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Breves Comentários à Emenda Constitucional 125/2022

BREVES COMENTÁRIOS À EMENDA CONSTITUCIONAL 125/2022


Revista dos Tribunais | vol. 1043/2022 | Set / 2022
DTR\2022\15930

Rennan Thamay
Pós-Doutor pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito pela PUC/RS e Università degli Studi di
Pavia. Mestre em Direito pela UNISINOS e pela PUC Minas. Especialista em Direito pela UFRGS.
Professor Titular do programa de graduação e pós-graduação (Doutorado, Mestrado e
Especialização) da FADISP. Professor da pós-graduação (lato sensu) da PUC-SP, do Mackenzie e
da EPD – Escola Paulista de Direito. Professor Titular do Estratégia Concursos e do UNASP. Foi
Professor assistente (visitante) do programa de graduação da USP e Professor do programa de
graduação e pós-graduação (lato sensu) da PUC/RS. Presidente da Comissão de Processo
Constitucional do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo). Membro do IAPL (International
Association of Procedural Law), do IIDP (Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal), do IBDP
(Instituto Brasileiro de Direito Processual), IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), da ABDPC
(Academia Brasileira de Direito Processual Civil), do CEBEPEJ (Centro Brasileiro de Estudos e
Pesquisas Judiciais), da ABDPro (Associação Brasileira de Direito Processual) e do CEAPRO
(Centro de Estudos Avançados de Processo). Advogado, administrador judicial, árbitro, mediador,
consultor jurídico e parecerista. www.rennanthamay.com.br

Área do Direito: Geral


Para citar este artigo: THAMAY, Rennan. Breves Comentários à Emenda Constitucional 125/2022.
Revista dos Tribunais. vol. 1043. ano 111. São Paulo: Ed. RT, setembro 2022. Disponível em: inserir
link consultado. Acesso em: DD.MM.AAAA.

Sumário:

- Referências

O presente ensaio ter por escopo abordar as recentes modificações ocorridas no texto constitucional,
a partir da vigência da Emenda Constitucional 125/2022 (LGL\2022\8470), que alterou o art. 105 da
Constituição Federal (CF/88 (LGL\1988\3)), e incluiu, portanto, dois parágrafos na norma
constitucional que regulamenta o Recurso Especial (REsp).

Inicialmente, citam-se os dispositivos normativos:

“Art. 105. [...]

§ 2º No recurso especial, o recorrente deve demonstrar a relevância das questões de direito federal
infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que a admissão do recurso seja
examinada pelo Tribunal, o qual somente pode dele não conhecer com base nesse motivo pela
manifestação de 2/3 (dois terços) dos membros do órgão competente para o julgamento.

§ 3º Haverá a relevância de que trata o § 2º deste artigo nos seguintes casos:

I – ações penais;

II – ações de improbidade administrativa;

III – ações cujo valor da causa ultrapasse 500 (quinhentos) salários mínimos;

IV – ações que possam gerar inelegibilidade;

V – hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante o Superior Tribunal de


Justiça;

VI – outras hipóteses previstas em lei.”

No entanto, antes de adentrar de forma específica à referida regulamentação, convém, ainda, tecer
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pequenas linhas a respeito dos órgãos do Poder Judiciário e, principalmente, dos denominados
Tribunais Superiores, em especial o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O Estado brasileiro, com o escopo de evitar a concentração desarrazoada de poder em apenas um


órgão público, valeu-se da técnica da separação dos poderes para evitar arbítrios. Para além da
dispersão do poder em, ao menos, três órgãos – Executivo, Legislativo e Judiciário –, criou-se o
mecanismo de check and balances em que, de forma excepcional, é permitido que uma função
interfira em outra quando o ente originário não exerça suas competências ou as utilize de forma
abusiva.

Ainda no tocante à separação de poderes – que hoje pode ser compreendida de modo diverso do
que classicamente sempre se defendeu –, para além da criação dos órgãos que exerceram as
atribuições estatais e a previsão dos mecanismos de interferência lícitos, a Constituição Federal
disciplina as funções típicas, ou seja, aquelas que competem ao órgão criado pelo poder constituinte
exercerem com primazia.

Como a intenção dessas palavras visa abordar somente uma das funções constitucionalmente
previstas, restringe-se esta abordagem ao Poder Judiciário, que, na vigência do atual texto
constitucional, precipuamente, exerce a função jurisdicional. Sobre essa função, veja-se o
posicionamento que anteriormente tivemos a oportunidade de defender:

“De acordo com a Constituição (art. 2º), os três Poderes são independentes e harmônicos entre si.
Em nosso sistema jurídico, o Judiciário é relativamente autônomo. Apresenta-se, por um lado, como
um superpoder, pois tem competência para julgar e tornar sem efeito atos da Administração e até
para julgar e declarar inconstitucionais as próprias leis que é chamado a aplicar. Apresenta-se, por
outro lado, como um -subpoder, pois é organizado pelo Legislativo e deve obediência à lei. É,
sobretudo, pelo poder de reformar a Constituição que se afirma a primazia do Congresso Nacional”
(TESHEINER e THAMAY, 2021, p. 94)

Por função jurisdicional se entende, sem olvidar de outros conceitos, essa como a função típica
estatal de resolver, em definitivo, os conflitos de interesse ocorridos na sociedade que são
apresentados pelos litigantes ao Poder Judiciário, a partir do exercício do direito público subjetivo de
ação, tendo este, inclusive, natureza de direito fundamental ante a sua previsão contida no art. 5º,
XXXV1, da CF/88 (LGL\1988\3). Na oportunidade, cita-se entendimento firmado sobre esse
dispositivo constitucional:

“O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional é aquele que, como a própria denominação


indica, assegura a todo cidadão, que se ache lesado ou ameaçado em seus direitos, o efetivo acesso
aos órgãos judiciais, para que lhe seja prestada a tutela jurisdicional, sendo vedado à lei proibir esse
acesso.

Nessa toada, segundo o art. 5º, XXXV, da Constituição, ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Evidencia-se que esse princípio está dirigido ao cidadão, sendo vinculado ao Poder Judiciário que,
como fruto do acesso à justiça, ou seja, o acesso à ordem jurídica justa e ao Poder Judiciário,
garantir-se-á que lesão e/ou ameaça a direito será passível de ser conhecida e solvida pelo
Judiciário, sendo impossível afastar deste poder estatal o dever de prestar a tutela jurisdicional e o
direito de o cidadão, por tudo isso, exigi-la” (THAMAY, 2022, p. 32).

Para cumprir com essa função e ante a natureza complexa dos conflitos da sociedade hodierna, o
poder constituinte originário dividiu o Poder Judiciário em diversos órgãos, desenvolvendo os
conceitos de jurisdição comum, em que não há uma matéria de competência específica, e a
jurisdição especializada cuja disciplina constitucional prevê, atualmente, o exame de questões
trabalhistas, eleitorais e militares por órgãos jurisdicionais com competências específicas, para
resolução desses conflitos que abordam o direito material, regulamentado pela Consolidação das
Leis do Trabalho, legislação eleitoral e as leis castrenses.

Por conseguinte, no âmbito da denominada jurisdição comum, para além da divisão entre jurisdição
comum estadual e federal, tem-se como Tribunal Superior o STJ, também denominado como
Tribunal da Cidadania.

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Esse órgão jurisdicional é composto por 33 Ministros, conforme preceitua o art. 104, caput, da CF/88
(LGL\1988\3), tendo sua composição formada por um terço de representantes da magistratura, um
terço de membros da advocacia e um terço de membros do Ministério Público. Ressalta-se que
podem concorrer como representantes da magistratura tanto membros de Tribunais Regionais
Federais, como Desembargadores de Tribunais de Justiça, sendo de atribuição do próprio STJ a
formação da lista tríplice.

Assevera-se que, quanto aos membros da advocacia e do Ministério Público, deve-se observar a
regulamentação prevista no art. 942, da CF/88 (LGL\1988\3), que prevê o critério temporal de 10
anos de atuação na função, bem como, aos advogados, o notório saber jurídico e a reputação
ilibada.

Superada a questão atinente à composição desse órgão jurisdicional, mencionam-se suas


competências constitucionais, conforme previstas nos incisos do art. 1053. Sobre esse dispositivo,
veja-se comentário a respeito das competências jurisdicionais:

“Ao Superior Tribunal de Justiça compete essencialmente o controle da legalidade e a uniformização


da jurisprudência. [...]. É ampla a competência do Superior Tribunal de Justiça, estabelecida pelo
art. 105 da Constituição. Especialmente importante é sua competência para julgar, em recurso
especial, decisão final alegadamente contrária a tratado ou lei federal ou da que haja dado a lei
federal interpretação divergente da que lhe atribuiu outro tribunal (Constituição Federal, art. 105, III)”
(TESHEINER e THAMAY, 2021, p. 62).

Depreende-se do dispositivo legal, inicialmente, que há duas atribuições conferidas ao STJ pela
Constituição, sendo estas a competência originária e as competências recursais.

As competências originárias, também denominadas de foro por prerrogativa de função, no âmbito do


Direito Processual Penal, disciplinam as hipóteses que, em razão da pessoa ou da matéria, o STJ irá
processar e julgar a causa de forma primeva, ou seja, será o primeiro órgão do Poder Judiciário a
realizar a apreciação dos fatos e as normas jurídicas aplicadas ao litígio.

Por sua vez, a partir do inciso II, inferem-se as competências recursais, sendo previstos tanto o
recurso ordinário constitucional (ROC) como o Recurso Especial (REsp).

O ROC tem por característica primordial a possibilidade de reexame de provas pelo STJ, uma vez
que, entre as hipóteses de sua admissibilidade, duas delas decorrem da necessidade de controverter
julgamento colegiado de pronunciamento proferido pelo Tribunal de Justiça (TJ) e pelo Tribunal
Regional Federal (TRF) no julgamento de Habeas Corpus e Mandado de Segurança em única ou
última instância. Na oportunidade, veja-se comentário próprio a respeito desse recurso:

“[...] o recurso ordinário é previsto na Constituição Federal e é em tudo e por tudo idêntico a uma
apelação, só que com hipóteses de cabimento heterogêneas e expressamente mencionadas pelo
legislador. A competência para apreciação do mérito deste recurso é, conforme o caso, do STF ou
do STJ. Tem fundamentação livre (como a apelação, como o agravo), [...]. O recurso ordinário tem
efeito devolutivo em suas duas dimensões horizontal e vertical. Aquela é subordinada à vontade do
recorrente e esta diz respeito às demais causas de pedir, aos demais fundamentos da defesa, às
questões de ordem pública. Parte da doutrina denomina este último fenômeno de efeito translativo. O
recurso, como se equipara à apelação, tem efeito suspensivo, embora em decisões ditas
‘denegatórias’ não haja o que suspender [...]” (THAMAY, 2022, p. 596).

Ainda, é possível a interposição do ROC em situação que não decorre de julgamento em única ou
última instância, mas, sim, em razão da presença de determinadas pessoas em um dos polos da
relação jurídica processual, sendo essas o Estado estrangeiro ou organismo internacional ou
Município ou pessoa residente ou domiciliada no Brasil.

Ao fim, tem-se a regulamentação do REsp, sendo que o inciso III prevê a possibilidade de
interposição desse recurso quando for proferida decisão colegiada, em única ou última instância,
pelos TRF ou TJ, desde que a decisão recorrida contrarie tratado ou lei federal ou lhes negue
vigência; julgue válido ato de governo local contestado em face de lei federal ou o acórdão recorrido
conceda à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Assevera-se, oportunamente, que a competência recursal do STJ na apreciação do REsp é diferente


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daquela exercida no ROC, uma vez que naquela não é possível, em regra, a reapreciação da prova.
Nesse sentido é a Súmula 07 do STJ: “a pretensão de simples reexame de prova não enseja
Recurso Especial”.

Ora, a partir da interpretação das competências recursais contidas no inc. III do art. 105, CF/88
(LGL\1988\3), corroborado pela impossibilidade de reexame da matéria fática probatória do litígio
apresentado perante o Tribunal da Cidadania, desenvolveu-se a ideia de que o STJ, para além de
uma Corte de Justiça que aprecia provas no exame do ROC, é um órgão jurisdicional de pacificação
de interpretações divergentes da lei federal e dos tratados internacionais, bem como, com maior
amplitude a partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, uma corte formadora de
precedentes.

Sobre essa distinção de Cortes de Justiça e Cortes de Precedentes, cita-se Mitidiero (2013, p. 30):

“A solução que melhor atende à necessidade de economia processual e tempestividade da tutela


jurisdicional é a que partilha a tutela dos direitos em dois níveis judiciários distintos, correspondentes
às duas dimensões da tutela dos direitos. O ideal é que apenas determinadas cortes sejam
vocacionadas à prolação de uma decisão justa e que outras cuidem tão somente da formação de
precedentes. Assim, uma organização judiciária ideal parte do pressuposto da necessidade de uma
cisão entre cortes para decisão justa e cortes para formação de precedentes – ou, dito mais
sinteticamente, entre Cortes de Justiça e Cortes de Precedentes.”

Essa novel função, de relevo para a pacificação dos litígios apresentados perante o STJ, é
significativa em razão da existência do Recurso Especial repetitivo4 em que, nos termos do art. 9275,
do CPC (LGL\2015\1656), as decisões do Tribunal da Cidadania que observem esse procedimento
serão de observância – e não de obediência irracional – obrigatória pelos TRF, TJ e juízos de
primeira instância.

Na oportunidade, veja-se comentário de Marinoni a respeito do art. 927, caput, do CPC


(LGL\2015\1656):

“[...] O art. 927, caput, somente pode ser compreendido como uma norma equivocada e destituída de
modéstia, pois a lei infraconstitucional não só não precisa dizer que as rationes decidendi das
decisões das Cortes Supremas tem eficácia obrigatória, como obviamente não pode ter a pretensão
de escolher as decisões ou definir os enunciados que podem ter essa eficácia. A eficácia obrigatória
das rationes decidendi das decisões das Cortes Supremas; e algo que logicamente deflui da leitura
da Constituição à luz da teoria do direito. Vale dizer que o art. 927, caput, deve ser compreendido
não só como norma que apenas exemplifica algumas hipóteses de decisões dotadas de eficácia
obrigatória, mas que também trata de hipóteses que nunca terão capacidade de efetivamente
garantir a unidade do direito.”

Todavia, embora a Constituição Federal vigente tenha evoluído as antigas regras de competência do
Tribunal Federal de Recursos (TRF), as elásticas competências, tanto a originária quanto a recursal,
do STJ ocasionaram uma quantidade excessiva de demandas em tramitação nesse Tribunal
Superior.

Alinha-se para o aumento de tramitação das demandas no STJ, para além das atribuições conferidas
pela CF/88 (LGL\1988\3), o amplo acesso à justiça, a massificação dos conflitos e o desenvolvimento
de órgãos públicos que labutam perante essa corte, em especial o Ministério Público (MP) e a
Defensoria Pública (DP).

Não à toa, desde a vigência da Constituição Federal, o STJ tem aplicado a denominada
jurisprudência defensiva para diminuir a admissibilidade de recursos que são remetidos pelos
Tribunais de Justiça e Federais, citando-se, como exemplificação, a necessidade de indicação da
URL das decisões conflitantes entre Tribunais de segunda instância sobre determinada questão
ligada à interpretação da lei federal, tendo, inclusive, essa questão sido positivada pelo CPC/2015
(LGL\2015\1656), confira-se o art. 1.029, § 1º, CPC (LGL\2015\1656):

“Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição
Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em
petições distintas que conterão:

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I – a exposição do fato e do direito;

II – a demonstração do cabimento do recurso interposto;

III – as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida.

§ 1º Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência


com a certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em
mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente, ou ainda com a reprodução de
julgado disponível na rede mundial de computadores, com indicação da respectiva fonte,
devendo-se, em qualquer caso, mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os
casos confrontados.”

Sucede que, mesmo com todas as técnicas processuais previstas no ordenamento jurídico e/ou as
desenvolvidas pelo próprio órgão jurisdicional a partir da interpretação das normas jurídicas, não foi
possível diminuir o quantitativo expressivo de ações originárias e, principalmente, de recursos em
tramitação perante o STJ, sendo que, conforme informação contida no próprio sítio da Corte
Superior, esse Tribunal, até a competência 06/2022, tinha um acervo de 261.783 (duzentos e
sessenta e um mil, setecentos e oitenta e três) processos.

É neste contexto de uma quantidade expressiva de recursos e demandas originárias, que surgem os
atuais §§ 2º e 3º do art. 105, da CF/88 (LGL\1988\3), que regulamentam o denominado incidente
(arguição) de relevância6, ou seja, mais um requisito de admissibilidade recursal que as partes terão
de comprovar para que seus Recursos Especiais sejam conhecidos pelo STJ.

Fato é que o próprio STJ, por meio de variadas súmulas e “precedentes”, já vinha realizando, ainda
que de modo próprio, controle forte na admissibilidade dos recursos interpostos e medidas ajuizadas
na Corte Cidadã, sendo que o que hoje se observa, em verdade, nada mais é do que tornar norma
aquilo que já se praticava de certa forma.

Em relação às novidades constitucionais, indica-se que o § 2º impõe o dever do recorrente de


demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutida no caso.

A questão que fica é exatamente qual a amplitude deste conceito jurídico indeterminado chamado
arguição de relevância?

Com efeito, a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso
devem, portanto, saltar “aos olhos” para que possam ser enquadras dessa forma. Não obstante, elas
devem demonstrar a sua importância para o contexto do processo, claro, mas, mais ainda para o
contexto geral da interpretação a ser dada a referido texto normativo de natureza infraconstitucional.
De fato, seria adequado que tais parâmetros fossem definidos nos termos da lei que a própria
Constituição exige, regulamentando, assim, de modo claro, os contornos desse conceito jurídico até
então indeterminado, a fim de que a admissão do recurso seja examinada pelo Tribunal.

Assevera-se que a forma como o recorrente irá comprovar a relevância das questões
infraconstitucionais federais será objeto de regulamentação por lei ordinária que, quando discutida
pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Chefe do Poder Executivo, provavelmente, alterará o
CPC/2015 (LGL\2015\1656), podendo-se defender ser o § 2º do art. 105, da CF/88 (LGL\1988\3),
uma norma de eficácia limitada que somente terá efeito a partir da vigência de lei federal que
regulamente o instituto.

Há quem possa defender o entendimento a respeito da inaplicabilidade do instituto até o advento de


uma regulamentação legal, o fato de a expressão “relevância das questões de direito federal
infraconstitucional” ser uma cláusula aberta, por certo, admite inúmeras interpretações, sendo
prudente a regulamentação legal para concessão de segurança jurídica aos jurisdicionados.

De outro lado, enquanto não vier norma, certamente a doutrina e o próprio STJ haverão de dar
contornos para o instituto, visando a que não seja uma construção inócua e que, de fato, passe a ter
significado e aplicação, pois importante para que o sistema de justiça brasileiro não entre em final e
efetivo colapso.

Ainda, quando regulamentada essa questão, a ausência de relevância da questão federal somente
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será rejeitada por decisão do órgão competente para julgamento pela maioria qualificada de 2/3 (dois
terços), demonstrando uma semelhança com o instituto da repercussão geral, previsto no art. 102, §
3º7, da CF/88 (LGL\1988\3), para o recurso extraordinário de competência recursal do STF.

Ainda, em posicionamento diverso daquele que apregoa a necessidade de legislação


infraconstitucional, para efetividade do requisito de admissibilidade de relevância, é possível a
defesa, a qual se coaduna com nosso entendimento, de uma interpretação sistemática de ambos os
institutos – repercussão geral e relevância da matéria infraconstitucional federal –, aplicando o
disposto no art. 1.0358, CPC/2015 (LGL\2015\1656), ante a semelhança de natureza jurídica desses
institutos, muito embora distintos, mormente porque ambos têm o caráter de filtro processual que
permite ao STJ e ao STF examinarem somente os recursos que discutem matérias de grande
impacto para a sociedade brasileira.

Por sua vez, o § 3º do art. 105 indica as hipóteses em que haverá – no imperativo – a relevância da
questão federal, ao nosso ver sendo suficiente somente a indicação da questão regulamentada pela
Constituição Federal, sem a necessidade de efetiva comprovação deste requisito de admissibilidade.

As hipóteses de presunção da relevância das questões federais são aplicadas aos Recursos
Especiais que tratarem sobre ações penais, ações de improbidade administrativa, ações que o valor
da causa ultrapasse 500 salários-mínimos – tema delicado, pois poderá exigir complexa justificação
e gerar, até, déficit de acesso à justiça –, ações que possam ocasionar inelegibilidade ou em
situações que o acórdão recorrido contrarie jurisprudência dominante do STJ, bem como em outras
situações previstas em lei.

Desse dispositivo é possível depreender, inicialmente, que a lei ordinária poderá disciplinar novas
questões atinentes à relevância da questão federal de forma presumida, bem como ressalva a
importância de recursos que impugnam pronunciamentos que possam restringir direitos importantes
à dignidade humana, tais como a liberdade, que são tutelados nos Recursos Especiais interpostos
em desfavor de acórdãos proferidos em ação penal, acórdãos proferidos em ações de improbidade
administrativa em virtude das extensões de suas sanções, sejam essas contidas na Constituição
Federal ou na lei específica, bem como os acórdãos que possam limitar o direito político de
participação no processo democrático, como o caso das ações eleitorais que possam gerar alguma
inelegibilidade.

Realmente, como se pode observar, são situações que, pela sua própria essência, exigem que o
tema chegue para ser revisitado e decidido pela Corte Cidadã.

No entanto, entende-se que a utilização da expressão “acórdão recorrido contrariar jurisprudência


dominante do STJ” não é suficiente para conceder segurança jurídica ao novel instituto, uma vez que
essa cláusula aberta é passível de inúmeras interpretações, sejam mais ampliativas – permitindo a
abrangência maior do instituto ao abarcar entendimentos jurisprudências consolidados pelo Tribunal
da Cidadania –, sejam mais restritivas, em que se poderia defender a aplicabilidade desse instituto
somente quando o acórdão recorrido ofender o disposto nos incisos III, IV, V, do art. 927, CPC
(LGL\2015\1656).

Ao fim, porém, não menos importante, cita-se o art. 2º da Emenda Constitucional 125, que indica a
necessidade de comprovação da relevância a partir da entrada em vigor da emenda à Constituição,
ou seja, no dia 14.07.2022, ressaltando-se que, muito embora essa Emenda Constitucional entre em
vigor na data de sua publicação (art. 3º), a relevância de que trata o § 2º do art. 105, da Constituição
Federal, será exigida nos recursos especiais interpostos após a entrada em vigor da referida
Emenda Constitucional, ocasião em que a parte poderá atualizar o valor da causa para os fins de
que trata o inciso III do § 3º do referido artigo.

Por tudo isso, salutar a atualização normativa a respeito do Recurso Especial, principalmente,
porque, por meio de sua aplicação no decorrer da vigência da Constituição Federal, poderá o STJ se
tornar, de forma específica, uma corte de precedente em que demandará seus esforços para
resolver os grandes litígios de interesse da coletividade brasileira.

O debate está iniciado, muito ainda se tem a construir, eu mesmo, nesse particular, estou
escrevendo um novo livro em homenagem a esse importante marco e filtro, obra que será intitulada
“Recurso Especial e Arguição de Relevância”, pela editora RT. Fica aqui o início de uma reflexão que
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tenho feito e que convido a comunidade jurídica para juntos fazermos.

Referências

ALVIM, Arruda. A arguição de relevância no recurso extraordinário. São Paulo: RT, 1988.

MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas: Precedente e Decisão do Recurso
Diante do Novo CPC (LGL\2015\1656). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MITIDIERO, Daniel. Cortes Superiores e Cortes Supremas: Do Controle à Interpretação da


Jurisprudência ao Precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

RODOVALHO, Thiago. O STJ e a Arguição de Relevância. In: O papel da jurisprudência no STJ. São
Paulo: RT, 2014.

TESHEINER, José Maria Rosa; e THAMAY, Rennan Faria Krüger. Teoria Geral do Processo. 6. ed.
São Paulo: Saraiva, 2021.

THAMAY, Rennan Faria Krüger. Manual de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

1 .“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; [...].”

2 .“Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do
Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez
anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez
anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das
respectivas classes.
Parágrafo único. Recebidas as indicações, o tribunal formará lista tríplice, enviando-a ao Poder
Executivo, que, nos vinte dias subseqüentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação.”

3 .“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:


I – processar e julgar, originariamente:

a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de
responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal,
os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais
Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais
de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;

b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes
da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal;

c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea
“a”, ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da
Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;

d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, ‘o’, bem
como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;

e) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados;

f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

g) os conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da União, ou entre


autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as
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deste e da União;

h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão,


entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de
competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da
Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;

i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias;

II – julgar, em recurso ordinário:

a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou
pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória;

b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou


pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão;

c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do


outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País;

III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais
Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a
decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.”

4 .“Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com
fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as
disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.
§ 1º O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal
selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao
Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a
suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no
Estado ou na região, conforme o caso.

§ 2º O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente, que exclua da decisão de


sobrestamento e inadmita o recurso especial ou o recurso extraordinário que tenha sido interposto
intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse
requerimento.

§ 3º Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 2º caberá apenas agravo interno.

§ 4º A escolha feita pelo presidente ou vice-presidente do tribunal de justiça ou do tribunal regional


federal não vinculará o relator no tribunal superior, que poderá selecionar outros recursos
representativos da controvérsia.

§ 5º O relator em tribunal superior também poderá selecionar 2 (dois) ou mais recursos


representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da
iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem.

§ 6º Somente podem ser selecionados recursos admissíveis que contenham abrangente


argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida.”

5 .“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:


I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
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Breves Comentários à Emenda Constitucional 125/2022

II – os enunciados de súmula vinculante;

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas


repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do


Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem
com fundamento neste artigo.

§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos


repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou
entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos


tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação
dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em


julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica,
considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida
e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.”

6 .Importante citar a relevante obra do saudoso mestre Arruda Alvim, com quem, efetivamente, muito
aprendi, veja-se: ALVIM, Arruda. A arguição de relevância no recurso extraordinário. São Paulo: RT,
1988. Igualmente importante conferir o ótimo texto do RODOVALHO, Thiago. O STJ e a Arguição de
Relevância. In: O papel da jurisprudência no STJ. São Paulo: RT, 2014. p. 835 e ss.

7 .“§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões
constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do
recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.”

8 .“Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso
extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos
deste artigo.
§ 1º Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes
do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do
processo.

§ 2º O recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para apreciação exclusiva


pelo Supremo Tribunal Federal.

§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que:

I – contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal;

II – (Revogado);

III – tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da
Constituição Federal.

§ 4º O relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita


por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

§ 5º Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a


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Breves Comentários à Emenda Constitucional 125/2022

suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que


versem sobre a questão e tramitem no território nacional.

§ 6º O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de origem, que


exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso extraordinário que tenha sido interposto
intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse
requerimento.

§ 7º Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 6º ou que aplicar entendimento firmado


em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos caberá agravo interno.

§ 8º Negada a repercussão geral, o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará


seguimento aos recursos extraordinários sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica.

§ 9º O recurso que tiver a repercussão geral reconhecida deverá ser julgado no prazo de 1 (um) ano
e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de
habeas corpus.

§ 10. (Revogado).

§ 11. A súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no diário
oficial e valerá como acórdão.”

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