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DLC en) Sa me Ce ey Cee Ce ne Dee rum) col eC OCC ead ern ae mee eae CE get Pes Se rie para TV que queria produzir, coniel a Cee eR) Ce es De Se Le roe Oe ey Ermer Se Ce eer nnn) Te Sy ca cory Cre etc Cea Ey ee Coy DE ee cd Feijoada no Parafso Marco Carvalho er Feijoada no Paraiso A saga de Besouro, o capoeira 2 edigao EDITORA RECORD RIO DE JANEIRO + SAO PAULO 2009 aP-Beas. Caloyo-n- fone Sint Nac dos Etre de LOS RE Carvato Maco ccaast “Faun o pao: Age de Resour, apie / Mare Gave” 2d. deans Ree 200, 150 978.8-0-0890.7 1. ego bse. ‘epD 55993 e8 EDU = 8890161) Copyright © Marco Carvalho, 2002 Fotos de capa e encarte: Paulo Mussoi (Obra concluda com 0 apoio do Programa de Bolsas para Escrtores [Brasileiros a Fundagl0 Biblioteca Nacional “Texto revisado segundo o Novo Acordo Ortogrfico da Lingua Portuguesa. Direitos exclusivos desta edigdo reservados pela EDITORA RECORD LTDA. Rua Argentina 171~ Rio de Janeiro RJ~20621-380 ~Tel: 2585-2000 Timpresso no Brasil SBN 978-85-01-08900-7 ws. PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL 4 Caixa Postal 23.052 ey Rio de Janeiro, RJ -20922-970 orn Para Katia e para a minha tia Isa, que em épocas diferentes cencheram minha vida de carinho e organizagao. E para Cecilia e Felipe porgue bagungaram tudo de novo. Nao conheci mas vi falar de Besouro Mangangé...” (de uma cangio de roda de capoeira) Apresentacao Por volta de 1901, um dicionério de “giria portu- guesa” definia capoeira como “jogo de maos, pés ¢ cabesa, praticado por vadios de baixa esfera (gatu- nos)” Isto nao esta inteiramente correto, uma vez que, naquela época, o termo jé designava principalmente um tipo social, bastante temido por suas habilidades e tropelias. Por outro lado, nao era composta de ga- tunos a maioria dos grandes capoeiras da época e, ademais, havia alguns “vadios” de alta esfera, pelo ‘menos no Rio de Janeiro, entre os praticantes do jogo. Seja como for, um século depois, a definicao tem de ser revista, pois a capoeira entrou nos costumes, virou fato cultural e assim ganhou mundo. Tanto a “volta ao mundo” cantada pelos antigos como o mun- do movedigo da literatura, A treita do corpo juntou- se a letra do livro, a cabeca passou a buscar um novo tipo de alvo. Feijoada no paraiso é um bom exemplo disso. Mar- co, cultor de capoeira e da charge jornalistica, joga agora com as letras. A saga de Besouro, capoeirista e ‘um dos {cones da mitologia popular na Bahia, recebe aqui uma forma narrativa compativel com a oralidade por onde se costuma transmitir a cultura do povo. Oratura é um nome adequado: um texto em busca de equilibrio entre as convengbes da escrita e os rit mos irregulares da fala. Marco, na verdade, dé continuidade a uma linha que frutifica aos poucos. Basta lembrar A balada de Noivo-da-Vida e Veneno-da-Madrugada, de Nestor Ca- poeira, praticante do jogo e da escrita comprometida com a narrativa popular. Feijoada no parafso € uma criagdo rapsdica, no sentido de que os contos ou “causos’, narrados pelo préprio Besouro, ligam-se uns aos outros, sem preocupacao cronolégica, mas orde- nados em torno de uma vida lendéria. Marco narra como se procura jogar a boa capoeira: com elegancia ¢ eficécia, visando o encantamento do outro. Uma su- gestio talvez oportuna seja a de se ler Feijoada no pa- rafso ao som de um berimbau, moderado por pandeiro eatabaque. Para rebater, uma dose de pinga com gen- gibre e canela, Muniz Sodré Memérias de um capoeira Esta éa histéria de Manoel Henrique, filho de Maria Haifa e Jodo Grosso, contada por ele mesmo desde antes, até depois do tempo em que virou Besouro, capoeirista famoso de Santo Amaro de Nossa Senhora da Purifica- 40, na Bahia. Nao €a hist6ria toda porque sua vida nao 6 coisa que caiba mesmo em nenhum livro. Sao fragmen- tos, casos, historias, narragdes de sua saga tanto neste mundo quanto no outro, Nao se encontrardo nestas pé- ¢ginas as pretensdes de uma biografia. Mesmo porque tudo o que dizem sobre ele é e sera sempre, de uma for- ‘maou de outra, lenda e fantasia. Ele é um mandingueiro que se transformou ainda em vida no mito que é até hoje. E € um sujeito muito maior do que qualquer literatu- ra. £ claro que nem tudo 0 que se conta sobre ele esta aqui, porque a meméria de Besouro ja se espalhou den- tro efora de sua cabera entre os capoeiras. E se por aca- 50 uma ou outra hist6ria deste livro nao tiver acontecido do jeito que Besouro conta, azar o dela, Marco Carvalho Sumario Cilada 13 Fama 17 Tio Alipio 23 Apelido 31 ‘Mangangé 49 Palavradehomem 55 Fuzué 59 Feira 69 Sao Joao 77 Encruzilhada 81 Quando eu morrer... 87 Anjo nao 95 Magia 103 Enterro 109 Roda de rua 115 Madames 121 Padre Vito 131 Babuino 139 Sorte 143 Nascimento 149 Feijoada no Paraiso 153 Cilada Quando morri pela primeira vez jé era noite, tinha passado o dia nas folgas com a mulata Doralice entre as pilhas de agticar de coronel Juvencino. Lé ninguém vigiava de noite por medo de lobisomem, quanto mais de dia, quando nao é hora de intruso fazer visita. Amei muito aquela cabrocha sobre os doces em que trans- formavam no engenho toda a cana madura da Mara- cangalha. Terminavamos sempre melados ainda de mais mel. Nunca tive mulher mais doce e mais fogo- sa. Doralice me encantava tanto, cada dia com mais mimo e dengo, e tinha muito fogo no corpo, mais que muita mulher dama que conheci pelos puteiros afora. No tempo em que vadiar era grande, muitas vezes adormecemos abracados entre ferramentas, fazendo sacos ¢ rapaduras de travesseiro, s6 acordando mes- mo’por medo do perigo ou para aproveitar mais a tar- de e o tempo para amar mais no meio do mel de engenho esparramado no chao entre os potes de barro. Naquele dia, quando morri pela primeira vez, acor- damos jé nas calmas do final da tarde, nos despedi- 3 mos, e cacei logo meu rumo. Vinha ouvindo o silén- cio pelo caminho-de-lé-vai-um que cortava pelo pas- to, € que facilitava a gente chegar mais depressa na estrada, num largo antes do cruzeiro, que ficava bem na encruzilhada, por onde todos tinham de passar no caminho de volta para Santo Amaro. O pé pisando leve no chao para nem espantar passarinho, a cabeca nos peitos de Doralice. Naquela hora, quando 0 sol jé dei tou mas ainda tem aquele restinho de luz, porque a noite ainda ndo puxou a coberta, era normal de estar ouvindo alguma algazarra dos passarinhos nos altos das arvores, ajeitando pouso, lugar de dormir, mas nao. Quase tarde, entao, estranhei o siléncio. Estanquei. Alguma coisa piscou répido e azulado lé para os lon- ges das moitas, jé perto do cruzeiro, Estranhei. Podia ser vaga-lume. Nao, ndo podia, duvidei. Vaga-lume ‘mesmo s6 pisca quando jé tem estrelas penduradas fir- mes no breu do céu, gostam de rivalizar. No sertao, nas noites, a gente olha os matos ¢ eles fervilham de estrelas, enquanto lé no alto, perto da lua, piscam os vaga-lumes verdadeiros. Assim é, Dizem, também, que 4 noite todos os gatos sao pardos. Mas ainda nao era noite e eu sou até mais que pardo, mas nio era gato, ‘Tinha que me zelar. Aquele brilho bem podia ser do cano de alguma arma dos homens do coronel, ou 0 brilho dos olhos do coisa-ruim. Ou os dois, quem 14 havera de saber. Tinha que me zelar. Podia ser uns guinze ou mais espalhados no mato, no sei. Muita ousadia, Deitei de mansinho, de barriga no chao, que 6 como cobra anda sem fazer barulho. Mas nao an- dei, no, que homem nao é cobra, apesar de uns te- rem até veneno, Esperei chegar a noite ali naquele siléncio sem passarinho. O barro endurecido do chio sujando um pouco o meu terno de ver mulata, mas ia valer a pena. Lavar a alma s6 de passar a perna na- quela ruma de tabaréus que o coronel pagava com 0 dinheiro grosso que ganhava com a cana, A noite veio sem estrelas e sem vaga-lumes, mas com ruidos estranhos, de homens apreensivos, espan- tando murigocas, quebrando gravetos, coragdes baten- do. Mais e mais barulho se faz quando se tenta fazer silencio. Sei notar. Situagao dificil para eles também. Quase tive pena, mas nem no tive, que eu nao era também passarinho. Escolhi um, depois de muito es- perar, e fui chegando com todo o cuidado, para nao fazer barulho, que eu nao era cobra nem gato naque- lahora, Este um s6 me notou quando jé era tarde, nem tevé tempo de fazer alarde, avisar ninguém. Tirei ele de combate. Botei s6 para dormir, nem tirei a arma dele, Nao matei nao, que nunca fui de matar ninguém assim sem mais, sem precisao. Tirei foi seu surrao de couro gasto ¢ vesti nele meu melhor palet6, que esta- 15 etl. ‘va um pouco sujo de barro. Mas que era, podem acre- ditar, meu melhor palet6. Vesti seu surréo para me proteger da noite e de outras coisas traigoeiras, e sen- tei quieto na frente dele. Esperar 6 arte. Siléncio de tocaia é grande e pesa no ar. Nem murigoca avoava naquele ar pesado e escuro de nem vaga-lume tam- bém, Fica aquilo apertando 0 coragao. Ele demorou para acordar. Esperar & arte. Acordou doido da pan- cada que levou, que eu nao boto homem para dormir com cantiga, jé se sabe, Balangou a cabega, esfregou 0s olhos e af, entdo, deu por mim. Nao sei se do susto ou da dor. Sei que gritou, deu alarme, e correu procu- rando um claro naquele breu. Também corti, que até gato que, todos sabem, tem sete vidas, também corria numa hora destas. $6 que corri pro outro lado, no rumo da cidade. Enquanto corria, vi passar por mim dois, trés, dez, sei Id, nao fiquei pra contar. E ninguém me notou quando passaram por mim atirando, gri- tando ordens, na intengao que estavam daquele meu paleté que vesti no peste. Ainda foi muito pa-pum que ouvi enquanto tomava distancia da confusao. Cheguei em casa antes do sol, a roupa suja de bar- To seco, a alma limpa como os leng6is que a avé bota- va para quarar sobre as abobreiras. Fama ‘Tudo na vida e depois dela leva tempo. Tudo tarda, Hoje sei que tudo passa e tudo fica em algum quintal da meméria, junto com bichos e abacateiros, onde tempo nenhum nio reina e apenas um que outro tem © direito de ir vadiar. Mas quem anda, faz, se comove € que imprime no tempo e cria engendramentos, dei- xa marca, Fama que ficou para trds € rastro. Comigo mesmo foi assim. Acompanhe. $6 depois de muitos feitos e desfeitos foi que minha fama veio a crescer € encher mais que bexiga em festa de carnaval. Cresceu tanto e encompridou foi mais muito mesmo que as somras no cais do rio no fim da tarde, onde ia s6 para ver 0 carinho do vento varrer as nuvens no céu, sem se importar nem com limpeza nenhuma, s6 aca- rinhando 0 azul como que aquilo fosse a calgada de uuima casa que uma mulher qualquer varresse todo dia antes do escurecer. Fama engorda e cresce, tanto quan- to gente, e a minha foi ficando tao forte e viajeira de modo que passou a chegar em antes de mim em mui- tos lugares, rinhas, brigas, festas e tocaias. E deu de 7 custar de muito a ir embora, mesmo depois de eu j ter ido. Mas foi s6 isso. O resto € 0 povo que inventa e aumenta. Eu, hein? Mas nunca que briguei uma tarde afora com ninguém nao, meu senhor, nunca careceu uma coisa dessa, Bestagem. Isso é tudo falastrice des sa gente, Onde jé se viu alguém virar desvirar coisa, toco, bicho, assim sem mais preciso ou justificativa. Isso 6 coisa de encantamento. Nao é para qualquer um nao. Todos saber hoje, souberam antes e tantas gen- tes ainda vao saber amanha que sou Besouro. Mais nao conto. Nao sou qualquer um. Quem quiser que tire ‘suas conclusdes. Mas digo que estava aperreado muito naquele dia. Ninguém nao sabe o que vai no coragao de um, nem vai nunca saber se esse um for uma mulher, Mulher é mistério. Mistério nao convém contrariar. Foi um dia em que acordei cedo mas uma cisma continuou roen- do meu miolo e me acompanhou durante todo o dia até a hora da tarde em que resolvi de descismar. Co- migo € assim. Nao aturo, Nao gosto de nada me inco- modando. Nem sapato novo nao gosto. Aquela gastura me queimando por dentro como fosse uma comida remosa do almogo. Mas foi s6 j quando desci rua abaixo e encontrei aquele negro grande e fanfarreiro que vendia pirulito para os meninos é que entendi que nao poderia mesmo dormir com aquela coisa me in- 8 comodando. Ele nao era um homem mau, que rou- basse, fosse falso, nem andava de capangagem com jagungo. Nao. Mas onde ja se deu cabimento para um homem feito, forte como ele, que ja tinha sido até gorgota na Marinha, varar seus dias vendendo piruli to para menino de escola. E olhe que ele era grande também, além de forte. Mas aquilo era trabalho de mulher, sempre foi. Elas que punham tabuleiro, ven- diam doce, acarajé, Nenhuma crianca podia se mirar nele nao, Um negro como ele tinha que dar mais exemplo, Das duas uma, ou trabalhar ou saber de va- diagdo. Alguma tinha que ser. Vender pirulito que néo era vida para ninguém do porte dele, ainda mais que entregava o pirulito para o fregués daquele jeito des- propositadamente delicado. Aquela mao enorme, de- dos da grossura de uma corda, que ele usava s6 dois para segurar 0 doce, a modo que tivesse até nojo do que tava fazendo, ou pior ainda, que fosse falso a0 corpo. Aquilo nao era exemplo para se dar para crianga nenhuma de Santo Amaro. Ora se. Mas ele se ofendeu quando falei. Franziu na testa um vezo vincado no entreolhos que ficaram me encarando com uma raiva ofendida durante um tempo enorme. Sustentei. Mas 86 vi que tinha que tomar atitude quando ele deixou © tabuleiro de pirulito de lado e partiu para dentro com tudo. Nao queria arreliar. Sé falei o natural. Mas tive que dancar um picado na frente dele. Fiz de um tudo para dar tempo de ele se assuntar, tomar senti- do. Nao queria brigar com o negro. O que sambei na sua frente foi sé mesmo para ele entender com quem estava se metendo. Brigar mesmo que nao ia. Nao era assunto de merecimento para isso. Mas qual. Precisei desviar umas trés vezes da marreta que era a mao fe- chada dele, sendo que na tiltima ele acertou e fez da- nos foi no tronco de uma érvore que nao aprendeu a desviar de murro. Foi ai que ele ficou mesmo zanga- do, Nao escutou mais nada. Nem a explicagao que j6 tive que falar gritado para ele entender. Vender doce em tabuleiro era trabalho de mulher ou de maricas, Ora se. Homem forte como ele tinha que se dar 0 res- peito, Tomasse jeito de dar exemplo para os mais no- vos entio, Ademais, aquilo nao encaixava com ele nem com a vida, Nao era coisa de homem ter brago bom daquele para pegar numa estiva ou em servigo certo e ficar pegando pirulito com dois dedinhos. O negro franziu e desfranziu a testa variadas vezes. Os olhinhos mitidos me encarando. O corpo todo retesado de rai- va. Ele era bem mais alto e muito mais forte. Ombros largos, avantajado, ossos grandes, musculatura farta sem estar ainda corrompida pela gordura que, na ida- de que parecia ter, jé era natural de estar criando uma aqui e ali. Mas nem. Ele arrodeava me estudando, acu- 20 mulando forgas para o bote final que ia dar no meu abusamento. Nao queria brigar com ele porque jé disse que 0 assunto nao tinha merecéncia, mas tinha que me zelar, Rasteira é golpe que nao machuca ninguém nao. $6 d6i o que desorienta, Mas depois de duas, trés, como as que dei nele o cara fica abobado. Qualquer uum fica. Nem sabe mais de onde vai vir pé nem mao em briga nenhuma, Se quisesse brigar, como todo mundo disse que fiz, poderia ter dado no negro que de per si, aquela altura, estava até merecendo, Béngio, chapa, pé nos peitos, qualquer coisa. Ele nao ia nem saber. Mas néo queria dar motivo para falat6rio, Nao ia brigar por uma coisica & toa, Nao justificava 0 mo- tivo. Mas ele veio de novo, e entao tive que dar outra rasteira ¢ ele caiu outra vez esparramado na frente do Povo que jé tinha juntado para assistir ao frege. Ele evantou répido, junto com a poeira da queda, Pare- cia um boi brabo e preto no meio da poeirama. Quem olhava assim a cena dizia que a poeira era fumaca que ele estava botando de raiva pelas ventas. E veio outra vez. Saf da frente dele, claro, mas deixei a perna e pu- xei. Outro tombo, Dessa vez. ralou 0 nariz no chao porque caiu de cara. Se a coisa fosse a vera mesmo era hora de chutar as costelas, causar dano. Entendo dis- so. Bra hora de fazer o cara desanimar da briga. Mas 2 nao, nao queria bater. Nao era caso. O negro nem merecia, a ndo ser pelo atrevimento de me encarar. ‘Mas, considerando a circunstancia, isso era coisa que se podia relevar. Mas qual, ele nao desarredava. Insis- tia 0 peste, Abaixava a cabega e vinha de novo. Eu s6 fazia uma firula e puxava as pernas dele na rasteira. Cada vez uma. Uma atrés da outra, Mas era resistente o homem. Contei quantas rasteiras nao. $6 sei que na tiltima ele nao levantou mais. Dormiu ali no chao mesmo, de cansado que 0 corpo estava. Antes de dor- mir ainda vi naqueles olhinhos mitidos dele uma luz. de raiva me furando com seu brilho. Jé era de noite, Fiz meu rumo. Fui. Dizem por ai que a briga durou uma tarde inteira. Mentira. Briguei nada, nao encos- tei a mao no sujeito. $6 dei rasteira. O assunto nao merecia briga nao senhor. Tio Alipio Quando um homem, de tanto que finge ser um qual- quer bicho, acaba se convencendo assim de que pode ser tanto cobra, que pode envenenar s6 com o olho ‘um carneiro,¢ o carneiro ja pensa, por sua vez, que se quisesse seria ele a cobra. Quando ela, cobra ruim sem chocalho, jé toda no oficio de encantar um sapo, nem nota que o que ainda hoje salta e salta, jé tinha sido carneiro e homem em outras vidas anteriores ¢ futuras. E que ele mesmo, o sapo, é que depois veio a ser 0 matador dela, a cobra, usando para isto s6 sua compridissima lingua pegajosa. E que, aliés, nem foi preciso mais que a lingua, porque a tal cobra, jé no seu comprido e sinuoso ardil de enganar 0 sapo, 0 carneiro e eu, que via tudo isto de detrés das bana- neiras, jf avoava em volta, batendo suas asas fingidas de lavadeira, a fim de enganar ele, 0 que era até mais bobo, osaltador linguarudo, o que deu entio, por isso mesmo, cabo dela. Enfim, quando o homem ficou de final convencido e nem conseguiu mais fingir, porque le era mesmo todos os bichos aqueles e seus instin-

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