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PSIC - Revista de Psicologia da Vetor Editora, v. 7, nº 1, p. 29-38, Jan./Jun.

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O professor em sala de aula: reflexão sobre os estilos de aprendizagem e a


escuta sensível

Teresa Cristina Siqueira Cerqueira – Universidade de Brasília

Resumo
Este trabalho envolve uma reflexão sobre os modos de aprender em contextos educacionais. Nesse sentido focaliza o
aprendente e o ensinante em suas relações, considerando como ocorreria o processo ensino/aprendizagem se ambos
praticassem na sala de aula o exercício da escuta sensível. Discute-se ainda as contribuições sobre os estilos de
aprendizagem e o que esse conhecimento pode trazer para o processo educativo. Como conclusão discute-se que o
aprender resulta do diálogo entre o saber e o conhecer, que passa por uma relação de empatia entre quem aprende e quem
ensina. Lembra-se ainda que a relação referida é dialética entre os processos de ensinar e aprender, pois é o contexto que
favorece que a verdadeira aprendizagem ocorra, resultante desse sentimento de identificação entre os pares, que é o
ponto de apoio para a escuta sensível.
Palavras-chave: processo educativo; estilos de aprendizagem; escuta sensível.

The teacher at the classroom: a reflexion about learning styles and sensitive listening

Abstract
This article involves a reflection about the ways of learning in educational contexts. To attain this objective, it focuses
on the relationships between the student and the teacher, considering how the process teaching/learning would occur
if both partners developed a sensitive listening. Also the many contributions about the learning styles and how this
knowledge could help the educative process are analyzed. As a conclusion, it is discussed that learning results from the
dialogue between knowledge and curiosity, in a dialogue that goes through an emphatic relation between student and
teacher. It is also explained that our subject is a dialectic relation between the teaching and learning processes, since this
is the context that supports the occurrence of true learning, as a result of the feeling of identification between pairs,
what is the basis of sensitive listening.
Keywords: educative process; learning styles; sensitive listening.

El profesor en clase: reflexión sobre los estilos de aprendizaje y la escucha sensible

Resumen
Este trabajo ha involucrado una reflexión sobre las formas de aprender en contextos educacionales. En ese sentido ha
focalizado el aprendiz y el profesor en sus relaciones, considerando como acontecía el proceso enseñanza/aprendizaje
si los dos practicasen en clase el ejercicio de la escucha sensible. Se han discutido todavía las contribuciones sobre los
estilos de aprendizaje y lo que ese conocimiento puede contribuir para el proceso educativo. Como conclusión se ha
discutido que el aprender es resultado del diálogo entre el saber y el conocer, que pasa por una buena relación entre
quien aprende y quien enseña. Se ha resaltado todavía que esa relación es dialéctica entre los procesos de enseñar y
aprender, pues es el contexto quien favorece que el aprendizaje verdadero suceda como resultado de ese sentimiento de
identificación entre los pares, que es el punto de apoyo para la escucha sensible.
Palabras clave: proceso educativo, estilos de aprendizaje, escucha sensible.

Introdução presentes no outro, nos espaços externos, acionam


nossas estruturas mentais movimentando nosso orga-
O nosso estar no mundo é repleto de ações que nismo, corpo, esferas dramáticas e cognitivas, trans-
nos levam a aprender. A aprendizagem, por sua vez, formando-se em conhecimento que se incorpora em
acontece num entrelaçamento entre informação, co- nossos saberes. Dessa maneira, o saber se constitui a
nhecimento e saber. As informações que recebemos partir das experiências e vivências do nosso cotidia-

Endereço para correspondência:


SQN 315 Bloco H Apto. 304, Brasília, DF – 70.774-080 – teresacristina@unb.br
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no, e nossas aprendizagens primeiras acontecem em professoras; vínculos afetivos, cognitivos e sociais, os
nossas relações familiares, somente mais tarde ingres- estilos de aprendizagem e a escuta sensível. Concei-
samos na escola ampliando nossas relações sociais. tos esses que servirão como norteadores para a cons-
É nessa dialógica entre informação, conhecimento trução do conhecimento, pois temos clareza que esse
e saber que nos constituímos sujeito epistêmico. To- processo é individual e interno de cada um, nossa in-
davia, nem sempre nossas experiências com o apren- tenção é que ao final da leitura cada um possa cons-
der são bem sucedidas e geralmente, os insucessos truir seu próprio conceito. Acreditamos que algumas
são evidenciados no espaço escolar, pois é nele que o abordagens teóricas referentes à produção de sentido
sujeito aprende novos saberes, ou seja, transformam no espaço escolar, bem como às concepções interacio-
os saberes cotidianos em saberes científicos. Resta- nistas de aprendizagem e à escuta sensível poderão
nos saber como tem sido essa transformação: será contribuir para essa construção a qual propomos.
que tem sido com sabor ou dissabor? Sendo assim, na primeira parte discorremos sobre
Nesse sentido, se desempenhamos na sociedade a importância da produção de sentido no espaço es-
um papel de professor faz-se necessário compreen- colar para que aconteça a aprendizagem, tendo como
dermos que é essencial conhecermos como acontece referencial a abordagem interacionista de aprendiza-
a aprendizagem, ou seja, como se dá o desenvolvi- gem e a escuta sensível, e na segunda parte levamos
mento humano e como deveria ser o processo educa- em consideração o papel do professor em sala de aula
tivo. Dessa forma, é essencial refletirmos sobre os e o estilo de aprendizagem.
seguintes questionamentos: Como a criança aprende?
Como acontece o processo de aprendizagem? Como O espaço escolar como produção de sentido
ou quando pode ocorrer a intervenção do professor? A escola foi institucionalizada no auge da “Revolu-
Quais influências dos atravessamentos no processo ção Industrial” a fim de sistematizar o conhecimento
de aprendizagem da criança? Será que os atravessa- construído pela humanidade ao longo de sua história,
mentos influenciam no processo? Como o professor dentre outras coisas mais. Sabemos que desde sua
age diante desses atravessamentos? Os vínculos es- criação as concepções de aprendizagem basearam-
tabelecidos entre professor/aluno influenciam nesse se nas correntes inatistas e empiristas. A primeira
processo? E o papel do professor, como esse se defi- baseia-se na idéia de que o “indivíduo é pré-determi-
ne? E o aluno, quais suas expectativas diante da es- nado biologicamente, tendo o ambiente pouca influên-
cola e do professor? Como seria a relação professor/ cia no seu desenvolvimento” (Brandão et al. 2002),
aluno com o processo ensino/aprendizagem se ambos ou seja, o sujeito já nasce inteligente, são os fatores
praticassem na sala de aula o exercício da escuta sen- maturacionais e herdados os constituintes do ser hu-
sível? Quais contribuições os estilos de aprendizagem mano e determinante do processo de aprendizagem.
podem trazer para o processo educativo? Os autores ressaltam ainda que a abordagem empi-
Os atravessamentos são variáveis externas ao es- rista concebe o sujeito como tábula rasa em que a
paço da sala de aula que em certo momento vêm à experiência é grande fonte de aprendizagem, e a mes-
tona e, muitas vezes, influenciam no processo educa- ma é confundida com memorização, repetição, fixa-
tivo como um todo. ção e cópia.
Com o intuito de aprofundar os estudos relaciona- No entanto, diante de tantas transformações ocor-
dos às questões da subjetividade do sujeito ensinante/ ridas na história da humanidade nos vemos em situa-
aprendente, podemos partir da suposição que o elo ções de mudanças. Existe uma consciência de que os
perdido da resistência com a aprendizagem poderia paradigmas educacionais também têm sofrido mudan-
estar na conexão/articulação das estruturas dramáti- ças significativas por vivermos numa era em que a
cas e cognitivas dos sujeitos (professor/aluno) que informação se processa rapidamente e a comunica-
aprendem e ensinam, ou seja, nos vínculos estabeleci- ção se faz essencial para compreensão e participa-
dos entre ambos. ção no mundo globalizado. Não estamos reinventando
Nesse sentido, abordaremos alguns conceitos que a roda, pelo contrário, os avanços tecnológicos nos
poderiam estar envolvidos nesse processo tais como, impulsionam para uma nova forma de ver o homem,
o papel do professor em sala de aula; interação entre que é aquele que participa das práticas sociais e é
o saber e o conhecer, como também entre alunos e ativo nos processos de aquisição de conhecimentos.

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Nesse sentido, vislumbramos uma escola que dei- trabalhar com a produção de sentido no espaço esco-
xa de ser transmissora de conteúdos para voltar-se à lar aconteceria no momento em que o trabalho peda-
formação do sujeito no seu sentido mais amplo. Não gógico da escola conquistasse sua autonomia, isso
podemos perder de vista que a escola deveria ser o possibilitaria a toda a comunidade escolar uma parti-
espaço comprometido com a humanização, concor- cipação efetiva, desde a construção do projeto políti-
damos com Vasconcellos (2003) quando comenta que co-pedagógico até uma simples decisão que venha
a perspectiva da humanização não é algo que nos re- ocorrer no espaço escolar.
mete a meras elucubrações filosóficas ou valorativas; Nesse aspecto, Villas Boas (2002) pode elucidar o
ela está presente a cada instante da vida do indivíduo, que estamos pensando, quando comenta que o que dá
na produção concreta da existência, uma vez que o direito de autonomia não é o professor ensinar o que
homem se constitui, se transforma, ao transformar. É quiser, da maneira como quiser e a quem quiser, mas
nesse sentido que queremos uma escola viva, dinâmi- o compromisso de garantir que cada aluno aprenda o
ca, pulsante, democrática; uma escola que enxergue que necessita aprender. Ter autonomia não significa
o sujeito como um todo, que valorize e respeite o ser desvincular-se do conjunto de normas educacionais
humano em todas suas dimensões emocionais, racio- básicas, mas criar os melhores meios de aplicá-las. A
nais e espirituais. Uma escola que possa contribuir escola que a sociedade democrática requer é aquela
para a transformação da realidade. capaz de implementar o seu próprio projeto pedagógi-
Por isso, é preciso lembrar que as grandes expe- co, elaborado coletivamente, devidamente atualizado,
riências humanas - amor, liberdade, felicidade, tecno- divulgado e avaliado por todos os interessados. Isso
logia, etc.; são perpassadas pela simbolização e, em pressupõe competência, seriedade, comprometimen-
alguma medida, pelo conhecimento - senso comum, to e rigor.
mito, religião, arte, ciência e filosofia (Vasconcellos, Nessa perspectiva de construção do projeto peda-
2003). O autor comenta ainda que, na medida em que gógico coletivamente levamos em consideração que
o professor estimula e ajuda o aluno a ter acesso à os temas abordados nas áreas do conhecimento pos-
cultura, refletir, imaginar, criar, atribuir valor, desen- sam ser relacionados com a realidade existente. Sa-
volver a consciência, ele trabalha com a produção de bemos que no dia-a-dia de nossos alunos, eles têm
sentido num contexto histórico e coletivo. contato com os números, os fenômenos naturais/físi-
As sociedades democráticas são capazes de de- cos e biológicos, com a escrita e a leitura, com o meio,
senvolver um tipo de educação que promova a conti- e é claro com o próprio corpo, no qual percebem sua
nua reconstrução da experiência individual e social. A saúde e seu movimento no mundo. Não importa se
concepção de sociedade discutida aqui é, portanto, a são jovens, crianças ou adultos.
sociedade que pressupõe a igualdade de oportunida- Já ouviram a história “A águia e a galinha?” É uma
des, de chances entre todos os indivíduos, na qual a história que Leonardo Boff (2001) a utiliza como uma
educação exerce a importante tarefa de propiciar os metáfora da condição humana. Cada um hospeda
instrumentos capazes de colocar os indivíduos em si- dentro de si uma águia. Sente-se portador de um pro-
tuação de competição pelos privilégios que a socieda- jeto infinito. Quer romper os limites apertados de seu
de democrática permite alcançar. Imaginamos que arranjo existencial. Há movimentos na política, na
praticar essa democracia no espaço escolar é contri- educação e no processo de mundialização que pre-
buir para a formação de crianças, jovens e adultos tendem reduzir-nos a simples galinhas, confinadas aos
para a ética e a cidadania dando-lhes oportunidades de limites do terreiro. Ele indaga: Como vamos dar asas
se sentirem proprietários do trabalho que executam. à águia, ganhar altura, integrar também a galinha e
Assim, acreditamos nas possibilidades de termos sermos heróis de nossa própria saga? Assim, perce-
escolas que desde cedo preparam os seus cidadãos ber a águia dentro de cada um desafia-nos a romper
para ter voz ativa, sendo dono de opiniões, pontos de com paradigmas enraizados em nossa sociedade, pre-
vista; que participem de debates, discussões; que pos- cisamos aprender a apreender essa condição huma-
sam cumprir seus deveres e lutarem por seus direitos na. Sugere que conhecer o humano é, antes de, mais
com autonomia; que possam conquistar sua liberdade nada situá-lo no universo, e não separá-lo dele. “Quem
de ir e vir agindo na participação das práticas sociais somos?” é inseparável de “Onde estamos?”, “De onde
existentes, com dignidade. Importante ressaltar que viemos?”, “Para onde vamos?”

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Um dos objetivos da educação não é simplesmen- como constituintes de todas as atividades aí desenvol-
te o de efetivar um saber na pessoa, mas seu desen- vidas, elementos de sentido e significação proceden-
volvimento como sujeito capaz de atuar no processo tes de outras zonas de experiência social, tanto de
em que aprende e de ser parte ativa dos processos de alunos quanto de professores. Sabemos que cada um
subjetivação associados à sua vida cotidiana (Gonzalez constrói sua história, vivencia fatos, experiências co-
Rey, 2001). Essa afirmação nos leva a enxergar o letivas e individuais.
aluno como aquele sujeito ativo na sua aprendizagem, Nesse sentido, acreditamos que a sala de aula é o
uma vez que ele se apropria do conhecimento, o mes- lugar em que há uma reunião de seres pensantes que
mo terá a ousadia de utilizá-lo na sua vida prática. É compartilham idéias, trocam experiências, contam his-
por isso que reafirmamos que devemos aprender e tórias, enfrentam desafios, rompem com o velho, bus-
ensinar aquilo que tem sentido para o estar no mundo cam o novo, enfim, há pessoas que trazem e carregam
dos alunos. Não adianta dizer que a terra é redonda, consigo saberes cotidianos que foram internalizados
se para aquele sujeito essa informação não faz o me- durante sua trajetória de vida, saberes esses que pre-
nor sentido, como também é inútil impor silêncio numa cisam ser rompidos para dar lugar a novos saberes. O
classe em que os pensamentos estão borbulhando e aluno precisa se apropriar das informações que circu-
precisam ser compartilhados. lam nos meios sociais e culturais para transformá-las
Entende-se que é importante valorizar as con- em conhecimento. Não podemos perder de vista que
cepções dos alunos, tratando-as respeitosamente, pois essas informações deveriam fazer sentido para a vida
é com base nelas que o conhecimento poderá ser cons- desse sujeito, para que ele possa ser articulado com
truído. Fundamental, também, questionar os conheci- suas ações, seus objetivos e seus sonhos e outras as-
mentos científicos e suas aplicações em relação às pirações que tenha.
condições sociais, políticas e econômicas, na época Com base na mesma lógica, Freire (1996) afirma
em que ocorreram e no mundo atual, para melhor com- que uma das tarefas da escola, como centro de pro-
preender o processo de construção de vida da huma- dução sistemática de conhecimento, é trabalhar criti-
nidade e individual. Dessa forma, tornar a escola um camente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e a
ambiente propício para a produção de sentido é pro- sua comunicabilidade. Ele revela ainda que o educan-
porcionar aos sujeitos, partindo das representações do deve assumir seu papel de sujeito da produção de
simbólicas já construídas, o acesso a novas represen- sua inteligência do mundo e não apenas o de recebe-
tações para que possam estabelecer as relações que dor da que lhe seja transferida pelo professor. É nes-
há entre o que já conhece e o que foi construído histo- se sentido que a escuta sensível do professor é
ricamente, socialmente e culturalmente pela humani- essencial para que o mesmo possa ajudar o aluno a
dade. reconhecer-se como construtor de seu conhecimen-
Ao lado disso, considera-se que todo conhecimen- to, acreditamos que é a partir desse (re)-conhecimen-
to perpassa por um senso comum, isto é, por um sa- to que aprendente e ensinante podem se conectar para
ber cotidiano que precisa ser rompido para dar lugar a um estabelecimento de relações que venham contri-
novos saberes. Entendemos que para tanto, o profes- buir para um avanço no processo de desenvolvimento
sor deve assumir um papel de organizador do ambien- para a aprendizagem.
te escolar e da sala de aula, proporcionando aos alunos Ao falar de escuta, Freire (1996) comenta que es-
situações que os levem a pensar, a desenvolver o ra- cutar é obviamente algo que vai mais além da possibi-
ciocínio lógico e a lidar com suas emoções, ou seja, os lidade auditiva de cada um. Escutar significa a
prazeres e desprazeres que a vida lhes oferece. disponibilidade permanente por parte do sujeito que
González Rey (2001) nos leva a uma reflexão que escuta para a abertura à fala do outro, ao gesto do
rompe com o sistema tradicional de ensino de que outro, às diferenças do outro. Isto não quer dizer, evi-
ensinar e aprender são relações de mão única (o pro- dentemente, que escutar exija de quem realmente es-
fessor ensina, ou seja, transmite o conteúdo e o aluno cuta sua redução ao outro que fala. Isto não seria
decora esse conteúdo sem questionar e discutir); o escuta, mas auto-anulação. A verdadeira escuta não
mesmo autor nos propõe a idéia de que a sala de aula diminui em nada, a capacidade de exercer o direito de
não é simplesmente um cenário relacionado com os discordar, de opor-se, de posicionar-se. Pelo contrá-
processos de ensinar e aprender. Nela aparecem, rio, é escutando bem que me preparo para melhor

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colocar-me, ou melhor, situar-me do ponto de vista daqueles que indiretamente influenciam o espaço es-
das idéias. colar.
Desse modo, ao escutar, o professor abriria espa- Dessa maneira, pensamos que é preciso que o pro-
ço para compreender a dinâmica estabelecida em sala fissional da educação esteja em constante formação,
de aula, pelo aluno, como a construção de seu conhe- pois é ele e seu aluno que ocupam o espaço da sala de
cimento e também de sua subjetividade. Se de um aula, são eles que lidam cotidianamente com a dinâ-
lado temos o aluno buscando novos saberes, do outro mica do aprender/ensinar e com todos os atravessa-
deveríamos ter o professor que investiga, observa, mentos. A afirmação de Vasconcelos (2003) enfatiza
escuta, propõe situações problemas, intervem e orga- que o professor para se atuar verdadeiramente como
niza o espaço para que a aprendizagem se concretize. tal deve considerar sempre a realidade da sala de aula,
É por isso, que aprender/ensinar só faz sentido para sabendo que é com os alunos que ali estão que ele
cada um dos envolvidos nesse processo se houver uma terá que trabalhar e, além disso, que a escola e o país
conexão entre as partes, se na sala de aula, como são aqueles elementos que terá que considerar.
propõe Barbier (2002), for possível sentir o universo Por isso, não podemos perder de vista que a cada
afetivo, imaginário e cognitivo do outro para poder ano letivo, cada classe, cada aluno, cada professor é
compreender de dentro suas atitudes, comportamen- único. Devemos ter a consciência que no universo
tos e sistema de idéias, de valores, de símbolos e de escolar existe um imaginário social que se constrói e
mitos. precisa ser reconhecido. Esse reconhecimento nos le-
Consideramos esse um dos desafios para a cons- varia a compreender como professores e alunos pen-
trução de uma educação de qualidade, pois ao falar- sam e atuam no espaço escolar, pois esse espaço é
mos em sentir o universo afetivo, imaginário e cognitivo temporalmente contextualizado. Nele, existem regras,
do outro. Com isso, estamos nos referindo à constru- combinados, histórias, fantasias, mistérios, formalida-
ção de um novo saber, de um saber singular que im- des, enfim, uma série de coisas que influenciam e con-
pulsiona o desejo tanto do aluno quanto do professor, tribuem para a produção de sentido na educação.
pois sabemos que tanto um, quanto o outro, são sujei- Perceba que ao citarmos educação, estamos fa-
tos subjetivantes e objetivantes, ou seja, os dois se lando num sentido de conduzir o sujeito para fora de si
movimentam nas dimensões do corpo, do organismo, mesmo, mais livre, criativo e inventivo. Queremos rom-
da inteligência e do desejo para desenvolverem-se nos per com aquela forma de fornecer, trazer, dar, tendo
seus processos de aprendizagem. como objetivo um ensino passivo e alunos imóveis.
Cada um, com sua singularidade que participa de No entanto, temos consciência de que existem dentro
ambientes sociais diferentes, apresenta-se ao mundo do espaço escolar conflitos que ora se mostram visí-
de maneira distinta, acredita-se que cada pessoa tem veis e invisíveis entre estas concepções de escola.
seu mundo privado, ao lado dos demais. O mundo é o Nem sempre as mudanças educacionais que se anun-
lugar do encontro, onde nós reencontramos os instru- ciam se concretizam no cotidiano das escolas.
mentos que construíram nosso próprio mundo. Nesse O desafio está lançado, o sentido da escola está
sentido, Freire (1996) propõe que ensinar exige com- inserido em muitas outras formas de construção e
preender que a educação é uma forma de interven- compreensão da realidade do que, propriamente, na
ção no mundo. É quando somos capazes de sentir o rede curricular, nos trabalhos de sala de aula, nas pro-
outro tanto na sua dimensão cognitiva quanto dramá- vas e avaliações, nos resultados escolares. Entende-
tica, quando somos capazes de participar das coisas mos que o sentido da escola está no olhar, na escuta,
que acontecem ao nosso redor sem estarmos aliena- no sorriso, nos afetos e desafetos, nas intrigas, no re-
dos, pois poderíamos dizer que a objetividade do sujei- descobrir a alegria do conhecimento, a aventura da
to pode ser questionável, no entanto, não podemos imaginação.
dizer o mesmo em relação a sua subjetividade. Daí a Nesse aspecto, acreditamos que fazer da escola
importância em estarmos atentos ao “mundo” do su- um lugar que reconheça crenças, desejos, fantasias,
jeito aprendente. Um mundo, que vem recheado de valores e os saberes espontâneos trazidos pelos alu-
mitos, crenças, valores, fantasias, ideais, com o qual é nos proporcionariam aos profissionais da educação
preciso entrar em contato utilizando o conhecimento, abertura de espaços para romper com a resistência
tanto dos profissionais envolvidos na educação, como ao desconhecido revolucionando assim as práticas

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pedagógicas.Desse modo, levaria os profissionais a desejo de quem aprende e também de quem ensina,
refletiram sobre o papel que desempenham em sala pois é o desejo que impulsiona os seres humanos a se
de aula como também possibilitaria que os mesmos movimentarem no mundo. Dessa maneira, entende-
reconhecessem seu estilo de aprendizagem. mos que sendo a educação intencional e sistemática,
que interage com a realidade, com o social e o cultural,
O papel do professor e o estilo de aprendizagem deveria encontrar meios de despertar o desejo para o
O espaço da sala de aula é um lugar privilegiado, processo de construção do conhecimento.Acreditamos
nela se encontram professores e alunos que partici- que uma das formas seria investir no conhecimento,
pam de ambientes sociais diversificados que necessi- no estudo dos problemas-chave da realidade, da con-
tam estabelecer uma convivência. Como lembra dição humana, a fim de capacitar os sujeitos para a
Vasconcellos (2003) o professor necessita colaborar intervenção.
com a formação do educando na sua totalidade – cons- Nessa perspectiva de construção do conhecimen-
ciência, caráter, cidadania –, tendo como mediação to alguns autores definem que o papel do professor é
fundamental o conhecimento, visando à emancipação ajudar os alunos a entenderem a realidade em que se
humana. encontram, tendo como mediação para isto o conhe-
Todavia, muitas características de cada um dos cimento. Para isso, como destaca Vasconcellos
envolvidos estão presentes nesse processo, uma vez (1993:31) “o professor lança mão da cultura acumu-
que estamos lidando com a complexidade do próprio lada pela humanidade; diante dos desafios da realida-
homem que se constitui ser humano, capaz de trans- de e coloca o aluno em contato com este saber”.
formar sua própria realidade, ao interagir com a cul- Vigotski (2003:77) ainda confirma que a “educa-
tura por ele produzida. Poderíamos dizer que algumas ção é realizada através da própria experiência do alu-
dessas características como consciência, ética, esté- no, que é totalmente determinada pelo ambiente; a
tica, vínculos, aprendizagem, diferenças, linguagem, função do professor se reduz à organização e à regu-
projeto, desejo, sonho, cultura, alegria, esperança, com- lação de tal ambiente”. O que indica que o professor
promisso, imaginação, criatividade e outros, articulam- deve buscar o fazer pensar e propiciar a reflexão crí-
se com o lado positivo do ser. No entanto, não tica e coletiva em sala de aula, ou seja, uma verdadei-
esqueçamos que essas características só existem por ra atividade interativa que possibilite processos
que há os seus opostos como ódio, inveja, egoísmo, mentais superiores. No pensamento de Vigotski (1987)
indiferença, exploração, mentira, crueldade, alienação, torna-se essencial sabermos que a intervenção do pro-
preconceito, entre outros. Não existiria o claro sem o fessor não pode estar muito abaixo do desenvolvimen-
escuro, o rico sem o pobre, o preconceito sem as dife- to real do aluno, nem muito acima do potencial, o que
renças, a verdade sem a mentira. significa em esforço para poder atingir a zona de de-
Sem dúvida é essa dualidade que nos constitui su- senvolvimento proximal de cada um presente na sala
jeito participante de um mundo repleto de informa- de aula.
ções que cada vez mais nos exige interação com o Assim, caberia ao professor ação consciente das
objeto de conhecimento, e para isso necessitamos do funções que desempenha na sua sala de aula. Essa
outro para nos desenvolvermos cognitivamente e afe- tomada de consciência os levaria a organizar seu tra-
tivamente para nos diferenciarmos dos demais. Dian- balho pedagógico de forma a desenvolver no educan-
te dessa complexidade que é o homem, e se do suas várias capacidades, como a de desafiar, de
acreditamos que o conhecimento é objeto de media- provocar, de contagiar, de despertar o desejo, fazendo
ção que possibilita a emancipação do ser, então, como com que ele realize, por meio da interação educativa,
enfrentar tal desafio em sala de aula? a construção do conhecimento (Vasconcellos, 1993).
Convém lembrar que na sala de aula nos depara- Assim, o professor agiria como facilitador das rela-
mos com todas essas questões, visto que é o lugar, ções e problematizador das situações. Mas, como isso
instituído pela sociedade, para a concretização das seria possível?
aprendizagens, lugar de encontro de pessoas que car- Acreditamos que o passo inicial seria por parte de
regam no seu íntimo quase todas essas característi- nossos governantes investirem na formação dos pro-
cas já citadas. Assim, para lidar com todas essas fessores. Pensamos que, à medida que as discussões
dimensões consideramos ser essencial despertar o inerentes à sala de aula se ampliem aos espaços aca-

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dêmicos e à comunidade escolar possibilitaria mais mento de competências que venham constituir uma
recursos à pesquisa e o próprio professor se sentiria identidade que seja marcadamente reflexiva e eman-
um ser-pesquisador. O sentido que gostaríamos de cipatória, chama-nos atenção que as mudanças mes-
empregar ao ser-pesquisador é aquele em que o pro- mo que ocorram lentamente, estão presentes no
fessor possa reconhecer sua sala de aula como um espaço escolar.
ambiente diversificado de idéias, contextos, sentidos Desse modo, entendemos que fortalecer compe-
e histórias. Ao lado disso, ela seria utilizada como um tências significa acreditar que nós, professores, dis-
lugar propício a novas descobertas, desafios e proble- pomos de um conhecimento prático adquirido no
mas que necessitam de soluções. cotidiano escolar, conhecimento esse que perpassa uma
Na mesma linha, pensamos que, uma vez que o pluralidade de dimensões. No entanto, nos tempos atu-
professor rompe com a idéia de que somente o aluno ais somente esse conhecimento prático não basta,
precisa se desenvolver cognitivamente e emocional- acreditamos que esses conhecimentos poderiam ser
mente, o mesmo poderia dar mais significado ao pro- apropriados à medida que os professores reconheces-
cesso de aprender/ensinar. Em termos práticos, sem os seus estilos de aprendizagem, os quais reper-
entendemos que os professores precisam dominar o cutem em suas maneiras de ensinar.
conteúdo que ensinam para poder transformá-los, para São vários os estudiosos que defendem a idéia de
que se integrem com aquilo o que os estudantes já estilo de aprendizagem e estilos cognitivos, podería-
conhecem, promovendo uma compreensão mais signi- mos estar citando alguns, mas nesse estudo optamos
ficativa. Conhecer os recursos culturais dos alunos em citar apenas suas concordâncias, mesmo porque
torna-se uma tarefa necessária para lidar com eles não há um consenso quanto às definições. Cerqueira
em sala de aula. Zeichner (2002) lembra inda que os (2000) em seus estudos confirma que eles concor-
professores precisam saber como tornar acessíveis dam em um aspecto: o fato de que os conceitos de
os conceitos mais complexos, bem como conduzir dis- estilo não implicam habilidade, capacidade ou inteli-
cussões e especialmente como avaliar seus alunos. gência. A autora ainda comenta que quando se traba-
Então, é essencial compreendermos que a tarefa lha com o conceito de estilo de aprendizagem, não se
do professor não é tão simples assim, pois além dele opera uma delimitação de um conjunto de habilidades
estar conectado com os estudantes é importante es- em si, e sim se trata de delimitar o modo preferencial
tar conectado a si mesmo, uma vez que estamos nos de alguém usar habilidades práticas, não havendo es-
referindo a uma educação que se preocupa com as tilos bons ou maus, mas apenas diferentes estilos de
questões cognitivas, afetivas e sociais. Para isso, não aprendizagem e estilos cognitivos.
podemos desconsiderar que o professor também pas- O estilo de aprendizagem chama nossa atenção no
sa por processos de desenvolvimento com relação à sentido de compreender que cada um tem um jeito
experiência pedagógica. Antes de ser professor ele é próprio de aprender e ensinar, no entanto, o professor
pessoa como qualquer outro que pensa, chora, entris- ainda ensina segundo seu próprio estilo de aprendiza-
tece, alegra-se, e que também pode errar. São nos gem sem levar em consideração que o aluno também
erros e acertos que sua experiência pedagógica am- tem um estilo de aprendizagem que é único. O que é
plia-se em conhecimentos, transformando sua sala de uma ação natural do ser humano, pois às vezes que-
aula num lugar prazeroso e dinâmico. remos que as pessoas aprendam da forma como apren-
Ignorar que os professores produzem conheci- demos, chegando até a mostrar passo a passo como
mentos seria medíocre, no entanto, percebemos que se faz.
no espaço escolar isso é pouco ou quase nada reco- Romper com paradigmas cristalizados é uma ou-
nhecido. Mesmo porque até então, as abordagens sadia, pois o professor além de ter consciência de seu
tradicionais educacionais ainda o enxergam como papel de organizador e mediador; de ser um “passa-
transmissores de conteúdos, como se os mesmos já dor” de conhecimentos, de finalidades, de significa-
os tivessem prontinhos para serem repetidos. Isso não dos, de sensações. Assim ele se depara com esse novo
é uma verdade absoluta, Freire (1996) ao dizer que o desafio de reconhecer que o estilo de aprender tem
cotidiano escolar, esfera de formação repleta de sen- relação com o seu jeito de ensinar, proporcionando
tido, vem nos formando em meio a situações que não uma revisão de sua prática pedagógica. Por isso, Cer-
se encontram no manual, o que pressupõe o fortaleci- queira (2000) propõe que o estudo e a análise dos

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estilos de aprendizagem oferecem aos indivíduos indica- brincar na hora do recreio, fazer um lanche
dores que os ajudam a guiar suas interações com as delicioso para as turmas do colégio. Faria tudo
realidades existenciais vivenciadas, facilitando um cami- para o bem das crianças, pois elas serão os
nho, por certo limitado, de auto e heteroconhecimento. adultos de amanhã. Por isso, quanto mais você
A mesma autora ainda sugere que conhecer os ensinar, amar, educar e brincar deixar que as
estilos de aprendizagem e elaborar propostas, deve- crianças se divirtam você estará fazendo um
ria ser posta em prática desde o início da vida escolar, grande bem para a nação, pois o mundo, as
se incorporada às instituições de ensino como um dis- crianças, os adolescentes, os adultos e os ido-
positivo dinâmico de intervenção sobre as didáticas sos precisam de amor, respeito, carinho, afeto
dos conteúdos escolares, não só disciplinarmente, mas e principalmente compreensão.
na própria prática didático-pedagógica. Enfim, con- (Aluna de 4ªsérie – Escola Pública do DF – 10
cluímos que o papel do professor se define como or- anos)
ganizador, passador de conhecimento, à medida que
ele reconheça que em sua sala de aula há distintos Tudo na vida tem um propósito, desde os atos mais
estilos de aprendizagem, inclusive o seu, e isso possa simples aos mais complexos, e o nosso, ao transcre-
levá-lo a buscar construir novos saberes que o desa- ver esse texto, foi de iniciar essa seção com uma es-
fie a aprimorar sua prática pedagógica. Ao professor cuta bem sensível, pois esse texto traduz quase tudo
cabe a tarefa de articular, problematizar, desafiar, fa- que necessita ser (des)velado nas escolas, na nossa
cilitar e mediar o saber com o conhecimento, então, é sociedade, enfim, no mundo. Por isso, buscamos a
essencial que para existir os vínculos cognitivos, afe- escuta sensível como um dos referenciais deste arti-
tivos e sociais de uma relação estabelecida com o outro go. Escutar no seu sentido mais simples é ouvir com
que aprende seja a partir de uma escuta sensível. atenção. Uma criança recém-nascida quando chora
Escuta Sensível – uma possibilidade para novos quer manifestar a sua mãe alguma mensagem que
vínculos. pode ser traduzida por fome, dor, manha, solidão, etc.
Pedimos licença para transcrever o seguinte texto: e sua mãe com seu instinto materno, ou melhor, dizen-
do, com sua intuição, sempre irá desvendar o mistério
Se eu fosse professora eu... dessas mensagens. De uma forma, ou de outra essa
Construiria uma escola cheia de jardins, par- mãe será perceptiva aos sentimentos dessa criança e
ques, piscinas, quadras de esportes, laborató- a acolherá para satisfazer seus desejos, pois na vida,
rios de informática, salas de inglês, de francês cada um de nós, “necessita da interpelação do outro
e espanhol, professores legais e simpáticos, au- como espelho ativo para encaminhar-se a seus valo-
las de arte, química, física, piano, violão, educa- res últimos e para deles fazer uma verdadeira força
ção física, de dicionário, coisas desse tipo sabe. interior” (Barbier,1998:169).
As minhas amigas claro com faculdade. Trata- Assim, inicia-se uma escuta sensível, que parte do
ria meus alunos sempre bem, seria legal, ensi- senso comum, de um simples ato de amor de mãe
naria, organizaria mutirões para pintar a escola, para com o filho, que rompe barreiras e passa a exis-
ajeitar as mesas, as cadeiras, limpar a parede o tir em outros espaços como hospitais, escolas, empre-
quadro, essas coisas. Também poderia fazer sas, em que há relações estabelecidas entre pessoas
uma vaquinha para ajudar as crianças carentes que em algum momento de sua vida necessitam de
e os adultos. Construiria um asilo para que não um acolhimento de ser escutado, ou para lidar com o
ficassem mendigos porque eles são seres hu- sofrimento, ou para lidar com alegrias. A escuta que
manos. Organizaria gincanas entre as turmas, iremos abordar serve para qualquer um desses espa-
faria piqueniques nas sextas-feiras para dar uma ços, no entanto, iremos dar mais atenção ao espaço
quebrada na rotina. Decoraria os murais, faria educacional, pois nele espera-se uma sistematização
campanhas pela paz, justiça, etc. Um mundo do conhecimento construído pela humanidade ao lon-
melhor se faz com amor, confiança, força de go de sua história a fim de fazer do cidadão uma pes-
vontade, alegria, e, principalmente inteligência. soa reflexiva, crítica e consciente de seus direitos e
Sabe, também poderia fazer caminhadas e sem deveres para que possa participar desse mundo com
falar de ensinar bem, dar banhos de piscina, dignidade e autonomia.

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O professor em sala de aula: reflexão sobre os estilos de aprendizagem e a escuta sensível 37

Quando se fala em conhecimento muitos aspectos Uma última característica citada por Barbier (1999/
estão envolvidos: relação de poder, currículo, proje- 2000) é que a escuta sensível é, antes de tudo, uma
tos, política, ética, compromisso, qualidade, vínculos presença meditativa. A pessoa que está neste proces-
estabelecidos, cultura, emoções, enfim uma série de so meditativo está em um estado de hipervigilância,
questões que de alguma forma influencia nesse pro- de suprema atenção, ou seja, o contrário de um esta-
cesso de construção da aprendizagem. Dessa forma do de consciência dispersa. Por esta razão, a escuta,
somos todos reféns de esquemas de representações neste caso, é de uma sutileza inigualável. A escuta é
e ações que nos atingem através de nossa família, de sempre uma escuta-ação espontânea. Ela age sem
nossa classe social e que nos conduz a um conformis- mesmo pensar que o faz. A ação é completamente
mo social inconsciente (Barbier, 2002). imediata e se adapta perfeitamente ao evento.
O aprender acaba sendo um diálogo entre o saber Enfim, Barbier (1998) conclui que a escuta sensí-
e o conhecer, assim esse diálogo passa por uma rela- vel e multirreferencial é importante na educação. Ele
ção de empatia entre quem aprende e quem ensina, afirma que o outro-que-escuta não tem de dizer “a
lembrando que estamos falando de uma relação dia- verdade” nem de proclamar “é preciso”. Deve sim-
lética entre ensinar e aprender, pois nesse contexto plesmente escutar e responder adequadamente à de-
acreditamos que todos são capazes de ensinar e apren- manda, freqüentemente implícita, do aluno, do
der. Esse sentimento de identificação entre os pares é professor, etc. Ainda com a palavra o autor confirma
o ponto de apoio para a escuta sensível. Como já cita- ser uma decodificação difícil, pois o mesmo entende
do anteriormente Barbier (2002) diz que o profissio- que, o conhecimento teórico e a experiência não bas-
nal que se propõe a trabalhar com a escuta sensível tam para sentir o que se deve fazer. Ele sugere que
deve saber sentir o universo afetivo, imaginário e apenas a escuta sensível que integra e ultrapassa ao
cognitivo do outro para poder compreender de dentro mesmo tempo a experiência anterior e o saber psico-
suas atitudes, comportamentos e sistemas de idéias, lógico, permite chegar a uma atitude justa e a um com-
de valores, de símbolos e de mitos. A escuta sensível portamento pertinente. E finaliza com a seguinte
e multirreferencial não é a projeção de nossas angús- indagação: por que insistir em tirar a venda daquela
tias ou de nossos desejos, ela propõe um trabalho so- pessoa que ainda precisa da escuridão sobre o seu
bre o eu-mesmo, em função de nossa relação com a rosto?
realidade, com o auxílio eventual de um terceiro ou- Concluindo nossas reflexões é importante frisar
vinte, que no caso desse estudo poderia ser o profes- que ficamos com a mesma indagação, mesmo porque
sor e/ou o professor – pesquisador. o silêncio do outro, os seus movimentos e a sua fala-
Outro aspecto considerado por Barbier (2002) é ção podem estar querendo denunciar muitos sentimen-
que a escuta sensível e multirreferencial não se fixa tos que se relacionam com a aprendizagem ou não.
sobre interpretação de fatos, ela procura compreen- Na sala de aula isso é bem visível, muitas vezes deixa
der, por “empatia”, como já foi dito, o sentido que existe o professor sem ação ou com ações exageradas diante
em uma prática ou situação. É como a arte de um de certas situações. Não podemos culpá-los, ao buscar
escultor sobre a pedra, que para fazer aparecer a for- a escuta sensível nossa intenção é justamente tentar
ma, deve antes passar pelo trabalho de vazio e retirar decodificar os sentimentos dos envolvidos no processo
todo o excesso para que a forma surja. O autor ainda de ensino/aprendizagem. Todavia, uma coisa é certa,
aborda que a escuta se apóia na totalidade complexa possibilitar o novo é ousado e desafiador, pois lacunas
da pessoa (os cinco sentidos) a postura que se requer existem e fazem parte de qualquer processo, principal-
para uma escuta sensível é uma abertura holística. mente quando nos referimos ao processo de ensinar e
Trata-se na verdade de se entrar numa relação de aprender que envolvem questões sociais, culturais, po-
totalidade com o outro, tomado sua existência dinâmi- líticas, econômicas, afetivas e cognitivas.
ca. Alguém só é pessoa através de um corpo, de uma
imaginação, de uma razão e de uma afetividade, to- Referências
dos em interação permanente. A audição, o tato, a
gustação, a visão e o olfato precisam ser desenvolvi- Barbier, R. (1998). A escuta sensível na abordagem
dos na escuta sensível. transversal. São Carlos: UFSCar.

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38 Teresa Cristina Siqueira Cerqueira

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Recebido em: agosto/2005


Revisado em: março/2005
Aprovado em: abril/2006

Sobre a autora:
Teresa Cristina Siqueira Cerqueira é doutora em Psicologia da Educação pela UNICAMP e docente da Universidade de Brasília – UnB.

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