronunciar estando escritos; 2º para os compreender estando
escritos por letras; 3º para se exprimir sobre este fato, de outro modo que
não seja por algarismo ou por sinais.
Sobre os pronomes, conhecerá os demonstrativos: este, isto, aquilo, assim
como os pessoais: meu, teu, ele, ela, eu, tu, ele, vós, eles, elas, embora com
mais frequência ele se servirá do meu, teu, dele, do que, do eu, tu, ele.
Quanto aos verbos, terá a inteligência dos infinitos simples, daqueles de que
nos sirvamos mais habitualmente, como: comer, jantar, dormir, passear,
subir, etc.
No que diz respeito aos advérbios, às preposições e às conjunções, é mais
difícil dar uma ideia justa. No entanto, proponho-me fazer compreender a
M. d’ Azy todas as dicções que se vão seguir: sim, não, muito, pouco, menos,
mais, demasiado, suficiente, um pouco, nada, bem, mal, rápido, devagar,
pouco a pouco, em frente de, atrás de, por cima de, por baixo de, aqui, acolá,
noutro lugar, onde, longe, hoje, esta manhã, esta noite, ontem, amanhã,
ontem de manhã, amanhã à noite, antes de ontem, depois de amanhã, a esta
hora, neste momento, em breve, em primeiro lugar, mais logo, de manhã
cedo, sempre, nunca, ao lado, à direita, à esquerda, à moda de, do meu jeito,
depois, quando, porquê, como é que, quantas, uma vez, duas vezes, etc. com,
em casa de, contra, dentro, desde, e, nós, nem, como, quer dizer, etc.
Quanto ao artigo 3 do presente compromisso, desde que não venha a ser
necessário prolongar o prazo de um ano que eu fixei mais do que por dois ou
três meses para aperfeiçoar a minha obra, submeto-me e consinto que assim
seja.
Assinado, PEREIRE, e escrito pela sua mão.
As ditas convenções transcritas em duplicado, de que um dos exemplares
foi entregue ao M. J. R. Pereire, e guardei o outro comigo.
Em La Rochelle, 14 de junho de 1746.
Assinado, D’ AZY D’ÉTAVIGNY, e escrito pela sua mão.
(Séguin, 1847, pp. 23-27).
20Le Journal de Sçavants [Journal des Savants] foi fundado em 1665 para noticiar “o que se passa de novo
na República das letras”, em especial das “novas descobertas que se fazem nas artes e nas ciências”
(Salgueiro, 2010, p. 176). Teria sido o primeiro periódico dedicado à cultura literária, artística e científica,
numa palavra, à cultura ‘savant’, e, de início, de periodicidade semanal. Em 1701, passou a ter o patrocínio
real e das instituições ‘savantes’ da monarquia francesa (Academia e Biblioteca do Rei) e, de algum modo,
antecipa a Encyclopédie, ou Dictionaire des Sciences, des Arts, des Métiers, que veio a ser publicada a
partir de 1751, coordenada por M. Diderot, da Academia Real das Ciências & Belas-Letras da Prússia e por
M. d’Allembert, da Academia Real das Ciências de Paris e da Sociedade Real de Londres.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
21Observação notável sobre duas crianças surdas e mudas de nascença, a quem se ensinou a articular os
sons.
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acompanhado por Dom Caseaux, prior da Abadia de Beaumont-em-Auge,
um dos acadêmicos supranumerários das Academia das Belas-Letras de
Caen e do Diretor do Colégio, apresentou o seu aluno a esta Academia, a
que presidia M. l’Evêque de Bayeux, que é o protetor, para aí ser
examinado.
A sessão abriu com um discurso pronunciado por Dom Caseaux, de onde
tiramos as particularidades precedentes e que ainda acrescentou que o
jovem surdo de La Rochelle não é o primeiro a ser beneficiado com o
método de M. Pereire; que ele, Père Caseaux e todos os Religiosos da
Comunidade, tinham constatado por todas as provas possíveis que o jovem
Tavigny era realmente surdo e que em quatro meses tinha aprendido a
pronunciar as letras do alfabeto, a juntá-las em sílabas e em palavras e a
juntar-lhes ideias, tais como as de quantidade, de muito, de pouco, de bom,
de mau, de afirmação e de negação.
Acabado o discurso, o jovem Tavigny apresentou-se perante M. l’Evêque,
dizendo-lhe: Monseigneur, desejo-vos um bom dia. É preciso, no entanto,
registrar que ele separava todas as sílabas, umas das outras, como se
constituíssem outras tantas palavras. Tendo o Prelado escrito numa carta
o Père Caseaux é bom, o jovem Tavigny, assim que o leu, respondeu-lhe:
Sim, acompanhando a resposta com um sorriso gracioso dirigido ao Prior.
O Prelado apresentou-lhe, então, outra carta onde tinha escrito estas
palavras: O Père Caseaux é mau, o jovem respondeu-lhe imediatamente
não. M. l’Evêque apresentou seguidamente um papel com as seguintes
palavras: Tavigny é mau, tendo-as lido, o jovem rejeitou o papel dizendo
não com um ar zangado. Várias pessoas pediram-lhe, seguidamente, por
sinais como se nomeava uma espada, uma camisa, um chapéu, etc.,
nomeou-os distintamente, separando sempre as sílabas, como já se
explicou mais acima. Este detalhe é retirado do certificado entregue a M.
Pereire pela Academia de Caen em 25 de abril de 1747.
O Reitor do Colégio Beaumont, datado de 6 de maio seguinte, acrescenta
que o jovem disse várias rases para exprimir o seu pensamento e que na
construção das que ele pronuncia melhor, só viola a regra da sintaxe
usando o infinito em todas as circunstâncias e transpondo certas palavras.
Disse, por exemplo, mim quer ir a Paris. Diante desses progressos,
concluiu o Pére Reitor e, parece que, com razão, que não há que duvidar
que M. Pereire não possa conduzir o seu Discípulo a um grau de perfeição,
suficiente para enunciar todos os seus pensamentos e pedir,
consequentemente, todas as suas necessidades.
Sublinhamos que o jovem tem dificuldade em articular, não que exista um
defeito na conformação que isso o impedisse, o que teria desviado M.
Pereire de empreender o fazê-lo falar, porque ele não a iniciou antes de ter
bem examinado a disposição orgânica do sujeito; mas dado que a língua
não adquiriu o hábito de formar movimentos tão delicados quanto o
necessário para articular os sons com uma precisão perfeita, ela só
consegue adquiri-los com um longo uso.
Ter-se-á, com certeza, curiosidade em saber alguma coisa do método
seguido por M. Pereire para instruir os surdos e mudos de nascença; mas
não nos é possível satisfazer os Leitores neste ponto. É um segredo que ele
guarda para si, porque considera-o como patrimônio pessoal. Tudo o que
sabemos, é que não se trata de um método que imortalizou Amman e
Wallis, que ele acha insuficiente e impraticável. Ele chega mesmo ao ponto
de atacar como falsidades, num discurso que pronunciou na Academia de
Caen, os prodígios operados por estes Autores.
Tem pouca importância entrarmos no exame destas histórias. Basta que o
M. Pereira tenha encontrado um método mais fácil do que os imaginados
até ele ter aparecido; seria mesmo suficiente que ele tivesse tido êxito
usando os métodos de Amman e de Wallis, para merecer um lugar ilustre
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
22 Fonte: Pereire, J. R. (2010). Observations remarquables sur deux enfantes sourds et muets de
naissance, à qui l’on appris à articuler dês sons. Journal des Sçavans, Paris, (70), 435-438, 1747. In:
Salgueiro, E. E. G. (2010). Jacob Rodrigues Pereira: Homem de bem, judeu português do séc. XVIII,
primeiro reeducador de crianças surdas e mudas em França (pp. 177-179). Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian. (Originalmente publicado em 1747).
31
Com o sucesso das apresentações públicas de seus alunos e,
consequentemente, de seu trabalho, o próprio rei da França, Luís XV, concedeu
a Pereira uma pensão vitalícia para a continuidade de seu magistério e sua
sobrevivência, a partir do ano de 1750 (Séguin, 1847). Estudiosos
contemporâneos, como Buffon e Jean Jaques Rousseau, também
acompanharam os efeitos de seu método de ensino na comunidade científica da
época.
Salgueiro (2010) afirma que Pereira estabelecia uma forte relação com
seus alunos surdos. Buscava, inicialmente, o acolhimento do aluno, para em
seguida iniciar os ensinamentos; tinha sempre o cuidado de oferecer seu rosto,
para que a criança pudesse ver bem como cada emissão sonora era
acompanhada de movimentos específicos da face, lábios e garganta que, no
conjunto, produziam uma mímica expressiva característica.
Pereira queria que os seus alunos falassem ou, pelo menos, pensassem por
palavras e não por signos ou gestos: “A palavra seria a expressão fiel e
33
incessantemente móvel do pensamento, móvel e plástica como ele próprio”
(Salgueiro, 2010, p. 203). Assim, para Pereira, os gestos ou signos seriam, por
natureza, rígidos e absolutos, à medida que as palavras seriam relativas e
infinitamente modificáveis.
Algumas considerações...
35
Também é no trabalho de Pereira que se encontra a primeira
sistematização de um plano de ensino para o atendimento de crianças com
deficiência. Na história da educação especial, o pioneirismo, no uso da
intervenção pedagógica com pessoas com deficiência pertencia, até o momento,
a Itard; no entanto, mostrou-se, nesta tese, que tal título deveria pertencer a
Pereira. Verificou-se que a convenção assinada por Pereira e o pai de um de seus
alunos surdos, nada mais era do que um planejamento de suas atividades, que
poderiam ser consideradas eminentemente pedagógicas. Ressalta-se, também,
que o título de pioneiro na elaboração de um plano de ensino pertencerá a
Pereira até que se encontrem documentos que atestem a existência de outro
educador mais antigo, o que é sempre esperado na história.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Referências Bibliográficas
Originais da Câmara de Évora. Édito de expulsão dos judeus do rei D. Manuel I (1469-
1521), decretado em Muge, em 4 de dezembro de 1496, Lvº73, “3º, Fº113, 1496.
Arquivo Distrital de Évora (2010). In: Salgueiro, E. E. G. Jacob Rodrigues Pereira:
Homem de bem, judeu português do séc. XVIII, primeiro reeducador de crianças
surdas e mudas em França (p. 25). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
(Originalmente publicado em 1496).
37
CAPÍTULO II
24Descrição da foto: Busto de Jean Marc-Gaspard Itard, com os olhos voltados para cima; usando roupas
próprias da época (casaco acolchoado nos ombros e abotoado; colarinho da camisa virado para cima com
um grande lenço). Por ser a foto em branco e preto, não há como identificar as cores.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Philippe Pinel ao avaliar o garoto vindo do Aveyron, concluiu que ele era
acometido de “idiotismo”. Essa conclusão se deu por comparação à outras
crianças que já haviam sido diagnosticadas como “idiotas”. De acordo com Itard:
39
se dá pela experiência, a lógica restrita da forma como esta se dá, daria o limite
para o fim de seu trabalho com Victor.
É importante ressaltar que não há dados para afirmar que Victor tenha
nascido com algum tipo de deficiência; contudo, quando foi encontrado
apresentava-se como uma criança “muda”, não surda, criada, provavelmente,
longe de toda a sociedade humana, na qual também estavam afetadas as funções
psicológicas superiores.
O homem torna-se humano nas e pelas relações com outros homens: o início
da educação de Victor
41
de Victor. Para elaborar seu plano de trabalho, Itard foi incansável em suas
observações até determinar quais passos seguiria com Victor. Segundo Lane
(1986), ele determinou os componentes mais importantes das dificuldades de
Victor – sensorial, motivacional, verbal – e os classificou em áreas que iria tratar
com uma determinada ordem, começando pela atividade sensorial e seguindo até
a linguagem e o pensamento abstrato.
25A Senhora Guérin foi contratada a pedido de Itard para lhe auxiliar nos cuidados com Victor, mais
especificamente higiene, alimentação, lazer etc.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Se, na primeira meta, a base epistemológica adotada por Itard não se faz
tão evidente, o mesmo não se pode dizer da segunda meta: “despertar a
sensibilidade nervosa com os mais enérgicos estimulantes e algumas vezes com
as vivas afeições da alma”. Itard julgava que a sensibilidade de Victor era fraca
na maior parte dos sentidos, e colocou em seu plano dispor “os sentidos para
receber impressões mais vivas”, com o objetivo de “preparar o espírito para a
atenção” (1801/2000, p. 139). Ele baseava seus procedimentos nas concepções
de Condillac, para o qual as operações psíquicas são sensações transformadas e a
atenção deveria ser uma das primeiras faculdades a serem trabalhadas, já que
seria necessária para o desenvolvimento posterior de outras operações mais
complexas, como imaginação, memória e pensamento. Afirma Condillac que, “a
atenção que concedemos a uma percepção que nos afeta atualmente nos recorda
seu signo; este a outros, com os quais tem alguma relação; estes últimos evocam
as ideias a que estão ligadas, estas voltam a trazer outros signos e outras ideias,
e assim sucessivamente” (1746/1999, p.46).
Nesse início da convivência com Victor, Itard observou que o garoto tinha
uma tolerância diferenciada ao frio e ao calor; ficava horas acocorado no solo
úmido, seminu, sob chuva e vento frio; também era capaz de pegar carvão em
brasa na mão. Mesmo que Itard enchesse a cavidade exterior de seu nariz com
tabaco, ele não espirrava. O que mais espantava Itard era que nunca, mesmo em
situações adversas, tinha visto Victor chorando.
43
além de poder elevá-la gradualmente a todos os conhecimentos de que é capaz.
Dessa forma, o par prazer/dor seria a base para o desenvolvimento do ser
humano, pois sem ele não se tem necessidades; sem as necessidades não se
buscam novas experiências; sem experiências não há conhecimentos. Assim, a
partir do momento em que o ser humano começa a ter sensações já está
submetido ao par prazer/dor e, quanto mais conhece, mais necessidades tem. Tais
necessidades levam, em última instância, a desenvolver tanto as “faculdades
intelectuais”, como as “faculdades afetivas”. Partilhando dessa visão, Itard
detecta duas “afeições” suscetíveis em Victor para potencializar sua educação e
desenvolver sua inteligência: a alegria e a cólera. Esta última, Itard só provocava
a intervalos distantes
(...) para que seu acesso ficasse mais violento, e sempre com uma
aparência bem evidente de justiça. Notava então algumas vezes que, no
auge de seu arrebatamento, sua inteligência parecia adquirir uma espécie
de extensão que lhe fornecia, para tirá-lo do aperto, algum expediente
engenhoso. (1801/2000, p. 143-144).
Depois de três meses, Itard atinge sua segunda meta, obtendo uma
“excitação geral de todas as forças sensitivas”. Relata o desenvolvimento do tato,
do olfato e do paladar. Victor, entre outras coisas, demonstrava prazer em passar
as mãos sobre o veludo e era incapaz de retirar as batatas da água fervente com
as mãos; espirrava à menor irritação causada nas narinas e não mais corria como
no começo. Entretanto, os resultados em relação ao desenvolvimento da
sensibilidade “não se estenderam a todos os órgãos. Os da vista e do ouvido não
participaram; decerto porque esses dois sentidos, muito menos simples do que os
outros, necessitavam de uma educação particular e mais longa” (Itard,
1801/2000, p. 146).
Embora durante todo seu trabalho com Victor, Itard desse importância à
linguagem falada, no princípio Itard não faz referência a diálogos com o garoto,
nem de sua parte, nem por parte da Senhora Guérin. Não que ele não usasse a fala
nas atividades iniciais com Victor, mas ela não aparece nos relatórios como meio
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Itard diria ainda que “um grande vício da educação é crer que ela deva ser
a mesma para todos os indivíduos. Ela deveria ser tão variável como é o espírito
humano nas suas modificações e à época de seu desenvolvimento” (1802/2004,
p. 466). Depreende-se de todas essas colocações que Itard introduziria a
linguagem falada quando Victor estivesse preparado para ela. Para aquele
momento era suficiente que Victor fosse “moldado” por meio das sensações e das
operações mais elementares.
A terceira meta que Itard propôs-se a atingir na educação com Victor foi
“ampliar a esfera de suas ideias dando-lhes necessidades novas e multiplicando
suas relações com os seres que o circundam”. E essa não seria uma meta fácil de
atingir, pois, segundo Itard (1801/2000),
Uma das estratégias para atingir essa meta era utilizar jogos, brinquedos e
brincadeiras. Itard contou que apresentou vários brinquedos a Victor, inclusive
ficando horas inteiras a demonstrar seu uso, mas esses não lhes cativavam a
atenção; em verdade, se lhe apresentasse a ocasião, destruía-os ou os escondia. O
único jogo com o qual Itard obteve sucesso foi o jogo com copinhos. Itard escondia
debaixo de um copo de prata uma castanha e convidava Victor, por sinais, a
45
procurar a castanha. Aos poucos, Itard complexificava o jogo: trocava os copos de
lugar, depois realizava essa troca de forma mais rápida e Victor sempre conseguia
achá-las.
Itard lamenta não ter conseguido interessá-lo por outro tipo de diversão,
dizendo: “Estou mais do que certo que se o tivesse podido, teria tirado grande
sucesso delas; e essa é uma ideia para cujo entendimento deve-se lembrar da
poderosa influência que tiveram nos primeiros desenvolvimentos do pensamento
os jogos da infância” (1801/2000, p. 148-149).
Aos poucos foram descobertas outras coisas que davam prazer a Victor,
como sair de carruagem e passear nos jardins. Lentamente, Victor foi “tomando
gosto” por aquela nova forma de existência. Também desenvolveu grande afeição
por sua governanta. Itard dizia que a amizade que Victor tinha por ele era mais
fraca, e assim deveria ser.
Itard entendia que a fala era uma espécie de música, à qual, mesmo ouvidos
bem constituídos, podiam ser insensíveis, o que tornaria o indivíduo inapto para
imitar, nem que fosse uma só palavra. Mas este não era o caso de Victor;
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
observando-o, percebeu que quando pessoas que estavam perto dele diziam sua
exclamação preferida – Oh!26 – Victor não ficava alheio, virava sua cabeça em
direção a elas. Para desenvolver a fala, Itard propõe-se a ativar a laringe “(...) com
a isca dos objetos necessários às suas necessidades”. Planejando uma situação
que pudesse levar Victor a imitá-lo e ao mesmo tempo tirar proveito de uma
necessidade que era obter água – eau27 – Itard tentou de várias formas fazer
Victor perceber que se pronunciasse essa palavra, ele receberia aquilo que queria.
Mas teve suas primeiras tentativas frustradas. Começou, então, a trabalhar com
a palavra lait28. Depois de quatro dias, Victor conseguiu pronunciar, a seu modo,
essa palavra. Entretanto, Itard interpretou essa fala não como um signo da
necessidade de Victor, mas como uma exclamação de alegria:
47
eram concernentes às desenvolvidas por Condillac (1746/1999), que entendia
que a linguagem oral, composta por signos convencionais, seria mais que um meio
de comunicação, seria um fenômeno decisivo na reorganização das faculdades
mentais.
30O abade Roch Ambroise Sicard (1742 -1822) era adepto da linguagem de sinais na comunicação com
surdos e ficou famoso por conseguir educar um surdo chamado Massieu.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
(...) colei numa prancha de dois pés quadrados três pedaços de papel, de
forma bem distinta e de cor bem contrastante. Era um plano circular e
vermelho, um outro triangular e azul, o terceiro de figura quadrada e cor
negra. Três pedaços de cartolina, igualmente coloridos e figurados, foram,
por meio de um buraco que tinham furado no meio e de pregos dispostos
para isso na prancha, foram, disse eu aplicados e deixados durante alguns
dias em cima de seus respectivos modelos. Tendo-os tirado depois e
apresentado a Victor, foram recolocados sem dificuldade. (p. 168).
Itard fez variações desse exercício, apresentando todas essas figuras com
a mesma cor, depois todas as figuras iguais com cores diferentes; ampliou a
variedade de figuras e a variedade de cores, colocou figuras e cores com
diferenciações pouco marcantes. Com a intensificação e a complexificação dos
exercícios, Itard viu reaparecer em Victor “(...) os movimentos de impaciência e
de fúria que irrompiam tão violentamente no começo de sua permanência em
Paris, quando, sobretudo, encontrava-se fechado em seu quarto” (1801/2000, p.
169). Com o passar dos dias, os movimentos de cólera tornaram-se mais
frequentes e violentos, chegando Victor até a convulsionar. Itard tomou uma
decisão; antes que Victor se tornasse um “infeliz epiléptico”, usaria um
“procedimento perturbador”, inspirado em uma técnica utilizada por um médico
holandês.
49
Victor, demonstrando claros sinais de amedrontamento, foi conduzido aos
quadros, tendo que apanhar todas as suas cartolinas e recolocá-las no lugar. “Em
seguida foi lançar-se na cama, onde chorou abundantemente” (Itard, 1801/2000,
p.171). Essa foi a primeira vez que Itard viu Victor chorar. A partir desse dia, sua
expressão de descontentamento nunca mais foi tão intensa e violenta.
com Victor. Ele rapidamente recolocou as letras em ordem inversa (TIAL). Itard
indicava as correções, apontando o lugar correto de cada letra: “(...) quando essas
mudanças reproduziram o signo da coisa, não o fiz mais esperar” (1801/2000, p.
174).
Após oito dias veio a prova da compreensão de Victor sobre a relação entre
a disposição alfabética e uma de suas necessidades. Victor, ao sair, pegou por
conta própria as quatro letras em questão e as colocou no bolso. Chegando ao seu
destino, dispôs esses caracteres sobre a mesa, formando a palavra “lait”, numa
clara alusão a este alimento.
No início de seu segundo relatório, escrito cinco anos após o primeiro, Itard
revela seu pessimismo: “(...) eu teria envolvido num profundo silêncio e
condenado a um eterno esquecimento trabalhos, cujo resultado oferece bem
menos a história dos progressos do aluno do que a dos insucessos do professor”
(1806/2000, p. 183). Itard parecia sentir-se derrotado; após anos de trabalho
diário com Victor, foi vítima de sua visão de homem. Em sua concepção, o aluno
seria a tábula rasa, a folha em branco, a pedra bruta, e o professor o escritor,
escultor, modelador. Justificam-se seus sentimentos.
51
Itard, com base nos trabalhos de Locke e de Condillac, trabalhou
separadamente os sentidos de Victor, com intenção de desenvolver a faculdade
dos sentidos.
Ao trabalhar com a audição, que para ele era o sentido que mais favoreceria
o desenvolvimento das faculdades intelectuais, isolou esse sentido, privando
Victor da visão, colocando uma venda em seus olhos. Iniciando os exercícios com
sons fortes e bem distintos, seu objetivo não era só fazê-lo “ouvir os sons”, mas
também “escutá-los”. Quando Condillac fez a distinção entre ver e olhar, disse:
“(...) não formamos idéias tão logo vemos; formamo-las apenas quando olhamos
com ordem e método” (1754/1993, p. 173). Infere-se que a diferença entre ouvir
e escutar também seja que “escutar” um som requer “análise”. Nessa perspectiva,
Itard criou um exercício que consistia em estimular Victor a reproduzir um som
igual ao que ele havia emitido anteriormente.
(...) punha meu aluno à minha frente, de olhos vendados, de mãos fechadas
e mandava-o estender um dedo todas as vezes que eu emitia um som. Esse
meio de prova foi logo compreendido; mal o som havia impressionado o
ouvido e o dedo se levantava com uma espécie de impetuosidade, e em
geral até com demonstração de alegria, que não permitiam duvidar do
gosto que o aluno fazia nessas esquisitas aulas. (Itard, 1806/2000, p.
188).
Itard achava estranho que seu aluno gostasse dessas “aulas esquisitas”.
Realmente, Victor parecia apreciar essas atividades; entretanto, questiona-se
que tal apreço fosse porque estivesse aprendendo a escutar o som da voz humana,
da forma mecânica proposta por Itard, talvez fosse muito mais pelo contato e
companhia do mestre, por conseguir compreender o que estava sendo solicitado
e poder fazê-lo.
para atingir esse fim foi a comparação das vogais. Estabeleceu que para a emissão
de cada vogal um dedo específico deveria ser levantado. Victor teve dificuldades
iniciais, mas ao cabo de algum tempo foi capaz de diferenciá-las. Foi então que as
demonstrações de alegria de Victor reapareceram. Diz Itard: “Naqueles
momentos, todos os sons eram confundidos, e os dedos indistintamente
levantados, em geral até todos ao mesmo tempo, com uma impetuosidade
desordenada e gargalhadas realmente irritantes” (1806/2000, p. 190). Para
conter sua expressividade, a venda foi retirada. Por sua vez, Victor começou a se
distrair com os mínimos acontecimentos em torno dele e pouco adiantava o
semblante severo e até um pouco ameaçador de Itard. Ele resolveu recolocar a
venda e as gargalhadas recomeçaram.
Itard buscou outra forma de corrigir Victor e, cada vez que ele errava, Itard
batia com uma baqueta de tambor em seu dedo. Victor entendeu que essa era uma
brincadeira. Itard tornou-se mais severo.
Fui compreendido e não foi sem uma mescla de dor e de prazer que vi na
fisionomia entristecida daquele rapaz o quanto o sentimento de injúria
prevalecia sobre a dor da batida. Lágrimas saíram de sob a sua venda;
apressei-me em tirá-la; mas, seja embaraço ou temor, seja preocupação
profunda dos sentidos interiores, embora desvencilhado daquela venda,
ele persistiu em manter os olhos fechados. Não posso descrever a
expressão dolorosa, conferida à sua fisionomia por suas duas pálpebras
assim aproximadas, através das quais escapavam de tempos em tempos
algumas lágrimas. (1806/2000, p. 190).
Victor, que não chorava, mesmo tendo passado por situações em que havia
sido pressionado pela curiosidade alheia e importunado, agora chorava mantendo
os olhos fechados. Não se pode presumir o que os olhos cerrados de Victor
significavam para ele, mas essa cena denuncia o desgaste de Itard devido às
respostas lentas e imprecisas de Victor. Por outro lado, Victor, que via prazer e
divertimento nesses momentos com Itard, algo que não acontecia nos exercícios
com as letras, começou a ficar temeroso: “(...) um sentimento de temor tomou o
lugar daquela alegria louca (...) quando eu emitia um sinal tinha que esperar
durante mais de um quarto de hora o sinal combinado” (Itard, 1806/2000, p.
191).
53
recolher o dedo e escolher outro para levantar com a mesma lentidão. Mesmo
depois de algum tempo, se Itard voltasse a tentar esse tipo de exercício, logo tinha
de abandoná-lo.
55
educação. Ao abandonar o projeto educacional de Victor, triunfaram outras
concepções sobre os cuidados que deveriam ser dispensados às crianças
“alienadas”, tais como o asilamento e a segregação. Esquirol (1818, como citado
em Misès & Gineste, 1976) ao referir-se à educação de Victor demonstra a
descrença que recaiu sobre suas possibilidades de aprendizagem: “De todas essas
pretensões, de todos esses esforços, de todas essas promessas, de todas essas
esperanças, o que é que resultou? Que o médico observador [Pinel] havia julgado
acertadamente. O Selvagem não era senão um idiota” (p. 77). Bourneville (1904,
como citado em Misès & Gineste, 1976) citando Delasiauve apresenta o mesmo
discurso:
O selvagem de Aveyron foi o que de acordo com sua natureza doente devia
ser. Certas virtualidades não existiam (...). Seu nível estava marcado pela
mediocridade de seu julgamento e de sua sagacidade indutiva. Ele não tinha
nada além da intuição. Seu egoísmo não era mais que uma consequência
natural de sua organização incompleta. Em todos nossos idiotas, o instinto
comanda. (p. 77).
Tal enunciado denuncia o que uma visão estereotipada pode gerar, nele não
se considera nenhum dos avanços feitos por Victor, sua aprendizagem e seu
desenvolvimento no período em que ele convive com Itard. Não existe nenhum
questionamento das causas que o levaram a regredir, assim que Itard deixou de
ensiná-lo com a intensidade inicial. Opta-se pelo caminho mais fácil, pelo óbvio:
sua natureza é doente. Instintivo como os animais, ele, bem como os outros
“idiotas” devem ser institucionalizados e não educados.
Referências Bibliográficas
______. (1993). Tratado das Sensações (Denise Bottman, Trad.). Campinas: Editora da
UNICAMP. (Original publicado em 1754).
Itard, J. M. G. (2004) Mémoire sur le mutism produit par la lésion des fonctions
intellectuelles. Em T. Gineste. Victor de l’Aveyron Dernier enfant sauvage, premier
enfant fou. Paris : Hachette Littératures. (Original publicado em 1802).
______. (2000) Relatório feito a sua Excelência o Ministro do Interior, sobre os novos
desenvolvimentos e o estado atual do Selvagem do Aveyron. (Maria Ermantina
Galvão, Trad.). Em L. Banks-Leite, I. Galvão (orgs.). A Educação de um selvagem: as
experiências pedagógicas de Jean Itard. São Paulo: Cortez. (Original publicado em
1806).
Misès, R. & Gineste, T. (1976) The statute enacted for the juvenile mental patient; role
of the controversy between Pinel and Itard. Société médico-psychologique, France,
2(1), jun.73-80.
57
CAPÍTULO III
31 Descrição da foto: busto de frente de Édouard Séguin, com rosto austero. Na época da foto estava com
uma longa barba e já apresentava sinais de calvície na frente e no centro da cabeça. Vestia um casaco
escuro, camisa branca, com gravata escura. Por ser a foto em branco e preto, não há como identificar as
cores. Legenda da foto: Pelicier, Y. & Thuillier, G. (1980). Édouard Séguin : 1812-1880 : "l'instituteur des
idiots". Michigan : Économica.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Séguin relata que as lições dos Hospitais dos Incuráveis e do Bicêtre, bem
como das escolas em Boston32 e Syracuse33, atraíam visitantes de diversos
59
lugares com o intuito de levar alguns dos princípios ou instrumentos usados na
educação de pessoas com deficiência. Com isso, os médicos já não podiam escrever
sobre doenças de crianças sem enfatizar o tratamento moral ou funcional, nem
os professores deixariam de aplicar em suas escolas alguns exercícios da
ginástica sensorial, de imitação etc. Em tese, nesse período inicial de utilização
do método fisiológico, Séguin (1866/1907) afirma que “os idiotas eram os
médicos e os professores” (p. 57). As pessoas com deficiência ensinaram tanto
quanto poderia ser visto e compreendido em uma visita; além de mostrarem que
não são seres repulsivos, e qualquer lugar será abençoado se mulheres e homens
se dedicarem à tarefa de educá-los. Foi assim que, segundo Séguin, as instituições
de educação especial surgiram em todo o mundo e o “método fisiológico” foi
espalhado aos poucos em cada estabelecimento de ensino.
Séguin (1846) explica também que, com crianças que não têm deficiência,
a educação, por meio do “método fisiológico”, irá regularizar a utilização de órgãos
saudáveis e ampliar o campo em que suas funções são realizadas livremente,
voluntariamente e quase sempre prontamente. Já para a pessoa com deficiência
intelectual, a possibilidade do surgimento de problemas inesperados como a
esquiva do aluno e a dificuldade de avaliar os sintomas externos, pode deixar uma
considerável incerteza sobre os resultados finais da utilização do método,
independentemente do sucesso inicial. Para Séguin, o surgimento desses
problemas dependerá da condição do sistema nervoso da pessoa com deficiência
intelectual; entretanto, isso não pode ser uma razão para se recusar a ensinar.
Nesse sentido, o sucesso da educação dependerá do método, da paciência e do
respeito que o professor deve ter com seu aluno.
1º Princípio: A atividade
35Esse termo tinha, na época, um sentido relacionado à regulação das atitudes, dos comportamentos,
sentimentos e hábitos.
36 Maria Montessori usará, mais tarde, esse princípio como um dos norteadores do seu sistema de ensino.
61
nervoso do que ao sistema muscular, haja vista que o primeiro é o mais
comprometido na deficiência intelectual (Séguin, 1866/1907). Com isso, Séguin
apresenta uma nova concepção de ginástica muscular, visto que a antiga tinha
como única preocupação apenas o desenvolvimento muscular e de nada
adiantaria sua inclusão em programas de educação.
Desse modo, educar a mão não é educar as palmas das mãos, cuja espessura
muscular, em sua grande maioria, já se encontra bem preparada para o
reconhecimento das propriedades dos objetos, mas educar a ponta dos dedos,
visto que essa parte mole é destinada a percepções mais delicadas. Assim sendo,
esse delicado poder tátil das mãos torna-se objeto de educação sensorial.
37Educar a mão foi considerado por Séguin e, mais tarde por Montessori, como necessário para o
aprendizado escrita.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
38Montessori incluiu, anos mais tarde, essas atividades no seu sistema de educação dando-lhes o nome de
“Atividades de Vida Prática”.
63
Séguin também nos diz que é através da percepção dos estímulos que se
consegue realizar atos por imitação. Por isso, a educação sensorial é fundamental
para a aprendizagem das crianças com deficiência intelectual.
Para Séguin, sem a educação dos sentidos ele não conseguiria ensinar seus
alunos com deficiência intelectual, porque todos os sentidos são considerados
como modificações da propriedade tátil e receptores do toque de várias maneiras.
Na Audição, as ondas sonoras atingem os nervos acústicos; na Visão, a retina é
tocada pela imagem levada pelos raios luminosos encontrada no foco; o Paladar e
o Olfato são modificações parecidas e estão diretamente associados. Observa-se,
portanto, que a tarefa do professor é apenas propor atividades que favoreçam a
parte inicial da função do órgão do sentido, visto que a ideia é transportada pelos
nervos para os gânglios especiais, e os gânglios sensoriais, depois de percebê-lo, o
envia para ser registrado nos hemisférios (Séguin, 1866/1907). Desse modo, a
educação dos sentidos é fundamental para o desenvolvimento da inteligência.
2º Princípio: A inteligência
Nota-se que, apesar de Itard não ter conseguido êxito na tarefa de ensinar
Victor a falar, Séguin inspirou-se nas atividades propostas por seu mestre em seu
plano educacional.
65
(1846) discorda, alegando que, se assim fosse, depois de ensinar a emissão de
vogais, a criança deveria aprender a articulação de sílabas compostas de uma
primeira vogal e uma consoante, para se deslocar do conhecido para o
desconhecido, do fácil para o difícil, do simples para o complexo. O fato é que
ninguém nunca pensou que é mais fácil dizer “MA”, “BO”, “NI”, do que “AM”, “OB”,
“IN”; por isso a emissão de certas consoantes tem que preceder a das vogais.
Como tudo isso é o contrário do que era ensinado na época, Séguin (1846)
traz algumas observações para corroborar seu ponto de vista.
Sob o apoio da minha primeira afirmação, eu observei que até que a criança
faça os sons A, I, O, ela não fala, grita ou canta.
Por segundo, eu lembro que a mesma criança não começa a dizer: AP, EM,
OB, mas PA, ME, BO.
Em terceiro, eu diria que essas sílabas são todas labiais, começando pelas
mais simples, MA ou BO, de acordo com a disposição relativa dos lábios. PA
sendo o primeiro articulado pelas crianças, nas quais a energia de sucção,
ou alguma causa semelhante, desenvolveu força contráctil dos lábios de
uma forma excepcional. (p. 400).
A visão
A visão é descrita por Séguin como sentido ativo e requer também uma
educação mais metódica. Nas crianças com deficiência intelectual, Séguin
percebeu que a maioria delas executa funções involuntárias em relação ao sentido
da visão. Nas palavras de Séguin, “eles veem, mas eles não enxergam” (1846, p.
416), isso porque eles direcionam sua visão para uma direção que parece não
abraçar a sua linha de visão, além de serem mais lentos.
67
a terceira, a quarta e a quinta placas na figura original e pede-se à criança que
faça a mesma coisa na sua combinação. Por fim, desorganiza-se a figura e
solicita-se à criança que a construa novamente.
A Escrita e a Leitura
Para Séguin (1846), os conceitos que envolvem a leitura e a escrita são: 1º)
plano; 2º) cores; 3º) abstração linear; 4º) dimensões; 5º) configuração; 6º)
relação do nome com uma figura; 7º) relação da figura com o nome; 8º) relação
entre uma só emissão de voz ou sílaba e diversos sinais; 9º) relação de diversos
sinais a diversas articulações sucessivas; 10º) relação da palavra, escrita e
pronunciada, com a sílaba que ela representa. Assim, os sete primeiros
conduzirão ao conhecimento das letras; os dois seguintes (relação de uma só
emissão de voz ou sílaba com diversos sinais e a relação entre diversos sinais e
várias articulações sucessivas) iniciarão na leitura mecânica; e o último, relação
entre a palavra escrita e pronunciada com a ideia que ela representa, fará a
transposição do domínio das noções ao das ideias. Foi apoiado “no conhecimento
desses conceitos e nas indicações da história40” (p. 449) que Séguin projetou seu
alfabeto.
40Acredita-se que a principal inspiração de Séguin para a elaboração do seu alfabeto tenha vindo do
material elaborado por Itard para ensinar o alfabeto a Victor. Montessori também se apropria dessa ideia
para a elaboração de seu alfabeto móvel.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Para a ordem de apresentação das letras, Séguin (1846) indica três formas,
que são: por ordem alfabética, pela ordem de configuração e pela ordem da
articulação.
69
Para Séguin (1846), os sentidos são os agentes imediatos das noções e a
inteligência é o agente imediato das ideias. Contudo, a principal diferença entre
uma noção e uma ideia “é que a primeira aprecia as propriedades físicas das
coisas, e a segunda, suas relações; que uma aprecia a identidade do corpo, e a
outra sua correlação real e possível” (p. 459). Séguin também evidencia que a
noção é uma operação passiva ou de percepção, e a ideia uma operação ativa ou
de dedução. “A noção é a base das operações dos sentidos, enquanto a ideia é
produto do raciocínio” (p. 460). Assim, a educação de todas as crianças, deve
iniciar-se pelo estudo dos conceitos que abrangem todos os fenômenos
perceptíveis pelos sentidos.
O Ensino da Gramática
c) Verbo: para Séguin, o verbo é a ação e sem ele nada se move. Indica-
se, portanto, o uso de verbos para a execução de comandos por parte do aluno;
no entanto, o professor deve observar se o aluno compreendeu a ordem dada ou
se a ação foi instintiva. Nesse sentido, para verificar se houve compreensão,
Séguin (1846) aconselha o uso de cartões ou fichas com várias ações escritas: o
professor diz o comando e o aluno deverá primeiro mostrar a palavra escrita
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Memória
Aritmética
71
Para meus alunos, 1, 2, 3, 4, devem ser coisas, antes de ser quantidades, a
ideia do número sempre anterior ao da figura, como acontece com as
crianças que conhecem as palavras antes de lê-las. Além disso, se esta teoria
do cálculo é invariável, a minha prática de ensino deve variar entre os
indivíduos a quem se dirige. (Séguin, 1846, p. 480).
História da Natureza
Cosmografia
(...) por exemplo, o sol nasce na frente duma janela, e que ele se deita na
frente de uma outra, que ele sobe mais alto e se mostra mais nos longos dias
de verão que no inverno, e que a lua aparece e desaparece do mesmo modo,
que as partes iluminadas da sua superfície não são sempre totalmente
voltadas para a terra etc. (p. 500)
3º Princípio: A vontade
73
possibilidade de proporcionar avanços na educação de crianças com deficiência
intelectual por meio da socialização com as crianças sem deficiência.
A educação moral é nada mais do que uma revelação. Para Séguin, o seu
ensino às crianças pelos livros, ou até mesmo por linguagem comum, seria um
fracasso completo, pois a criança com deficiência precisa de tempo e exemplos
práticos para comandar uma ação e, assim, poder revelar em seu cotidiano o que
aprendeu.
Deve-se lembrar que o ensino para a criança com deficiência não tem
nenhum valor prático se não oportunizarmos as melhores condições para a sua
realização. Assim, Séguin orienta algumas ações que devem nortear o trabalho do
professor:
(...) colocá-lo entre as outras crianças fazendo a mesma coisa; deixá-lo vê-
los até ele fazer por si só; fazê-lo imitar a coisa desejada mais próxima; fazê-
lo desejar o que desejamos que ele faça etc. A realização dessas ações, e
particularmente da última, implica a promoção da vontade nova, que será
parcialmente realizada pela disposição inteligente do tempo, do lugar e do
meio, tornando-se frequente devido à influência que as crianças exercem
entre si. (Séguin, 1866/1907, p. 151).
Essa formação moral das crianças, “uma por muitos, várias por um, todos
por todos” é uma das fontes principais da tarefa do professor. Séguin afirma que
se o professor não consegue estimular a criança, outra poderá incitá-la; o que o
professor não consegue explicar a uma criança, ela imitará a partir de outra
criança; o que um grupo não faz depois do comando do professor, será feito após
o exemplo de uma criança pequena. Diante disso, é um erro os considerarmos
incapazes de aprender, porque eles podem fazer o que propusermos observando
os exemplos dos outros.
Por isso, não devemos fazê-los sentir a autoridade como uma pressão, nem
a obediência como uma submissão, mas lhes dando todas as oportunidades
de exercer o primeiro [autoridade] nos limites de sua aptidão, bem como de
agir sob o impulso reflexo do segundo [obediência], sempre que o seu
impulso espontâneo apresentar-se deficiente. Quando tentamos socializar o
idiota isolado, não queremos dizer para ensinar-lhe música, leitura, etc; nós
pretendemos dar-lhe o sentido e o poder de estabelecer, nos limites de sua
capacidade, relações sociais. (p. 153).
Algumas Considerações...
75
possuía e, a partir disso, planejava atividades que partiam do conhecido para o
desconhecido; do simples para o complexo.
Destaca-se, ainda, que o material deixado por Séguin em suas duas grandes
obras eram, na verdade, relatos do dia a dia de um professor de educação especial,
contendo expectativas, dúvidas, anseios, preocupações, alegrias, culpas.
Sentimentos típicos de professores que trabalham com crianças com deficiência,
que comemoram cada avanço e buscam, diariamente, estratégias de ensino que
auxiliem em sua prática docente.
Referências Bibliográficas
Séguin, E. (1907). Idiocy: and its treatment by the physiological method. New York:
Teachers College, Columbia University, 1907. (Originalmente publicado em 1866).
______. (1846). Traitement Moral, hygiene et education des idiots et des autres enfants
arriérés. Paris: Chez J. B. Baillière.
77
CAPÍTULO IV
41Este texto é uma versão modificada, revista e atualizada do capítulo Educação e Psicologia em Manoel
Bomfim (1868-1932), de autoria de Mitsuko Aparecida Makino Antunes e Antonio Carlos Caruso Ronca,
publicado em: Brait, B. & Bastos, N. (orgs.) (2000). Imagens do Brasil: 500 anos (pp. 31-50). São Paulo:
EDUC.
42Descrição da foto: Manoel Bomfim retratado olhando ao longe, somente mostrando seu busto. Tinha
cabelos espessos e escuros, bem como um longo bigode. Na vestimenta há um colete de cor clara, um casaco
de cor escura, camisa banca com gola para acima e uma graveta escura. Por ser a foto em branco e preto,
não há como identificar as cores. Legenda da foto: Bomfim, M. (2006). Pensar e Dizer: estudo do símbolo
no pensamento e na linguagem (2ª ed.) (Coleção Clássicos da Psicologia Brasileira). São Paulo: Casa do
Psicólogo.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Pode-se dizer dele que foi um pensador rebelde (Aguiar, 2000): radical,
original, polêmico, ousado. Esses são alguns dos adjetivos que têm sido usados
para se falar de Manoel Bomfim, um intelectual pleno, que permanece
praticamente desconhecido entre educadores e psicólogos brasileiros.
43 Depoimento de Luís Paulino Bomfim, neto de Manoel Bomfim, a Mitsuko Aparecida Makino Antunes.
79
Bomfim produziu obras sobre História do Brasil e da América Latina,
Sociologia, Geografia, Medicina, Zoologia e Botânica, além de ter escrito, em
coautoria com Olavo Bilac, livros didáticos de Língua Portuguesa.
Especificamente em Educação e Psicologia, escreveu, além de muitos artigos na
imprensa, nos quais defendia veementemente a causa da educação para todos,
os seguintes livros: O facto psichico (1904); Lições de Pedagogia (1915); Noções
de Psychologia (1916); Pensar e Dizer: estudo do symbolo no pensamento e na
linguagem (1923); O methodo dos tests (1928); Cultura e Educação do povo
brasileiro (1932), obra ditada por ele, já gravemente enfermo, a Joracy de
Camargo e premiada pela Academia Brasileira de Letras no ano seguinte, além
de outras publicações, como: Critica à Escola Activa e O respeito à criança.
Foi, no entanto, à Educação que Bomfim dedicou sua vida profissional. Ele
acreditava na educação e na possibilidade de, por meio dela, romper com a
herança colonial e contribuir para a construção da nação brasileira, baseada
numa democracia efetiva, alicerçada na liberdade, na justiça e na igualdade.
Acreditava na educação para todos, pública, gratuita e laica como caminho para
a realização desse ideal e na contribuição da Psicologia como ciência
fundamental para a ação educativa.
O Médico
Sobre essa época, diz Aguiar (2000, p. 122): “Manoel José sentia-se
perfeitamente à vontade naquele meio mais acadêmico que político na
Faculdade de Medicina da Bahia. Tinha, então, dezoito anos, mas nenhuma ideia
política exercia sobre ela grande atração”, embora participasse com os colegas
de reuniões abolicionistas e republicanas. Diz Aguiar:
81
Manoel Bomfim permaneceu por dois anos nas fileiras da Brigada. Em
março de 1891, integrou uma expedição militar que percorreu o baixo rio
Doce, buscando verificar in loco a situação dos índios botocudos, os quais,
a partir da desativação dos aldeamentos, vagavam a esmo pelas matas.
(2000, p. 153).
A defesa da Educação
83
servia aos interesses de um grupo, mas como a própria causa do problema.
A concepção de Educação
não como herança biológica, mas sob a forma de aquisições pessoais (...).
Essa ação sistemática, ou intervenção necessária e propositada, na
formação das criaturas humanas, é a própria educação (...); ela permite, a
cada indivíduo, o condensar, o aproveitar, no seu preparo pessoal, a
experiência geral da espécie. Graças à educação, cada personalidade nova
pode resumir o progresso moral e mental da humanidade. (Bomfim,
1897/1932, pp. 13-14).
Para Bomfim, o direito à vida tem um sentido amplo: “(...) esse direito
primordial da criança à vida não pode significar, apenas, a garantia da vida
orgânica. (...) A sociedade [deve] assegurar-lhe, à criatura infantil, a
indispensável nutrição do espírito, a saúde e o pleno desenvolvimento da vida
mental e moral” (1897/1932, pp. 16-17). A educação deve concorrer para o
processo de desenvolvimento e realização da criança:
85
fundamentos da educação. Para ele, é necessário que as escolas sejam: “(...)
realmente, centros estimuladores da atividade juvenil, escolas que, sem
sacrificar a saúde e a alegria da criança, a ocupem de modo interessante e
racional, como cultura do espírito e do caráter” (Bomfim, 1897-1932, pp. 35-
36).
Pedagogia e Psicologia
(...) esses princípios têm de ser procurados nas ciências que estudam e
fazem conhecer, por um lado, a natureza da criança, e por outro lado, as
condições da vida humana (...); a pedagogia se deve inspirar em todas as
ciências – físicas, naturais, históricas e sociais. Destas, porém, há uma que
lhe dá os principais subsídios. É a Psicologia. (1915, p. 22).
87
O conhecimento sobre a criança e seu processo de desenvolvimento,
sobretudo a partir das mediações que são estabelecidas com o meio social,
constituem-se em bases para a prática educativa, que deve visar à formação da
personalidade em sua capacidade adaptativa. Para Bomfim, a adaptabilidade
confere ao homem a supremacia sobre a natureza, realizando-se por processos
conscientes, por meio da inteligência que, como função psíquica superior, é de
natureza psicossocial. Estabelece três instâncias de ação educativa: educação
física, educação moral e educação da inteligência.
89
processo de transformação, mediatizado pela linguagem, cuja base é simbólica,
constituindo-se como fenômeno representativo. A linguagem tem papel
fundamental no processo de desenvolvimento do sujeito, não apenas no âmbito
cognitivo, mas também abrangendo outros aspectos da vida psíquica:
Fenômenos tão complexos, como esses, do espírito, têm que ser estudados
com recurso de todos os métodos possíveis, e racionalmente aplicáveis:
observação pessoal, experimentação de laboratório, crítica filosófica,
pesquisa linguística, investigação histórica (...). A produção artística, a
obra literária [...], instituições históricas, religião, linguagem [...] tudo
deve ser interpretado, e deve contribuir para que se compreenda e se
verifique a atividade do espírito. Finalmente, o estudo da natureza
psíquica, no homem, deve ser feito numa convergência perfeita de
sociologia, arqueologia, linguística, história, moral [...]. (Bomfim, 1923, p.
42).
À Guisa de Conclusão...
91
intelectual brasileiro, que antecipou tantas ideias só mais tarde desenvolvidas,
continua sendo quase total entre aqueles que se dedicam à educação, à
psicologia e, sobretudo, à psicologia da educação no Brasil.
Referências Bibliográficas
Aguiar, R, C. (2000). O rebelde esquecido: tempo, vida e obra de Manoel Bomfim. Rio de
Janeiro: Topbooks e ANPOCS.
______. (1993). A América Latina: males de origem. Rio de Janeiro: Topbooks, 1993.
(Original de 1905).
______. (1932). Instrucção Popular, em: República, 291, de 02/09/1897, in: ______.
Cultura e Educação do povo brasileiro: pela difusão da instrucção primaria. Rio de
Janeiro: Pongetti.
______. (1932). Dos sistemas de Ensino, em: República, 53, de 07/01/1897, in: ______.
Cultura e Educação do povo brasileiro: pela difusão da instrucção primaria. Rio de
Janeiro: Pongetti.
Ribeiro, D. (1993). Manoel Bomfim, antropólogo, in: Bomfim, M. A América Latina: males
de origem (pp. 3-16). Rio de Janeiro: Topbooks.
93
CAPÍTULO V
44Descrição da foto: Alfred Adler conversando com uma menina enquanto enfaixava sua mão, em uma
das Clínicas de Orientação infantil. A menina está em pé e de costa; seu cabelo está cortado em um Chanel
bem curto; usa um vestido estampado, sem mangas. Adler está sentado em uma cadeira de madeira, usa
um termo de cor clara, com camisa; como acessório, um relógio no pulso esquerdo e está de óculos. Nessa
época, seus cabelos já estavam brancos. Legenda da foto: “Depois de servir no Corpo Médico do Exército
Húngaro na Primeira Guerra Mundial, a reputação principal de Adler logo se estabeleceu no campo
aplicado da psicologia infantil. Ele estabeleceu clínicas de orientação infantil na Áustria, Londres e nos
Estados Unidos” (AAI-NY Gallery, tradução das autoras).
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Para atingir tal intento, o primeiro passo, foi o aceite de Alfred Adler para
dar conferências regulares em Volksheim, o Instituto de Educação mais
importante de Viena. O segundo, tornar-se membro da Faculdade de Professores
do Instituto Pedagógico. E, o terceiro, criar o grupo Erziehungsberatungsstelle
(Orientação Infantil, em livre tradução) que, estabeleceu, com o consentimento
das autoridades escolares, um número significativo de Clínicas de Orientação
Infantil, nas escolas estatais, com atendimento voluntário-gratuito às crianças
dificilmente educáveis”.46
45 Todas as traduções realizadas ao longo deste capítulo, são de responsabilidade das autoras.
46Eram consideradas “crianças dificilmente educáveis” às que apresentavam dificuldades no processo de
escolarização, algum tipo de deficiência e/ou insuficiência relacionada à saúde, bem como questões
relacionadas ao comportamento.
95
Adler? E, como que de médico, Adler voltou-se à educação das “crianças
dificilmente educáveis”?
A fala do médico lhe causou tal pavor e pânico que, nos dias que se
seguiram, após se restabelecer, Adler (como citado em Bottome, 1952) decidiu
que carreira queria seguir: “(...) decidi definitivamente ser um médico para
dispor de uma defesa mais eficaz, da que tinha meu médico de cabeceira, contra
o perigo de morte e, também, de armas superiores para combatê-la” (p. 55).
Posteriormente, ao ser contestado pelo pai de um de seus amigos sobre o desejo
de se tornar médico, ao sentir que o mesmo, assim como ele, deveria ter passado
por uma experiência negativa, pensou para si: “(...) serei um doutor como Deus
manda”! (p. 55). E mais, a partir desse dia, a determinação de ser médico nunca
mais lhe abandonou: “Já, não me imaginava abraçando outra carreira ou ofício
(...) e persisti; mesmo quando muitas e complexas dificuldades se colocavam
entre meu objetivo e eu” (p. 55).
50 Ao estudarmos tal passagem da vida de Adler, inferimos que, tais vivencias podem ter contribuído,
incialmente, à criação futura do conceito de Gemeinschaftsgefühl, sem tradução para nenhum outro
idioma, mas que, por uma aproximação de seu conceito, pode ser traduzido como sentimento de
comunidade, interesse social, sentimento social ou sentido social. O sentimento de comunidade significa
assumir a necessária interdependência com o outro, como uma forma de vida (Lebensform), ou seja, “não
deve ser entendido como uma forma de vida superficial, como se não fosse nada mais que a expressão de
um modo de vida adquirido mecanicamente. É muito mais. Não estou em condição de defini-lo de forma
inequívoca, mas encontrei em um autor inglês uma frase que expressa claramente algo que poderia
contribuir com nossa explicação: ‘Ver com os olhos de outro, ouvir com os ouvidos de outro, sentir com o
coração de outro’. Por gora, me parece uma definição admissível do que chamamos de sentimento de
comunidade” (Adler, 1928/1968).
97
“‘Aqui há algum truque... Por que não posso dar a resposta, assim como ele’? E,
quando [Adler] descobriu essa nova possibilidade, a solução foi claramente
oferecida” (Bottome, 1952, p. 61):
A partir desse dia, Adler não teve mais dificuldades na escola, tampouco
com as matemáticas, tornando-se um “verdadeiro prodígio” e passando pelo
período da adolescência de forma segura e sensata, absorvendo tudo o que lia
em seus livros com o propósito de atingir seu objetivo: tornar-se médico.
“Durante essa época, segundo ele próprio costumava lembrar, dedicou-se a ler
seriamente e com esforço tudo o que lhe parecia servir a seu objetivo final”
(Bottome, 1952, p. 65).
51 A medicina interna é a especialidade médica que avalia o doente adulto no seu todo, tendo em conta a
complexidade do organismo humano e a interação dos vários distúrbios que podem afetar o indivíduo. O
medico internista ou clínico geral é o mais indicado para tratar os pacientes que recebem vários
medicamentos simultaneamente, além de controlar doenças básicas e monitorar o surgimento de possíveis
efeitos adversos. O especialista nessa área pode ser chamado, também, de médico de cabeceira ou médico
da família, pois pode acompanhar o paciente por toda a vida (Fochesatto Filho, 2013).
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Apesar de quase não se ter informações sobre a relação de Adler com seus
professores nesse período, sabe-se que para ele “a vida com seus companheiros
de estudo [era] tão importante quanto as conferências, os laboratórios e os
internatos” (Furtmüller, 1935/1968, p. 290). Até mesmo porque, nesse período,
Adler juntamente com uma minoria de estudantes, foram influenciados pelo
movimento socialista: esses estudantes “se reuniam para debates, que duravam
à noite toda, nos sótãos de restaurantes e cafés baratos” (p. 290), com um
grande “entusiasmo para preparar o mundo para um futuro melhor, muito
diferente da superficialidade com que o grupo nacionalista tratava os problemas
políticos e sociais” (p. 290). Com relação a participação de Adler no grupo,
Furtmüller descreve que era de um ouvinte, não de um orador.
Foi, também, durante esse período que Adler iniciou seus estudos sobre a
história da Psicologia. A princípio, sentiu-se descontente com relação ao
progresso da mesma enquanto Ciência. Entretanto, foram tais estudos que
deram fundamentação inicial às suas pesquisas sobre “como a natureza oferece
uma compensação aos órgãos lesionados (...)” (Bottome, 1952, pp. 65-66).
Ainda, de acordo com Bottome (1952), “o desenvolvimento do poder do ser
humano para transformar o ‘menos’ em ‘mais’, se converteu na base de toda a
obra adleriana” (p. 66).
Nos primeiros anos de sua carreira, sensível aos contatos humanos como
era, Adler não poderia ter escolhido outro lugar para estabelecer seu consultório
que o bairro de Praterstrasse. Um bairro, segundo Leal e Massimi (2017, no
prelo), “em sua maioria, de judeus e pessoas de classe média baixa, assim como
os garçons, os artistas dos espetáculos do Prater, o famoso parque de diversões
de Viena, que estava a cerca de seu consultório” (não paginado): “Todas essas
pessoas que ganhavam à vida exibindo sua força e suas extraordinárias
habilidades corporais, mostravam para Adler suas fraquezas e doenças físicas”
(Furtmüller, 1935/1968, p. 291).
99
Segundo Furtmüller (1935/1968), “Todo caso que não era inteiramente
rotineiro, tornou-se para Adler uma nova peça no desenvolvimento de sua
investigação científica” (p. 292) e, ao atender tais pacientes, Adler conseguiu
chegar ao desenvolvimento dos conceitos de sentimento de inferioridade,
compensação e supercompensação, bem como à publicação de uma de suas
principais obras: Studie über Minderwertigkeit von Organe52 (Leal & Massimi,
2017).
“Os integrantes do círculo de Freud, viam desde o início que Adler era um
pensador independente, não meramente um crítico negativo, mas um homem
que contribuía positivamente com o progresso da ciência” (Furtmüller,
1935/1968, p. 296). Consequentemente, após inúmeras e prolongadas
discussões, nas quais Freud e Adler defendiam, cada um, seus pontos de vista,
assim como às insistentes críticas do primeiro em relação às posições do
segundo, em 1911, Adler deixa a Sociedade de Psicanálise54 (na qual era
presidente à época) e seu cargo de editor no Zentralblatt für Psychoanalyse,
periódico que fundará junto com Freud, para se dedicar a criação de uma nova
sociedade: inicialmente chamada de Sociedade à Investigação Psicanalítica
Livre e, posteriormente, de Sociedade de Psicologia Individual, juntamente com
oito de seus colegas que também participavam da Sociedade de Psicanálise (Leal
& Antunes, 2015).55
Após o rompimento com Freud, não demorou muito para que Adler
mudasse seu consultório no Praterstrasse para à rua Dominikanerbastei, uma
rua que ficava no centro da cidade próxima à Ringstrasse, assim como desistisse
de ser médico da família para se especializar e dedicar-se somente à psiquiatria.
54Para saber mais sobre o rompimento de Freud e Adler recomenda-se à leitura dos artigos das autoras
deste capítulo, indicados nas referências e: Handlbauer, B. (2005). A Controvérsia Freud-Adler (F. Lubisco,
Trad.). São Paulo: Madras Editora. (Originalmente publicado em 1984).
55 A mudança de nome se deu, em 1913, porque Freud e seu grupo afirmavam que o termo psicanálise
devia ser reservado exclusivamente às verdades e os erros da teoria difundida pela Sociedade de
Psicanálise, sob supervisão de Freud. E, acima de tudo, porque o nome da Sociedade deveria expressar a
ideia central da nova psicologia: uma psicologia que não via as “diferentes ações e ideias do indivíduo como
causalidade de poderes psíquicos isolados, ou como motivado por certas experiências isoladas, mas [sim,]
uma Psicologia que via as diferenças e/ou a unidade em relação com o todo, no retrato psicológico do
indivíduo”. (Leal & Massimi, 2017, no prelo).
56Enquanto Freud obrigava seus pacientes “(...) a deitarem-se e seu terapeuta ficar em silêncio e invisível
atrás deles” (IAPI, 2017, s.p), Adler “sentava-se à frente de seus pacientes, ambos em cadeiras
confortáveis, para que o tratamento tivesse um ambiente quase social” (s.p).
101
propôs um grupo que caminharia em outra direção: primeiro, não praticava os
ritos de iniciação nem os juramentos de fidelidade que Freud usava. Segundo, os
membros do grupo foram encorajados a apresentarem convidados às reuniões,
devido ao interesse, a experiência e/ou habilidade para se tornarem ou não um
membro da Sociedade de Psicologia Individual, bem como psiquiatras,
psicólogos e escritores que visitavam Viena (IAIP, 2017). Terceiro, ao enviar
cartas ao exterior explicando o ocorrido com Freud e o plano de um novo grupo,
Adler conseguiu a participação de muitos membros correspondentes da
Alemanha, França, Suíça, Grécia, entre outros países. E, por fim, tão importante
quanto os demais, todos os membros do grupo não poderiam ter princípios,
ideias ortodoxas
Tal clima permitiu que, muitos investigadores, das mais diversas áreas,
mantivessem contato com o grupo, bem como os membros permanentes se
sentissem estimulados a aprender cada vez mais.
57 Tal relato encontra-se em nas notas de rodapé inseridas pelos compiladores Heinz L. Ansbacher e
Rowena R. Ansbacher. Nas palavras dos mesmos: “nas notas completamos algumas das informações de
Furtmüller como indicado; apresentamos colaborações de outros e tomamos nota de pequenas
discrepâncias ocasionais com outras fontes” (Furtmüller, 1935, p. 287).
103
Diante de tantas experiências, o grupo começou a publicar monografias,
artigos, relatos de experiências, para mostrarem que, desde o início, não
aplicavam os métodos da Psicologia Individual apenas na psicoterapia, mas
também em áreas como a Filosofia, a Literatura, a Religião, entre outras. Como
exemplo de monografias encontram-se: Psychoanalyse und Ethik [Psicanálise e
Ética, em livre tradução], de Furtmüller (1912); Der Fall Gogol [O Caso de Gogol,
idem], de Kaus (1912); Henri Bergsons Phylosophie der Personlichkeit [A
Filosofia da Personalidade de Henri Bergsons, idem], de Schrecker (1912) e
Sadismus und Masochismus in Kultur und Erziehung [Sadismo e Masoquismo
na Cultura e na Educação, idem], de Asnaourow (1913), publicadas em uma
série intitulada Schriften des Vereins für freie psycho-analytische Forschung
[Escritos de Pesquisa da Associação Livre de Psicanálise, idem].
58Tal relato encontra-se em nota de rodapé, inserida pelos compiladores Heinz L. Ansbacher e Rowena R.
Ansbacher.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Quando a guerra estourou, Adler pensava que para a Áustria seria uma
guerra justa. Sempre inclinado ao paradoxo, gostava de dizer em
conversas particulares: “Vocês sabem, eu sempre criticava o nosso
governo e nunca esperei que pudesse estar certo. De maneira
surpreendente, desta vez tenho razão”! Uma aprovação formulada dessa
forma, tinha dentro de si raízes de uma reconsideração que levou tempo e
avançou passo a passo; mas, mesmo antes do término da guerra, Adler
tomará uma posição oposta. (...) Quando as hostilidades finalmente
cessaram, aceitou a dissolução da monarquia e o estabelecimento da
República Austríaca (...) não como uma derrota, mas como o princípio de
uma nova evolução, cheia de esperança. (p. 321).
105
Nesse sentido, pode-se dizer que, se a primeira mudança marcou sua
passagem de médico da família à psiquiatra, a segunda mudança, além de ser
independente da primeira, deu um novo pilar de sustentação à sua teoria, assim
como evidenciou ainda mais as diferenças entre Adler e Freud. Enquanto que
para o segundo o homem era originalmente um selvagem perigoso, para o
primeiro fazia-se essencial considerar a lógica da vida para, então, compreendê-
lo. Afinal, para Adler não se podia confiar em qualquer instinto social, mas sim
no desenvolvimento de um sentimento de comunidade que levasse à cooperação
entre os homens comuns.
Para tanto, com o fim da Guerra, depois de se envolver com o novo regime
político, servindo inicialmente, em nome do partido Social-Democrático, ao
Comitê Central dos Trabalhadores de Viena, por meio de funções
administrativas, Adler passou a dar mais ênfase à educação, por acreditar que
era um campo fértil e promissor para aplicação dos princípios de sua teoria, na
construção da nova sociedade que estava sendo formada, principalmente após
a retomada de seu grupo, apesar de não ser completamente o mesmo de antes
da Guerra, pois
(…) isso não é impossível aqui em Viena, já que posso lhe apresentar,
precisamente, o homem que pode lhe ajudar. Há um médico chamado
Adler que não é somente o que você quer, mas quem sabe por quais meios
pode conseguir. Por que não o colocar para ensinar os professores? (p.
179).
59 Carl Furtmüller, nasceu em Viena, a 2 de agosto de 1880. Ingressou na Universidade no ano de 1898
para cursar Filosofia e doutorou-se em 1902 (período no qual, também, se uniu ao movimento social-
democrático). Foi professor nos: Gymnasium de Viena (1901-1903); Gymnasium de Kaaden (hoje, Kadan
– 1904-1909); de uma Realschule (1909-1919). Foi membro do Comitê fundador do Volksheim. Em 1919,
devido ao seu antigo interesse pela reforma das escolas de Viena, a convite de Otto Glöckel, então Ministro
da Educação da Nova República Austríaca, Furtmüller começou a preparar, junto à divisão de Educação,
os fundamentos para a reforma escolar e, em 1922, foi nomeado superintendente da Educação Secundária.
Além de suas atribuições com o cargo público que exercia, Furtmüller “escreveu sobre materiais
educacionais, psicológicos e sociais; deu conferencias sobre os problemas da educação e da psicologia para
psicólogos, educadores, pais e professores e deu cursos em Francês no Instituto Pedagógico” Adler,
1935/1968, p. 285, nota de rodapé inserida pelos compiladores Heinz L. Ansbacher e Rowena R.
Ansbacher). Em 1934, devido o poder dos austrofascistas, migrou para a França, depois para Espanha e
Estados Unidos, retornando a Viena somente em 1947, quando se torna, um ano depois (1948), diretor do
Instituto Pedagógico. “Mas seu coração não estava em boas condições. Morreu em 1º de janeiro de 1951,
poucos meses depois de seu septuagésimo aniversário” (p. 285).
107
do Pädagogische Institut der Stadt Wien, situado no Volksheim, o maior e mais
importante instituto de educação de Viena.
60 Professora e defensora da prática adleriana, dirigiu uma das Clínicas de Orientação Infantil.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
61 Arbeitsschule ou escola do trabalho “para KERSCHENSTEINER denotava uma escola ‘que por meio de
seus métodos e do tipo de estrutura geral liberava os valores imanentes dos alunos’” (Spiel & Birnbaum,
1930/1957, p. 72). Ou, como descrito por Lourenço Filho (1978): a escola que Kerschensteiner
preconizava, não era uma “escola de trabalho” no sentido manual; mas sim, uma escola em que o aluno
poderia aproveitar suas inclinações e interesses, por meio de três princípios básicos: 1º) enlace das
atividades educativas propostas com às disposições individuais do aluno, 2º) preocupação em conformar
as forças morais do aluno para examinar os atos de trabalho e 3º) ser uma escola de comunidade de
trabalho, onde os alunos além de se aperfeiçoarem, ajudavam e apoiavam recíproca e socialmente a si
mesmos e aos fins da escola, para chegarem à plenitude.
109
pressão oficial e sem nenhuma publicidade, as clínicas logo ganharam a
confiança dos professores e familiares” (Furtmüller, 1935/1968, p. 332).
111
chegaram. Na primeira etapa, Adler realizava alguns encontros com o grupo de
docentes, onde apresentava um ou dois casos como forma de demonstração e
discussão, respondendo a todos com paciência e cuidado, fossem esses
professores ou os pais da criança: “uma vez por mês Adler dava uma conferência
aberta á todos os professores, pais e demais pessoas interessadas pela educação,
no Volksheim, e nessas ocasiões a grande sala ficava cheia a ponto de
transbordar” (Bottome, 1952, p. 181).
113
que [funcionava] nas clínicas, particularmente eficaz para fazer a criança
sentir seu relacionamento como a comunidade, [era] que, em muitos
casos, o trabalho [era] realizado às portas abertas. (p. 41).
Adler sempre mostrava à criança o erro em sua atitude, mais que qualquer
falta significativa derivada da mesma. Se, por exemplo, a criança era uma
reconhecida mentirosa, circunstância muito frequentemente produzida
por um pai rígido, Adler não mencionava as mentiras da criança, mas
tentava fazê-la entender que era muito apreciada pelos pais e que a rigidez
era, simplesmente, um ansioso desejo por parte dos pais de que o filho
melhor e tinha boas relações com o mundo. Mostrava, então, à criança que
um pouco mais de coragem e de afeto, de sua parte, como resposta a rigidez
paterna aliviaria a situação para ambas as partes. Depois, quando
conversava com os pais, Adler tentava possibilitar a melhora da criança,
tentando suavizar a rigidez da atitude paterna, mas tentando não se opor
aos pais. “O que vocês têm feito até agora a seu filho”, dizia-lhes, “sem
dúvida, está muito bom de vosso ponto de vista. Mas, talvez agora,
deveriam tentar algo um pouco diferente e ver qual resultado terão”.
Assim, Adler mostrava à criança e a seus pais que a dificuldade dependia
de toda a personalidade e que era nela que deveria acontecer a primeira
mudança. Em seguida, o sintoma desaparecia por si só. (Bottome, 1952, p.
182).
Na última etapa, Adler realizava uma síntese, aos professores e pais, das
etapas vivenciadas, tomando-as como um exemplo para a elucidação de
problemas mais gerais e não somente como um problema particular. Assim,
“sempre era surpreendente, para o auditório, ver o quão perto Adler chegava do
62Cabe destacar que, no princípio, Adler chamava primeiro os pais, depois a criança. Entretanto, ao
suspeitar que tal prática causava na criança a sensação de mal-estar, por conversarem sobre ela às suas
costas, Adler decidiu mudar a ordem.
63Alexandra Adler nasceu, em Viena, no dia 24 de setembro de 1901. A segunda dos quatro filhos nascidos
de Alfred Adler e sua esposa Raissa Timofeyevna Epstein. Seguindo os passos de seu pai, Alexandra
recebeu seu diploma de medicina em 1926, pela Universidade de Viena. Especializou-se em psiquiatria,
completando seu estágio e residência no próprio Hospital de Neuropsiquiatria da Universidade, onde mais
tarde dirigiu o departamento de neurologia para mulheres, tornando-se uma das primeiras mulheres a
praticar neurologia tanto em sua Áustria natal quanto na América. Em 1934, encarregou-se de um Centro
de Orientação Infantil até seu fechamento; o que lhe permitiu dar continuidade as ideias, aos pensamentos
de seu pai após seu falecimento (Kemp, 2015).
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
64Treinada pelo próprio Alfred Adler, em Viena, Sofie Lazarsfeld (1882-1976) começou a praticar em
Viena, mas em 1938 mudou-se para Paris e 1941 para Nova York, países onde também trabalhou. Foi
autora de vários artigos e livros focados, principalmente, em questões feministas (Lazarsfeld, 1932/2015).
115
não tentadas para a melhora de seus “problemas”. Demonstrando, assim, que a
técnica utilizada por Adler e todos os demais de seu grupo, objetivava orientar
a criança a eliminar todas as suas dificuldades por meio de seus próprios
esforços, e não por meio de visitas constantes às Clínicas, pois um bom
atendimento se dá quando se consegue que a criança se abstenha dos velhos
comportamentos e recupere sua coragem pela vida.
65Cabe informar que, na obra consultada ora o nome do menino aparece escrito Fritz, ora Federico, por
este motivo preservamos ambos. Afinal, Fritz é o diminutivo alemão de Frederico (do teutônico Fridurik).
117
O que indica que é inteligente. Este
menino mimado também quer se
destacar. Seu hábito de urinar na
cama, é um meio para esse fim. Ele
Quando fazem uma pergunta a desempenha um bom papel na
algum aluno da classe, sempre ataca escola e provavelmente não está
com suas respostas. descontente, mas quer ocupar um
lugar de destaque, por isso
responde rispidamente (pp. 116-
126).
[Entrada da mãe]
ADLER (à mãe): Desejo falar de Federico. Ele não é o melhor aluno de
sua classe?
MADRE: Eu não diria isso.
ADLER: Não é um dos melhores alunos da escola de “crianças
retardadas?
MADRE: Está bem em tudo, exceto em aritmética. Outras crianças
estão mais adiantadas que ele. A professora diz que quanto ele lê
calmamente, a faz bem. Sempre tenta apressar-se.
(…)
ADLER: Como ele se sente na escola?
MADRE: Sente-se muito bem na escola; por algum tempo o enviamos à
uma escola particular, esperando que assim tornasse as coisas mais
fácil. Mas ali, não lhe deram muita atenção e o deixaram atrasar. Um
especialista em nervos, amigo nosso, descobriu que ele era normal nos
aconselho a enviá-lo a uma escola de “crianças retardadas”.
ADLER: E como são as crianças da escola de “retardados”?
MADRE: As crianças são terríveis; mas isso não o incomoda. Há
crianças horríveis, que estão muito atrasadas. Se eu soubesse que ele
teria esperança de seguir em frente…
(…)
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
119
as causas dos problemas e empenhar esforços para suprimi-los com base nas
próprias discussões realizadas pelo grupo da sala de aula.
Há uma coisa que não podem fazer, embora possam retirar das crianças
todas as suas possibilidades de liberdade. O que não podem fazer, a menos
que destituam todos os professores da Gemeinde Wien, é arrebatar das
crianças o que seus professores aprenderam. O que Adler e suas teorias
nos ensinaram, isso fica. (p. 209).
121
Caberia, portanto, a educação, segundo Adler, buscar o caminho que
levaria a criança adiante e a transformaria em instrumento do progresso social,
bem como aumentaria seu círculo de ação e corrigiria os erros educativos do
passado.
Referencias Bibliográficas
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123
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Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, 2017 (no prelo).
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al Niño Según los Principios de la Psicología del Individuo (3ª ed.) (Ricardo J. Velzi,
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J. Velzi, Trad.) (pp.45-58). Buenos Aires: Editorial Paidós. (Originalmente publicado
en 1930).
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
CAPÍTULO VI
66 Descrição da foto: Maria Montessori, já bem de idade, utilizando-se de um vestido e um caso bem grosso
de inverno, com chapéu (ambos em cores escuras), está sentada no pátio do Instituto Pedagógico, com um
livro na mão e com cerda de 8 crianças do seu lado direito, lendo e interagindo com ela. As crianças vestem
roupas de inverno, típicas da época: meninos com short, blusa de lã sobre camisa branca, casaco, meias e
sapatos. As meninas vestem saia com camisa e casacos de frio, com meias e sapato.
125
Maria Montessori foi grande: educadora, mulher, ser humano. Nosso
encontro com essa personagem e sua obra teórica e prática se deu por caminhos
diversos. Por isso, tomamos a liberdade de fazer duas (curtas) apresentações
neste capítulo, mostrando a amplitude de seu legado, que nos afetou de diferentes
maneiras pelas implicações de seus atos ao longo da vida.
Introdução
127
comportamento de um grupo de jovens com deficiência intelectual; permaneceu
nessa instituição por dois anos. Montessori percebeu, nessa experiência, que as
necessidades e o desejo de brincar dessas crianças estavam preservados,
levando-a a buscar os meios para educá-los (Röhrs, 2010). Montessori descobriu,
assim, as obras de Jean Marc Gaspard Itard e Edouard Séguin, médicos franceses.
Maria Montessori decidiu, porém, aos doze anos de idade, que iria para uma
escola técnica, ingressando na Regia Scuola Tecnica Michelangelo Buonarroti.
Nessa época, a entrada na universidade dependia dos resultados obtidos nos
exames regulares, determinando o futuro do aluno (Kramer, 1976). Formou-se
em 1886, com excelentes notas, continuando lá seus estudos até 1890. Estudou
línguas e ciências, destacando-se principalmente em matemática. Maria
Montessori, como seus colegas da Scuola Tecnica, planejava tornar-se
engenheira. Entretanto, próximo de sua formatura, por seu interesse pelas
ciências biológicas, decidiu estudar medicina, curso que nenhuma mulher na
Itália havia feito até aquele momento.
129
Da Medicina à Educação
131
Quando, em 1898 e 1900, consagrei-me à instrução das crianças
deficientes, tive logo a intuição de que esses métodos de ensino não tinham
nada de específico para a instrução de crianças deficientes, mas
continham princípios de uma educação mais racional do que aqueles que
até então vinham sendo usados, pois que uma mentalidade inferior era
suscetível de desenvolvimento. Esta intuição tornou-se minha convicção
depois que deixei a escola dos deficientes; pouco a pouco adquiri a certeza
de que métodos semelhantes, aplicados às crianças normais,
desenvolveriam suas personalidades de maneira surpreendente. (p. 28).
133
Psico Gemetria (1934); Psico Aritmética (1934); Il secreto dell’infanzia (1938);
Reconstruction in education (1942); What you should know about your child
(1948); Educazione e pace (1949); Formazione dell’uomo (1949); La magia del
bambino (1949); La mente absorvente (1949); La scoperta del bambino (1950);
Educazione alla libertá (1950); Il segreto dell’infanzia (1950); La capacitá
creatice della prima infanzia (1950); Unione Nazionale per la lotta contro
l’analfabetismo (1951); La mente del bambino (1952). Acrescenta-se ainda à
lista de Almeida (1984), o livro Para educar o potencial humano (2004),
contendo transcrições das últimas palestras de Montessori sobre o seu sistema
de educação.
135
Além disso, Montessori (1909/1965) sabia que Séguin, que havia
estudado crianças com deficiência por mais de trinta anos, entendia que seu
método deveria ser também aplicado a crianças sem deficiência. Montessori
considerava que a “voz de Séguin” a fez entender a importância de uma grande
obra que reformaria a escola e a educação.
137
contemplado todos os níveis de escolarização, abrangendo em seus escritos até
o ensino universitário.
O período intermediário, que vai dos seis aos doze anos, caracteriza-se
pelo pequeno volume de transformações, embora a criança dê sequência a seu
desenvolvimento. A passagem da mente absorvente para o período
intermediário é bastante visível, não apenas no que se refere às mudanças
psicológicas, mas também no plano físico. A mudança da dentição é, para
Montessori um bom exemplo disso. Esse período caracteriza-se pela
estabilidade, tornando a criança mais calma, serena, forte, vigorosa física e
mentalmente, com grande potencial para o trabalho físico e mental; isso faz com
que a criança esteja num momento ótimo para a aquisição de informações
culturais e científicas.
139
também, dar condições para que a criança desenvolva a autodisciplina,
deixando-a, porém, livre na escolha e na execução do trabalho.
67 Montessori explica que “disciplina ativa” não é fácil nem de se entender nem de se praticar. A criança
disciplinada é o indivíduo que é senhor de si mesmo; é um indivíduo correto por hábito e por prática em
suas relações sociais cotidianas. Dessa forma, a criança deverá amoldar-se a uma disciplina que se não
circunscreva tão somente ao meio escolar, mas abarque igualmente o âmbito social.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Para Montessori, a educação não pode se opor à vida cotidiana, mas esta
deve fazer parte do processo educativo, pois toda a educação deve estar ligada à
vida; ou seja, os gestos que as crianças fazem na vida cotidiana devem ser
orientados, educados.
141
Materiais de desenvolvimento para a educação sensorial
O período de vida que vai dos 3 aos 6 anos de idade é um período de rápido
crescimento físico, ao mesmo tempo que de formação das atividades
psíquicas e sensoriais. Nesta idade, a criança desenvolve seus sentidos: sua
atenção, em decorrência, vê-se atraída para a observação do ambiente [...]
É, pois, esta educação fisiológica que prepara diretamente a educação
psíquica, aperfeiçoando os órgãos dos sentidos e as vias nervosas de
projeção e associação. (p. 99).
Além disso, Montessori postula que cada um dos materiais deve despertar
o interesse da criança para ser escolhido e trabalhado. Cabe ao professor
despertar o interesse da criança para trabalhar com o material; para isso,
Montessori (1909/1965) elaborou orientações para a preparação do ambiente
escolar com os materiais pedagógicos, a partir das qualidades inerentes a eles.
São elas:
o Controle do erro:
143
madeira, em que se fazem buracos para colocar os cilindros de dimensões
graduadas, devem ter as cavidades proporcionadas às dimensões dos
sólidos cilíndricos. Tendo sido cometido um erro qualquer, já não será mais
possível colocar todos os cilindros em sua graduação perfeita; um ou ouro
cilindro ficará sobrando, denunciando o erro cometido. (p. 105).
o Estética:
o Possibilidade de auto-atividade:
o Limites:
o Leitura e Escrita
Montessori (1909/1965) relata que teve que romper com a ideia de que se
deve iniciar a escrita com pequenos tracinhos, por entender que o
desenvolvimento da escrita deve fundamentar-se no estudo psicofisiológico, “isto
é, de um exame do indivíduo que escreve, não propriamente da escrita; do sujeito,
não do objeto. Até o momento sempre se organizou um método baseando-se no
objeto, isto é examinando a escrita” (p. 182).
dar os primeiros pontos; ela não conseguia realizar o gesto de passar a agulha de
cima para baixo do tecido. Montessori recorreu, então, ao método da tecelagem
de Froëbel68, que após sua aplicação a criança conseguiu executar o exercício da
costura. Esse episódio a levou a entender que o ato de costurar havia sido
preparado sem costura; ou seja, os movimentos podem ser preparados antes de
começarem a ser executados. Montessori fez com que as crianças tocassem os
contornos das letras do alfabeto, tal como faziam com os contornos geométricos,
durante os exercícios de educação sensorial. Para Montessori (1909/1965), “A
criança que olha, reconhece e toca as letras no sentido da escrita, prepara-se
simultaneamente para a leitura e para a escrita” (p. 186). Assim, pode-se afirmar
que a educação sensorial, entre outras funções, participa da preparação para a
escrita. Diz Montessori:
Providenciei, pois, para que fosse feito um belo alfabeto em letras cursivas,
cujo corpo era da altura de 8 cm, em madeira envernizada, de uma
espessura de meio centímetro (as consoantes em azul e as vogais em
vermelho).
A este alfabeto, único exemplar, correspondiam muitas tabelas de papelão
bristol, em que estavam desenhadas as letras do alfabeto com igual cor e
medida que as letras móveis, agrupadas segundo os contrastes e as
analogias das formas.
A cada letra do alfabeto correspondia um quadro pintado em aquarela onde
era reproduzida a letra cursiva, nas mesmas cores e dimensões; ao lado,
bem menor, estava pintada a letra correspondente em grafia minúscula; em
seguida, as figuras do quadro representavam ainda objetos cujo nome
começava com letra indicada; por exemplo, para o M, estava pintada a mão;
para o C, a colher, etc. estes quadros ajudavam a fixar o som da letra na
memória. (p. 183).
68O método da tecelagem de Froëbel consiste em enfiar tiras de papel transversalmente entre outras tiras
de papel verticais, fixadas em cima e em baixo.
145
conhecimento que se desenvolveu a partir das observações acuradas das crianças
em situação de aprendizagem e do profundo, amplo e atualizado conhecimento
teórico de Maria Montessori.
o Matemática
Como já foi dito, para Montessori, essa atividade docente, que requer que
o professor seja um guia seguro e prático, implica muito estudo e exercício. As
atribuições da mestra podem ser ilustradas a partir de citações diretas da
Pedagogia Científica (1909/1965) de Montessori, que descrevem as atribuições
da “mestra” montessoriana:
147
Uma lição será tanto mais perfeita quanto menos palavras tiver; será
mister um cuidado especial em preparar as lições, contar e escolher as
palavras que irá proferir. (p. 108).
Ser observadora:
Vigilância:
(...) a mestra “vigia” para que cada uma das crianças, absorta em seu
trabalho, não venha a ser perturbada por outra; este papel de ‘anjo da
guarda’ representa um de seus principais deveres. (p. 146).
(...) por exemplo, fazendo a criança tocar o papel liso e a lixa nos primeiros
exercícios, a mestra dirá: ‘Este é liso!’; e: ‘Este é áspero!’, repetindo várias
vezes a palavra, com diferentes inflexões de voz, mas sempre claramente,
separando as sílabas: ‘liso, liso, liso’; ou: ‘áspero, áspero, áspero’ [Primeiro
Tempo] (...) Quando a mestra constatou que a criança compreendeu e que
ficou interessada, ela repetirá várias vezes as mesmas perguntas: ‘Qual é
liso?’ – ‘E...qual é... liso?’ – ‘Qual é áspero?’ [Segundo Tempo] (...) A mestra
pergunta à criança: ‘Como é liso?...’ E se a criança já estiver apta para
responder, dirá os nomes ouvidos antes: ‘É liso’; ‘É áspero’ [Terceiro
Tempo]. (p. 150-152).
À guisa de conclusão...
Falar de Maria Montessori em poucas páginas não é tarefa fácil. Muitas são
as perspectivas que podem ser adotadas para abordar a imensa obra construída
por ela, seja como educadora, seja como cidadã do mundo (como muitos a
149
chamam) que jamais deixou de se colocar na defesa da dignidade e a da justiça
para toda a humanidade.
Insistir em falar de Montessori neste século XXI que já vai adiantado não é
meramente um ato de rememoração ou celebração do passado. Trazer algumas
de suas ideias para o presente, considerando o que foi próprio de sua época e já
está superado, mas também o que continua inegavelmente contemporâneo, é um
dever de quem se preocupa com a formação dos professores que se dedicam ou
virão a se dedicar à educação de nossas crianças. É também um imperativo para
se pensar a educação nos dias de hoje, quando tantos problemas enfrentados por
Montessori (e por ela superados) continuam vivos nas nossas escolas, como se
não houvera busca e encontro de conhecimentos e práticas que deram conta de
superá-los, como o fez essa médica-educadora. É preciso que aprendamos e
reaprendamos as lições que ela nos legou e que não estão, absolutamente,
esgotadas.
Referências Bibliográficas
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Oliveira-Formosinho, J., Kishimoto, T. M., & Pinazza, M. A (org.). Pedagogia(s) da
infância: dialogando com o passado: construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed.
Röhrs, H. (2010). Maria Montessori. (Danilo Di Manno de Almeida & Maria Leila Alves,
Trad.). Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana.
151
CAPÍTULO VII
69 Descrição da foto: Théodore Simon está sentando na ponta direita da mesa, olhando diretamente para
a aluna. Ele veste um casaco, camisa branca com um lenço; era calvo e usava barba e bigode. Ao seu lado
esquerdo, estão Amélia (com um casaco preto sobre uma camisa branca) e a professora (de óculos,
aparentemente está vestida com um vestido escuro, com renda clara na gola). A menina está ao lado
esquerdo da professora, seus cabelos estão amarrados em uma trança e no topo da cabeça há um grande
laço branco. Legenda da foto: Em cima da mesa há vários papéis. Belo Horizonte, 1929. “Simon
acompanhado da Professora da Escola de Aperfeiçoamento Amélia Monteiro de Castro, uma professora-
aluna e uma criança, a quem, ao que nos parece, se aplica algum teste” (p. 64, como citado em Rota Júnior,
C. Recepção e Circulação de Testes de Inteligência na Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo
Horizonte (1929-1946). Tese de doutorado em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, MG, Brasil).
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Orphelin de père et de mère dès l’âge de douze ans71, Théodore Simon est
recueilli par l’un de ses oncles à Sens (Yonne) où il fait ses études secondaires.
70 En effet, nous avons dû nous résoudre à laisser de côté plusieurs aspects de son activité professionnelle
(médecin attaché au Service social de l’Enfance en danger moral du Tribunal de la Seine, vice-président de
l’école d’anthropologie de Paris, etc.) et extra professionnelle (Président de la Société Alfred Binet, chargé
des travaux pratiques de psychologie expérimentale auprès des élèves maîtres et maitresses au sein des
écoles normales du département de la Seine, etc.).
71 Peu de temps après, son frère aîné, jeune agrégé de philosophie meurt subitement à 23 ans.
153
Elève brillant, il entre à la faculté de médecine de Paris en 189272. Durant huit
ans, il fait son instruction médicale dans les services de Jean-Baptiste Dubief
(1850-1916) et d’Albert Charrin (1856-1907) puis de Le Breton et Paul
Moizard (1850-1910) à l’hôpital des enfants malades de Paris ; du chirurgien
Charles Monod (1843-1921) à l’hôpital Saint-Antoine ; du dermatologue Louis
Brocq (1856-1928) à l’hôpital de La Rochefoucauld et, enfin, auprès du
médecin-accoucheur Charles Maygrier à l’hôpital Lariboisière. Ces « années
fécondes, où l’esprit se forme, où l’activité se règle, où la volonté s’affermit, et
où le bonheur parfois aussi s’élabore73 » (Simon, 1900, p. 4), vont être décisives
pour la suite de sa carrière. En 1898, il est reçu 4ème au concours des hôpitaux
psychiatriques dans la même promotion que Roger Mignot, Gaëtan Gatian de
Clérambault (1872-1934) et Joseph Capgras (1873-1950). L’année suivante, il
débute son internat avec le Dr Adolphe Blin (1852-1915) à l’hôpital
psychiatrique de Perray-Vaucluse (Essonne). Il écrit alors à Alfred Binet (1857-
1911) et lui propose ses observations sur la colonie d’enfants anormaux
accueillis dans l’annexe de cet hôpital. Le rédacteur en chef de L’Année
psychologique accueille avec enthousiasme ces deux premières études de plus
de 40 pages chacune dans sa revue (Simon, 1899a, 1899b). Quatre autres
suivront sur l’arriération mentale à partir d’enquêtes menées sur ces enfants
arriérés (Simon, 1900a, 1900b, 1900c ; Simon, 1903). Le souci constant
d’objectivité scientifique est un trait de personnalité que semble partager les
deux hommes qui débutent alors une collaboration fructueuse qui prendra fin
avec la mort de Binet en 1911. Les 24 articles qu’ils publient ensemble dans
L’Année psychologique sur l’arriération mentale attestent de cette proximité
intellectuelle. L’adhésion de Simon à la Société libre pour l’étude psychologique
de l’enfant, fondée en 1899, participe de cet élan commun en faveur d’une
meilleure compréhension de l’esprit humain.
Invité par Alfred Binet à poursuivre ses travaux sur les enfants et les
jeunes adultes arriérés mentaux dans son laboratoire de psychologie
physiologique de la Sorbonne, Théodore Simon soutient sa thèse de doctorat en
médecine en 1900. Cette étude qui s’attache à établir la corrélation entre le
Organiciste convaincu
74 Reçu au concours national de médecin adjuvant en 1902, dans la même promotion de Joseph Capgras
(1873-1950), Théodore Simon est nommé médecin-adjoint à l’hôpital psychiatrique de Dury-les-Amiens
(Somme), le 6 juin 1903. Sur l’intervention de Magnan, il réintègre le service d’admission des malades de
l’asile Sainte-Anne, l’année suivante.
75Service dans lequel passent tous les aliénés du département de la Seine avant d’être répartis dans les
divers asiles où ils sont, ensuite, traités en fonction de leurs pathologies.
155
pour en mesurer le développement chez les enfants (Binet et Simon, 1905a,
1905b, 1905c, 1905d). Ces travaux visent, conformément à l’objectif que se
donne la commission Bourgeois (Vial et Hugon, 1998), à trouver des modalités
de scolarisation pour les enfants anormaux en application de la loi du 28 mars
1882 qui rend l’instruction primaire obligatoire pour les enfants des deux sexes
âgés de 6 à 13 ans révolus. Binet et Simon qui siègent dans cette commission
ministérielle entreprennent de nouvelles enquêtes en milieu scolaire76 visant à
apporter des solutions concrètes aux problèmes auxquels sont confrontés les
instituteurs (Binet et Simon, 1906a, 1906b). Dans le prolongement des
conclusions de la commission Bourgeois, ils élaborent un guide pour l’admission
des enfants anormaux destinés à être scolarisés dans des classes de
perfectionnement (Binet et Simon, 1907). Ils anticipent ainsi les questions de
mise en œuvre de la loi du 15 avril 1909 qui institue la création de ce type de
structure.
76La création du laboratoire de pédagogie expérimentale, dans l’école primaire du 36 rue de la Grande aux
Belles à Paris, date de 1905 (Ouvrier-Bonnaz, 2011).
77Au cours de ce congrès, Simon visite un asile portugais en compagnie du psychiatre allemand Kraepelin
(Simon, 1918, p.20).
78Forme d'expression de la schizophrénie. Ce syndrome psychiatrique s'exprime à la fois dans la sphère
psychique et motrice.
79Individu qui absorbe de grandes quantités de boissons toxiques (en général, de l’alcool) entre deux
phases d’abstinence.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
reposant sur une méthodologie psychogénique (Binet & Simon, 1908a). La série
d’études qu’il consacre avec Alfred Binet aux différents états mentaux de
l’aliénation selon leurs affections psychiatriques s’inscrit, une nouvelle fois,
dans le cadre d’une démarche qui vise à établir une nouvelle théorie
psychologique et clinique de la démence (Binet et Simon, 1909b) allant jusqu’à
questionner, sous un jour nouveau, la possibilité d’enseigner la parole aux
sourds-muets (Binet & Simon, 1909c).
Si Binet signe, seul, l’article de 1910, ce n’est pas par désintérêt de la part
de Simon pour cette échelle métrique du développement de l’intelligence qu’il a
contribué à élaborer et pour laquelle sa collaboration est constamment
157
soulignée par Binet dans ses articles. La raison en est professionnelle. Le 1er
octobre 1908, Théodore Simon est nommé médecin à l’asile de Saint-Yon près
de Rouen. En plus de ses tâches quotidiennes, il devient rapidement une
personnalité locale en référence à ses travaux et à son investissement au sein
de l’hôpital. Elu membre de Société de Médecine de Rouen en 1910 (BSMR,
1911), il participe aux réunions mensuelles de la commission de surveillance
des asiles d’aliénés du département de la Seine-Inférieure80. Il s’investit aussi
dans la formation des personnels infirmiers à qui il consacre un ouvrage,
véritable vade mecum de plus de 400 pages (Simon, 1911). Sa notoriété
augmente encore lorsqu’il obtient le Prix Baillarger que lui décerne l’Académie
de Médecine de Paris en 1912. Prix qu’il aurait certainement souhaité célébrer
en compagnie d’Alfred Binet qui disparaît brutalement, le 18 octobre 1911,
d’une congestion cérébrale. Dans l’hommage qu’il lui rend dans l’Année
psychologique, Simon rappelle le but ultime que poursuivit Alfred Binet, au
cours des trente années qu’il consacra à la science : édifier une psychologie
générale, une synthèse de l’esprit humain (Simon, 1911). Le décès de Binet
laisse un vide. Simon est appelé à lui succéder à la direction du laboratoire de
psychologie physiologique de la Sorbonne ainsi qu’à la fonction de rédacteur en
chef de la, désormais célèbre, revue l’Année psychologique dont il contribue, par
ailleurs, à mettre sur pied le volume de l’année 1911 (Chapuis, 1997). Contre
toute attente, Henri Piéron (1881-1964) (Gutierrez, Martin et Ouvrier-Bonnaz,
2016) se voit attribuer ce poste et cette nouvelle responsabilité éditoriale
(Carroy, 1994). Quant au laboratoire de la rue de la Grange aux Belles, il
poursuit ses expériences de pédagogie expérimentale sous la direction de Victor
Vaney (1859-1938), grâce au concours d’Armand Belot, l’inspecteur de
l’enseignement primaire de cette circonscription.
Engagement professionnel
80A cette fonction, il gère les questions de l’achat des fournitures, du matériel de cuisine et des objets divers
de coutellerie et de quincaillerie, robinetterie, chaudronnerie, d’ameublement, d’habillement (ADSMR,
1908-1910).
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
(…). J’ai contribué à mettre sur pied le volume de cette année. J’estime mon rôle
terminé »81. Pressenti comme le digne successeur d’Alfred Binet à la direction
de la Société libre pour l’étude psychologique de l’enfant, il intègre d’abord le
cercle de ses membres élus au conseil d’administration, le 28 décembre 1911
(SLEPE, 1911), avant d’être appelé à le présider lors de la séance du 21
novembre 1912 (Vaney, 1912). Les travaux qu’il publie dans le bulletin de la
Société, à cette époque, sont des plus éclectiques. En 1913, année où le nombre
de ses publications devient plus important82, il aborde respectivement les
questions liées à la détermination du degré d’audition des enfants, la rapidité de
la lecture et de l’écriture, l’observation des enfants à l’école maternelle ainsi que
l’étude des enfants anormaux. Sur le plan professionnel, accaparé par ses
tâches quotidiennes à l’hôpital psychiatrique de Saint-Yon, ses activités se
centrent désormais sur des cas cliniques à partir desquels il dispense des leçons
auprès des ses collègues de la Société de Médecine de Rouen. Lors de ses
interventions, il enseigne notamment la manière de dresser un diagnostic et
d’établir des conclusions nosologiques. Chacune de ses interventions est
accompagnée de présentations et d’interrogations de malades (NM, 1913).
81 Fonds Henri Piéron (Centre H. Piéron. Université de Paris 5 Descartes). Lettre du 29 mai 1912. Dans
une seconde lettre du 6 juillet 1919, Piéron le relance. Simon le remercie mais décline, une nouvelle fois,
l’offre : « (…) pour l’instant j’ai déjà plus de besogne que je n’en peux faire et ne vois réellement pas la
possibilité d’autres engagements ».
82Durant les treize premières années de la vie de ce bulletin (1899-1912), Théodore Simon y publie
seulement 5 articles en nom propre (1 en 1901, 1904, 1905 ; 3 en 1911 et 1 en 1912) et 3 en collaboration
(1906, 1910 et 1911), soit 10 au total. Pour la seule année 1913, le nombre de ses contributions
personnelles passe à 10.
159
(Simon, 1918)83. Devant le succès que remporte l’emploi des tests aux Etats-
Unis, la Société libre pour l’étude psychologique de l’enfant - qui devient lors de
son assemblée générale du 29 novembre 1917, Société Alfred Binet - décide de
publier sous la forme d’un fascicule de 75 pages, La Mesure du développement
de l'intelligence chez les jeunes enfants (Binet et Simon, 1917). Grâce au succès
commercial que remporte cette édition, la Société poursuit ses activités. De son
côté, reçu premier au concours de médecin en chef des asiles de la Seine84, le 26
juin 1920, devant Hubert Mignot et Maurice Ducosté (1875-1956) (Daumezon,
1961, p.631), Théodore Simon intègre, à sa demande, dès le mois d’août suivant,
la colonie d’enfants de Perray-Vaucluse85. Ce poste de médecin en chef dans
l’hôpital où il a débuté son internat lui permet de participer aux séances de la
Société médico-psychologique dont il devient membre titulaire, lors de son
assemblée générale du 10 décembre 1920, avec 19 des 23 voix des suffrages
exprimés86.
83 Il en profite pour visiter la Maison des petits dont il ne manque pas de louer le caractère novateur
(Simon, 1917).
84 Concours rendu possible en vertu décret du 13 mars 1920 (AMP, 1920, p.285).
85 Nomination le 31 juillet 1920 (AF, 1933, p.69).
86 A cette occasion, Edouard Toulouse accède aux fonctions de Président et Henri Colin à celles de
secrétaire général (AMP, 1920, p.38).
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
87 Lors de cette séance du 28 février 1921, le docteur Dupré fait remarquer les difficultés multiples de
l’évaluation graduée des états de débilité mentale, d’autant plus qu’avec l’activité de l’intelligence, il
faudrait aussi considérer les manifestations de l’affectivité et de la volonté » (L’encéphale, 1921c, p.155).
88Le docteur Guillaume Vermeylen est le médecin de la section pour enfants anormaux à la colonie de
Gheel (Belgique).
89 Ils excluent, toutefois, de leur étude, les troubles du caractère.
161
tests et tenir compte des troubles de la parole » (Simon et Vermeylen, 1924b,
p.235).
Dépister et enseigner aux enfants arriérés mentaux dans les les écoles
Tel est aussi l’un des objectifs que se donne Théodore Simon en ce début
des années 1920. Critiquant l’emploi de la notion d’anormalité (Simon, 1923a)
dans la détection de ces enfants, il s’emploie à informer les instituteurs et les
institutrices à les dépister selon une répartition en cinq catégories (Simon,
1923b) :
Figure 8 : Différences entre élèves selon les résultats obtenus au test d’intelligence rapportés à leur taille
et leur poids permettant d’établir leur degré d’instruction
Source : Simon (1926)
92 Au premier rang desquels les institutrices : Madeleine Rémy, R. Maillard, S. Lavergne, Cl. Valy.
163
intelligences que l’instruction ne découvre pas, peut-être simplement parce
qu’elles n’ont pas la forme scolaire » (Simon, 1926, p.259). Président du jury
d’examen du certificat à l’enseignement des enfants arriérés, Théodore Simon
souhaite utiliser ce biais pour que les instituteurs et les institutrices de ces
classes aient recours à ce type de tests. Grâce à Henri Tinat93, mais aussi à
Mademoiselle Ganeva94, des tests sont élaborés, à partir de 1924, à la colonie
d’enfants de Perray-Vaucluse (« Tests P.V. »). Véritable manuel à l’usage des
instituteurs d’enfants arriérés, les 25 tests proposés par Simon doivent
permettre aux enseignants d’adapter leur enseignement aux divers degrés
d’intelligence et d’instruction de leurs élèves (Simon, 1928) et de parfaire ainsi
leur intégration au sein de la société95.
Un aliéniste renommé
A la fin des années 1920, Théodore Simon est considéré comme l’un des
meilleurs spécialistes français de l’éducation des arriérés. Il convient, toutefois,
d’admettre avec le docteur René Charpentier (1881-1966) que « sa méthode est
moins pratiquée en France qu’à l’étranger et, plus particulièrement [en]
Amérique, là-bas [où elle est utilisée] couramment non seulement dans les écoles
mais encore dans les établissements psychiatriques » (Charpentier, 1930,
p.392). Il n’est donc pas surprenant que Théodore Simon soit invité à présenter
ses travaux dans le cadre de « La journée psychiatrique »96 à l’occasion du 10ème
congrès des médecins de langue française de l’Amérique du Nord qui se tient à
Québec en septembre 192897. Il profite de ce voyage pour se rendre à Montréal,
Winnetka, Chicago, New-York, New-Haven et à Boston (Simon, 1929a, 1929b) ;
villes dans lesquelles il visite plusieurs établissements scolaires ainsi que des
institutions de rééducation où sont utilisés des tests inspirés de celui qu’il a
élaboré avec Binet, vingt ans plus tôt98. Il constate avec étonnement que les
« batteries de tests », élaborés Outre-Atlantique, ont une visée essentiellement
sociale. Ils servent à mesurer ce que les individus sont capables de faire afin de
pouvoir apprécier le niveau de difficulté des tâches qui leur seront, ensuite,
confiées. Théodore Simon critique néanmoins, l’utilisation faite de ces résultats
aux Etats-Unis dans le cadre de comparaisons ethniques. Selon lui, les tests
psychologiques doivent être systématiquement adaptés aux populations locales
afin de leur conserver leur portée sociale et scientifique.
98 Aux Etats-Unis, les classes de perfectionnement portent le nom de Classes Binet et les classes des
niveaux inférieurs sont appelées Classes Seguin.
99Ce séjour à Belo-Horizonte (Simon, 1929d, 1929e) l’empêche de participer au 1er congrès international
d’hygiène mentale qui a lieu, à Washington, au mois d’avril. La France y est, toutefois, représentée par
Edouard Toulouse (1865-1947) (Huteau, 2002) et Georges Genil-Perrin (1882-1964).
100En 1924, les locaux de l’école de la rue de la Grange aux Belles (Paris, 10ème) étant jugés vétustes, les
travaux pratiques ont d’abord lieu à l’école de jeunes filles du 28 rue Saint-Jacques (Paris, 5ème), de 1925
à 1928, avant d’être hébergés dans cette école de Belzunce (Paris, 10ème) dirigée Madeleine Rémy,
secrétaire générale de la Société.
165
au Ministère de l’Instruction publique : « Je ne crois pas toujours à toutes nos
conclusions, je pense même que beaucoup seront sujettes à révision, mais j’ai
une conviction absolue dans les disciplines auxquelles nous nous astreignons
selon l’enseignement même que nous avons reçu de Binet, car ce sont des
disciplines d’observation, et nous cherchons moins le progrès dans des
affirmations ingénieuses que dans une connaissance objective des enfants, de
leurs intellectuels ou de leur savoir » (Simon, 1930, p.161).
101 Le compte-rendu des séances de cette Société sont publiés dans les Annales de la Société Médico-
psychologiques ainsi que dans le bulletin de l’association amicale des médecins des établissements publics
d’aliénés, L’aliéniste français.
102Lors de la séance du 19 décembre 1933, présidée par Georges Dumas, Théodore Simon est élu Vice-
Président de la Société Médico-psychologique, au second tour, avec 22 voix sur les 24 suffrages exprimés
(Charpentier, 1933, p.724).
103Le membre, élu, vice-président de la Société en devient, l’année suivante, le Président pour un an
(article 36 du Règlement intérieur). Quant au conseil d’administration, il est composé des membres du
bureau et des deux derniers présidents de la Société (article 5 des statuts).
104Pour l’année 1935, le bureau de la Société Médico-psychologique est composé de Théodore Simon
(Président), Claudius Vurpas (1875-1951) (Vice-Président), René Charpentier (Secrétaire général),
Lasthénie Thuillier-Landry (1879-1962) (Trésorière-archiviste), Paul Courbon et Paul Abély (1897-
1979) (secrétaires des séances) (Charpentier, 1934, p.822). Voir aussi (Mignot, 1935, p.107).
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
105Celui-ci est composé de Madeleine Rémy, Mesdames Claveau, Créange, Favard, Foucambert, Lallemand,
Lambert, Meyniel, Rullier, Vaillot ; Messieurs Huet, Claveau, Fresneau, Gauthier, Guilmain, Janin,
Lebreton, Paris, Prudhomme, Schiber (Charpentier, 1931, p.324).
106Parmi les conférenciers, notons la présence de M. Guimain, Mme et M. Paris, M. Fresneau et Maurice
Chevais.
167
1933-1934, au Foyer central d’hygiène de l’association Léopold-Bellan (Simon,
1936, 1937a, 1937b, 1937c)107. Parallèlement à ces activités, Théodore Simon
milite simultanément pour une révision de la législation en faveur des enfants
arriérés ainsi que pour une meilleure prise en compte des recherches menées
en laboratoire dans les pratiques journalières des médecin d’asiles.
107Ces initiatives en direction des anormaux d’école interrogent aussi le sens d’une scolarité qui ne serait
pas faite pour eux. Au-delà des questions d’orientation et du choix du métier, la préoccupation des parents
reste liée à la durée des études (Et, donc, de leur coût ou, plus exactement, du manque à gagner qu’elles
représentent) et de la probabilité de succès aux examens de leur enfant.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
libre. D’autre part, j’entends déclarer par les chefs des services libres, nous
internons peu. Mais faut-il approuver cette tendance ? L’internement n’est-il
pas certaine fois une mesure préférable à une sortie prématurée ? Un alcoolique
est-il guéri au bout de quelques jours de traitement ? Il est des cas où il faut
savoir prendre des mesures d’autorité. En fait, la question capitale est celle de
la catégorie des malades traités » (Simon, 1936, p.599)108. Question qu’il aborde,
l’année suivante, dans un rapport dédié à « L’organisation et le fonctionnement
de l’Hôpital Henri-Rousselle [109], centre de prophylaxie mentale et service
ouvert pour malades mentaux » (Simon, 1938c) qu’il remet au Comité
permanent de l’Office international d’hygiène publique.
108 Tels sont ses propos à la suite des communications des docteurs Laignel-Lavastine et Georges
d’Heucqueville sur la « Statistique du service de psychiatrie d’urgence de la Pitié : rôle des services ouverts
des hôpitaux » et des docteurs Philippe Pagniez (1873-1947) et André Ceillier (1887-1954) sur
« Remarques et statistiques sur le service de psychiatrie d’urgence de l’hôpital Saint-Antoine » lors de la
séance du 27 avril 1936 de la Société Médico-psychologique.
109 En 1937, l’hôpital Henri Rousselle occupe les locaux, autrefois affectés au service de l’admission, de
l’asile clinique de Sainte-Anne. Détaché administrativement de cet asile, il comprend, outre des services
sociaux et un laboratoire, trois parties : 1° un dispensaire groupant des consultations fréquentées par des
malades du dehors ; 2° un hôpital pour le traitement des malades en cure libre ; 3° un service de pré-
internement pour les malades mentaux en instance de placement.
110 Chef de laboratoire à l’hôpital Henri Rousselle et à l’Ecole des Hautes Etudes.
111Ce modeste bulletin mensuel d’une douzaine de pages est imprimé sur les presses de l’imprimerie A.
Coueslant à Cahors qui édite depuis plus de 30 ans le bulletin de la Société Alfred Binet. Le gérant en est
Louis Parazines.
169
le 1er Congrès international de psychiatrie infantile (Simon, 1937d, 1938b ;
Boussion, 2016) et la 42ème session du congrès international des médecins
aliénistes et de neurologistes de France à Alger dont il assure, à cette occasion,
outre la présidence, le discours inaugural sur le thème de « L’homme normal »
dans lequel il dénonce ceux qui décrivent le normal comme une forme atténuée
du pathologique (Simon, 1938d, 1964). En septembre 1939, la Seconde Guerre
mondiale met un terme à cette activité. La publication de Laboratoire et
psychiatrie est stoppée après seulement une dizaine de numéros. En avril 1940,
le bulletin de la Société Alfred Binet cesse, lui aussi, de paraître112. Réintégré, à
sa demande, au poste de directeur du service de l’admission à l’hôpital Sainte-
Anne, au début du conflit, il est remercié quelques mois plus tard (Guesnon,
1939).
Conclusion
Sources
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177
CAPÍTULO VIII
114Descrição da foto: Wallon está sentado à frente de sua mesa, com jaleco branco por cima de um termo,
camisa branca e gravata. Está segurando uma caneta com a mão direita e sobre a mesa há alguns papéis.
No momento da foto, olhou para a câmera fotográfica. Legenda da foto: Wallon, H. (1950). « Allocution »
(comm. aux Journées d’études pédagogiques, 19-20 février 1950), en : Pour l’Ére Nouvelle, nº 7,
(Hommage à H. Wallon), pp.27-35 y en : Bulletin Internacional de l’Enseignement, juin (nº spécial
Hommage à H. Wallon), pp. 61-66.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Henri Wallon (1879-1962) nasceu em Paris, onde passou toda sua vida.
Viveu um período de intensa turbulência na Europa que passou por duas
Guerras Mundiais, e participou ativamente dos acontecimentos de sua época: na
Primeira Grande Guerra (1914-1918) foi médico de batalhão e na Segunda
(1939-1945) atuou no movimento da Resistência Francesa contra o nazismo.
179
Psicologia fez-se independente de qualquer influência externa [...] foi antes de
mais nada uma disposição geral, uma questão de gosto, de curiosidade pessoal
pelos motivos e razões que levam a pessoa a agir” (1969, p. 24). Mas foi a
Medicina que o dirigiu para os estudos da neurologia e do corpo, como base
material do psiquismo, e contrapor-se à concepção metafísica, defendida pelos
psicólogos na época. Deu-lhe elementos para o estudo da pessoa em sua
totalidade, ou seja, evidenciar que o substrato orgânico, em sua relação com o
meio social, vai constituir a pessoa.
181
Psicologia e Educação da Infância e Objetivos e métodos da Psicologia são
reproduções de coletâneas de artigos publicados na revista Enfance, fundada
por Wallon em 1948.
183
privilegiado para a construção do conhecimento, bem como para expressão de
emoções e sentimentos (Wallon, 1941/2007).
Estágios do desenvolvimento
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
185
predomínio é do afetivo e quando é centrífuga (para fora) o predomínio é do
cognitivo. A atividade motora é considerada o suporte para o afetivo e o
cognitivo. Outro princípio é o da integração funcional, que descreve os estágios
como uma relação hierarquizada, ou seja, as atividades que inauguram um novo
estágio não suprimem e nem excluem as anteriores, o que foi aprendido é
integrado em um permanente processo de diferenciação em relação aos estágios
seguintes.
Os únicos actos úteis, que a criança possa então fazer, limitam-se a chamar
a mãe em seu socorro com os seus gritos, as suas atitudes e as
gesticulações. Assim, os primeiros gestos que são úteis à criança não são
gestos que lhe permitirão apropriar-se dos objetos do mundo exterior ou
evitá-los; são gestos virados para as pessoas, são gestos de expressão.
(Wallon, 1952/1975, p. 205).
187
função simbólica “que a criança se torna capaz de se separar do conteúdo de sua
percepção imediata e de distinguir sua personalidade da do outro, destacando-a
das situações particulares em que se misturam” (p. 38), alcançando o estágio do
personalismo, quando evolui a consciência de si.
Por fim, vale destacar que o estágio categorial corresponde aos anos
iniciais do ensino fundamental e o meio escolar deve oferecer um clima
189
favorável e de tranquilidade para que a criança avance para o pensamento
abstrato e para o raciocínio simbólico, criando possibilidades da plena utilização
do cognitivo com a contribuição da afetividade e do ato motor (Almeida &
Mahoney, 2011).
Wallon educador
191
Embora nunca tenha sido implantado, esse plano, elaborado no final da Segunda
Grande Guerra, continua referência para debates que até hoje se fazem sobre o
ensino, por sua coerência e fundamentação democrática.
Henri Wallon é um partidário convicto da Educação Nova. Mas ele não foi
criador de sistemas educativos novos ou de técnicas pedagógicas originais
como Madame Montessori, o filósofo Dewey, o Dr. Decroly ou os pedagogos
Cousinet e Freinet. Sua contribuição ao movimento da Educação Nova não
é, no entanto, menos importante, mas ela se situa em outra perspectiva.
(p. 33).
4º) Cultura geral: não pode haver especialização profissional sem cultura
geral, pois só uma sólida cultura geral libera o homem dos estreitos limites da
técnica; a cultura geral aproxima os homens, enquanto a cultura específica os
afasta.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
193
afetivo, cognitivo, motor, o que precisa ser levado em conta pelo
professor.
8. A emoção é contagiosa e se alimenta dos efeitos que produz nos que a
rodeiam. Quando o professor se deixa contagiar pela emoção do aluno,
não age de forma equilibrada. Espera-se que o professor, adulto mais
experiente, com mais recursos para controlar emoção e sentimentos,
possa colaborar para resolver conflitos que são normais na rotina
escolar, e não acirrá-los.
9. Afetividade, cognição e motricidade só são estudadas separadamente
para fins didáticos. A atividade que interfere em um dos conjuntos,
interfere nos demais.
10. A imitação é um recurso poderoso de aprendizagem para crianças
e adultos. O professor, queira ou não, é um modelo para seus alunos.
Para finalizar...
qual a vossa condição social. Ignoro o que sereis amanhã. Não acredito no
futuro senão através de vossos êxitos na escola. (pp. 223-224).
195
Referências Bibliográficas
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51-69). Lisboa: Ed. Vega. (Originalmente publicado em 1956).
CAPÍTULO IX
115Descrição da foto: O jovem Ulysses Pernambuco aparece na foto usando o que aparenta ser uma beca
de formatura, com olhar para o horizonte. Por baixo da beca há uma camisa branca, está de gravata; usa
óculos com armação arredondada. Seus cabelos são densos e encaracolados.
197
Êle [Ulysses] vinha senhor da ciência do seu tempo, de tudo que de mais
moderno havia, não só no tratamento da doença, mas no que existia de
procura e pesquisa psicológica. A ciência que êle tomava para base de seus
estudos, era coisa de profundidade. O mestre Ulysses já era uma realidade
nos começos de sua carreira.
José Lins Rêgo (1945, pp. 289-290, como citado em Melo, 2004, p. 186)
116 Fabiana Pereira e Silvana Matos estavam fazendo pesquisas de Pós-doutorado em Antropologia,
vinculadas ao Projeto “A geopolítica acadêmica da antropologia da religião no Brasil”, financiado pela
CAPES. Janayna Emídio de Lima foi voluntária na pesquisa. Parte do material coletado foi utilizado na sua
monografia a respeito de Ulysses Pernambucano. Atualmente faz mestrado em Antropologia, dando
seguimento aos seus estudos iniciados na graduação, num trabalho ligado à Antropologia histórica,
levantando dados sobre o processo histórico e político de Pernambuco e do Brasil, utilizando Ulysses
Pernambucano como personagem central da pesquisa.
117Pernambucano contribuiu bastante para os primeiros estudos com adeptos das religiões afro em
Pernambuco, no entanto é um autor muito pouco mencionado na Antropologia. René Ribeiro foi um dos
poucos assistentes que alcançou maior reconhecimento. Pesquisas recentes apontam a importância de
estudar a obra de Ulysses bem como de seus discípulos, como Gonçalves Fernandes (Matos, 2017; Souza,
2017), Pedro Cavalcanti (Matos, 2017), Waldemar Valente (Germano, 2017), entre outros.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Freyre, soube como ninguém, pôr em prática uma visão interdisciplinar, plural
e ampliada no que diz respeito ao ser humano (Cerqueira, 1945).
118Descrição da foto: Gilberto Freyre (segurando um chapéu em suas mãos) e Ulysses Pernambucano (de
braços cruzado) estão de pé e, ambos, vestindo terno e gravata. Ao fundo se observa um lugar cheio de
árvores.
199
Saúde Pública de PE119, do Ginásio Pernambucano120, da Escola Normal, do
Instituto de Seleção e orientação profissional121 e do Hospital da Tamarineira.
René Ribeiro (1983/1984, p. 86), que também foi seu aluno e assistente,
afirma que Ulysses costumava citar os livros emprestados por Gilberto Freyre,
como The Mind of Primitive Man, de Frans Boas, Casa Grande & Senzala, e
outros.
119Sua gestão foi tão eficiente que ocupou esse cargo por 3 vezes: em 1911, em 1920 e de 1927 a 1930
(Freitas, 2010).
120 Ginásio Pernambucano é a instituição de ensino mais antiga em funcionamento do país, tendo
completado 190 anos em 2015. Até o ano de 1950 a instituição só aceitava homens, as mulheres passaram
a frequentar o Ginásio em 1955, em turmas exclusivamente femininas. Em 1970 as turmas passaram a
serem mistas. Em 1990 a instituição fechou suas portas devido às péssimas condições de infraestrutura,
mas hoje em dia o Ginásio Pernambucano é um exemplo em forma de ensino, servido de inspiração para
outras instituições em diferentes estados do Brasil (Nascimento, 2015).
121O instituto foi criado em 1925, com o nome Instituto de Psicologia de Pernambuco, transformando-se
em Instituto de Seleção e Orientação Profissional em 1929. No instituto eram realizados programas de
padronização de testes, avaliações psicológicas, seleção e orientações de profissionais. A esse respeito ver:
Andrade, M. C. Ulysses Pernambucano. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife.
Recuperada de <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>, em 02 fev. 2017.
122Otávio de Freitas (2010, p. 267) escreve que Ulysses começou a lecionar na Faculdade de Medicina já
em 1920, tendo se efetivado em 1938. As cátedras assumidas por Ulysses foram: “Clínica neuriátrica e
psiquiátrica”; “Clinica neurológica”. Antes de se efetivar, lecionou em um curso de especialização em neuro-
psiquiatria infantil, a cadeira de “Semiótica Neuropsiquiátrica”. Também deu aulas de “Química” e de
“Fisiologia”.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
123Gilberto Freyre (1944) considerou o trabalho realizado por Ulysses como de Antropologia aplicada.
Mitsuko Antunes (2015, p. 54) afirma que o trabalho de Ulysses com os africanos no Brasil “o fez conhecido
também como antropólogo”. A esse respeito consultar Pereira, Campos & Lima (2017).
124O trabalho de Ulysses vai impulsionar a abertura de um campo de estudos inéditos sobre o negro,
podendo-se destacar o material publicado nos Anais do I Congresso afro brasileiro, além de outras obras,
como: Xangôs do Nordeste, escrita por Gonçalves Fernandes, em 1937; A Tese de Doutorado de René
Ribeiro, “The afrobrazilian cult-groups of Recife: a study in social adjustment” (defendida em 1947). Anos
mais tarde, em 1955, Sincretismo Religioso Afro-Brasileiro, escrita por Waldemar Valente, etc. São estudos
pioneiros que influenciaram, por sua vez, outros trabalhos.
201
nessa época, a Liga Brasileira de Higiene Mental considerava que as práticas
espíritas induziam quadros patológicos, como histeria e loucura (Dalgarrondo,
2007). Esse viés foi defendido até o início dos anos de 1950, sobretudo por parte
do psiquiatra paulista Pacheco e Silva.125
A primeira teve a sua edição inicial em outubro de 1931, como parte das
reformas empreendidas no Hospital da Tamarineira. Ligada ao Serviço de
Higiene Mental, o médico José Lucena (1937), contemporâneo de Ulysses
Pernambucano, informa que esta revista serviu para tornar conhecidos os
resultados das investigações de um grupo de discípulos e que, a produção da
Escola Psiquiátrica tinha a marca e orientação de Ulysses Pernambucano.
Segundo Lucena (1937), essas produções não tinham apenas como foco a clínica
mental, mas o esforço de Ulysses Pernambucano
126 Muitos arquivos foram queimados, conforme aponta René Ribeiro (1948).
127Muitos estudantes de Medicina iam estudar no Rio de Janeiro, onde foi fundada a primeira Faculdade
de Medicina do Brasil.
128 Jurandir Freire Costa (2006) salienta que a gestão de Juliano Moreira foi considerada bastante
inovadora para a Psiquiatria brasileira daquela época. Entre outras coisas, ele organizou a maior biblioteca
de Psiquiatria da América Latina. Ver também: Pereira; Campos & Lima (2017).
129Antes de ser psiquiatra, Ulysses exerceu a clínica médica no interior do Estado de Pernambuco, tendo
trabalhado com diversos tipos de problemáticas. Esse aspecto foi bastante abordado por Frederico
Pernambucano de Mello, seu neto, em ocasião de uma entrevista realizada com ele para fins de pesquisa
de Pós-doutorado em Recife, no ano de 2016.
203
p. 266), na época administrado pela Santa Casa de Misericórdia, no Recife. Um
ano depois começa a trabalhar no Hospital da Tamarineira.130
mentais alienados – hospital para doenças agudas e Colônia para doentes crônicos; 3. Manicômio judiciário.
132 Ver: Pereira; Campos & Lima (2017).
133Ulysses chegou a participar do Congresso Regionalista do Recife, organizado em 1926 por Gilberto
Freyre. A esse respeito ver: Freyre (1978; 2009); Pereira (2017);
134 Sobre a Nova Escola do Recife, ver: Pereira (2017).
135 Denominação dada por Gilberto Freyre na Sorbonne. A esse respeito ver: Othon Bastos (2010, p. 257).
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
136 Apesar do pioneirismo de Ulysses, a literatura especializada considera que E. D. Wittkower (1899 –
1983), um Professor Emérito do Departamento de Psiquiatria da Universidade McGill, no Canadá, foi quem
sistematizou a Psiquiatria Transcultural, lhe atribuindo os seguintes conceitos: “1. Cultura é o conjunto
das formas de existir que distingue uma sociedade de outra; é o esquema de comportamento, de
pensamento, de sentimento, que se oferece ao filho do homem; produto da história, é transmitida
relativamente inalterada de uma geração à outra; 2) Psiquiatria Cultural é o ramo da Psiquiatria Social
que se ocupa da doença mental em relação ao ambiente, dentro dos limites de uma dada unidade cultural;
3) Psiquiatria Transcultural consiste na aplicação e conceitos colhidos no estudo precedente, de uma
cultura para outra” (Martins, 1962, p. 142).
205
possível abordar a doença mental sob uma perspectiva ampliada e não
puramente psiquiátrica (Brito, 2012).
É importante salientar que neste mesmo ano (1933) Freyre publica Casa
Grande & Senzala.137 Na época, uma das grandes influências que vigoravam no
Brasil era a de Nina Rodrigues, que via na mestiçagem uma das ameaças para o
desenvolvimento do País.
(... ) o mulato, por exemplo, seria inferior tanto ao branco quanto ao negro
que o constituíram; o mameluco, ao índio e ao branco; o cafuzo, ao negro e
ao índio. Para um país como o Brasil, cujo índice de mestiçagem é
altíssimo, isso constituía uma condenação inelutável e irrecuperável.
(Gomes, 2012, p. 170-171, como citado em Pereira, Campos & Lima,
2017).
Ulysses e a Educação
137Freyre (1944) afirma ter lido e discutido com Ulysses trechos de Casa Grande & Senzala, antes mesmo
de o livro ter sido publicado.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
207
administração, queda na qualidade de ensino, falta de disciplina” (Rocha, p. 28.
2003). Rocha (2003) aponta que U. Pernambucano, já então reconhecido pelo
seu papel inovador na educação, foi chamado para tentar resolver os problemas
e as adversidades da instituição.
140Aqui se percebe a grande influência do seu primo Gilberto Freyre, na valorização da cultura local da
região.
141Medeiros (2004, p. 8) aponta que o desdobramento do ensino público se deu somente em 1941, através
da criação da Escola Aires Gama, no governo do Interventor Federal em Pernambuco, Agamenon
Magalhães, “o dispositivo legal fixava as características do ‘Externato Primário para Anormais Educáveis’.
(Medeiros, p. 8. 2004. Grifo do autor).
142O Serviço de Higiene Mental criado por Ulysses foi o primeiro da América do Sul. A esse respeito ver:
Pereira; Campos & Lima (2017).
209
Pela falta de recursos, havia muita campanha nos meios de comunicação
da época, nos Jornais e nas Revistas, como os Archivos de Asistência a
Psicopatas e a Revista de Neurobiologia.
211
Figura 12: Ficha Policial de Ulysses Pernambucano
Fonte: Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano148
O ambiente político era, então, muito tenso e o mais inocente gesto poderia
facilmente ser taxado de comunista; exatamente este qualitativo foi
atribuído ao inquérito, por um professor integralista, ainda na fase da
colheita de dados. Desolado, procurei o mestre [se refere a Ulysses] e lhe
comuniquei que a pesquisa ia fracassar. Ouvi dele, então, estas palavras
que nunca esquecerei: “uma pesquisa nunca fracassará, desde que iniciada
honestamente, não se levando resultados preconcebidos ou esperados.
Esta nossa investigação, si não puder ser levada a termo, nem por isso
deixará de fornecer uma conclusão – a de que o nosso meio ainda não
comporta uma pesquisa social...” Foram mais ou menos estas as palavras
do professor que mais tarde seria preso por haver orientado um “inquérito
tendencioso”. (p. 300, grifo nosso).
148Na foto aparece um formulário de registro geral das pessoas que eram presas. A ficha consta da foto de
Ulysses Pernambuco de frente e de perfil, bem como dados pessoais, características físicas, endereços,
nome de pessoas e de investigadores que o conhecem.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
Considerações Finais...
149 Segundo Vamireh Chacon (1989, p. 90), tratava-se de um tipo de punição que atingiu muita gente
durante o Estado Novo.
150 Estiveram na Paraíba, no Rio Grande do Norte, em Alagoas, em Sergipe, na Bahia e em Pernambuco.
213
Como pôde ser observado ao longo do texto, o dinamismo de Ulysses
Pernambucano foi tamanho que, inicialmente, chegou a nos confundir. Parecia-
nos impossível que alguém tivesse conseguido fazer tanta coisa ao mesmo
tempo, mas era real. Para facilitar o trabalho dessa escrita, optamos, de certa
forma, pela perspectiva cronológica na trajetória profissional do autor, pois
acreditamos que tanto nos facilitaria como autoras, quanto o texto ficaria mais
accessível ao leitor.
Depois de tantas reflexões, nos foi possível perceber que embora Ulysses
tenha trabalhado com diferentes segmentos, como a docência, a pesquisa, os
cargos administrativos e a própria prática clínica, ele conseguiu deixar sua
marca por onde passou.
Ulysses abre uma discussão mais ampla, que nos faz pensar sobre o
contexto da sociedade atual. A interdisciplinaridade presente na prática do
autor contradiz o discurso da especialização, cada vez mais forte.
Sua luta pelos mais necessitados o levou a prisão, alguns anos depois, veio
a falecer, aos 51 anos de idade. 152 Enquanto pesquisadoras, precisamos chamar
a atenção para autores, como Ulysses Pernambucano para que não desapareçam
das nossas referências e, essa é nossa tarefa, publicar e dar voz aqueles que vão
ficando esquecidos, afinal eles precisam ser lembrados, e como!
153 http://www.scielo.br/pdf/pcp/v12n1/03.pdf.
154Descrição da foto: Em um jardim, com uma fonte ao centro, as treze pessoas pousam juntas para a foto.
Alguns e algumas sorridentes; outros mais sérios. Todos os homens estão de termo e gravta, e as mulheres
de saia ou vestido. Legenda da foto: Da esquerda para direita, terceiro na foto: Gilberto Freyre. Da direita
para esquerda: José Antonio Gonsalves de Mello (filho de Ulysses Pernambucano), Anita Paes Barreto
(assistente de Ulysses Pernambucano), Lourdes Paes Barreto (irmã de Anita Paes Barreto), Albertina
Carneiro Leão (de vestido preto, esposa de Ulysses Pernambucano). Atrás de Albertina Carneiro Leão, de
óculos, Ulysses Pernambucano. Do lado de Albertina Carneiro Leão, Nair Seixas, atrás dela seu marido Luis
Seixas. Do lado de Nair Seixas Jarbas Pernambucano (filho de Ulysses Pernambucano). Autoria da foto e
data desconhecidos. Local: Solar de Apipucos, Casa de Gilberto Freyre.
215
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CAPÍTULO X
155Descrição da foto: Com um vasto cabelo escuro, de óculos, sorridente, Arthur Ramos faz pose
segurando o topo de uma cabeça de resina, com as divisões cerebrais demarcadas.
221
Certamente não devemos alimentar a illusão que esses novos
methodos sejam definitivos, e infalliveis essas theorias. Elles nada
mais são que “hypotheses de trabalho” (para empregar uma
expressão consagrada), reflexos do espirito scientifico da epoca, a
nos impulsionarem para novas pesquisas. [...] Se a sciencia de
nossos dias infirma a exactidão de certos postulados da época [...],
nem por isso podemos deixar de reconhecer quão fecundos foram e
continuam a ser os resultados de suas investigações156.
Arthur Ramos (1940, p. 29)
156As citações referentes as obras de Arthur Ramos serão escritas tal como em seus livros, mantendo a
escrita da Língua Portuguesa de sua época.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
157Dividida em 5 capítulos, a tese de Arthur Ramos tratava de assuntos como: “esquizofrenia, paranoia,
distúrbios psíquicos da linguagem do alienado e do primitivo, além de propor algumas considerações de
natureza conclusiva [a respeito dos temas]” (Psicologia Ciência e Profissão, 2002, não paginado).
223
Figura 15: Aula de anatomia na Faculdade de Medicina da Bahia
Fonte: Biblioteca Nacional158
158 Descrição da foto: Na foto estão 7 estudantes de medicina e dois professores do curso atrás de uma
mesa com um corpo deitado de bruços, para estudo. Todos os estudantes estão vestidos de jaleco branco
enquanto os professores estão de terno preto com gravata na mesma cor e camisa branca. Legenda da
foto: Aula de anatomia na Faculdade de Medicina da Bahia, onde Arthur Ramos estudou de 1922 a 1926.
Arthur Ramos, da esquerda para à direita, é o segundo e ao seu lado encontra-se a psiquiatra Nise da
Silveira e, penúltimo à direita, o sanitarista Mário Magalhães da Silveira.
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
225
Vale destacar que, embora sua formação inicial fosse em medicina legal,
Arthur Ramos nunca deixou de se inteirar das problemáticas sociais e
científicas de seu tempo, afinal, ao longo de sua vida, sempre “procurou se
desvencilhar de rígidos conceitos e posturas teóricas que conduziam a
explicações fechadas e ortodoxas” (p. 81).
227
Educação. Afinal, a principal preocupação de Arthur Ramos era “não atravessar
o trabalho pedagógico desenvolvido em sala de aula” (p. 99), dizendo o que o
professor deveria fazer, mas, sim, “garantir o apoio necessário para que os
processos de ensino e aprendizagem transcorressem de forma adequada” (p.
99). Nesse sentido, ele creia que se fazia necessário estudos cientificamente
embasados e precisos para resolver os problemas identificados.
Rompeu-se a imagem da criança como ser frágil que deve ser o tempo
todo vigiada, controlada e se necessário punida. Os meninos e
meninas eram vistos como seres ativos e que deviam ser estimulados
para desenvolverem plenamente suas habilidades mecânicas e
intelectuais. Nas escolas a ordem era substituir a mera transmissão
de conhecimento por atividades que permitissem aos pequenos
interagir entre si e como o conhecimento. O foco deixa de ser o ensino
e passa a ser a aprendizagem. O papel do professor também sofreria
uma mudança significativa, na medida em que ele deixaria sua
posição de detentor do saber para assumir a função de condutor do
educando. Ele, o mestre, deveria propor desafios e só intervir nos
momentos necessários, mas sempre com o compromisso de
despertar para a aprendizagem. (p. 102).
Desta feita, pode-se dizer que os ideias e os textos escritos pelos médios
desse período, incluindo os de Arthur Ramos, surpreenderam. Isto porque, além
da capacidade dos mesmos de rápida interação com o “que estava sendo
pensando e experimentado do outro lado do mundo, principalmente na Europa
e Estados Unidos” (p. 102), seus escritos também apresentavam ideias que
representavam a contemporaneidade: fossem nas publicações pedagógicas do
país, fossem nos textos das propostas de reformas educacionais. E, para atender
a tais nobres objetivos propostos, fez-se essencial a implantação de um sistema
de ensino completo, desde a pré-escola até o ensino superior, com base no ideário
do Movimento Escola Nova, encabeçado por Anísio Teixeira. O que não foi nada
fácil, pois:
229
Diante dessa realidade e, principalmente, devido a cumplicidade entre
Anísio Teixeira e Arthur Ramos com os ideais dessa nova educação que se queria
e se propunha, assim como aos enfrentamentos dos problemas que surgiam, em
1933, o primeiro convidou o segundo a assumir a chefia da Seção de de
Ortofrenia e Higiene Mental. A escolha se deu porque, ao ver de Anísio Teixeira,
Arthur Ramos assim como outros pensadores brasileiros,
Pode-se dizer, assim, que foi por intermédio da proposta inicial de Arthur
Ramos que se conseguiu, “de forma pioneira no Brasil, um modelo de
atendimento à criança com dificuldades escolares [...]” (Abrão, 2008, p. 38),
bem como um paradigma às políticas públicas de educação da segunda metade
do século XX e a difusão de novas teorias.
231
transformado e/ou ganhou outro olhar a partir do movimento da Higiene Mental
Contemporânea. Isto porque, ao longo do tempo e da história, o termo “anormal
escolar” ganhou inúmeras classificações. Cada autor, cada escola, em particular,
tinha a sua classificação:
233
A ciência, fundamentada no darwinismo social e nas teorias raciais do
século XIX, previa quem seriam os criminosos, os delinquentes, os “débeis” e
definiam seu destino. No Brasil do início do século XX, buscava-se explicar um
país subdesenvolvido a partir da miscigenação, atrelando sua solução a um
suposto processo de branqueamento do povo, mediante o cruzamento das raças
(Schwarcz, 1993). A crítica de Arthur Ramos (1955) era feroz ao retratar tal
perspectiva higienista:
Afinal, para ele, o ser humano não era mero resultado de sua genética,
mas o “produto de sua civilização e de sua sociedade” (1955, p. 28).
Consequentemente, ressaltava a necessidade de se tratar de questões como
criminalidade, delinquência, alcoolismo em sua complexidade, uma vez que o
que se atribuía a um mal de raça verificou-se que era um mal de condições
higiênicas deficitárias: subalimentação, pauperismo, doenças.
Nesse sentido, pode-se dizer, com base em Arthur Ramos, que o estudo
sobre a criança não se limitava ao estudo de sua estrutura psíquica, orgânica ou
hereditária, pois seu desenvolvimento dependia, acima de tudo, de suas
“constelações familiares” e da “ação do meio social e cultural no seu sentido mais
largo” (p. 28):
235
A partir do conceito de criança problema, Ramos refuta a classificação
rígida das crianças por meio de rótulos e busca, na “psicologia normal e
patológica”, na psicologia social, na sociologia e na antropologia instrumentos
que permitam o estudo da complexa realidade da criança. Não descarta a
psicotécnica, que “procura estudar hoje as capacidades e habilidades humanas
para a sua adaptação a determinadas ocupações” (p. 24), mas ressalta sua
crítica aos excessos da técnica: “Infelizmente em muitos casos, esse problema
tem sido resolvido de modo aligeirado. Tudo se quer resolver pela aplicação
simplista e sumária, de testes ou provas isoladas de capacidades, em
quantidades simples, em máquinas automáticas de trabalho” (p. 24).
Considerando que não existe “criança problema” como um “tipo único de reação”
(1939, p. 18), mas diferentes “problemas de crianças”, Ramos propõe a adoção
de uma combinação de métodos – observação, método clínico, biografia, estudos
de caso, experimentação etc. – para que se estabeleça uma clara compreensão
de sua realidade. E, tal abordagem parece delinear uma nova concepção de
criança: de ser isolado, constituído biologicamente, passa a ser definida como
socialmente determinada, “uma entidade dinâmica, móvel, complexa, boiando à
mercê das múltiplas influências de seu meio” (p. 18). Anunciando, assim, a
urgência de transformação das condições sociais cujos desvios criam os
problemas das crianças.
Algumas considerações...
237
higiene mental tende a reproduzir o modelo médico da cura, não apenas da
criança em si, mas também de sua família.
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Ática.
Ramos, A. (1940). O Negro Brasileiro 1538 (2ª edição). São Paulo: Companhia Editora
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239
Médicos-Educadores: revendo contribuições à Educação e à Psicologia
César Rota Júnior - Professor das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros/MG.
Membro da Associação Brasileira de Psicologia Escolar/Educacional (ABRAPEE) e da
Sociedade Brasileira de História da Psicologia (SBHP). Pesquisa nas áreas da História da
Psicologia e da Psicologia Escolar/Educacional. Doutor em Educação pela FAE/UFMG, com
estágio-sanduíche na Université de Rouen, França, onde pesquisou sobre a obra de
Théodore Simon. Psicólogo.
Janayna Emidio - Mestranda pelo PPGA/UFPE. Graduada em Ciências Sociais pela UFPE.
241
Kaciana Nascimento da Silveira Rosa - Professora Assistente do Departamento de
Educação I da Universidade Federal do Maranhão. É membro do Grupo de Pesquisa em
História da Psicologia – NIEHPSI – da PUC-SP.Mestrado e doutorado em Educação:
Psicologia da Educação pela PUC-SP. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional
(Faculdade de Santa Fé) e em Educação Especial, com ênfase em Atendimento Educacional
Especializado (UFC). Pedagoga pela Universidade do Maranhão.
243