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OPERADORES DE LEITURA DA NARRATIVA Arnaldo Franco Junior expinalo, aprescntamos um conjunto de conceitos que podem ser caracterizados como ieinura do texto narrativo, ou seja, fo conceitos-chave para o desenvolvimento de uma Geerprcacio do texto narativo pautada pela tradigio dos estudos académicos, Alguns desses “S_ muitas vezes, utilizados por diferentes linhas de teoria da literatura quando do do estudo de um texto lterério a partir dos principios ¢ da metodologia que Thes sio portanto, um conjunto do que consideramos ser os operadores de leitura mais comuns “ cstudo, andlise interpretagio do texto narrativo. Quando necessirio, apresentamos as Se ge < refere 2 uma definicio ou delimitagio conceitual das mesmos, de modo a oferecer {qo permitam a0 leitor optar pela que Ihe parecer mais adequada ou, ainda, mais ajustada as Sacuas priticas quanto 3 conducio do desenvolvimento de estuclos sobre o texto narrativo, SNARRATIVO Jeear-comum a divisio da narrativa em trés grandes blocos artculados em tomne do conceito “eons, 01 intrga, nos termos de Tomachevski (1976), cada um correspondente a0 que “essificar como movimentos proprios a0 género, a saber: Introdugio, Desenvolvimento. le sexmo movimentos porque me parece melhor do que outro qualquer que sugira ou Seema ordem fixa a partir da qual a Intrdugio, o Desenvolvimento © a Condusio devam aparece. ide leitura demonstra que tais movimentos apresentam uma grande variabilidade no } ondem de sua posigio nos textos. A conclusio, por exemplo, pode ser antecipada & Sap decenwolvimento - fato comum a muitas das narrativas policais, de mistério, de terror € de suspense que se marcam, desse modo, por unt infcio in ultima re, isto 6, que corresponde ao desfecho. O desenvolvimento pode prescindir de introdugio e de conclusio, como ocorre, por excmplo, cm certos contos © romances modcmos cuja leitura nos exige uma mudanga em nossos hibitos de leitura € recepgio do texto literério. E, por fim, vale lembrar que era uma convengio da poesia épica greco-latina iniciar a narrativa in media res, ou sea apresentando a0 leitor um acontecimento adiantado da hist6ria que, depois, cra esclarecido com a apresentacio do que ocorrera antes. Embora parega ponto pacifico, hé divergéncias quanto a essa divisio da narrativa em trés blocos. Introdugio, Desenvolvimento e Conclusio do qué? Da histna, dirio alguns. Da namatva, rebaterio ‘outros. Do fexo, dito outros aindk, jé acrescentando que qualquer texto pode ser assim dividido e que, pportanto, tal divisio nio é trago caracteristico da narrativa. Qual seria a especificidade da narrativa, entio? Eis a questio que € preciso tentar responder, mesmo sabendo que a resposta € sempre precira A especificidade da narrativa parece ser 0 tratamento conferido 20 conflito dramético que the € intrinseco, Sem conflito dramético, nao hé narrativa, mas ele no é um dado exclusivo da natrativa Esti af, ha séculos, a poesia lirica para comprovar isso, E, além disso, a presenga de conflito dramético também om rela — aliés, muito comum ~ confirma o que afirmamos. A identificagio do conflito dramético é, no entanto, fundamental para que se possa estabelecer ‘um estudo detalhado da narrativa na qual ele se manifesta ~ 0 que jé se apresenta como uma pista metodol6gica: identifici-lo, voltar a ele quantas vezes for necessirio para pensar a historia narrada pelo texto que se esti analisando, notar que a partir e/ou em torno dele circula uma série de elementos que slo passiveis de decomposicio pela analise descritiva e passtveis de re-unigo ~ operada sempre com algum distanciamento critico — pela anilise interpretativa. Note-se que a distingio entre andlise descritiva e andlise interpretativa é, para o que aqui nos interessa, um recurso diditico. A andlise descritiva € aquela voltada para a decomposicdo do texto em. elementos menores que 0 constituem ¢ o fizem pertencer a um determinado género literirio. Tal decomposigio do texto em elementos menores é, por assim dizer, algo como uma dissecagio do texto de modo a facultar a compreensio e a classificacio das partes que o constituem. A andlise interpretativa, Por sua vez, volta-se para a compreensio das possiveisrelagées de sentido que se estabelecem entre tais ¢lementos que constitucm o todo textual c, também, para a compreensio das possiveis relagdes de sentido que se estabelecem entre a ordem que preside a organizacio de tais clementos sob a forma de texto e a histéria ali narrada. Além disso, a andlise interpretativa também diz respeito 3s relagbes entre 0 texto € 0 sei Ieitor, o texto € 0 seu autor, 0 texto € a escola literdria & qual se vincula e com a qual dialoga, o texto ¢ a Sociedade, o texto ea Histéria etc. AA distincio entre a hist6ria narrada 0 texto no qual ela se manifesta é fundamental. E preciso levé-la sempre em consideragio, pois nio basta “extrair”, ap6s a leitura, a hist6ria narrada do texto que a veicula. No caso da narrativa literatia, os dois aspectos estio sempre intimamente vinculados e cexigem igual atengio do leitor. E necessério observar, analisar, interpretar e avaliarcriticamente tanto a hist6ria que o texto narra como o modo pelo qual a narra. Isso exige uma atengio para a prépria composigio do texto, para o modo como os recursos lingiisticos ¢ os demais clementos constitutivos da narrativa esto, ali, organizados de modo particular. tratamento conferido ao conflito dramitico pode ser o fator de distingio entre 0 que é, num determinado momento hist6rico, considerado literatura e o que nio é considerado literatira, entre 0 que € reconhecido como um tratamento litersrio dado a uma histéria ¢ © que nio chega a sé-lo. Compare os dois textos abaixo: Assassinato na Rua da ‘Tragédia brasileira | Constituigao ‘Manvel Bandeirs| | ‘Mise, imciondro da Fazends, com 68 anos de idade, © — funcionério do} Conheceu Maria Elvira na Lapa prosttuida, com siflis, dermite nos Ministério da Fazenda, Misael, 63, | dedos, uma alianga empenhada e os dentes em petcio de miséria. ‘matou a tiros a ex-prostituta Maria} Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Esticio, Elvira, com quem vivia hi rés| pagou médico, dentist, manicure, anos, O crime ocorreu na rua da] Dava tudo quanto ela queria, 34 ——e(Borensones ve Lerruna DA WARRATIVA (Gonstituigio, Rio de Janeiro, Quando Maria Elvira se apanhow de boca bonita, arranjou logo um saotivado, 20 que parece, por uma | namorado, série de trades da mulher. Ao que| Misael no queria escindalo, Podlia dar uma surra, um tiro, uma Jado indica, os amantes mudavam- | ficads, Niofez nada disso: mudou de casa. se de bairro toda vez que Misacl,| Viveram trés anos assim. -27e550 a escindalos, descobria uma] Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de cast jpaigio de Maria Elvira. A policia} Os amantes moraram no Estécio, Rocha, Catete, Rua General jencontrou a vitima em dectbito| Pedra, Oleria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marqués de ors, com marcas de seis tiros no | Sapucaf, Niteréi, Encantado, Rua Clapp, outa vez no Esticio, Todos os corpo. Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mito, Invalides. Por fim, na Rua da Constituigi0, onde Mistel, privado de sentidos ede inteligincia, matou-a com seis tros, ea polcia foi encontré-la cafda cm decébito dorsal, vestda de orgundl azul, Quadro 1. 0 texto jomalistico e o texoliterio. Note que os dois textos narram a mesma hist6ria: uma mulher foi assassinada a tiros por um Bomem que era traido por cla. No entanto, os efeitos que cada um dos textos suscita no leitor s diferentes, ¢ isso afeta a propria hist6ria narrada em cada um deles: primeiro texto se caracteriza como ura noticia de jornal, marcando-se pela minimizagio do onflito dramitico estabclecido entre os amantes ¢, também, pelo esforco de reducio do grau de ambigtiidade em favor da objetividade jornalistica no registro dos fatos. © segundo caracteriza-se ‘como uma narrativa literdria, marcando-se pela exploracio do conflito dramético de modo a suscitar © manter o interesse do lcitor c, também, pelo maior grax de ambigiiidade que atribui a eterminados fatos e/ou elementos da historia. No texto de Manuel Bandeira, a hist6ria de amor, citime, traigio ¢ morte que une Misael ¢ Maria Elvira recebe um tratamento que torna dramitico 0 conflito que os une (Amor x Traicio). Note que uma série de informagbes, consideradas de menor importancia para o relato jomnalistico do Sito, slo muito importantes para a criagio da expectativa e para a manutengio do interesse do leitor f80 texto de Manucl Bandeira: a descricio do estado fisico de Maria Elvira quando Misael a eonheceu:; os cuidados que ele dispensou 3 satde e 3 beleza da amante; a relagio dos lugares em que © casal morou, o nome da rua em que o crime ocorreu, a posicio do corpo da mulher 20 ser sencontrada pela policia, a cor ¢ 0 tecido do vestido que ela usava quando foi assassinada, 0 némero de tiros com que o assassino a matou. Na narrativa liveriria, tis detalhes ganham relevancia exatamente porque intensificam tanto a ramaticidade do confito como o grau de ambigiidade que caracteriza a histérianarrada ~ 0 que faz.com ee 0 texto tenha maior abertura no que se refere as suas possiilidades de interpretacio pelo leitor. ‘OS OPERADORES DE LEITURA DA NARRATIVA © conjunto de operadores de leitura de narrativa que aqui vamos apresentar foi organizado rincipalmente a partir das contribuigdes de textos de teoria ¢ critica vinculados basicamente 20 Formalismo Russo ¢ a0 New Critcim — no por acaso, linhas tcéricas que privilegiam o estudo da materialidade verbal do texto no desenvolvimento dos estudos literirios. De certa forma o Formalismo Russo ¢ o New Criticism forneceram, dado 0 seu pioneitismo no que se refere a construcio da teoria Eeeréria como uma disciplina pautada por principios ¢ métodos embasados cientificamente, os ‘operadores de leitura bisicos as demais linhas de teora literdria que se manifestaram no século XX. Partindo-se das contribuigdes dos formalistasrussos, e complementando-as com as contribuigdes de ‘outros teGricos, a narrativa pode ser analisada descritivamente utilizando-se os seguintes conceitos: FABULA, TRAMA, INTRIGA, ESTORIA, ENREDO A fibula € um conceito que compreende os acontecimentos ou fatos comunicados pela narrativa, serdenados, I6gica ¢ cronologicamente, numa seqiiéncia nem sempre correspondente aquela por 35 GD) ronta trrerdera meio da qual eles sio apresentados, no texto, a0 leitor. Ela exige do leitor a capacidade de realizar uma sintese da historia narrada, Tal sintese deve ser capaz de abstrair, do texto narrativo, os elementos fundamentais que compoem a hist6ria ali narrada. Isso significa que a fibula deve conter 0s dados fundamentais que, de maneira suméria, condensem a introdugio, o desenvolvimento a conclusio da ist6ria narrada, articulados a partir das relagSes de causalidade (causa-c- CChama-se fabula o conjunto de acontecimentos ligados entre si que nos sio comunicados no decorrer da ‘obra. Ela poderia ser exposta de uma mancira pragmitica, de acordo com a ordem natural, a saber, a ordem

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