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TEMAS EM DEBATE CConferéncia proferide no 1 Encpntro de Pesquita Educacional da Rlesido Amazbnice, promovide pelo CNPq em 198! A PESQUISA EDUCACIONAL NO BRASIL Guiomar Namo de Mello De Fundasdo Carlos Chagas ¢ da PUC de Sio Paul. © tema “A pesquisa educacional no Brasil” é sufi cientemente amplo para tornar, no minimo, ingénua qualquer tentativa de esgotdlo om umas poucas horas, Sendo assim vou limitar-me a a colocar algumas idéias ue expressam meu modo de entender certos problemas rolativot & pesquisa educacional entre nés. Com isto, pretendo estimular nosso debate, e contribuir para um processo de reflexdo a respeito da nossa prética de pes- ‘quisadores, 0 qual, espero, t ‘nosso encontro e se prolongard para além dele, comple- rmentado com outras informagées e pontos de vista di- ferentes dos que adoto. 'Nos Gltimos anos, os érafos que financiam @ pes quisa educacional tam estimulado a andlise e discusséo da politica nessa rea. Este encontro é um exemplo disso, do mesmo modo que o realizado no Nordeste 1no ano passado, Tém sido elaborados documentos a res- ppeito da politica de pesquisa om educagio, dos quai quero destacar a insisténcia da comunidade de edu- adores quanto &: 1. pobreza dos recursos destinados & pesquisa; 2. falta de maior autonomia na definicio de te ‘mas ¢ métodos; 3. desvinculagfo da pesquisa da realidade sécio: educacional do pats. Andlises anteriores jé insistiam om problemas se ‘melhantes. Cunha (1979) discutiu com bastante agudeza Cad. Pesq., Séo Paulo (46): 67-72, ago. 1983 8 vieses tedricos e metodolégicns da pesquisa em educa- ‘fo, entre os quais eu destacaria principalmente o estran geirismo, 0 tecnicismo, o sistemismo e 0 idealismo. Co mo 0S préprios termos sugerem, esse autor criticava en- to a dependéncia em relagdo a enfoques e metodologias desenvolvides em centros mais avancados ¢ importados sem um questionamento mais severo de suas bases filo- s6ficas e politicas. O tecnicismo e sua versio mais avan- Gada, 0 sistemismo, estariam entre importacdes desse tipo, Tals vieses condicionaram um modo determinado de entender 0 objeto da pesquisa educacional: reduzin- do-0 a seus aspectos estritamente técnico-operativos e/ou definindo as relagdes entre 0 processo educative ¢ a sociedade em termos de sistemas ¢ subsistemas harmé: ricos. Por outro lado, 0 idealismo responde pela ten- déncia sempre presente nos meios educacionais de dis- cursar sobre a melhor educacio criticando a existente, sem objotivar alternativas reais de transformagio desta tim, Joly Gouveia, j4 em 1971 e 1976, realizou levanta- ‘mentos de estudos na drea de educago nos quais aponta- tava para a oscilagdo temética existente na érea, com predominéncia de um ou outro tema sem uma linha teérica ou metodolégica que fundementasse a ténica privilegiada em diferentes perfodos (Gouveia, 1971 e 1976). 67 Uma reconstituiggo bastante répida e esquemé- tica do desenvovimento da pesquisa educacional entre és mostraria que, em seu inicio, ela foi fortemente marcada, nas décedas de 40 e 50, pela psicometria, Grande atenedo se dedicou 4 mensuracdo dos processos Psicoldgicos envolvidos no ensino-aprendizagem, espe: cialmente a0 desenvovimento de medidas no rendimento escolar. Fundado em fins da década de 30,0 INEP, en tio Instituto Nacional de Estudos Pedagégicos, possuta lum ativo servico de psicologia aplicada que trabalhava em testes de inteligéncia, de aptidées e de escolaridade. ‘A partir de meados da década de 60 foram criados © Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional e os Centros Regionais de Pesquisa Educacional. (Estou mencionando rincipalmente esSas instituigdes porque até esse periodo a5 universidades tinham pouca expresso na érea da Pesquisa educacional.) Com a criagio do CBPE ¢ dos CRPE que funcionavam em algumas capitais, e que se or- sganizaram por iniciativa de educadores como Fernando de Azevedo e Anisio Teixeira, @ énfase nos estudos psi- ‘colégicos foi substituide pela preocupaco com estudos sociolégicos. Passou a fazer parte do universo das pesqui- sas, principelmente a questo da organizagio social da escola e das relagdes entre educagio e sociedade de um modo geral, inclusive tomando como objeto os sistemas, de ensino dos varios graus em suas articulagSes com as demandas do desenvolvimento. Em meados da década de 60, com a reordenacéo sécio-politica que o pais viveu a partir de 64, mais uma vez muda a t6nica da pesquisa educacional ¢ os estudos de cunho sociokigico passam a ser substituidos princi- almente pelos estudos de tipo econémico inspirados direta ou indiretamente na teoria do capital humano. Temas como a Educagio e Investimento, Custos da Educa- fo, @ as relagses entre mercado de trabalho e formacso profissional s30 0s privilegiados nesse perfodo até por volta de 70/71 quando de novo comecaram a aparecer os estudos psicopedagégicos. Desta vez os trabalhos desse Gltimo tipo nfo mais se revestem da preocupacio psicométrica da década de 40/50 mas principalmente de uma preocupagéo técnica, E 0 momento dos estudos sobre curriculos, programas, estratégias de ensino e avaliacdo. Finalmente, essa orien tagdo psicopedagégica mais recentemente tem recebido muitas criticas, e comegaram a aparecer estudes mais amplos a respeito da politica educacional, e dat articu- lagdes entre educagio e sociedade. Volivel tematicamente e enviesada metodologica- ‘mente, @ pesquisa educacional tom se mostrado incapaz de contribuir de modo efetivo para ums real transform: eo da nossa educagdo e, conseqientemente, da reali dade social com a qual essa educagio interage. Entre as causas mais préximas dessa situaedo tém sido apontados ‘© modismo, 0 academicismo dos que fazem pesquisas, ¢ 0 descompromisso do pesquisador com as questées sociais e politicas. Como sous determinantes mais remo: 105, coloca-se a situago econémica do pais ¢ 0 préprio sistema dominante de relagées sociais que faz com que ‘apenas uma elite muito pequensa seja detentora dos graus mais avangados de conhecimento no seio do qual a pes: quisa educacional & produzida. Concorde com todss a criticas que so dirigidas & pesquisa educacional entre 68 1n6s. Queria entretanto, completélas com explicagses ue dizem mais de perto 8 nossa prética de profissionais da educacdo. Entre as causas mais proximas e os deter minantes mais gerais, falta a meu ver um nivel interme: didrio de explicagdo que considero importante captar se quisermos transformar essa prética, Suponho que a modificagéo dos determinantes cestruturais das falhas de nossa pesquisa educacional de- pendem de forgas e processos muito mais profundos, amplos e diversificados que aqueles envolvidos na pré- pria pesquisa. Por outro lado, uma ago a nivel das suas ‘causat préximas, como por exemplo a dentincia da coop- ‘tapdo que é feita através dos financiamentos da pesquisa ime parece pouco eficaz se no apontarmos alternativas ara enfrentar essa cooptacdo. E possivel que, nesse nivel intermediério de explicagdes, possamos conseguir elementos para uma aco transformadora da forma e do conteiido da nossa pesquisa, e & nele que eu gostaria de transitar um pouco. Desde jd quero deixar claro que meu transito ngo é tum passeio livre e descomprometido e sim um percurso corientado: poderia descrevé-lo como uma tentativa de descobrir as mediagdes pelas quais nosso contexto hist6- rico e social determina que produzamos este tipo de pes- quisa que estamos criticando. O que orienta essa minha tentativa é 0 desejo de obter respostas a duas indagagdes {que considero fundamentais: 1. Que tipo de contribuigdes a educacio tem a dar ara transformar nossa sociedade numa sociedade menos opressora da maioria do nosso povo e mai justa na distribuiggo dos beneficios produzidos pelo trabalho da maioria? 2. Quais as condicées, os limites e as possibilidades de uma pesquisa educacional comprometida com essa transformaggo da educaedo @ da realidade social? Se procuro explicitar essa orientagio 6 porque ndo ‘quero cometer aqui hoje, refletindo a respeito da pesqui +2, um equivoco que freqentemente é cometido na pré- pria pesquisa, ou seja, o de supor ou de querer fazer supor que seja possivel um conhecimento livre, descom- pprometido e neutro a respeito dos fatos humanos. Vou tentar entéo discutir um pouco 0 que eu estou concei- tuando como esse nivel intermedisrio de explicagdo e ue considero também como uma hipétese de trabalho. Parece-me que o modismo e a facilidade de coopta 40 que caracterizam a escolha dos temas e os enfoques de nossa pesquisa em educago e que, em dltima instan- cia, sd0 determinados pelas condigdes histéricas e estru- turais da sociedade brasileira, realizam-se pela mediag5o de dois movimentos que so mutuamente associados € ‘que 6 didaticamente poderiam ser separados. Vou cha- ‘mar_provocativamente essses dois movimentos de PO- BREZA TEORICA e INCONSEQUENCIA METODOLO. GICA. A respeito da pobreza tebrica acho que poderta ‘mos dizer que a volubilidade, 0 estrangeirismo e 0 modis- ‘mo temético da pesquisa educacional decorrem princi- palmente da inexisténcia de esquemas te6ricos inter- pretativos consistentes a respeito da natureza do seu objeto ou seja da natureza da propria educago. Em su- Cad. Pesq. (46) ago. 1983 ‘ma, poderia ser expressa da seguinte maneira:a pesquisa educacional, os pesquisadores, ou os educadores que fa- zem a pesquisa, no dispdem ainda de um modelo inter- pretativo, de um modelo tedrico que dé conta da educa- 0, que é, em principio, o proprio objeto da pesquiss. Na falta desse quadro teérico que permitiria com- preender a especificidade da educaeio sem abrir mio da sua complexidade, a pesquisa nossa érea adota modelos da psicologia, da sociologia ou da economia. O prego que em geral pagamos por isso é 0 de reduzir a educagdo apenas uma das dimensées que a constituem, ‘A questo do tema tornar-se-ia secundéria se consi- deréssemos 0 seguinte fato: uma teoria abrangente per- mitiria integrar temas educacionais os mais diversifica- dos numa visio de conjunto. Se a educagio é uma pré tica social complexa, se nela o individual e o social, 0 tebrico e 0 prético, 0 investimento @ o consumo, a trans: isso e a renovacdo, a estrutura e o imagindrio no po- dem ser separados, tudo em educacéo 6, em principio, relevante. E seria de fato relevante, caso a andlise dos dados obtidos por meio da investigacdo de temas especi- ficos pudesse ser articulada numa visio teérica e sintética do fendmeno educacional. £ dessa Gltima portanto que somos pobres e ¢ isso, a meu ver, que nos leva a impor- tar de outras ciéncias e de outros contextos sociais mo- delos tedricos que integrem nossas andlises. Foi assim com a teoria do capital humano e, mais recentemente ainda, com a teoria da violéncia simbélica. ‘Tem sido assim com 0 behaviorismo e o nfo-diretivismo da rea da psicologia, bem como com a teoria da priv ‘ed0 cultural na psicopedagogia. Citemos outros exer pplos. A partir da década de 70 multiplicaram-se os estu- dos de tipo psicopedagégico que se dirigiam as questées sobre novas metodologias, avaliacéo, organizago curri ‘cular ¢ estratégias instrucionais. Por outro lado, até mea- dos dessa década, a pesquisa educacional pouso atengo dedicou a0s estudos sobre a politica educacional mais ampla ou sobre 2 organizagdo social da escola. Esse vilegiamento temético no foi contingente, Decorreu das prioridades do MEC para a Educa¢o que, em ditima insténcia, influenciaram as fontes proponentes finan- ciadoras de pesquisa. Tais prioridades enquadraram-se, Por seu lado, nas estratégias de desenvolvimento adotado 110 pais eno modelo econémico concentrador da renda. Todavia no possivel chegar & anélise e a0 ques: tionamento da politica educacional estudando questées psicopedagdgicas. Ao contrério, supé-las separadas indica sérias dificuldades em se abordar a educacgo em sua tota- lidade. A avaliagdo e o curriculo so componentes apa- rentemente apenas técnicos de uma estratégia educacio: ral antes de tudo politica. Se o MEC incentivava este tipo de estudos, 0 que faltou aos educadores foi a poss bilidade de fazé-los de acordo com uma teoria mais abrangente do que as expectativas meramente técnicas ‘que motivaram o MEC. Restava saber como articular 2s

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