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ATOS DE PESQUISA EM EDUCACAO ISSN: 1809-0354 AQUISICAO DA LINGUAGEM ESCRITA: 0 DESEJO DE ESCREVER NA PASSAGEM DO DESENHO A LETRA ACQUISITION OF WRITTEN LANGUAGE: THE WISH TO WRITE IN THE PASSAGE FROM DRAWING TO LETTER ADQUISICION DE LENGUA ESCRITA: EL DESEO DE ESCRIBIR EN EL PASAJE DESDE EL DIBUJO A LA LETRA CARVALHO, Magda Wacemberg Pereira Lima magdapcarvalho@ hotmail.com SEDUCIPE - Secretaria de Educago do Estado de Pernambuco https://orcid.org/0000-0003-4799-9328 RESUMO: Neste artigo, colocamos em discussao a travessia da crianga pela aquisigao da linguagem escrita, apresentando 0 movimento que a crianca faz pela escrita até o surgimento da letra grafica. A partir da nogo psicanalitica de recalque, formulamos a questdo: 0 que a crianga escreve no inicio de sua travessia pela aquisigéo da linguagem escrita e 0 que a motiva a escrever? Nesse enfoque, apresentamos producdes escritas por criangas entre trés e quatro anos de idade, que cursavam 0 primeiro eo segundo ano da Educagao Infantil, A partir de tal abordagem, observamos que a crianga inicia com tragados de linhas e, 20s poucos, quando o valor ee eee eee eee OS OE EOS produgées escritas. Quanto ao que motiva a crianga a escrever, entendemos que seu encorajamento se dé pelo desejo de escrever. Palavras-chave: Aquisi¢ao da Escrita. Crianga. Recalque. Desejo. ABSTRACT: In this article, we discuss the child’s journey through the acquisition of written language, showing the moviment that the child makes through writing until the appearance of the graphic letter. From the psychoanalytic notion of repression, we ask the question: what does the child write at the beginning of his journey through the acquisition of written language and what motivates him to write? In this approach, we present productions written by children between three and four years of age, who attended the first and second years of Early Childhood Education. From such an approach, we observe that the child starts with line traces and gradually, when the image value is repressed, the first graphic letters begin to emerge in the written productions. As for what motivates the child to write, we understand that their encouragement is due to the desire to write. Keywords: Acquisition of Writing. Child. Repression. Desire. RESUMEN: En este articulo, discutimos el viaje del nifio a través de la adquisicion del lenguaje escrito, presentando el movimiento que hace el nifio a través de la escritura hasta la aparicon de la letra gratica, Desde la nocion psicoanalitica de la represion, Revista Atos de Pesquisa em Educacéo / Blumenau, v.16, €9164, 2021, Dor 34 ATOS DE PESQUISA EM EDUCACAO ISSN: 1809-0354 2 hacemos la pregunta: ,Qué escribe el nifio al comienzo de su viaje a través de la adquisicién del lenguaje escrito y qué lo motiva a escribir? En este enfoque, presentamos producciones escritas por nifios entre tres y cuatro afios de edad, que asistieron al primer y segundo afio de Educacién Infantil. Desde este enfoque, observamos que el nifio comienza con trazos de linea y gradualmente, cuando se reprime el valor de la imagen, las primeras letras gréticas comienzan a surgir en las producciones escritas. En cuanto a lo que motiva al nifio a escribir, entendemos que su aliento se debe al deseo de escribir. Palabras clave: Adquisicién de Escritura. Nifio. Represion. Deseo. 1 INTRODUGAO Este trabalho consiste numa tentativa de colocar em discussdo a travessia da crianga pela aquisi¢éo da linguagem escrita. Fazendo coro com autores, como Borges (2006; 2008; 2011), Bosco (2005; 2009) e Pommier (1993; 2002; 2008; 2011), assumimos a aquisigo da escrita como resultado do efeito de recalque. Reconhecemos, portanto, que se faz necessério destacar que o sentido do termo recalque, neste trabalho, 6 0 atribuido pela psicandlise, campo teérico que compreende o recalcamento como uma defesa cuja esséncia consiste em impedir que certas representages psiquicas inconscientes se tornem conscientes e aparegam nas manifestagdes de linguagem, fala ou escrita, & revelia do sujeito. Feita essa observacao e com 0 propésito de viabilizar nossa discussao acerca da aquisiggo da escrita pela crianga, focaremos a nogao de recalque como possibilidade teérica. Diante disso, a questo que colocamos 6: 0 que a crianga escreve no inicio de sua travessia pela aquisi¢ao da linguagem escrita e o que a motiva a escrever? A partir desse questionamento, acreditamos na necessidade de seguir 0 caminho aberto pelo estudioso francés Gérard Pommier, para assumirmos que a escrita propriamente dita s6 aparece quando o valor icénico 6 recalcado e a letra comega a significar. Nesse entendimento, trazemos como ponto de inguestionavel relevancia a compreensdo de autores do campo da aquisigsio de linguagem, que revelam sua filiag2o aos constructos psicanaliticos, mantendo, desse modo, a coeréncia de nossa proposta de discussao. Revista Atos de Pesquisa em Educacdo / Blumenau, v.16, €9164, 2021 DOr Ea ATOS DE PESQUISA EM EDUCACAO ISSN: 1809-0354 3 2 SOBRE A PRODUCAO ESCRITA INICIAL DA CRIANCA Acreditamos que, devido & naturalidade de nossa relagao com a escrita, depois de alfabetizados, indagagdes como a nossa sobre o que a crianga escreve no inicio de sua travessia pela aquisigao de linguagem parecem irrelevantes e, por isso, deixam de ser abordadas. No entanto, tendo em conta que a travessia da crianga pela escrita 6 iniciada por rabiscos, em que as letras do alfabeto, conforme afirma Bosco, “|..] aos poucos, vo emergindo em sua escrita’ (BOSCO, 2005, p. 42), demo-nos conta da importdncia de buscar respostas a essa questo. Isso posto, entendemos que um dos caminhos para possiveis respostas é 0 trilhado por autores que apresentam discussdes fundamentadas na psicandlise. Nesse sentido, partimos do que Pommier (1993; 2002; 2008; 2011) discute sobre a histéria da escrita e sua aquisigao. Para o autor (1993), a descoberta histérica da escrita @ sua aprendizagem individual seguem, ao que tudo indica, um caminho semelhante. Isso porque a historia da escrita aponta que seu progresso teria ocorrido em etapas e a alfabetizacao teria prevalecido sobre a pictografia ¢ 0 silabismo. A aprendizagem da escrita, por sua vez, a NIE OE LIT ILIE OEE a escrita, a crianga “comega tragando hieréglifos [.], antes de dar o passo que vai leva- la de uma escrita pictografica a uma escrita alfabética” (POMMIER, 2011, p. 18). Pommier (1993) lembra que os egipcios, por exemplo, atribuiam a determinado desenho ou ideograma de um objeto um valor fonético da letra ou silaba inicial da palavra, que nomeava o objeto representado, conseguindo, desse modo, isolar aigumas de suas conscantes. Esse modelo acrofénico, segundo o autor, é o mesmo usado no ensino escolar as criangas no inicio da alfabetizagao, em que o professor, ao ensinar as letras do alfabeto, costuma associé-las a imagens que tenham relagao de acrofonia com elas. Contudo, é preciso salientar que esse esforgo pedagogico, embora utilize um modelo de instrugao similar ao da invengdo do alfabeto, nfo pode ser comparado a técnicas que faciltam a aprendizagem, pois, conforme Pommier (1993), a escrita depende de um aprendizado e no de uma técnica. Revista Atos de Pesquisa em Educacdo / Blumenau, v.16, €9164, 2021 DOr Ea ATOS DE PESQUISA EM EDUCACAO ISSN: 1809-0354 4 ‘Se pensarmos sobre o que a crianga escreve no inicio de sua travessia pela aquisigao da linguagem escrita e acompanharmos essa travessia pela escrita desde Ciinicio de sua aquisig4o, observaremos que o momento que antecede o aparecimento da letra propriamente dita é marcado por tragos e rabiscos irregulares. Vejamos a produgao de M., crianga de trés anos, matriculada no primeiro ano da Educagao Infantil: Figura 1 ~ Esorita composta por tragados Fonte: Dados colelados pola autora, 2019 Observamos, nessa produgdo, o tragado de linhas em zigue-zague, que mantém certa linearidade, o que nos remete aos textos escritos aos quais a crianga tem acesso, seja em ambiente doméstico, com a presenca de livros paradidaticos, ou em ambiente escolar, em que a oferta de textos é bastante variada. A partir desse contato com textos diversos, além das diferentes situagdes de escrita em que a crianga 6 inserida, 0 tragado inicial, aos poucos, vai ganhando formas, isto 6, a crianga " As produgSes escritas que apresentamos neste trabalho so de criangas entre trés e quatro anos de idade, matriculadas no primeiro e segundo anos da Educagao Infanti. Os textos foram coletados pela autora, no ano de 2019, mediante autorizacéio prévia dos pais/responséveis polas criangas e, também, pelas professoras das turmas da Educacao Infantil de uma Escola da rede particular de ensino, em Pernambuco. Revista Atos de Pesquisa em Educacdo / Blumenau, v.16, €9164, 2021 DOr Ea ATOS DE PESQUISA EM EDUCACAO ISSN: 1809-0354 5 inicia tragando rabiscos e vai, gradualmente, comecando a desenhar. E nesse ponto que nos vemos diante de mais uma indagago: o que a crianga desenha no inicio de sua travessia pela escrita? Pommier (2002) diz que a crianga desenha corpos. Ela desenha seu corpo psiquico, pulsional, isto 6, a crianga desenha o corpo articulado na e pela linguagem. Notemos: Figura 2~ Representagao do corpo i, fs | Fonte: Dado coletado pela autora, 2019 ‘Ao observamos essa produgo feita por C., crianga de quatro anos, que cursava o segundo ano da Educagao Infantil, se retomarmos o coneeito psicanalitico de corpo pulsional, isto 6, © que se diferencia do corpo-biolégico e que é tido como “superficie de pontos sensiveis, lugar de gozo e de recalque” (LEMOS, 2002, p. 40), compreenderemos que 0 que a crianca desenha no inicio de sua travessia pela escrita, embora se assemelhe ao corpo biolégico que ela vé refletida no outro, 6 a imagem inconsciente do corpo. Em outras palavras, 0 que a crianga desenha é conforme Dolto (2012), o esquema corporal, ou melhor, o que “especifica o individuo enquanto representante da espécie" (DOLTO, 2012, p. 14). Por isso, ao examinar desenhos de criangas de uma mesma faixa etdria, na entre eles grandes Revista Atos de Pesquisa em Educacdo / Blumenau, v.16, €9164, 2021 DOr Ea ATOS DE PESQUISA EM EDUCACAO ISSN: 1809-0354 6 semelhancas, pois se trata de representagdes desse corpo psiquico, de acordo com Pommier (2008). (O desenho que a crianga faz do corpo é apresentado com grandes bocas, com olhos, sem orelhas néo porque ela tenha alguma dificuldade, mas porque desenha pulsionalmente. A titulo de ilustragao, observemos a produgdo de A., crianga de quatro anos, que frequentava 0 segundo ano da Educagéo Infanti: Figura 3 ~ Representagao do corpo pulsional Fonte: Dados colelados pela autora, 2019 ‘Convém esclarecer, com fundamento em Dolto (2012), que ha uma diferenga entre esquema corporal e imagem do corpo. Conforme a autora, 0 primeiro 6, em principio, o mesmo para todos os individuos da espécie humana, o que faz dele “em parte, inconsciente, mas também preconsciente e consciente" (DOLTO, 2012, p. 14, gtifos da autora), jé a imagem do corpo "é peculiar a cada um: esté ligada ao sujeito e a sua hist6ria’ (DOLTO, 2012, p. 14, grifos da autora), por isso ¢ eminentemente inconsciente. Dolto assinala que a imagem do corpo “pode ser considerada como a encamagao simbélica inconsciente do sujeito desejante” (DOLTO, 2012, p. 14-15, grifos da autora), Desse modo, podemos pensar que, no percurso inicial da travessia pela linguagem escrita, a crianga vai representar a imagem inconsciente de seu corpo pelo desenho e desenhando val inventar a historia desse corpo, fazendo com que, por Revista Atos de Pesquisa em Educacdo / Blumenau, v.16, €9164, 2021 DOr Ea

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