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Livro - O Atleta e o Mito
Livro - O Atleta e o Mito
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1 author:
Kátia Rubio
University of São Paulo
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All content following this page was uploaded by Kátia Rubio on 23 August 2021.
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Katia Rubio
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Conselho Editorial
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Katia Rubio
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katia rubio
O atleta e o
mito do herói:
o imaginário esportivo
contemporâneo
5
Katia Rubio
2ª- Edição
revista e ampliada
2021
6
Tenho sangrado demais
Tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri
Mas, esse ano eu não morro
(Belchior)
7
Katia Rubio
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A Hilário Rubio (in memoriam),
Darcy Donadi Rubio e
Toshihiro Rubio Nishida,
cabeça e cauda desse uroboros que me tornei.
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Katia Rubio
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Sumário
Introdução........................................................................................ 55
CULTURA CONTEMPORÂNEA:
ENTRE O MODERNO E O PÓS-MODERNO........................................ 63
Moderno, modernismo e modernidade................................................. 64
Pós-moderno, pós-modernismo e pós-modernidade.......................... 71
Cultura contemporânea e comunicação............................................... 79
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Katia Rubio
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- Pai, o que é um clássico?
Seo Hilário, homem tão sabido
que fez da vida um rito. Não daqueles
cambaleantes em veludos e sedas roxas
encimadas por ornamentos falseados
de dourado opaco, mas da rudeza crua
Prólogo do ordinário de todos nós. Flutuantes
do tempo imemorial, a forma desses
à 2ª
- edição tipos – os sábios – carregam na matéria
ruída do corpo as ruínas para a exegese
das marcas da existência de seu povo.
O
criador Passo depois de passo, comprimem
tudo de nós em si, por isto avançam os
de mitos e tornozelos vagarosamente, apoiando
grifogramas:
sobre os quadris tamanho acúmulo em
dorso pendente. Seo Hilário faz um
tipo de sábio mais esguio que os outros,
conto com estatura imponente e cabelos
sobre os de algodão. Ainda assim, conserva a
“clássicos”1
cadência dos passos com prudência
e das palavras com assertividade. Na
fábrica atendia pelo elevado Larião.
Sua imagem fusionada em forma entre
Rafael a materialidade do corpo avantajado
Campos Veloso e a robustez moral, tornou impossível
Este conto é livremente inspirado nas obras Porque ler os Clássicos - Ítalo Calvino;
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Katia Rubio
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Prólogo à 2ª- edição
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Katia Rubio
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Prólogo à 2ª- edição
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Katia Rubio
Silvia gritou pela irmã de algum cômodo nos fundos e a voz forte
encheu rápido a sala dando algum tempo a Seo Hilário. Sabia que
esse tempo seria só o da espuma das ondas deixadas na areia da praia
e a filha logo voltaria. Como a voz de Silvia ainda rodopiava pelas
paredes da sala, lembrou-se de sua vocação: - Essa menina sempre teve
tato pra ser professora... Pensou baixinho entre os lábios. Distraiu-
se com a doçura da lembrança da filha mais velha conduzindo a sua
mão rude de ferramenteiro sobre os botões e teclas do computador,
tentando ensinar-lhe das tecnologias atuais de que era avesso. Deu por
si novamente com o fato de que a professorinha também é uma alma
nova. Recuperou nas mãos o caderno de grifogramas que escrevia
folheando para trás e para frente num ritmo suficiente para emanar
brisa no rosto. O ritmo das folhas fundia a forma dos grifogramas
em sequência. As linhas cruzadas ganhavam movimento perdendo a
condição de encruzilhadas fixas. Ao deter os olhos só no movimento
viu trovas e aforismas se juntando, e por um instante sentiu calor na
espinha ao notar as matérias da Qualidade, da Liberdade e do Tempo,
cruzando-se em intersecções que escondiam a origem e o fim. - A
imagem! Darei a ela as imagens que cantam as matérias dos clássicos -
Exultou em tom forte, fazendo Neguinha sorrir novamente. - Imagens
das coisas que as palavras passam longe de dar conta!
Os gregos antigos, mesmo depois de abandonar os mitos
como modo de falar das coisas do mundo – em detrimento de outra
ficção, o logos –, ainda suplicavam às imagens os maiores desafios de
entendimento. Entre esses gregos sabichões, um deles, em especial, era
um grande criador de mitos. Num lugar chamado Academia – algo
parecido com o que chamamos de escola atualmente – para explicar
sua ideia de que a Verdade está no mundo que se pode pensar e não no
mundo feito das coisas que a gente sente, disse para quem o seguia, que
havia pessoas acorrentadas numa caverna que pensavam que o mundo
era feito de sombras que se mexiam na parede. Disse ainda que aqueles
que quisessem dominar a si no rumo da verdade, deveriam conduzir
uma carroça puxada por dois cavalos de temperamentos distintos; um,
galopa de alma dócil sobre o pavimento do mundo eterno; o outro,
afeito às coisas da alma concupiscente, tende a puxar as rédeas noutra
direção. - Um artesão das imagens alegorizantes... Admirou-se.
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Prólogo à 2ª- edição
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Katia Rubio
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Prólogo à 2ª- edição
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Prólogo à 2ª- edição
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Prólogo à 2ª- edição
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Katia Rubio
- Pai, as histórias que me contou sei que são novas para mim,
ao mesmo tempo sinto já ter ouvido de algum canto... É como
se o demiurgo e Dadá fossem a mesma coisa... E vivessem no
mesmo tempo!
- O que agora sente é a certeza de teu entendimento. Apenas deixei
alguns mitos cantarem sobre as coisas que formam os clássicos.
Pois os mitos e os clássicos vivem num tempo que não se pode
contar no relógio. São pedaços do universo da gente tampados pela
tampa do tempo, e como certa vez disse Juraildes da Cruz – um
sertanejo sabido – “quando a tampa do tempo destampa e o vento
vai, mas a porta do vento é sem tampa e tempo vem, quem tá leve
voa, quem tem pé no chão não cai”.
O passeio na horta de areia fez a manhã juntar com a tarde
interrompendo o rito usual. Seo Hilário desejava permanecer ali, onde
o tempo cronológico não consegue entrar, mas notou que Vó Maria
varria as folhas na calçada possivelmente para ganhar tempo até que
todos se reunissem para o café da tarde. O rito deveria prosseguir.
Retornando para dentro de casa, notou de soslaio que a sombra da
menina se deteve na soleira. Aquele calor – conhecido – avançou pela
espinha até a nuca, fazendo arrepiar os pelos do braço. Sabia bem da
última carta que a filha jogaria na mesa:
- Pai, quais os clássicos vivem nas coisas que acabou de me contar?
- Minha filha, por momento saiba que nenhuma história que fala de
outra história pode dizer melhor da verdade que a outra. Encontre
seus clássicos primeiro, ouça os doutos depois. Até mesmo os
sábios. Deve ficar atenta, tentarão te convencer do contrário
sempre que puderem.
- Agora vá minha filha, vai! Vá destampar a tampa do tempo e criar
o mundo.
Nesse dia Seo Hilário não se juntou aos outros para o café da
tarde. Os mitos que acabara de reviver cantavam-lhe aos ouvidos para
concluir o grifograma interrompido. Acomodou-se no sofá baixo e
sobre o arco das pernas desembainhou o lápis da página abandonada.
Numa trova rabiscou encruzilhada de Qualidade, Liberdade e Tempo.
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Prólogo à 2ª- edição
Fechou o caderno e viu que a capa tinha o título vazio. Sorriu um dos
cantos da boca, balançando a cabeça assertivamente como se tivesse
acabado de criar o mundo, rabiscando no título: ‘Passa Tempo;
Tempo Passa’.
***
Katia Rubio desejou ser atleta olímpica, mas escreveu um clássico.
‘O atleta e o mito do herói’ – produto de sua tese de doutoramento,
lançado em 2001 – mostrou-se um clássico aos interesses dos estudos
socioculturais do esporte e também à uma psicologia social do esporte
embrionária até os dias atuais. Sua trajetória a partir desta obra é
permanentemente marcada pela busca da interpretação das almas dos
atletas, variando apenas o objeto sociocultural nos temas investigados.
Neste percurso de excelência, Seo Hilário Rubio ainda teve tempo
de tomar emprestado um terno cinza e viajar para Brasília, junto de
Dona Darcy (Darcy Donadi Rubio), para ver a filha receber a Medalha
do Mérito Desportivo, das mãos do então Presidente da República,
Luís Inácio Lula da Silva.
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Katia Rubio
Boa leitura!
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Eu morreria feliz se visse o Brasil cheio,
em seu tempo histórico, de marchas.
Marcha dos que não têm escola, marcha
Prefácio
dos reprovados, marcha dos que querem
amar e não podem, marcha dos que se
recusam a uma obediência servil, marcha
à 2ª
- edição dos que se rebelam, marcha dos que
querem ser e estão proibidos de ser.
Paulo Freire1
O
atleta Sem o mito, toda cultura perde a
de 1997.
O nascimento da tragédia ou Helenismo e pessimismo. São Paulo: Companhia
2
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Katia Rubio
O uso da palavra iniciada em letra maiúscula indica sempre um sentido mais geral
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do tempo, posto que a sua discussão conceitual demanda um esforço teórico que
foge ao escopo do presente trabalho. O que não impede o leitor de encontrar, já
neste prefácio, mas principalmente ao longo do livro, as mais diversas indicações
sobre o que vem a ser o Esporte.
Huizinga, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva,
4
1971.
Dardot, P., Laval, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal.
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Prefácio à 2ª- edição
Ibdem.
8
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Prefácio à 2ª- edição
Campbell, J. 2007.
12
Ibdem, p.15.
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Ibdem, p.42.
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Prefácio à 2ª- edição
Ibdem, 119.
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Ferreira Júnior, N. S. O herói com rosto africano e o atleta olímpico negro. In:
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Katia Rubio
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Prefácio à 2ª- edição
tempo que lhe deu a chance de pensar o esporte a partir dos desafios
colocados pela sua sociabilidade cotidiana. Nesses termos, herói será
todo homem ou mulher que desafia as limitações históricas pessoais e
locais, alcançando, conforme Campbell analisa, “formas normalmente
válidas, humanas”, sendo as visões, ideias e inspirações dessas pessoas
fontes primárias da vida e do pensamento humano”20. Ancorada à
função arquetípica dos mitos, mais especificamente ao monomito de
Campbell, Rubio procura então escapar à hagiografia, recuperando
das trajetórias atléticas brasileiras a sua potência transvalorativa, ao
mesmo tempo que precarizadas pelas determinações sócio-históricas,
políticas e materiais. Através das experiências relatadas pelos atletas,
cenários de violência simbólica e de solidariedade, interdições e
constituição de vínculos, vão se constituindo de modo a nos apresentar
as vísceras de uma luta pela materialização da vontade de Ser/Estar no
mundo enquanto atleta. As ações e reações que decorrem dessa relação
quase sempre assimétrica entre racionalidades desumanizantes e a
busca pelo Ser-Mais, são ricas em ensinamentos e questões filosóficas
que nos ajudam a manter viva a pergunta sobre qual é o papel social
do Esporte em nossa época.
Filhos de seu tempo e contexto histórico, muitos desses atletas
são levados ao Esporte pelo acaso. Encontro não raro marcado por
experiências de arrebatamento e encanto, dada as características
da socialização nas práticas de modalidade esportiva e da relação
estabelecida com os Quírons21. Esse processo estabelece paralelos com
as mais espetaculares aventuras da mitologia. Pois se outrora o mote
das epopeias, tragédias e comédias foram as guerras entre impérios ou
a luta contra a ira dos deuses, as razões que justificam as experiências
iniciáticas dos heróis-atletas falam sobre a possibilidade de participação
em grandes projetos, a possibilidade de representação nacional, bem
como de escapar às condições precárias que a “vida” reservou à
infância. Por meio do Esporte, o indivíduo dá corpo a um desejo que
Ibdem, p.28.
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Prefácio à 2ª- edição
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Parry, J. et al., Sport and spirituality: an introduction. New York: Routledge, 2007.
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Prefácio à 2ª- edição
Ferreira Júnior, N. S., Rubio, K. Para onde vai o esporte sob a razão neoliberal.
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Benjamin, W. 2013.
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Prefácio à 2ª- edição
Ibdem, p.12.
31
Thomson, S., Ma, J. This is peak Olympic. In: The New York Times. February, 02,
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Prefácio à 2ª- edição
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Katia Rubio
2005, p.158-159.
Campbell, J. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 2007.
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Prefácio à 2ª- edição
Ibdem, p.372.
36, 37
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Katia Rubio
Ibdem, p.373.
38, 39, 40
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Há mais de duas décadas
persigo um tema que poderia ter
sido apenas uma tese. Jamais eu
teria imaginado que a proposta de
compreender o atleta pela aproximação
com o mito do herói chegasse tão longe
e promovesse estudos tão preciosos
ao esporte, mas, principalmente aos
atletas como os grandes protagonistas
do espetáculo e do negócio esportivo.
Quando comecei a fazer meu
doutorado, tese que resultou nesse
livro, queria compreender como se dava
a formação da identidade do atleta e a
relação dessa força com o mito do herói.
Causava-me incômodo a facilidade
com que jornalistas e comentaristas,
sem contar os fãs de toda a ordem, se
referiam a um jogador, basicamente do
futebol, depois de marcar muitos gols,
como herói.
Parece automática a relação, mas
apenas parece, uma vez que o mito do
herói é bem mais complexo do que uma
referência aos vitoriosos.
O herói é uma figura mítica que
se manifesta em todos as culturas. Se
apresenta com roupagens próprias de
Apresentação cada grupo social, entretanto carrega a
marca de alguém que precisa cumprir
à 2ª
- edição uma longa jornada até alcançar seus
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Apresentação à 2ª edição
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Apresentação à 2ª edição
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Ao contrário de heróis como Prometeu
ou Jesus, não nos empenhamos em nossa
jornada para salvar o mundo, mas para
salvar a nós mesmos...
Mas, ao fazer isso, você salva o mundo.
(Joseph Campbell,
O herói das mil faces)
Introdução
façanhas eram conhecidas apenas pela
tradição oral.
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Campbell, (1990) faz uso desse exemplo para abrir o capítulo A Saga do Herói, em
1
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Introdução
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Introdução
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Introdução
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Para os povos primitivos, caçadores
dos mais remotos milênios da história
humana, em que o tigre de dentes
de sabre, o mamute e as presenças
menos importantes do reino animal
constituíam as manifestações
primárias do diferente – a fonte
do perigo e, ao mesmo tempo, do
sustento –, o grande problema
humano consistia em tornar-se
psicologicamente vinculado à tarefa
de compartilhar as selvas com esses
animais...
Em nossos dias, esses mistérios
perderam sua força; seus símbolos
já não interessam à nossa psique...
O homem configura-se como aquela
presença estranha com a qual devem
as forças do egoísmo chegar a um
acordo, presença por meio da qual o
ego deve ser crucificado e ressuscitado
e à cuja imagem a sociedade deve ser
reformada...
O herói moderno, o indivíduo
moderno que tem a coragem de
atender ao chamado dessa presença,
Cultura com a qual todo o nosso destino deve
contemporânea:
ser sintonizado, não pode esperar que
sua comunidade rejeite a degradação
gerada pelo orgulho, pelo medo,
entre o pela avareza racionalizada e pela
incompreensão santificada.
moderno e o
(Joseph Campbell,
pós-moderno O herói das mil faces)
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Jameson (1997) considera que toda análise cultural isolada e disjuntiva sempre
1
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Cultura contemporânea: entre o moderno e o pós-moderno
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Cultura contemporânea: entre o moderno e o pós-moderno
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Cultura contemporânea: entre o moderno e o pós-moderno
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Cultura contemporânea: entre o moderno e o pós-moderno
Pós-moderno, pós-modernismo
e pós-modernidade
O momento pós-moderno é considerado como uma ruptura
iniciada pelo modernismo.
Utilizado num primeiro momento, de acordo com Anderson
(1999) na década de 1930 por Federico de Onís para descrever um
refluxo conservador dentro do próprio modernismo literário, foi
apenas vinte anos depois que o termo surgiu no mundo anglófono,
dentro de um contexto bastante distinto, não como categoria estética,
mas como de época. O autor defende que o pós-modernismo pode ser
visto como um campo cultural triangulado, por sua vez, em três novas
coordenadas históricas: no destino da própria ordem dominante; na
evolução da tecnologia; nas mudanças políticas de época, concluindo
que ele surgiu da combinação de uma ordem dominante desclassificada,
uma tecnologia mediatizada e uma política sem nuances. Anderson
(1999) buscou neste ensaio fornecer um balanço sobre a proposta
de pós-modernidade que identificasse de forma precisa suas diversas
fontes nos respectivos cenários espaciais, políticos e intelectuais, com
maior atenção para a sequência cronológica, tendo como propósito
secundário identificar algumas das condições que podem ter produzido
o pós-moderno, não como ideia, mas como fenômeno.
Analisando a pós-modernidade em termos de condição do
conhecimento nas sociedades mais desenvolvidas e colocando-a no
contexto da crise das narrativas, Lyotard (1989, p.11) concebeu o
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Cultura contemporânea: entre o moderno e o pós-moderno
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O chamado à aventura significa
que o destino convocou o herói e
transferiu o seu centro de gravidade
espiritual do âmbito de sua sociedade
para uma zona ignota. Essa região
fatídica de tesouros e perigos pode ser
representada de várias formas: como
uma terra distante, uma floresta, um
reino críptico, por sob as águas do
mar ou para além dos céus, uma ilha
secreta, o píncaro de uma montanha
grandiosa ou um estado de sonho
profundo; no entanto, é sempre
um lugar de seres estranhamente
fluídicos e polimórficos, tormentos
inimagináveis, fatos sobre-humanos
e impossíveis delícias.
(Joseph Campbell,
O herói das mil faces)
A relação entre futebol e cultura no Brasil é discutida por DaMatta (1982), Bosi
1
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O imaginário e suas estruturas
Rumo ao imaginário
Não se pretende aqui recobrir todo o caminho já trilhado por
outros autores como Paula Carvalho, 1985; 1990; 1999; Sanchez
Teixeira, 1988; Porto, 1994; Santos, 1998 para justificar o emprego do
imaginário como referencial paradigmático, não por se considerar a
discussão esgotada, mas suficientemente explorada e questionada por
aqueles que tinham esse objetivo. Não é o nosso caso.
Nossa escolha conduz a outras vertentes, sem negar o paradoxo
desta civilização, como aponta Sanchez Teixeira (1988), que recusa a
imagem em proveito do percepto e do conceito e que é incessantemente
solicitada, tentada e subvertida pelos grandes transbordamentos
do imaginário.
Buscam-se na atualidade novos caminhos que possam contribuir
para a compreensão e superação daquilo que se designa realidade.
Diante desse quadro a imaginação teve seu status alterado naquilo
que se refere à racionalidade porque passou a ser considerada como
uma possibilidade de extensão do ‘real’ ou daquilo que poderá vir a
tornar-se realidade.
Entende-se por real a interpretação que os seres humanos
atribuem à realidade. Essa realidade existe a partir das ideias, dos
signos e dos símbolos que são atribuídos à realidade percebida.
Na apresentação que fazem do imaginário Laplantine e Trindade
(1997) afirmam que o imaginário possui um compromisso com o real
e não com a realidade, que esta consiste nas coisas, na natureza; e
o real é a interpretação, é a representação que os homens atribuem
às coisas e à natureza. Os autores distinguem duas escolas que
conceituam e desenvolvem o tema a partir de uma discussão anterior
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O imaginário e suas estruturas
O imaginário sócio-histórico
Uma forma de conceber o imaginário, partindo de um referencial
sócio-histórico, foi pensada por Castoriadis (1982) onde a instituição
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O imaginário e suas estruturas
As estruturas antropológicas
do imaginário de Durand
Um outro caminho rumo ao imaginário é aquele aberto por
Gilbert Durand (1997, p. 18) que justifica, no prefácio da terceira
edição de ‘As estruturas antropológicas do imaginário’, o lugar e a vez
dessa abordagem: imaginário é esta encruzilhada antropológica que
permite esclarecer um aspecto de uma determinada ciência humana
por um outro aspecto de uma outra, e define-o como
o conjunto das imagens e das relações de imagens que constitui
o capital pensado do homo sapiens – aparece-nos como o grande
denominador fundamental onde se vêm encontrar todas as criações
do pensamento humano.
Essa proposta remete a uma re-organização da compreensão
da dinâmica do ser humano, naquilo que se refere a seus processos
subjetivos e sociais, representados tanto nas relações objetivas como
nas intersubjetivas.
Durand (1994) considera que todo pensamento humano é
representação, isto é, passa pelas articulações simbólicas, indicando
uma continuidade no homem entre o ‘imaginário’ e o ‘simbólico’. O
imaginário é assim esse conector necessário pelo qual se constitui toda
representação humana.
Paula Carvalho (1985, p.36), nessa mesma perspectiva, entende
que o imaginário é uma dimensão insubstituível de uma vida em
profundidade que se estrutura em cinco níveis de todo conjunto humano
estruturado: pessoas, interações, grupo, organização e instituição, e
sua positividade funcional não se reduz, o que permite assegurar
que entre o grupo e a realidade há sempre algo diferente das
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O imaginário e suas estruturas
O regime noturno e as
estruturas mística e sintética
Pautado no signo da conversão e do eufemismo está o regime
noturno das imagens, expresso nas estruturas mística – constituído
por uma simples e pura inversão do valor afetivo atribuído às
faces do tempo, onde a valorização é fundamental e inverte o
conteúdo afetivo das imagens (no seio da noite o espírito procura
a luz e a queda se eufemiza em descida e o abismo minimiza-se
em taça) –, e na sintética – axializado em torno da procura e da
descoberta de um fator de constância no próprio seio da fluidez
temporal, caracterizado pelo esforço por sintetizar as aspirações da
transcendência ao além e as intuições imanentes do devir (a noite
não passa de propedêutica do dia, promessa indubitável da aurora)
(Durand, 1997, p.230).
A estrutura mística
A estrutura mística pode ser caracterizada pela conjugação
de uma vontade de união e um certo gosto de intimidade secreta,
apresentados na forma de símbolos de inversão e de interioridade.
Podem estar expressos em imagens de encaixe, nas sintaxes de inversão
e de repetição, incitando a imaginação a fabular uma narrativa que
integre as diversas fases do retorno.
Na estrutura mística a descida precisará de maior precaução
que a ascensão na estrutura heroica. Para que esse intento se dê são
necessários escafandros, couraças ou a companhia de um guia ou
mentor. Nesse universo a descida arrisca-se, a todo o momento, a
confundir-se e a transformar-se em queda. O que vai determinar a
distinção entre a fulgurância da queda e a descida é a duração do ato,
a lentidão. Some-se a essa lentidão visceral uma qualidade térmica, um
calor suave, que em nada se assemelha ao fulgor ardente.
A descida está ligada à intimidade digestiva, ao gesto da
deglutição, caracterizando-a como um eixo íntimo, frágil e macio.
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O imaginário e suas estruturas
A estrutura sintética
A estrutura sintética pode ser chamada de harmonização dos
contrários, por nela estarem integradas, numa sequência contínua,
todas as outras intenções do imaginário, podendo-se verificar que
foram eliminados qualquer choque, qualquer rebelião diante da
imagem, mesmo nefasta e terrificante, mas que pelo contrário se
harmonizam num todo coerente as contradições mais flagrantes.
O gesto dominante da estrutura sintética é a dominante
copulativa e seus derivados motores rítmicos e adjuvantes sensoriais
que irão permitir representações simbólicas cíclicas, tendo como
função primordial dominar o tempo, representando o mito do
progresso, da evolução, numa indicação do futuro.
Se na estrutura mística a musicalidade era apreendida pela
melodia, na estrutura sintética ela se dá pela harmonização,
cuja função essencial é conciliar os contrários e dominar a fuga
existencial do tempo.
Para Durand (1997), os símbolos que constelam essa estrutura
são cíclicos por privilegiar a repetição infinita de ritmos temporais
e do domínio cíclico do devir. Para simbolizar estes dois matizes
do imaginário, que procura dominar o tempo, foram escolhidos o
denário e o pau, por representarem o movimento do destino e o
ímpeto ascendente do progresso temporal.
O denário nos introduz nas imagens do ciclo e das divisões
circulares do tempo, aritmologia denária, duodenária, ternária ou
quaternária do ciclo. O pau é uma redução simbólica da árvore com
rebentos, da árvore de Jessé, promessa dramática do cetro.
As duas categorias destes símbolos que se enlaçam no tempo
para o vencer terão o caráter comum de serem quase histórias,
narrativas, cuja realidade principal é subjetiva a qual costuma
ser chamada de mito. Tanto os símbolos da medida como os do
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A saga do herói consiste na aventura
de estar vivo.
(Joseph Campbell,
O poder do mito.)
A necessidade de incorporar
o mito e, mais especificamente, o herói
nesse trabalho, se deve em grande
medida ao fato de atualmente esse
modelo de ‘personalidade’ ser querido,
respeitado e utilizado como referencial
de projeção de alguém, que mesmo
tendo enfrentado as mais duras provas
e os piores inimigos traz consigo a
marca da vitória.
No entanto, ainda que seus
feitos sejam grandiosos e ganhem
registro secular, a busca impetrada
por esse personagem tem um alto
custo para quem se aventura em levá-
la a cabo e chega a ser considerada
uma atitude insana para aqueles que
não veem sentido nela.
De todo o modo, o que
procuraremos demonstrar ao longo
das próximas páginas é como o
chamado do atleta para a prática
esportiva se assemelha ao chamado do
herói pela aventura, e como esse mito
Mito e mitologia
Ao longo do século XX, os especialistas ocidentais alteraram
sua perspectiva de análise do mito, distinguindo-se dos estudiosos do
século anterior.
Afirma Eliade (1989) que ao invés dos estudiosos tratarem o mito
enquanto fábula, invenção ou ficção, demonstrando um emprego na
linguagem corrente bastante equivocado, passaram a aceitá-lo como
ele era concebido e entendido nas sociedades arcaicas: uma história
verdadeira, preciosa, por ser considerada sagrada, ao mesmo tempo
exemplar e significativa. Desde então, o mito tem sido explorado e
estudado por etnólogos, sociólogos e historiadores das religiões
enquanto tradição sagrada, revelação primordial e modelo exemplar.
Nas sociedades em que o mito está vivo, ele fornece modelos para o
comportamento humano e, por isso mesmo, confere valor à existência.
O significado que o mito carrega de maneira latente imprime
e, ao mesmo tempo, revela a tônica do momento por que passa um
indivíduo ou grupo social.
Campbell (s.d.) considera o mito parte integrante e indissociável
da existência humana. Para ele os mitos têm sido a viva inspiração de
todos os demais produtos possíveis das atividades do corpo e da mente
humanos, a abertura secreta através da qual as inexauríveis energias
do cosmos penetram nas manifestações culturais humanas (p.15).
Considerar o mito como elemento integrante e indissociável da
cultura, permite afirmar que as artes, a filosofia, as descobertas da
ciência e formas de organização sociais estão impregnadas de sentido,
na medida que surgem desse círculo básico e mágico.
A mitologia tem sido interpretada pelo intelecto moderno como
um primitivo e desastrado esforço para explicar o mundo da
natureza (Frazer); como um produto da fantasia poética das
épocas pré-históricas, mal compreendido pelas sucessivas gerações
(Müller); como um repositório de instruções alegóricas, destinadas
a adaptar o indivíduo ao seu grupo (Durkheim); como sonho
grupal, sintomático dos impulsos arquetípicos existentes no
interior das camadas profundas da psique humana (Jung); como
veículo tradicional das mais profundas percepções metafísicas do
homem (Coomaraswamy); e como a Revelação de Deus aos Seus
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Mitema pode ser definido, segundo Durand (1987: 253-54), como a menor unidade
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A Segundo Junito Brandão areté é a expressão daquilo que se poderia definir como
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O herói arquetípico
Campbell (s.d.) considera o herói como sendo o homem da
submissão autoconquistada, ou seja, submissão ao dilema e ao enigma
comum a todos os seres humanos, e que constitui a virtude primária e
façanha histórica do herói, que é a morte, morte que prescinde de um
nascimento, nascimento não da coisa antiga, mas de algo novo (p.26).
Por isso seu papel reside na tarefa de retirar-se da cena mundana
dos efeitos secundários e iniciar uma jornada pelas regiões causais
da psique, onde residem efetivamente as dificuldades, para torná-las
claras, erradicá-las em favor de si mesmo e penetrar no domínio da
experiência e da assimilação, diretas e sem distorções, daquilo que
Jung (s.d.) denominou imagens arquetípicas.
O conceito de arquétipo remete a possibilidades herdadas para
representar imagens similares, formas instintivas de imaginar, sem
ser inatas. São matrizes arcaicas onde configurações análogas ou
semelhantes tomam forma.
A partir da consideração do herói enquanto um arquétipo,
Campbell (s.d.) descreve essa manifestação arquetípica como sendo o
homem ou mulher que conseguiu vencer suas limitações históricas
pessoais e locais e alcançou formas normalmente válidas, humanas
(p.28), ou seja, as visões, ideias e inspirações dessas pessoas vêm
diretamente das fontes primárias da vida e do pensamento humano.
Em outras palavras, esse esquema tem um significado psicológico
tanto para o indivíduo – no seu esforço em encontrar e afirmar sua
personalidade – como para a sociedade – na sua necessidade análoga
de estabelecer uma identidade coletiva.
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O herói esportivo
Dentre os vários fenômenos que a sociedade moderna tem
produzido para a emergência de atitudes heroicas, o esporte tem
ocupado um dos lugares mais destacados.
O esporte contemporâneo, no seu processo de construção, sofreu
influência das transformações socioculturais e absorveu uma série de
características da sociedade industrial moderna.
Segundo Guttmann (1978), em função disso, características como
secularização, igualdade de chances, especialização, racionalização,
burocratização, quantificação e busca de recorde, princípios que
regem a sociedade capitalista pós-industrial, marcam indelevelmente
a prática esportiva, tendo o rendimento como o princípio norteador.
Mas, apontar apenas o rendimento enquanto elemento
marcante do esporte contemporâneo, apresentado como um dos
espetáculos da pós-modernidade, seria desconsiderar outros valores
que foram sendo transformados, principalmente a partir da década
de 1970, ou mais precisamente com a queda em desgraça do conceito
de amadorismo.
DaMatta (1986) afirma que a função do esporte no mundo
moderno tem uma ligação íntima com dois aspectos fundamentais
da vida burguesa: a disciplina – porque ensina e reafirma nas massas
os limites sociais como regras e deveres – e o fair play ¬– pois o
esporte trivializa a vitória e o fracasso, socializa o insucesso e o êxito
e banaliza a derrota.
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O mito, o herói e o atleta
da mídia por sua boa aparência ou simpatia, tem seu nome registrado
nos anais, mas cumprida sua trajetória tem seu brilho apagado.
Essas situações são experimentadas e comprovadas de dois em
dois anos – alternando Jogos Olímpicos e os Campeonatos Mundiais
das modalidades mais populares nas diversas nações como o futebol
no Brasil e em vários países americanos, europeus e asiáticos, mas
também o rúgbi na Nova Zelândia e Austrália, o football americano e
o beisebol nos E.U.A., entre outros – quando o esporte, então, ganha
amplo espaço na mídia e invade a vida mesmo daqueles que não são
seus adeptos e amantes, seja na forma das mais variadas espécies
de merchandising ou alterando os horários de trabalho cedendo ao
esporte e ao atleta um espaço nobre do seu dia a dia.
Quem mais, nas sociedades modernas, teria o poder da façanha
de deter a atenção de alguns milhões de pessoas com o intuito
exclusivo do entretenimento?
Não é por acaso que os mitos representados no esporte são
sobretudo de natureza heroica. Os feitos realizados por atletas,
considerados quase sobre-humanos para grande parcela da população,
somados ao tipo de vida regrada a que são submetidos contribui para
que essa imagem se sedimente.
O herói, enquanto figura mítica, vem representar o mortal, que
transcendendo essa sua condição aproxima-se dos deuses em razão
de um grande feito. A realização de prodígios é quase sempre uma
mistura de força, coragem e astúcia, caracterizando essa figura não
como alguém dotado apenas de força bruta, mas como uma figura
particular, capaz de realizar mais do que apenas a força lhe daria
condições.
Transpondo para os nossos dias temos no atleta de alto
rendimento uma espécie de herói onde quadras, campos, piscinas
e pistas assemelham-se a campos de batalhas em dias de grandes
competições.
É nesse sentido que Hillman (1993) propõe não mais procurar
os Deuses no Olimpo, nem nos antigos cultos, templos ou estátuas
do passado. Aponta o autor que, na atualidade, os deuses são vistos
em nossos eventos cotidianos, nas nossas desordens particulares, e
também públicas.
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levou MacClancy (1996) a organizar Sport, Identity and Ethnicity, onde são
apresentados dados como, na atualidade o esporte é considerado, juntamente com
o lazer e o turismo, a terceira maior indústria do globo, perdendo apenas para o
petróleo e a indústria automobilística. Essa posição de destaque tem contribuído
para que as mais diversas modalidade esportivas - olímpicas e não olímpicas -
praticadas por todo o planeta, sofressem profundas transformações ao longo dos
últimos anos, tanto do ponto de vista das modalidades em si, quanto da expectativa
dos praticantes.
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(...) O esporte hoje impõe sua própria
lógica, que não é necessariamente
aquela dos governos. O esporte não é
meramente um instrumento: ele está
se tornando um fim em si mesmo,
com seus próprios valores e seus
aspectos progressivos. A dimensão
internacional do evento esportivo já
aboliu fronteiras. O esporte dessa
maneira promove união. O esporte é
uma escola para a paz, e deveria ser
ensinado como tal. Por um excesso
de confiança, seria simplista pensar
que a prática esportiva é igualada
ao trabalho pela paz. Sem esquecer
todas as implicações estratégicas,
a diplomacia também tem a função
de reforçar a amizade entre os povos,
Da gênese
promovendo o diálogo entre eles
e expressando interesses opostos
ao esporte envolvidos, preferivelmente à
utilização da força.
contemporâneo (Boutros Boutros-Ghali)1
das Nações Unidas, na abertura da 49ª Sessão da Assembléia Geral das Nações
Unidas, em 25 de outubro de 1994.
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Da gênese ao esporte contemporâneo
Origens do esporte
Se em determinados momentos históricos a prática esportiva
esteve associada ao tempo livre, ao lazer e à profissionalização, sua
origem remete à sobrevivência, ao culto aos deuses e ao cumprimento
de rituais, visto a valorização de que desfrutavam as proezas corporais,
na forma de danças, ginástica e jogos (Huizinga, 1971; Magnane,
1988; Grifi, 1989).
A prática do exercício físico foi fator fundamental para o contexto
econômico dos povos primitivos, na medida em que suas atividades de
caça, pesca e o desenvolvimento de técnicas rudimentares de cultivo,
além de envolver a atividade física necessária para o desempenho
dessas funções, garantia a sobrevivência do grupo.
Nos primeiros tempos de sua existência, o homem vivia não
em condições paradisíacas, mas em dura luta pela existência, sob
imperativo das necessidades vitais mais imediatas (Diem, 1966; Jordão
Ramos,1983; Athayde, 1997). Apesar disso, era um ser que caminhava
sobre dois pés, erguido e com os olhos dirigidos para o céu, de onde
surgiam as forças contra as quais ele não podia vencer: o raio e o
trovão e as inundações, bem como o sopro do vento e a luminosidade
do Sol, a força da chuva e a misteriosa luz da Lua. A compreensão
desses fenômenos naturais, por vezes deslumbrantes em sua beleza e
esplendor, por outras aterradores e inexplicáveis, levou o ser humano a
desenvolver formas de simbolização, significação e interpretação, que
apresentassem uma finalidade para as circunstâncias de fartura e de
desastre impostas pela natureza.
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A Grécia e o esporte
Ao tratar do antigo esporte grego pisamos no terreno sagrado
da cultura. É conhecida a extensão da influência da cultura grega,
principalmente para o Ocidente, que forneceu os fundamentos de
nossa civilização. Parte do processo de formação do cidadão residia
no processo de purificação do espírito, vigente na ideia de que não era
possível a perfeição sem a beleza do corpo. Para tanto, o caminho da
educação integral, ou Paideia como a chamavam os gregos, não era
possível sem a educação física. Também o ideal da beleza humana para
o Ocidente nasceu dessa prática. Aos gregos devemos a máxima: Não
há educação sem esporte, não há beleza sem esporte; apenas o homem
educado fisicamente é verdadeiramente educado, e, portanto, belo. E
como ensinou Sócrates (Platão, s.d.), o belo é idêntico ao bom.
Vários eram os jogos realizados na Grécia Antiga, todos eles
em um período quadrienal, em diferentes cidades. Havia por parte
da população e dos organizadores dos jogos o cuidado de nunca
coincidir as datas das competições, permitindo assim a participação
dos habitantes das diversas cidades vizinhas na cerimônia (Gillet,
1975). Essa preocupação aponta para a associação entre a legitimidade
dos jogos e a quantidade de representações individuais vinculadas
aos seus locais de origem, ou seja, quanto mais atletas participantes
representando um maior número de cidades, maior a importância
daquela competição.
Os jogos Pan-Helênicos, denominação de quatro grandes
competições – Jogos Olímpicos, Píticos, Ístmicos e Nemeus – eram
realizados para celebrar homenagens a deuses como Zeus, em Olímpia,
Jogos Olímpicos; Apolo, em Delfos, com o nome de Jogos Píticos; em
Corintio, festejavam-se os Jogos Ístmicos a Poseidon; em Nemeia os
Jogos Nemeus, dedicados a Héracles; os Jogos Heranos, dedicados à
deusa Hera, esposa de Zeus, com a participação exclusiva de mulheres;
e os jogos Fúnebres, considerados os mais antigos e talvez precursor
dos Jogos Olímpicos, eram dedicados aos mortos, como descreve
Homero, na Ilíada, sobre a homenagem a Pátroclo; as Panateias, evento
realizado em honra a Athena, tendo sido construído especialmente
para esse evento, em 380 a.C. por Licurgo, o estádio Panatenaico, em
Atenas, e reconstruído e ampliado por Herodes Ático no século II,
para abrigar 50 mil espectadores (Godoy, 1996).
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O esporte na Odisseia
Muitos dos feitos heroicos confundem-se com a história. Ainda
assim, é possível constatar que, mesmo na literatura, o esporte é
descrito e apreciado como uma atividade respeitável, quase divina.
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O esporte moderno
O esporte e a atividade física chegam ao século XIX
acompanhando as transformações políticas e sociais que começaram
no século anterior – Iluminismo, Revolução Industrial e Revolução
Francesa – demonstrando, desde então, como diria DaMatta4,
uma tendência a servir como um bom veículo para uma série de
dramatizações da sociedade.
O esporte moderno resultou de um processo de esportivização
da cultura corporal de movimento das classes populares inglesas, cujos
exemplos mais citados são os inúmeros jogos com bola, e também
de elementos da cultura corporal de movimento da nobreza inglesa
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Diante da importância desse tema e das transformações por que tem passado o
6
papel da mulher no esporte Rubio & Simões (1999) construíram uma reflexão
sobre a participação da mulher no esporte.
Essa citação de Pierre de Coubertin em Princípios filosóficos do olimpismo
7
moderno foi encontrada em Cardoso (1996), juntamente com outras passagens que
evidenciam o preconceito do Barão também contra negros, índios e japoneses. Se
deixarem, logo os brancos estarão correndo atrás de negros, amarelos e vermelhos
nas pistas esportivas dos mundo (p. 10). Portanto, é de se supor que o esporte
enquanto elemento de congraçamento entre os povos é posterior a Coubertin e,
provavelmente, reflexo das políticas de aproximação entre as nações, consequência
das Grandes Guerras dos século XX.
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Minha vida é a história de um
inconsciente que conseguiu se
realizar. Tudo aquilo que habita no
inconsciente quer se tornar evento:
também a personalidade quer evolver
desde as condições inconscientes,
sentindo-se viver como totalidade...
Aquilo que se é segundo a intuição
anterior, e aquilo que o homem parece
ser sub specie aeternitatis só pode
ser expresso por meio de um mito...
Comecei hoje a contar o mito da
minha vida.
(Carl Gustav Jung,
Sonhos, memórias e reflexões)
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A. As histórias de vida
Os relatos orais têm se constituído desde o final do século
passado como uma técnica qualitativa por excelência. Eles permitem
que se considere o som e o tom da fala do entrevistado, a sutileza dos
detalhes da narrativa e as várias facetas do fato social vivido, sentido
e percebido, ainda que depois de transcritos esses relatos estivessem
submetidos às mazelas de toda expressão que se torna escrita2.
História oral é para Queiroz (1988) um termo amplo que
abrange uma vasta quantidade de informações a respeito de fatos não
registrados por outro tipo de documentação, ou cuja documentação se
quer completar. O registro dessa história é feito por meio de entrevistas
e colhe a experiência de um único indivíduo ou de diversas pessoas
de uma mesma coletividade. Ela pode captar a experiência efetiva
dos narradores além de colher tradições e mitos, narrativas de ficção,
crenças existentes no grupo. Por esse motivo, Queiroz considera que
Mayr (1994) afirma haver uma diferença entre linguagem e escrita, entre o “ouvir”
2
as palavras e “ler” as letras e que essa relação tem um papel decisivo na compreensão
hermenêutica da linguagem. O autor afirma ainda que essa diferença se encontra
na orientação mais “visual” dos gregos e mais “auditiva” dos hebreus (p.330).
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Ciente das críticas feitas ao método biográfico por ser apresentado como ‘individual’,
4
Ferrarotti (1983) aponta que essa afirmação é um erro grosseiro, na medida que
considera o indivíduo enquanto um ‘átomo social’. Para o autor o indivíduo é uma
síntese complexa de elementos sociais que pode ter seus elementos constitutivos
captados a partir de uma perspectiva de agente social de uma totalidade social.
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Porto (1993) referencia-se em Paula Carvalho para fazer essa distinção. Considera
5
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de limite de Urano (seu pai) em fecundar Gaia (sua mãe), Cronos põe
fim a isso, cortando os testículos do pai. Sua arma é uma foice, símbolo
da colheita, mas também da morte. Quem morre, porém, não é Urano
(ele é imortal): é seu reinado, que dá lugar ao de Cronos, e a uma
dimensão temporal. Cronos significa o Tempo: a fome devoradora da
vida, o desejo insaciável de evolução. Juntamente com Réia, sua esposa
e irmã, estabelece um reinado que se assemelha à era pré-consciente
da humanidade. Nesse período, o Tempo ainda está cego. A vida
não compreende a si mesma, e parece mais um simples fervilhar de
elementos confusos que propriamente uma evolução. Seres nascem e
morrem ininterruptamente, sem ordem alguma. Cronos devora seus
filhos. É Zeus quem ordenará o universo definitivamente, sendo o
princípio divino da espiritualidade, a nova ordem que surgirá com a
geração dos Olímpicos, que ao destronar o próprio pai, estabelecerá na
Terra a base das relações entre todos os seres.
De acordo com Brandão (1991), se na realidade Krónos, Crono,
nenhuma relação tem com Khrónos, o Tempo, semanticamente a
identificação, de certa forma, é válida. Crono devora, ao mesmo tempo
que gera: mutilando a Urano, estanca as fontes da vida, mas torna-se
ele próprio uma fonte, fecundando Réia.
A recursividade que reveste o mito indica sua condição cíclica.
Ainda que o tempo seja quase sempre visto como um elemento linear,
onde ao nascer o sujeito traça uma linha e por ela segue até chegar à
morte, numa noção de continum, tem-se também a concepção daquele
tempo que parece nunca se esgotar, transformando-se na medida que
se reveste de significado.
A concepção linear (ou aberta) do tempo, segundo Mazzoleni
(1992)6 caracteriza a moderna cultura ocidental, e foi a chave
Segundo Mazzoleni (1992), essas duas concepções de tempo são consequência dos
6
estudos antropológicos das primeiras décadas desse século (E. Webster, H. Hubert,
M. Mauss, G, Dumézil) e prosseguem na atualidade divididos em dois expoentes:
os antimodernistas (tempo cíclico, mítico) como Pettazzoni, De Martino, Brelich e
Lanternari; e os fideístas (tempo linear, histórico) como Triulzi, Miller, Papagno.
Ainda que, teoricamente, estejam divididos em dois grupos pode-se também
encontrá-los pertencentes a correntes ‘histórico-comparadas’ (que se contrapõe
ao ‘irracionalismo etnológico’ de Eliade); cognitivistas (próximos do pensamento
analógico de Lévi-Strauss); dialéticos (interessam-se pela relação tempo mítico/
tempo histórico).
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B. MITOCRÍTICA
A mitocrítica é apresentada por Durand (1993) como um método,
juntamente com a mitanálise, de análise científica situado na mais
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mitocrítica, modelo este que busca, por meio da apresentação redundante de temas,
o ‘mito pessoal’ que rege o destino individual dos seres humanos.
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Considerando o mito como o relato simbólico por excelência, Rocha Pitta (1999)
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atleta realiza uma parada de mão com o auxílio da parede, para que suas pernas
não ultrapassem o ponto de equilíbrio desejado. Se a parede não for utilizada o
ponto de equilíbrio pode ser ultrapassado, podendo resultar em alguns acidentes
como o descrito pela entrevistada.
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falhas inadmissíveis para uma menina que almeja ser ginasta. Por outro
lado, ‘brincar de fazer ginástica’ com outras meninas que não sabem,
mesmo que isso implique em acidente, ‘é normal’, como A. mesma diz.
Numa referência à sociedade contemporânea, Campbell afirma
que na infância vive-se sob a proteção ou a supervisão de alguém.
Essa condição se mantém, na ausência dos rituais de passagem, ao
longo da adolescência e, se a pessoa se empenha em obter um título
universitário, isso pode prosseguir até os trinta e cinco anos. A forma
de organização familiar, que reforça a dependência do sujeito ao
longo de sua vida adulta, impede sua auto-responsabilidade e torna-o
submisso, esperando e recebendo punições e recompensas.
Evoluir dessa posição de imaturidade psicológica para a coragem
da auto-responsabilidade e da confiança exige morte e ressurreição.
E esse é o motivo básico do périplo universal do herói. Determinada
condição é abandonada e é encontrada a fonte da vida, que o leva a
uma experiência rica e madura. Que uma condição – a infância em si
– foi abandonada e que foi encontrada uma fonte de vida, parece não
haver dúvida. Porém, se isso conduz a uma condição rica e madura é
difícil afirmar.
O mais difícil (da vida de atleta) é a correria, né. E o preparo
também. Eu treino segunda, terça, quarta, quinta, sexta e, as
vezes, elas (as técnicas), marcam treino de sábado (...) Eu estudo,
brinco a noite e faço lição, senão levo bilhete (...) e sem escola
não tem ginástica.
Estão dadas as provações e as experiências penosas para testar
a intenção, ou pretensão, de vir a ser uma grande atleta. A atitude
heroica dessa atleta se apresenta nos inúmeros desafios da tarefa que
vão sendo apresentados diariamente, a cada treino, a cada machucado,
a cada dor, pondo à prova a vontade de permanecer, perseguindo um
desejo e um ideal.
Quando ela me pede pra fazer alguma coisa muito difícil, a gente
concentra, pensa bem e faz. É só não ter medo, tirar o medo da
gente (...) Não pode roubar no preparo12 , sinal que poucas fazem,
preparação física e não cumprem o que está estipulado, fazendo aquém do número
de repetições determinadas ou então executando a rotina de maneira incompleta.
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ter flexibilidade, não chorar. (Por que não chorar?) Por causa que
dói. E se chorar, depois dói mais. E não pode fazer força contra,
senão dá câimbra.
Essas situações cotidianas, apresentadas como perigosas,
desafiam a todo o instante a coragem, o conhecimento e a capacidade
que habilitam A. a prosseguir. Campbell (1990) lembra que as
provações da jornada heroica são parte significativa da vida, sendo
que não há recompensa sem renúncia, sem pagar o preço, e que os
mitos lidam com a transformação da consciência, ou pelas próprias
provações ou por revelações iluminadas.
A dúvida que permanece, neste caso, é se o processo
experienciado por A. está sendo de fato assimilado, no sentido de
tornar-se consciência, ou se as exigências impostas pela prática da
modalidade devem ser cumpridas, sem contestação, perpetuando
um procedimento de ensino-aprendizagem que determina: ‘assim eu
aprendi, assim eu ensino, assim você executa’, tão comum no mundo
esportivo. E, diante do poder da relação técnico-atleta, só resta ao
atleta cumprir as exigências ou se desligar do grupo, pondo um fim
a sonhos e fantasias de uma vida repleta de realizações e conquistas.
Isso nos permite inferir que na fase de iniciação a influência exercida
por fatores externos são tão determinantes para a adesão à prática
competitiva quanto os fatores subjetivos, denominados pela Psicologia
do Esporte como motivação intrínseca13.
Para DaMatta (1986), a cultura é entendida como um mapa ou
receituário que está dentro e fora de cada um dos membros de um grupo
social, por meio do qual pessoas de um grupo pensam, classificam e
modificam o mundo e a si mesmas, no formato de regras, permitindo
que os indivíduos se relacionem entre si, com o grupo e com o ambiente
no qual ele está inserido. Temos, então, a caracterização do chamado
não apenas como uma disposição pessoal, mas também como uma
construção cultural, desse momento contemporâneo, que permite ao
esporte ocupar um lugar que já pertenceu ao mágico e ao religioso.
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C. 2. A busca do caminho
Se o início da jornada é marcado por um chamado, onde se
descerram as cortinas de um mistério de transfiguração, o momento
seguinte do périplo do herói se constitui na passagem por um limiar.
As surpresas de um novo parâmetro de vida estão sendo conhecidas e a
única certeza que se tem, diante do inesperado, é que o devir comporta
muitos perigos.
A modalidade praticada pelo sujeito dessa entrevista é o
voleibol, que ao longo da década de 1980 se transformou no
segundo esporte mais praticado no país, perdendo apenas para o
futebol. Essa condição foi assegurada por uma política de expansão
agressiva por parte da CBV (Confederação Brasileira de Voleibol),
pela conquista de um espaço na mídia, assegurado até então apenas
ao futebol, e pela conquista da primeira medalha de ouro olímpica
brasileira para uma modalidade coletiva, ocorrida nos Jogos
Olímpicos de Barcelona, em 1992.
Toda essa rica experiência acumulada ao longo desses anos
tornou o voleibol alvo de projeção e identificação de jovens com
um nível mínimo de habilidade e estatura privilegiada. Vários deles
chegaram ao estrelato e passaram a ver suas conquistas, tanto nas
quadras como na vida pessoal, como característica a ser explorada
e ressaltada. Com isso, o voleibol construiu uma imagem de esporte
vitorioso, bem estruturado e organizado, a modalidade certa para
jovens com um nível sócio-econômico diferenciado pela realização de
polpudos contratos profissionais com clubes e patrocinadores.
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O caminho de provas
A vida de D. é marcada por um fato curioso. Seus pais, uma ex-
atleta de voleibol e um árbitro dessa mesma modalidade, se conheceram
durante uma competição quando ainda eram muito jovens. Segundo
filho dessa união, hoje está com18 anos de idade, oito deles dedicados
à prática do voleibol. Quando criança morava em uma cidade do
interior de São Paulo, que não oferecia muitas opções de lazer, senão
a prática esportiva.
Comecei a fazer escolinha primeiro, depois fui para o time da
cidade. Joguei por uns dois anos pelo time da cidade. Como na
cidade não se tinha muito o que fazer, tinha que fazer esporte.
Ficar parado em casa eu não conseguia.
E assim D. se pôs, ou foi posto, no caminho da aventura.
Atendendo ao chamado para realizar seu mito pessoal, saiu da cidade
onde começou a jogar e veio para São Paulo, lugar que concentra
muitos clubes, grandes e médios, capazes de transformar um sonho
em realidade, e efetivamente começou sua jornada.
Em 94 vim fazer teste no W., passei e fiquei de 94 até 98.
Contudo, a entrada no clube não representou a garantia de que
a profecia se realizasse. Foi necessário que manifestações de distinção
acontecessem e que as particularidades que o diferenciavam dos demais
se manifestassem. Como na saga do herói, passou a realizar proezas
comuns num mundo de todos os dias até chegar a uma região onde
seus prodígios começaram a se concretizar.
Em 94 como não era o meu ano ainda, eu tinha mais um ano para
ser pré-mirim, para ser o primeiro ano de pré-mirim, que eu comecei
como titular, aí eu tive uma caída grande (...) Em 95 fui capitão da
equipe e titular até 97. Em 98 fui titular, mas não fui capitão (...)
eles preferiram que o capitão fosse o mais velho, o mais experiente.
A prova de que o caminho apenas se iniciava veio quando D.
se viu em meio a um processo de seleção em um dos clubes de ponta
do Brasil, competindo com mais de três mil atletas por apenas doze
vagas. É possível dizer que esse foi um dos momentos de sua iniciação,
no qual ele se viu obrigado a se defrontar com as forças que o fizeram
superar a si próprio, conseguindo seu triunfo.
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Fiz a peneira com outros três mil atletas (...) Tinha doze vagas e era
uma semana de peneira. Era o vestibular do vôlei (...) tanto que
quando um entra aqui tem até trote. Tem tudo. É um vestibularzão.
Esse momento é visto, no presente, como perigoso porque não
era possível ter o controle de si próprio na situação. Ele exigiu mais que
apenas habilidade e competência para superar o desafio posto. A luta,
muitas vezes traduzida e reduzida, de acordo com Brandão (1999), ao
que se denomina trabalho e agonística, é conferida aos heróis com o
sentido de valorização do guerreiro e do combate intrépido. É o caráter
de combatente que distingue, em certa medida, os heróis dos deuses.
Quer se trate de guerra ou de monomaquia15, a existência do herói é a
luta. Os deuses, não podendo morrer, pararam de lutar.
(A peneira) É uma guerra. É matar ou morrer. Ali você não tem
amigo. Naquela hora você não pode ajudar ninguém, só pode
pensar em você. É um querendo matar o outro.
O momento da batalha, como este, não permite qualquer
manifestação de fraqueza ou vacilação, de reações e sentimentos
que remetam o atleta à sua condição humana. É quando prevalece a
natureza do herói, no qual ele deve manifestar todos seus atributos, na
sua plenitude, ou então o projeto sonhado corre o risco de se acabar.
É muito ingrata essa peneira. Na semana você pode estar bom
como não pode. Se aquela é a sua pior semana, o pior dos seus
dias, você tem que fazer aquela peneira bem porque se não fizer do
jeito que o técnico quer, ele não fica com você.
Apesar de preparado para a luta, para o sofrimento e para a
solidão, esse atleta se viu diante de sua condição humana marcada por
limitações, ainda que indesejadas, e percebeu não ser possível contar
apenas com seus próprios esforços. A presença de uma figura externa,
no caso o técnico, que também representa o papel do educador –
presente no trajeto de todos os heróis – garantiu a permanência de
seu sonho. Finalmente, tão importante quanto os elementos anteriores,
está sua trajetória de lutas e conquistas, que apesar de breve, já o
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O atleta não pode, só porque está subindo pro adulto, ele não
pode parar de falar com as pessoas do time. Se ele para de falar,
o time dele vai rejeitar ele. O juvenil rejeita, e isso é a pior coisa,
ser rejeitado por um time. O time tem que ser fechadinho, não
importa só porque ele sobe e você não sobe.
A rejeição do grupo àquele que não possui espírito coletivo
não é temida apenas porque priva esse sujeito do convívio com os
demais companheiros, mas porque, principalmente, põe em risco o
projeto maior de todo o herói que é vencer a batalha. Nenhuma outra
possibilidade é vislumbrada senão a vitória. A derrota, companheira
de existência e de jornada da vitória, é negada como se fosse algo
monstruoso ou alheio à condição heroica, inadmissível no esporte,
palco contemporâneo do desempenho desse papel.
Pra mim é assim, é ganhar e ganhar. Não tem a palavra perder.
Perder é pra perdedor. Eu não sou perdedor. Tem que ser assim.
O momento vivido por D. indica toda a plenitude de sua condição
heroica. Ao conquistar uma posição dentre os atletas do time adulto ele
vence um dos desafios impostos pela carreira e mais um dos portais da
iniciação. Poderíamos afirmar que ele vive a porção média daquilo que
Campbell (s.d.) define como unidade nuclear do monomito, ou seja, o
ciclo separação-iniciação-retorno, considerando, no entanto, que em
seu périplo cada mudança de categoria, ou cada convocação para uma
seleção sugere uma nova iniciação. No auge de suas forças ele enfrenta
uma a uma todas as etapas para poder chegar e se postar ao lado dos
que já conquistaram a ‘Ilha da bem-aventurança’16. Perseguindo seu
sonho já não corre sozinho o risco da aventura, pois os heróis de todos
os tempos a enfrentaram antes dele.
O labirinto é conhecido em toda a sua extensão. O que deve ser
feito é apenas seguir a trilha do herói, e lá, onde se temia encontrar
algo abominável, será encontrado um deus. E lá, onde se esperava
matar alguém, se matará a si próprio. Onde se imaginava viajar para
longe, se irá ao centro da própria existência. E lá, onde se pensava
estar a sós, se estará na companhia do mundo todo.
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C. 3. A aventura do herói
Na longa jornada empreendida pelo herói são inúmeras as
provações concebidas para que se tenha a certeza de que o pretendente
a essa condição possa realmente sê-lo. Esses desafios consistem em
saber se ele está à altura da tarefa; se ele é capaz de ultrapassar
os perigos; e se terá coragem, conhecimento e capacidade que o
habilitem a cumprir com o devir, tornando a jornada heroica, parte
significativa da vida.
No caminho para se tornar um profissional do esporte, em parte,
esse ritual é cumprido, principalmente na modalidade mais desejada e
idolatrada no Brasil, que é o futebol.
O futebol tem para a cultura brasileira um significado particular
enquanto prática esportiva. Ele mobiliza multidões, apresenta e
reforça padrões de comportamentos e se apresenta como um objeto
de desejo de realização profissional. Crianças (leia-se meninos, uma
vez que apenas recentemente as meninas começaram a conquistar
espaço no universo masculino desse esporte) e pais ainda vislumbram
no futebol a possibilidade de realização de um sonho que envolve
fama, projeção e dinheiro.
Esse foi o principal motivo por que se escolheu um atleta do
futebol para ilustrar a fase profissional. Além disso, em sua estória
estão presentes elementos como saída precoce do núcleo familiar,
profissionalização, sucesso no clube, convocação para a Seleção
Brasileira e conquista da posição de titular na equipe nacional, ou seja,
a trajetória ideal de um atleta bem-sucedido.
Nascido em uma família com 4 irmãos, cujo pai teve sempre
a preocupação em ‘fazer todos estudarem’, Y. foi o único que não
conseguiu ter formação universitária, porque ao terminar o ensino
médio já estava envolvido com a carreira de atleta profissional.
Tem dois advogados em casa e um engenheiro florestal. Eu fui o
único que parou os estudos por causa do futebol.
Assim começa a estória de mais um atleta do futebol, que como
tantos outros abdicou do conforto e segurança do núcleo familiar em
plena adolescência, alterou seu projeto de vida e empreendeu uma
jornada rumo a uma grande aventura, que como em vários casos
tornou-se determinante em sua trajetória de vida.
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Partida e iniciação
Em certa medida, este é o primeiro indício da trajetória
padrão da aventura mitológica do herói, da fórmula representada
nos rituais de passagem proposta por Campbell, que envolve o ciclo
separação-iniciação-retorno, e que pode ser considerado a unidade
nuclear do monomito.
Essa trajetória envolve a ida de um herói vindo do mundo
cotidiano para uma aventura numa região de prodígios sobrenaturais.
Ali ele encontra fabulosas forças e obtém uma vitória decisiva, para
depois retornar de sua misteriosa aventura com o poder de trazer
benefícios aos seus semelhantes.
A primeira das etapas é representada pela alteração de uma rotina
de vida e uma organização familiar já estabelecidas e não programada.
É o ‘chamado da aventura’, primeiro estágio da jornada mitológica.
Eu trabalhei como menor auxiliar de serviços gerais no Banco do
Brasil(...) E aí o time da minha cidade, que era um time pequeno,
não tinha condições de trazer jogadores de fora (...) me convidaram
pra ser o segundo reserva do time (...) Eu trabalhava meio período,
treinava meio período e estudava a noite... Aí o titular e o primeiro
reserva se machucaram durante a competição, e apareceu aquela
oportunidade pra mim (...) E nós fomos campeões. Foi a primeira
vez que um time do interior foi campeão.
Apesar da rapidez entre a passagem de uma condição
semiprofissional de uma equipe do interior de um estado brasileiro
para um dos grandes times de São Paulo, esse personagem nega,
num primeiro momento, uma condição inata para a prática da
modalidade, apresentada enquanto descaracterização de um
planejamento dessa trajetória.
A sugestão do imprevisto como responsável pelo desencadeamento
da trajetória futura se apresenta como um dos indícios da vocação
do herói e pode responsabilizar o destino pela convocação para a
aventura, transferindo o herói do centro de gravidade de seu grupo
social original para um região desconhecida. O acaso, assim como o
erro (Capbell, s.d.), revela um mundo insuspeito e coloca o indivíduo
numa relação de forças que não são plenamente compreendidas.
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Eu vim pra cá eu não tinha família, quer dizer não tenho até hoje
(...) E eu fiquei sozinho com 17 anos, aqui, morando no estádio,
nos alojamentos...
O auxílio àqueles que não recusaram ao chamado acontece
inesperadamente, e é mais uma indicação da necessidade de
prosseguimento da missão. Ele surge na forma de uma figura protetora
que fornece ao aventureiro amparo contra as forças titânicas que ele
está prestes a deparar-se, ou com a sugestão do caminho a seguir.
Esse primeiro estágio da jornada mitológica representa a convocação
do herói que tanto pode agir por vontade própria na realização da
aventura, como pode ser levado ou enviado para longe por algum
agente benigno ou maligno. Essa aventura pode ter seu início em um
mero erro ou pode atrair o herói que está a esmo levando-o para longe
dos caminhos comuns do homem.
Um diretor lá do A. falou ‘vamos conseguir um contato com um
conselheiro do XX’ e me trouxe aqui pra fazer o teste. E aí eu vim,
meu pai me acompanhou...
Tendo respondido ao seu próprio chamado, e prosseguindo
corajosamente conforme se desenrolam as consequências, o herói
encontra todas as forças concretas e do inconsciente do seu lado.
Aí eu ligava, às vezes chorava, ligava pra casa dizendo ‘olha... quero...
não dá, não consigo me acostumar’ (...) mas meu pai me dizia ‘não,
arrisca, tenta mais um pouco, porque se você conseguir vai valer
a pena’. E através dessa força eu consegui me manter aqui. E fui
crescendo. Cada ano fui melhorando, até chegar aonde eu cheguei.
Passada essa etapa, o herói começa a enfrentar as agruras da
iniciação propriamente dita, ainda que fosse possível supor que as
dificuldades já tivessem sido postas. A vida do atleta é tida, pelo senso
comum, como uma sucessão de regalias, facilidades, fama e sucesso
financeiro. Visto apenas no momento do espetáculo esportivo, que
dificilmente excede a duas horas, o atleta é invejado na sua condição
vitoriosa, mesmo que venha a ser derrotado em alguns momentos de
sua carreira. Porém, o trajeto percorrido até a condição de titular de
um time profissional ou de uma Seleção Nacional é repleto de provas
de resistência e de persistência.
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Meu pai sempre pôde dar estudo a todos os filhos (...) Meu pai
sempre me ajudou muito, me apoiou bastante (...) Um diretor lá
do A. falou ‘vamos conseguir um contato com um conselheiro do
XX’ e me trouxe aqui pra fazer um teste. E aí eu vim, meu pai me
acompanhou, fiz todos os testes aqui, passei, e estou aqui até hoje.
Onze anos depois e ainda continuo aqui.
Diante dessa fala, o trajeto percorrido até o presente não
contempla as agruras por que passou esse atleta. A facilidade com que
a aventura é realizada, indica, segundo Campbell (s.d.) que o herói
é um homem superior, um rei nato. Ou seja, onde o herói comum
teria um teste diante de si, o eleito não encontra nenhum empecilho
e não comete erros. Essa conduta faz com que o objetivo desejado
seja arduamente buscado e realizado, ainda que a tarefa exceda às
limitações pessoais daquele que a executa.
Eu acho que é o objetivo de todo atleta, ou tem que ser, o objetivo
de todo atleta que joga numa grande equipe: você almejar a chegar
num Seleção Brasileira. E pra mim não foi de forma diferente. Eu
acho que é o ponto máximo que um atleta pode chegar. Difícil é
se manter (...) Mas é um sonho, sem dúvida. É uma realização
profissional. Isso é o ponto mais alto que um atleta pode chegar. E
eu ainda tenho como objetivo me manter, chegar a uma Copa do
Mundo, jogar uma Copa do Mundo, e ser penta campeão mundial.
Aí sim, eu acho que é parte de um ciclo completo que eu vou ter
realizado na minha vida.
Em busca desse ideal a semana de lazer e vida em comum tem
apenas duas ou três noites, o prazer das pequenas coisas se restringe à
realização sobre um tapete de grama e persistência é a palavra-chave
para a continuidade.
O temido retorno
O retorno, ou a última etapa para que o círculo completo se
forme, caracterizando o monomito, pode estar marcado por diversos
elementos como a recusa, a fuga mágica, o resgate com auxílio externo
ou a liberdade para viver.
A recusa do retorno é marcada pela necessidade de o herói iniciar
o trabalho de conduzir de volta suas conquistas ao reino humano,
trazendo consigo os símbolos que motivaram sua aventura.
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Pra mim é uma coisa marcante. Receber uma placa de 300 jogos
completados como titular do XX, colocar a braçadeira de capitão
do time, representar os jogadores, quer dizer, eu acho que, tudo isso
são coisas que, pra mim, vão ser inesquecíveis. Vão ser marcados,
coroados para sempre.
Na jornada heroica, essa atitude pode servir à renovação da
comunidade, da nação, do planeta ou de dez mil mundos, porém,
poderes mágicos, sobrenaturais ou mais fortes que a vontade de voltar
impedem que essa tarefa se complete. Assim como na mitologia Buda,
após seu triunfo, duvidou da possibilidade de comunicar a mensagem
de sua realização, santos faleceram quando estavam no êxtase celeste e
numerosos heróis fixaram residência eterna na bendita ilha da sempre
jovem Deusa do Ser Imortal Campbell, s.d., p.195), atletas no auge de
suas carreiras também não conseguem fechar seu ciclo, tendo como
explicação a mais variada gama de motivos.
No caso específico de Y. isso ainda não pode ser avaliado porque
ele vive o auge da carreira profissional e espera que ela seja longeva.
Eu ainda espero ter bons anos de vida como atleta para jogar. Mas
eu penso em fazer muita coisa no futuro (...) No mínimo mais
3 (anos) eu jogo, pelo contrato assinado que eu tenho (...) Eu já
pensei eu várias coisas que eu posso, poderia fazer...
O exercício de olhar para o futuro e programá-lo se faz necessário,
principalmente, pela consciência de que a carreira é breve, e o esforço
despendido para sua construção não permitiu que outros horizontes se
descortinassem ao longo de sua existência. No entanto, o que fazer ou
como fazer não parecem perguntas fáceis de serem respondidas para
quem tem toda sua energia investida no aqui e agora.
Eu acho que você tem que ter uma preocupação futura, né. Porque,
afinal de contas, nossa profissão é até certo ponto rentável, até um
determinado momento. Depois acaba (...) Eu acho que você tem
que estudar muito bem o que você vai fazer (...) Eu acho que você
tem que viver um pouco também o presente, porque o futuro ele é
muito importante pra você, mas eu acho que você tem que também
ter um pouco de conforto...
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de alguma façanha, e o retorno com vida ao reino dos mortais, em uma escalada
para a luz.
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C. 5. Regresso e ventura
Cumprindo o percurso padrão da aventura mitológica do
herói, representada na fórmula separação-iniciação-retorno, o atleta
que experimentou a aprendizagem, o processo de treinamento e o
ciclo de conquistas nas grandes competições, também vive o final
da jornada e o regresso. Diferentemente daqueles que competem até
não mais terem força física ou porque a idade já avança, há aqueles
que iniciam seu retorno por causa de impedimentos que minam
suas forças.
Isso, muitas vezes, não significa que a guerra tenha sido perdida
ou que os ânimos tenham esmorecido diante da adversidade. Retirar-
se do epicentro das atenções do mundo esportivo – piscinas, quadras,
pistas, campos e tatames – na condição de atleta competitivo, não quer
dizer em absoluto que o esporte, ou a aventura do atleta, tenha sido
abandonada. Alguns conseguem completar o ciclo nessa condição e
voltar para o cotidiano entre os pares para viver o retorno, usufruindo
das benesses da ‘Ilha da bem-aventurança’. Outros completam
parcialmente a jornada e a retomam de uma outra condição, seja
enquanto técnico ou dirigente, como uma necessidade de cumprir
algum ponto professado pelo oráculo ou de vingar companheiros, e a
si próprio, em alguma batalha perdida.
Campbell (s.d.) afirma que o retorno do herói, ou sua
reintegração na sociedade, é indispensável à contínua circulação da
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Além disso, não precisamos correr
sozinhos o risco da aventura, pois
os heróis de todos os tempos a
enfrentaram antes de nós. O labirinto
é conhecido em toda a sua extensão.
Temos apenas de seguir a trilha do
herói, e lá, onde temíamos encontrar
algo abominável, encontraremos um
deus. E lá, onde esperávamos matar
alguém, mataremos a nós mesmos.
Onde imaginávamos viajar para longe,
iremos ter ao centro da nossa própria
existência. E lá, onde pensávamos
estar sós estaremos na companhia do
mundo todo.
(Joseph Campbell, O poder do mito.)
Considerações
incorporada ao imaginário de sua
época, transformada conforme os
valores culturais do grupo social e,
finais consequentemente, reforçada.
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