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MAGISTERIO PRIMARIO: PROFISSAO FEMININA, CARREIRA MASCULINA Zeila de Brito Fabri Demartini Centro de Estudos Rurais e Urbanos — CERU—USP, Fatima Ferreira Antunes UNICAMP: Centro de Estudos Rurais e Urbanos — CERU—USP RESUMO NNestas consideragdes procura-se, iicalmente, registrar, com base em trabalhos anteriores, como a mulher vai entrando para © magistéro primario @ tomando 0 exarcico desea profsséo pre- ddominantemente feminino j na virada do século, em Séo Paulo, Em seguida, procura-se mostrar, a partt de relatos orais © ou- os documentos, como a maioria feminina néo std repre- sentada nos postos de controle © de formagao de novos pro- {issionais, que continuam a ser ocupados por homens. PROFESSORESI/AS — RELAGOES DE GENERO ABSTRACT In these considerations, we have initially tried to register, based ‘on previous works, how women get into elomentary teaching and how they have turned this career into a female job domaln, since the end of the century, in S80 Paulo, Following, we ty to show, based on verbal reports and other ‘documents, how the female majority is not represented i Positions of control and upbringing of new professionals. Thes positions are stil taken by men Cad, Pesq., Séo Paulo, n.86, p.5-14, ago, 1993 Durante 0 periodo colonial, a mulher brasileira esteve afastada da escola. Os colégios e escolas elementa- res mantidos e administrados pelos jesuitas destina- vam-se apenas aos homens. As mulheres cabia aprender @ dedicar-se a tarefas ditas “proprias ao seu sexo": costurar, bordar, lavar, fazer rendas @ cuidar das criangas. Timidez ¢ ignoréncia eram suas princi- pais caracteristicas (Campos, 1985. p.56). Somente apés a Independéncia que essa situacdo comegou a mudar. Pela Lei de 15 de outubro de 1827, a mulher ad- uiriu 0 direito & educagao, através da criagdo de es- colas de primeiras letras para meninas. Com isso tam- bém surgiram as primeiras vagas para o sexo femi- nino no magistério primario, e sua possibiidade de instrugao foi ampliada. Contudo, essas mudancas também tiveram por efeito acentuar a discriminagao sexual (Bruschini, Amado, 1988. p.5). Havia diferengas de curriculos que implicavam di- ferengas salariais, uma vez que se ganhava por dis- ciplina lecionada e algumas delas nao eram permiti- das as mestras. Assim, de acordo com o Artigo 6° da Lei de 1827: “Os protessores ensinardo a ler, es- crever, as quatro operagées de arithmetica, pratica de quebrados, decimaes e proporgées, as nogdes mais, gerais de geometria pratica, a gramatica de lingua na- ional, @ 05 principios de moral christa e da doutrina da religiao catholica e apostélica romana, proporcio- nados 4 comprehensao dos meninos; preterindo para as leituras a Constituigdo do Império © a Histéria do Brazil". Quanto ao trabalho das professoras, 0 Artigo 12? previa o seguinte: "As mestras, alem do declarado no art. 6%, com exclusdo das nogdes de geometria € limitando a instrugdo de arithmetica sé as suas quatro ‘operagies, ensinaréo também as prendas que servem A economia domestica; © serao nomeadas pelos Pre- sidentes em Conselho, aquellas mulheres, que sendo brazileiras e de reconhecida honestidade se mostra- fem com mais conhecimentos nos exames feitos na forma do art. 7®" (apud Lima, 1974. p.80 e ss.) Por ocasiao da criagéio das primeiras Escolas Normais, um projeto de lei de 1830 determinava que no magistério primério das escolas publicas dar-se-ia preferéncia as mulheres (Moacyr, 1937. vol.1, p.229). No entanto, todas as Escolas Normais criadas rece- biam apenas 0 publico masculino. Campos (1989a. .8) aponta nesse caso a existéncia de uma contra- digao nos valores entdo vigentes: *.. de um lado, 0 sexo feminino encontrava dificuldades considerdveis, as mulheres foram sendo admitidas na Escola Normal e acabaram por transformé-la num espago predomi- rnantemente feminino. Durante 0 Império, 0 ensino secundario era pro- pedéutico © destinava-se aqueles que pretendiam prosseguir os estudos em nivel superior, sendo que este Ultimo no era permitido as mulheres. A Escola Normal, entéo, passou a representar uma das poucas oportunidades, se nao a tinica, de as mulheres pros- seguirem seus estudos além do primario. Ela abrigou tanto mulheres que pretendiam lecionar efetivamente, como outras que buscavam apenas dar continuidade aos estudos @ adquirir boa formagao geral antes de se casarem (Bruschini, Amado, 1988. p.5) Em Sao Paulo, a mulher s6 teve real acesso & Escola Normal em 1875, com a criacao de uma secéo feminina anexa ao Seminério das Educandas. Apesar do Regulamento de 7 de janeiro de 1845 prever que 6rfas educandas se destinassem ao magistério prima- rio, e apesar de uma outra determinagao que mais, tarde criaria. uma Escola Normal feminina anexa ao mesmo Seminério das Educandas, essas iniciativas nunea foram concretizadas. Em 1880, deu-se a reabertura da Normal de Séo Paulo (a escola fora fechada em 1878 por falta de verbas). A partir de entéo, as aulas passaram a set mistas, mas havia entradas diferentes para mogas e rapazes. O nimero de matricula geral dos alunos de 1% @ 2° anos era 61, dos quais 29 eram mulheres. curso anexo recebeu 127 matriculas, 55 rapazes © 72 mogas, sendo que no 12 ano havia 24 mogas para 20 rapazes. A considerar esses nimeros, nota-se a partir dai 0 comeco da feminizacao da freqdéncia na Escola Normal de So Paulo (Rodrigues, 1990. p.t12). Posteriormente, em 1884, 0 diretor interino da Normal, Dr. José Estacio Corréa de Sa e Benevides, mostrou-se desfavoravel As aulas mistas, alegando que elas atentavam contra 0s costumes e dificultavam a manutencdo da ordem e da disciplina. Afirmava também que: "... elle [o sistema de aulas mistas] é inconveniente mesmo para o ensino que, sob 0 ponto de vista do methodo, nao péde ser identico para alun- nos de um e outro sexo, em razao da diversidade de seu desenvolvimento intellectual” (apud Rodrigues, 1930. p.130) Nessa mesma direg&o, Campos (1990. p.8) co- menta um discurso de 1886 do Conselheiro Jodo Al | An da Escola Normal No final do século passado, algumas correntes de Pensamento que discutiam a existéncia de diferencas “naturais’ entre os sexos, tais como cardter, tempe- ramento e tipo de raciocinio, acabaram influenciando todas as medidas adotadas na area educacional, acentuando ainda mais os preconcesitos e a ordem es- tabelecida. Segundo essas correntes, a mulher, © apenas ela, era biologicamente dotada da capacidade de socializar criangas, como parte de suas fungdes ‘matemas. E, sendo 0 ensino na escola elementar vis to como extensdo dessas alividades, o magistério pri- mri passou a ser encarado como profissao exclusi- vamente feminina (Bruschini, Amado, 1988. p.5). Campos (1990. p.11) relaciona as seguintes ex- plicagdes para a feminizagao do magistério primario ainda no final do século passado: a necessidade de prover muitas escolas preliminares e de se dar des- tino as érf&s educandas que nao se casavam. Ainda que este ultimo elemento seja de importéncia duvido- sa — afinal, o numero de érfas seria t4o elevado as- ‘sim que demandasse providéncias desse tipo? —, 0 fato é que demonstrava 0 pouco valor atribuido & pro- fissao. A mesma autora acrescenta outros dados: a iniciativa teria sido reforgada devido aos bons resul- tados obtidos inicialmente e ao saldrio pouco compen- ‘sador que era pago aos professores, afastando os ho- mens e criando mais oportunidades para as mulheres. © salério certamente foi uma das provaveis cau- ‘sas do pouco estimulo dos homens postulantes & car- Feira. Pode-se considerar também que o aumento da urbanizagao e 0 movimento econémico em tomo da cultura do café ainda no final do século passado po- deriam ter contribuido para a ampliagao do mercado de trabalho masculino, afastando os homens do ma- gistério. Observando-se 0 quadro numérico dos pro- fessores diplomados pela Escola Normal da Capital (Livro, 1931), vemos que, a partir de 1895, as mogas suplantaram definitvamente em numero os rapazes na Normal (15 @ 9 formandos, respectivamente). E provavel que isso se deva a reforma implantada no ano anterior, que ampliara 0 curso de trés para quatro anos ¢ 0 tornara ainda mais desinteressante para os homens; com a extenséo do Normal, estes teriam de investir mais tempo no preparo para uma carreira que, no thes acenava como promissora. © fenémeno da feminizagao da Escola Normal, segundo Campos (1989a. p.30), teria resultado da combinagao de dois movimentos diferenciados: por um lado, houve uma transformagao nos valores © as mulheres ganharam maior espago na sociedade; por outro lado, notava-se a permanéncia de certos pa- des basicos de comportamento. Em fungao disso, a entrada das mulheres no magistério reforgou a ima- gem de que a docéncia seria uma ocupagao de se- Qundo nivel ou complementar. E ainda por se tratar de uma atividade mal remunerada, atraia, em muitos casos, os que podiam exeroé-la como atividade para- lela, 05 que contavam com o apoio financeiro da fa- mila ou entéo aqueles que nao haviam encontrado uma ocupagéo mais bem remunerada. Cad. Pesq. n.86, ago. 1993 Mas, uma vez integradas ao magistério, as mu- theres sentiam 0 peso do preconceito em relagao 20 trabalho feminino entre o proprio professorado. Apesar de representarem a maioria absoluta’, as professoras levavam desvantagem em relagao aos professores em termos de carreira @ remuneracao. A época do Inqué- Fito de 1914, o Prof. Oscar Thompson, entéo diretor da Escola Normal da capital, sugeria o estabeleci- mento de novos crtérios para’o escalonamento sala- rial dos professores, que, segundo ele, deveriam obe- decer & seguinte ordem: 1. a localizagéo da escola; 2. a categoria da escola; 3. a série em que o profes- ‘sor lecionava; 4. 0 sexo do professor. Quanto a in- clusdo deste tiltimo item, 0 Prof. Thompson assim se justificava: “E sabido que o professor tem maiores res- onsabilidades civis que a professora. O professor sempre o chefe da familia. Pesam exclusivamente so- bre seus ombros as obrigagdes do lar. A professora 6 em regra casada e com 0 esposo divide 0 peso dos encargos de familia. Raras vezes a professora 6, entre nés, a responsdvel pelas despesas domésticas. Nao 6 justo, pois, que ambos, em posigdes diversas, percebam os mesmos vencimentos. Nao pretendemos com isto a discriminagao dos honorétios das profes- soras, mas desejamos que se algum aumento for pos- sivel ele seja om beneticio dos professores”. Outros entrevistados do Inguérito constatavam com pesar que magistério estava se tomando uma profissdo predominantemente feminina e acreditavam que os baixos salérios estavam na base do problema. Os homens, em virtude de sua condigao de “chefe de familia", tendiam a procurar profissdes mais rentaveis. Se as’professoras bastam os atuais vencimentos, 6 incontestével a sua deficiéncia para os professores. A redugao de alunos de ano para ano nas normais @ 0 progresso crescente de mogas, evidenciam a justeza da observacdo" (Prof. Mariano de Oliveira — inspetor escolar). No mesmo sentido se pronunciava o Prot. ‘Azevedo Antunes: “initil seria dizer que justamente os bons elementos so os que deixam 0 magistério mais dopressa, © niimero de professores tem diminuido sensivelmente, enquanto que a quantidade de profes- ssoras aumenta em prejuizo do ensino. Por outro lado, dentro do mesmo quadro, temos professores ganhan- do ordenados diversos e com as mesmas atribuigSes. Que os nossos economistas refitam sobre isso e con- 1 © Censo Demogrético de 1920 acusava, em todo 0 estado do Sto Paulo, um total de 8.757 mulhores brasleras dedi ‘cadas 0 magistei, sem dterenciagdo de graus de ensino ® tipos de escola, Esse niimero reprosentava 72,5% do con- Junto dos professores de nacionalidade brasileira. Em relagio 120 tolal do professores do stado, sem distingao de nacio halidade e de grau de ensino lecionado, as mestras soma- vam 9.613 (65%). E interessante notar que essas proporsbes tram inversas para 0 professoraco de origam estrangeira NNasta aso, havia 1,790 (67.6%) homens para 856 (82.4%) rmulhates, Qua valor tela o magisteio para esses professo- ras? Seria visto como profssio “digna’ para o homem? Seria| Visto como meio de intogragdo e ascansdo social na nova sociedade? ‘sigam um meio de harmonizar os interesses do Es- tado da instrugdo com as necessidades do professor’ Ja 0 Prof. Pinto e Silva langava novas luzes sobre © sistema de escalonamento salarial de Oscar Thomp- ‘son, pronunciando-se contra a discriminagao sexual entre o préprio professorado e a favor dos direitos das professoras: “Seria uma iniglidade estabelecer distin- (go de sexos para a classificagdo dos ordenados, fa- vorecendo-se mais 0 professor que a professora. Por mais que cogitemos, néo encontramos um argumento de valor que justifique semelhante idéia. Pelo contré- ‘io, bem discutida a questao mais provavel que se tome favoravel & professora” (Inquérito de 1914), A concepgao de que os salérios das mestras po- diam ser inferiores aos dos professores, justificados or seu cardter secundario ou por serem complemen- tares & renda familiar, ajudou a sedimentar a imagem do magistério como *ocupagao ideal para mulheres” @ a legitimar, com 0 passar dos anos, 0 crescente em- obrecimento da categoria (Bruschini, Amado, 1988. P.7). Outro elemento fundamental para a feminizagao do magistério foi 0 concsito de vocagao: “Historica- mente, 0 conceito de vocacao foi aceito e expresso pelos préprios educadores e educadoras, que argu- mentavam que, como a escolha da carreira devia ser adequada @ natureza feminina, atividades requerendo sentimento, dedicago, mindcia e paciéncia deveriam ser preferidas. Ligado a idéia de que as pessoas tm aptidées e tendéncias inatas para certas ocupagoes, © conceito de vocagao foi um dos mecanismos mais eficientes para induzir as mulheres a escolher as pro- fissdes menos valorizadas socialmente” (Bruschini, ‘Amado, 1988. p.7). ‘As chamadas diferencas ‘naturals’ entre os se- xos, somadas ao conceito de vocacao, foram incor- Poradas ao discurso sobre a importancia do trabalho feminino, que se associou ao discurso dominante so- bre 0 nao-trabalho da mulher? Nesse sentido, um bom exemplo 6 0 discurso proferido pelo Prof. José Feliciano, catedrético da Escola Normal da Capital, durante a ceriménia de inauguragao do edificio da Praga da Republica em agosto de 1894: “Senhores, © sobretudo excellentissimas senho- ras! A instrugdo priméria & uma usurpagdo ao sacra- tissimo mister de Esposa e Mée. Depois que a dignidade feminil foi esbogada pela antigdidade polytheica, depois que foi completada pelo catholicismo, medievo, e fol por fim definitiva- mente systematizada pela philosophia, pela politica ositiva, — nao ha mais duvidar que 4 Mulher cabe a instrugao primaria das criangas, nao ha mais discutir que das Maes depende a formagao em geral dos ci- dadiios futuros. Systema social em que tal missao for menosprezada, 6 impossivel subsistir, demanda Prompta @ total regeneracao. A mulher, assim, 6 parte de todo poder espiritual, indispensavel 4 dirego da sociedade. () E vés, excellentissimas senhoras, a quem 0 Pas- ‘sado ja collectivamente aureolou como — a melhor poreao da Humanidade! Vés, em cujos intimos coroaveis palpita um cora- ¢0 de Mae, um coragao de Esposa, um coragio de Filha —, sabeis que a vés impede hoje o melhor es- forgo em prol da regeneragdo de nossa especie. Pre- parando-vos para tomar a vossos santos cuidados a cultura completa de vossos filhos, a instrucgao prim ra dos tenros novedios que tanto deveis estremecer, preparando-vos para ser Maes integraes, Maes edu- cadoras, para ser verdadeiras Mestras, héo de ben- dizer-vos 0s seculos por vir, ¢ haveis de colher os fructos, cujo sabor divino para algumas egregias apreciarem” (apud Rodrigues, 1930. p.354), Outra razdo para a escolha do magistério pelas mulheres 6 apontada por Bruschini, Amado (1988. 27): 0 fato de poder concliar as atividades profissio- nais e domésticas, devido a curta jomada de trabalho @ as férias escolares. Além disso, 0 magistério pablico oferecia a estabilidade no emprego @ outros benefi- cios, diferentemente das escolas particulares, ao me- ‘nos no comego do sécuo. A profissionalizagao do magistério acompanhou seu movimento intemo de feminizacao. Nesse proces- 80, © magistério primério se consolidou nao apenas numericamente como profisséo feminina, mas como Linica profissao respeitével e Unica forma instituciona- lizada de emprego para as mulheres de classe média até 0 final da década de 30. Posteriormente, com 0 crescimento econémico do pais, novas opgbes profis- sionais se abriram as mulheres e, em muitos casos, se firmaram também como atividades essencialmente femininas (secretarias, enfermeiras etc.). A CARREIRA RAPIDA DOS PROFESSORES HOMENS Se ha uma unanimidade entre os autores quanto & feminizagdo do magistério primério, séo poucos entre- tanto os que analisam as condigbes em que esta atuagaio das mulheres se dava. Isto é, ingressando como professoras no sistema educacional, @ consti- tuindo ja nia Primeira Republica a maioria dos agentes atuantes em todo o estado de Sao Paulo, estariam elas também representadas em todos os postos de controle @ de formagao de novos profissionais? A as- censéo a estes postos ocorreu simultaneamente a fe- minizagao da profissao? Nao pretendemos aqui realizar uma anélise deta- thada desta questéo, mas contribuir para a sua dis- cussdo com alguns elementos por nés obtidos na pes- 2 Cacovault (1987. p.108), estudando a realidade trancesa, alma que a imagem do magistério como profisso feminina '@ tomou lugar-comum como uma forma de resolver as con- tradigbes do duplo papel: a muher-mae @ a mulher-educa- dora (esta com uma atvidade externa), Magistério primério. quisa “O magistério primédrio no contexto da Primeira Repablica’, em que recorremos aos relatos de profes- sores (mulheres e homens) que se formaram 0 lecio- aram em escolas primédrias nas primeiras décadas deste século. Essas memérias, em sua quase totali- dade, foram coletadas durante a realizagao de duas Pesquisas: uma com professores que deram aula para Populagées rurais no interior do estado, @ outra com professores de escolas da capital.? A distribuigéio das ‘entrevistas acabou acompanhando a prépria realidade da época: entrevistaram-se muito mais mulheres que homens, j4 que estes eram, entdo, em numero muito ‘menor no magistério. Do total de 41, tem-se apenas 8 homens: 4 formados na capital, 4 no interior. Entre ‘as mulheres, tem-se 14 formadas na capital, 19 no interior do estado. Assim, embora sem definigdo pré- Via, houve uma distribuigéo eqiitativa entre relatos de homens @ de mulheres na capital e no interior. ‘Sao mais de quarenta homens e mulheres falan- do de suas vidas, e das diregdes que assumiram apés terem iniciado suas atividades como professores pri- métios. Cada histéria tem suas especificidades, © 6 quase impossivel querer encaixé-las em padrées de uniformizagao. Mas foi possivel percorrer esses rela- tos e deles tentar extrair aquilo que poderiam apre- sentar de comum ou de divergents. AS reflexdes que ‘se seguem, assim como algumas trajetérias que apro- ‘sentamos sucintamente, 840 resultado do trabalho de andlise de cada histéria de vida em sua totalidade, comparando-as depois entre si Marca comum nas trajetérias dos professores — homens — formados no interior @ na capital 6 a di- versidade de postos @ de atividades pelos quais pas- ssaram ao longo de suas vidas; uns atuando mais den- ‘ro do préprio sistema educacional piblico paulista, ‘outros desenvolvendo atividades paralelas. Analisando mais atentamente, podemos notar que para quase todos a permanéncia como professor pri- mario dentro da sala de aula representou um curto eriodo de suas trajetérias profissionais: logo depois {ue iniciaram suas atividades foram promovidos a di- retores, ou convidados para assumirem cargos técni- cos no préprio sistema educacional, ‘Como comenta um deles, ndo havia dificuldades ara conseguir promogao naquela época: “Sai de professor de escolas reunidas e fui para diretor de escolas reunidas. A promogao era dada pelo Estado. Era um investimento. Ele propunha, Era fécil Ih! era a coisa mais facil! Muitas vezes © inspetor me ofereceu: ‘O senhor no quer ser diretor de escolas reunidas de tal lugar, assim, assim?’ Entao, a gente era promovido.” Entre os professores formados no interior, obser- vamos que trés doles tanto passaram para’ postos mais elevados no magistério e para cargos tecnicos ‘como procuravam complementar seus vencimentos exercendo atividades nem sempre relacionadas ao ensino, Vejamos alguns aspectos de experiéncias de cada um. Cad. Pesq. n.86, ago. 1993 Um deles, formado em 1914 pela Escola Normal de Campinas, ingressou como professor de escola isolada, af permanecendo durante 4 anos; fol em se- guida nomeado para professor de Escolas Reunidas, @ nomeado diretor de escola quando estas foram transformadas em Grupo Escolar. Também foi nomea- do por uns tempos professor de educagéo de uma Es- cola Normal em Santa Cruz do Rio Pardo. Tendo sido removido para So Paulo, ficou adido ao Departamen- to de Educagao © depois de um ano ou dois estava exercendo as fungées de inspetor das Escolas Nor- mais Gindsios, tendo-se efetivado nesse posto. Foi durante muito tempo diretor do Servigo de Medidas Pesquisas Educacionais. Em seus relatos, chama fre- Qientemente a atengao para a coergao que existia do oder politico sobre os professores (0 que a seu ver @s tomava menos eficientes) e como ao longo de sua carreira suas promogdes © remogdes sempre se liga- ram a decisdes das autoridades escolares e do man- donismo local: tanto foi indicado para diretor, porque © inspetor que visitou sua escola achou que trabalha- ‘va muito bem, como também foi, mais tarde, removido contra sua vontade porque um outro inspetor escolar desejava para outta pessoa o posto que ocupava. Este professor, que fez rapidamente carreira dentro do sistema educacional, trabalhava também como dentista. Outro professor, formado em 1917, tendo estuda- do em Botucatu © Guaratingueté, ingressou por con- curso de notas em uma escola masculina do litora, e logo passou a substituir a direcdo da escola, per. manecendo af durante 4 anos. Em seguida, em 1923, {oi nomeado, por politica, diretor de um Grupo Esco- lar, © em 1929 foi comissionado para um cargo em ‘Sao Paulo, tendo depois sido nomeado para outras escolas dessa cidade, até tornar-se inspetor escolar © depois delegado de ensino, por concurso, cargo em que se aposentou. De careira igualmente rapida, este professor também procurou durante muito tempo com- plementar seus salérios dando aulas fora da rede pi- blica, para o SENA. Aividades paralelas, como a de fazendeiro, tam- bém marcam a trajet6ria do professor que se formou em Pirassununga, em 1921, © que, além disso cursou mais tarde Odontologia. Depois de formado, foi logo convidado para trabalhar no Parand, como professor e diretor de Grupo Escolar, ao mesmo tempo. Depois, esteve em Curitiba ajudando a organizar 0 Curso Nor- mal, de onde voltou para Sao Paulo, em virtude de desentendimentos. Foi entao nomeado pelo Secretério da Educacao para uma escola do interior, e como, se- gundo ele, tinha muita experiéncia no ensino, 0 seu ercurso se fez rapidamente, tendo sido logo indicado 3 O primeio estudo realizado com professores do interior tulavacse: "Valhos mastres das novas escolas — um eetudo das memerias de professores da Primeira Republica om S Paulo" @ 0 estudo com protessores da capital: ‘Memérias de velhos mesires na cilade de Sao Pavio e seus arredores" [As mométias dos professores foram oblidas através deo trevistas abertas em que cada um falou sobre sua vida © suas experiéncias educacionais. ara a administragao de um Grupo Escolar e profes sor de Escola Normal. Participou das revolugdes e es- teve preso bastante tempo na tha Grande, de onde voltou para continuar a exercer suas atividades do- centes. Em Sao Paulo, trabalhou no servigo encarre- gado das construgdes escolares do estado. Em seus Telatos, destaca o bom relacionamento que tinha com dirigentes do estado. Entre os professores formados na capital, também notamos essa sucesso de promogées e ascensao na carteira @ no sistema educacional. Um deles, formado em 1919, na Escola Normal da Praga como os de- mais, ingressou com 20 anos em escola isolada do interior mediante concurso de notas, mas depois de 4 anos jé havia sido nomeado diretor de Escolas Reu- nidas; aos 26 anos, ja era diretor de Grupo Escolar, aos 31 inspetor escolar e aos 40 tomou-se delegado de ensino. E interessante chamar a atengao para al- guns aspectos muito enfatizados pelo entrevistado ao longo de toda a sua fala: as fortes interferéncias po- liticas nas carreiras do magistério, as promogées e re- mogdes de inspetores, delegados e diretores para fa- vorecimento ou por perseguico; e, principalmente, 0 reconhecimento de como era facil aos homens irem assumindo esses postos, mesmo sem especializagao, Outro professor, também formado na Escola Nor- mal da Praga em 1920, comegou a substituir um pro- fessor, em 1921, no GE. de Santa Cruz do Rio Par- do, mas logo em seguida foi convidado por um dele- gado de ensino para assumir uma vaga, com a con- digdo de divuigar o escotismo no interior. Ja em 1923 foi trabalhar como diretor das Escolas Reunidas de Itajobi, depois adjunto de Grupo Escolar em Mirassol, e, como havia varias ofertas de. vagas que significa. vam promogées na carreira, removeu-se para Santa Cruz como adjunto e diretor de Grupo Escolar, tendo também exercido as fungdes de professor da Escola Normal Livre. Em 1931 prestou concurso para profes sor fiscal de Escola Normal Equiparada e para pro- fessor universitario. Houve um outro professor, formado em 1918, que, tendo servido como auxiliar durante algum tem- Po, resolveu em 1920 pedir vaga no Palacio do Go- verno, e escolheu o local mais distante (Santo Antonio, da Alegria). Depois de 8 meses ja foi removido e pro- movido pelo inspetor para as Escolas Reunidas de Espirito Santo do Rio do Peixe, como diretor. Conse- guiu em seguida promogo para o Grupo Escolar da cidade, depois passou a diretor de varios outros locais do interior, até ser removido para 0 G.E. do Arouche, na capital, © mais tarde assumir um cargo de direpao no antigo DRHU. Prestou concurso para inspetor es- colar e delegado de ensino, chegando assim aos car- gos mais elevados da carreira do magistério. E, finalmente, destacamos um professor que se formou no final da década de 20, e também logo as- sumiu outras atividades na rede e fora dela: tendo sido convidado por Lourengo Filho para trabalhar no Colégio Rio Branco (particular), foi para a filial de Ca- tanduva, mas logo que voltou para Sdo Paulo foi substituir mestre na Escola Normal da Praga; depois 10 foi para 0 cargo vago de encarregado do gabinete de Psicologia Experimental (mais tarde Servigo de Assis téncia Técnica de Psicologia), e quando este foi ex- tinto, acabou nomeado professor do Colégio Univer- sitario, Durante essa trajetéria, exerceu ainda o cargo de secretério particular de Fernando de Azevedo na Diretoria do Ensino, em 1933, @ durante muito tempo dirigiu uma “Pagina de Educagao" no Didrio de S4o Paulo, além de trabalhar para a Companhia Editora Nacional nas “Atualidades Pedagégicas” e lecionar em faculdades particulares. Do conjunto desses homens entrevistados, forma- dos na capital @ no interior, de carreiras diferentes mas todas de ascensao répida, distinguiu-se um de- les, que, embora tendo também chegado a diretor de ensino médio, comenta em seus relatos como para ele foi mais dificil do que para seus oolegas subir na carreira: de origem rural, ingressou no Curso Normal ‘muito jovem, e, formando-se em 1916 em Piracicaba, voltou para sua regiao, Mairinque, como substituto, Logo depois, prestou concurso para professor de es- cola masculina, muito distante da sede do municipio, tendo sido em 1920 removido para as Escolas Reu- nidas em Mairinque e depois para o Grupo Escolar de Sorocaba, onde comegou também a dar aulas em escolas particulars para ganhar mais e sustentar a familia. S6 muito tempo depois, ¢ que passou para o ‘ensino secundério como professor (década de 40), e, quando estava para se aposentar, tornou-se diretor de ensino médio, O seu relato mosira a dificuldade em conseguir 0s convites que, segundo ele, eram mais frequentes para outros colegas. (© meu caso, por exemplo, porque eu achava que néo tinha ninguém que me protegesse na vida. ‘Nao tinha mesmo. Eu tive colegas, que tinham pa- rentes professores @ autoridades no ensino, e que passaram na minha frente rapidamente, @ isso e mais aquilo, 0 Alfredo Fogaga, nao sei que mais, quando via era delegado de ensino; André Pinto ‘Sampaio Neto, quando eu via, era inspetor escolar, e tal @ tal; ..todos os meus colegas, nao 6. Eu fi- cava meio enciumado, até, digo, por que, serd que eu no dou pra coisa? (rindo). Nao tinha ninguém. ‘Ninguém para me proteger, nem autoridade, nem essas coisas, nada, voc8 sabe como 6, todos pro- tegem afilhados, nao é!? Os afilhados, os parentes, 08 amigos... E depois 0 magistério, naquele tempo, era constituide de quase que sé muitas familias. E davam os cargos entre si, davam para 0 governo, @ quem néo era nada disso, ia ficando, néo é, ia ficando, ficando.” Excogio & regra da ascensao masculina répida na carteira, 0 caso deste professor, comparado aos demais, nos leva a pensar que, se era mais facil aos homens terem suas qualidades reconhecidas pelos inspetores também homens, essas promogdes nao exam oferecidas a qualquer um. Devia-se apresentar “qualidades" outras além das pedagégicas e do fato de ser homem, E provavel que no jogo do mandonis- mo politico fortemente vigente no estado nesse perio- do, e bastante atuante no sistema educacional (De- Magistério prima. martini, 1989) — 0 poder exercido pelos coronéis @ “delegado" de alguma maneira as autoridades esco- lares —, seriam mais bem vistos 0s homens do que as mulheres. Afinal, os coronéis eram homens. Mas selecionavam-se os’ homens que podiam contar com methores relacionamentos, embora fossem, todos eles, de origem mais ou menos modesta, De qualquer maneira, pode-se supor que para os professores homens as faciidades de promosao © as- censo na carreira do magistério @ dentro do sistema educacional eram grandes, embora algumas discrimi- ages ocorressem dentro desse restrito grupo mas- culino, estabelecidas pela origem social diversa. PROFESSORAS: A DIFICIL ASCENSAO Por outro lado, a analise das trajetérias de vida con- tidas nos relatos das professoras entrevistadas permi- te-nos constatar justamente o oposto: apenas 7, entre 33, conseguiram sair do magistério primadrio e deixar as salas de aula; as demais, passaram por diferentes. regides e tipos de escola, mas aposentaram-se exer- ‘endo a atividade docente, como professoras prima- rias (varias delas de origem nao modesta). Tratar-se-ia, no caso, de um erro de amostragem? Isto é, teriamos deixado de lado justamente as mu theres que fizeram trajetorias diferentes por nao ter- mos tido condigoes de selecionar as pessoas que en- trevistamos? Acreditamos que nao, pois, do conjunto de aproximadamente 100 nomes de professoras que nos havia sido indicado, apenas uma mulher (que em vo tentamos entrevistar, falecendo ela nesse entre- tempo) conseguira chegar ao posto de inspetora es. colar, naquela época, Das sete mulheres que se destacaram do conjun- to das que permaneceram como professoras primarias até se aposentarem, no interior ou na capital, apenas uma delas, que nao fez carreira no ensino publico, era formada no interior. Natural de Piracicaba, onde havia cursado duas escolas de nivel médio simulta- neamente, formou-se professora em 1925 pelo Colé gio Piracicabano. Antes de exercer 0 magistério pri- matio, foi farmacéutica, pois formara-se em Farmacia @ também em Odontologia em Pindamonhangaba. Exerceu tal atividade inicialmente em uma pequena cl- dade do interior, mas ao casar-se acompanhou o ma: rido a Sao Paulo, onde se tomou responsavel por uma farmacia na Rua Sao Caetano. Nessa ocasiao, ja com um filho pequeno, apresentou-se a oportuni- dade de lecionar na Escola Renascenga, de judeus, rna qual atuou ativamente até se aposentar. Ademais, ajudou a fundar 0 Colégio Luis Fleytlysch, no Brés, do qual passou a ser diretora. Observa-se que, nd sendo judia mas brasileira e muito catdlica, esta pro- fessora parece ter tid nessa instituigéio particular 0 Feconhecimento dos conhecimentos que possuia, pois toda sua carteira {@z-se sem apoio de politicos ou in- dicagoes de outra natureza. Outra professora, que também se projetou no en- sino particular, formou-se na capital, na Escola Normal Cad. Pesa. 1.86, ago. 1993 Caetano de Campos. Teve uma trajetéria distinta, pois tomou-se dona de escola particular, mas a partir de Um projeto elaborado pela propria familia. De resto, a classe mécia alta de Sdo Paulo tinha por habito criar exteratos particulares para suas flhas professoras le- cionarem, evitando, assim, que fossem comegar car- reira no interior. As demais cinco professoras eram formadas pela Escola Normal Gaetano de Campos, algumas na dé- cada de 10, outras depois de 1920, @ todas elas con- ‘seguiram cargos ou projegao no ensino publico. Mas, como se pode verificar pelo resumo de suas trajet6- Flas, a projegdo ou ascensao ocorreram mais em vit- tude de conhecimentos especializados obtidos através de cursos realizados e de longa experiéncia acumu- ada do que em virtude de suas “qualidades" como professoras primérias percebidas pelos superiores, como freqlentemente ocorria com os homens. Assim, uma delas, apés exercer o magistério pri- mario por muitos e muitos anos, sé foi efetivada como chefe do setor de Higiene Escolar da Secretaria de Educagao porque havia se formado educadora sani- tala e estava atuando nessa 4rea ha muito tempo. ‘© mesmo ocorreu com outra professora, convidada para trabalhar no Servigo de Orientagao Pedagogica apés se ter formado em Pedagogia, e isto com mais de 20 anos de carreira. S6 se tomou assistente na Escola Normal Caetano de Campos pouco antes de ‘se aposentar, indo trabalhar depois no ensino part- cular, mas som remuneragao. Outras trés que tiveram trajetérias mais diversifi- cadas também se realizaram gragas as suas especia- lidades: uma em agronomia e veterinaria, outra em histéria e outra em inglés. A primeira formou-se ainda ‘em 1922, na Escola Normal Secundéria; substituiu du- rante dois anos no Grupo Escolar do Arouche, e de- pois foi nomeada mediante indicagao politica para uma vaga em uma cidade do interior, de onde, por motivo de doenga, voltou para Sao Paulo. Casou-se @ pediu afastamento por tempo indeterminado, S6 no inicio da década de 30 6 que, em virtude de seus co- nhecimentos agrétios, ¢ jd tendo voltado para a rede, foi convidada por Sud Mennucci para iniciar uma ex- periéncia de ruralismo pedagégico no Grupo Escolar do Butantd, entéo periferia de Sao Paulo. Trabalhou ai durante mais ou menos 10 anos, e, dado o sucesso da experiéncia, adquitiu projego nacional; viajou a convite para outros estados, entre oles Minas Gerais, conde permaneceu dois anos, dando cursos e implan- tando novos projetos. Nessa ocasiao, assumiu 0 car- go de Assistente do Ensino Rural do Estado, no qual se manteve até a aposentadoria. Em seus relatos, evi- dencia a magoa pelo esfacelamento desse setor da educagao depois de sua saida. A outta professora, formada também pela Normal ‘Secundaria em 1916, s6 val conseguir deixar suas ati- vidades docentes no curso primario depois de ter prestado o vestibular e ingressado na recém-criada Universidade de Sao Paulo. Durante 0 curso recebeu " uma bolsa de dois anos para estudar na Franga; tra- balhou como assistente nao remunerada, fungao que perdeu quando 0 professor com quem trabalhava vol- tou para os Estados Unidos. Ai entdo foi convidada para trabalhar no Gindsio Pedro Ile prestou concurso ara a escola secundaria. Tendo conquistado 0 1? lu- gar, 86 conseguiu escolher e assumir a vaga que que- fia na Caetano de Campos depois de abrir um pro- cesso na Justica e esperar um ano, Mais tarde, pres- tou concurso para diretora, cargo em que se aposen- tou, trabalhando em escolas do interior. A professora especializada em inglés formou-st em 1925 e, logo em seguida, através de lei que pr vilegiava as primeiras colocadas no Curso Normal, vai lecionar como professora primaria na Escola Modelo do Brés, até 1933, quando, gracas a experiéncia ad- guirida (suas classes serviam de estagio aos norma- listas) 6 convidada para lecionar Didatica no Curso Normal. Em 1938, é nomeada para dar aulas extraor- dindrias de inglés, indo logo depois substituir 0 pro- fessor de inglés do Colégio Universitario, que mais tarde passa a Gindsio do Estado, no Parque D. Pe- dro II Nesse interim, ganha uma bolsa de estudos © vai para a Inglaterra. Em 1949, transfere-se para a Caetano de Campos, onde se aposenta em 1954, Aposentada, continua dando aulas de inglés no Co- légio Sion @ na Cultura Inglesa. De comum nas trajetérias destas poucas mulho- res, ha: as atividades sempre relacionadas as éreas do ensino © da docéncia propriamente ditas, seja en- quanto orientadoras ou professoras de outros niveis; a ascensao a outras fungGes ou cargos em funcao de especializagdes obtidas, e ndo de meros apoios familiares ou politicos; a demora nos estagios da car- reira, isto 6, longas permanéncias enquanto professo- ras primarias, antes de passarem para: alguma outra fungéio. Os poucos cargos administrativos de con- trole citados sao excogdes relativas as mulheres que chegam a diretoras —e, assim mesmo, pouco antes de se aposentarem —, 0 que constituia praticamente uma regra entre os homens, na rede publica. Nao se creia aqui que estas mulheres e as de- mais que foram entrevistadas ndo recorressem aos apoios politicos; pelo contrario, estes eram intensa- mente utilizados, e poucas nao tiveram necessidade de, em algum momento de suas vidas, cantar com es- se apoios, as vezes fundamentais, para nomeagdes @ remogdes. Mas 0 que fica claro 6 que os cargos de chefia, a docéncia em outros niveis e a direco 1ndo foram obtidos por esses meios, contrariamente 20 que foi constatado entre os professores. Uma outra analise, de outra natureza, ou que exi- gisse um tratamento diferenciado dos relatos, permi- tiria certamente mostrar com mais detalhes como, nas trajetérias destas mulheres, especialmente das que se casaram, pesaram os papéis de esposa © de mae: ‘no abandono ou recusa de determinadas chances, ou, principalmente, na aceitagao ou incorporagao da pro- fisséo como sendo a Unica adequada — posigao as- sumida pela maioria 2 CONSIDERACGES FINAIS ‘A comparago entre as trajetérias do conjunto de ho- mens e de mulheres entrevistados leva assim a cons- tatagdo de que havia um privilégio indiscutivel dos pri- meiros, podendo-se pensar que isso ocorria tanto por influéncia das autoridades escolares, dentro do pro- prio sistema educacional, como era reforgado pelos vinculos estabelecidos com as forgas politicas atuan- tes no estado. © que os relatos indicam & que, téo logo era pos sivel, esses homens que assumiram 0 magistério como profissao iam tentando direcionar suas carreiras paara outros postos, e abandonar o espaco “feminino” das salas de aulas. Deixam de ser professores pata se torarem diretores, supervisores, formadores. de professores, delogados de ensino, chefes da instrugao publica ete. e, dessa maneira, continuar controlando a profissdo jé’ entéo macigamente feminina. Para se ter uma idéia do destino dos normalistas que teriam passado pela Caetano de Campos ainda quando ha- via a separagao do curso para homens e mulheres, tomamos um levantamento interessante feito por um exaluno, formado na tuma de 1915*. Ele procurou verificar © que estariam fazendo, em margo de 1940, os seus colegas de turma. Resultados: da listagem que nos foi apresentada, do total de 52 homens (para 236 mulheres), 19 nao exerciam qualquer atvidade l- gada ao magistério e 4 haviam falecido; os demais, distribuiam-se entre: 9 adjuntos, 11 diretores, 4 pro- fessores de Escola Normal, 4 inspetores escolares 1 no Ensino Fertoviério. Como se vé, quando perma neciam no sistema educacional, esses normalistas ge- ralmente nao se encontravam nas salas de aula como professores primérios, AAos professores homens, ndo se exigiam normal- mente cursos de especializagdo como fundamento ara suas promogdes ou nomeagGes: “tudo era muito faci’, afirmam alguns deles, e 0 relato abaixo dé um retrato final dessa sitwagdo corriqueira: “Mas acontece 0 seguinte: eu me formei, comece! a trabalhar e vai aparecer aqui (mostra o papel) 0 Dirceu como Inspetor do Ensino Normal. Absurdo! Vai aparecer o professor Dirceu aqui como Inspetor do Servigo de Justica, no Departamento de Educa- ¢40. Vai aparecer 0 professor, como Inspetor do Ensino Particular, de datilografia e até corte e cos- tura — eu doi aula de corte e costura (risos) no colégio. O que mais tem ai? eu fui Presidente de Banca de Concurso de Remogao, até que... Bom, rndo sou eu, & 0 grosso do magistério que esté nes- se negécio ai, Os outros S40 como eu, somos das dez Normais primérias do estado, do nosso tempo, © Rugério © nao sei quem mais. Muito bem. Acon- teceu aqui uma coisa engragada com 0 secretério que era 0 dono da A Exposigéo — foi nosso Se- cretério, 0 ndo sei 0 qué Carvalho, era 0 dono da 4 Esta levantamento nos fol cedido por sua esposa, uma de nossas entrevistadas. Magistério primério... Clipper @ da A Exposico, chegou a nosso secre- tério; @ esse entéo chegou um dia mandou me cha- mar disse: Professor Dirceu eu preciso que o Sr. me d6 uma informagao. Eu vejo aqui o Sr. como Inspetor do Ensino Normal, Inspetor de Justiga... 0 Sr. fiscalizando a fazenda em concurso de remo- $40, presidindo 0 congresso de ruralismo, 0 Sr. po- deria me fazer o favor de relacionar os seus titulos de especializagao. — Nenhum. E ele: — Como é que o Sr. disse? — Eu disse: — Nenhum. E ele — Néo estou entendendo, como é que... — Eu tam- 'bém nao sei explicar ao Sr. como 6 que 6. Eu acre- dito, Sr. Secretério, que a forga de vir trabalhando de secretério em secretério, de leis em leis, de ca para lé, foram me levando. Como a mim, dezenas de outros, que todos os que estdo por ai — dele- 4gados de ensino, inspetores de ensino secundério — so todos meus colegas, @ eu sou muito mais velho que eles ainda, eu sou da Praga... — que hnesse ponto eu era luxento — eu sou da Praca da Repiiblica, no sou de Botucatu, nem de Guaratin- ‘gueté, minha escola 6 da Praca da Republica — a minha era @ maior. Entéo expliquei a ele que era © seguinte: 6 que naturalmente, por forga de cir cunsténcias, 0 magistério foi procurando, aqui e all, gente para tomar conta desse negécio.” E interessante observar, finalmente, que néo hé reconhecimento por parte de nenhum dos entrevista- dos de que a facllidade de promogao geralmente ocorria apenas com os homens: a eles eram destina- dos, em primeiro lugar, 0s cargos de dirego, inspe- go e cargos técnicos © administrativos e eram deles ainda, até 0 final da Primeira Republica, os cargos de professores das Escolas Normais do’ estado. Uma andlise por nés realizada da composigo do corpo do- cente das dez Escolas Normais do estado, em 1929, permitiy concluir que &s mulheres s6 eram destinadas as aulas de Desenho, Trabalhos, Gindstica, Misica e a fungao de Professora Inspetora de Alunas — exce- ‘gBes foram constatadas para aulas de Histéria e Di- datica na Escola Normal do Bras (Livro Jubilar da Es- cola Normal da Capital) Profisséo feminina, exercida pelas mulheres, mas ainda formadas pelos lentes homens das Escolas Nor- mais, @ controlada pelos administradores homens da rede de ensino. Em 1919, todos os grupos escolares do estado eram dirigidos por homens. Havia uma tni- ca excecao: a diretora do G.E. Maria José, da Capital (Antunha, 1976). Sem contar que dos circulos de in- telectuais e de educadores paulistas, como o Instituto de Educagdo, fundado por educadores muito atuantes da década de 20, © no qual se discutiam os rumos da educagao e as propostas pedagdgicas da época, participavam geralmente também s6 os homens. Um dos entrevistados, que frequentou esse Insituto, co- menta sobre os que 0s constituiam: “Em 1930, eu jé estava formado, o Lourengo Filho @ alguns outros educadores companheiros funda- 1am 0 Instituto de Educagao, fundagéo particular. Ele, Almeida Jr., Sampaio Doria, Franklin de Almei- da Campos, que era professor de fisiologia da Fa- culdade de Medicina, 8 outros nomes @ deram-nos Cad. Pesq. n.86, ago. 1993 20 que nos interessavam, que nos interessdvamos, deram-nos cursos, deram-nos cursos de varias dis- Giplinas. Almeida Jr. de biologia educacional, de siologia, 0 Frota e Franklin (2) também de fisiologi © Doria’ de Psicologia @ Lourengo Filho de ‘Escola Nova’, 0 curso de que saiu 0 livro dele Introdugao do Estudo da Escola Nova publicado nesta época." Nao é menos significativo que, até na Associagéo Beneficente do Professorado Publico de Sao Paulo {6190 representativo dos professores e atuante des- de 0 inicio do século, recepivo a reivindicagées, como a licenga-gestante, que beneficiavam as mulheres), @ articipagao das professoras fosse diferenciada. Assim, segundo Catani (1989. p.72), havia profes- sores que’ desempenhavam a fungo de ‘mordomos” da Associagaio, cujas atribuigées eram visitar mensal- mente os associados enfermos, providenciar assistén- cia médica € despesas com enterro, bem como re- presentar a diretoria nas questées de auxilio material E “pelas listas de mordomos que no primeiro ano fo- ram nomeados e depois eleitos, publicadas na coluna que noticiava 0 movimento da Associagao, constata- se a presenga exclusiva de mulheres. Em contrapar- tida, nos diversos cargos de diretoria e conselho fis- cal, nota-se a absoluta auséncia da participacdo de associados do sexo feminino Como se vé, as fungées reservadas 8s professo- ras dentro de sua propria associagdo eram aquelas consideradas “tradicionalmente femininas’, ligadas & assisténcia social. A posi¢ao ocupada pelas professo- ras na Associagdo rellete suas pequenas possibilida- des reais de ascensdo na carreira piblica, ou seja, 0 dificil ou quase impossivel acesso a cargos diretivos, destinados aos homens. Enquanto as mulheres per- maneciam nas salas de aula, os professores galga- vam rapidamente postos de planejamento, diregao © chefia. Os homens ingressavam numa profissao femi- nina e mal remunerada para a maioria, porém numa “carreira’ efetivamente masculina. Todos estes elementos nos levam a lembrar aq as observagies de Michael Apple sobre a feminiliza- 0 de profissdes, e a sua pertinéncia ao que foi Constatado neste conjunto de relatos de professores: “igualmente importante 6 0 fato de que & medida que empregos — auténomos ou ndo — sao preenchidos por mulheres, hd mais tentativas de controlar exter- namente tanto 0 contetido como os processos desses empregos. Assim, a separagao da concepoao @ exe- cugao, © 0 que veio a ser chamado de desqualificagéo @ empobrecimento de certos empregos constituem um conjunto de forcas extremamente atuantes sobre 0 trabalho feminino” (Apple, 1988). Realidade ou fantasia, no se poderia, para en- cerrar, deixar de anotar aqui a historia que se conta, entre as entrevistadas, sobre a expulso das profes- soras da Escola Normal da Praga. Ela retrata como as mulheres percebiam 0 controle que os homens lhes tentavam impingir e como reagiam a essa situa- ao: ‘€ ...a expulsio das protessoras, isso foi no co- meso, exatamente quando a Caetano comegou a crescer, porque a Caetano era a Escola Normal 13 da Praga. E ela comegou a crescer. E quando 0 crescimento chegou a um ponto, assim, resolve- ram que s6 professores dariam aula ld. E dispen- saram as professoras. As professoras foram pra escola do Bris. Isso foi.. 6... 29, 30, por ai. E elas foram ld pra Escola do Brés. Eu sei que elas sairam e foram pra Escola do Bras. Mas quando chegaram na Escola do Bris, elas quiséram mos- taro valor. Entéo, cada_uma montava 0 curso mais dificil que a outra. E tome matéria. Os alu- nos que aguentassem. Mas elas quiseram mos- tar esse valor. E interessante que, se vocé se reportar, depois, & grande melhoria da Caetano de Campos, vocé vai ver que séo professores for- mados pelo Brés. Vocé tem a Noemy Silveira, a Juventina Santana. Todas séo formadas pelo Brds. E. Elas estudaram no Brds. Depois elas vie- ram, ocuparam 0 Gabinete de Psicologia, 0 Ga- binete de Pesos © Medidas, certo? Na Castano, quer dizer, elas se projetaram.” Mais uma vez, no magistério, 0 questionamento das tentativas de controle se fazia, entre as mulheres, através da demonstragao da competéncia. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ANTUNHA, Helio C. Gongalves. A Instrupao publica no Estado de Sao Paulo. a reforma do 1920, Sao Paulo: FEUSP, 1976. APPLE, Michael. Ensino e trabalho feminino: uma andlise com- parativa da histéria e ideologia. 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