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Corpus: resultado de uma busca* Lucy Maria Batista Ethur Pantcipar de um Seminisio coloca 0 participance em um estado de escolha que mio deixa de ser um recorte te6rico e um compromisso com a intempretacao. Quando o tema & Corpus ~ um dos primeizos pontos a ser considerado ma anilise -, mais dificil se tora o falar sobze, uma vez que, para 0 analista de discurso, 0 corpus no ‘existe, ou melhor, nfo é dado a priori, tem que ser construido, Vai surgir como resultado de gesios de ieitura, de interpretagio e de compreensio de seu priprio objeto de estado, O anilista deve tomar por base a temitica e 06) objetivo(s) de seu trabalho, nessa delimitacio. Sem esquecer que, paca dlimitar 0 corpus no uaiveisy dy objet, v2 uitéiive devens sei tebricos € nao empiticos. Na Anilise do Discurso (AD), pode ser feita uma distingio entre corpus experimental € 0 de arquivo. Guilhaumou Maidiier (1994) corsideraram que suas divides, na questio do corpus, foram sespondidas pelo conccito de arquivo. O arquivo em cujo interior a anilise do discurso clissica buscava seus cospus tinha, como origem, séres textuais impressas, estes jf conbecidas e analisadas pelos historiadores. Quando esses autores, acima mencionados, se interessavam por sus materiaidade, a tomavam como uma evidéncia Sabemos que nio hi cvidéncia, pois a lingua € sempre sujeita 2 equlvocos pelas muitiplas possibilidades de sentidos. Aqui, € interessante lembrar que a Anilise do Discurso no procura © sentido verdadaie, mas 0 real do sentido em sua materislidade Linguistica e histOrica. Nao se procura, segundo Orlandi (1999), no objeto, tum sentido verdadeico ateavés de uma ‘chave! de imerpretagio. No ha esta chave, hi método, ha construcio de um dispositivo reérica, Nao ha Tetras WP 21 — Corpus: Anilise de Dados 6 Cultura Académica a uma verdade oculta atrés do texto, HA gestos de interpretagio que o constituem ¢ que 0 analista, com seu dispositive, deve ser eapaz de compreender (p. 26) Voltando a Guilbaumou ¢ Maldidier (1994), cles consideravam, em outra petspectiva, a complesidade do fato arquivista ¢ concluiram que 0 arquivo nunca é dado a priori e, em uma primeira Jeitura, seu funcionamento € opeco. Todo arquivo, prineipalmente manuscrito, pode ser identificado pela presenca de ama data, por um nome proprio, por uma chancela (selo, rubrica) instimucional, ou, também, pelo lugar que ele ocupa em uma série, Essa identificagio, simplesmente institucional, era insuficiente para os autores, pois exibia pouco do fancionamento do arquivo. Bles estavam retomando, em suas aalises, a8 preocupagies dus historisdores de mentalidades, que na construgio de objetos como a morte, 0 medo, o amor, 0 profano e o sagrado, instalavam regimes miltiplos de producio, circulacao ¢ leiara de texto, pela conftontacio de séties arquivistas.B, também, crabalhavam concomitantemente sabre a longa duragio (tempo) ¢ sobre o acontecimento. A instituigao - € @ classificacio arquivista que ls impae - compre manteve para exces historia dnres yma divisio problemen O arquivo, entenderam os autores (idem): rio 6 0 reflexo passivo de uma realidade institucional, ele €, dentro de sua rmaridlidade diversidade, ordenado por sua abrangéncia social. O arquivo nio é um simples documento no qual encontram referéncias; cle permite uma Iciturz que traz i tona dispositivos © configuragées significantes (p. 164). Guilhaumoa e Maldidier (1994) observaram que antes a anise do discurso classica cra amarrada a0 discurso politico, portanto nao tinha nenhuma necessidade de diversificacio do arquivo, Na busca de algo que instalasse 0 social, no intesior do politico, » AD nfo pode mais ignorar a multiplicidade de dispositivos textuais disponiveis. Ampliow sen campo de ivestigacio. ‘A escolha do objeto, hoje, no softe restrigdes na AD. Como lembra Odlandi (1999), “quanto a natureza de lingoagem, devemos dizer que a andlise do discurso interessa-se por priticas discursivas de diferentes naturezas: imagem, som, letra, ete.” (p. 62). O analisia nio deve esquecer que o objeto do discurso de um locutor, segundo Bakhtin (1992), seja cle ‘qual for, nao & 0 objeto do discurso pela primeita vez neste emunciado, c este locutor nio é 0 primeiro a falar dele, O objeto, por assim dizer, jé foi falado, controvertido, esclarecido & julgado de diversas manciras, € 0 ugar onde se cruzam, s encontram e se separam diferentes, pontos de vista, visdes de mondo, tendéncias. Ao analista ndo é dado inaugarar interpretagiies, mas buscar sentidos outros. O discusso, por sua vez, nfo é um reflexo da situacHo, assegura Orlandi (1998), nem esti determinado por ela Ble no tem como fungio construtiva a representasio fel de uma redlidade, mas sim de assegurar a peamanéncia de uma certa representagio, Disso wdo decorre que 20 analista nfo é dado buscar ¢ ste, nem inangorar interpretagies, mas deve ir em busca de sentidos outros, sentidos que podem chegar de «qualquer lugar - eles estio soltos, disponiveis-, se movem ¢ se desdobram em outros sentidos. ‘© corpus surge, entio, como resultado dessa procura, em recortes discursivos que justifieam & ‘exemplificam 0 porqué da interpretacio. Neles, vio ser evidenciados os mecanismos pelos ‘quais se pe em jogo um determinado processo de sigaificacio, e nfo outro analista pode e deve fazer a distingio entre corpus empirico, constituido pela totalidade dos discursos (objeto de estado) e corpus discursivo no qual serio evidenciados os Prograine de Pos-Graduacio em Letras - PSM ‘mecenismos pelos quais se pde em jogo um determinado processo de signifcacio e nio outro (epresentado pelos recortes discursivos). Indursky (1997) explicit: partes de um ‘universal discursive’, entendido por Dubois (1969) como 1um conjunto potencial de discursos que podem ser objeto de andlise, para estabelecer um campo discursivo de referéncia que se define como um tipo especifico de discurso como, por exemplo, o diseurso politico, ow ainda 0 diseurso politico de um locutor especifico, 0 qual se qualifica ‘como um corpus empitio {jo estabelecimento de um campo discursivo de referéncia nao implica, entzetanto, automética delimitacio do cospus discursivo, Fle representa o espago discursivo, a parti do qual o corpus discursive propsiamente dito seri construido, através de sucessivas "eoletas" que definem, num verdadeieo gesto analitico, o que pestence a umm determinado corpus discursivo ¢ o que dele esté exclufdo, Tal coleta condu o analista de discurso a identifica, no corpus empitico, seqiéncias discarsivas para intcgrar © corpus discursivo, na qualidade de objeto espectfico de analise. Tissas seqitéacias diseursivas sio escolhidas em funcio dos objetivos do analistae, segundo Orlandi (1999) “decidir © que faz parte do corpus jé€ decidir acercs de propriedsdes diseussivas". Construir montagens discursivas, via principios teéricos da anitise do discurso(AD), seguindo seus eritérios © aio esquecendo os objetivos da andlise © sua compreensio, entende 2 aurora (1999) & a melhor manera de atender & constnuigio do compus. Sem esquecer que analsar é mais do que interpretar, ¢ compreender. Bla estabelece a diferenga entre interpretar € compreender: 4 interpretagio € 0 sentido pensando-se 0 co-texto (@s outtas frases do texto) © © contexto imediato; Compreender € saber como um objeto simbélico (enanciado, texto, pintura, misice, etc) produz sentidos. saber como as interpretacies funcionam, Quando se interpreta se esté preso em um sentido, A compreensio procura a explicitagio dos processos de signficacio presentes no texto ¢ permite que se possam escetar” outros sentidos que ali estiv, compreendendo como cles s¢ constinuce (p. 26). (© texto € entendido como a unidade fundamental, oa andlise da linguagem. A Anilise do Discurso niio procura extrair sentidos dele buscando: 0 que este texto quer dizer? Ela (AD) considera que a lingoagem no & teansparente ¢ questions: como este texto signifies? ‘A questio é 0 coms, O texto aiio é entendido como ilustracio ou como documento de algo jf conhecido, A partir do texto enquanto materialidade, 2 AD produz um conhecimento, afitmia Oslandi (1999) "porque 0 vé como tendo uma materialidade simbélica prépsia ¢ signifcativa, como tendo ums expessura semintica: ela (AD) o concebe em sua discutsividade" (p18), Conforme autora (ilem),a AD visa compreensio de como um objeto simbélico produz sentidos, como cle extéinvestdo de significincia para e por sujitos. Essa compreensio, por sua vez implica explicitar como 0 testo organiza os gestos de Tar i 21 — Corpus: Andis de Dados e Cultura Neadmica w interpretagio que relacionam sujeito ¢ sentido. Produzem-se assim novas priticas de leitura (p. 26/27). A construgio de um dispositive de anilise vai frzer com que 0 sujeito-letor deslise par a posi¢io de sujeito analista. Dessa posicio, vai apresentar uma outra leitura, que ele sujeito vai produzis. A partir desse hugar,"ele nao reflec, mas situa, compreende, o movimento da interprcta¢ao inserito no objeto simbélico que é seu alvo, assegura Orlandi (1999), ele pode ‘entio concemplar (teori®) ¢ expot (descrever) os efeitos da intenpretagio" (p.61). Finalizando este dizer, pereebemos que todo discurso € sempre marcado pela impossibilidade da complerade, aio hd um inicio absoluo, nem umn final defiaitiva; assim sendo, neste caso estz comunicagio fica sem fronteiras, portanto, fica aberta a todos os ‘questionamentos, a todas as reflexes. Nora = Trabalho apresentado no I Seminario Corpus: Anilise de Dados e Cultura Académica, promuvide pelo Pruyrama de Pos-Graduaclo em Lewas da UFSM/RS, em novembro de 2000. Referéncias Bibliogrificas BAKH'TIN, M. Bstética da eviagio verbal. Sio Paulo: Matias Fontes, 1992, GUILHAUMOU, J, MALDIDIER, D. itor d argue. A anil do diaro wo lads da Hiri In: Gestos de leitura, Da Histéia 20 Discusso, Campinas: Editors da UNICAMP, 1994 INDURSKY, F. A fala dos quartéis ¢ as outras vozes. Campinas: Editor da Universidade Estadusl de Campinas, 1997 ORLANDI,E. A leitura e os letores. io Paulo: Pontes, 19982. 208. ~~ Maio de 1968: nos limites dos sentidos. Campinas: Labeurb/Nudecri— UNICAMBP, 1998- No prelo @ Programa de Pos-Graduagio em Letras - UPSM

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