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ia __ Emilio Romero 2 2 ds Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana ‘As formas da sensibilidade: Emogdes ¢ Sentimentos na Vida Humana Copyright — Emilio Romero Proibida a reprodugio total ou parcial deste livro, por qualquer meio ou sistema, sem prévio € expresso consentimento da editora ou do autor. Della Bidia Editora edelbid@phonet.com.br Telefax: (12) 3931-9511 Rua do Roncador, 95 1235-240 - So José dos Campos - SP - Brasil ‘Ano MMI Romero, Emilio ‘As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana. Emilio Romero - Sio José dos Camps Della Bidia Editora -2* Edigao - 2002 As Formas da Sonsihitidade P= As Formas da Sensibilidad - Emacdes ¢ Sentimentos na Vida Hlimana 13 CAPITULO OS AFETOS E AFETIVIDADE: UMA DIMENSAO BASICA DA EXISTENCIA Inffincia e juventude: tudo me parecia tio emocionante nessa épo- ca. Tao intenso € dramético, to cheio de luz ¢ de sombras. Os eventos mais corriqueiros adquiriam uma feicdo especial, Um olhar com segun- das intengdes, uma odservagio pouco amével, uma insinuacio diibia, 0 contato com uma nova pessoa -sempre havia algo que me provocava levand-me a um elim de constanteexcitaro e efervesceneia, Bu cia que vivia num munco mégico: tudo me parecia animado por uma e: cie de energia que colocava nas coisas e nas situagdes um fascinio e uma mensagem as vezes de encanto, és vezes de corrostio secreta .Na adoles- céncia os aletos ainda se complicaram mais; o desejo sexual se tornou imperativo e surgiu a necessidade de uma pessoa que acalmasse essa inquietagdo oriunda dos horméniios e da vontade de encontrar ume alma gémea. Anos de ansiedade e ée grandes expectativas, de paixdes exude- antes e de frustragées inevitiveis... Essa visio da realidade comegou a aaienuar-se a medida que fai entrando na maturidade, Fui-me tornando mais distante, menos sensivel ao esplendor das coisas e ao drama dus vidas humanas. Hoje vejo os dramas da gente com mais naturalidade, como a parte inevitével que a todos nos toca. Minha sensibilidade se tomou mais seletiva, posso filtrar o impacto dos eventos, afastando-me do que julgo desnecessério deixar entrar no espago de minha subjetivi- dade, ou abrindo-me aos convites que entendo propicios para o momen- to ca sittagdo que estou vivendo. 1, Os afetos permeinm a vida das pessoas e 0 espaca social O olhar sereno e trangiilo, que aprecia as coisas ¢ seres do mun- do com uma certa distancia reflexiva, nio faz parte dus atitudes predo- 14 As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vide Humana minantes das pessoas; inclusive nio ¢ um estado de espirito devidamen- te apreciado - salvo talvez nos anos da maturidade. Pelo contratio, que- remos € procuramos que os acontecimentos que protagonizamos ¢ os fatos que agitam 0 mundo, nos toquem de um modo especial: queremos que nos emocionem, Os episédios significativos que se destacam no percurso da vida levam a marca do emocionante; o primeiro amor, 0 primeiro emprego, as primeiras transas, os infaltaveis fracassos ¢ todos esses momentos excepcionais que matizam a trajetéria de todos nds, Festas, celebragdes, encontros especiais, datas decisivas- todas clas es- to aureoladas pela presenga dese algo que nos toca de mancira envolvente. Em nossa cultura 0 emocionante tem um carter eminentemente positivo, No importa que o que nos provoca uma reagzo emocional seja grotesco, absurdo, tolo, cruel. Existe toda wma indiistria cuja maté- ria prima so as emogdes - ou melhor, o jogo emocional decorrente dos eventos programados ¢ caleulados para provocar reagées intensas num piblico consumidor, O cinema, os noticidrios da TV, a literatura de con sumo massivo, 08 esportes e até 0s ritos religiosos baseiam seu sucesso no impacto que produzem numa clientela, aids, desejosa de tal efeito. A midia nao s6 apela para sentimentos romanticos, mas para todos os af tos. Boa parte dos programas televisivos sdo simples divertimentos ba- ralos, verdadeiros camavais de banalidades e agitagio emocional. O que se propde a midia cletrénica, em especial, & tanto provocar desejos quaiito impactar ao potencial consumidor. Para conseguir este impacto apela para todos os eventos extremos que caracterizam 0 cotidiano do mundo contemporiineo-violéncia, sexo, escindalos, icales populares, cormupgaio nas altas esferas, crimes espantosos, vida intima dos privilegiados, pai- xdes ¢ romances. Sobretudo romances; paixdes para todos 0s gostos, idades, classes e preferéncias sexuais. As dizias de revistas fomininas ¢ as (ele-séries, infaltiveis em todos os canais televisivos, criam um clima de erotismo ¢ de situagées emocionais que empolgam 2 uma massa de Ieitores ¢ espectadores, geralmente carentes deste tipo de estimulos nas suas vidas resttitas. Para compensar a rotina cotidiana as pessoas nfo querem apenas distrair-se com passatempos simples e mecdnicos, Procuram que esse divertimento c outras forraas ce expresso - jogos, espeticulos, relagdes interpessoais, festas - mexam com seus afetos, expectativas c desejos. notorio que a vida adquire um carter dramditico e cromatico na medida que os eventos ¢ agbes afetam e mexem com nossa sensibilidade. Emo- Ges © sentimentos revelam que estamos sentindo os acontecimentos Com intensidade e envolvimento, o que parece dar uma dimensio a mais As Formas da Sensibilidade - Emocdes e Sentimentos na Vida Humana 1S 0 acontever. Quando algo nos toca e mexe de maneira especial conosco nos emocionamos; esta 6 uma experiéncia comum que todos fazemos. A mera vida voltada pata o trabalho, com toda a imposigao de objetivida- de mecénica e de repeticdo inevitével, exige de nbs momentos de suspense, de agitagio, de relevo e de contrastes, que coloquem nos even- tose nas mais diversas situagdes um elemento de dramatismo e de novi- dade instigante, Os eventos e situag6es que nos interessam de modo especial, ou aos quais outorgamos um significado destacado, suscitam emnésuma agitagao célida eexcitante, Isto mais marcante ainda quando se trata dos primeiros grandes eventos que nos abrem as portss para um plano até entio esperacio e desejado -a confirmagiio de nossa f8 religio- sa, @ entrada na escola, 0 primeito namoro, o primeiro trabalho oficial, & muitos outros. Nao apenas as emogdes ¢ 08 sentimentos permeiam espago so- cial. Como individuos estamos senda continuamente afetados na interagio com 0 mundo; n&o apenas somos agitados por uma efervescéncia emocional, ora agradavel, ora desagradivel —segundo seja coino avaliamos os eventos do mundo que mexem com nossa sensibili- dade- tamhém vivemos num determinado clima afetivo que impregna o campo psicoldgico levando-nos a uma percepeo do mundo em conse- nancia com esse clima afetivo predominante: vivemos e estamos sem- preaum estado de humor (ou de animo, como também se diz). S20 esta dos relativamente duradouros, que tanto podem durar uma hora ou pro~ longar-se por dias, meses ¢ até anos, com leves variagdes. A ansiedade a depressio, o contentamento ¢ a serenidade so alguns destes estados. Existe igualmente uma combinagdo de emogGes € sentimentos ‘que ainda tem um impacto mais intenso e avassalador na vida do sujei- to: sio as paixdes. Das ts grandes paixdes que dominam aos scres hhumanos, uma € procurada ¢ desejada como uma experiéneia tnica € inesquecivel: a amorosa. O amor é um sentimento, mas misturado como desejo erdtico gera um composto altamente igneo e invasivo. Fascinado e absorvido por um objeto, o sujeito o supervaloriza a tal ponto que sua atengio e o movimento de sua existéncia fica polarizada no objeto. O cariter fascinante do objeto da paixdo coloca a pessoa num estado de exaltagio e de intensidade vitais rara vez alcangado por outros meios © objetivos. . O amor erdtico & 0 grande mito do Ocidente. Mito porque attibui a esta paixo virtudes e exceléncias que 36 se cumprem em determina dos casos ¢ apenas mum lapso temporal restrito; mito sobretudo porque apenas numa fracdo limitada esta associada ao amor propriamente. Mito, porque se promove ¢ exalta esta paixao acentuando apenas o lado des- 16 As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida Humana lumbrante de seus efeitos (a intensidade da vivéncia, 0 clima magico, a idealizagio do objeto) e ignorando seu lado menos hontoso (a subordi- nagao do sujeito ao objeto de sua paixao, sua origem num excesso hormonal, a restrig&io do campo perceptivo) Ha certamente outras paixdes, que nio implicam a libido; impli- cam os outros uspectos j4 mencionados. Todas elas polarizam 0 movi- mento da existéncia no objeto da paixfo. A paixdo pela causa, religiosa € politica, e a paixao pelos jogos de azar so as mais conhecidas, As trés nao chegam a ter a mesma atragao irresistivel, tio caracteristica da exaltagio erética. Poderia pensar-se que a paixio pelos jogos de azar & sobretudo um vicio mais que um movimento afetivo absorvente ¢ irre cl; teria um caréter compulsivo que geralmente leva a destruigio do sujeito. Ora, todas estas caracterfsticas estiio igualmente nas oulras paixoes mencionadas acima. Embora 0 fanatismo nfo seja inerente & paixio pela causa nao é tampouco surpreendente que termine por mis- turar-se com ela, obnubilando assim a correta visio das coisas. Contudo, embora as pessoas gostem de experimentar emogdes associadas aos mais diversos sentimentos, existem duas. emogées primi- tivas, inerentes & condigfo humana, que perturham negetivamente, ge- rando conseqiiéncias nada agradiveis: 0 medo ¢ a raiva. Podemos al reconhecer um certo lado positivo destas duas vivén: las, MAS NOS resU {a intoleravel viver por muito tempo em seu ambito. Reconhecemes que estas duas emogdes sfo vitais para nossa sobrevivéneia, pois as dias operam como protegdo e defesa perante as ameagas que nos acossam de modo constante; clas sdo parte de nossa heranga animal, pois estiio igual- mente presentes em todos os vertebrados formando parte do instinto de conservagao da espécie, Ainda mais; tendemos a destacar o lado estimulante, envolvente, positivo e dignificante de emoydes e sentimentos. Uma certa ingenuida- de, junto com essa forma de romanticismo rosa que circula no espaco social, nos leva a exaltar as virtudes da emotividade; o lado cdlido dos afetos, a magia que introduzem em nossa visio do mundo, nos parecem um bom antidoto contra a atmosfera fria ¢ funcional da vida pritica. ‘Tudo isso muito compreensivel. Contudo, ndo podemos ignorar a exis- téncia em nds de uma séric de sentimentos negativos, que nos levam a alos @ comportamentos destrutivos, incompativeis com 0 respeito 20 proximo ~além de ser altamente perturbadores do campo psicaldgico. Os cies, a inveja, o ddio, o desprezo, a vergonha, a culpa e outros, s40 formas de relagaio homem-mundo que condenam 0 sujeito ao sofrimen- to e ao desentendimento interpessoal. E frequente ouvir “respeite meus sentimentos”, como se qualquer sentimento estivesse revestido de um as armas da Senstbilidade - Emogies ¢ Sentimentos na Vida Humana 17 valor em si, indiscutivel e enaltecedor. Nao é bem assim; experimenta- mos todo tipo de afetos, desde os mais nobilitantes até os mais vis © vergonhosos. Nem todos sio respeitaveis, embora guase todos scjam compreensiveis. 2. Caracterizasio fenomenoligica da afetividade e dos afetos Por experiéncia direta todos sabemos 0 que sdo os afetos; talvez a maioria das pessoas no saberia conceitualizé-los, mas nos daria uma certa idéin de como eles se manifestam ¢ de seus efeitos na vida das pessoas. Todos temos um conhecimento intuitivo, imediatamente vivi- Go desta dimensio basica da existéncia. Contudo, como um passo inici- al indispensavel precisamos ter um conhecimento mais rigoroso e me- Ihor delimitado Gestas formas da sensibilidade mediante o esclarecimento dos conceitos fundamentais que as definem na sua peculiaridade. Em primeiro lugar, o que entendetnos por afetividade? Esta é uma questo que nos exige uma reflexio atenta, pois até hoje os especialisias nfo nos oferecem um conceito claro, embora seja a primeira questo a ser respondida. Hé pelo menos duas maneiras de responder a essa ques- tio. Primeito, de um modo formal e abstrato: a afetividade & uma di- mensio da existéncia que abrange todas as formas que possam afetar subjetivamente 0 ser humana em sua relagao com o mundo. A afetividade € entendida simplesmente como o conjunto de todos os afetos, negati- Vos ou positives, quaisquer que seja sua modalidade, Segundo, de um modo fenomenolégico-existencial. O homem esti em permanente interagio com seu ambiente; nesta interago homem- munklo, os eventos, os objetos € pessoas que configuram este relaciona- mento, {em um certo rau de ressondncia na existéncia do sujeito, resso- ndncia que estrutura sua subjetividade de maneira que afeia todo seu ser, em algum grau. Em termos psicologicos, podemos chamar de sensibilidade esta capacidade de sentir os eventos ¢ as relagtes que mantemos com os objetos ¢ seres do mundo. Esta capacidade revela que somos seres sen- siveis, abertos ao que acontece ao nosso redor ¢ em nés mesmos. A sensibilidade se dd em dois planos diferentes. Ha dois planos da sensi lidade; um se manifesta no plano orginico; outro se mostra no plano dos afetos. No plano orginico sio os érgkos sensoriais os que nes permitem. sentira enorme riqueza de informasdes que podemos adquirir gragas & senso-percepgdio: 0s chamados cinco sentidos tradicionais nos proporci- ‘onam dados do mundo extemno (audigao, visio, olfato, tacio, gosto); contudo, hi outros sentidos que nos proporcionam informagées tanto de 18 As Formas da Sensibilidade - Emogdes ¢ Sentimentos na Vida Humana nosso préprio corpo quanto do mundo extemno: -o sentido térmico nos di a sensagao de frio e de calor -0 sentido algico, nos permite perceber um agente nocivo dando- nos a sensaciio de dor (neuralgia, cefalalgia, ete.) -0 sentido do equilibrio (situado no ouvide médio) nos permite manter 0 corpo numa posigao estavel, que nos impede cait, -0 sentido cinético, (centralizado nos miiscules) nos permite per- ceber ¢ movimento -o sentido cenestésico nos proporciona as sensagdes das visce: dos érgios internos, A sensibilidade sensorial nos permite tanto perceber o que acon- tece quanto nos permite sentir as qualidades bésicas das coisas ~chei- ros, cores, formas, sabores, temperatura, etc, Pela sensorialidade come- amos a classificar as coisas e seres do mundo conforme duas categor as antitéticas: 0 agrackivel e o desagradével. O agradavel nos provoca sensagées de prazer; o desagraddvel se nos apresenta como desprazcroso. Existem outras fontes de agrado, como sto a satisfagiio das necessida- des naturais (dormir, comer, fazer sexo), todas elas associadas a sensa- ‘ges prazerosas. Estas duas categorias da sensorialidade mantém uma estreita conexao com 0 plano da sensibilidade afetiva, Um ambiente agradavel influi diretamente no estado de humor; se vocé esti desani- mado é provavel que logo se sinta melhor dispostos tomando um bunho, mais ainda se o faz em companhia de quem gosta. Mal dormido, esfo- meado, cansaclo depois de uma labuta dura, & muito provavel que fique itritdvel, pronto para manifestar ira e desyosto. A sensibilidade na drea dos afetos se revela pela duracao, a forma € a intensidade em que uma pessoa se sente afetada pelos eventos do mundo no plano vivencial-esse plano que costuma ser chamado como subjetividade. Hé pessoas mais sensiveis que outras; ha etapas da vida em que normalmente somos mais ou menos receptivos aos estimulos afetivos. O grau de sensibilidade pode implicar ora uma reagio imediata e passageira ao estimulo-situagao, ora uma reagdo retardada e persisten- te, Duragiio, intensidade ¢ forma expressiva parecem ser caracteristicas associadas & personalidade do sujeito, Em todo caso, ser menos ou mais sensivel supde ser menos ou mais permedvel as situagdes-estimulos € gs cventos que estio continuamente instigando, provocando 20 sujeito, ‘Na linguagem corriqueira os afetos sdo entendidos como sinéni mos de sentimentos. Porém, os afetos correspondem as unidades espec ficas ¢ caracteristicus, que se configuram no plano da afetividade quan- do 0 sujeito experimenta de wm modo peculiar sua relagdo com o mun- As Formas da Sensibilidade - EmogBes e Sentimentos na Vida Humana 19 do, Podem ser uma emogiio (como o medo e a raiva), um sentiment (Como a inveja ou a admiragao), um estado de animo (como a angistia ou cordialidade, estados que supdem varios afetos entrelagados numa unidade de sentido) ou uma paixéo (como a paixdo amorosa, ou a pai- xo pelo jogo, que so sentiments, iniensos e persistentes, polarizados num determinado objeto), Chama-nos a atengiio que sejam as emogiies as mais pesquisadas por parte dos especiatistas, a ponto de que os manuais de psicologia estudarem quase unicamente este tema quando querem expor o lado fetivo do ser humano. Costumam incluir também os sentimentos; con- tudo, no especificam claramente as diferengas existentes entre estas duas vivéncias, Os ma:nuais mais rigorosos nos ensinam que as diferen- (gas derivam de um fator puramente quantitative, esquecendo que ai nfo reside a diferenga principal. As emogdes - afirmam - sto reagdes afetivas intensas © de curta duragio; por serem intensas tendem a desorganizar a conduta, provocando alteragdes somdticas diversas em todos 0s siste- mas fisiolégicos. Os sentimentos-enfatizam- so menos intensos e de maior durago que as emogdes. Como veremos em detalhe nos capitulas correspondentes, a dife- renga nao é de ordem puramente quantitativa; reside no significado vivencial que estas duas modalidades afetivas caracterizam, ‘De qualquer forma, é compreensivel o interesse dos pesquisado- res tradicionais pelas emogdes, em detrimento das outras modalidades; 8 emogdes se prestam a estudos quantitativos ¢ fisiolégicos, pois sem- pre denunciam um substrato biofisico facilmente detectavel; elas colo- cam também a questio da unidade psico-fisica (0 velho problema da relaydo alma-corpo da tradicdo filoséfica-metafisica) e permitem postu- lar a tese do carter psicossomatico de algumas doengas. 3. A Dimensio afetiva ¢ sua relacio com as outeas dimensdes da existénci A vida humana pode ser compreendida em seus tragos fundamen- tais de acorde com oito grandes dimensBes: elas dio conta de sua com- Pleaidade e riqueza, de suas peculiaridades e de suas caracteristicas mais, gerais. Estas dimensbes sio: -A Dm afetiva-2 Dm interpesscal e social-a Dm corporal- A Dm da préxis- A Dm dos valores- A Dm motivacional- A Dm temporal- Dim espacial- e como sintese de todas as mencionadas, a Dm do homem. como ser-no-mundo, Todas estas dimensdes se interpenetram ¢ influenciam mutuamen- 20 As Formas da Senstbitidade - Emogées e Sentimentos na Vide Humana te, a tal ponto que resulta muitas vezes dificil discernir a predominancia de uma sobre outra num determinado fenémeno, Num outro livto meu tenho feito uma exposicdo detalhada dos aspectos mais substantivos de cada uma destas dimensdes, mostrando como nelas se manifesta a exis- ‘éncia em sua originalidade ontoldgica. (Romero, 1998). A continua~ gio vou limitar-me a expor de maneira sumfria como s¢ manilesta afetividade em cada uma delas. a) A afetividade e sua relagao com a dimensao corporal Num sentido geral, os afetos se inscrevem no corpo seja de ma- neira sutil, seja de modo ostensivo. Nas emocdes esta inscrigio é noté- ria, tanto para um observador extemo quanto para o proprio sujeito que as experimenta. Os concomitantes fisioldgicos e bioquimicos das emo- ges so bem conhecidos, tanto & assim que existe até uma mancira objetiva de avaliar as reagdes emocionais de uma pessoa mediante um instrumento conhecido como deteior de mentiras ~muito usado pela policia para pesquisar os possiveis envolvimentos de um suspeito num determinado delito. © medo e a ira ativam reagdes sométicas correlativas 420 grau ow intensidacie de emogdo; pode ser tio forte a regio que no & insdlito © caso de morte siibita por parada cardiaca apés uma destas duas emogdes, A correlagiio entre emogio ¢ corpo é uma experiéncia que estamos tendo a cada momento segundo seja o grau de nossa permeabilidade aos eventos do mundo, Desta evidencia primeira deriva a tese da chamada Medicina Psicossomitica, que postula que numero- sas doengas orginicas sao provocadas por algumas emogdes especificas —em especial pela raiva-e por estados de Animos persistentes ~a depres- sio ca ansiedade. A hipertensio, a enxaqueea, a tileera gastrica, a asia € muitas outras parecem provocadas por este tipo de fator ou se no provecadas causalmente, sio desencadeadas por elgum fator emocional negativo. Os estados de animo se inserevem na postura corporal ¢ nos versos aspectos da expressividade. A tristeza e a depressio so facil- mente detcctéyeis; postura encothida, movimentas lentos, sensagao de falta de energia, olhar apagado, fala algo mondtona ¢ baixa -sio algu- ‘mas manifestagdes desses estados. O contentamento apresenta todas as manifestagdes contratias: sensagdo de leveza, disponibilidade energética, movimentos ripidos, olhar brilhante, fala encorpada e ritmica, Preciso dizer como o corpo afeta a Dm afetiva? Nao esquecamos que existe uma relagio dialética de miitua influéncia entre as dimen- soes. Basta estar restriado para sentir seus efeitos; e no vou citar os casos de doengas graves, como so aquelas que nos defrontam com a morte, A doenca sempre se apresenta como uma ameaga somato-psiqui- As Formas da Sensihilidade - Emogies ¢ Sentimentas na Vida Humana 21 ca: como algo que afeta a existéncia, limitando-a, regimentando-2, redu- indo suas possibilidades, Mas nao sé a doenga nos afeta; basta uma Ueficiéncia Fisica, que prejudique a aparéncia pessoal, para que surja em 16s a conseiéneia de uma desvantagem amide doida e contlitiva. b)d afetividade ¢ sua relagdo com a dimensiio interpessoal. O ser humano vive inserido num sistema social que o condiciona 0 modela, determinando aspectos basicos de sua visio do mundo, Alem de estar inserido num sistema o sujeito forma parte de um complexo de relagdes interpessoais -outras pessoas com as quais interage cara a cara, num contato de maior proximidade. ‘Os sentimentos sdio os que melhor revelam o cardter ea qualidade de nossos relacionamentos interpessoais; eles traduzem as diferentes formas de relacionar-se 0 sujeito com os objetos, as outras pessoas consigo mesmo —pois ha um bom niimero de afetos em que é 0 proprio sujeilo o objeto de seus sentimentos. Existem sentimentos orientados pela simpatia e pela valorizagao do proximo: 2 estima, a afvigao, o amor, a compaixio, a confianga 0 respeito, a consideragao, a admiragao e a gtatiddo. Mas também existem sentimentos orientados pela antspatia ¢ pela desvalorizagao do outro: a rejeicao, a averséo, o édio, a desconfian- ca, 0 desprezo, a inveja e a decepsto. ‘Tudo indica que os sentimentos sio adquiridas pelo contato interpessoal; esta é uma das diferengas com as emogoes, que formam parte do patriménio genético cas espécies. Por serem adquiridos, todas 0s senlimentos sio fortemente influenciados pelo fator social, tart em sua expresso como em sua manifestagdo, O sentimento de compaixie para com os deficientes fisicos ndo se manifestava entre os gregos, os quais condenavam a morte zs criancas com defeitos notéries. A escravi- do em seus aspectos mais cruéis ~como o trifica de escravos € 05 cas- tigos corporais denigrantes a eles aplicados- foi amplamente aceito até a Revolugdo francesa, A infidelidade conjugal e a homossexualidade sus- citou forte indignacdo na cultura influenciada pelo judeo-cristianismo, mas hoje é visto pouco menos que como algo natural nos setores urba- nos, Julgamos normal a hiper-emotividade feminina e censuramos essa ‘mesma expressio entre os varies, Nos periodos de guerra entre nagées se incule 0 ddio e 0 desprezo nos beligerantes, que assim ficam prepara- dos para as piotes amostras de sevicias. Os combatentes ficam com li- cenga para matar sem constrangimento. Noutra esfera, os ricos olham com visivel menosprezo aos pobres, considerando-os unis coitados, me- recedores de sua condigao. B as pobres em relagio aos ricos oscilam entre a inveja ¢ oressentimento, entre conformismo resignado ¢ admira- 22 As Formas da Sensibitidade - Emogies e Sentimentos na Vida Humana giv. Desde uma outra perspectiva, todas as formas do psicopatologico implicam um modo peculiar de relacionar-se a pessoa com os outros, ‘modos que refletem seus sentimentos dominantes, Trata-se aqui da mii. tua influéncia dialética que jé apontamos acima. Assim como o sistema sécio-cultural gera formas afetivas, estas formas por sua vez configu ram a visio do social e do mundo. Vejamos os quadros mais comuns -Nos sujeitos esquizofignicos hi um notorio distancizmento afetivo enitida ambivaléucia com respeito aos outros; nos casos mais acentuae dos existe neste tipo de pessoas o que Kraepelin qualificava como embotamento afetivo. Correlativo a tudo isto, 0 esquizo se isola, che gando a uma verdadeira ruptura interpessoal-trago muito ostensivo no ipo hebefrénico e no cataténico. -A desconfianga, 0 receio ¢ o sentimento de extrema vulnerabilidade sio caracteristicos do paranoide -O desrespeito ea desconsideractio sio condutas tipicas do psico- pata, embora nem sempre se manifestem em toda sua crueza devide a sua habilidade pata encobrie seus propositos. ~As chamadas personalidades fronteiricas, que esto bem na fron- teira do psicopatoldgico, entre o aparentemente normal e o notoriamen- te anormal, também mostram sentimentos peculiares. Os esquizoides mostram bloqucio afetivo e, em conseqiéncia, falta de luéncia emocio. nal. Os nareisistas mostram ceria dificuldade para transferir afetos ¢ uma ostensiva atrogancia. Os autoritérios tendem a menosprezar a seus inferiores hicrérquicos, sio preconceituosos, rizidos e bitolados. Poderia citar outros exemplos mas com os indicados 6 suficiente, ©) A afetividade ¢ a dimensiio da précis. “Até os 30 anos vivi na revolta ¢ no desespero. Sem profissto nem oficio qualificado tinha que trabathar em qualquer bico que se apre- sentasse; © quase sempre cra o pior; coisas para gente sem destino; o que mais aparecia cram empregos para vendedor, e ai estava eu vendendo bugigangas; mas no tinha a menor disposigio para esse oficio de ma- andros e logo chutava fora a porqueira que tentava passar pra frente. Meu fracasso nisso de ganhar-me o pao era uma fonte de sofrimento insuportavel; esse fracasso arrastava outros fracassos. Irritado, revolta- do, triste, logo terminava brigando com quem estivesse por perto. Nem preciso Ihe dizer que os namoros iam logo agua abaixo. Era 0 que 0 0s psigdlogos chamam um neurdtico carimbado, nao é assim? Tudo mudou assim que consegui um emprego decente, pode acreditar em semelhante milagre?” (J.B,) As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Seniimentos na Vida Humana 23 Nossa vida nunca est feita de uma vez por todas; precisamos ir fazendo-a com cada um de nossos atos ¢ comportamentos, Todas as for- mas de atividade apontam tanto para atender as necessidades quante para realizar nossas possibilidades e interesses. Uma forma privilegiaca de atividade é 0 trabalho. © trabalho é a forma institucionalizada de produzir nossa vida. Qualquer que seja seu officio a pessoa precisa gos- tarnalguma medida o que faz; de nfo ser assim seu grau de insatisfacdo pode virar profimnda frustracao, E Sbvio que no basta gostar, também & nocessirio que o trabalho tena outras recompensas (remuncragao, am- biente adequado, etc.}. Tanto fazer o que ni se gosta como nfo fazer 0 que se gostaria de fazer so fontes de sofrimento. F: 0 caso de algumas profissdes que hoje estio em baixa. Engenheiros, advogados, psicélo- £208, socidlogos, ctc, Se véem obrigados a trabalhar em atividades dife- rentes em ravdo de que o mercado nao Ihes oferece oportunidades, Al- {guns termina por adaptar-se quando encontram ouliras compensagies ‘ou porque aceitam o principio de realidade, que ensina que tocar 0 pan- deizo na orquestra é melhor que nada ‘Trabalhamos no apenas para dar conta de nossa vida em termos ‘maieriais, mas igualmente por outros motivos; a demanda de status esta fortemente associada ao exercicio de uma profisszo, pois um elemento bisico de nossa identidade social & dada pela atividade que exercemos. Ter uma profissio ou emprego nos define em alto grau na escala de valorizagdo social. Por esta raziio ficar fora do proceso produtivo, seja por desemprego temporal, seja por aposentadoria, tende a gerar proble- ‘mas emocionais nas pessoas. O efeito negativo do desemprego se mani- festa de diversas maneiras, mas todas elas terminam por afetar a auto- confianga &@ auto-estima da pessoa; alguns desempregados chegam até ocultar sua condigao para ndo evidenciar que esto num periodo de fa- léncia. Quanto maior € 0 tempo de desemprego maior é o sentimento de marginalidade e de incompeténcia experimentado pelo sujeito. Os efei- tos da aposentadoria sto diferentes, mas muita gente sente dificuldades para inventar novas rotinas que venham a preencher 0 tempo livre agora disponivel; isto é muito mareante em individuos que néo tem cultivado interesses focalizados em Greas diferentes de seu emprego; apenas uma parcela menor compensa a perda de seu espago ocupacional habitual com atividades oriundas de outros interesses (esportes, artes, atividades de solidariedade social, aprimoramento intelectual, cultivo da religiosi dade, etc) Por outra parte, hé uma pritica , um exereicio e um cultivo dos afetos. Assim como ha uma pritica da linguagem ou de habilidades so- ciais e motoras, assim também ha uma pritica do respeito e da conside- 24 As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vile Humana ragdo, tanto referidos a nosso préximo como a nés mesmos. Certamente ha igualmente todo um exercicio de sentimentos negativos: o desprezo, a inveja, a arrogancia. Nao apenas tudo isso; é parte do aprendizado social 0 controle das emogdes e dos impulsos a elas associados; é pre, So saber conter a raiva, sobretudo na stia manifestago agtessiva; € con- veniente moderar a expresso emovional. @) A afetividade e a dimensiio motivacianal “Tarde cheguei a amar-te, Oh, beleza!” Desde que li esta frase atribuida a Santo Agostinho me impressionou, Foi escrita para mim, Eu ‘mesmo s6 comecei a freqiientar as recintos da arte depois dos 45; até entio me interessava apenas por minha profissiio, 0 sexo, o dinheiro, as corridas de earro e minha familia, Nessa mesma ordem, Agradego ameu irmao a oportunidade de entrar no mundo da miisica. Foi no dia de meu aniversdrio; cle me dew um disco; era uma solegio de classicos. Até enti nunca tinha prestado atencZo a esse tipo de miisica, Ouvia esse lixo que transmite a rédio, Por mera cortesia comecei a ouvir um dia qualquer. Ai fui entrando devagar nesse recinto; de pronto entrei na Pavana para uma infanta defunta, de Ravel. Foi como se houvesse des- cido o Espirito Sento sobre mim: me desmanchei, chorando. Como fala- va meu irmao, aquilo era um outro reino, que nenhuma palavra poderia expressar. A partir desse dia, algo aconteceu em mim, simplesmente mudci; mudei de sensibilidades antes vivie para fora, agora comecei a vViver mais para dentro; inclusive a motivagio sexual, que antes era nui to forte, mudou; foi tanto assim que terminei com uma amante com quem ‘mantinha um caso por uns dois anos, e ¢ garupa feminina deixou de ter lum atragao irresistivel; ainda mais: nunca mais me interessei por car- 105...” (H.M.,52 anos). O homem € um ser de necessidades, oriundas de sua natures biolsgica, mas além destas necessidades ele é mobilizado por demandas e interesses. Num plano muito primario precisamos, do modo constante, atender as necessidades; fome, sexo, sono e outras se impdem de mane 4 periédica, som que seja possivel proteld-las por muito tempo, Muita gente vive absorvido no atendimento destas exigéncias de ordem natu- Fal; contudo, também somos motivado por demandas de natureza Psicossocial ¢ ontolégica, Como a palavra indica, a demanda é uma Solicitag4o que o sujeito faz aos outros e que se faz a si mesmo como condigdo de sua realizagio possivel, Demancamos contato interpessoal reconhecimento, aulonomia, afiliacio, afeto, seguranga; nalguma medi- da estas demandas devem ser atendidas pois sao os requisitos de um desenvolvimento pessoal sadio. A demanda de seguranga dentro de cer= ‘os parimetros nos permite organizar a vida dentro de uma previstio jentimennos na Vida Humana = 2S As Formas da Sensibilidade - Emogies ¢ razodvel. O notdvel & que na origem da ansiedade © do medo esti a conseiéneia de ameaga a seguranga basica da sujeito. Uma situagao pre- ciria, material ow interpessoal, corroida pela incerteza, a ponto de o Sujeito sentir que tudo pode desmoronar amanhé, gera ansiedade até nes pessoas melhor estruturadas. Eo que acontece quando o fator econdmi- co de uma nagiio ameaca com tado seu cortejo de calamidades - a infla- Gio, o desemprego, a violéncia urbana e outros indicadores de faléneia geral; entdo a ansiedade vira o fator comuin de vastos setores da popula- gio, O isolamento entendido como falta de contato interpessoal, seia or deficiéneias do proprio sujeito, seja porque a pessoa é ui zeeém chegado na regio, igualmente afeta ao individuo, provocando-Ihe um sentimento de desamparo de gran variével. Por outra parte, alguns estados de animo e determinados senti- mentos jeualmente influenciam as necessidades, as demandas e os inte- resses. E bem conhecida a relacdo que existe entre o estado depressive e as alteragées do sono, do apetite e da bido. Algo similar acontece nos estados de ansiedade, que provoca efeitos contririos aos da depressto. ‘A depressao vai acompanhada de urna queds muito notéria dos interes- ses que até enttio mobilizavam 2o sujeito, “Durante muito anos fai esp rita me diz.um senhor de 55 anos- mas depois que entrei nesta fase de prostraco perdi todo interesse na doutrina; freqiientava o Centro, parti- cipava de todas as atividades, dava passes, tudo isso. Agora tenho a sensagiio de tudo isso foi va ilusio, uma maneira de ludibriar-me para no sentir meu fiacasso”. Hi sentimentos negativos originados na inffincia e na adolescén- cia que entorpecem ¢ até impossibilitam a realizagio de algumas de- mandas, Tal acontece com os chamados sentimentos de inferioridade, que implicam uma baixa auto-confianga e uma auto-estima pobre; estas pessoas tm uma enorme dificulcade para manter contatos interpessoais isentos de conflitos, © que agiava ainda mais seus sentimento de ndo realizagio neste plano. Muitas destas pessoas so capazes de renunciar 2 sux demanda de autonomia part manter contato com determinadas pessoas. ©) A fetividade e a dimensito vatorativa (axioligicay “Acho que o pior defeito que jé tive foi valorizar demais as coisas, € as pessoas por sua simples aparéncia; eu era um cara francamente preconceituoso; parece que minha familia € 0 ambiente no qual me criei fizeram minha cabeca de trapo; podia tremer de tesio por uma preta, mas como pensava que essa era uma raga inferior nunca me permitia dar curso a meu desejo; pensava que era essa raca a causante de nosso sub- 26 ds Formas da Sensibilidade - Emogdes ¢ mimentos na Vida Humana desenvolvimento; algo semelhante me acontecia com os homossexuais; quando um grupo skinhead dava uma sutra num bicha eu aplandia, pode imaginar isso? Lembra-se quando um grupo dessa gente matou um Lomo ra praca da Repiblica? Eu pensei que esses carecas faziam um trabalho de limpeza. Acho que alé 0s 23-25 anos acreditei em tudo o que minha familia tinha como eatecismo oficial. S6 anos depois, no final da Uni yopidade, me lberei de toda essa escdria” (Rubens, 29 anos, advo do). O ser humano é um ente vatorativo: em quase tudo o que pondera Coloca uma marca positiva ou negativa, 0 signo mais ou menos Ente der o conceito de valor em economia ndo é dificil; uma mereadocia, urna Goisa, tem um determinado prego no mercado ou é trocada por outta coisa diferente que tem um valor equivalente, Fm economia o valor esta determinado pela lei da oferta ¢ da procura e poucas mezeadorias ten uum valor em si. Mas o valor em sentido geral e abstrato é dificil esclarc. cer. A maneiza mais compreensiva de entender este conceita ¢ afirmar ue toda escolha e preferéncia que fazemos implica um valor. Valor ¢a estimativa que fazemos de urn objeto, conduta ou preferéncia. A esting {iva pode ser justificada por diversas razdes, inclusive de grande valida de objetiva, mas em iltima instancia a preferéncia revela a opgito do Sujet. Rubens colocava um valor negativo nos objetos de seu precon, Seite os rejeitava e condenava; s6 depois chegou a compreender que Gua conduta ¢ as vivéneias que sustentavam essa conduta eram erradas O preconceito foi superado © o valor negativa implicada perdeu sua validade. O espaco social esté inteiramente demarcado por uma série de valores; todas as normas, regras, ereneas, mitos, preconceitos tudo ises ue se costuma qualificar com representagSes sociais-traduzem estes valores. O individuo internaliza esses valores ¢ os assume como as een dades que justificam sua visio do mundo, das coisas e das pessoas O notivel € que todos estes valores estilo fortemente saturados de sfetos, negatives, positivos ou ambivalentes, Hé autores que afirmam que todo valor emana de um fundo puramente afetivo. Eu nao diriaomesne. sag timensdes diferentes, nfo importa quio saturado de afeto esteja um den terminado valor. Penso que os valores sao universais, embura existara assim como o boi Apis 0 foi para os Seipeios antigos; para nds essa atsibuigao carece de sentido, Contudos 0 Sagrado tem um sentido muito similar em todas partes, expressand¢ mana 27 1 Formas da Sensibilidate - Emogaes e Sentimentos na Vier Hu inistétio ¢ 0 poder do divino presente no objeto ou recinto onde o divino gy sg aren coer comunidad detenminads tende « provocar indignagdo moral © agulé- io € as formas desviadas da conduta sexual provocam indignagdo ndo apenas em quem passa por vitima da trangressio mas também da co- munidade. A pedoilia€ considerada uma forma de depravas oe repiidio € muito forte, tanto que 0 pedofilo é liquidado pelos p: pres ere. a re modo os sentimentos provocam vaorizagées, Para urna pessoa que st envolvda por fortes lngosafetivos com alguém qualquer abjeto que > presente ess pessoa adguire um valor expecial. © anel de casamento simifica pono para umn cata que 9c or er compromiss socal oupels press das cireunstanias, mas seo casa esta num estigio de forte vineulago € provivel que ese anel sea algo muito in sects ma palavra carinhosa de alguém que nfo nos toca afetivamente & ape- nas um gesto de gentileza, mas essas mesmas palavras nos comovem. - Mas adiante retomo esta questio. A afetividade e a Dm temporal 3 renal um ser temporal ¢ temporalizante: fist s Bed segundo as trés verientes do tempo a sado, 0 present iteia o tempo na Dm afetive? 7 comme oj, if caminiando pela estagdo outonal, as instigaydes do me tocam bem menos peal = depoimento embora pessoal néo tem nah de cepa etel a ‘o mundo da maioria das pessoas. Inclu- yrresponde A maneira de sentir o mun oe une evolugao nesta dimensdo segue um percurso: oan ma. A medida que vamos avangando na escala etéria vai boosie a impacto dos eventos na pele de nossa sensibilidade. Em termos x aise 1u de sensibilidade vai diminuindo com a idade. A crianga é per tmodva, isto &, muilo permedvel as estimulos da stungio, com esessa cu nula Gepucidade de ‘iltragem e seletividade. O adolescente deer dente emotivo, bem menos permeivel que ns cape sive, asi 4 aos 35) €me , ite instavel. O adulto jovem (dos ° cee tare un dovevolvineo sedi, esvol-o quo implica que Seco mus de vida estiio bem desenhados, Gla sempre, a aha é iléncia a ter uma visto mai na ‘to maduro (dos 35 até os 65) a ten ee Tice e pritica da vida cantina acentuando-se, reduzindo-se assim a gravitagio 28 As Formas da Sensibilidade - Emogies e Semtimentos na Vida Humana dos eventos que até anos recentes impactavam ao sujeito. © mundo mesmo perde parte aprecivel de seu encanto ¢ scus convites resultam bem menos atrativos, sobretudo depois dos 50, Na velhice é a propria vida que se torna mais drida e menos convidativa; no velho, a visio das Coisas se apresenta com ares ele uma ceita melancolia; uma fragio con siderivel de idosos nfo conseguem superar os inforttinios da vida nem Superaram suas deficiéncias carateriais; uns 20 a 25%, tendem a serem ranzinzas, irritéveis, queixosos, emotivos. No capitulo sobre o desen. volvimento dos afetos exponho as razdes que permitem compreender estes fenémeno evolativo. ld também aspectos iporalidade que so influenciados, por sua vez, pola afetividade. fo que acontece com os estados de Animo, Na depressio, como é bem sabido, o tempo se alonga, se lentifica, alérm de ue 0 passado tende a predominar, Na ansiedade e na angiistia o sujeito se sente absorvido pelo futuro, pois a ameaga paira como um evento ossivel. No contentamento 0 tempo passa ripido ¢ o presente adquire as Feigdes do luminoso e do instigante. E assim com outros estados 2) A afetividade e a dimensio espacial “Voce tem idgia o que significa ser um emigrante? Nao? Entendo; voc® nunca saiu de sua terra. Mas voc@ ji saiu da casa parental, do lar {que o viu crescer © ganhar todas suas experiénciasate os 18 anos, Ai tem uma boa idéia do que passar de um situago pura outea, Mas sair de seu pais para ir morar num pais com lingua, religido, costumes, erences ¢ Valores diferentes isso € dureza. E como despojar-se de sua propria iden tidade, de uma parte dela. Vocé deixa para iris parte de sua histéria, agora precisa integrar-se numa nova cultura; nela &estranho e deve con, Quistar um lugar que Ihe permita ser alguérn: alguém inserido na todas gem social, com domicilio fixo, carteira de trabalho, registro de residen. te legal, papéis em ordem, Se vocé é de uma raga diferente as coisas pioram, geralmente. As ragas diferentes rara vez se entendem; Olha, se voce nfo tem estrutura € muito provavel que sofa um choque. Voc’ leu uum livro de Kafka? Em O Castelo” se nos mostra o que é procurar umn. lugar numa terra estranha”. (um médico grego radicado no Brasil) Todos temos uma idéia intuitiva do que seja 0 espaco, mas nao resulta facil estabelecer um conccito claro dele. O diciondrio nos ensina que é uma dimensio tridimensional ilimitaca ou infinitamente grande, que contém todos os seres e coisas e é 0 campo de todos os eventos. Esta ¢ uma idéia bastante geral mas que nos permite uma aproximacao a0 nosso assunto. Aqui no nos interessa a nog de espago da fisica, da topologia, da arquitetura ou de qualquer outra disciplina; nos interessa a As Formas da Sensibilidade ~ Emogies e Sentimentos na Vida Humana 29 es} existencial. a Sane existencial nos introduz a diversas qualificagées desta dimenstio: ao espago simbélico (das artes e das religides, etc), ao imagi- nario (da fantasia, dos delirios ou da simples representacao) ¢ a0: er real, onde se situam as coisas segundo uma certa ordem ¢ medida e on¢ 8 tidimensionaldade sobre tot se valida. Cntudo,o que mas in teressa nesta perspectiva é como se organiza o espago em termos dos lugares habitaveis pelo ente humano. O que importa € como nos afetamn os diversos lugares que fregiientamos e que constituem 0 espago configurante de nossa realidade mais concreta ~que nfo exclui seus as- cl slicos ¢ imagindrios mae eles rados lugares: a casa, a rua, o bairro, um pais, uma regifio determinada perto do rio, longe do mar. Acostumados a vi ver numa pequena aldeia, onde todos seus habitantes se conhecem, no importa quar sejam as distingdes de classe que por acaso Id existam, ‘nos sentimos transplantados c estranhos na grande cidade, onde nao existe sentimento de comunidade e onde as multiddes acentuam ainda mais nosso anonimato, Inquilinos de uma penséo percebemos logo que os outros inquilinos mantém sua disténcia social e que o tinico lugar priva- do nessa casa é 0 quarto que alugamos. Por todo esse contraste entre nosso lugar de origem e nossa atval moradia,sumenta since mais 0 son timento de saudade. Para encurtar a distancia que nos separa da aldeia Ppenduramos no quarto algumas fotografias da casa patema e de nosso familiares. Assim o novo lugar comega a ter uma fisionomia menos es- ‘tranhas e mais acolhedora. Passado um tempo, com todas as restrigdes: de um pensionista, sentimos que a nova casa comega a stevens ‘sua hospitalidade, sobretudo gracas & boa vontade mosirada por sua dons Jina Faculdade se amplia nosso circuito de transito e as multiddes nao. nos assustam mais; as amplas avenidas: ‘. Jardins do campus nos soa ico a terra de origem. Estamos familiarizando-nos e inserindo- aa ae novo espaco social, sentindo que esta realidade nos brinda ou- tras perspectives. 4, Fatores inerentes 4 dimensio afetiva Por hora quero sefert-me a quatio fatores ou elementos qualifi- cativos que estio presentes na dindmica das diversas instincias aietivas: Estes fatores as caracterizam qualitativemente, permitindo-nos cuten- der sua importineia no movimento da existéncia. So: ~ A ressonanci subjetiva 30 As Formas da Sensibilidade - Emogdes e Sentimentos na Vida tu ~ O caréter cromitico e dramitico que outorgam is situagies. _ = 0 transfondo ou feiedo magica que suscita nos cendirios da eX= periéncia. -O elemento valorativo que implicam 4) A ressondncia subjetiva A afetividade se caracteriza pelo grau de ressondncia subjetivia que nela imprimem os eventos experimentados pela pessoa, Esta ressi= nancia € certamente variavel. Pode mostrar-se de imediato ou ter una forma retardada; pode ser breve ou prolongada, intensa ou leve Para ser mais claro direi que os eventos tem um efeito subjetivo varidvel, dependendo do grau em que nos afetam. A ressondncia se rele» re precisamente a esse grau em que nos tovam ¢ nos mobilizam, Cabe perguntar-se de que depende esta ressondincia. Eu diria que pelo menos de trés elementos: Em primeito lugar, do significado atribufdo pelo sujeito ao even- to-estimulo, Em seguida, depende da propria sensibilidade do sujeito, Por dltimo emana de alguma caracteristica prépria do evento-estimulo, (orga, novidade, valor social, alguma qualidade intrinseca, etc.) Coloco em primeiro lugar o significado atritnuido pelo sujeito, I de novo surge a pergunta: de que depende a airibuigio de significado? Eu diria que depende das atitudes prévias do individuo com respeito ao evento que esti protagonizando, O caso que melhor ilustra a importincia da atitude prévia o pode> mos ver quando julgamos uma pessoa influenciados por uma qualifica- fio de antipatia ou simpatia prévias, Basta que tenkamos alguns antec dentes da pessoa que a coloque num dos dois ladas para que o encontro com ela ja esteja marcadlo por uma tendéncia ao rechago ou a abertura cordial. No caso do idolo ¢ ainda mais patente este fendmeno. O idolo de massa provoca um verdadeiro delirio em suas fis, deixando uma im- pressio comovedora e inica em suas admiradoras, Outro tanto acontece com as chamadas figuras aureoladas (sob a auréola de dinkeiro, da fama ou do carisma espiritual), Os seguidores de um guri sentem-se transpor- tados ao sétimo céu quando tem o privilégio de beijar os pés e de tocar as vestes destes personagens. Alguns destes seguidores afirmam que Ihes bastou um simples olhar desta figura divinizada para que eles se sentissem tocados por uma graga infinita, que os acompanha para sem. pre. De propésito coloquei uma atitude emocional -que me parece set a mais fregiiente em bea parte da populagio. As outras tés altitudes prévias sio menos comuns: a abertuta tranqiila, o ceticismo objetivo (e As Formas da Sensibilidade - EmogGes e Sentimentos na Vida Humana 31 ‘atento) ¢ a curiosidade inteligente, A abertura sossegada para 0 aconte- cer é um produto da maturidade e da sagesse -um produto raro ¢ tardio. O ceticismo ea curiosidade inteligente (no puramente impressionista) supdem um certo desenvolvimento intelectual, O ceticismo atento é uma exigéneia de toda pritica cientifica: examinar og fenémenos com um espirito critico e livre de preconceitos tedricos. E ébvio que 0 significado atribuido nao deriva apenas fatores emo- cionais e inteleciuais. O fator necessidade joga também um papel im- portante. Quando chegamos @ uma cidade estrangeira, sem conhecer a ninguém nesse lugar, nossa necessidade de contato interpessoal se tora mperiosa. Ficamos assim muito contentes e agradecidas quando uma pessoa desta regido nos concede a oportunidade de um trato amistoso, Quanto maior sio as caréncias mais valor concedemos as oportunidades de satisfazé-las. Nunca me esquecerei a reagao de Jean VALIEAN (0 personagem de “Os Miseriveis”) quando é preso pela policia apés ter roubado dois preciosos candelabtos ao bispo. O bondoso preledo em vez de acusé-lo pelo rouba o absolve dizendo que nfo via falta nenhuma no ex-presididrio por andar carregando dois candelabros que ele Ihe ha- via presenteado, Apds este gesto to nobre de reconhecimenta e de apoio humano, Jean Valjean muda completamente sua visio do mundo e se tornaum homem integro, disposto a construir sua vide de acordo com os ais altos valores. E este nao é um exemplo puramente literirio. Acon- tece. - A ressonfineia depende disso que chamamos sensibilidade, pa- lavra que designa a capacidade geral de sentir. Esta parece ser uma ca- pacidade tanto inata quanto adquirida. De fato, verificamos cue as pes- Soas mosiram ume sensibilidade muito diferenciada, indo da extrema receptividade até uma notéria insensibilidade. Ha individuos que mos- tram esta qualidade de seu espitito desde @ mais tenra idace, ¢ outros que se apresentam como durdes, muito pouco permedveis aos estimulos domeio, Contudo, a sensibilidade € educdvel, induzivel e direcionével ‘Um dos objetivos da educagio é socializar a sensibilidade infan- til para tornd-ta compativel com as exigéneias da vida coletiva e comes obrigagdes que impée o trabalho. A hiper-sensibilidade, dominante na clapa infantil, precisa ser domesticada e atenuada. A crisnga é demasia- da permedivel aos estimulos ambientais. Vive, submerso em seu meio, num imediatismo que por um lado a leva a uma encantadora espontanei~ dace e, por outra, a uma emotividade a flor de pele. Precisa aprender a tomar distancia desse meio; precisa aprender a observar e a ruciocinar. ‘Ags sete anos cm frente se defronta com tarefas que Ihe exigem uma atitude mais objetiva e responsével, Aprender a ler é um exereicio extra- 32 As Formas da Sensibilidade - Emogdes ¢ Sentimentos na Vide Humana ordindtio de esforgo dirigido e de responsabilidade-social e intelectual, além de implicar @ entrada solene no simbolismo complexo da cultura Jando se move mais no imediato nem no puramente conereto: a partir deste estigio comega a famitiarizar-se com os conceitos, esses esque- mus descarnados das coisas das realidades tangiveis. Uma vez entrado no plano conceptual, a crianga comega a viver a uma certa distancia do imediato: comega a viver no plano da abstragiio, plano que aumenta gradualmente até adquirir uma certa preponderdnicia nos anos da adultez Con 8, tegras sociais de todo tipo: tudo isto leva a crianga a regular sua sensibilidade original, direcionando-a conforme os valores ¢ 05 modelos de seu circulo de interagao, Aprendemos a cultivar determinados sentimentos ea banir outros como mi erva. Citimes, inveja, rancor, auto-piedade, arrogancia, per- tence a horda das plantas daninhas, Sao atitudes-sentimentos, que nos dispdem de uma certa maneira com respeito a pessoas ¢ coisas, Simpa- tia, boa vontade, autoconfianga, uma boa dose de inteligéncia social (uma mistura de virias habilidades; saber azradar, bom senso, adequa- iio As cireunstéincias, saber realgar scu préprio valor com aparente mo- déstia) estas so algumas das disposigdes estimuladas pelo que se convenciona em chamar como boa edueagaio. ~ A ressoniincia afetiva tem ainda uma outra fonte: emana de al- guma caracteristica pripria do evento ou objeto. Ha personagens que ‘hos impactam, influindo em nés de um mode indelével, pelas qualida- des ¢ valores que eles encarnam. Quem nfo teve algum mesire que se tornou um espirito tulelar para nés em razio de seu saber, compreensiio ou dedicagio estimulante? Qual foi o (a) namorado (a) que nos deixou sua presenga mais duradoura, cuja lembranga alimentamos por anos ¢ anos? Aquela (e) pela qual nos apaixonamos? Nao necessariamente. Foi aquele (a) que soube tocar-nos para alguma qualidade de sua pessoa (beleza, bondade, inteligéncia, decistio, honestidade, otimismo, respon sabilidade, lealdade) Pode inclusive ter-nos impressionado por alguma qualidade negativa (egoismo, narcisismo, infuntilismo, mendaeidade, duplicidade, mesquinharia). Nos afeta tanto o bem como o mal. Alguns eventos tem uma forga destruidora e corrosiva: destruem, 0 esquemas e os referenciais que nos servem de orientagao. Quendo implicam em fracassos e malogros rompem. com projetos, planos ¢ ex- pectativas. Fo que nos acontece com as perdas, Perdas de emprego, de seres queridos, dle realizagdes importantes. Rompem muitas vezes nossa propria auto-estima, levancdlo-nos 4 depressio e ao desvalor. Ta eventos corrosivos, que minam crengas e desmoronam valo- res, quando nio simplesmente nos prejudicam no interesse material. A As Formas da Sensibilidade - Emogbes ¢ Sentimenios na Vida Humana 33 perda de um ideal politico -como aconteceu recentemente com a queda dos regimes socialistas- leva a muita gente ao desmoronamento de cren- ‘gas que haviam servido de sustento espiritual durante décadas, Sem as crengas que orientavam sua visto da sociedade o sujeito fica desnortea- do, profundamente decepcionado com uma causa que até entZo tinha considerado justa e verdadeira Desnecessirio se faz dizer que as experiéncias construtivas nos afirmam e nos ratificam, tanto nos objetivos que perseguimos como na confianga que nos anima, embora muitas delas nos ensinam a mudar de rumo e de titicas. Sentimos que elas nos aprimoram, nfo importa s° implica softimento, conflitos, rupturas. +) Os afeios owtorgam um cartiter dramético e cromatico & expe- riéneia (aos eventos e situagdes) Pela afetividade a vida adquire um carter cromatico e dramatico. Alguém dizia que homem sensivel vé a vida como um drama e que © indivicuo inteligente a considera uma comédia -ou como uma farsa com, jogos bastante previsivcis, Certamente pode ser tudo isso, ora um, ora outro. Tudo depende de nossa visto das coisas. De qualquer maneira nas trés atitudes predominantes esto sempre presentes o fluxo dos afé tos, niio importa o sentido que tomem. No drama 0 movimento da exis- téncia adquire uma feicao peculiar; nela o sujeito esta envolvido numa trama tensional e conflituante, que tende a domind-lo, colocando a pro- vva todos seus recursos, levando-o a um desenlace rara vez em concor- dancia com seus desejos ¢ propastas. No drama se tora patente que ninguém esté com todas as cartas do naipe; nos mostra que a adversida- dendo ¢ um simples erro de edlculo nem uma ma joxada do destino: ela € incrente & aventura humana, qualquer que seja Sua proposta, Dramitica & toda ago ou proposta que coloca em evidéncia indeterminagao, © acaso ¢ © imponderivel, apesar de toda a decistio do ator, atar que est comprometido em seu ser coma proposta que norteia sua aco. Quem vé a vida como uma comédia, ou uma farsa, se imporia ‘bem menos com aquilo que motiva sua agdo, mantendo com sua propos- ta. um compromisso mais formal e convencional, menos interno e subje- tivo. O comediante sabe que sempre é possivel dar um jeito para que as coisas se tomnem favoraveis ou para que dissimulem sua adversidade. O comediante esté ciente de que desempenha um papel e cumpre esse pa~ pel com espirito Kidico. O homem dramitico sabe que seu papel o defi- ne em suas possibilidades, mas sabe também que seu ser sempre esti em jogo, independente de qualquer papel. 34 As Formas da Sensibilidade - Emogies e Sentimentos na Vide Humana Siio atitudes fundamentais diferentes. Hi pessoas que vive mais pelo lado do drama; outros tendem mais para a comédia. Hé os mais sérios e 05 mais brincathdes. Contudo, é bam seber enxergar 05 dois aspectos da trama humana. Amitide nos reinos de nossos dramas; is veres a comédia nos resulta terrivel e amarga (um absurdo, como nas farsas-dramas de lonesco, ou nas “comédias maravilhosas” des idolos populares, tipo Elvis ou Marylin, que terminam em suicidio, ou na vida de qualquer pathago, disfargado ou no). Por nio saber tomar uma adequada distincia dos eventos, muita gente sofie num grau desgastante e estéril, Gostariam de ter uma. visio mais leve, mais pratica ¢ racional, Alguns tentam robotizar-se, sobretu do em atividades ¢ relagdes onde arriscam perder. Outros so levados por seus objetivos ¢ obrigecdes priticas 2 um incrivel processo de me- canizagdo, que os aliena de sua realidade intima, De fato, um rob6 pro- ‘gramado para realizar determinadas operagdes somente se moveria no puro nivel da raziio, e por isso no necessitaria de afetos: as operagdes para ele propostas seriam apenas possiveis ou impossiveis. Nao seriam desejaveis ou indesejaveis, frustrantes ou gratificantes. Para alguns ho- mens demasiado objetivos ¢ racionais, que atuam para conseguir deter- minados fins sem importar-se nos meios empregados, 0 emocional € pura tolice ou um fator perturbador. Para tais homens de cabega [ria a vida carece de dramatismo: as contradigdes ¢ problems sao soluciondveis ‘ou nfo, além disso mais nada. O drama surge na existéncia quando en- tram em conflite desejos e vivéncias contrapostos, quando nos envolve- mos com valores encamados em nés. Pela afotividade as coisas ¢ as relagies adquirem qualidades sensiveis...¢ideais, destacando-se do fundo indiferenciado que as sustenta. A policromia no & um atributo meramente sensivel; ¢ a entrada do sensivel ao plano dos afetos. Como num quadro, a vida se desenha por linhas que demarcam, por cores que acentuam tragos, por matizes que contrastam e esfiumam difereneas. Passamos por estados de dnimo que tornam nossa vida gris, de tons obscuros sombrios, onde tudo parece deslizar-se para a noite, Os identificamnos como melancolia ¢ depressio, Esses perfodos sio geralmente sintométicas, indicadores de uma quebra interna; ou estados passageiros, onde ni passa nada, o nada, Contiido, ainda nestes periodos, aprendemos a orientar-nos na escala do cinza; aprendemos a distinguir o cinza-claro, quase transparente e frio, do cinza-obscuro-quente ¢ imido como as faces do jaguar. E uma inge- nuidade pensar que o depressivo é um habitante da pura obscuridade; mora nas sombras ¢ nia penumbra, onde a uz apenas insinua sua presen- 4, como uma estranha ameaga; homem subterraneo, ai cultiva suas or- As Formas da Sensibilidade - Emagies e Sentimentos na Vida Humana 35 quideas negras. F claro, estes periodos sfo varidveis, finicos -salvo em. individuos que sofrem a companhia dessa dama chamada melancolia. Com maior freqiiéncia vivemos dias Iuminosos, cheios de contrastes, ‘com cores que nem sequer saheriamos nomear. Eu ditia que cad matiz. de um sentimento, que cada tom emocional, introduz uma coloragio specifica no campo vivencial. Nem sequer 0 apéticos sfio tio cegos assim perante este esplendor de luz. Se as coisas niio nos afetarem no miolo de nosso ser, de um modo intrinseco, seriamos seres insensiveis; o drama e a beleza da vida desa- pareceriam. ©) Pelos afetos, ¢ em particular pela emogio, determinados eli- mas e cendrios adquirem uma feigiio magica Na infaincia e na idade juvenil vivemos o encanto do mundo. Nao importa quio dura ¢ pouco favordvel nos seja a fortuna nestes anos, de todas as maneiras emana da substincia das coisas um certo eflavio que nos toca, nos assombra e nos convaca para nfo sei que possibilidades. Ora, falo de uma situago, um ato, um clima magico. O que que- remos dizer quando qualificamos um fen6meno como migico? A meu entender o magico se relaciona com trés fenémenos bem notories: = Com a sensago de encantamento ¢ deslumbre que determina- das situagdes nos provecam. Fo encanto do mundo, to fortena crianga, no poeta, no artist. . ~ Com a cronga na existéncia de poderes esotéricos que regem certas esferas, poderes que se impdem a0 sujeito, podem dominé-lo in- clusive, mas que sio propiciveis gracas ao uso justamente de formulas ‘ou ritos propiciatérios. Esta fungio cabe justamente a0 feiticeira ou mago, ainda ao sacerdote (magia e religido se relacionam a ponto de muitas veres tomar-se indiscemniveis. Pensemos nos cultos afticanos no Bra- sil) - Com o sentimento intimo que a realidade toda, incluido 0 setor fisico inanimado ¢ as coisas, possuem uma espécie de alma ou de vida. Um ato magico projetar esta sensagdo subjetiva nas coisas inanima~ das, Piaget chamava de animismo este trago da crianga, mas lembremos {que 0 animismo muito comum nas chamados povos primitives. = O clima magico como sentimento de encanto Dizemos que algo ou alguém nos encanta quando sua presenga nos deslumbra e nos emociona. O que nos encanta exerce uma espécie de fascinio que nos atrai para seu centro, deixando-nos & sua mercé e

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