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TCC - Luise Mendonca Final
TCC - Luise Mendonca Final
CURSO DE DIREITO
MACAÉ
2023
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RESUMO: O objetivo deste trabalho é analisar o impacto da mídia nas decisões do júri,
especialmente no caso Boate Kiss. Para isso, procuramos primeiramente descrever e
conceituar o que é o Tribunal do Júri, bem como demonstrar seus princípios norteadores e a
forma como são aplicados. Em seguida, aprofundou-se nos aspectos gerais da mídia e no seu
poder de construção da verdade relatando como a divulgação de casos criminais, juntamente
com o sensacionalismo exercido, pode causar danos indevidos ao bom andamento do processo
devido à interferência no julgamento avaliativo de júris e juízes. Por fim, ocorreu uma análise
jurídica do caso denominado “Boate Kiss, que discutiu os fatos e verificou como a mídia
contribuiu para o desfecho do julgamento do ponto de vista do senso crítico dos jurados.
SUMÁRIO. Introdução. 1. Tribunal do Juri. 1.1. Breve histórico do Instituto. 1.2. Princípios
Norteadores. 1.2.1. Plenitude de Defesa 1.2.2. Sigilo das Votações 1.2.3. Soberania dos
Vereditos. 1.2.4. Competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida. 2. Mídia.
2.1. Conceito e aspectos gerais. 2.2. A construção da realidade pelos meios de comunicação
em massa e seus reflexos no Tribunal do Júri. 3. Caso Boate Kiss 3.1. Os fatos, os réus e a
condenação. 3.2. Vale tudo por dinheiro? – Tipificação Penal. 3.2.1. Culpa consciente x Dolo
eventual. 3.3. Mídia e o caso Boate Kiss
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INTRODUÇÃO
que causou um alvoroço internacional e uma enorme resposta midiática, a influência dos
meios de comunicação social foi enorme desde o início. Este capítulo esclarece os factos, as
responsabilidades dos arguidos, as responsabilidades daqueles que não são arguidos e o
possível uso indevido malicioso dos meios de comunicação social para alcançar uma sentença
que corresponda às expectativas do povo. O sentimento de "justiça".
1 TRIBUNAL DO JURI
No mesmo contexto, Delgado (2011, p. 180) diz: “Os princípios são geralmente
formados na consciência de pessoas ou grupos sociais com base em uma realidade particular,
que são então formados, e não podem ser diretamente compreendidos, reproduzidos. conceito
de descrição básica como “ou reparar esta realidade”.
Nesse sentido, pode-se entender que um princípio envolve um conjunto de regras ou
preceitos, que servem como diretrizes e normas para qualquer tipo de ação jurídica.
No que diz respeito ao sistema de júri, a fim de colmatar as lacunas existentes no
sistema jurídico, a Constituição Brasileira estabelece quatro princípios que devem ou devem
ser respeitados em todos os processos judiciais: a integridade da defesa; estipula a
confidencialidade dos julgamentos. A votação, a condenação da soberania e o poder de julgar
crimes dolosos contra a vida estão atualmente em análise.
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Art. 497. São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressamente referidas neste
Código: (...)
V – nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e
designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor
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Este princípio constitucional baseia-se na ideia de que os vereditos do júri são soberanos
e não podem ser alterados por recurso de um tribunal, mas apenas por outro conselho de
condenação.
Marques (1997, p. 23) acredita que é impossível que um juiz em exercício substitua
um júri na decisão de um caso. No entanto, se a decisão do júri for inconsistente com as
provas do caso, o tribunal de origem, se provocado, poderá ordenar um novo julgamento.
Deve-se notar que tanto a defesa quanto a acusação podem recorrer do veredicto do
júri. Contudo, os julgamentos dos recursos não são feitos com base no mérito do caso, mas
apenas para verificar se a sentença é consistente com as provas apresentadas nos autos ou se a
anulação é concedida durante a audiência de sentença. Caso seja constatada fraude, um novo
julgamento será realizado.
Neste ponto, Nucci diz:
(...) quando interposta apelação, quanto ao mérito da decisão popular, deve o
Tribunal togado agir com a máxima cautela, a fim de não dar provimento a todo e
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qualquer apelo, somente porque entende ser mais adequada outra avaliação. Ou
porque o veredicto popular contraria a jurisprudência da Corte. Nada disso interessa
ao jurado, que é leigo. Respeitar a soberania dos veredictos significa abdicar da
parcela de poder jurisdicional, concernente ao magistrado togado, para,
simplesmente, fiscalizar e buscar corrigir excessos e abusos, mas sem invadir o
âmago da decisão, crendo-a justa ou injusta. O parâmetro correto para a reavaliação
do Tribunal togado em relação à decisão do júri é o conjunto probatório: se há duas
versões válidas, dependentes apenas da interpretação, para levar à condenação ou à
absolvição, escolhida uma das linhas pelo Conselho de Sentença, há de se respeitar
sua soberania. Nenhuma modificação pode existir” (2015, p. 338)
Conforme já mencionado, a Constituição Federal no seu art. 5°, inciso XXXVIII, alínea
d, estabeleceu a competência do tribunal do júri para julgar os crimes dolosos contra a vida
incluindo os crimes de homicídio, infanticídio, aborto e indução / assistência / incitação ao
suicídio, consumados ou tentados, com exceção deste último que é não autoriza tentativas e
outros crimes a eles relacionados. Ressalte-se que o crime de homicídio não é da competência
do júri.
Ressalta-se que os tipos penais supracitados pertencem à competência mínima da
instituição, de modo que estes devem ser obrigatoriamente julgados pelo Júri, mas nada
impedindo, contudo, que o legislador infraconstitucional atribua outras e diversas
competências ao plenário. (MORAES, 1998, p. 97)
2 MÍDIA
A Constituição Federal, em seu art. 5°, nos incisos IV, IX, XIV, XXII, respectivamente,
como direito fundamental, garante a liberdade de expressão, a livre expressão das atividades
intelectuais, artísticas, científicas e comunicativas, independentemente de censura ou
licenciamento, e o direito de aceder e receber informações sobre as mesmas por parte das
autoridades públicas. interesse pessoal, ou interesse coletivo ou geral, e em seu art. 220 ,
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Segundo o sociólogo Pierre Bourdieu (2013), a opinião pública não existe, mas é um
reflexo da mídia; sem comunicação de massa, não haveria opinião pública, apenas suposições
e crenças. Quando falamos em comunicação de massa, neste aspecto vemos a comunicação
entre o emissor e a maioria, é o número de destinatários que estão distribuídos pelos campos
geográficos e sociais, ou seja, não há conexões entre eles (SANTAELLA, 1995). Pensando
nisso, entende-se que uma mesma mensagem compartilhada pode levar a diferentes
interpretações, porém, a transmissão de informações tendenciosas pode levar toda a população
a chegar à mesma conclusão sobre os fatos.
A necessidade de divulgar notícias sobre o crime cresce a cada dia, e seja por causa de
uma cultura de medo ou porque vivemos numa sociedade punitiva, o interesse do público em
reportagens investigativas está aumentando, o fato é que o público está preocupado com o
crime, especialmente em seus resultados, você obterá resultados semelhantes aos anteriores.
Tendo dito isto, a grande mídia dedica-se à divulgação de informações sobre processos
criminais, o que sem dúvida causa sérios danos à condução ordenada dos processos criminais,
muitos dos quais são irreparáveis.
Conforme mencionado acima, os júris são compostos por membros da sociedade e
decidem sobre a culpa ou inocência de um réu com base no seu próprio senso de justiça.
Assim, as decisões são baseadas unicamente nas conclusões pessoais de cada jurado (crenças
sinceras) e não é necessária qualquer fundamentação jurídica, portanto, para que os jurados
exerçam o seu julgamento, devem ser informados e informados antes do julgamento,
influências externas, para que baseie a sua decisão apenas nos trabalhos apresentados na
sessão plenária.
No entanto, quando os meios de comunicação social noticiam casos criminais,
condenam socialmente os arguidos sem o devido processo e condenam os arguidos expondo
de forma agravada todos os detalhes do crime, pelo que é claro que este não é o caso. Na
verdade, é altamente provável que os jurados compareçam à sessão plenária com uma decisão
pré-concebida, a fim de avaliar adequadamente a convulsão social. Sobre este ponto, Mirault
argumenta que:
Um julgamento com cobertura midiática pode estar viciado desde o início, haja vista
que hoje a mídia nefastamente penetra em qualquer lugar, atingindo as pessoas de
forma muito forte. Desta forma, desde a ocorrência da ação criminosa e a
consequente repercussão pela mídia, o processo investigativo fica viciado, pois a
mídia, já no início, influencia policiais e peritos de forma a realizarem seu trabalho
com um conceito pré-formado. Não obstante isto, a cobertura do crime pela mídia
coloca frente a frente o delegado de polícia e a opinião pública, de forma a
contribuir para que toda a investigação seja prejudicada por pressão da imprensa e
da sociedade, apressando o inquérito, trazendo danos irreparáveis à persecução
criminal e posteriormente ao julgamento (2020, p. 74).
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A sentença dada pelo julgamento midiático, não raras vezes dispensa a necessidade
de aplicação de pena pelo juiz togado, sendo inapelável e transitando em julgado
perante a opinião pública, tornando-se irreversível perante qualquer decisão judicial
futura que a torne ilegítima. Quando ocorre esse tipo de tratamento abusivo por parte
dos meios de comunicação, suscita-se o problema da legitimidade do jornalismo nas
sociedades democráticas. Diante dessa perspectiva, o direito à liberdade de
expressão e de informação jornalística acaba conferindo aos meios de comunicação
mais liberdades e direitos do que aos indivíduos. (2015, online)
criaram, procurando provas ilegais ou que deveriam ser mantidas em segredo de justiça para
continuar a investigação, incomum transformando o incidente em um espetáculo.
Portanto, pode-se dizer que os julgamentos de valor e a consciência crítica dos meios
de comunicação enfraquecem significativamente a defesa do acusado e violam diretamente o
princípio da presunção de inocência, porque mesmo que seja apresentada a melhor e mais
sofisticada teoria de defesa, não basta apagar essa versão da mente dos jurados e juízes
demorou meses para ser criado pela mídia e foi bem recebido por toda a nação.
A este respeito, Mendonsa enfatizou:
Desta forma, o réu que não fosse verdadeiramente culpado pelo cometimento de um
crime doloso contra a vida poderia ser, ao final de seu julgamento, considerado
culpado graças a uma verdade inventada pela mídia e replicada à grande massa
através de uma cobertura jornalística incessante e uma atuação política por parte dos
veículos midiáticos (2013, p. 377-378)
É também importante sublinhar que, para além dos danos inegáveis no domínio
jurídico, devido às críticas midiáticas e às observações de processos criminais, vários
prejuízos são incorridos quer após a sentença, quer após a libertação, por exemplo durante o
processo de reintegração. pessoa. Na sociedade. Devido à enorme exposição e influência, a
sociedade apaga completamente a reputação, a credibilidade e a vida passada do acusado,
passando a ser definida apenas pelos fatos que cercam a pessoa. Sobre a pena de morte
midiática, Andrade disse (2009, p. 06):
[...] o descompasso entre a pressa com a qual trabalha o jornalismo hoje e o rito
processual que leva à (ponderada) decisão final no âmbito do Judiciário, conduz a
uma evidente antecipação da pena para os suspeitos que, por obra
predominantemente da mídia, já foram condenados em verdadeiro “linchamento
midiático”. [...] O principal problema é que jornalista não é juiz, cidadão comum não
é perito e nem polícia. O palco do teatro que foi prematuramente armado é outro, e
muito mais sério e consequente do que a velocidade que a mídia exige.
possível neste cenário jornalismo que não transforma casos criminais em espetáculos
espetaculares onde heróis e vilões perseguem preconceitos económicos enquanto minam a
verdade.
A famosa boate Boat Kiss em Santa Maria no dia 27 de janeiro de 2013 organizou
uma festa universitária com apresentação da Banda Gurizada Fandangueira. Durante a
apresentação, um integrante da banda abriu fogo utilizando dispositivos pirotécnicos não são
adequados para espaços fechados onde a chama possa atingir parte do teto que são cobertos
por espuma inflamável e queimam, o fogo se espalhou rapidamente, isso marca a segunda
grande tragédia no Brasil.
Uma investigação para determinar a responsabilidade começou imediatamente após o
incidente. Os responsáveis seriam Elisandro e Mauro, coproprietários da boate, Luciano,
assistente da banda e responsável pela compra dos dispositivos incendiários, e Marcelo, o
vocalista da banda e o responsável pelo uso do dispositivo incendiário, além de representantes
de órgãos públicos como Ministério Público, Corpo de Bombeiros e Prefeitura Municipal,
pela omissão e concessão de alvará para o regular funcionamento da boate, onde não foram
percebidas as irregularidades posteriormente apontadas.
O Ministério Público como orgão acusatório, acusou apenas os coproprietários do
clube Elisandro e Mauro, além dos integrantes da banda Luciano e Marcelo, e classificou o
ato como possível homicídio doloso. Algumas das circunstâncias consideradas na reclamação
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são: Show pirotécnico em lugar fechado; Utilização de fogo de artifício não indicado para
ambientes fechados; Acionamento no palco, onde havia cortinas e madeira; Acionamento
próximo ao teto revestido de espuma; Espuma altamente inflamável e sem tratamento
antichama; Boate superlotada; Iluminação de emergência inadequada; Espaço insuficiente
para saída; Saída obstruída por um guarda-corpo e funcionários e seguranças sem treinamento
para situações de emergência (MP/RS).
Em suma, a acusação crê em “homicídio qualificado” por “motivo torpe” na
“revelação de total indiferença e desprezo pela vida e pela segurança dos frequentadores do
local” por parte dos réus, com base em fatores articulados no sentido de que teriam “assumido
assim o risco de matar”. Contudo, esperava-se que houvesse pouco risco de punição para
autoridades, civis ou militares, e foi exatamente isso que aconteceu.
O julgamento teve duração de dez dias e após a oitiva dos acusados, defesa, acusação
e testemunhas, foi dado o veredicto. Os jurados confirmaram a autoria e a materialidade dos
fatos, concordando que houve a configuração do crime de homicídio simples praticado com
dolo eventual e condenaram os quatro réus. O Juiz presidente da sessão, então, aplicou as
seguintes penas: Vinte e dois anos e seis meses de prisão para Elissandro o sócio proprietário,
dezenove anos e seis meses de prisão para o sócio proprietário Mauro, dezoito anos de prisão
para o vocalista da banda Marcelo e dezoito anos de prisão para o assistente da banda
Luciano.
A execução da pena por meio de mandado de prisão, foi decretada de imediato, tendo
sido impedida por habeas corpus preventivo impetrado pela defesa de Elissandro e estendido
as outras pessoas, concedido pelo Desembargador da 1ª Câmara Criminal do TJRS. No
entanto, o Ministério Público recorreu da decisão ao STF e o ministro Luiz Fux suspendeu os
efeitos da liminar que concedia o habeas corpus, determinando a expedição dos mandados de
prisão, justificando que a altíssima reprovabilidade social das condutas dos réus, a dimensão e
a
extensão dos fatos criminosos, bem como seus impactos para as comunidades locais,
nacionais e internacionais justificam a execução imediata da pena.
A defesa dos réus recorreram, alegando diversas invalidades na solenidade e no
julgamento. Argumentaram também que o veredicto do júri era claramente inconsistente com
as provas do caso e pediram ao juiz que redimensionasse a sentença.
A 1ª Câmara Criminal do TJRS, após a sessão de julgamento, acolheu parte dos
recursos da defesa e decidiu com o placar de dois votos a um reconhecer a anulação do júri
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que havia condenado os quatro réus. A prisão dos acusados foi imediatamente revogada após
decisão de nulidade.
O Ministério Público recorreu da decisão de anulação do processo e solicitou a
proibição da informação para obter o efeito de violação de direitos. O legislador argumentou
que se perdeu uma oportunidade de agir. O legislador argumentou que se perdeu uma
oportunidade de agir. Além disso, os réus argumentaram que não sofreram qualquer prejuízo
em questões consideradas menores.
O embargo foi parcialmente aceito, mas apenas erros graves foram corrigidos.
Portanto, o resultado de uma ação judicial considerada nula não muda.
A função do direito penal é restringir o poder de punição do estado. Para isso, o código
penal contém conceitos que asseguram ao réu os direitos fundamentais mínimos inerentes à
pessoa humana.
É frequente, nos casos criminais que chocam a sociedade e têm grandes
repercussões, observarmos o direito penal sendo utilizado apenas como um instrumento de
punição e a palavra justiça sendo usada como um eufemismo para vingança. Isso ocorre
devido à expectativa da população de que o Estado ofereça uma resposta diante da gravidade
do caso, sem se importar se as garantias fundamentais do acusado serão respeitadas ou não.
Como se fosse responsabilidade do Estado dar o exemplo para evitar qualquer possibilidade
de impunidade.
Diante dessa situação, a sociedade espera que, de qualquer maneira, sejam
encontrados os responsáveis para atribuir a culpa pelos desastres, impondo penas severas,
mesmo que não estejam de acordo com a classificação correta do crime cometido.
Isso significa, em outras palavras, que pouco importa para as pessoas se o processo
judicial está sendo conduzido dentro dos limites legais; o que importa é, aparentemente, fazer
acusações exageradas e impor penas extremas, mesmo que isso exija a banalização de
conceitos, a ignorância de princípios e até mesmo a classificação como crime doloso do que
evidentemente é apenas um crime culposo, como no caso analisado neste estudo.
O dolo eventual e a culpa consciente possuem semelhanças muito próximas, porém
não podem ser confundidos, já que são conceitos bastante distintos no âmbito da tipificação
penal e acarretam consequências processuais e penas diversas.
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Conforme Capez (2013), no que diz respeito ao dolo eventual, o agente não busca o
resultado de forma direta, contudo, concorda que possivelmente ele possa acabar sendo
produzido como consequência de uma ação ou omissão. Em outras palavras, o agente
antecipou o resultado, não é o seu objetivo principal alcançar o resultado, mas fica satisfeito
com sua ocorrência. O agente não deseja, mas acontecer ou não é um mero detalhe, sua
vontade de agir é mais intensa. Não é o risco que irá impedi-lo de realizar sua conduta,
portanto, assume o risco, pois não se importa com o resultado, prevê e então age. É
importante ressaltar, também, que o agente não aceita o resultado em si, mas sim sua
probabilidade, concorda com a possibilidade de sua ocorrência.
Nesse mesmo sentido, assevera Bittencourt:
Na hipótese do dolo eventual, a importância negativa da previsão do resultado é,
para o agente, menos importante do que o valor positivo que atribui à prática da
ação. Por isso, entre desistir da ação ou praticá-la, mesmo correndo o risco da
produção do resultado, opta pela segunda alternativa valorando sobremodo sua
conduta, e menosprezando o resultado. (2017, p. 395)
Nucci, da mesma forma, afirma que “dolo eventual é a vontade do agente dirigida a um
resultado determinado, porém vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo
resultado, não desejado, mas admitido, unido ao primeiro. Por isso a lei utiliza o termo
“assumir o risco de produzi-lo”. (2013, p. 242).
Assim, pode-se entender que na intenção final o agente não pretende causar o
resultado criminoso, não deseja diretamente esse resultado, mas tem consciência de que suas
ações ou omissões podem causar tais incidentes. O resultado é previsível e, ainda assim, o
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assunto permanece hipotético seu risco e posição independem de esse risco se materializar
ou não.
Já quanto ao crime culposo, sua previsão está disposta no art. 18 do Código Penal nos
seguintes termos:
Art. 18 - Diz-se o crime: Crime culposo II – culposo, quando o agente deu causa ao
resultado por imprudência, negligência ou imperícia
Segundo Greco (2006, p. 218), culpa consciente é o fato de a pessoa, mesmo prevendo
o resultado, ainda não cometer o ato e acreditar sinceramente que esse resultado não ocorrerá.
Embora esperado, não é reconhecido e aceito pelo representante. ele ingenuamente acredita
que isso não acontecerá ou que pode evitá-lo.
Assim, a culpa consciente surge quando o sujeito consegue prever o resultado, mas
não acredita no seu resultado; ele confia que suas ações levarão apenas aos resultados
esperados, que não ocorrem por erros de cálculo ou de execução. Nas palavras de Bittencourt
(1995, p.250), “Há culpa consciente, também chamada culpa com previsão, quando o agente,
deixando de observar a diligência a que estava obrigado, prevê um resultado, possível, mas
confia convictamente que ele não ocorra”.
Dito isto, podemos dizer que, se tivesse consciência do seu pecado, o agente poderia
ter previsto o resultado, mas acreditava fortemente que esse resultado não ocorreria. Ele não
corre riscos porque mesmo planejando, tem certeza que pode evitá-los. O ato foi feito de
forma imprudente, negligência ou má conduta profissional.
Após apresentar os conceitos dos dois tipos de crimes analisados neste estudo,
Destacamos agora as diferenças entre eles e sua aplicação em casos específicos.
Com as definições discutidas acima, percebe-se que a intenção aleatória e a
culpabilidade consciente são instituições relacionadas sob muitas perspectivas, mas também
são diferentes, especialmente de uma forma ou de outra no aspecto principal: dentro do
agente, no elemento da vontade.
Com efeito, em relação ao caso analisado, pode-se entender que se a conduta do réu
foi ensaiados com possível intenção, seu pensamento interior poderia ser: “É possível que
com a utilização do artefato pirotécnico a boate pegue fogo e que pessoas morram, não
queremos que isso aconteça, mas pouco importa”. Já na culpa consciente, o pensamento deles
teria sido: “É provável que estaremos sendo negligentes ao utilizarmos o artefato pirotécnico,
mas acreditamos firmemente que nada vai acontecer”.
Além disso, é importante ressaltar que a maior diferença entre os dois métodos é a
determinação da pena, uma vez que a pena para homicídio culposo, quando o incidente é
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considerado crime consciente, é de prisão de 1 a 3 anos, conforme art. . 121, § 3º do CP. Caso
de homicídio doloso qualificada por dolo provável, a pena será de no mínimo 6 a 20 anos,
conforme o disposto no art. 121, empresa CP.
Não há dúvida de que neste caso nenhum crime foi cometido intencionalmente,
notamos a banalização deste conceito e a “piruetas” legal para convencer um segmento da
Igreja Católica, de modo que é o único argumento que pode corresponder a a vergonha que a
sociedade espera.
Os argumentos apresentados pela defesa perante o plenário deveriam ter sido ouvidos
de forma mais aberta pelo júri, deixando-o aberto a influências externas e avaliando então
apenas o que ali foi dito. Reflexões de extrema importância e grande capacidade de persuasão
foram feitas pela defesa, tais como: Será que os réus sabiam muito bem que fogos de artifício
iriam queimar casas noturnas e causar a morte de centenas de pessoas, mas era indiferente a
isso? Os arguidos presentes na boate e também vítimas do incêndio ficaram indiferentes ao
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seu suicídio? Os donos de casas noturnas são indiferentes à destruição de sua principal fonte
de renda? Além disso, ficaram indiferentes às mortes dos amigos e familiares presentes?
Obviamente, a tragédia ocorreu devido a uma série de violações, incluindo
negligência, descuido e incompetência do réu. Portanto, isso caracteriza a forma penal do
crime. A absolvição foi inadequada, mas pelo menos seria de esperar uma descrição precisa.
No parecer técnico, Ruivo e Wunderlich demonstram que foi correta a desqualificação
inicialmente realizada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que vai da possível
intencionalidade à criminalidade consciente.
O resumo das razões que fundamentam o nosso parecer diante dos fatos
apresentados e da ciência penal pode ser apresentado na seguinte forma:
1º quesito. É cientificamente correta a desclassificação da imputação
jurídica da figura do dolo eventual para a da culpa consciente feita pelo Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), no acórdão fruto dos Embargos
Infringentes n. 7007512042839, diante das condutas imputadas na denúncia e do
conjunto probatório reunido na instrução processual? Sim, é correta a decisão de
desclassificação determinada pelo e. TJRS. Pontuamse as seguintes razões: (a) as
diversas teorias científicas do dolo eventual apontam para a inexistência de dolo
eventual no caso analisado; (b) os argumentos acusatórios são insuficientes para a
prova da alegada aceitação do perigo do resultado, servindo, no máximo, como
indicativo do conhecimento do risco não aceito próximo à culpa consciente; (c) a
natureza dos fatos, as repercussões pessoais e patrimoniais da catástrofe, indicam a
inexistência de previsão e, menos ainda, de aceitação do resultado pelos acusados; já
que as circunstâncias fáticas desenhadas não são demonstrativas de agir doloso
mesmo diante dos elementos elencados para essa imputação. No caso, o aludido
“homicídio qualificado” por “motivo torpe” em razão da “revelação de total
indiferença e desprezo pela vida e pela segurança dos frequentadores” do centro da
tragédia, sequer seria possível, pois seria o mesmo que os acusados aceitarem a
colocação da vida pessoal, de amigos e familiares e do patrimônio em perigo.
Particularmente para o consulente ELISSANDRO SPOHR, a eventual
responsabilização por dolo eventual significaria dizer que anuiu em sua própria
morte e da sua esposa “grávida”, que também estava no local. E, por fim, (d) a
rejeição da imputação por dolo eventual em caso semelhante de incêndio referido na
jurisprudência e na ciência jurídica comparada.
2º quesito. Os Recursos aos Tribunais Superiores possuem cabimento e
adequação (elementos do juízo de admissibilidade) para a revisão do conjunto
probatório necessário para a redefinição do elemento subjetivo geral do tipo? Não,
os Recursos aos Tribunais Superiores possuem natureza e finalidade próprias que
impedem o reexame total do conjunto probatório necessário para alterar a imputação
do tipo penal subjetivo. Isso ocorre sinteticamente pelas seguintes razões: (a) a
necessidade de verificação empírica dos elementos subjetivos do tipo penal, incapaz
de pura análise lógico-jurídico, (b) a inadequação e o não cabimento recursal para a
revisão total do conjunto probatório, impossibilitando nova classificação jurídica do
tipo com base no profundo exame probatório e (c) a eficácia do âmbito de cobertura
das súmulas n. 7, do STJ e n. 279, do STF, bem como a jurisprudência corrente nos
Tribunais Superiores.
Esse é o nosso parecer.
(http://www.wunderlich.com.br/images/publicacoes/artigos/Boate-Kiss-
ParecerELISSANDRO-CALLEGARO-SPOHR-por-AW-e-MAR.pdf)
O incidente foi amplamente divulgado e o apelo midiático foi tão grande que, poucos
dias depois da tragédia, a cidade de Santa Maria tornou-se um dos jornais do mundo. Os
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neste momento processual e nesta jurisdição especial. O que se está a afirmar é que,
23 independentemente de opiniões pessoais deste ou daquele magistrado (inclusive
deste relator), o juiz competente para essa análise inicial - certo que a pronúncia
implica a simples admissibilidade da acusação formalizada na denúncia - identificou
diversos e coerentes elementos de convicção que tornam verossímil a narrativa
acusatória, a autorizar o julgamento da causa pelo juiz natural, o Tribunal Popular.
(STJ, RESP 1.790.039, Min Rel. Rogério Schietti Cruz, 18/06/2019)
CONCLUSÃO
Portanto, concluímos que pode-se afirmar que a mídia contribui ativamente para a
formação do pensamento crítico na sociedade, de forma que toda a população possa ser
facilmente manipulada para acreditar em uma versão da verdade contada e veiculada de forma
tendenciosa pela imprensa.
Vivemos numa sociedade assolada pela violência diária, onde o sentimento de
injustiça e impunidade existe e está cada vez mais presente na vida quotidiana. Dessa forma,
quando a mídia ultrapassa seus limites e transforma um processo criminal em um programa de
TV espetacular, a sociedade cria expectativas de uma resposta do Estado, que apenas aceita
receber penas muito duras. Porque, ao que parece, é importante prevenir comportamentos
ilegais, dar o exemplo, mesmo que isso exija sacrificar os direitos constitucionais do
acusado.
O perigo nestas situações, contudo, é que a justiça eficaz, respeitando as disposições
constitucionais e o devido processo legal, não seja a justiça que a sociedade espera. Contudo,
muitas vezes é a justiça esperada pela sociedade, influenciada pelos meios de comunicação
social, que prevalece. E é aqui que a lei entra em conflito com os limites que impõe, pois a
imprensa não pode ser censurada, mas também o arguido também não pode ser privado da
presunção de inocência.
Esses aspectos tendem a ser agravados em casos julgados por júri, pois os fatores que
determinam o veredicto não são legais. Não importa qual tese foi melhor apresentada, quem a
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conectou com o maior número de leis, preceitos, precedentes. O que realmente importa e o
que determinará a vida do réu é o que os jurados entendem sobre o incidente, o que cada um
deles diz. E o que os parentes dizem é muitas vezes determinado antes do julgamento. A
proteção que deveria ser perfeita é constantemente enfraquecida, porque é impossível
competir com os meios de comunicação de massa que transmitem apenas o que lhes convém,
apenas o que cria audiência, indignação e lucro.
Assim, para o caso em análise, pode-se afirmar definitivamente que houve influência
de todas as formas e desde o início. Na verdade, é importante lembrar que a denúncia aborda
apenas o lado mais fraco da história. É fácil culpar os músicos e os proprietários, é fácil
afirmar, contar, contar e transmitir a versão de que são os únicos culpados, que pouco se
importam com os resultados. Mesmo que, no fundo, mesmo A própria acusação também
sabe que esse propósito não é razoável. Mas também sabem que é a única alternativa para
atender às demandas da sociedade e fazer justiça às famílias das vítimas, como elas exigem.
No entanto, a justiça deve ser alargada a todos aqueles que contribuíram para a
tragédia, uma vez que uma série de outros actos e omissões graves influenciaram
directamente o que aconteceu. O órgão administrativo público é responsável pela fiscalização
do funcionamento dos estabelecimentos comerciais e a prefeitura é responsável pela
fiscalização e emissão de licenças de estabelecimento/funcionamento aos estabelecimentos.
Portanto, o primeiro erro registrado está aí, por isso a Prefeitura concedeu o alvará de
funcionamento, apesar de todos os erros registrados no investigação.
Além disso, as licenças de prevenção e combate a incêndio também são emitidas pelo
corpo de bombeiros. Portanto, fica claro que a omissão da prefeitura nas violações registradas
contribuiu para o ocorrido. Na verdade, se for feito check-out adequado, este lugar não
funcionará.
Neste caso, vemos uma série de erros graves, tanto na prática como na implementação.
Alguns assumem responsabilidades excessivas, outros ficam fora do banco dos réus, tomando
decisões descabidas, confirmando uma intenção que pode não existir, mas é necessária para a
realização do desejo. População. Afinal, qual seria a reação da sociedade diante de uma
pena não superior a três anos? A sociedade não aceitará isso. A realidade é que não há vitória
neste desafio, apenas dor e perda. A vingança que acontece com a ajuda da mídia não trará de
volta as vítimas, fazer a tragédia desaparecer.
No entanto, os meios de comunicação social cumpriram certamente a função a que se
propuseram. Eles certamente atraíram muito público e, como resultado, ganharam muito
dinheiro. No entanto, como resultado, grande parte deste direito foi perdido.
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