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ISSN 1807-3395

Revista Magister de
Direito Penal e Processual Penal
Ano XVI – Nº 92
Out-Nov 2019

Repositório Autorizado de Jurisprudência


Supremo Tribunal Federal – nº 38/2007
Superior Tribunal de Justiça – nº 58/2006

Classificação Qualis/Capes: B1

Editores
Fábio Paixão
Walter Diab

Coordenador
Aury Lopes Júnior

Conselho Científico
Damásio E. de Jesus – Fernando da Costa Tourinho Filho – Luiz Flávio Borges D’Urso
Elias Mattar Assad – Marco Antonio Marques da Silva

Conselho Editorial
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Carlos Ernani Constantino – Celso de Magalhães Pinto – César Barros Leal
Cezar Roberto Bitencourt – Élcio Pinheiro de Castro – Fernando Capez
Fernando de Almeida Pedroso – Haroldo Caetano da Silva
José Carlos Teixeira Giorgis – Luiz Flávio Gomes – Marcelo Roberto Ribeiro
Maurício Kuehne – Renato Marcão – René Ariel Dotti – Roberto Victor Pereira Ribeiro
Rômulo de Andrade Moreira – Sergio Demoro Hamilton
Umberto Luiz Borges D’Urso

Colaboradores deste Volume


Antônio Carlos da Ponte – Carla Cordeiro Verly
Flávio Augusto Maretti Sgrilli Siqueira – Flavio Rodrigues Calil Daher
Guilherme Lopes Felicio – João Maurício Adeodato – José Renato Nalini
Oswaldo Henrique Duek Marques – Paulo Henrique Aranda Fuller
Roberta Cordeiro de Melo Magalhães – Silmar Fernandes
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal
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Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal


v. 1 (ago./set. 2004)-.– Porto Alegre: LexMagister, 2004-
Bimestral. Coordenação: Aury Lopes Júnior.
v. 92 (out./nov. 2019)
ISSN 1807-3395

1. Direito Penal – Periódico. 2. Direito Processual Penal


– Periódico.

CDU 343(05)

Ficha catalográfica: Leandro Augusto dos S. Lima – CRB 10/1273


Capa: Apollo 13

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Diretor Executivo: Fábio Paixão

Rua 18 de Novembro, 423 Porto Alegre – RS – 90.240-040


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Sumário
Doutrina
1. Da Localização Dogmática da Atividade de Compliance no Ambiente
Corporativo sob o Ponto de Vista da Responsabilização Criminal da
Pessoa Coletiva
Flavio Rodrigues Calil Daher e Roberta Cordeiro de Melo Magalhães........................... 5
2. Análise Crítica de Laudos Utilizados como Argumentos Retóricos
Estratégicos: o Ideal de Neutralidade na Função das Perícias no Âmbito
Criminal
Carla Cordeiro Verly e João Maurício Adeodato......................................................... 17
3. Regularização Fiscal e Cambiária: a Desregulamentação Legislativa e o
Desmantelamento da Punibilidade no Direito Penal Econômico
Flávio Augusto Maretti Sgrilli Siqueira..................................................................... 35
4. Do Concurso de Agentes no Crime Previsto no Art. 89, Parágrafo
Único, da Lei nº 8.666/93
Oswaldo Henrique Duek Marques e Paulo Henrique Aranda Fuller.......................... 59
5. O Ativismo do Supremo Tribunal Federal e o Surgimento da Norma
Supralegal
Silmar Fernandes e José Renato Nalini..................................................................... 73
6. Ações Neutras em Direito Penal
Antônio Carlos da Ponte e Guilherme Lopes Felicio................................................... 95

Jurisprudência
1. Supremo Tribunal Federal – Telecomunicação. Exploração Clandestina.
Art. 183 da Lei nº 9.472/97. Serviço de Internet. Crime Formal. Tipicidade
Relª Minª Rosa Weber............................................................................................ 117
2. Superior Tribunal de Justiça – Embriaguez ao Volante. Tipicidade. Não
É Necessária a Comprovação de que Este Conduzia o Veículo com a
Capacidade Psicomotora Alterada
Rel. Min. Jorge Mussi............................................................................................ 124
3. Superior Tribunal de Justiça – Prescrição. Lesão Corporal no Trânsito.
Transação Penal. Acordo Celebrado. Descumprimento Parcial. Denúncia
Oferecida. Prazo Prescricional que Não se Suspende
Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro...................................................................... 129
4. Superior Tribunal de Justiça – Ação Penal de Competência do Júri.
Homicídio Qualificado. Réus Indígenas. Tradução da Denúncia para
o Idioma Kaingang. Desnecessidade. Perícia Antropológica. Não
Realização. Ausência de Impedimento. Acesso Integral aos Autos
Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz............................................................................. 136
5. Tribunal de Justiça de Goiás – Violência Doméstica. Ameaça. Detração
Penal. Prisão Preventiva. Monitoração Eletrônica. Condenação Mantida.
Pena. Redimensionamento. Suspensão Condicional. Manutenção
Rel. Juiz Subst. Eudélcio Machado Fagundes........................................................... 149
6. Tribunal de Justiça de Minas Gerais – Prisão Domiciliar. Gestantes e Mães
de Filhos Menores de 12 Anos. HC Coletivo 143.641/SP. Aplicação Restrita
às Presas Provisórias. Execução da Pena. Inaplicabilidade
Relª Desª Lílian Maciel.......................................................................................... 154
7. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – Furto. Desclassificação. Voto
Vencido que Reconhecia o Furto em sua Modalidade Tentada, com
Aplicação da Fração de Redução de 1/2 (Metade), Redução da Fração de
Aumento de Pena pela Agravante da Reincidência para 1/6, bem como o
Reconhecimento da Extinção da Pena pelo seu Integral Cumprimento
Rel. Des. Paulo Baldez........................................................................................... 165
8. Divergência Jurisprudencial............................................................................... 170
9. Ementário............................................................................................................ 171
Sinopse Legislativa. .............................................................................................. 190
Destaques dos Volumes Anteriores.................................................................... 191
Índice Alfabético-Remissivo................................................................................ 192
Doutrina

Da Localização Dogmática da Atividade


de Compliance no Ambiente Corporativo
sob o Ponto de Vista da Responsabilização
Criminal da Pessoa Coletiva

Flavio Rodrigues Calil Daher


Doutor em Direito e Políticas Públicas pelo Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB); Mestre em Direito
pela Universidade de Franca; Professor de Direito Penal e
Processo Penal; Delegado da Polícia Federal.

Roberta Cordeiro de Melo Magalhães


Doutoranda em Direito e Políticas Públicas pelo Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB); Mestre em Direito
pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP); Professora
de Direito Penal e Processo Penal; Juíza de Direito do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.

RESUMO: A responsabilidade penal da pessoa jurídica é um dos temas mais


polêmicos da doutrina penal. É certo que a ideia de punição é antiga, mas apenas
a partir do século XX a responsabilidade penal da pessoa jurídica adquiriu con-
tornos que são necessários para sua efetiva aplicação pelos Tribunais. Uma das
formas de resistência a essa possibilidade era a possibilidade de utilização dessa
forma de imputação como escudo para a impunidade do indivíduo no interior da
empresa que, efetivamente, pratica o delito. Com o surgimento de corporações
cada vez mais complexas inviabiliza esse raciocínio “protoatributivo”. Pessoas
jurídicas de pequena monta são indissociáveis de seus componentes individuais.
A responsabilidade criminal que lhes cabe é mantida corretamente dentro da
realidade da dupla imputação.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade. Criminal. Pessoa Jurídica. Corporações


Complexas. Dupla Imputação.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Da Sujeição Ativa Corporativa: CF/88, Mandados


Criminalizantes, Previsão Legal e Tratamento Jurisprudencial. 2 A Autonomia
da Vontade Corporativa (como Pressuposto para Responsabilização Autônoma
da Pessoa Coletiva). 3 A Teoria do Domínio do Fato e a Responsabilização pela
Formação da Vontade Delitiva no Aparato Organizado de Poder (Subcultura
Empresarial, Propensão ao Delito e Existência à Margem do Direito). Con-
clusão. Referências.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
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Introdução
Do ponto de vista criminal é recente a admissão de delitos praticados por
pessoas jurídicas no Brasil. Um dos argumentos mais enfáticos de resistência
inicial a essa possibilidade era a potencial utilização dessa forma de imputação
como um escudo, que asseguraria a impunidade do indivíduo no interior da
empresa que “realmente” perpetrasse o delito.
Essa visão está atrelada à noção simbiótica de que a empresa nada mais
seria que a longa manus de seus gestores e proprietários. Ela serviria ao propósito
de formalizar associações pessoais e possibilitar a afetação de um patrimônio
comum. Mas apenas isso.
O surgimento de corporações cada vez maiores, mais complexas, cujos
membros possuem atribuições cada vez mais especializadas, inviabiliza esse
raciocínio “protoatributivo”.
O termo compliance tem sua origem no verbo inglês in comply, cujo
significado é agir conforme uma regra, um comando, uma instrução, estando
em conformidade com as leis e os regulamentos internos e externos. Desse
modo, manter a empresa em conformidade significa estar de acordo com os
atos normativos, na proporção das atividades empresariais e seus regulamentos
internos. Este ensaio tem o propósito de analisar qual o ajuste e o campo de
incidência que a atividade de compliance deve ter num ambiente corporativo
de responsabilização criminal autônoma da pessoa jurídica.

1 Da Sujeição Ativa Corporativa: CF/88, Mandados


Criminalizantes, Previsão Legal e Tratamento Jurisprudencial
A Constituição de 1988 trouxe em duas passagens, quais sejam as
constantes dos arts. 173, § 5º1, e 225, § 3º2, comandos estes que contêm man-
damentos para que o legislador infraconstitucional criminalize a conduta da
pessoa jurídica que lese o meio ambiente, a ordem econômica e financeira e
a economia popular.
No entanto, esses comandos não foram reconhecidos de plano. Ini-
cialmente, a previsão do art. 173, § 5º, por não trazer menção explícita à
reprimenda penal, e sim falar em “punições compatíveis com sua natureza”,

1 “Art. 173. (...) § 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a
responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem
econômica e financeira e contra a economia popular.”
2 “Art. 225. (...) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
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era descartada como mandado criminalizante. Já a do art. 225, § 3º, também


não o seria, pois a sua técnica de redação legislativa remeteria à responsabi-
lidade criminal apenas à pessoa física, restando à pessoa coletiva as sanções
administrativas, demonstrando uma indicação linear respectiva.
Em momento seguinte, em concepção adotada pelos Tribunais Superio-
res, e até hoje prevalente no STJ, ao analisar a Lei nº 9.605/98, que cumpriu a
determinação do art. 225, § 3º, da CF, a responsabilidade criminal da pessoa
jurídica foi aceita, mas apenas se houvesse o concurso necessário entre pessoa
física e jurídica (dupla imputação), já que a própria Lei nº 9.605/98 assim o
exigia, quando em seu art. 3º condicionava o reconhecimento da responsa-
bilidade criminal da pessoa jurídica quando se identificasse em seu interior a
pessoa física em “agiu em seu nome” (por decisão de seu representante legal
ou contratual, ou de seu órgão colegiado) e por “sua conta” (no interesse ou
benefício da sua entidade).
Somente no RE 548.181/PR, a Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal reconheceu a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica,
ainda que não se encontre a pessoa física responsável pelo ato questionado.
Na referida decisão, a Ministra Rosa Weber sustentou que a Constituição
Federal não condiciona a responsabilidade da pessoa coletiva, como faz a Lei
nº 9.605/98, à localização da pessoa que atuou em seu nome e por sua conta. A
obrigatoriedade desse expediente gera o risco de tornar sem efeito o comando
constitucional, face à dificuldade, em especial, de pessoas jurídicas de grande
vulto, em separar atribuições que, por vezes, parecem sobrepostas entre os
diversos setores da empresa.
No entanto, é imprescindível a adoção de uma concepção autônoma da
vontade da pessoa coletiva para contornar a necessidade da dupla imputação.

2 A Autonomia da Vontade Corporativa (como Pressuposto para


Responsabilização Autônoma da Pessoa Coletiva)
Numa abordagem direta, a vontade coletiva seria a vontade individual
contaminada pela influência criminogênica de uma “atitude criminosa grupal”,
pela solidariedade que surge no âmbito corporativo3, com o apelo de uma
subcultura vinculada à pessoa coletiva (“teoria da existência da filosofia da
empresa”)4, que torna a ação individual no contexto coletivo completamente
diferente da ação individual no contexto individual.

3 SHECAIRA, S. S. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 102.
4 RODRÍGUEZ, L. Z. Bases para un modelo de imputación de responsabilidad penal a las personas jurídicas. Navarra: Aranzadi,
2000. p. 238.
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Algumas organizações atingem nível tão acentuado de complexidade


que, assim como ocorre com a psique humana, começam a demonstrar auto-
condução, autorreferência e autodeterminação5 e, num plano verticalizado que
vai da decisão à execução, encaminha a responsabilização da pessoa jurídica
para o conceito de periculosidade, antes que propriamente da censurabilida-
de, a partir da sua forma de organização, cujos meandros permitem a atuação
coletiva fora do escopo estatutário. A empresa, em seus estratos decisórios,
exerceria função de garante, sendo punida quando não impedisse que um ato
ilícito fosse praticado em seu benefício.
A doutrina estadunidense estabelece os critérios para identificação
da vontade autônoma da pessoa jurídica, enfatizando menos o “defeito de
organização”, que permite o fato penal, e mais o “fluxo decisório”, como a
mente corporativa. Trata-se da discussão entre a visão atômica, na qual cor-
porações não são senão uma coleção de indivíduos, e a visão orgânica, que
vê a organização como uma entidade diferente da soma de suas partes (com
transcendência e autonomia).
As noções individualistas implícitas nas discussões de responsabilidade
criminal têm sua origem na tradição individualista mais ampla que caracteriza
o pensamento moral ocidental. Para alguns, a clara diferença entre um ser
humano (para o qual o status da pessoa é concedido) e uma corporação significa
que não é possível dizer que uma corporação é, ela própria, uma outra pessoa.
É útil, inicialmente, quebrar a noção de personalidade em três tipos: o
metafísico, o moral e o legal. Uma corporação pode ser uma pessoa em um
sentido jurídico, o que não envolve necessariamente uma personalidade moral
ou em sentido metafísico (enquanto visão sobre a natureza das coisas). No
nível metafísico, há desentendimento se um conglomerado, uma organização
ou corporação pode, por sua natureza, ser vista como uma pessoa. Em uma
visão antropocêntrica, a pessoa é termo que se refere ou é sinônimo de ser
humano e, portanto, não é possível chamar uma corporação de pessoa6.
Conceder autonomia (e individualidade) às entidades corporativas gera
um desconforto conceitual que pode ser atenuado ao se distinguir individua-
lismo e indivíduo. Enquanto o individualismo é uma doutrina política e moral
que exalta o valor do ser humano individual, o conceito de indivíduo tem uma
conotação mais ampla. Dizer que algo é um indivíduo é literalmente dizer

5 ZAPATERO, L. C.; LASCANO, C.; MARTINI, A. N. Derecho penal de la empresa. Buenos Aires: Ediar, 2012. p. 358.
6 WELLS, C. Corporations and criminal responsibility. Clarendon Press is the Academic Imprint of Oxford University
Press, 1994. p. 85-86.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 9

que não pode ser dividido, que é um todo, não necessariamente equivalente
a uma pessoa humana, ou mesmo que seja orgânico7.
O termo “pessoa” já possuiu significado mais estreito, em tempos anti-
gos, sendo usado para se referir a um papel social. A palavra latina “persona”
significava a máscara usada pelos atores no teatro romano, e servia para designar
tanto o ator como o papel desempenhado. Ao separar a noção de indivíduo das
conotações políticas que adquiriu, e compreendendo pessoa em um sentido
mais amplo, é possível imaginar a convivência de pessoas corporativas (cole-
tivas) e pessoas humanas (individuais), numa visão em que “as corporações
não são apenas multidões organizadas de pessoas, mas têm uma identidade
lógica metafísica que não se reduz a uma mera soma de pessoas humanas”8.
Superada a questão metafísica, deve-se apontar que nem todos os tipos
de coletividade devem atrair a responsabilidade moral. Distinguindo os tipos de
coletividade em agregado e conglomerado temos que uma “coletividade agregada”
é uma mera coleção de pessoas, como uma gangue que, embora possa ser con-
siderada como causalmente responsável por suas ações, não pode ser vista como
um agente moral. A identidade de um agregado mudará sempre que houver uma
mudança em sua associação. Já um conglomerado é uma organização de indi-
víduos cuja identidade não se esgota pela conjunção das pessoas na organização.
Três características separam um conglomerado de um agregado: (a) Os
conglomerados têm organização interna ou procedimentos decisórios; (b) Os
padrões de conduta compulsórios para indivíduos associados em um conglo-
merado são mais rígidos e específicos; e (c) Os membros de um conglomerado
exercem poderes sobre outros membros a partir de suas funções (não com base
em antiguidade ou prestígio pessoal). O reconhecimento do conglomerado
como uma pessoa moral (capaz de decidir) permite reconhecê-lo como agente
intencional e, portanto, responsável. A “intenção corporativa” é algo além das
intenções das pessoas físicas que compõem a corporação. Se as intenções são
tomadas amplamente como razões para atuar, isso requer a identificação dos
motivos da ação de uma corporação para além das razões dos indivíduos.
Então, o comportamento das organizações não pode ser traduzido
como o conjunto de comportamentos de pessoas físicas identificáveis em seu
interior e nem como uma referência ao design organizacional e seus atributos
(deixando de lado seus componentes humanos e levando em conta apenas o
conjunto de relações abstratas, num diagrama de fluxo conceitual do processo

7 WELLS, C. Corporations and criminal responsibility. Clarendon Press is the Academic Imprint of Oxford University
Press, 1994. p. 85-86.
8 WELLS, C. Corporations and criminal responsibility. Clarendon Press is the Academic Imprint of Oxford University
Press, 1994. p. 85-86.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
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decisório). A estrutura interna de decisão da corporação possui, então, três


elementos: um organograma, regras processuais e regras políticas.
Portanto, não é o fluxograma decisório em si responsável enquanto
defeito de organização, mas o que representa o fluxo, que é a “mente” cor-
porativa. As políticas, procedimentos operacionais padrão, regulamentos e
práticas institucionalizadas são evidências de objetivos e intenções corporativas.
Estes não são redutíveis aos indivíduos dentro da corporação. Essa capacidade
de raciocínio, compreensão e controle do comportamento é a essência da
personalidade moral da pessoa coletiva9.
Nesse ponto, podemos concluir que a responsabilização autônoma,
em pessoas coletivas de pequena estrutura, é de difícil caracterização, pela
indissociabilidade entre pessoa coletiva e os indivíduos que a compõe, não
representando a corporação nada além do que a mera soma de seus compo-
nentes, restando à dogmática penal apenas o reconhecimento do concurso
necessário (dupla imputação) na responsabilização criminal.
Fato diverso é encontrado nas grandes corporações, onde as decisões
“ganham vida própria” e não dependem da vontade do seu formulador inicial
para prosperar concretamente, e nem se encontram adstritas às raias imagi-
nadas quando da sua cogitação nas mentes dos indivíduos. Nesse contexto,
a responsabilidade é da própria pessoa coletiva, restando aos indivíduos a
imputação por omissão, pela inobservância ao dever de garante de manter a
atuação da empresa dentro das linhas mestras do seu estatuto; essa imputação
é endereçada aos estratos decisórios (e aos executores, em caso de serviço que
demande conhecimentos especiais).
A posição de garante10 do titular da empresa surge, com efeito, como
contrapartida da liberdade de que goza para organizá-la do modo que melhor
se ajuste aos seus próprios interesses, sendo relevante para sua caracterização
que essa liberdade tenha como reverso a responsabilidade, de que essa atividade
organizada não provoque riscos irrazoáveis a terceiros11.
Eduardo Demétrio Crespo12 afirma que o fundamento do dever de
garante tem como base: a) a existência de deveres jurídicos extrapenais; b) em

9 WELLS, C. Corporations and criminal responsibility. Clarendon Press is the Academic Imprint of Oxford University
Press, 1994. p. 88-89.
10 MARTÍN, L. G. Responsabilidad de directivos, órganos y representantes de una persona jurídica por delitos especiales. Barcelona:
Casa, 1986. p. 31.
11 ZAPATERO, L. C.; LASCANO, C.; MARTINI, A. N. Derecho penal de la empresa. Buenos Aires: Ediar, 2012. p.
195-196.
12 CRESPO, Eduardo Demetrio. In: ZAPATERO, L. C.; LASCANO, C.; MARTINI, A. N. Derecho penal de la empresa.
Buenos Aires: Ediar, 2012. p. 294-324.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 11

um dever de proteção; c) em um dever de vigília (pelo dever de ingerência,


pela criação de risco em comportamentos permitidos, pela desestabilização do
foco de um perigo preexistente baseado na ausência das medidas de precaução);
d) nas fontes de perigo da própria empresa; e) na existência da competência
organizativa; e f) com base no domínio.
Em suma, o reconhecimento da autonomia da vontade da pessoa coleti-
va, com o correlato reconhecimento da possibilidade de sua responsabilização
penal autônoma, não afasta, de plano, algumas situações de dupla imputação,
em que pessoa física e jurídica respondem comissivamente pelo mesmo fato,
ou de que a responsabilização da pessoa coletiva implique a responsabilização
das pessoas físicas, responsáveis pela sua gestão, na modalidade omissiva, pela
inobservância ao dever específico de garantir a higidez da atuação corporativa,
nos casos em que a lei e as fontes do dever de agir assim impuserem.
Questão interessante quanto ao design de uma vontade coletiva autô-
noma está no item 6 do artigo 12 do Código Penal português, in verbis: “A
responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída
quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem
de direito”. Ele delimita o quanto pode regredir o dever de garante dos gestores
da pessoa jurídica: não se pode exigir que a vigília tenha o condão de impedir
até mesmo os atos praticados deliberadamente em contraordem13.

3 A Teoria do Domínio do Fato e a Responsabilização pela Formação


da Vontade Delitiva no Aparato Organizado de Poder (Subcultura
Empresarial, Propensão ao Delito e Existência à Margem do Direito)
Autor direto é aquele que, de modo voluntário, executa o delito. Nessa
forma de agir, é intuitivo afirmar que ele tem domínio sobre a própria vontade,
sendo a execução, inequivocamente, obra sua. É noutras formas de imputação
(casos do mandante, do financiador e do autor intelectual) que a digressão
temporal e física entre a vontade originadora da infração e os atos de execução
tornam mais fácil o reconhecimento da autoria como obra destes últimos. É
que se imagina que a teoria do domínio do fato funcionaria como corretivo,
atribuindo àqueles o status de autor. No entanto, a teoria do domínio do fato
não opera atribuindo o “centro” do injusto típico ao mandante, autor intelec-
tual ou financiador, a não ser que estes façam parte de um aparato organizado
de poder14. Vejamos.

13 CODEÇO, C. E. Delitos econômicos: Decreto-Lei n. 28/84 comentado; legislação complementar. Coimbra: Livraria
Almedina, 1986. p. 19, item 8 e p. 33, item 10.
14 LEITE, Alaor. Autoria como domínio do fato. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 37.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
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As teorias anteriores vocacionadas, as quais distinguem autoria da


participação, adotavam critérios puros, ora de índole objetiva, ora de índole
subjetiva. Esse método promovia a diminuição ao status de partícipe de alguns
protagonistas do evento penal, como na hipótese do homicídio praticado pelo
sicário, em que este figurava como partícipe pela teoria subjetiva (por não ter
animus acutoris, mas, sim, animus socci – ou seja, por não querer o fato como seu).
A teoria objetivo-formal corrigia o equívoco, mas então transformava o
mandante ou financiador em partícipe (já que o mesmo não praticou o verbo
que rege o tipo), num equívoco de igual quilate. Ambas as soluções caracteri-
zavam comportamentos centrais do injusto como condutas acessórias. A teoria
do domínio do fato encampou solução conciliatória, agregando elementos
objetivos e subjetivos para reconhecimento do autor do fato. Senhor do fato
seria aquele que tem o domínio sobre todas as etapas de sua realização (parte
objetiva) e com isso conforma o fato à sua vontade previamente idealizada
(parte subjetiva).
A adoção da teoria do domínio do fato tem como desdobramentos: a) a
realização pessoal (autor executor imputável), isenta de erros, dos elementos
do tipo sempre caracteriza autoria e jamais participação (domínio da ação); b)
é autor quem executa o fato utilizando de terceiro como instrumento (autoria
mediata – domínio da vontade); e c) é autor aquele que realiza parte do plano
delitivo (possuindo, então, o “domínio funcional do fato” ou “domínio da
função” – fala-se em domínio funcional do fato quando, a partir da divisão
das tarefas, o indivíduo não tenha domínio do todo, mas apenas da própria
tarefa ou função dentro do fato).
Dentro do “domínio da vontade” existem três hipóteses: a) domínio
do fato por erro (em que o autor mediato induz a erro aquele que servirá
como executor do delito – abrangendo todas as formas de erro essencial);
b) domínio do fato por coação (em que o autor mediato impõe sua vontade,
manejando, assim, a atuação do executor); e c) domínio da organização. Essa
terceira hipótese, melhor identificada como domínio do fato num aparato
organizado de poder surge em meio a requisitos especializantes pouco or-
todoxos, quais sejam: a) ordem decorrente de uma estrutura hierárquica; b)
proferida no contexto de uma organização que atua às margens do Direito;
c) fungibilidade dos executores (que podem ser substituídos caso se neguem
a dar cumprimento à ordem); e d) elevada disposição do executor (engajado
na “subcultura da organização”).
A consequência do reconhecimento dessa tese é considerar quem
proferiu a ordem (autor), ao mesmo tempo em que desqualifica o executor,
tornando-o partícipe (quiçá mero instrumento numa tese extremada). Quem
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 13

profere a ordem não precisa dominar o executor, mas, sim, o aparato de poder.
Partindo da crítica daqueles que não consideravam autor aquele que apenas
promove, organiza ou dirige o crime, não vislumbrando nessa forma de atuação
domínio real sobre o fato15, foram (no contexto da tese do domínio da orga-
nização) erigidos requisitos outros para se cimentar os caracteres indicativos
de ascendência na atuação dos executores e de dirigibilidade sobre o fato.
Essa modalidade de domínio da vontade não pode, em princípio, ser
transposto para a realidade da empresa, pelo simples fato da empresa não
atuar à margem do direito. Apenas num organismo que não tem amarras na
lei é que se pode sustentar que o temor de uma eventual represália por uma
desobediência gere acatamento irrestrito a qualquer comando superior. Num
ambiente lícito, o inferior hierárquico não tem obrigação de acatar ordens
ilegais, podendo a elas se opor legitimamente16.
No entanto, nem tudo é cristalino a ponto de permitir distinções sem
dificuldades. Assis, citando Hefendehl, pontua que “pessoas pertencentes a
determinados contextos tendem a adotar as normas e valores vigentes neste”17.
Não é evidente a linha divisória entre as determinações voltadas a maximizar
a produtividade ou o lucro da empresa, e aquelas que podem culminar num
dano ambiental ou consumerista, por exemplo. Identificar no emaranhado
de regras da empresa uma política existencial propensa à atuação ilícita já
tornaria a empresa entidade que atua à margem do direito? A resposta deve
ser negativa, uma vez que, na origem, a teoria do domínio do fato afirmava
como organização que atua às margens do direito: ditaduras, máfias, grupos
terroristas, entre outros18; ou seja, organismos que em momento algum se
pautam pela regra posta.
A existência de um conjunto de determinações que potencialmente
possam alcançar o espectro da ilicitude, não dá à corporação o status exigido
para conferir domínio do fato à pessoa física que emite a ordem na empresa.
Nesses casos, o gestor não fica impune, respondendo comissivamente pelo
delito, ainda que a título de partícipe, mas em conjunto com a empresa. A
consequência do reconhecimento do domínio da vontade no domínio da or-
ganização é afastar a imputação da organização e direcioná-la aos mandantes,

15 A conclusão sobre o controle completo da situação, nesses casos, é geralmente constatado posteriormente ao delito.
Quando se analisa a hipótese sob o ponto de vista anterior ao fato é inequívoca a incerteza sobre o domínio do fato
(cidadão contrata mercenário para eliminar seu desafeto e este foge com o dinheiro, ou é preso antes de executar o
homicídio ou se excede vindo a matar uma segunda vítima: todos esses casos revelam a ausência de domínio sobre
o fato).
16 LEITE, Alaor. Autoria como domínio do fato. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 29.
17 ASSIS, Augusto. Autoria como domínio do fato. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 103.
18 LEITE, Alaor. Autoria como domínio do fato. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 29.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
14

uma vez que nem sequer se reconhece a personalidade jurídica ao aparato de


poder que age desvinculado ao Direito. Ainda assim, essa passagem é impres-
cindível para a conclusão da exposição que ora se elabora.
Em suma, a gestão de conformidade nas empresas, conhecida como
complicance19, recai, no âmbito criminal, sobre quatro pilares: 1) o fomento
de uma filosofia empresarial atrelada aos ditames das leis (funcionando para
criar a possibilidade de agir dos gestores no sentido de tornar efetivo os de-
mais pilares); 2) a criação de anteparos e salvaguardas relativos às possíveis
interferências danosas que o processo produtivo do empreendimento possa
causar em seu entorno (como contrapartida ao dever de atuar a partir da
ingerência); 3) a sistematização dos roteiros pertinentes à verificação dos pa-
drões de qualidade, sanitário, ergonômicos, etc., dos produtos fornecidos pela
empresa (como contrapartida ao dever de proteção); e 4) o estabelecimento
do trâmite de acompanhamento dos serviços prestados pela empresa (como
contrapartida ao dever de vigília).

Conclusão
Pessoas jurídicas de pequena monta são indissociáveis de seus compo-
nentes individuais. A responsabilidade criminal que lhes cabe é mantida corre-
tamente dentro da realidade da dupla imputação. Já aquelas que alcançaram a
dinâmica do conglomerado as possibilidades de responsabilização são diversas.
Num primeiro momento, a pessoa coletiva responde sozinha, de forma
autônoma, sem a necessidade de identificar os autores individuais do comando
deflagrador do processo causal que culminou no evento típico. Atrelada a essa
responsabilização corporativa pode existir a responsabilização individual (que
não é o fundamento da primeira) em caso comissivo (quando se identificar
quem emitiu a ordem ou executou o serviço – provando-se dolo ou culpa) ou
omissiva (esta adstrita aos gestores), quando houver a comprovação de inob-
servância ao dever de vigília (normalmente sobre a conduta dos funcionários
na prestação de serviços), ao dever de proteção (normalmente sobre a atividade
de fornecimento de produtos) e nas hipóteses de ingerência (normalmente
relativas aos riscos inerentes à atividade desenvolvida pela empresa)20.

19 FRANÇA, Mayeny Elias; OLIVEIRA Jr., Moacir Leite de. A política criminal compliance e o combate aos crimes decor-
rentes da atividade econômica. Disponível em: <http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/CONGRESSO/
article/view/6907/67646831>. A política criminal compliance quer dizer “conformidade criminal” e sua inclusão no
direito brasileiro ocorreu com a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), muito embora sua maior força advenha do
direito norte-americano. Seu maior destaque é em matéria empresarial e tem a finalidade de proteger a empresa de
imputações criminais, de forma preventiva, além de sugerir o cumprimento de normas dentro da empresa e incen-
tivar uma cultura ética, fazendo com as irregularidades vindas de atividades da pessoa jurídica sejam denunciadas e
recebam punição, sem necessidade de se socorrer de um processo criminal.
20 ASSIS, Augusto. Autoria como domínio do fato. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 109.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 15

Em suma, ao gestor da empresa é imposta a posição de garantidor que


lhe onera com o dever de agir (omissão imprópria). No entanto, esse dever
de agir não é contemporâneo ao evento lesivo em si, quando muito pouco
ou nada poderá ser feito. O dever de agir é prévio e relacionado à emergência
do fluxo decisório.
Mas antes de se constatar, no caso concreto, a presença do dever de agir
é de boa recordação que, pressupondo tal dever, está a possibilidade de agir,
que também possui peculiaridades nos casos envolvendo pessoas coletivas.
Se na pessoa física a possibilidade de agir se relaciona a questões físicas, como
inexistência de coação impeditiva, nas corporações a possibilidade de agir se
relaciona a questões de filosofia da empresa.
Nas corporações em que a “subcultura coletiva” é propensa ao enga-
jamento ilícito, será de pouca, ou nenhuma, valia a atuação preventiva do
gestor atendendo aos comandos de vigília e proteção. Imagine-se que em
empresa produtora de cigarros determinado funcionário sempre quebrasse
recordes sucessivos de produtividade. Sua função era manejar o maquinário
que identificava defeitos no formato dos cigarros, impedindo o empacota-
mento de cigarros com tamanhos ou formatos fora do padrão. Para obter tal
desempenho, o funcionário havia descoberto como “desengatilhar” todos os
sensores da máquina que apontavam as irregularidades perseguidas. Somente
após muitos anos a fraude fora descoberta. Naquele ambiente, ainda que o
gestor fizesse revista técnica periódica no maquinário, o funcionário sempre
poderia voltar a configuração para o modo regular para, logo após a revista,
retomar sua prática habitual.
O que se objetiva pontuar é que, quão mais apartado do direito for a
dinâmica da empresa, maior será o grau de acatamento de ordens ilegais ou
potencialmente danosas. Caso reste caracterizado o desgarro completo à lei,
a responsabilidade recai sobre o emissor do comando, já que, nesse caso, não
há pessoa coletiva com individualidade reconhecida pelo direito (nos moldes
do domínio sobre a organização). Logo, a possibilidade de agir no contexto
corporativo tem vinculação direta com a filosofia empresarial adotada: quanto
maior a anomia, menor a possibilidade de atuação. E isso é relevante também,
porque o gestor contemporâneo ao fato pode não ter sido o que elaborou
ou modificou o estatuto, ou que influiu de modo decisivo na formação da
“filosofia da empresa”.
O dever de agir é sempre prévio ao evento penal em si, uma vez que
as corporações atuam em escala e de modo difuso, sendo eficaz em quase
qualquer hipótese a atuação preventiva e em quase nenhuma a repressiva
(em lógica similar ao que acontece com a distinção de lógica protetiva entre
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
16

o bem jurídico individual e o supraindividual). O limite da responsabilização


dos gestores por omissão são os atos praticados em contraordem (conforme
previsão da compilação portuguesa).

TITLE: On the dogmatic placement of compliance in the corporate environment form the perspective
of criminal responsibility of corporate bodies.

ABSTRACT: The criminal responsibility of legal entities is one of the most controversial subjects among
criminal jurists. The idea of punishment is naturally old, but only in the 20th century the criminal respon-
sibility of legal entities embodied aspects necessary for its effective enforcement by Courts. One of the
arguments against this idea was the possibility of using this form of imputation as a shelter, so that the
individual within the company that effectively commits the offense remains unpunished. The emergence
of increasingly complex corporations makes this “proto-attributive” reasoning unfeasible. Small legal
entities are inseparable from their individual components. Their criminal responsibility is properly kept
within the reality of double imputation.

KEYWORDS: Responsibility. Criminal. Legal Entity. Complex Corporations. Double Imputation.

Referências
ASSIS, Augusto. Autoria como domínio do fato. São Paulo: Marcial Pons, 2014.
CODEÇO, C. E. Delitos econômicos: Decreto-Lei n. 28/84 comentado; legislação complementar. Coimbra:
Livraria Almedina, 1986.
CRESPO, Eduardo Demetrio. In: ZAPATERO, L. C.; LASCANO, C.; MARTINI, A. N. Derecho penal
de la empresa. Buenos Aires: Ediar, 2012.
FRANÇA, Mayeny Elias; OLIVERIA Jr., Moacir Leite de. A política criminal compliance e o combate aos
crimes decorrentes da atividade econômica. Disponível em: <http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.
php/CONGRESSO/article/view/6907/67646831>.
LEITE, Alaor. Autoria como domínio do fato. São Paulo: Marcial Pons, 2014.
MARTÍN, L. G. Responsabilidad de directivos, órganos y representantes de una persona jurídica por delitos especiales.
Barcelona: Casa, 1986.
RODRÍGUEZ, L. Z. Bases para un modelo de imputación de responsabilidad penal a las personas jurídicas. Navarra:
Aranzadi, 2000.
SHECAIRA, S. S. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
WELLS, C. Corporations and criminal responsibility. Clarendon Press is the Academic Imprint of Oxford
University Press, 1994.
ZAPATERO, L. C.; LASCANO, C.; MARTINI, A. N. Derecho penal de la empresa. Buenos Aires: Ediar, 2012.

Recebido em: 21.10.2019


Aprovado em: 06.11.2019
Doutrina

Análise Crítica de Laudos Utilizados


como Argumentos Retóricos Estratégicos:
o Ideal de Neutralidade na Função das
Perícias no Âmbito Criminal
Carla Cordeiro Verly
Graduanda em Direito na Faculdade de Direito de Vitória –
FDV desde 2017.

João Maurício Adeodato


Graduado pela Faculdade de Direito do Recife (1977);
Mestre (1980), Doutor (1986) e Livre-Docente (2011)
pela Faculdade de Direito da USP; Pós-Doutorado na
Universidade de Mainz pela Fundação Alexander von
Humboldt (1988-1989).

RESUMO: A filosofia retórica busca demonstrar que o conhecimento é forne-


cido através de um conjunto de relatos e exprime que a linguagem constitui a
“realidade”. A sua repartição em material (método), estratégica (metodológica)
e analítica (metódica) identifica-se com diversas atividades jurisdicionais. A
perícia oficial, objeto do presente artigo, é solicitada por um magistrado para
contribuir no esclarecimento de dúvidas no processo penal. Ela tem sua atividade
pautada nas normas dispostas no Código Penal, Código de Processo Penal, Lei
de Execução penal e Lei nº 12.030/09, enquadrando-se na função de auxiliadora
da justiça por investigar de forma técnica e aprofundada a causa do resultado
penalmente relevante e, muitas vezes, quem seria o autor do fato típico. Diante
disso, a prova pericial constitui-se de grande apreço na formulação das decisões
de jurados ou juízes em demandas no âmbito criminal. No entanto, é de grande
importância que a atuação do perito seja imparcial, pois a ele não cabe julgar ou
defender deliberadamente o sujeito acusado dentro do laudo pericial, uma vez
que, na prática, a influência de tal instituto probatório é muito abrangente, que
acaba por desviar de sua função efetiva, demonstrando-se parcial em diversos
momentos. A análise retórica sobre esse meio probatório expõe que o relato
desenvolvido pela perícia utiliza-se de estratégias e técnicas de forma intencional
para proporcionar benefícios a uma das partes que compõem a relação processual.
Sendo assim, o escopo deste artigo é demonstrar que o exercício imparcial da
perícia é fundamental para promover decisões justas dentro do processo penal.

PALAVRAS-CHAVE: Perícia. Laudos. Análise Crítica. Argumentos Retóricos


Estratégicos. Neutralidade. Âmbito Criminal.

SUMÁRIO: Introdução: a Função Pericial como Discurso Retórico Estratégico.


1 Temas que Abarcam a Função Pericial na Busca de uma ou mais Causas de
um Fato Penalmente Relevante; 1.1 Nexo Causal e suas Teorias: a Investigação
da(s) Causa(s) do Ilícito Penal; 1.2 Teoria da Causalidade Adequada: a Atuação da
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
18

Perícia na Descoberta da Causa Mortis; 1.3 Perícia e Laudo Pericial, sua Utilidade
no Processo, Importância e Princípios; 1.4 Processo Penal e Julgamento: a Apli-
cabilidade da Prova Pericial e sua Influência Diante das Decisões Judiciais; 1.5 A
Teoria Retórica Dentro do Processo Penal e dos Institutos que o Compõem. 2
Comprovação da Causa Mortis pelo Laudo Pericial e o seu Valor no Julgamento.
3 O Laudo Pericial como Instrumento Estratégico; 3.1 Como Condenar um
Inocente com uma Falsa Perícia; 3.2 Manipulação de Provas por Peritos e suas
Intenções Dentro do Processo. 4 Uma Posição mais Analítica da Perícia e suas
Contribuições para a Justiça. Considerações Finais. Referências.

Introdução: a Função Pericial como Discurso Retórico Estratégico


As provas no processo penal são instrumentos que buscam a reconstru-
ção dos fatos no caso concreto, com o objetivo de persuadir o juiz por meio
de hipóteses1. Elas almejam elaborar um convencimento de que o processo
penal sugere a “veracidade” dos eventos que constituíram a ação mesmo que
o exposto, na realidade, não seja exatamente fiel ao acontecimento. Dentro
da ação, não existe uma verdade, um fato narrado que seja absolutamente
condizente com o fato passado, por sua vez chamado de realidade, embora
esta última seja composta por um conjunto de relatos a serem escolhidos pelo
juiz, tendo eles grande valor em sua decisão.
A filosofia retórica, um dos ramos da filosofia ocidental e que, em sua
teoria, opõe-se à tradição ontológica, defende que o conhecimento é fornecido
por um conjunto de relatos, sendo assim, é a linguagem que constitui a “reali-
dade”. Existe uma tripartição dentro da retórica (material, estratégica e analítica),
que permite analisar a filosofia do direito sob diferentes ângulos, permitindo sua
identificação na atividade jurisdicional e comprovando sua presença em todo o
âmbito do judiciário. Nesse viés, é possível observar que o produto da perícia, o
laudo pericial, é um dos relatos que possuem grande apreço para o julgador no
momento em que formula sua cognição. Dificilmente o juiz desconsidera o que
se encontra dentro do relatório emitido pelo perito, pois é ele quem o solicita,
demonstrando altamente a confiança que é depositada nesse profissional auxi-
liador da justiça. Porém, a grande dificuldade encontrada em tal credibilidade se
verifica quando o perito age no processo com más intenções, descumprindo seu
papel de idoneidade e imparcialidade diante dele. Para tanto, ele passa a apresentar
discursos persuasivos e falsas colocações que ferem inteiramente com a função
técnica e comprometida com a reconstrução fática incumbidos à perícia.
Dessa forma, far-se-á no presente trabalho uma análise retórica do
discurso presente no laudo pericial, sua consequência no processo penal, e
como ele deveria se posicionar enquanto instrumento retórico dentro de um

1 LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 343.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 19

julgamento, demonstrando como o papel analítico da perícia é imprescindível


para o exercício justo do direito.

1 Temas que Abarcam a Função Pericial na Busca de uma ou mais


Causas de um Fato Penalmente Relevante
Para a construção de uma atitude retórica analítica, é necessário observar
certos pontos, ligamentos e desenvolvimentos que demonstram a importância
do instituto que está sendo estudado. Tratando-se do tema ligado à perícia,
não se pode ignorar a origem de sua função dentro do âmbito do direito, suas
particularidades, em suma, como ela surge dentro do processo.
A prova pericial possui uma função esclarecedora, ela é requisitada
quando o juiz necessita que certas dúvidas no processo sejam sanadas. O ma-
gistrado solicita a perícia oficial na fase de saneamento, em que são cominados
e juntados os materiais probatórios que fundamentam a decisão do julgador.
Sua atuação vai desde a descoberta de uma causa ou de concausas que
geraram o resultado morte até a verificação de imputabilidade penal. Atra-
vés de análises de peritos tanatologistas, pode-se encontrar vestígios, como
impressões digitais, horário da morte, que possibilitam a determinação do
autor do crime e a forma como ele o executou. Pode-se até determinar como
a penalização será dada ao autor através de um laudo psíquico, se este agia
com dolo ou culpa no momento da ação, bem como se trataria de um sujeito
inimputável, sendo possuidor de doenças mentais ou se possuía, ao momento
da ação, algum transtorno mental (semi-imputabilidade)2.
Isso posto, também será abordada a aplicação da prova pericial, como ela
se constitui e qual o seu papel diante de um caso concreto, além das demais
provas sob uma perspectiva da filosofia retórica e seus desencadeamentos.

1.1 Nexo Causal e suas Teorias: a Investigação da(s) Causa(s) do


Ilícito Penal
Primeiramente, para que se entenda as teorias que investigam qual(ais)
causa(s) gera(riam) o resultado material, é necessário definir o que é nexo causal.
O nexo causal encontra-se dentro dos estudos da dogmática penal, na
teoria geral do delito, sendo ele um elemento da conduta típica. Ele é a relação

2 “(...) a doença mental só resulta em inimputabilidade quando impedir que se possa exigir do sujeito a compreensão
da ilicitude de sua conduta ou a autodeterminação segundo tal compreensão, o que constitui claríssima valoração
jurídica imposta pela lei. Para eles, o fator valorativo, indispensável para o juízo de culpabilidade, estaria a rigor
excluído pela predominância biológica da doença mental; assim, ante o diagnóstico pericial, tocaria ao juiz apenas
referendá-lo (declarando a imputabilidade ou a inimputabilidade).” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Inimpu-
tabilidade e semi-imputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Revista
EPOS, v. 6, n. 2, p. 141-154, 2015)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
20

causal entre a forma que se executou o delito, e a consequência gerada, ou


seja, a relação entre causa e o resultado naturalístico.
De acordo com Sanches (2018, p. 270), “o estudo da causalidade busca
aferir se o resultado pode ser atribuído, objetivamente, ao sujeito ativo como
obra do seu comportamento típico”. Nessa fase da teoria do delito, ainda não
se analisa o dolo e a culpa, sendo consequência da causalidade, a imputação
objetiva (não se considera o elemento volitivo do indivíduo).
No Código Penal, define-se no art. 13, caput, o elemento causa, sendo
ele a ação ou omissão inerente à concretização do resultado.
Diante disso, questiona-se no caso concreto qual ou quais condutas gera-
ram aquele resultado. Primeiramente, é importante observar qual foi o caminho
traçado durante a história para que se chegasse a uma resposta a essa pergunta.
Quando há multiplicidade de causas ocorre ainda uma maior comple-
xidade diante da necessidade de identificar qual foi o real autor da conduta
geradora do dano ao bem jurídico penalmente relevante. Quando se trata
de concausas, relativamente ou absolutamente independentes, considera-se
aquela que está diretamente ligada ao resultado.
Para que fosse possível apontar quais condutas poderiam ser causadoras
do dano, foram desenvolvidas algumas teorias sobre o nexo de causalidade.
O art. 13 do Código Penal retrata a teoria desenvolvida por Von Buri e John
Stuart Mill, chamada pela doutrina de Teoria da conditio sine qua non (ou teoria
da equivalência das condições).
Nessa teoria, considera-se causa do resultado aquela ação ou omissão
que, sem ela, não haveria um bem jurídico lesado. Consequentemente, bem
como retrata Bitencourt, toda e qualquer ação ou omissão, seja ela humana
ou não, que, de certa forma, contribuiu para o desencadeamento do evento
típico, é causa desse resultado3. Em detrimento do alcance das possíveis cau-
sas do resultado, faz-se o chamado juízo hipotético de eliminação. Contudo,
mesmo com a eliminação de certas condutas, a ideia retirada dessa teoria pode
chegar a uma análise infinita, ao considerar que ela nos levaria regressivamente
a diversas ações ou omissões que nada teriam a ver com o crime em pauta.

1.2 Teoria da Causalidade Adequada: a Atuação da Perícia na


Descoberta da Causa Mortis
Como já demonstrado neste trabalho, o fundamento da teoria da cau-
salidade adequada constitui-se na possibilidade ou probabilidade de se extrair

3 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. v. 1. p. 328.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 21

uma concepção sobre a relação entre causa e o resultado material. O elemento


causa é a conduta tipificada no direito penal que gera a imputação subjetiva
(observados o dolo e a culpa) sobre o autor do delito. Essa teoria se demonstra
demasiada abrangente para tão somente através dela capturar sinais suficientes
para saber a quem se destinará a responsabilidade penal.
Dentro do processo penal, para investigar qual seria a conduta causadora
do dano, utiliza-se a produção de provas, meios que revelam ao juiz como
ocorreu a execução do crime. São instrumentos que possibilitam ao julgador
fazer o reconhecimento do fato ocorrido.
A partir dessa ideia, se insere a prova pericial no processo, fonte de
grandes posicionamentos sociais diante de casos concretos famosos, funda-
mento para julgamentos, devido ao seu conhecimento técnico, destinado à
resolução de casos particulares.
A perícia e o nexo causal se comunicam na busca da causa penalmente
relevante, eliminando aquelas condutas que são insignificantes para o processo,
causas não essenciais à materialização do resultado.
A partir do raciocínio posto por Delton Croce e Delton Croce Jr. (2012,
p. 2.013), é possível visualizar com clareza essa relação:

“À Medicina Legal caberá tão somente a descrição pericial da sede, número,


direção, profundidade das lesões, o nexo causal entre o dano sofrido pela
vítima e a causa mortis, etc.

No entanto, se o auto de exame necroscópico não descreve o vínculo de


causalidade entre a lesão sofrida pela vítima e a causa determinante da
morte, sendo, pois, omisso, incompleto e inconsistente em tão relevante
consideração, impõe-se a absolvição do acusado do delito de lesão corporal
seguida de morte.”

1.3 Perícia e Laudo Pericial, sua Utilidade no Processo,


Importância e Princípios
A perícia criminal é regulamentada pela Lei nº 12.030, de 17 de setembro
de 2009. Sobretudo, esse instituto está presente também no Código de Processo
Penal, Código Penal, Lei de Execução Penal e sua realização está submetida às
normas constitucionais. No CPP, entre os arts. 155 e 184, encontra-se prevista
expressamente a forma de atuação da perícia e a aplicação da prova pericial.
A medicina legal judiciária é a ciência que contribui com o direito,
principalmente no âmbito criminal e que dá origem ao instituto da perícia.
Ela é composta por diversas áreas de conhecimento que auxiliam no esclareci-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
22

mento de eventos relativos ao crime, sendo elas a criminalística, antropologia


forense, tanatologia, sexologia, traumatologia, psiquiatria e psicologia forense,
asfixiologia e toxicologia.
Segundo as lições de Aury Lopes, com a inserção do sistema acusatório
no processo penal, a perícia se tornou instrumento útil atendendo precipua-
mente os interesses das partes e subsidiariamente os do juiz4. Ela opera funda-
mentos na construção de conhecimentos comuns destinados aos sujeitos que
compõem a relação processual a respeito de pontos específicos não inclusos
no saber comum do julgador e das partes.
O perito é o profissional que realiza a perícia e que, a partir de dados
coletados, formula um laudo pericial com detalhamentos do fato ocorrido. O
laudo materializa a ocorrência e a perpetua documentalmente, pois quem o
lê consegue visualizar como se deu o “passo a passo” no momento do crime.
De forma técnica e objetiva, o perito descreve a dinâmica parcial do ocorrido,
sendo ele capaz de desvendar a autoria do crime na análise das evidências en-
contradas. Porém, o papel da perícia não é julgar, defender ou acusar alguém
no processo, é vedada a formação de juízo de valor, cabendo a ela somente
realizar exame, avaliação e vistoria dos vestígios, de instrumentos, objetos e
do local de crime para coletar informações técnicas que auxiliem a formação
do convencimento do julgador.
A perícia poderá intervir no processo em qualquer fase dos procedi-
mentos penais, ou seja, ela poderá ser aplicada na fase de inquérito, instrução,
julgamento e/ou na de execução, antes do trânsito em julgado.
No que concerne à valoração dos meios de prova no processo penal e sua
relação com as decisões judiciais, é importante frisar que no Brasil estabelece-
se o princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional, como
versa o art. 155 do Código de Processo Penal:

“O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida


em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusi-
vamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas
as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.”

Na ocorrência de um fato penalmente relevante, quando no local esti-


verem presentes vestígios, é indispensável a efetuação do exame de corpo de
delito. A perícia pode ser acionada a qualquer tempo e momento do dia, salvo
se a realização dela, em certa ocasião, expor o profissional a algum risco. Nesse
caso, a perícia oficial não poderá ser afastada, nem suprida pela confissão. Nos

4 LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 423.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 23

casos incidentes na área penal, somente o julgador nomeará o perito oficial,


não incumbindo às partes intervir na nomeação.
Os vestígios encontrados no local do crime podem ou não estar rela-
cionados à ocorrência, então eles são coletados e enviados para análises labo-
ratoriais ou às perícias especializadas naquele objeto a ser estudado. O laudo
emitido pelo perito oficial de local de crime será incrementado por outros
emitidos pelas perícias específicas.
A tanatologia (tanathos, morte – logos, estudo) forense é a área da medicina
legal que estuda a morte, a causa mortis médica e jurídica5, as circunstâncias
em que ela se deu, assim como os vestígios materiais que são encontrados
no corpus criminis, sob o qual fora praticado o delito. Ela se subdivide em
cronotanatognose (desvenda o momento exato da morte), exame do local do
crime (estudo e relato de indícios encontrados no local do crime) e justanatos
cognoscere (interpreta o interesse jurídico da morte).
O estudo da tanatologia difere os tipos de mortes existentes, especi-
ficando que, para cada caso, pode haver um tipo de causa diferente. Assim,
classificou-se a morte, quanto à sua importância jurídica, como natural, vio-
lenta (homicídio, suicídio e acidente) ou suspeita, em que nessa última não
são encontradas evidências que demonstrem se ocorreu uma morte causada
natural ou violentamente.
O exame cadavérico (necroscopia) tem a sua obrigatoriedade em casos
de morte violenta regulamentada no art. 162 do Código Processual Penal, mas
não há previsão de como se procede a prática da autópsia. Segundo França6:

“Sua importância (...) reside no fato de se poder formular um diagnóstico


seguro e definitivo do óbito, obter informações epidemiológicas, estudar
os processos secundários e associados da enfermidade, explicar algumas
observações clínicas duvidosas e avaliar o tratamento clínico ou cirúrgico
efetuado.”

A metodologia em que se insere a perícia criminal apresenta alguns


argumentos ontológicos, no que tange a determinismos lógicos em que deve
seguir. Perante isso, os princípios que regem a função pericial (a perícia, como
ciência é abarcada de preposições das quais possuem um caráter determinista)
são dotados de afirmações tidas como verdades incontestáveis. Os princípios

5 A causa mortis médica está associada à maneira como foi desencadeada a morte, já a causa mortis jurídica aborda uma
visão mais específica, que investiga o período em que ela ocorreu, quem praticou a conduta que gerou o resultado
mortis, dentre outros aspectos ligados às evidências encontradas no cadáver. (VANRELL, Jorge Paulete. Manual de
medicina legal: tanatologia. 3. ed. Leme: JH Mizuno, 2007. p. 35)
6 FRANÇA, Genival Veloso de. Fundamentos de medicina legal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
24

de Locard e da identidade são exemplos de asserções que levam a perícia no


âmbito da criminalística a uma certa subordinação7 dogmática e funcional.

1.4 Processo Penal e Julgamento: a Aplicabilidade da Prova


Pericial e sua Influência Diante das Decisões Judiciais
Apesar do princípio do livre convencimento do juiz não dar à prova
pericial caráter vinculante, ela é a grande motivação de muitas das decisões
judiciais, pois goza da presunção de veracidade.
Se o juiz peritus peritorum se recusar a concordar com aquilo que está
escrito no laudo pericial, este tem o dever de fundamentar a razão pela qual
divergiu a perícia, sendo a ele vedada a substituição da função pericial pelos
seus conhecimentos técnicos próprios.
A perícia é capaz de manipular as concepções do juiz e do júri a respeito
do caso; isso, porque sua atuação consiste em materializar o fato, obtendo e
associando vestígios encontrados no local em que ocorreu o crime. A prova
pericial apresenta a maior probabilidade de certeza de um aspecto do delito
do que as demais provas que constituem o entendimento do magistrado.
Grandes processualistas, como Aury Lopes, Nestor Távora e Rosmar
Rodrigues Alencar afirmam que não há uma hierarquia das provas dentro do
processo penal. Mas, diante de estudos e análises de julgamentos, pode-se con-
cluir algo como o disposto no trecho do livro Manual de Processo Penal e Execução
Penal, de Nucci, que diz: “Não são poucas as vezes em que a decisão é baseada
fundamentalmente, no laudo pericial apresentado, até porque outra não pode
ser a fonte de conhecimento do julgador, diante da especialização do tema”.
Dito isso, é possível observar que, no julgamento de crimes dolosos
contra a vida, a tecnicidade da perícia possui destaque no tribunal do júri, que
se constitui de pessoas leigas, isto é, indivíduos que não possuem discernimen-
to capaz de visualizar erros ou relatos ilusórios. Então, torna-se mais fácil o
convencimento, e com isso induzir os julgadores a condenarem ou absolverem
quem o profissional de má-fé deseja. A prova pericial acaba se tornando o
grande fio condutor que liga o fato a quem está julgando, pois ele demonstra
detalhadamente como se deu o crime, e, por vezes, revela a sua autoria.

7 O princípio de Locard se funda originalmente na ideia de que “quaisquer que sejam os passos, quaisquer objetos
tocados por ele, o que quer que seja que ele deixe, mesmo que inconscientemente, servirá como uma testemunha
silenciosa contra ele. Não apenas as suas pegadas ou dedadas, mas o seu cabelo, as fibras das suas calças, os vidros
que ele porventura parta, a marca da ferramenta que ele deixe, a tinta que ele arranhe, o sangue ou sémen que deixe.
Tudo isto, e muito mais, carrega um testemunho contra ele. Esta prova não se esquece. É distinta da excitação do
momento. Não é ausente como as testemunhas humanas são. Constituem, per se, numa evidência factual. A evi-
dência física não pode estar errada, não pode cometer perjúrio por si própria, não se pode tornar ausente. Cabe aos
humanos, procurá-la, estudá-la e compreendê-la, apenas os humanos podem diminuir o seu valor”. Já o Princípio
da Identidade se funda em “uma coisa, um corpo, um ente, só pode ser igual a si mesmo” (REIS, Albani Borges dos.
Metodologia científica em perícia criminal. Campinas: Millennium, 2011).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 25

A finalidade de tal observação é alcançar e abordar um ponto no presente


trabalho que é algo recorrente dentro dos processos penais. Um problema
grave, que deveria possuir respaldo constitucional, evitando, assim, que se
cometam inúmeras injustiças.
Atualmente, a perícia criminal ganhou uma posição de importância
dentro do direito, como visto anteriormente, ela é quase essencial dentro do
processo.
Genival Veloso de França aborda a influência da medicina legal para o
processo da seguinte forma: “O perito médico-legal, algumas vezes, é trans-
formado em verdadeiro juiz de fato, cuja palavra é decisiva ou ponderável em
decisões judiciais”8.
Com isso questiona-se, até que ponto a influência da perícia no pro-
cesso é benéfica, e quem está julgando deveria pautar sua decisão enfatizando
o conhecimento trazido pela prova pericial?
Foi criada, em 2010, a PEC nº 499, que busca incluir a perícia oficial
criminal como um órgão da segurança pública. Além do que versa sua ementa,
tal proposta tende a padronizar o modo de atuação dos peritos com base em
um mesmo método científico, gerando uma perícia justa e imparcial. Sob uma
gerência constitucional, tal instituto obteria uma lei específica que concederia
a ele uma autonomia funcional.
Além das diversas áreas de atuação do perito no processo penal, a
psiquiatria forense determina a imputabilidade penal9 do agente do crime.
Diante do aparecimento de dúvidas quanto à sanidade mental do infrator
o juiz deverá solicitar um perito psiquiatra. Contudo, o magistrado poderia
discordar totalmente ou parcialmente do resultado da perícia de imputabili-
dade, apesar de que as conclusões de seu laudo dificilmente são discordadas
ou questionáveis pelo julgador, levando em conta sua especificidade e sua
capacidade de interferência no processo.

1.5 A Teoria Retórica Dentro do Processo Penal e dos Institutos que


o Compõem
As provas dentro de um processo ajudam a reconstruir um fato por
meio da linguagem e junção de dados empíricos, dirigindo seu produto ao
conhecimento do julgador que, por meio de sua cognição, obtém determina-
da decisão. A retórica não se resume ao termo sofística (engodo, persuasão),

8 FRANÇA, Genival Veloso de. Fundamentos de medicina legal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. p. 1.
9 Imputabilidade penal se apresenta como a capacidade subjetiva do agente causador do fato penalmente relevante em
cometer a ação e, também, como o elemento volitivo que possuía no momento de execução do crime.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
26

é uma teoria que se construiu historicamente desde a Grécia antiga. Ela foi
criada por advogados na pólis, que se utilizavam de construções linguísticas
e técnicas argumentativas para defender seus clientes.
A retórica é uma corrente filosófica do direito, diferente da ontologia
que se reduz à busca da “verdade”. Os filósofos retóricos realistas sustentam
a existência dos objetos a partir da linguagem, assim como o conhecimento se
constitui de convenções linguísticas entre sujeitos. É esse instrumento consti-
tutivo que forma o ambiente em torno do ser humano, de forma temporária,
contextualizada e passível de interrupções por outros conceitos formados ao
longo da evolução histórica da humanidade.
Ocorre na retórica uma tripartição, que acaba por recusar a ideia trazida
por Aristóteles de que ela é tão somente um meio de persuasão, fundamentada
pelo ethos, pathos e logos. A retórica se divide em material (método), estratégica
(metodológica) e analítica (metódica).
A retórica realista entende que a realidade é formada por um conjunto
de relatos vencedores (discursos estratégicos que constituem o alicerce do
mundo e da existência humana). Não é possível, então, se alcançar uma ver-
dade real; isso, porque os relatos mudam de acordo com as épocas, não há,
assim, um fato imutável, mas, sim, uma série de eventos que compõem o real.
Metodologias consistem em caminhos a serem seguidos para se alcan-
çar certa finalidade, e assim funciona a retórica estratégica. Esses caminhos
sugeridos por ela na práxis, são compostos pelo topos (apreciado pela “teoria
da argumentação, as figuras de linguagem e de estilo e, no direito, as doutri-
nas dogmáticas”10) e tropos, métodos entimemáticos que visam causar algum
efeito almejado.
A retórica material é o conjunto e o fluxo de diversos eventos, relatos
que em dado momento foram acolhidos pela maioria popular e designados
vencedores. É o alvo da retórica técnica, os discursos estratégicos visam aden-
trar e alterar os métodos estabelecidos na tentativa de se sobressaírem. Então
sua formação, em tese, se dá a partir do controle público da linguagem, ou
seja, da comunicação entre sujeitos, acarretando no que se diz por “realidade”.

2 Comprovação da Causa Mortis pelo Laudo Pericial e o seu Valor


no Julgamento
Um dos assuntos que exigem mais cautela dentro do âmbito criminal
é aquele em que o bem jurídico atingido pela conduta delituosa é a vida. O

10 ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2014.
p. 108.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 27

Estado de Direito tem por função a garantia do direito à vida, proporcionando


a ele máxima proteção.
Mas, quando a função protetora estatal falha, este se depara com uma
situação delicada, pois deverá proporcionar aos familiares o conforto através
da justiça, como também conceder ao acusado direitos essenciais, anteriores e
posteriores ao julgamento. A principal garantia que deve ser disponibilizada a
qualquer réu é o direito de ampla defesa e contraditório e de uma condenação
justa, dentro dos parâmetros legais e éticos.
Para isso, o ordenamento jurídico institui procedimentos que propi-
ciam, de forma coesa, uma responsabilização por certo dano, impedindo que
se condene um indivíduo erroneamente. Um dos meios adotados para isso
foi a inclusão da perícia criminal, devido ao seu alto conhecimento técnico
e específico dos profissionais que a compõem, sendo capazes de observar
detalhes e fazer conexões entre eventos, até que se chegue a uma conclusão
apta a coordenar rumos do processo.
Diante de uma ocorrência criminal a perícia oficial é acionada e percorre
uma metodologia para a obtenção de provas materiais do crime. Nos casos
em que o resultado propagado é a morte não natural da vítima, é de suma
importância a presença do perito para fazer a análise do local.
Os padrões a serem seguidos pelos peritos – constituídos dentro dessa
metodologia sistemática – visam alcançar uma maior possibilidade de acertos
nos relatórios em relação à causa do fato penalmente relevante.
Os exames contemplados pelos peritos na ocorrência de um fato cri-
minoso levam a uma conclusão após a análise de todos os laudos.

3 O Laudo Pericial como Instrumento Estratégico


Diante dos conceitos expostos, será demonstrado neste tópico a razão
de um laudo pericial ser considerado discurso estratégico e não analítico e
qual a posição jurídica diante disso.
Naturalmente, os discursos podem incluir pequenas fatias de pretex-
tos argumentativos que acabam possuindo um caráter indutivo, incluído de
maneira involuntária pelo indivíduo em sua fala.
No caso do laudo concebido pela perícia, seu caráter probatório, de
alguma forma, servirá de argumento de defesa ou acusação para algumas das
partes. Então, imagine uma linha reta no sentido horizontal, em que em uma
de suas extremidades encontra-se o Ministério Público, que em caso de ho-
micídio oferece denúncia por ação incondicionada. Já na outra extremidade
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
28

posiciona-se o réu. A prova pericial exerce benefício a uma das partes com seu
relato estratégico desenvolvido nas entrelinhas do laudo; então, inicialmente,
ela se põe no meio da linha. Mas no desenvolver das respostas dos quesitos,
tenderá a um posicionamento, mesmo que de forma não intencional.
Esse modelo também servirá para determinar se houve dolo ou culpa
na conduta, pois essa determinação também é um ponto crucial no debate
acusatório. E nisso a prova dos fatos emitida pela perícia também exerce
grande domínio, pois relata como se procedeu a conduta, descrevendo os
instrumentos utilizados, se houve uma premeditação na execução do crime,
dentre outras evidências decorrentes da causa fática do resultado.
Nas situações em que há no processo uma falsa perícia, o perito que
manipula o relatório utiliza-se diretamente da erística11 em seu relato, de
sofismas, diferentemente do que foi exposto nos dois parágrafos anteriores.
A retórica material se instaura por meio de jurisprudências, precedentes
ou aquilo que está na lei. Ela é o que se chama de relato vencedor, o discurso
que convenceu grande parte dos ouvintes sendo chamado de realidade, que
é o controle público da linguagem. Ela depende da recepção do próprio ser
humano e sua relação com o próprio meio ambiente.

3.1 Como Condenar um Inocente com uma Falsa Perícia


Sob a visão de Denti12: “o progresso da ciência não garante uma pesquisa
imune a erros e seus métodos, aceitos pela generalidade dos estudiosos em um
determinado momento, podem parecer errôneos no momento seguinte”. Esse
trecho se elenca nitidamente com a filosofia retórica, no sentido de negar a
ciência e os discursos ontológicos que sustentam a existência de uma verdade
real, de uma realidade absoluta. O direito, como muitos institutos presentes
na sociedade, é uma construção de eventos que mudam e se transformam a
cada instante, sendo impossível tratá-lo como algo concreto e óbvio, dotado
de um único significado.
Diante da afirmação recolhida do referido autor, o laudo da perícia
oficial também é passível de erro, assim como toda ciência, o que dificulta
o andamento processual, pois nele, muitas vezes, a “verdade” sobre o fato
ocorrido está fortemente ligada ao que se insere no laudo pericial.

11 ADEODATO, João Maurício. Retórica realista e decisão judicial. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, v. 18, n. 1,
Vitória, jan./abr. 2017. Disponível em: <http://sisbib.emnuvens.com.br/direitosegarantias/article/viewFile/928/322>.
Acesso em: 30 out. 2017.
12 Citado por LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 424.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 29

Não é viável por a prova pericial num posto de “verdade real”. Várias
delas são somente relatos estratégicos que buscam influenciar o processo e a
decisão do juiz ou do júri, assim como as falsas perícias.
Dispõe o Código Penal sobre a falsa perícia:
“Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como teste-
munha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou
administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado
mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a
produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte
entidade da administração pública direta ou indireta.
§ 2º O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que
ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.”
Na fase instrutória do processo penal produz-se provas para esclarecer
fatos tratados no litígio, assim como a prova pericial. É diante dela que a sen-
tença se baseia, ela reconstrói os fatos, e perante a esse fato, o ordenamento
jurídico deveria se atinar à aplicação de um meio de prevenir convicções
adúlteras e manipuladas expostas no laudo pericial.
O artigo citado anteriormente, que versa sobre uma conduta típica
do perito em si (crime de mão própria) que procede das ações de fazer uma
afirmação falsa, negar a verdade ou omitir-se, procura garantir a justiça.
O objetivo de um perito que elabora uma prova pericial falsa, assim
como aquele que pratica corrupção passiva ou é declarado suspeito13, é estri-
tamente persuadir o julgador ou o tribunal do júri, distorcendo os eventos
que constituíram o fato, a fim de beneficiar ou prejudicar o acusado.

3.2 Manipulação de Provas por Peritos e suas Intenções Dentro do


Processo
Os eventos passados que desencadearam fato típico são incognoscíveis
para o juiz14 ou o júri, sendo necessário o esclarecimento sobre os eventos
que constituíram o crime para orientar a sua decisão. O papel de cumprir esse

13 A suspeição de peritos aplica-se por analogia nas hipóteses dos arts. 252, 254 e 279 do Código de Processo Penal,
por serem eles os auxiliares dos juízes, devendo ser imparciais a todo instante no exercício de suas funções.
14 Rogério Greco e William Douglas (2016, p. 2) atinam à importância de o julgador obter domínio sobre o produto
da perícia, discorrendo que “ao jurista é necessário o seu estudo a fim de que saiba avaliar os laudos que recebe, bem
como suas limitações, quando e como solicitá-los, além de estar capacitado a formular quesitos procedentes em relação
aos casos em estudo. É imprescindível que tenha noções sobre como ocorrem as lesões corporais, as consequências
dela decorrentes, as alterações relacionadas com a morte e os fenômenos cadavéricos, conceitos diferenciais em
embriaguez e uso de drogas, as asfixias mecânicas e suas características, os crimes sexuais e sua análise pericial etc.”.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
30

objetivo se faz por meio das provas, no entanto, a perícia, em especial, possui
grande valor para o processo cognitivo do julgador.
Contudo, dentro do processo, pode-se encontrar o uso da má-fé por
alguns profissionais para se alcançar certos objetivos. Essa é a finalidade
transpassada pela chamada falsa perícia, fator não tão incomum de ocorrer
em processos criminais durante a história.
Basta observar o caso das audiências públicas realizadas nos dias 24 e
25 de fevereiro de 2014 por representantes da Comissão Nacional da Verdade
e da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, que versou sobre três das
diversas ações propagadas pela Ditadura Militar das quais causaram a morte
de oito membros da Ação Libertadora Nacional. As famílias das vítimas, anos
após a ocorrência das mortes, resolveram contratar peritos particulares para
analisarem os corpos exumados, a fim de que fosse formulado um laudo
verossímil com os vestígios encontrados nos corpos.
Os peritos do IML que produziram o atestado de óbito durante a dita-
dura alegaram suicídio como a causa da morte de muitos militantes, omitindo
nos relatos as marcas de agressões, torturas e os assassinatos cometidos contra
essas vítimas.
Sem muitos fundamentos nos laudos que esclarecessem às famílias
sobre o ocorrido e com a reunião de algumas testemunhas, a Comissão Na-
cional da Verdade resolveu tomar frente do assunto, participando também
das análises dos corpos para se obter um atestado de óbito realístico, e ainda
propuseram a responsabilização dos peritos que manipularam os falsos laudos
para esconderem a barbárie que ocorria na época ditatorial no Brasil.
Como nesse exemplo narrado, muitos profissionais na área da Medicina
Legal adotam posturas antiéticas no exercício de suas profissões em troca de fa-
vorecimentos econômicos ou políticos. Eles adotam técnicas linguísticas ilusórias
dentro do laudo pericial, enfatizando acontecimentos que, se lidados de forma
individual, sugerem um novo fato que não se encontra no momento que se deu
a conduta do autor. Outra estratégia retórica formulada por falsas perícias é o
ocultamento ou criação de vestígios para incriminar ou inocentar uma pessoa. Essa
conduta de peritos judiciais ao aceitar propina em troca de trabalhos ilícitos, se
enquadra nos crimes de corrupção passiva previsto pelo Código Penal, no art. 317.

4 Uma Posição Mais Analítica da Perícia e suas Contribuições para


a Justiça
A retórica analítica constitui a filosofia do direito exercendo estudos de
paradigmas e descrevendo relações entre o conhecimento do ser humano e sua
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 31

linguagem. O nível que a representa é a metódica, em que toma os métodos


e metodologia como ponto de destaque e o produto da inter-relação deles
como objeto imediato de estudo. Ela explicita como a dogmática (meio de
resolução e tratamento diante dos problemas) que constitui a retórica mate-
rial e as teorias que dão forma à retorica estratégica, discursos compostos por
técnicas linguísticas e argumentos táticos, se entrelaçam linguisticamente.
A função pericial deveria se apresentar como uma atitude zetética diante
do processo, investigando os vestígios e formulando o laudo sem qualquer
formação de opinião ou construção de argumentos com fulcro de se alcançar
algum interesse. Teria que se ater somente à sua utilidade para esclarecer dú-
vidas sobre os fatos e sobre a causa do crime, sendo auxiliadora do julgador
na práxis jurídica. Assim, ela não poderia admitir uma posição, mas, sim, ser
neutra valorativamente.
O discurso, retratado nesse tema como laudo pericial, assumindo uma
posição narrativa, associa elementos importantes para a resolução do caso e
o contexto em que se inserem (como, por que e qual a importância de sua
descrição para o caso abordado). A descrição técnica da perícia não seria o
argumento estratégico da retórica com intuito normativo ou persuasivo, ela
representa o conhecimento específico do profissional, sem tomar posição
quanto às partes litigantes.
Assim como retratado no tema, é importante aqui observar retorica-
mente a atuação da perícia no âmbito criminal, e, inclusive, apontar algumas
falhas ao lidar com tal instituto, e a ética do profissional que elabora uma prova
pericial. Assim dispõe Adeodato (2014, p. 109) em suas lições:

“A análise do discurso procura detectar – pode-se até dizer desmascarar


– estratégias falaciosas empregadas pelo autor escolhido. Para isso, deve
sintetizar suas afirmações e seus argumentos, tentando ver se apresentam
fundamentações explicitas ou se pressupõem ‘verdades’ ocultas na esfera
do silêncio.”

A partir disso, então, é possível visualizar o encaixe da filosofia retórica


com a atuação de peritos, analisando em alguns casos como eles utilizam de
discursos técnicos para alcançar objetivos no processo. Nesse contexto, o relato
extraído de uma falsa perícia é inteiramente constituído de más intenções e
induzimento, já que aproveita de sua posição de confiança perante o juiz e
como auxiliar da justiça para ludibriar o contexto factual de um processo.
Partindo de uma visão otimista, teoricamente os peritos no processo
penal atuam no esclarecimento de incógnitas, das quais as partes e o juiz não
possuem domínio para alcançarem uma possível resolução, buscando, assim,
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
32

promover a justiça. A eles é depositada alta confiança em detrimento de sua


competência e idoneidade, concedendo-os o cargo de auxiliadores da justiça
(comprometendo-se com a honra, fortuna e família).
Mas como observado, sob uma análise retórica, o instituto de certa for-
ma foge de seu ponto de neutralidade em relação às partes, atribuindo a uma
delas um favorecimento e levando a outra a descrédito. Dessa forma, ao se
deparar com falsas perícias ou erros encontrados nos laudos que prejudiquem
a visualização do fato, é causada ao julgador uma ilusão, a parte desfavorecida
possuiria uma derrota injusta dentro do processo, pelo peso que o laudo possui
no momento de discernir se o réu é ou não culpado.

Considerações Finais
É notória a importância do instituto das perícias criminais dentro do
direito. Sua atividade, como auxiliar da justiça, é de grande valia no momento
de descoberta do indivíduo responsável por gerar resultado danoso a outrem
decorrente de uma conduta reprovável juridicamente. Sobretudo, o objetivo
executado no presente trabalho foi demonstrar uma inter-relação entre a atu-
ação, o modo pela qual a prova pericial é tratada diante de julgamentos, sua
importância e pontos dela que conflitam com a noção de exercício da justiça
dentro do direito, sob uma reflexão retórica. Foi possível visualizar como os
três níveis da retórica estão anexados dentro desse aparato jurídico em suas
atuações específicas.
Diante desse desenvolvimento conceitual e comparativo, faz-se mister
pensar em algumas mudanças dentro da metodologia científica utilizada na
elaboração do laudo e no manuseamento da prova pericial dentro do processo
judicial. Além disso, a garantia de uma boa atuação do profissional na inves-
tigação em busca de um culpado necessita de mais atenção perante o Estado,
criando normas que prevejam condutas menos parciais, que seja eficaz para
responsabilizar o perito que aceitar prejudicar o réu ou a vítima no processo
em função de propinas e enriquecimentos ilícitos.
É importante que uma instituição tão necessária tenha uma postura
mais analítica ao propagar seu saber ao juiz, não utilizando de sua posição de
prestígio para envolver-se no debate acusatório, por meio da dialética erísti-
ca, de forma intencional e parcial. Por ser auxiliadora do julgador, não pode
encontrar-se no conceito de prova como instrumento persuasivo15, devido a
sua grande influência na construção cognoscível do julgador e pela sua pre-

15 LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 343.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 33

sunção de veracidade dentro do processo penal, devendo exercer apenas a sua


contribuição para solucionar o litígio.

TITLE: Critical analysis of reports as strategic rhetorical arguments: the ideal of neutrality in the role of
expert testimonies in the criminal context.

ABSTRACT: Rhetorical philosophy seeks to demonstrate that knowledge is provided through a set of
accounts and expresses that language constitutes a “reality”. Its division into material (method), strategy
(methodological) and analysis (methodical) matches various legal activities. Official expert testimony,
the subject of this article, is requested by a judge to help clarify doubts in the criminal procedure. It is
regulated by the Penal Code, the Code of Criminal Procedure, the Sentence Execution Act, and Law no.
12,030/09, and its role is that of an assistant to Justice by investigating the cause of the criminally relevant
outcome in a technical and in-depth manner, often revealing who the responsible for the fact is. In view
of this, expert evidence is utterly important for the decisions of jurors or judges in criminal cases. Howe-
ver, it is of the utmost importance that expert testimonies are impartial, since experts are not responsible
for deliberately judging or defending the accused subject in a report, as in practice the influence of such
a probative resource is very broad, and it eventually deviates from its effective role, proving biased at
various times. The rhetorical analysis of this evidence means shows that a report prepared by an expert
uses intentional strategies and techniques to provide benefits to one of the parties that make up the pro-
cedural relationship. Therefore, this article aims at showing that impartial expert testimony is essential to
promoting fair decisions in criminal proceedings.

KEYWORDS: Expert Testimony. Reports. Critical Analysis. Strategic Rhetorical Arguments. Neutrality.
Criminal Context.

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Recebido em: 25.07.2019


Aprovado em: 04.09.2019
Doutrina

Regularização Fiscal e Cambiária: a


Desregulamentação Legislativa e o
Desmantelamento da Punibilidade
no Direito Penal Econômico

Flávio Augusto Maretti Sgrilli Siqueira


Pós-Doutorando em Democracia e Direitos Humanos na
Universidade de Coimbra; Doutor em Direito Penal e
Política Criminal – Universidade de Granada; Mestre em
Direito Penal e Tutela dos Interesses Supraindividuais pela
Universidade Estadual de Maringá; Especialista em Direito
e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina;
Professor Visitante na Especialização em Direito Penal e
Processo Penal da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais – Poços de Caldas; Professor Adjunto de Direito Penal,
Processo Penal e Direito Administrativo – Libertas Faculdades
Integradas e Defensor Público/MG.

RESUMO: Trataremos aqui dos princípios gerais que orientam a punibilidade


no Direito Penal Econômico e, ato contínuo, explicaremos duas das principais
hipóteses de extinção da punibilidade nessa área.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Penal Econômico. Regularização Fiscal e Cam-


biária. Delitos Socioeconômicos. Punibilidade.

SUMÁRIO: 1 A Punibilidade e o Comportamento Pós-Delitivo no Direito


Penal Econômico; 1.1 Visão Geral da Categoria da Punibilidade nos Delitos
Socioeconômicos. 2 Regularização Fiscal pelo Pagamento como Causa Extintiva
da Punibilidade em Delitos Tributários e Previdenciários e o Parcelamento como
Causa Suspensiva da Pretensão Punitiva Estatal. 3 Repatriamento como Causa
Extintiva da Punibilidade. 4 Colaboração Premiada; 4.1 Delitos Tributários; 4.2
Lavagem de Capitais; 4.3 Da Regulamentação Máxima à Desregulamentação
Mínima: a Ascensão e Decadência dos Bens Jurídicos Tutelados por Meio da
Análise Econômica da Punibilidade e Nossa Conclusão. Referências.

1 A Punibilidade e o Comportamento Pós-Delitivo no Direito Penal


Econômico
A punibilidade, segundo ensina Luiz Regis Prado, é “mera condicio-
nante ou pressuposto da consequência jurídica do delito (pena/medida de
segurança)” (PRADO, 2017, p. 447).
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Verifica-se que a punibilidade é embebida em elementos advindos de


política criminal ou jurídica, merecimento e necessidade da pena, ou seja, em
circunstâncias que não integram o delito1, mas, sim, integram a aplicabilidade
ou não das consequências jurídicas do delito.
Os aspectos de política criminal referem-se a elementos atinentes à
conveniência, oportunidade, intervenção mínima, e proporcionalidade, ao
passo que a política jurídica se refere à política em caráter geral (CARVALHO,
2005, p. 166). Ganha preponderância na primeira hipótese o estabelecimento
de um diálogo entre o Direito Penal e outros ramos do direito para se sobressair
à força destes últimos em detrimento daquele, por exemplo, nos ermos dos
arts. 7º, § 2º, b, e 181, ambos do CP, onde sobreleva o Direito Internacional
Público e o Direito de Família (CARVALHO, 2005, p. 168) devido às graves
consequências advindas do Direito Penal.
A punibilidade é vislumbrada essencialmente sob o prisma de duas
modalidades de institutos, a saber, as escusas absolutórias e o comportamento
pós-delitivo positivo.
Luiz Regis Prado aclara que o comportamento pós-delitivo positivo
pode ser valorado positivamente pelo legislador, antes ou depois da consuma-
ção do delito, em razão de sua utilidade para a vítima ou para a Administração
da Justiça. Assim sendo, as escusas absolutórias são circunstâncias previamente
descritas em lei (causas pessoais de exclusão de pena) e que afastam a tipicidade
da conduta e as escusas posteriores são ponderadas após a superação do injusto
culpável (causas de supressão de pena) que podem conduzir à diminuição de
pena ou à extinção da punibilidade. Temos aqui “a reparação voluntária dos
efeitos delitivos ou na colaboração igualmente livre com a Administração de
Justiça” (2017, p. 453-454).
As causas da supressão da pena são, em realidade, hipóteses de com-
portamento pós-delitivo positivo que anulam a punibilidade inicial. Seriam,
recorrendo à terminologia tradicional, escusas absolutórias posteriores, dado
que atuam com posterioridade à realização do fato, suprimindo retroativa-
mente sua punibilidade (PRADO, 2017, p. 454). Essas causas demandam três
requisitos: posterioridade, voluntariedade e seu conteúdo positivo.
No Direito Penal Econômico brasileiro verificamos que não há o esta-
belecimento, com clareza, de qual seria o critério invocado para justificar a não

1 Érika Mendes de Carvalho leciona com correção: “Portanto, a não criação de uma categoria adicional à punibilidade
e a não integração desta entre os elementos essenciais do delito não significa – ao contrário do que assevera parte da
doutrina – apenas a adoção de um conceito amplo de punibilidade, mas, sim, a aceitação de um conceito estrito e
rigoroso de delito, que não incorpora em seu âmbito circunstâncias inspiradas por valorações político-criminais ou
vinculadas à necessidade preventivo-geral e/ou especial de pena” (CARVALHO, 2005, p. 130).
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incidência da aplicação da lei penal. O que se apura na maioria das hipóteses é


que as medidas estão embebidas em política geral por se referirem a critérios
que não são fundados em aspectos preventivo-repressivos, mas, sim, pura-
mente preventivo-arrecadatórios (SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2017, p. 131)
como forma de minorar os reflexos da crise econômica, e certamente acabam
por livrar-se da sanção penal pessoas mais bem abastadas financeiramente.
Passaremos, em breve análise, a explicar os princípios gerais que orien-
tam a punibilidade no Direito Penal Econômico e, ato contínuo, explicar duas
das principais hipóteses de extinção da punibilidade nessa área.

1.1 Visão Geral da Categoria da Punibilidade nos Delitos


Socioeconômicos
A punibilidade como é a porta de entrada dos elementos advindos da
política criminal ou jurídica demanda a apresentação de contornos que sejam
compatíveis com os princípios fundantes do Direito Penal, em que há presença
de conteúdos que consigam compatibilizar, quando possível, os aspectos de
política com a esperada segurança jurídica tão almejada em matéria penal.
A despeito de controvérsias acerca da adequação constitucional da visão
conferida pelo legislador brasileiro na categoria da punibilidade temos que ela
é, em sua maioria, aceita pela doutrina e jurisprudência nacionais, com maior
aceitação, inclusive, nesta segunda esfera.
Ao intentarmos a compatibilização verificamos que em diversos mo-
mentos não houve a preocupação com a construção de um arquétipo que
confira previsibilidade para os comportamentos de reajuste entre o bem
jurídico afetado e a reparação do dano.
O Estado deveria pautar-se por condutas que sejam permeadas de leal-
dade legislativa, ou seja, apresentar com clareza a normatização da extinção da
punibilidade. Traçar, de forma escorreita, clara e sem margem as contradições,
os fundamentos e limites do direito de punir, de modo a que ao cumprir os
requisitos legais obtenha o benefício e não fique em posição de fragilidade
processual.
Haveria de ocorrer a assunção de um comprometimento voltado à
integridade aplicativa dessas normas, em que se estamos diante de causas
extintivas da punibilidade com o legislador ponderando pela concessão dessa
oportunidade ao acusado de ver-se livre do risco de condenação criminal, o
que se espera é a redução dos espaços de tensão entre os interesses de acu-
sação e defesa, porque há a tentativa de um esforço comum para se dirimir
o conflito penal.
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Tem-se que isso se daria com preocupação com o diálogo na operacio-


nalização dessas causas de extinção da punibilidade, entrelaçando em uma
banda, o Poder Público, e aqui, envolvendo o Ministério Público, o Poder
Judiciário e a Administração Pública, unindo a iniciativa privada nas suas va-
riadas esferas como interveniente financeiro para operacionalizar a realização
da extinção da punibilidade, os profissionais liberais em função consulente e
o agente que visa beneficiar-se dessa prática.
Calha reforçar que um regresso importante há de ser realizado no
sentido de que essas amarras com o fito de tornar a punibilidade um espaço
de legalidade enraizada tem por finalidade evitar que intervenientes acabem
sendo sancionados por delitos omissivos impróprios em que há uma tendência
cada vez maior em sede de imputação penal.
O fundamental é que o legislador, ao discutir as causas extintivas da
punibilidade, dialogue inicialmente com a Constituição para se verificar a
necessidade ou não da intervenção penal e se o bem jurídico demanda ser
tutelado pelo Direito Penal para que, em ultrapassada essa questão, verificada
margem para infiltrar na punibilidade elementos de política criminal e/ou ju-
rídica que o faça em compasso com as possibilidades oferecidas pelos sujeitos
que atuam na esfera pública, privada e no agente.
A punibilidade deve ser extinta quando concluídos esses requisitos a
serem estabelecidos de acordo com as possibilidades fáticas e esse caminho
não deve ser permeado de insegurança jurídica, inquietudes políticas, mas,
sim, marcado pela boa-fé processual e assentado na confiança.
A regulação da punibilidade perpassa pela adequação da questão com
outros ramos do direito e aspectos advindos de outras áreas, não para extinguir
a tipicidade, mas, sim, para que haja a preocupação com a fixação de critérios
estáveis para tornar a compreensão do direito de punir em sentido amplo um
caminho detectável para todos (SALVADOR NETTO, 2010, p. 220).
O emaranhado normativo abaixo exposto demonstrará que essa não foi
uma preocupação na área penal, quando isso deveria ser fundamental para que
se tenha uma legislação que permita a cooperação para o alcance do objetivo
proposto pela causa extintiva da punibilidade.
Temos que consignar que em matéria de Direito Penal Econômico a
legislação há muito tempo tratou de estabelecer institutos que tem por fina-
lidade abrandar a pena a ser aplicada. Hodiernamente, a tendência não reside
apenas no abrandamento, mas também mediante o desaparecimento do risco
de sanção penal na ocorrência do adimplemento do dano.
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Rui Stoco, com clareza solar, diz que: “a extinção da punibilidade no


âmbito penal tem preço ou, como queira, pode ser ‘comprada’“ (STOCO,
2017, p. 122).
O legislador ignorou por completo o acentuado desvalor da ação e do
resultado das condutas que envolvem delitos econômicos, posto que afetam
“aspectos supraindividuais do planejamento econômico e social” (TIEDE-
MANN, 2010, p. 60), bem como desconsiderou que a adoção dessa medida
desvela a anulação das ideias de prevenção geral negativa por não gerar o temor
social para evitar a prática de novos delitos. Repele por completo a prevenção
especial, já que o autor dessa infração não se sente intimidado, sem restauração
do valor do bem jurídico atingido2.
Logo, a categoria da punibilidade acabou se transformando em balcão
de negócios por parte do Poder Executivo, que buscava a recomposição dos
cofres públicos ou do valor arrecadado mediante um delito para superação
de cenários de crise econômica, mascarando sua própria incompetência ad-
ministrativa, oferecendo como contraprestação o afastamento do direito de
punir em cenários normativos instáveis, com elevada dubiedade e, não raras
vezes, contraditórios.

2 Regularização Fiscal pelo Pagamento como Causa Extintiva


da Punibilidade em Delitos Tributários e Previdenciários e o
Parcelamento como Causa Suspensiva da Pretensão Punitiva
Estatal
A legislação penal brasileira tratou de tipificar os delitos contra a ordem
tributária na Lei nº 8.137/90, sendo que ali foram encerradas, ainda que de
forma não uniforme, a maioria das infrações penais dessa natureza, visto que
temos tipos penais previstos dentro do Código Penal que cuidam de interes-
ses tributários. O agente que comete sonegação fiscal pode se beneficiar de
um programa de parcelamento do débito tributário3 que fora estabelecido de
longa data pelo governo em sucessivos programas de renegociação da dívida

2 Sobre as teorias da pena vide: PRADO, 2017, p. 354 e ss.


3 Paira discussão acerca da necessidade ou não do efetivo ingresso no programa de parcelamento reconhecido pela
autoridade fazendária para fins de produção de efeitos penais. Todavia, é razoável o entendimento defendido no
sentido de que o acusado, como administrado, tem o direito de exigir soluções razoáveis pela Administração Pública.
O fundamento reside na boa-fé objetiva que incide para ambos na relação jurídico-tributária. José Paulo Baltazar
Júnior diz que: “o cidadão não pode ficar totalmente a mercê da vontade da administração em apreciar o pedido
nem devem ser emprestados efeitos penais no caso de pedidos que não são acompanhados de efetivos pagamentos”
(BALTAZAR Jr., 2014, p. 885).
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tributária4, que geravam a suspensão da pretensão punitiva estatal e sobrevindo


a quitação da dívida promover-se-ia a extinção da punibilidade5.
Há crítica entre a doutrina sobre o favor legal concedido, visto que
viola o princípio da proporcionalidade por autorizar tratamento benéfico que
contempla sonegador em detrimento do mero contribuinte inadimplente6.
De início fora marcado o tratamento penal do adimplemento da obri-
gação tributária principal no art. 14 da Lei nº 8.137/90, que disse que o paga-
mento do tributo ou contribuição social, computando os assessórios, antes do
recebimento da denúncia promoveria a extinção da punibilidade nos delitos
dos arts. 1º a 3º da Lei nº 8.137/90.
Todavia, o dispositivo fora revogado pelo art. 98 da Lei nº 8.383/91 e a
questão somente voltou a ser enfrentada no ano de 1995. O art. 34 da Lei nº
9.249/95 novamente regulou a matéria e fixou um lapso temporal para fins
de que o pagamento do tributo e acessórios fosse considerado causa extintiva
da punibilidade, qual seja, antes do recebimento da denúncia. Manteve-se o
alcance a todos os delitos de sonegação fiscal da Lei nº 8.137/90 com o delimi-
tador da extinção até o recebimento da denúncia7. Nessa época, o parcelamento
e o pagamento realizados após o recebimento da denúncia eram vistos como
mera atenuante na forma do art. 59 do CP.

4 Em matéria penal tributária há quem sustente que as remissões, anistias ou parcelamentos situam-se “dentro do
espaço de conformação do legislador, no exercício de opções políticas que constituem a sua tarefa própria, não estando
sujeita a controle judicial quanto à oportunidade das medidas, desde que atendidos os critérios dos arts. 150, § 6º,
195, § 11, da CF” (BALTAZAR Jr., 2014, p. 881).
5 Luiz Regis Prado aclara que: “A fundamentação desse instituto pode ser analisada sob dois enfoques: o político-fiscal e
o jurídico-penal. No primeiro, vislumbra-se uma finalidade extrajurídico-penal da autodenúncia, baseada em critérios
essencialmente fiscais, como função de estímulo, de modo a facilitar o retorno do contribuinte à honestidade fiscal.
No segundo, fundamenta-se a autodenúncia no âmbito da teoria penal da desistência voluntária e da reparação do
dano” (2018, p. 283).
6 Luiz Carlos dos Santos Gonçalves defende que o preceito viola o princípio da proporcionalidade na vertente da pro-
teção deficiente ao bem jurídico tutelado nos delitos tributários; defende que temos uma clara violação do princípio
da isonomia no tratamento jurídico conferido pelo Fisco aos contribuintes inadimplentes e sonegador ao dizer que:
“Essa distinção é importantíssima, mormente em um país no qual a carga tributária é elevadíssima. Sonegador e,
em tese, criminoso, é aquele que se vale de fraudes e artifícios para o não pagamento ou o pagamento a menor dos
tributos; inadimplente é aquele que não pôde pagar os tributos. Note-se que o sonegador, se for um comerciante
ou industrial, pode oferecer seus produtos por preço mais acessível, em verdadeira concorrência desleal. Ora, uma
vez descoberto o não-recolhimento, o pagamento dos valores (acrescidos de multa e juros, ademais) extinguirá a
punibilidade; o problema é que, presumidamente, o sonegador terá melhores condições de honrar sua dívida do que
o inadimplente (que já não pagou em razão de dificuldades financeiras). Assim, a lei trata igualmente aos desiguais
(sonegador e inadimplente) e favorece o lado antissocial, o sonegador” (GONÇALVES, 2007, p. 116-117).
7 Por recebimento da denúncia José Paulo Baltazar Júnior leciona que: “(...) é aquele constante na decisão judicial que
recebe a denúncia (CPP, art. 399), após a resposta do denunciado (CPP, arts. 396 e 396-A), e não a do oferecimento
da denúncia mediante ‘protocolização’ na Vara Criminal ou Distribuição. Desse modo, o denunciado poderá efetuar
o pagamento ou requerer o parcelamento no prazo para a resposta. Uma vez comprovado o pagamento, consultando-
se a autoridade fazendária sempre que houver qualquer dúvida a respeito, o Juiz deverá absolver sumariamente o
acusado, em razão da extinção da punibilidade (CPP, art. 397, IV). Em caso de parcelamento, suspende-se a pretensão
punitiva do Estado” (2016, p. 882).
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Observamos que a referida norma penal está formalmente em vigor


até os dias atuais por não se tratar de lei penal temporária. Em sequência, a
Lei nº 9.430/96 tratou de criar, em seu art. 83, a representação fiscal para fins
penais que nada mais é que uma notitia criminis, a qual a autoridade fazendária
ou previdenciária encaminharia ao Ministério Público autos de processos
administrativos findos com o esgotamento da via administrativa para que o
titular da ação penal apurasse a presença ou não de ilícitos penais tributários8.
A referida lei ainda dizia que enquanto pendente parcelamento de débito em
que se verifique indícios de delito ocorre a suspensão da pretensão punitiva
estatal, bem como da prescrição.
Diz o mesmo diploma legal que para que o agente seja beneficiado
com a suspensão na pretensão punitiva é necessário que o requerimento de
parcelamento seja formalizado antes do recebimento da denúncia (art. 83,
§ 2º, da Lei nº 9.430/96).
Pontua, ao final, que o pagamento do tributo e seus acessórios acarreta
a extinção da punibilidade (art. 83, § 4º, da Lei nº 9.430/96) e aqui notamos
que não há o condicionamento a nenhuma fase da persecução, logo, era ad-
mitido a qualquer tempo a declaração da causa extintiva da punibilidade pelo
adimplemento apenas nos delitos dos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, bem
como incluiu aqui os tipos penais dos arts. 168-A e 337-A do Código Penal
com exclusão do delito do art. 3º da Lei nº 8.137/90.
O art. 83, § 1º, da Lei nº 9.430/96 diz que a referida representação fiscal
para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público por ocasião
da exclusão da pessoa física ou jurídica do programa de parcelamento.
Temos que o parcelamento era permitido a qualquer momento, porém,
para que se obtenha reflexos penais era necessário que ele se desse antes do
recebimento da denúncia. Com o parcelamento suspendia o curso da preten-
são punitiva e da prescrição, e sobrevindo o pagamento, a qualquer momento,
extinguia a punibilidade. Todavia, em não havendo prévio parcelamento seguia
o limiar temporal da Lei nº 9.249/95. A Lei nº 9.964/00 instituiu o Programa
de Recuperação Fiscal (REFIS) que tratou de questões penais e processuais
penais em seu art. 15, § 3º. Referida lei tratou aqui de indicar que a suspensão
da pretensão punitiva estatal apenas diferenciando da outra lei por dizer que o
parcelamento deveria ter sido concedido antes do recebimento da denúncia,
enquanto a lei acima indicada dizia que bastava o requerimento de parcelamento
ter sido feito de modo pretérito ao juízo de admissibilidade da inicial acusatória.

8 Pode-se dizer que o dispositivo legal foi o gérmen do entendimento cristalizado na Súmula Vinculante nº 24 do
STF atinente ao exaurimento da via administrativa que diz: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributá-
ria, previsto no art. 1º, I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. Evidencia-se que sua
natureza jurídica não desnatura a ação penal que remanesce como pública incondicionada.
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Ou seja, a sistemática dizia que suspendia a pretensão punitiva e a


prescrição durante o período de inscrição no REFIS, desde que a inclusão
tivesse ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal cujos efeitos
eram limitados aos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90 e os delitos previdenciários
da Lei nº 8.212/91. Indicou a antedita lei do REFIS que os aspectos penais e
processuais penais são aplicáveis em relação aos Estados, Distrito Federal e
Municípios que instituírem programas de recuperação fiscal em seu âmbito
de competência (art. 15, § 2º, I, da Lei nº 9.964/00) e apontou que ocorreria a
extinção da punibilidade com a sobrevinda do pagamento do débito parcelado,
desde que o referido parcelamento ocorresse antes do recebimento da inicial
acusatória (art. 15, § 3º, da Lei nº 9.964/00)9.
Posteriormente, o art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03 novamente disciplinou
a questão envolvendo a extinção de punibilidade, havendo quem defenda a revo-
gação tácita do art. 34 da Lei nº 9.249/95 (MARCÃO, 2017, p. 49; BALTAZAR
Jr., 2014, p. 883), pelo fato da matéria ter sido disciplinada de modo diverso,
em que não fora fixado um marco temporal máximo para que o pagamento
acarretasse a extinção da punibilidade (art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03), logo,
o parcelamento e a quitação poderiam ser efetivados a qualquer momento10.
Trata-se de hipótese em que se admitiria a suspensão da pretensão punitiva
e da prescrição enquanto a pessoa estivesse inserta no regime de parcelamen-
to tributário, o qual projetava seus efeitos, após deflagrada a ação penal, com
sentença de primeiro grau recorrível ou com seu trânsito em julgado, inclusive
de forma retroativa por ser novatio legis in mellius (MARCÃO, 2017, p. 49-50).
A Lei nº 11.941/09 tratou da questão do parcelamento11 como causa que
obstaculiza o recebimento da denúncia (art. 67), a qual somente será recebida

9 Renato Marcão assinala que nada fora dito na lei acerca das hipóteses de quitação à vista, sem a opção de parcelamento
da dívida tributária (2017, p. 49).
10 De modo igual tem-se que há base para se sustentar que estamos diante de norma penal temporária, que exauriu
seus efeitos, visto que o art. 1º da antedita lei delimitar que apenas as dívidas vencidas até 28.02.03 podem ser objeto
de parcelamento em 180 (cento e oitenta) parcelas mensais e sucessivas, abrangendo dívidas inscritas na dívida ativa
ou não, além daquelas que tenham ou não sido objeto de execução fiscal. Quando a lei fala em regime de parcela-
mento falaria no regime de parcelamento assentado por essa lei, por isso o exaurimento. Assim, os efeitos penais
estariam adstritos aos débitos existentes no termo legal que fixou o marco limítrofe para adesão ao programa não
se cuidando de norma geral de parcelamento, mas, sim, um programa específico vinculado a certas modalidades de
créditos tributários.
11 A razão é que o art. 1º da Lei nº 11.941/09, a despeito de contemplar programas especiais de parcelamento, assinala
em caráter genérico: “os débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e os débitos para com
a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional”, malgrado apresente esse caráter genérico que abrangeria todas as
modalidades de parcelamento tem-se que há a fixação de limite máximo para os débitos que podem ser objeto de
adesão, a saber, 30.11.08 (art. 1º, § 2º, da Lei nº 11.941/09). A lei agiu corretamente ao dizer que o parcelamento é
concedido automaticamente se a Fazenda Nacional não se manifestar formalmente acerca do pedido. Tem-se que é
correto que a legislação exigiu o pagamento da primeira parcela no requerimento e o pagamento antecipado de uma
parcela. Na doutrina é apontado que “poderão ser reconhecidos efeitos penais mesmo antes da concessão formal
pela administração quando atendidas as seguintes condições: a) existência de pedido formalizado; b) comprovação
dos pagamentos; c) clareza que o débito parcelado é o mesmo que gerou a ação penal; d) demora da administração
no processamento do pedido” (BALTAZAR Jr., 2014, p. 886).
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após o inadimplemento do débito parcelado. Sustentou o comando legal que


a prescrição da pretensão punitiva e da prescrição ficam suspensos enquanto
não pendente a rescisão do parcelamento (art. 68, caput e parágrafo único, da
Lei nº 11.941/09) e que sobrevindo pagamento ocorre ipso fato a extinção da
punibilidade (art. 69) independente da dívida estar parcelada ou não, e do
momento em que ocorre o adimplemento do débito fiscal.
A Lei nº 12.382/2011 alterou o art. 83 da Lei nº 9.430/96, a qual trata
sobre a legislação tributária federal, mas que no artigo acima indicado cuida de
parcelamento na seara administrativa e que na hipótese de descumprimento12
do mesmo operar-se-á representação fiscal para fins penais, cientificando o
Ministério Público do inadimplemento para que se possa averiguar a presença
de elementos configuradores de delito tributário.
A despeito do questionamento acerca da inconstitucionalidade formal
desse instrumento de parcelamento (ADI 3.002/DF, STF)13 que acarretam
o pagamento da dívida, temos que o parcelamento provocou impactos no
Direito Penal, em que o mero acordo envolvendo as condições futuras de
pagamento dos tributos não promoveria a extinção da punibilidade, mas
acarretaria a suspensão do prazo prescricional e da pretensão punitiva desde
que efetivado até o trânsito em julgado da sentença (STF, RE 632.409 Agr),
mas sem qualquer repercussão em outros delitos cometidos em concurso de
delitos. É necessário também o pagamento da dívida para que se dê a perda
do direito de punir por parte do Estado14, o que pode ser efetivado a qualquer
momento independentemente de recebimento da denúncia e, inclusive, após
o trânsito em julgado da sentença condenatória (STJ, HC 362.478/SP), até

12 É permitido a reinclusão no parcelamento por força de decisão judicial ou tomada por autoridade administrativa, o
que promove a suspensão do curso da ação penal e da prescrição. Há também base para arguição de questão prejudicial
atraindo a aplicação do CPP.
13 O art. 146, III, b, da CRFB preleciona que cabe a Lei Complementar traçar as normas gerais em matéria de pres-
crição tributária e todos os diplomas acima indicados foram elaborados por Lei Ordinária. Nesse diapasão, houve
o manejo da ADI 3.002/DF, por parte da Procuradoria-Geral da República com a finalidade de declarar o art. 9º da
Lei nº 10.684/03 inconstitucional, além de invocar vícios de inconstitucionalidade material no texto impugnado. O
pedido foi julgado prejudicado em razão da posterior revogação tácita desse texto normativo.
14 Rodrigo de Grandis lembra das ADIs 3.002 e 4.273 ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República contra sequen-
ciadas legislações que contemplavam normas que permitiam a extinção da punibilidade nos delitos contra a ordem
tributária quando houvesse pagamento integral do débito, onde foi defendido que havia “ofensa ao postulado da
igualdade e da proporcionalidade, sob a perspectiva da proteção deficiente, considerada a finalidade e o valor cons-
titucional da arrecadação tributária e da ordem econômica. Apontou-se, em resumo, que as normas combatidas
atribuem tratamento diferenciador não condizente com os fatos criminosos e suas respectivas consequências penais,
ou seja, os crimes contra a ordem tributária acarretam lesões mais graves aos bens jurídicos tutelados pelo Estado
Social e Democrático de Direito do que os crimes patrimoniais praticados sem violência, de feição individual. Assim,
por ausência de qualquer justificativa racional, não se poderia admitir a concessão legal de amplos benefícios a um
grupo de delitos sem que se outorgasse idêntico tratamento a outros, de menor severidade e reduzida expressão
constitucional”. Critica o autor a benesse legislativa ao pontuar: “previu-se a extinção da punibilidade de infrações
penais que ostentam considerável reprovabilidade e inegável valor constitucional” (2016, p. 460-461).
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mesmo na fase de execução de pena (MARCÃO, 2017, p. 49/50)15, o que se


faz amparado no art. 9º, caput e § 2º, da Lei nº 10.684/03 (STF, HC 128.245).
Renato Flávio Marcão admite corretamente a extinção da punibilidade
na fase de execução penal, o que acaba novamente por desnaturar a punibi-
lidade e transformá-la em instrumento penal em favor do Fisco16, subver-
tendo a teoria do bem jurídico e as finalidades do Direito Penal, conferindo
tratamento leniente ao agente que comete esse delito (STF, HC 136.843)17,
o que igualmente se aplica aos delitos previdenciários (STF, AP 613 QO).
Em função dessa celeuma, observamos que temos a incidência simultânea de
diversos dispositivos legais tratando do mesmo tema. Cezar Roberto Biten-
court defende que o art. 34 da Lei nº 9.249/95, o qual estaria vigente, abarca
todos os delitos contra a ordem tributária ao contrário das leis posteriores,
logo, inclui o art. 3º da Lei nº 8.137/90, que representa legislação penal mais
benéfica (2016, p. 710) quanto aos delitos beneficiados.
Prossegue o penalista para dizer que em relação ao momento em que
se dá o pagamento é de se notar que o art. 34 da Lei nº 9.249/95 e o art. 15, §
2º, da Lei nº 9.664/00 fixam seu marco final com o recebimento da denúncia
ao passo que os arts. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03 e 69 da Lei nº 11.941/09
não assentam prazo final, e aqui se permite que “a extinção da punibilidade
beneficie o imputado a qualquer momento” (2016, p. 710).
A questão da sucessão de leis penais tratando do mesmo tema é resolvida
por sua incidência ocorrer em conformidade com os delimitadores previstos
em cada legislação que assenta os respectivos marcos finais para o parcelamento
(BITENCOURT, 2016, p. 711), e no que versa do parcelamento o mesmo
poderá ser concedido nos moldes da Lei nº 11.941/09 independentemente
do recebimento da denúncia (BALTAZAR Jr., 2014, p. 884).
Com o afastamento da incidência específica nos programas especiais
de parcelamento segue-se a regra geral do art. 83 da Lei nº 9.430/96, visto

15 Admitindo em antes e depois de recebimento da denúncia: FÜHRER, 2010, p. 79.


16 Renato Flávio Marcão diz: “O legislador assumiu, declarada e solenemente, que se utiliza da coação penal (e do
Ministério Público, indevidamente, já que não é parte legítima para promover a cobrança de créditos tributários),
com a finalidade única de compelir o devedor de tributos a promover a quitação. Não se trata de buscar a solução
de litígios e a paz social pela via drástica e imperfeita da Justiça Criminal, mas de fomentar a arrecadação valendo-se
de instrumentos, no mínimo, moral e juridicamente condenáveis” (2017, p. 52) No mesmo sentido: DECOMAIN,
1997, p. 147.
17 Outro exemplo no Direito Penal brasileiro está na aplicação do princípio da insignificância no patamar de R$ 20.000
(vinte mil reais) nas hipóteses de sonegação fiscal adotando por base o critério da administração fazendária para fins
de ajuizamento de execução fiscal. Acerca disso, nos manifestamos contrariamente ao princípio da insignificância
neste delito; a uma, por se cuidar de incidir o princípio da intervenção mínima e depois porque: “Frisa-se que os
atos administrativos ressalvam a hipótese do capital ter potencial real de ser recuperado para fins de ajuizamento da
ação, o que submete o direito penal a ponderações típicas do princípio da eficiência, de políticas administrativo-fiscais
incompatíveis com a natureza daquele. Não se concorda com o fato de fatores administrativos ditarem o conteúdo
do injusto penal, em especial, da tipicidade” (SIQUEIRA, 2018, p. 400).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 45

que por não apresentar marco final para ingresso em programa e representar
norma geral é aplicável e, nesse caso, incide o limitador do parcelamento ser
realizado antes do recebimento da denúncia promover a suspensão da preten-
são punitiva estatal e da prescrição penal. O pagamento do débito tributário,
independentemente do momento de sua ocorrência, promove a extinção da
punibilidade.
Observamos que a lei não restringe novo pagamento em hipótese de
reincidência, sem o estabelecimento de nenhum limitador dessa envergadura,
ao contrário do que ocorre no Código Penal, por exemplo, na fixação dos regi-
mes de cumprimento de pena (art. 33, § 2º, do CPB), na substituição por penas
restritivas de direito (art. 44, § 3º, do CPB) e na jurisprudência majoritária,
que não aplica o princípio da insignificância a agentes reincidentes (STJ, HC
491.970/SP e, como contraponto, admitindo a aplicação: STF, HC 137.425).
Os delitos previdenciários estão contemplados no Código Penal nos arts.
168-A e 337-A e recebem o mesmo tratamento jurídico-penal quanto à questão
envolvendo a punibilidade. Todavia, antes da uniformização acima indicada,
temos que o Código Penal adotava preceitos diferentes para a extinção da
punibilidade em delitos previdenciários, em que exigia-se o pagamento antes
do início da ação fiscal, que é o procedimento administrativo para apuração
de infrações administrativas; enquanto que, ao o contrapormos à sonegação
fiscal, tínhamos que o marco era até o recebimento da denúncia.

3 Repatriamento como Causa Extintiva da Punibilidade


O repatriamento de bens foi criado pela Lei nº 13.254/2016 e modificado
pela Lei nº 13.428/2017, a qual instituiu o Regime Especial de Regularização
Cambial e Tributária (RERCT) que: “representa um instrumento de ajus-
tamento de legalidade de receitas que não foram objeto de comunicação às
autoridades fazendárias, autorizando que pessoas que possuam bens, recursos
ou direitos fora do Brasil possam validamente usufruir desse capital sem o
risco de persecução penal” (SIQUEIRA, 2018, p. 495).
Resta evidente que a finalidade da medida é tentar promover um
aumento da arrecadação do país que sofre com a crise financeira mundial18,

18 A Exposição de Motivos da Lei apresentada pelo Ministério da Fazenda é clara ao dizer que: “Estimativas indicam
que a arrecadação aos cofres da União poderá atingir cerca de 100 a 150 bilhões de reais. De fato, dados revelam que
os ativos no exterior não declarados de brasileiros podem chegar a US$ 400 bilhões. São dados estimados, mas o caso
do Brasil destoa de todos os demais, em virtude dos motivos que induziram muitos a destinar ou manter recursos
fora do País. Basta pensar nos sucessivos planos econômicos, como os Planos Cruzado I e II (1986), Plano Bresser
(1987), Plano Verão (1989), Planos Collor I e II (1990 e 1991) e Plano Real (1994). Foram as dificuldades no passado
para pagamentos no exterior e diga-se o mesmo quanto aos momentos de instabilidades cambial, política ou de crises
internacionais” (BRASIL. Exposição de Motivos 1222015/MF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_0
3%5CProjetos%5CEXPMOTIV%5CMF%5C2015%5C122.htm>. Acesso em: 25 fev. 2019). Todavia, os resultados
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
46

o que revela claramente o intuito da política econômica tributária impressa


por meio da legislação tributária que permitiu acabar com os resquícios de
punibilidade em função do delito previamente cometido na forma do art. 5º
da Lei nº 13.254/2016 e colide com a autonomia e os princípios basilares do
Direito Penal (SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2017, p. 131).
A despeito do que leciona corretamente Carla Veríssimo De Carli acerca
da impossibilidade de repatriar qualquer bem na forma do previsto em nossa
legislação, porque “a ilicitude estará sempre presente, inclusive nos casos em
que os bens e valores tiverem sido auferidos em atividade econômica per-
mitida ou não proibida” (2016, p. E2; SIQUEIRA, 2018, p. 511), temos que
fora admitida a instituição do programa.
O RERCT foi classificado pela doutrina penal brasileira como moda-
lidade de anistia penal temporária (TANGERINO, 2016, p. 70) condicio-
nada (WUNDERLICH; SARAIVA; FARIAS, 2016), uma vez que dependia
do contribuinte elaborar uma declaração única de regularização específica
(DERCAT) e apresentá-la simultaneamente à Secretaria da Receita Federal
e ao Banco Central do Brasil, assinalando com detalhamento quais seriam os
bens, recursos e direitos de que era titular até a data de 30 de junho de 2016
para serem regularizados19.
A avidez utilitária do dispositivo encontra alguns entraves quando
contraposto com o pagamento na seara tributária, uma vez que há restrição
quanto ao ingresso no programa de repatriamento prevista na legislação quanto
aos condenados pelos delitos do art. 5º, § 1º, da Lei nº 13.254/2016, a saber,
sonegação fiscal, lavagem de capitais, supressão ou redução de contribuição
previdenciária, falsidade de documento particular, falsidade ideológica, uso
de documento falso e evasão de divisas.

práticos foram frustrantes, visto que a expectativa gravitava em torno de R$ 120 bilhões de reais, mas o resultado foi
de pouco mais de R$ 4 bilhões e meio. Vide: BRASIL. Receita Federal. RERCT. Segunda etapa do RERCT permitiu
regularização de R$ 4,6 bilhões de ativos no exterior. Disponível em: <http://receita.economia.gov.br/noticias/ascom/2017/
agosto/segunda-etapa-do-rerct-permitiu-regularizacao-de-r-4-6-bilhoes-de-ativos-no-exterior>. Acesso em: 25 fev.
2019; e SALATI, Paula. Repatriação de recursos pode gerar até R$ 120 bilhões à União neste ano. Diário Comércio,
Indústria e Serviços. Disponível em: <https://www.dci.com.br/economia/repatriac-o-de-recursos-pode-gerar-ate-r-
120-bilh-es-a-uni-o-neste-ano-1.411922>. Acesso em: 25 fev. 2019.
19 A perspectiva apresenta uma mudança de ares no Direito Penal porque o agente “tem, agora, a oportunidade penal
econômica de, espontaneamente, declarar algo e, em troca, ter certos benefícios. No entanto, a própria norma esta-
belece, de outro lado, que essa extinção de punibilidade será restrita a uma origem lícita ou que forem provenientes
unicamente dos crimes mencionados no próprio dispositivo (art. 5º, § 5º). Assim, há de se entender, sem grande
divagação analítica, que o declarante afirma, em sua manifestação, que os bens são de origem lícita. Com isso, a
norma lhe dá garantia protetiva quanto à sua declaração, uma vez que prevê, também, que esse ato não poderá, de
qualquer modo, ser utilizado como único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedi-
mento criminal; ou para fundamentar, direta ou indiretamente, qualquer procedimento administrativo de natureza
tributária ou cambial em relação aos recursos dela constantes (art. 4º, § 12)” (SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2017, p.
152/153).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 47

O art. 11 da Lei nº 13.254/2016 estabelece um limitador referente a


pessoas politicamente expostas que contempla certas categorias de agentes
públicos, a saber, detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção
ou eletivas, o que é aplicável ao seu cônjuge, parentes consanguíneos ou afins
até o segundo grau ou por adoção.
Tem-se que essa restrição adveio como fruto dos reflexos da Operação
Lava-Jato nos rumos da punibilidade no Direito Penal Econômico, em que a
argumentação que defende a exclusão justifica isso com arrimo no princípio
da moralidade administrativa, da validade do tratamento discriminatório entre
contribuintes, pela fundamentação existente, inclusive, na Súmula Vinculante
nº 13 do STF; e aqueles que caminham em sentido oposto sustentam que há
uma violação ao princípio da presunção de inocência por presumir que, pelo
liame de parentesco, automaticamente estaria envolvido em atividades ilícitas
e também porque seria suficiente a adoção de mecanismos mais intensos de
fiscalização típicas de políticas politicamente expostas previstas em documen-
tos internacionais (SIQUEIRA, 2018, p. 504 e ss).
Há de se considerar que a teia normativa que permeia a punibilidade
em matéria de delitos socioeconômicos não contempla a exceção acima in-
dicada, já que uma de suas finalidades seria uma política anticorrupcional, o
que não é observado na Lei anticorrupção (SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2017,
p. 176/177), bem como nas demais infrações contra a ordem socioeconômica
e contra o patrimônio público.
Todavia, não se pode descurar do antagonismo que envolve o direito
a não se autoincriminar e da faculdade conferida pelo Estado “para que o in-
divíduo, em termos de um dever positivo, venha a declarar a manutenção de
eventuais valores não declarados no exterior”, o que é balanceado pela benesse
legal da extinção da punibilidade e os elementos limitadores da investigação
criminal (SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2017, p. 178-179).
A ponderação e o equilíbrio entre a previsão da Lei nº 13.254/2016 ati-
nente à vedação da adoção do RERCT como único elemento para abertura de
investigação criminal e a possibilidade de sobrevinda de um procedimento de
apuração dos fatos rompendo a blindagem do art. 4º, § 12, da antedita Lei há
de ser construída para se aprender a lidar com o tratamento das informações
prestadas, “a fim de não romper o citado equilíbrio entre dever e direito”
(SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2017, p. 179). O risco penal do declarante que
promove o voluntary disclosure não abrange as hipóteses de declarações com
incorreções nos valores, uma vez que a legislação prevê que em se apurando
valores a maior a serem recolhidos, afora aqueles recolhidos incorretamente,
poderá o Fisco federal cobrá-los a título de imposto de renda, bem como que
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
48

a extinção da punibilidade dos delitos do art. 5º, § 1º, da Lei nº 13.254/2016


ocorrerá se o contribuinte recolher dentro de 30 dias os valores apurados no
auto de infração que detectar a diferença.
Abandona-se aqui a ideia de que a extinção da punibilidade apenas
contemplaria aquele agente que declarasse tudo sem exceção (SILVEIRA;
SAAD-DINIZ, 2017, p. 181). O assentamento do equilíbrio de modo a blindar
o agente de risco penal residiria na fixação clara e incontroversa dos favores
legais, e no fato de que como contraprestação suas informações estariam as-
sentadas e que elas poderiam ser utilizadas contra o declarante (SILVEIRA;
SAAD-DINIZ, 2017, p. 184-185).
Renato de Mello Jorge da Silveira e Eduardo Saad-Diniz realizam
interessante procura pelos significados de indícios e elementos para fins de
delimitar o alcance do art. 4º, § 12, da Lei nº 13.254/2016, posto que o CPP
realiza adjetivações em várias oportunidades ao tratar do tema por apontar
indícios suficientes, indícios relevantes, etc. (2017, p. 184), e buscam elemen-
tos na common law para trazer um paralelo, a fim de identificar o que seria
entendido dentro da lei de repatriamento.
Os autores concluem dizendo que se os programas “procuraram in-
centivar a voluntary disclosure, não se poderia admitir que o Estado, por meio
do Ministério Público, pretenda iniciar uma investigação simplesmente pela
ocorrência de um evento que implique a existência de indícios mais tênues ou
rasteiros” (2017, p. 186-187), mas calha lembrar que isso não afastaria inves-
tigações que preexistem a lavratura do ingresso no programa ou posteriores
lastreadas, por exemplo, na teoria da fonte independente20 que revelasse a
preponderância evidente de que os valores advieram de fonte ilícita por conta
da “credibilidade da declaração, legitimada pela força da norma” (2017, p. 187).
A inverdade era sancionada no Direito Penal clássico com arrimo na
traição ao dever de verdade e sua manutenção por parte da sociedade, mas,
todavia, atualmente temos que o Direito Penal deixa de ser reativo para ser
preventivo (SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2017, p. 189), à análise ex ante do in-
justo penal e suas consequências (SAAVEDRA, 2011, p. 12). Há aqui a criação
de um papel de garante “que tem por obrigação informar a Administração da
existência de determinada manutenção de depósitos de valores no exterior
para o benefício da regularização” (SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2017, p. 187)

20 O Ministro da Justiça Sérgio Moro em auxílio com a Receita Federal promoverá a investigação acerca da fonte do
RERCT ser lícita. (COSTA, Machado. Receita cria novas interpretações para investigar recursos repatriados. Disponível em:
<https://veja.abril.com.br/economia/receita-cria-novas-interpretacoes-para-investigar-recursos-repatriados/>.
Acesso em: 2 abr. 2019.)
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 49

com o fito de evitar a responsabilidade penal omissiva diante do art. 13, § 2º,
c, do CP (SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2017, p. 197).
A declaração deve assentar-se em alguns princípios, a saber, veracidade21,
lealdade22 e confiança23, o que demanda ser mais esclarecido pela interpretação
do sentido a ser preenchido quanto ao dever (positivo) de declarar e o direito
a não autoincriminação” (SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2017, p. 207). Ato con-
tínuo, pagaria os tributos e acréscimos indicados na declaração do RERCT
determinados pela Receita Federal e o juiz federal declararia a extinção da
punibilidade24 por força do art. 61 do CPP.
Como se tratou de lei penal temporária muitas dessas inquietações fi-
caram sem respostas, mas a jurisprudência e a doutrina terão que se debruçar
sobre o tema em virtude de prováveis desdobramentos penais advindos das
declarações de RERCT que foram efetuadas em sua vigência.

4 Colaboração Premiada
Em referência ao tema colaboração premiada temos que a legislação
prevê sua existência no direito brasileiro há alguns anos para os delitos con-
tra o sistema financeiro nacional, sonegação fiscal e lavagem de capitais que
contemplavam como benefício a diminuição de pena.
Todavia, a questão ganhou relevo e importância por ocasião da entrada
em vigor da Lei nº 12.850/2013, que trouxe um marco regulatório mínimo
na matéria, além do afloramento de questões envolvendo delitos socioeconô-
micos, a criminalidade organizada e a intervenção jurisprudencial que passou
a assentar, de modo não raras vezes, indevidos limites na atuação das partes,
os quais deveriam ser fixados por lei, e com arrimo na CF.

21 A verdade aqui é analisada sob o prisma da veracidade no prisma econômico (autônomos) ou amparados em uma
lei ou instituição (heterônomos). Sucede que “haveria uma expectativa de verdade na declaração, podendo, de outro
lado, haver uma dúvida quanto à certeza ministerial” (SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2017, p. 200).
22 Lastreia-se o princípio no dever de prestar as informações verdadeiras do que ocorre nas variadas hipóteses de eventos
na vida econômica. Fala-se aqui no dever não ser apenas negativo, ou seja, não agir com deslealdade, mas também
em um dever positivo de agir pautado na verdade e no pleno conhecimento da realidade (SILVEIRA; SAAD-DINIZ,
2017, p. 201/202).
23 Tem-se aqui uma perspectiva da justa expectativa de que ninguém agirá de forma antijurídica, ou seja, de que a in-
formação fornecida pelo agente é correta e verdadeira, o que é garantido, em partes, quando a lei diz que não servirá
de prova isolada para a apuração penal do fato (SILVEIRA; SAAD-DINIZ, 2017, p. 202-206). A confiabilidade dos
agentes é um dos fundamentos do sucesso da economia (SOUZA, 2012, p. 60 e ss).
24 Renato de Mello Jorge da Silveira e Eduardo Saad-Diniz sustentam que: “O elo reitor das noções penais relativas à
importância assumida pela prestação e não prestação de informações, sem dúvida alguma parece ser o da confiança.
De fato, ao se notar o deslocamento da ideia de regulação e autorregulação, passa-se a considerações muito específicas
sobre a confiança que deve reger o mundo negocial, em especial em relação à prestação de informações diversas. O
papel de garante assumido pelo declarante é, portanto, decisivo nesse sentido. Ele deve ter um mínimo de garantias
para poder efetuar sua voluntary disclosure e com isso obter o efeito premial pretendido. Embora não se bloqueie
nenhum tipo de investigação, essa somente seria de ser aceita se bem expostos os seus fundamentos” (2017, p. 206).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
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O acordo de colaboração premiada tem natureza jurídica discutível


(BADARÓ, 2017, p. 135/136) quanto a ele ser um meio de prova ou meio
de obtenção de provas (MASSON; MARÇAL, 2018, p. 183 e segs.), em que
a Corte constitucional assentou que ele é considerado um negócio jurídico
processual (MASSON; MARÇAL, 2018, p. 184-185; MENDONÇA, 2017,
p. 54-55). Há quem situe a questão envolvendo a colaboração premiada como
um meio de obtenção de provas (STF, HC 90.688) como causa do negócio
para a acusação e não determinante da natureza jurídica, ao passo que para a
defesa seria uma questão de estratégia (MENDONÇA, 2017, p. 55-61), em
que temos quem aponte que ela é um meio de defesa (SANTOS, 2016, p.
79-80) ou uma técnica investigativa (DE CARLI, 2012, p. 224-225).
Há de se identificar que estamos diante de um acordo que deve primar
pela voluntariedade e, posteriormente, ser objeto de audiência para sua confir-
mação perante o juízo natural (DE CARLI, 2017, p. 119-122) e, ato contínuo,
ser objeto de homologação (DE CARLI, 2017, p. 119).
A identificação da voluntariedade é apresentada como “ausência de
coação externa absoluta e a preservação da capacidade de autodeterminação do
agente” (COSTA, 2017, p. 174), em que extrai-se ser fruto da “livre manifes-
tação pessoal do delator, sem sofrer qualquer tipo de pressão física, moral ou
mental, representando, em outras palavras, intenção ou desejo de abandonar
o empreendimento criminoso, sendo indiferentes as razões que o levam a
essa decisão” (BUSATO; BITENCOURT, 2014, p. 119)25.
É irrelevante o fato de estar cumprindo pena ou estar preso a título
cautelar, de per si, não invalida a aptidão psíquica para firmar o negócio, res-
salvada a hipótese de decretação da prisão cautelar sem que haja respaldo nos
arts. 312 e seguintes do CPP (COSTA, 2017, p. 178; DE GRANDIS, 2019).
O merecimento dos benefícios será avaliado por ocasião do julgamento do
processo em que o colaborador foi ou seria denunciado, no qual se verificará
o rendimento global do acordo de colaboração e sua vinculação às finalida-
des legalmente exigidas para a concessão dos benefícios. A questão fica mais
simplificada em alguns delitos, como, por exemplo, contra a ordem tributária
porquanto a lei assenta a possibilidade de obtenção apenas da redução de pena.

25 Paulo Cesar Busato e Cesar Roberto Bitencourt dizem que: “Não é necessário que seja espontânea, sendo suficiente
que seja voluntária: há espontaneidade, quando a ideia inicial parte do próprio sujeito; há voluntariedade, por sua
vez, quando a decisão não é objeto de coação moral ou física, mesmo que a ideia inicial tenha partido de outrem,
como da autoridade, por exemplo, ou mesmo resultado de pedido da própria vítima. O móvel, enfim, da decisão do
delator – vingança, arrependimento, inveja ou ódio – é irrelevante para efeito de fundamentar a delação premiada”
(BUSATO; BITENCOURT, 2014, p. 119).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 51

4.1 Delitos Tributários


Ao cotejarmos a Lei nº 8.137/90 temos que a referida Lei prevê a possibi-
lidade de colaboração premiada em seu art. 16, parágrafo único, o qual diz: “Nos
crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor
ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial
ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços”.
Inicia-se a sintética explanação do referido instituto dizendo que o legis-
lador deveria ter atualizado a redação do diploma legal, uma vez que o delito de
quadrilha teve seu nomen juris alterado para associação criminosa no art. 288 do
CP. Feito isso, observa-se que o legislador objetivamente exigiu do colaborador
apenas a exposição da ‘trama delituosa’, em que deve-se perquirir se aplicamos
os requisitos de outras legislações como da Lei nº 8.072/90, ou art. 41 da Lei
nº 11.343/06 (PRADO, 2018, p. 282; MARCÃO, 2017, p. 460-461), ou da Lei
nº 12.850/2013, que se baseariam em identificação de coautores ou partícipes,
esclarecimento da estrutura delitiva, recuperação dos valores auferidos, rastrea-
mento de futuras condutas ou se isso representaria analogia in malam partem,
visto que a lei penal nada disse quanto ao conteúdo da referida trama delituosa,
logo, apenas o fornecimento de um dos requisitos já seria suficiente.
Certo é que a premiação legal é a causa de diminuição de pena, sendo
que se observa que o relato há de ser feito ao Delegado de Polícia ou ao Juiz
de Direito, o que nos soa incorreto, posto que o legislador teria agido melhor
se previsse autoridade policial26 ou Ministério Público afastando o juiz por
uma harmonização com a Lei nº 12.850/2013 e respeito ao sistema acusatório.
O interessante é que o acusado que comete o delito de descaminho do
art. 334 do Código Penal não possui a mesma benesse, visto que a lei é clara ao
dizer “nos crimes previstos nesta lei” e não se admitir interpretação analógica
nessas hipóteses. Propriamente não estamos diante de colaboração premiada,
mas, sim, da autodenúncia semelhante àquela prevista no CTN com benefí-
cios penais, porque não há um negócio jurídico processual, não há previsão de
necessidade de homologação judicial, entre outros requisitos faltantes.
Todavia, a modificação legislativa referente aos marcos extintivos da
punibilidade promoveu o esvaziamento do instituto por conta da Lei nº
11.941/09, porém, infere-se que em ambas se esvazia sensivelmente o caráter
do arrependimento e da voluntariedade.

26 Aqui deixamos nossas ressalvas quanto ao Delegado de Polícia elaborar tal acordo, já que não é parte ou possui
capacidade postulatória nos moldes da acusação, além de usurpar função constitucional do MP, malgrado o STF ter
entendido em sentido oposto (STF, ADI 5508, Rel. Min. Marco Aurélio) Pensando assim: SIQUEIRA, 2018 p. 468
e segs; DE GRANDIS, 2015, s/n.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
52

4.2 Lavagem de Capitais


A Lei nº 9.613/98 estabeleceu em seu art. 1º, § 5º, a possibilidade de
colaboração premiada, em que o juiz poderá conceder a redução de pena de
um a dois terços; fixação de regime inicial aberto ou semiaberto para fins de
cumprimento de pena; aplicação de pena restritiva de direitos desde que o
coautor ou partícipe colabore espontaneamente com as autoridades fornecen-
do informações que conduzam à apuração de infrações penais; identificação
de autores, coautores e partícipes ou a localização de bens/valores/direitos
objeto do delito.
Trata-se de uma previsão incipiente no Direito Penal brasileiro, no qual
são contemplados os benefícios, mas sem nenhuma preocupação em traçar os
contornos procedimentais dos acordos (CALLEGARI, 2018). Não houve a
previsão de espaços de atuação mínima e máxima por parte da acusação, sem
a fixação dos limites de reação da defesa.
Revela-se extremamente perigoso contribuindo para um cenário de
insegurança jurídica deixar a materialização dos acordos para a livre negociação
entre as partes. As margens de atuação dos agentes devem ser objeto de lei até
mesmo para que se apure se os contornos dos acordos estão permeados pelos
deveres de boa-fé e lealdade processual.
A ausência de margens expressas no poder de negociação deixa um
espaço em branco para a criação de cláusulas que acabem por usurpar os
limites legislativos (NUCCI, 2017), não sendo, a nosso sentir, certo confiar
em teoria dos poderes implícitos já reconhecida pelas altas cortes em matéria
de investigação criminal e em estabilização jurisprudencial para definir o que
será válido ou não nesses acordos.
Assim sendo, temos, a título de exemplo, cláusulas com ajuste sobre a
fixação de tempo máximo de pena privativa de liberdade e regime de cumpri-
mento de pena distintos do legal; a imunidade penal ser concedida extensiva-
mente a terceiros que não firmaram o acordo, malgrado sejam investigados; a
amostra grátis da prova na fase pré-processual (MASSON; MARÇAL, 2018,
p. 262) com a vedação de sua utilização na hipótese do acordo não ser firmado
(MENDONÇA, 2013); a tentativa de fixação de pedágio; comprometimen-
to na concessão de perdão judicial. O acordo de colaboração premiada que
contemplar essas cláusulas sofre risco de não homologação, a qual pode ser
questionada via art. 28 do CPP se o termo for feito em primeira instância ou
mediante efetiva denegação da homologação em decisão judicial. É um meca-
nismo curioso o tratamento díspar conferido no plano legislativo em delitos
que afetam, em sentido amplo, a economia, posto que o agente que branqueia
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 53

ativos ofende em grau mais intenso a sociedade do que o defraudador de


tributos, mas acaba recebendo um tratamento com maior grau de benesses
legais e em descompasso com outros delitos socioeconômicos, por exemplo,
delitos da Lei nº 7.492/86, que têm a colaboração limitada a diminuição de
pena e sem possibilidade da reparação de danos extinguir a punibilidade.
Há margem para arguição de violação ao princípio da proporciona-
lidade pela proteção deficiente, e, aliás, é uma tônica no direito e processo
penal brasileiro a despreocupação com harmonização legislativa no trato dos
mesmos institutos em condutas com bens jurídicos que atingem em sentido
amplo a ordem socioeconômica.
O aspecto que merece ser sopesado é que a Lei nº 9.613/98, no que cuida
do acordo de colaboração premiada, perdeu sua força em função da sobrevinda
de uma regulamentação, ainda que frágil, existente na Lei nº 12.850/2013 e
na hipótese de concurso de delitos aplica-se a regra desta última lei. Todavia,
em se cuidando de situação sem que haja o concurso adotam-se os preceitos
isolados da Lei nº 9.613/98.

4.3 Da Regulamentação Máxima à Desregulamentação Mínima: a


Ascensão e Decadência dos Bens Jurídicos Tutelados por Meio da
Análise Econômica da Punibilidade e Nossa Conclusão
A normatização das questões envolvendo a punibilidade perpassou de
um momento em que se preocupou com o arrependimento e reparação do
dano serem marcados por determinado espaço de tempo com atenção a marcos
fiscalizatórios e regulamentadores de outros ramos do direito com evidente
reflexo da acessoriedade administrativa. A regularização fiscal perante os
órgãos tributários antigamente era concatenada com aspectos de ingresso em
um programa de recuperação fiscal e a benesse penal seria obtida apenas se o
pagamento fosse efetuado até o recebimento da denúncia. Em matéria previ-
denciária, os efeitos da extinção da punibilidade eram concedidos apenas se o
pagamento fosse efetuado antes do início dos procedimentos de fiscalização,
a chamada ação fiscal como se infere da redação do art. 168-A, § 2º, do CPB.
Houve a preocupação com conferir a tentativa administrativa de resolver
os problemas arrecadatórios e de estimular a resolução dos conflitos indepen-
dentemente da instância penal e também por meio de reforço das funções do
bem jurídico, além de estabelecer a tentativa de harmonização com o art. 16
do CP para assentamento do marco para a reparação de danos.
O condicionamento da extinção da punibilidade à resolução da dívida
gerada com fraude no campo administrativo estaria mais adequado ao princípio
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
54

da ultima ratio que orienta o Direito Penal. Infere-se que havia uma desconexão
entre direito administrativo e Direito Penal dentro do arquétipo tributário em
sentido amplo, posto que em havendo um delito previdenciário a extinção da
punibilidade era vinculada ao pagamento antes da deflagração dos procedimentos
administrativos de fiscalização enquanto nos delitos de sonegação fiscal estaríamos
diante de parcelamento e posterior pagamento até o recebimento da denúncia.
Se estamos diante de modalidades tributárias, o que se esperava do
legislador penal é que conferisse o mesmo tratamento jurídico-penal com
ambas, obtendo as mesmas possibilidades de extinção de punibilidade, dentro
de um limiar administrativo comum a ambos, o que conferiria um reforço às
atividades de fiscalização e estimularia o comportamento ajustado ao direito
sem sobrelevar modalidades tributárias.
Poder-se-ia justificar que na legislação previdenciária temos que as
receitas são vinculadas, custeiam o orçamento da seguridade social, e, por
isso, a matéria é regrada de modo mais restrito pelo limitador da ação fiscal,
enquanto nos delitos tributários não estaremos a tratar sempre de receitas
vinculadas, mas também de receitas livres.
O adequado seria que a extinção da punibilidade fosse limitada a um
marco temporal conectado com os instrumentos de fiscalização nas esferas
tributária e previdenciária, e pouco importaria aqui estarmos diante de receitas
livres ou vinculadas, porque o Estado necessitaria de ambas para o custeio das
promessas constitucionalmente feitas dentro do Estado Democrático e Social
de Direito, mas o que se verificou com a sobrevinda da Lei nº 11.941/09 foi a
ruptura com os limitadores temporais da extinção da punibilidade ao conferir
tal possibilidade a qualquer momento.
Tem-se que a Lei nº 11.941/09 cuida de aspectos referentes à extinção da
obrigação tributária pela instituição de programa de parcelamento tributário e
pagamento. A inconstitucionalidade da extinção da punibilidade ofertada em
troca da regularização fiscal27 fora objeto de ADI por violar os princípios da

27 A Lei nº 11.949/09 foi objeto da ADI 4.273/DF que encontra-se pendente de julgamento: STF. ADI 4273/DF. Dispo-
nível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.
jsf?seqobjetoincidente=2691501>. Acesso em: 16 mar. 2019. A Lei nº 10.684/03, em seu art. 9º, também fora objeto
de questionamento, mas a ação perdeu seu objeto pela revogação da lei. Sem vislumbrar incompatibilidade entre
as finalidades do Direito Penal e a reparação do dano José Paulo Baltazar Júnior leciona: “No entanto, é de se ver
que a reparação do dano é um objetivo a ser perseguido também pelo direito penal, que reconhece, de modo geral,
a mitigação da pena em caso de reparação por parte do agente, o que não é exclusivo do direito penal tributário (v.
CP, arts. 15, 16, 65, III, b, 312, § 2º, e 143). Mais que isso, modernamente a vítima ocupa um papel mais central na
justiça penal, que passou a ostentar um papel mais reparador ou restaurativo, como demonstram a previsão legal
expressa da composição dos danos civis como causa de despenalização (Lei nº 9.099/95, arts. 69 a 75), bem como da
existência de penas que revertem em favor da vítima (CP, art. 45, § 1º, e CTB, art. 297). Não há, então, incompati-
bilidade entre o fato de incriminar determinada conduta e, depois, emprestar relevância penal à reparação do dano
dela decorrente, o que, como visto, é regra geral de direito penal e não especificidade dos crimes contra a ordem
tributária” (2014, p. 880).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 55

isonomia e da proporcionalidade, fomentar a desigualdade social que deve ser


objeto de erradicação, quebranta a ideia de justiça social na proporção em que
confere a um bem indisponível tratamento jurídico-penal mais gravoso do
que aquele ofertado a um bem jurídico disponível, a saber, o patrimônio, em
que o máximo de benefício seria a redução de pena, se realizada a reparação
antes do recebimento da denúncia.
Sem mencionar que menoscaba as funções do bem jurídico, as finalidades
da pena, conferindo proteção deficiente ao bem jurídico protegido nos delitos
contra a ordem tributária, o que igualmente se aplica à regularização cambiária.
Ao determos a atenção no corpo da Lei nº 11.941/09 verificamos que a
mesma traça diversas diretrizes para fins de regularização fiscal ao estabelecer
o marco final dos débitos que podem ser insertos no programa (art. 1º, § 2º),
confere margem para a inclusão de dívidas posteriores (art. 1º, § 3º), estabelece
valor mínimo de parcela (art. 1º, § 6º), fixa regras para apuração dos valores,
alíquotas aplicáveis (art. 1º, § 8º), critérios de rescisão e reconhecimento do
inadimplemento (art. 1º, § 14), entre outros elementos, o que gera a confi-
guração de ser uma norma geral que regula a extinção do crédito tributário.
Por força constitucional, temos que é sustentável que a matéria deveria
ser regrada em lei complementar como predispõe o art. 146, III, b, da CFRB,
uma vez que ao art. 1º da primeva lei confere a faculdade de pagamento ou
parcelamento em 180 (cento e oitenta) meses dos débitos administrados pela
Receita Federal do Brasil e débitos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacio-
nal, independentemente de inscrição em dívida ativa, cuja cobrança esteja ou
não em curso mediante execução fiscal. A despeito disso, a questão referente
aos efeitos penais e processuais penais do parcelamento e pagamento passam
ao largo de qualquer arguição de vício de inconstitucionalidade por estarmos
diante de matéria que pode ser regrada para fins penais em lei ordinária, logo,
há compatibilidade constitucional.
Além disso, há de se ressaltar que as leis gozam de presunção de cons-
titucionalidade, e como não houve a declaração de sua inconstitucionalidade
ela remanesce válida em nosso ordenamento jurídico. Ressalta-se que a pu-
nibilidade dentro do Direito Penal Econômico não pode vivenciar um estado
agonizante de insegurança jurídica, onde verificamos um campo de conflito
que coopera para o agravamento da crise econômica e aumento da depreciação
dos bens jurídicos envoltos nessa situação pelo efeito roleta-russa.
O delito acaba se transformando em um jogo de azar, em que temos
como variante inicial a obtenção dos lucros da atividade delitiva, porém, em ha-
vendo a descoberta da infração penal temos que o mero parcelamento suspende
o risco de sanção penal, o qual é afastado definitivamente com o pagamento.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
56

Tem-se que isso enfraquece muito os bens jurídicos protegidos, os quais


ficam expostos a uma quantificação econômica, em verdadeira mais valia, em
que não se estabelece nenhum marco temporal máximo ou se preocupa em
obstar o alcance à causa extintiva da punibilidade à reincidência ou ao fato de
ter obtido outro parcelamento prévio em hipótese que evidencie a prática de
delito tributário e ou repatriamento.
Em cuidando-se de colaboração premiada, verificamos que na lei de
sonegação fiscal temos que o benefício máximo é a aplicação de uma causa
de diminuição de pena, enquanto na lei de lavagem de capitais é possível
alcançar até mesmo o perdão judicial, em que há a previsão da minorante,
porém, como o benefício mínimo e não máximo.
O questionável seria a ausência de sincronia entre os instrumentos de
arrecadação da esfera administrativa, no campo tributário e previdenciário,
onde sugere-se a harmonização com a solução proposta pela Súmula Vincu-
lante nº 24 do STF, com alteração de sua redação, para, a saber, condicionar
o limitador para a extinção da punibilidade, nunca de sua consumação, ao
exaurimento da esfera administrativa. De outro lado, ao compulsarmos a
colaboração premiada, verificamos a ausência de intercâmbio entre os órgãos
de fiscalização e controle que acabam por dificultar a resolução do conflito
em um plano mais amplo do que aquele adstrito às amarras do Direito Penal.
Calha dizer se isso geraria reflexos dentro do Direito Penal em razão
do princípio da igualdade, uma vez que nos delitos patrimoniais sem vio-
lência não existem instrumentos de liberação da responsabilidade penal, o
que será abordado em outro artigo, além de se harmonizar o tratamento da
normatização da punibilidade no que cuida a sua formatação e benefícios a
serem concedidos.

TITLE: Regularization of taxes and negotiable instruments: legislative deregulation and dismantlement
of the punishability of Economic Criminal Law.

ABSTRACT: This article deals with the general principles that guide the punishability in Economic
Criminal Law and explains two of the main cases of extinction of punishability in this area.

KEYWORDS: Economic Criminal Law. Regularization of Taxes and Negotiable Instruments. Socioeco-
nomic Offenses. Punishability.

5 Referências
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Recebido em: 03.09.2019


Aprovado em: 23.10.2019
Doutrina

Do Concurso de Agentes no Crime Previsto


no Art. 89, Parágrafo Único, da Lei nº
8.666/93

Oswaldo Henrique Duek Marques


Livre-Docente e Professor Titular em Direito Penal da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Doutor em
Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo; Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público
de São Paulo; Consultor e Parecerista Jurídico.

Paulo Henrique Aranda Fuller


Doutorando e Mestre em Direito Penal pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo; Juiz de Direito (2005-
2014); Advogado; Professor de Processo Penal, Legislação
Penal Especial e Direito da Criança e do Adolescente no
Damásio Educacional.

RESUMO: No presente artigo, analisamos aspectos importantes relativos ao


concurso de pessoas no crime previsto no parágrafo único do art. 89 da Lei nº
8.666/93, que estabelece as normas gerais, inclusive de tutela penal, em sede
de licitações. Na primeira parte do trabalho, a partir do estudo do concurso
de pessoas, apreciamos os requisitos imprescindíveis para a denúncia no crime
em questão. Em seguida, fazemos uma análise aprofundada desse crime, com
o exame de sua tipicidade objetiva e subjetiva, apta a configurar o concurso de
pessoas na dispensa ou inexigibilidade ilegal em licitações. Na última parte do
artigo, sob a ótica de Claus Roxin, em seus estudos sobre a teoria do domínio
do fato, enfocamos aspectos relativos à responsabilidade de sócio de empresa
legalmente constituída na referida infração penal.

PALAVRAS-CHAVE: Concurso de Pessoas. Denúncia. Crime em Licitações.


Dispensa. Inexigibilidade. Domínio do Fato.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Concurso de Agentes e Requisitos da Denúncia


no Crime do Art. 89, Parágrafo Único, da Lei nº 8.666/93. 3 Da Tipicidade do
Crime do Art. 89, Parágrafo Único, da Lei nº 8.666/93. 4 Do Domínio do Fato.
5 Conclusões. 6 Referências Bibliográficas.

1 Introdução
O presente artigo analisa o concurso de pessoas no crime autônomo
previsto no parágrafo único do art. 89 da Lei nº 8.666/93, que estabelece
normas penais especiais em matéria de licitações. Para aprofundar os temas
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
60

nele contidos, o trabalho se inicia com a análise do concurso de pessoas no


Código Penal vigente, para depois verificar os requisitos necessários para a
regularidade da denúncia em crime dessa natureza.
Na sequência, são apreciados os aspectos objetivos e subjetivos do crime
em questão, em especial suas circunstâncias essenciais, inerentes ao concurso
de pessoas na ilegalidade dos processos licitatórios que envolvem o particular
contratado pelo Poder Público, nos termos do parágrafo único do art. 89 da
Lei nº 8.666/93 (item 3).
O trabalho prossegue, em seu item 4, com o exame da responsabilidade
de sócio de empresa legalmente constituída, em concurso na ilegalidade pre-
vista no tipo objetivo, em contratos de licitação firmados com a Administração
Pública. Para tanto, essa análise será desenvolvida da ótica de Claus Roxin, a
respeito do domínio do fato.
Ao final, serão apresentadas as principais conclusões, aptas a propiciar
salutares debates e sugestões para a análise de casos concretos no âmbito do
crime cometido pelo particular, em concurso de pessoas, em processos lici-
tatórios realizados pelo Poder Público.

2 Concurso de Agentes e Requisitos da Denúncia no Crime do Art.


89, Parágrafo Único, da Lei nº 8.666/93
O tipo penal do art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93 assim dispõe: “Dis-
pensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de
observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade. Pena –
detenção de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa”.
O delito autônomo do parágrafo único do mesmo dispositivo, por
sua vez, tem a seguinte redação: “Na mesma pena incorre aquele que, tendo
comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dis-
pensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público”.
Concorrer, nos termos do art. 29, caput, do CP, e como conduta contida
no tipo penal em análise, significa “unir-se visando a uma ação ou a um obje-
tivo comum; cooperar, contribuir” (dicionário eletrônico Houaiss). Segundo
o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, concorrer significa “juntar-se
(para uma ação comum); contribuir”. Esther de Figueiredo Ferraz leciona que
“concorrer para a prática de um crime significa influir no sentido da verificação
do resultado, importa em contribuir – ao lado outras condutas – para que o
evento danoso ou perigoso se produza”1.

1 FERRAZ, Esther de Figueiredo. A co-delinqüência no direito penal brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1976. p. 48.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 61

Para Luís Greco e Adriano Teixeira, “em geral, ‘concorrer’ é interpretado


com referência ao art. 13, caput, que diz que ‘o resultado, de que depende a
existência do crime, somente é imputado a quem lhe deu causa. Considera-
se causa a ação ou a omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido’”2. No
entanto, esse critério puramente naturalístico afigura-se insuficiente para
imputar de modo objetivo o resultado típico a alguém, porquanto necessário
que o agente atue com risco não permitido e que esse risco se concretize no
resultado típico. Isso sem considerar, ainda, a necessidade de ser aferido, em
momento posterior, o elemento subjetivo do tipo (dolo).
Mesmo sob a análise do nexo causal, de cunho puramente naturalís-
tico, a figura típica do parágrafo único do art. 89 da Lei nº 8.666/93 exige,
para sua consumação, como veremos adiante, dois requisitos: a) a contribuição
comprovada para a ilegalidade (dispensa ou inexigibilidade ilegal da licitação); e
b) o benefício dessa ilegalidade para celebrar o contrato com o Poder Público. Ausente
qualquer um desses requisitos, o delito autônomo, atribuído ao contratado
particular, não se aperfeiçoa.
Feitas essas considerações, em caso de concurso de pessoas, a denún-
cia deve individualizar a conduta de cada coautor, relativa à sua específica
contribuição para a ilegalidade do art. 89, caput – dispensa ou inexigibilidade
ilegal da licitação, que representa elemento essencial do tipo penal autônomo
contido no seu parágrafo único –, sob pena de violação ao art. 41 do CPP. A
peça acusatória não pode limitar-se a narrar, por exemplo, de forma genérica,
que os denunciados “agiram com unidade de propósitos, mediante ajuste e
combinação ou em coautoria”, porquanto teria de explicitar, como seria de
rigor, de que forma cada um deles concorreu para a prática do crime (dispensa ou
inexigibilidade ilegal da licitação). Só assim seria possível aferir a relevância
causal material entre as condutas desenvolvidas e o resultado. Isso sem con-
tar a necessidade de verificar o vínculo subjetivo, psicológico, capaz de ligar
essas condutas entre si e o resultado3. Afigura-se também necessário saber o
momento em que ocorreu a participação de cada concorrente no crime, se
antecedente, concomitante ou subsequente à sua execução.
Segundo o art. 29, caput, do CP, “quem, de qualquer modo, concorre
para o resultado, incide nas penas a este cominadas, na medida da sua culpa-
bilidade”. Ao analisar o art. 25 da antiga Parte Geral do Código, com redação
semelhante à do art. 29 vigente, Esther de Figueiredo Ferraz assim considera:

2 GRECO, Luís; TEIXEIRA, Adriano. Autoria como realização do tipo: uma introdução à ideia de domínio do fato
como o fundamento central da autoria no direito penal brasileiro. In: GRECO, Luís et al. Autoria como domínio do
fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons,
2014. p. 51.
3 Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 1. p. 608-609.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
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a expressão “de qualquer modo” no concurso de pessoas pode dar a impressão de


que se tornem dispensáveis quaisquer indagações sobre qual seja o modo de
concorrer para o crime, sabido como é que, de um modo ou de outro, sempre
incidirá o coautor nas penas àquele cominadas. Assim, a simples presença
inativa de alguém, gestos e atitudes completamente irrelevantes do ponto-
de-vista penal correm o risco de passar à categoria de atos de participação,
esquecidos o intérprete e o aplicador da lei que ser coautor é uma forma de
ser autor, de que para responder por um crime individual ou coletivamente
praticado cumpre seja o agente preliminarmente causa material do resultado
danoso ou perigoso e, além disso, sua causa psíquica4.
Por isso, indispensável verificar, em cada caso concreto, qual a “realidade
entitativa das condutas convergentes” e a forma de atuar de cada uma, o modo
de ser e de operar diante do “ser concursal”, “atos de execução, de coexecução,
ajuste, determinação, auxílio material, auxílio moral, em si mesmos conside-
rados ou seus incontáveis desdobramentos. Todos esses atos terão contribuído
certamente para o resultado criminoso, mas cada qual a seu modo”5.
Além desses aspectos, a figura típica do crime em análise exige, confor-
me mencionamos, que o sujeito ativo tenha comprovadamente concorrido para a
ilegalidade (dispensa ou inexigibilidade ilegal da licitação, contida no caput do
art. 89 da Lei nº 8.666/93), razão pela qual seria imprescindível descrever, na
peça inicial, de que modo o agente concorreu para a dispensa ou inexigibili-
dade ilegal da licitação. A omissão, na denúncia, dessa elementar do tipo penal
acarreta a nulidade absoluta do processo, por impossibilitar o direito de defesa.
Sobre o assunto, João Mendes de Almeida Júnior menciona com lucidez
os requisitos gerais e essenciais da peça inicial: É uma exposição narrativa e
demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas cir-
cunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (quis),
os meios que empregou (quibus auxiliis), o malefício que produziu (quid), os
motivos que o determinaram a isso (cur), a maneira por que a praticou (quo-
modo), o lugar onde a praticou (ubi), o tempo (quando). Demonstrativa, porque
deve descrever o corpo de delito, dar as razões de convicção ou presunção e
nomear as testemunhas e informantes6.
No mesmo sentido, a lição de Frederico Marques: Uma vez que no
fato delituoso tem o processo penal o seu objeto ou causa material, imperioso
se torna que os atos, que o constituem, venham devidamente especificados,

4 FERRAZ, Esther de Figueiredo. A co-delinqüência no direito penal brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1976. p. 12.
5 Idem, ibidem, p. 53-54.
6 ALMEIDA Jr., João Mendes. O processo criminal brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1959. v. II. p. 183.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 63

com a indicação bem clara do que se atribui ao acusado. A denúncia tem de


trazer a indicação da conduta delituosa, para que em torno dessa imputação
possa o juiz fazer a aplicação da lei penal, por meio do exercício de seus po-
deres jurisdicionais7.
Segundo Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e
Antonio Scarance Fernandes, “a narração deficiente ou omissa (na denúncia),
que impeça ou dificulte o direito de defesa, é causa de nulidade absoluta, não
podendo ser sanada porque infringe os princípios constitucionais do contra-
ditório e da ampla defesa”8.
Especificamente em relação à ausência de descrição, na denúncia, das
condutas relativas ao concurso de agentes, assim lecionam esses autores:
“(...) a peça acusatória deve historiar a participação de cada um dos acusados, a fim
de que possam individualmente responder à imputação. É o que se deflui do sistema
penal brasileiro que, por imposições de ordem constitucional, não admite a
responsabilidade objetiva e acolhe o princípio da personalidade. Não se exige
a descrição pormenorizada, mas a suficiente para que o acusado possa exercer
com plenitude a sua defesa”9.
Nesse sentido, os seguintes julgados do STJ:

“HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA. INÉPCIA DA DENÚN-


CIA. OCORRÊNCIA. CRIMES PERPETRADOS EM CONCURSO
DE PESSOAS. DESCRIÇÃO INSUFICIENTE AO EXERCÍCIO DO
DIREITO DE DEFESA. (...). 4. (...) Não há descrição de nenhuma ação
ou omissão que tenha contribuído para o evento criminoso. Da incoativa
não emerge a indicação de qual era a participação do paciente nos crimes,
tampouco de qual era sua contribuição na cadeia de desdobramento causal
dos fatos supostamente criminosos, bem como de eventual liame subjetivo
entre ele e os demais denunciados. (...). Embora a denúncia, em crimes
de autoria coletiva, possa ser sucinta ou resumida no tocante à descrição
do comportamento de cada um dos acusados, não pode, como na espécie,
cair no vazio, impedindo o desembaraçado exercício do contraditório e
da ampla defesa. 5. Ordem concedida para determinar o trancamento da
Ação Penal 0018019-92.2017.807.0000, em relação ao paciente, ressalvada
a possibilidade de oferta de nova denúncia, desde que observados os requi-
sitos constantes do art. 41 do CPP.” (STJ, 6ª T, HC 402.868/DF, Rel. Min.
Antonio Saldanha Palheiro, j. 07.08.2018, DJe 13.08.2018)

7 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 1. ed. Campinas: Bookseller, 1997. v. II. p. 153.
8 GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNANDES, Antonio Scarance. As nulidades
do processo penal. 9. ed. São Paulo: RT, 2006. p. 109.
9 Idem, ibidem, p. 111.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
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“(...) INÉPCIA DA DENÚNCIA. RECONHECIMENTO. ART. 89


DA LEI Nº 8.666/90. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DAS ELEMEN-
TARES QUANTO AO RECORRENTE. INÉPCIA DA EXORDIAL
ACUSATÓRIA. RECONHECIMENTO. (...). 3. No crime de autoria
coletiva, não se exige uma individualização pormenorizada das condutas
dos denunciados, contudo, imprescindível, sob pena de inépcia formal
da exordial acusatória, que seja descrita a forma pela qual aquele agente
concorreu para a ocorrência do fato delituoso, ou seja, deve-se demonstrar
um mínimo de vínculo entre o acusado e o crime a ele imputado (RHC
73.096/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 21.09.2017,
DJe 02.10.2017), sob pena de responsabilidade penal objetiva e ofensa ao
princípio da ampla defesa. Em crimes societários ou de autoria coletiva,
a análise das condutas deve ser realizada levando-se em consideração o
conjunto da peça acusatória e dos comportamentos ali contidos. (...). Ne-
cessário que a denúncia descrevesse a forma pela qual o recorrente teria,
de qualquer modo, concorrido para a dispensa indevida de licitação, bem
como seu dolo específico em causar prejuízo ao erário público e o efetivo
prejuízo à Administração Pública, o que, todavia, não ocorrera. (...).” (STJ,
5ª Turma, RHC 74.812/MA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Rel. p/ o Ac.
Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 21.11.2017, DJe 04.12.2017)

Portanto, a ausência, na peça inicial, da especificação da conduta de cada


denunciado, no concurso de agentes, ou da descrição de como se deu a conduta
de concorrer para a ilegalidade (dispensa ou inexigibilidade ilegal da licitação) –
elementar do crime em questão (art. 89, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93) –,
impõe reconhecer a inépcia da denúncia, com a consequente declaração de
nulidade absoluta do processo (art. 564, IV, c/c o art. 395, I, ambos do CPP),
tendo em vista que tais ocorrências impossibilitam o exercício do direito de
defesa (art. 5º, LV, da CF).

3 Da Tipicidade do Crime do Art. 89, Parágrafo Único, da Lei nº


8.666/93
Como se constata pela redação do parágrafo único do art. 89 da Lei nº
8.666/93, para a configuração do crime, não basta que o particular tenha se
beneficiado da ilegalidade (dispensa ou inexigibilidade ilegal da licitação) para
celebrar contrato com o Poder Público. Se assim fosse, não haveria necessidade
de o dispositivo prever também a comprovada contribuição para a consumação da
ilegalidade por parte do contratado. Portanto, para o aperfeiçoamento da infração
penal, o dispositivo exige a soma de dois requisitos. Por um lado, determina
ter o agente comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade.
Essa conduta equivaleria à de partícipe na dispensa ou inexigibilidade ilegal
da licitação, praticada pelo servidor público (art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 65

Por outro, o tipo exige que o agente tenha auferido benefício dessa ilegalida-
de para celebrar contrato com o Poder Público. Caso tenha colaborado para
a ilegalidade, tal circunstância, por si só, não é suficiente para incriminar o
particular, sem o benefício da referida contratação, e vice-versa.
Nesse sentido, ressalta Guilherme de Souza Nucci: “É lógico que o
particular, ao fornecer bens ou serviços à Administração, sem ter tomado
parte na ilegalidade cometida pelo servidor público, que agiu por interesses
escusos quaisquer, ainda que tenha lucro, não pode ser responsabilizado
criminalmente”10. Conforme conclui: “(...) é importante destacar que a in-
serção do parágrafo único restringiu o alcance da lei penal ao contratado (não
servidor), pois colocou, na figura típica, além da intenção de obter benefício,
a comprovada concorrência para a consumação da ilegalidade. Assim, caso o servidor
dispense a licitação, mas o particular não tome parte em qualquer ato ilegal,
que lhe diga respeito, ainda que se beneficie da contratação indevida, é inca-
bível a punição”11.
Na mesma linha de raciocínio, a lição de Cezar Roberto Bitencourt, para
quem o legislador condicionou a punição prevista para a infração do parágrafo
único do referido art. 89 a duas condições limitadoras: “a) comprovadamente
ter concorrido para a ‘consumação da ilegalidade’”; e “b) beneficiar-se contra-
tando com o poder público”12. Assim, mesmo se considerado que o particular
foi beneficiado, ao executar as obras contratadas, essa circunstância não é
suficiente para aperfeiçoar o tipo penal, que exige prova de ele ter concorrido
para a dispensa ou inexigibilidade ilegal da licitação.
Salientando a necessidade da presença cumulativa dos aludidos requi-
sitos típicos, Vicente Greco Filho esclarece que “o parágrafo único do artigo
incrimina aquele que se beneficia da dispensa ou inexigibilidade ilegal, desde que
tenha comprovadamente concorrido para a consumação, para celebrar contrato com
o Poder Público”13. Em igual sentido, Paulo José da Costa Jr. assim reforça:
“(...) aquele que, além de contribuir para a ilegalidade, beneficiar-se da dispensa
ou da inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Público, res-
ponde pelo delito”14.
Sobre o assunto, nas palavras de Jessé Torres Pereira Junior, a conduta
nuclear do tipo é beneficiar-se, ou seja, tirar proveito, obter vantagem, de
conteúdo patrimonial, valendo-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal da

10 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 1. p. 469.
11 Idem, Ibidem, p. 469-470.
12 BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito penal nas licitações. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 156.
13 GRECO FILHO, Vicente. Dos crimes da lei de licitações, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 59, sem grifo no original.
14 COSTA Jr., Paulo José. Direito penal das licitações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 23, sem grifo no original.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
66

licitação, isto é, aquela levada a efeito em arrepio ao prescrito nos arts. 17, 24 e
25 da Lei. Para a adequação típica da conduta, além do benefício auferido pelo
agente, exige a Lei que tenha ele comprovadamente concorrido para a consumação
da ilegalidade. Vale dizer, então, que, para a superveniência da punibilidade do
particular, se faz necessário que, de alguma forma, tenha ele colaborado com
o agente público, a fim de que este, fazendo tábula rasa do que dispõe a Lei,
dispense ou inexija a licitação, ou, ainda, a dispense ou inexija com inobser-
vância das formalidades que devem revesti-las15.
No mesmo sentido, a lição de Adel El Tasse, para quem: “é de suma
importância observar que o indivíduo beneficiado tenha comprovadamente
concorrido para a consumação da ilegalidade, praticando atos efetivos na realização
de indevida dispensa ou inexigibilidade da licitação. Registre-se que para a
tipificação penal na hipótese em comento exige que o agente, além de con-
correr para a consumação da ilegalidade, o tenha feito para contratar com o
Poder Público. Assim, somente pode cometer o ilícito em questão, quem se
beneficiou, para contratar com a administração pública, da indevida ausência
de licitação, que ajudou a operacionalizar”16.
Poderíamos pensar que não haveria necessidade de existir a figura autô-
noma do crime, prevista no parágrafo único do art. 89 da Lei nº 8.666/93, pois
quem atuasse, como partícipe, na ilegalidade cometida pelo servidor público,
beneficiando-se de contratação com o Poder Público, estaria incurso também
no caput do referido dispositivo, nos termos da norma de extensão da adequação
típica contida no art. 29, caput, do CP. No entanto, há uma limitação essencial
no parágrafo único do mencionado art. 89, no sentido de considerar a respon-
sabilidade do contratado particular somente nas hipóteses de ter positivamente
concorrido para a ilegalidade. A esse respeito, a lição de Wilson Lavorenti, Édson
Luís Baldan e Paulo Rogério Bonini: “Poder-se-ia argumentar que se trata de
disposição desnecessária, vez que a coautoria e a participação encontram-se
suficientemente disciplinadas no art. 20 do CP, merecendo reprimenda, na
medida de sua culpabilidade, todo aquele que induzir, instigar, auxiliar ou
solidariamente praticar ações correspondentes à conduta típica. Todavia, essa
figura equiparada estabelece importante limitação típica, pois somente está
incriminada a conduta do contratado que tenha concorrido de forma positiva

15 PEREIRA Jr., Jesse Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 8. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2009. p. 904.
16 TASSE, Adel El. Legislação criminal especial. Coord. Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. São Paulo: RT,
2009. p. 675.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 67

(não bastando a mera inércia) para a ocorrência da ilegalidade da qual lhe


resulte benefício (de qualquer natureza e não estritamente financeiro)”17.

4 Do Domínio do Fato
Nesta parte do estudo, veremos os requisitos para atribuir, hipotetica-
mente, a responsabilidade do sócio de uma empresa pelo crime definido no
art. 89, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, da ótica da concepção doutrinária
da teoria do domínio do fato.
Na doutrina, Claus Roxin propôs a ideia de que o autor seria quem
detém o domínio do fato, quem de fato representa a figura central do acontecer
típico. Existem, segundo esse penalista, três manifestações concretas de do-
mínio do fato, como expressão da figura central do acontecer típico: a) o domínio
da ação; b) o domínio da vontade; e c) o domínio funcional do fato18.
Assim, em primeiro lugar, teria o domínio do fato o autor imediato, que
pratica a ação descrita no tipo penal. Na expressão de Luís Greco e Alaor Leite,
“é o domínio de quem realiza, em sua própria pessoa, todos os elementos de
um tipo” ou, em outras palavras, “quem comete o fato por si mesmo”19. Essa
condição de autor permaneceria ainda que o sujeito ativo tivesse agido sob o
comando ou a pedido de um terceiro.
Essa primeira condição de autoria imediata não se aplicaria ao sócio de
uma empresa que não participou diretamente dos fatos, caso a denúncia lhe
impute, por sua mera condição de integrante do quadro social, uma coautoria
com os demais sócios da empresa, que consiste em concorrer comprovadamente
para a ilegalidade (parágrafo único do art. 89 da Lei nº 8.666/93). Isso, porque a
autoria imediata exige a conduta de dispensar ou inexigir licitação, fora das hipóteses
previstas em lei ou sem as formalidades legais – prevista no tipo autônomo do art.
89, caput, da Lei nº 8.666/93.
A segunda forma de domínio do fato diz respeito ao domínio da vontade
(autoria mediata) de uma terceira pessoa, reduzida a mero instrumento do
autor mediato, que detém o controle da ação típica. Além das situações de
coação psicológica ou de utilização de inimputáveis pelo autor mediato, ou
de erro de terceiro, Roxin reconhece esse domínio da vontade em um aparato

17 LAVORENTI, Wilson; BALDAN, Édson Luís; BONINI, Paulo Rogério. Crimes de Licitação. In: Leis especiais
penais. 13. ed. Campinas: Millenium, 2016. p. 195.
18 Cf. GRECO, Luís; ASSIS, Augusto. O que significa a teoria do domínio do fato para a criminalidade de empresa.
In: GRECO, Luís et al. Autoria como domínio do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito
penal brasileiro. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2014.
19 Idem, ibidem, p. 25.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
68

organizacional que atua à margem da legalidade. Segundo Luís Greco e Alaor


Leite, inclui-se nessa categoria “aquele que, servindo-se de uma organização
verticalmente estruturada e apartada, dissociada da ordem jurídica, emite uma
ordem cujo cumprimento é entregue a executores fungíveis, que funcionam
como meras engrenagens de uma estrutura automática, não se limita a instigar,
mas é verdadeiro autor mediato dos fatos realizados”20. Nesse caso, também
não haveria como atribuir ao mero sócio de uma empresa legalmente constituída,
para fins lícitos, o domínio do fato.
Na terceira forma de domínio de fato, a funcional (coautoria), que mais
poderia se aproximar da ideia de concurso atribuída ao sócio de uma empresa,
teria de estar demonstrada uma divisão de tarefas, com base em uma decisão
conjunta, para praticar determinada infração penal. Cada participante daria sua
contribuição relevante para o delito. Como advertem Luís Greco e Augusto
Assis, “não se trata, aqui, de distribuição de responsabilidade entre alguém
que está atrás e decide e outro que está à frente e decide (...) e sim de pessoas
que se encontram no mesmo plano, em princípio decidindo e executando”21.
Na visão de Claus Roxin, “se se quiser determinar formalmente o
ponto de vista da interdependência, da relação das contribuições de maneira
adequada a qualquer situação imaginável, só seria possível afirmar que alguém
é coautor se desempenhou uma função que era de importância essencial para
a concreta realização do delito”22 (nossa tradução).
Portanto, conforme acrescenta o penalista alemão, “(...) para o domínio
funcional do fato, ou seja, o condomínio do acontecer, não basta qualquer
cooperação insignificante na fase executiva, uma vez que essa cooperação há
de ser essencial”23 (nossa tradução).
É importante esclarecer que, no concurso de pessoas, a consequência
jurídica é a imputação recíproca, segundo a qual cada um responde não apenas
por suas próprias ações, como também pelas de seus concorrentes. Segundo
Luís Greco e Augusto Assis, “essa severa consequência jurídica tem de ser

20 GRECO, Luís; LEITE, Alaor. O que é e o que não é a teoria do domínio do fato. A distinção entre autor e partícipe
no Direito Penal. In: GRECO, Luís et al. Autoria como domínio do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de
pessoas no direito penal brasileiro. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 27.
21 GRECO, Luís; ASSIS, Augusto. O que significa a teoria do domínio do fato para a criminalidade de empresa. In:
GRECO, Luís et al. Autoria como domínio do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal
brasileiro. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 90.
22 “Si se quisiera determinar formalmente el punto de vista de la interdependencia, de la imbricación de las aporta-
ciones de una manera adecuada a cualquier situación imaginable, solo podría decirse que alguien es coautor si ha
desempeñado una función que era de importancia esencial para la concreta realización del delito.” (ROXIN, Claus.
Autoría y dominio del hecho en derecho penal. Traducción de la novena edición alemana por Joaquín Cuello Contreras y
José Luis Serrano González de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 2016. p. 277)
23 “(...) para el dominio funcional del hecho, o sea, el condominio del acontecer, no basta cualquier cooperación
insignificante en la fase ejecutiva, sino que la cooperación ha de ser esencial” (idem, ibidem, p. 716).
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 69

legitimada, especialmente diante daquele que se vê obrigado a responder por


ato de terceiro. Não enxergamos como isso será possível sem que existam
uma decisão e uma atuação conjuntas, isto é, de todos, mas também de cada
um dos coautores”24.
Dessa ótica, o simples fato de o sujeito pertencer a uma sociedade
empresária é insuficiente para fundamentar sua responsabilidade por atos de
terceiros, sem a demonstração efetiva de uma contribuição relevante para o
êxito do plano, em especial durante a fase executória do crime. Para tanto, no
âmbito do direito penal, há de ser provada – e não presumida – a conduta dolosa
pela acusação, especificando ainda, na denúncia, qual a conduta (concreta e
positivamente) realizada. Assim, a mera posição ocupada pelo réu na empresa,
sem qualquer prova de sua conduta, é insuficiente para responsabilizá-lo pe-
nalmente, ainda mais em uma sociedade na qual cada sócio detém poderes de
agir e contratar individualmente, sem a necessidade de anuência dos demais.
A respeito da impossibilidade de a imputação penal se basear em mera
qualidade de sócio de uma pessoa jurídica, sob pena de responsabilidade
objetiva, assim se manifestou o STF:

“CRIME DE DESCAMINHO. PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO


DESCREVE, QUANTO AO PACIENTE, SÓCIO-ADMINISTRADOR
DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA, QUALQUER CONDUTA ESPE-
CÍFICA QUE O VINCULE, CONCRETAMENTE, AOS EVENTOS
DELITUOSOS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. A mera invocação da
condição de sócio ou de administrador de sociedade empresária, sem a
correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento tí-
pico que o vincule, concretamente, à prática criminosa, não constitui fator
suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar
a prolação de decreto judicial condenatório. A circunstância objetiva de
alguém ser meramente sócio ou de exercer cargo de direção ou de ad-
ministração em sociedade empresária não se revela suficiente, só por si,
para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema
jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa
particular qualificação formal, a correspondente persecução criminal. Não
existe, no ordenamento positivo brasileiro, ainda que se trate de práticas
configuradoras de macrodelinquência ou caracterizadoras de delinquência
econômica, a possibilidade constitucional de incidência da responsabili-
dade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede criminal, como princípio
dominante do sistema normativo, o dogma da responsabilidade com culpa
(nullum crimen sine culpa), absolutamente incompatível com a velha con-

24 GRECO, Luís; ASSIS, Augusto. O que significa a teoria do domínio do fato para a criminalidade de empresa. In:
GRECO, Luís et al. Autoria como domínio do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal
brasileiro. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 95.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
70

cepção medieval do versari in re illicita, banida do domínio do direito penal


da culpa. Precedentes. (...)” (STF, 2ª Turma, HC 88.875/AM, Rel. Min.
Celso de Mello, j. 07.12.2010, DJe-051 12.03.2012)

Em igual sentido, decidiu o STJ:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS.


ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.176/91. PEDIDO DE TRANCAMENTO.
INÉPCIA DA DENÚNCIA. INICIAL QUE NARRA APENAS A QUA-
LIDADE DE SÓCIO. MERA ATRIBUIÇÃO DE UMA QUALIDADE.
DENÚNCIA GENÉRICA. AUSÊNCIA DE LIAME. RECURSO EM
HABEAS CORPUS PROVIDO. 2. AGRAVO REGIMENTAL DO MI-
NISTÉRIO PÚBLICO IMPROVIDO. 1. O trancamento da ação penal
na via estreita do habeas corpus somente é possível, em caráter excepcional,
quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da
conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência
de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. Da leitura
da denúncia, tem-se que o agravado foi denunciado, juntamente com os
corréus Fernando Coelho Reis Junior e Alessandra Falcão Reis, em virtude
de serem sócios gestores do Posto Trevo Petróleo Ltda., não se demons-
trando, ainda que de maneira sutil, a ligação entre sua conduta e o fato
delitivo. Como é cediço, a mera atribuição de uma qualidade não é forma adequada
para se conferir determinada prática delitiva a quem quer que seja. Caso contrário,
abre-se margem para formulação de denúncia genérica e, por via de consequência, para
reprovável responsabilidade penal objetiva. 2. Agravo regimental do Ministério
Público improvido.” (STJ, 5ª Turma, AgRg no RHC 76.581/PE, Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca, j. 27.06.2017, DJe 01.08.2017)

5 Conclusões
1) A figura típica do parágrafo único do art. 89 da Lei nº 8.666/93 exige,
para sua consumação, a presença de dois requisitos cumulativos: (i) a contri-
buição comprovada para a consumação da ilegalidade (dispensa ou inexigibilidade
ilegal da licitação), por parte do sujeito ativo, e (ii) o benefício dessa ilegalidade
para celebrar contrato com o Poder Público.
2) Em caso de concurso de pessoas, a denúncia deve individualizar a
conduta de cada acusado, descrevendo sua específica contribuição para a ilegali-
dade do art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93 – dispensa ou inexigibilidade ilegal
da licitação –, que representa elemento essencial do tipo penal autônomo
contido no parágrafo único do mesmo dispositivo legal, sob pena de inépcia
da petição inicial (arts. 41 e 395, I, ambos do CPP). Além disso, tem de ser
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 71

aferido o vínculo subjetivo, psicológico, capaz de ligar essas condutas entre


si e o resultado.
3) Afigura-se imprescindível descrever, na inicial acusatória, o modo
como o agente concorreu positivamente para a dispensa ou inexigibilidade ile-
gal da licitação. A omissão dessa elementar do tipo penal acarreta a nulidade
absoluta do processo, por impossibilitar o direito de defesa.
4) Da ótica da teoria do domínio do fato, para atribuir responsabilidade
ao sócio de uma empresa pelo crime definido no art. 89, parágrafo único, da Lei
nº 8.666/93, teria de estar demonstrada, no caso de autoria imediata – primeira
forma dessa teoria –, sua participação direta nos fatos, consistente em concorrer
comprovadamente para a ilegalidade (parágrafo único do art. 89 da Lei nº 8.666/93).
5) Em relação ao domínio da vontade, segunda forma de domínio do
fato, inerente à autoria mediata, a mera condição de sócio, em sociedade
empresária legalmente constituída, não seria suficiente para fundamentar sua
responsabilidade no âmbito penal.
6) Finalmente, na terceira forma de domínio de fato, a funcional (coauto-
ria) – que mais poderia se aproximar da ideia de concurso atribuída ao sócio
de uma empresa –, teria de estar demonstrada uma divisão de tarefas, com
base em uma decisão conjunta, para praticar determinada infração penal. Cada
participante teria de dar sua contribuição relevante para o delito para poder
ser responsabilizado penalmente.

TITLE: Co-perpetration under article 89, sole paragraph, of Law no. 8.666/93.

ABSTRACT: In this article, we analyze important aspects related to the co-perpetration provided for in
the sole paragraph of article 89 of Law no. 8,666/93, which establishes the general rules, including criminal
protection, in the bidding process. In the first part of the paper, from the study of the co-perpetration,
we appreciate the essential requirements for reporting on the said crime. Next, we make an in-depth
analysis of this crime, with the examination of its objective and subjective typology, able to configure the
co-perpetration in the exemption or illegal impossibility of bidding process. In the last part of the article,
from the perspective of Claus Roxin, in his studies on the theory of the domain of fact, we focused on
aspects related to the company’s member liability legally constituted in said criminal infraction.

KEYWORDS: Co-Perpetration. Complaint. Crime in Bidding. Dismissal. Impossibility of Bidding


Process. Domain of Fact.

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Recebido em: 07.05.2019


Aprovado em: 24.07.2019
Doutrina

O Ativismo do Supremo Tribunal Federal e


o Surgimento da Norma Supralegal

Silmar Fernandes
Aluno do Mestrado do Programa de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Direito da Universidade Nove de Julho;
Desembargador no TJSP e no TRESP; Professor-Assistente
de Processo Penal nos Cursos de Pós-Graduação da Escola
Paulista da Magistratura.

José Renato Nalini


Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela USP;
Docente da Pós-Graduação na UNINOVE; ex-Presidente do
TACRIM-SP e do Tribunal de Justiça de São Paulo.

RESUMO: O presente ensaio tratará do surgimento da norma supralegal,


iniciando pela evolução doutrinária e destacando a atuação do STF, de modo
a demonstrar a inexistência da referida norma no ordenamento jurídico e que
sua criação se deu a partir de uma atuação proativa da Corte Suprema. Por
fim, serão aventadas algumas consequências trazidas pela criação de uma nova
espécie normativa.

PALAVRAS-CHAVE: Norma Supralegal. Ativismo Judicial. Supremo Tribunal


Federal.

SUMÁRIO: Introdução. 1 O Surgimento da Norma Supralegal; 1.1 Hierarquia


Supraconstitucional; 1.2 Hierarquia Constitucional; 1.3 Hierarquia Equivalente
à de Lei Ordinária; 1.4 Hierarquia Supralegal. 2 A Criação da Norma Supralegal
e o Ativismo do Supremo Tribunal Federal. 3 Consequências da Criação de uma
Nova Espécie Normativa. Conclusão. Referências.

Introdução
Trata o presente artigo do surgimento da norma supralegal e das conse-
quências advindas de tal surgimento para o ordenamento jurídico brasileiro,
a partir de uma análise da atuação do colendo STF no que tange à criação da
norma citada.
Com efeito, após a redemocratização do país, que teve como ponto central
a promulgação da CF/88, o Poder Judiciário deixou de ser um mero departamen-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
74

to técnico especializado em aplicar a lei aos casos concretos e se transformou em


verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Carta Magna. A Corte Suprema,
guardiã da Constituição, assumiu, então, uma posição de destaque na sociedade
brasileira, sendo protagonista de decisões envolvendo questões de largo alcance
político e até mesmo a implementação de políticas públicas.
Com o passar dos anos, entretanto, verifica-se que o STF, na busca de
concretizar os valores e fins constitucionais, tem ampliado cada vez mais seu
espaço de atuação, tendo, inclusive, aplicado diretamente a Constituição a
situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente
de manifestação do legislador ordinário, em clara postura ativista.
O surgimento da norma supralegal, nesse ponto, é clara demonstração
de como a Corte Suprema tem interpretado a Constituição, expandindo seu
sentido e alcance.
O presente ensaio tratará, portanto, do surgimento da norma supralegal,
iniciando pela evolução doutrinária e destacando a atuação do STF, de modo
a demonstrar a inexistência da referida norma no ordenamento jurídico e
que sua criação se deu a partir de uma atuação proativa da Corte Suprema.
Por fim, serão aventadas algumas consequências trazidas pela criação de uma
nova espécie normativa.

1 O surgimento da Norma Supralegal


O estudo acerca da supralegalidade perpassa necessariamente o entendi-
mento acerca da relação hierárquico-normativa entre os tratados internacionais
e a Constituição. De fato, desde a promulgação da CF/88, discutiu-se qual
tratamento deveria ser dispensado aos tratados internacionais. E isso ocorreu,
porque o art. 5º, § 2º, da Carta Magna assim dispôs: “Os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”.
A discussão acirrou-se, entretanto, com a incorporação da Convenção
Americana de Direitos Humanos, mais conhecida por Pacto de São José da
Costa Rica, ao Direito brasileiro, através do Decreto nº 678, de 6 de novem-
bro de 19921.
Isso, porque tal Pacto, em seu artigo 7º, número 7º, limitou a prisão
civil ao devedor de obrigação alimentar, dispondo que “Ninguém deve ser

1 BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
decreto/d0678.htm>. Acesso em: 9 jul. 2018.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 75

detido por dívidas. Esse princípio não limita os mandados de autoridade ju-
diciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação
alimentar”2.
Ocorre que o ordenamento jurídico brasileiro há muito permitia a
prisão civil não só para a hipótese de obrigação alimentar, mas também para
o caso do depositário infiel.
Com efeito, a previsão constitucional que veda a prisão por dívidas existe
no Brasil desde a Constituição de 1934, sendo que a Carta de 1946 acrescen-
tou exceções a tal vedação, dispondo que não haveria prisão civil por dívida,
multa ou custas, salvo o caso do depositário infiel e o de inadimplemento de
obrigação alimentar3.
Tal disposição foi repetida na CF/67 e mantida pela EC nº 01/69, a qual,
por registrar um rompimento formal com a ordem constitucional então em
vigor, foi considerada pelos constitucionalistas como nova Constituição4.
A CF promulgada em 1988, igualmente, manteve disposição seme-
lhante, prevendo em seu art. 5º, LXVII, que “não haverá prisão civil por
dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável
de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.
Não bastasse, o Código Civil vigente à época da incorporação do Pacto
de São José da Costa Rica também admitia a prisão civil do depositário infiel5,
o que foi repetido pelo Código Civil promulgado em 10 de janeiro de 2002,
que dispõe em seu art. 652 que “seja o depósito voluntário ou necessário, o
depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo me-
diante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos”.
Surgiu, portanto, uma aparente contradição no ordenamento interno:
a CF/88 e o CC/1916 permitiam a prisão do depositário infiel. No entanto,
o Pacto de São Jose da Costa Rica, internalizado ao ordenamento em 1992,
não o fazia. E para solucionar tal contradição afigurou-se urgente determinar
a hierarquia normativa dos tratados internacionais, ou seja, se eles seriam
capazes de revogar lei ordinária ou mesmo norma constitucional.

2 CIDH. Convenção Americana de Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.


convencao_americana.htm>. Acesso em: 9 jul. 2018.
3 BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946): artigo 141, § 32º. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm>. Acesso em: 9 jul. 2018.
4 BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito constitucional: teoria da Constituição.
5. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. t. I. p. 91.
5 “Art. 1.287. Seja voluntário ou necessário o depósito, o depositário, que o não restituir, quando exigido, será com-
pelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e a ressarcir os prejuízos (art. 1.273).” (BRASIL. Lei nº
3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/L3071impressao.htm>. Acesso em: 9 jul. 2018)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
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Essa celeuma deu ensejo a uma enorme discussão doutrinária e juris-


prudencial, a qual pode ser sistematizada em 4 (quatro) correntes principais:
(a) aquela que reconhece a natureza supraconstitucional dos tratados e con-
venções em matéria de direitos humanos; (b) a corrente que atribui caráter
constitucional a esses diplomas internacionais; (c) a doutrina que reconhece
o status de lei ordinária; e (d) finalmente, a interpretação que atribui caráter
supralegal aos tratados e convenções de direitos humanos.

1.1 Hierarquia Supraconstitucional


Aqueles que defendem a hierarquia supraconstitucional dos tratados
internacionais apoiam-se, sobretudo, na Convenção de Havana sobre Trata-
dos (1928), ratificada pelo Brasil, a qual afirma que “os tratados continuarão
a produzir os seus efeitos ainda que se modifique a constituição interna dos
contratantes”6.
Por todos, destaca-se o Professor Celso de Albuquerque Mello
(1937/2005), que defendeu em seus livros a preponderância dos tratados
internacionais, mais especificamente dos tratados acerca de direitos huma-
nos, sobre as normas constitucionais, as quais não teriam, portanto, poderes
revocatórios em relação às normas internacionais. Assim, nem mesmo uma
emenda constitucional poderia retirar a validade de tratado em tema de di-
reitos humanos7.
Tal entendimento, entretanto, encontra enorme dificuldade em ser apli-
cado no Brasil, cujo sistema é regido pelo princípio da supremacia constitucio-
nal, “princípio segundo o qual as normas da constituição têm preponderância
em face das demais normas jurídicas pertencentes ao mesmo ordenamento
jurídico”8. Nenhuma espécie normativa, portanto, pode se sobrepor à CFB,
nem mesmo contrariá-la. Aliás, é justamente o princípio da supremacia da
constituição que fundamenta o controle de constitucionalidade. Com efeito,
“O controle de constitucionalidade tem por fundamento teórico a defesa do
princípio da supremacia constitucional (...). A partir do momento que se atribuem
às normas constitucionais hierarquia normativa superior, é necessário garantir
que os atos contrários à Constituição não produzam os mesmos efeitos que

6 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Prefácio M. Franchini Netto à 1. ed.
12. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 119.
7 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. O § 2º do artigo 5º da Constituição Federal. In: TORRES, Ricardo Lobo
(Org.). Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 25.
8 BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Op. cit. t. I. p. 207.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 77

normalmente produziriam, sob pena de se converter a supremacia da cons-


tituição em simples instrumento de retórica”9.
E se nenhuma norma pode se sobrepor ou contrariar à Constituição, sob
pena de serem declaradas nulas10 mediante controle de constitucionalidade,
imperioso admitir que tal regra aplica-se também aos tratados e convenções
internacionais. Tanto é assim, que a CF, em seu art. 102, III, alínea b, determina
a competência do STF para julgar, mediante recurso extraordinário, as causas
decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar
a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.
O próprio STF já deixou assentado que: “assim como não o afirma em
relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a
hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem
à aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado
pela Constituição (...) e aquele que, em consequência, explicitamente admite
o controle de constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b)”11.
Ora, se um tratado pode ser declarado inconstitucional pelo STF, é
evidente que não pode se sobrepor à Lei Maior, que lhe confere o próprio
fundamento de validade interno. Na hierarquização normativa, portanto,
os tratados são inferiores à Constituição, não podendo derrogar ou ab-rogar
previsões normativas dessa última.
Assim, a teoria da hierarquia supraconstitucional restou rejeitada pela
maioria da doutrina, sob pena de negativa de supremacia da Constituição.

1.2 Hierarquia Constitucional


Tendo em vista os inconvenientes de se adotar a tese da hierarquia su-
praconstitucional, há quem defenda a ideia de que os tratados internacionais
de direitos humanos teriam status constitucional.
Tal ideia baseia-se na concepção de que o § 2º do art. 5º da CF seria
uma “cláusula aberta de recepção de outros direitos enunciados em tratados
internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil. Ao possibilitar a
incorporação de direitos por meio de tratados, a Constituição estaria a atribuir

9 BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Op. cit. t. I. p. 315.
10 Acerca da aplicação da tese da nulidade no Brasil, confira-se: “Trata-se do regime geral de desvaloração da incons-
titucionalidade adotado pelo modelo norte-americano desde o precedente Marburyvs Madison (1803), em que a
Suprema Corte americana assentou o raciocínio segundo o qual a lei inconstitucional é nula e inválida. A mesma
tese é adotada em países como Alemanha, Espanha e Portugal, bem como no Brasil, onde o regime de nulidade é
considerado princípio constitucional implícito” (Id. Ibidem. p. 338).
11 RHC 79.785/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 22.11.02.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
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a esses diplomas internacionais a hierarquia de norma constitucional”12. Com-


plementando tal concepção, estaria o § 1º do art. 5º da Constituição que, ao
estabelecer que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata, asseguraria às normas constitucionais relativas aos
direitos incorporados via tratado aplicabilidade imediata nos planos nacional
e internacional.
Cançado Trindade, que propôs à Assembleia Nacional Constituinte, em
1987, a inclusão do § 2º do art. 5º ao Texto Constitucional, consignou que:

“O propósito no disposto nos §§ 2º e 1º do art. 5º da Constituição não


é outro que o de assegurar a aplicabilidade direta pelo Poder Judiciário
nacional da normativa internacional de proteção, alçada a nível constitu-
cional (...). Desde a promulgação da atual constituição, a normativa dos
tratados e direitos humanos em que o Brasil é parte tem efetivamente nível
constitucional e entendimento em contrário requer demonstração. A tese
da equiparação dos tratados de direitos humanos à legislação infracons-
titucional – tal como ainda seguida por alguns setores em nossa prática
judiciária – não só representa um apego sem reflexão a uma tese anacrônica,
já abandonada em alguns países, mas também contraria o disposto no artigo
(5) 2 da Constituição Federal.”13

Agora, havendo conflito entre o tratado de direito humano e disposição


expressa da CF, para essa corrente, deveria ser aplicada a norma mais favorável
à vítima, titular do direito, cabendo tal aplicação ao Poder Judiciário. Assim,
“Direito interno e Direito Internacional estariam em constante interação
na realização do propósito convergente e comum de proteção dos direitos e
interesses do ser humano”14.
Não obstante, a ideia de que os direitos oriundos de tratados internacio-
nais teriam status constitucional pareceu esvaziada com a promulgação da EC
nº 45/04, a qual acrescentou o § 3º ao art. 5º da CF, com a seguinte redação:
“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais”.
Ora, se os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos,
para terem status de norma constitucional, necessitam de aprovação através

12 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 804.
13 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRAN-
CO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 805.
14 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 805.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 79

de um processo legislativo especial, parece evidente que aqueles que foram


ratificados antes da mudança constitucional e sem submissão a tal processo
legislativo não têm hierarquia constitucional.
Não obstante, não foi esse o entendimento dos adeptos dessa teoria,
que continuaram a defender a natureza constitucional dos tratados de direitos
humanos, tenham sido incorporados antes ou depois da EC nº 45/04. Nas
palavras da Professora Flávia Piovesan:

“(...) O quórum qualificado está tão somente a reforçar tal natureza cons-
titucional, ao adicionar um lastro formalmente constitucional. Na her-
menêutica dos direitos há que imperar uma lógica material e não formal,
orientada por valores, a celebrar o valor fundante da prevalência da digni-
dade humana. Isto porque não seria razoável sustentar que os tratados de
direitos humanos adquirissem hierarquia constitucional exclusivamente em
virtude de seu quórum de aprovação. A título de exemplo, destaque-se que
o Brasil é parte da Convenção contra a tortura desde 1989, estando em vias
de ratificar seu Protocolo Facultativo. Não haveria qualquer razoabilidade
se a este último – tratado complementar e subsidiário ao principal – fosse
conferida hierarquia constitucional, enquanto ao instrumento principal
fosse conferida hierarquia meramente legal. Tal situação importaria em
agudo anacronismo do sistema jurídico.”15

Para a professora, portanto, todos os tratados internacionais de direitos


humanos possuem hierarquia constitucional, ou seja, todos os tratados inter-
nacionais de direitos humanos são materialmente constitucionais, justamente por
força do art. 5º, § 2º, da CF. Já os tratados internacionais de direitos humanos
aprovados na forma prevista pelo § 3º, introduzido no art. 5º através da EC
nº 45/04, são material e formalmente constitucionais16.
E tal diferenciação, segundo a professora, resultaria no fato de que, en-
quanto os tratados materialmente constitucionais poderiam ser denunciados
pelo Estado signatário, os tratados material e formalmente constitucionais não
poderiam, pois os direitos consagrados nesses tratados seriam resguardados
pelo art. 60, § 4º, da CF, constituindo, portanto, cláusula pétrea17.
Atribuir hierarquia materialmente constitucional aos tratados de direitos
humanos aprovados nos termos do art. 5º, § 2º, e hierarquia material e formal-

15 PIOVESAN, Flávia. Reforma do judiciário e direitos humanos. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro;
ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora (Coord.). Reforma do judiciário analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005. p.
72.
16 Id. Ibidem. p. 72.
17 Id. Ibidem. p. 73.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
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mente constitucional aos tratados de direitos humanos aprovados nos termos


do art. 5º, § 3º, ambos da CF, entretanto, não parece a melhor solução.
Isso, porque a doutrina constitucionalista majoritária18 classifica a Carta
Magna de 1988 como formal. Com efeito, no que tange ao conteúdo, as consti-
tuições podem ser classificadas em material ou formal. A constituição material
é aquela que reúne normas, escritas ou costumeiras, relacionadas com temas
considerados essenciais às funções que a constituição deve desempenhar. O
conceito de normas materialmente constitucionais leva em conta, portanto,
o conteúdo delas e não a fonte normativa em que veiculadas. A constituição
formal, ao contrário, refere-se ao conjunto de normas que, independentemente
do conteúdo, consideram-se inseridas em ato escrito no qual se encontram os
padrões normativos dotados de hierarquia jurídica superior, ou seja, são normas
constitucionais aquelas extraídas de documento solene e escrito ao qual se atri-
bui hierarquia superior em relação as demais normas do sistema normativo19.
Logo, se a Constituição brasileira é formal, tem-se que só é consti-
tucional “o que estiver inserido na Carta Maior, seja em razão do trabalho
do Poder Constituinte Originário, seja pela introdução de novos elementos
através de emendas, desde que observadas as regras colocadas pelo Consti-
tuinte Originário”20.
O reconhecimento de que um tratado internacional de direito humano
seja materialmente constitucional, portanto, tem apenas aplicação acadêmica,
mas não prática. Afinal, ainda que se reconheça que um tratado seja material-
mente constitucional, mas não formalmente constitucional, referido tratado não
poderá servir de parâmetro de controle de constitucionalidade de normas.
Com efeito, “a doutrina majoritária só estabelece relações entre o con-
trole de constitucionalidade de atos normativos e a supremacia constitucional
do tipo formal. Afirma que somente pode haver controle de constitucionali-
dade de normas no contexto de constituições rígidas”21.
Assim, se apenas podem ser parâmetro para o controle de constitucio-
nalidade as normas que integram formalmente a Constituição, resta afastada
a hipótese de que os tratados internacionais de direitos humanos não inter-
nalizados nos termos do art. 5º, § 3º, da Carta Magna de 1988 teriam status
de norma constitucional.

18 Por todos: LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 9. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Método, 2005. p.
47.
19 BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito constitucional: teoria da Constituição.
5. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. t. I. p. 76-77.
20 LENZA, Pedro. Op. cit., p. 43.
21 BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Op. cit., t. I. p. 315.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 81

1.3 Hierarquia Equivalente à de Lei Ordinária


Parte da doutrina, entretanto, entende que os tratados internacionais,
independentemente de seu conteúdo, têm hierarquia equivalente à de lei
ordinária. A única exceção refere-se aos tratados e convenções internacionais
de direitos humanos que sejam aprovados em cada Casa do Congresso Na-
cional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
nos termos do § 3º do art. 5º da Carta Magna, os quais terão hierarquia de
emenda constitucional.
Tal entendimento baseia-se no fato de que os tratados, em geral, são
incorporados mediante ato do Congresso Nacional (Decreto Legislativo), que
ratifica tratado celebrado pelo Presidente da República (arts. 49, I, e 84, VIII,
da CF), sendo em seguida editado um Decreto Presidencial, procedimento
bastante semelhante à formulação das leis ordinárias que também emanam
da vontade da maioria do Congresso Nacional e devem ser promulgadas pelo
Presidente da República.
Ademais, a própria Carta Maior indicaria que os tratados internacionais
têm hierarquia infraconstitucional, ao prever, em seu art. 105, III, alínea a, a
competência para julgar a negativa de vigência de tais espécies normativas ao
STJ, equiparando-os, portanto, à Lei Federal. O próprio STF durante muito
tempo entendeu que os tratados internacionais teriam hierarquia equivalente à
lei ordinária, o que se pode perceber desde o remoto julgamento pelo Tribunal
do Pleno do RE 80.004/SE, de relatoria do Ministro Xavier de Albuquerque,
ocorrido em 1º de junho de 1977:

“Convenção de Genebra. Lei Uniforme sobre letras de câmbio e notas


promissórias. Aval aposto a nota promissória não registrada no prazo legal.
Impossibilidade de ser o avalista acionado, mesmo pelas vias ordinárias.
Validade do DL nº 427, de 22.01.69. Embora a Convenção de Genebra que previu
uma Lei Uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade
no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do país, disso decorrendo a
constitucionalidade e consequente validade do DL nº 427/69, que institui o re-
gistro obrigatório da nota promissória em repartição fazendária, sob pena
de nulidade do título. Sendo o aval um instituto do direito cambiário,
inexistente será ele se reconhecida a nulidade do título cambial a que foi
aposto. RE conhecido e provido.” (grifo não original)

Após a promulgação da CF/88, o STF voltou a discutir a matéria, mas


tendo como foco o problema específico da prisão civil do depositário infiel.
Assim, no HC 72.131, julgado pelo Tribunal do Pleno em 23 de novembro
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
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de 199522, reafirmou-se o entendimento de que os tratados internacionais te-


riam hierarquia equivalente à de lei ordinária. Posteriormente, no importante
julgamento da medida cautelar na ADI 1.480-3/DF, julgada em 4 de setembro
de 1997, o Min. Celso de Mello consignou que:

“(...) Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente in-


corporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos
mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam
as leis ordinárias, havendo, em consequência, entre estas e os atos de direito
internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No
sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica
sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções
internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará
quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução
do conflito, a aplicação do critério cronológico (Lex posterior derogat priori) ou, quando
cabível, do critério da especialidade. Precedentes.” (grifo não original)

Em 2002, o STF, ao julgar o HC 81.319/GO, proferiu interessante de-


cisão. Embora tenha mantido a orientação de possibilidade da prisão civil do
depositário infiel, vez que confirmou a decisão proferida na ADI-MC 1.480/
DF acima descrita, o Tribunal Pleno sinalizou que seria “altamente desejável”
que, à semelhança do direito constitucional comparado, o Congresso Nacional
viesse a outorgar hierarquia constitucional aos tratados sobre direitos humanos
celebrados pelo Estado brasileiro:

“(...) A prisão civil do devedor fiduciante, nas condições em que prevista


pelo DL nº 911/69, reveste-se de plena legitimidade constitucional e não
transgride o sistema de proteção instituído pela Convenção Americana so-
bre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Precedentes. OS
TRATADOS INTERNACIONAIS, NECESSARIAMENTE SUBORDI-
NADOS À AUTORIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA,
NÃO PODEM LEGITIMAR INTERPRETAÇÕES QUE RESTRINJAM
A EFICÁCIA JURÍDICA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS. A
possibilidade jurídica de o Congresso Nacional instituir a prisão civil no
caso de infidelidade depositária encontra fundamento na própria CR (art.
5º, LXVII). A autoridade hierárquico-normativa da Lei Fundamental do Es-
tado, considerada a supremacia absoluta de que se reveste o estatuto político
brasileiro, não se expõe, no plano de sua eficácia e aplicabilidade, a restrições
ou a mecanismos de limitação fixados em sede de tratados internacionais,
como o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Di-
reitos Humanos). A ordem constitucional vigente no Brasil – que confere
ao Poder Legislativo explícita autorização para disciplinar e instituir a prisão

22 STF, TP, HC 72.131, Rel. p/ o Ac. Min. Moreira Alves, j. 23.11.95.


Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 83

civil relativamente ao depositário infiel (art. 5º, LXVII) – não pode sofrer
interpretação que conduza ao reconhecimento de que o Estado brasileiro,
mediante tratado ou convenção internacional, ter-se-ia interditado a prerro-
gativa de exercer, no plano interno, a competência institucional que lhe foi
outorgada, expressamente, pela própria CR. A ESTATURA CONSTITU-
CIONAL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS
HUMANOS: UMA DESEJÁVEL QUALIFICAÇÃO JURÍDICA A SER
ATRIBUÍDA, DE JURE CONSTITUENDO, A TAIS CONVENÇÕES
CELEBRADAS PELO BRASIL. É irrecusável que os tratados e convenções in-
ternacionais não podem transgredir a normatividade subordinante da Constituição
da República nem dispõem de força normativa para restringir a eficácia jurídica das
cláusulas constitucionais e dos preceitos inscritos no texto da Lei Fundamental (ADI
1.480/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno). Revela-se altamente desejável, no
entanto, ‘de jure constituendo’, que, à semelhança do que se registra no direito
constitucional comparado (Constituições da Argentina, do Paraguai, da Federação
Russa, do Reino dos Países Baixos e do Peru, v.g.), o Congresso Nacional venha
a outorgar hierarquia constitucional aos tratados sobre direitos humanos celebrados
pelo Estado brasileiro. Considerações em torno desse tema. CONCESSÃO
EX OFFICIO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS. Afastada a questão
prejudicial concernente à inconstitucionalidade do art. 4º do DL nº 911/69,
cuja validade jurídico-constitucional foi reafirmada pelo STF, é concedida,
ex officio, ordem de habeas corpus, para determinar, ao Tribunal de Justiça
local, que prossiga no julgamento do writ constitucional que perante ele
foi impetrado, examinando, em consequência, os demais fundamentos de
defesa suscitados pelo réu, ora paciente.”23 (grifo não original)

Como se observa, o STF admitia a necessidade de se atribuir hierarquia


constitucional ou supralegal aos tratados e convenções de direitos humanos.
No entanto, referia ser necessária uma alteração no Texto Constitucional de
1988, através de emenda constitucional.

1.4 Hierarquia Supralegal


Não obstante a indicação do STF de que deveria haver uma alteração
do Texto Constitucional, disciplinando-se explicitamente a questão dos tra-
tados e convenções internacionais de direitos humanos que não houvessem
sido incorporados nos termos do art. 5º, § 3º, da Carta Magna, fato é que tal
alteração nunca existiu e, considerando “a abertura cada vez maior dos Estados
constitucionais a ordens jurídicas supranacionais de direitos humanos”24, o
entendimento de que tais tratados seriam equiparáveis à lei ordinária pareceu
defasado.

23 STF, TP, HC 81.319/GO, Rel. Min. Celso de Mello, j. 24.04.02.


24 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 808.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
84

De fato, a inserção do § 3º ao art. 5º da CF, através da EC nº 45/04,


conhecida por Reforma do Judiciário, constituiu-se em uma declaração elo-
quente de que os tratados ratificados pelo Brasil antes de tal emenda e não
submetidos ao processo legislativo especial do Congresso Nacional não pode-
riam ser comparados às normas constitucionais. Não obstante, constituiu-se
também em uma afirmação de que os tratados de direitos humanos possuem
caráter especial em relação aos demais tipos de tratados pactuados entre os
Estados, conferindo-lhe um lugar privilegiado no ordenamento jurídico que,
com efeito, não se coadunava com a posição até então vigente de que teriam
hierarquia equiparada à de lei ordinária.
Segundo o Ministro e Professor Gilmar Mendes, citando o Professor
Peter Härbele, vivemos, hodiernamente, em um “Estado Constitucional Co-
operativo”, ou seja, em um Estado Constitucional que não mais se apresenta
voltado a si mesmo, mas que se disponibiliza como referência para outros
Estados Constitucionais membros de uma comunidade, na qual ganha relevo
o papel dos direitos humanos e fundamentais. Afinal, a proteção a tais direitos
afigura-se como a fórmula mais concreta de que dispõe o sistema constitu-
cional para garantia da própria dignidade da pessoa humana25.
Tanto é assim que, na realidade europeia, verifica-se que a abertura
institucional a ordens supranacionais encontra-se consagrada em diversos
textos constitucionais, como o alemão (Preâmbulo e art. 24, I), o italiano
(art. 11), o português (arts. 8º e 16), e o espanhol (arts. 9º, nº 2, e 96, nº 1)26.
E no Brasil não é diferente. O Ministro aponta, na CF/88, o art. 4º,
parágrafo único27 e o art. 5º, §§ 2º, 3º e 4º28, como “disposições que sinalizam
para uma maior abertura constitucional ao direito internacional e, na visão
de alguns, ao direito supranacional”29. Além disso, destaca que vários países
latino-americanos já “avançaram no sentido de sua inserção em contextos
supranacionais, reservando aos tratados de direitos humanos lugar especial no

25 Id. Ibidem. p. 809.


26 Id. Ibidem. p. 809-810.
27 “Art. 4º (...)
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos
povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”
28 “Art. 5º (...).
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Con-
gresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais.
§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.”
29 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 810.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 85

ordenamento jurídico”30, como ocorre com o Paraguai (art. 9º) e a Argentina


(art. 75, inciso 24).
Com efeito, no continente americano, foi possível observar que o re-
gime de responsabilidade do Estado pela violação de tratados internacionais
vinha apresentando uma considerável evolução desde a Convenção Americana
de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa
Rica31. Havia, pois, uma tendência de se prestigiar as normas internacionais
de proteção ao ser humano.
No Brasil, como visto anteriormente, a mudança era lenta e gradual,
vez que os tratados internacionais de direitos humanos ainda eram abordados
a partir da tese da legalidade, o que, ao fim e ao cabo, permitia que o Estado
brasileiro descumprisse unilateralmente um acordo internacional, qual seja
o Pacto de São José da Costa Rica, além de ir de encontro aos princípios in-
ternacionais fixados pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados,
de 1969, que determina, em seu art. 27, que nenhum Estado pactuante “pode
invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento
de um tratado”32.
Assim, era necessária uma mudança que permitisse ao Brasil acompa-
nhar as tendências internacionais e cumprir os tratados que havia ratificado.
E a mudança veio através do STF que, aos 3 de dezembro de 2008, jul-
gou em conjunto, na mesma sessão Plenária, o RE 466.343/SP, o RE 349.703/
RS e os HC 87.585/TO e 92.566/SP, todos versando sobre a possibilidade de
prisão do depositário infiel. Alterando por completo a jurisprudência até então
pacífica, o STF, nos referidos julgados, acolheu a tese de que o artigo 7º, 7, da
Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)
teria hierarquia superior à das leis ordinárias internas (supralegal), de modo
que a prisão do depositário infiel não mais subsistiria no ordenamento interno.
O Ministro Gilmar Mendes foi o primeiro a analisar o tema sob o
enfoque dos tratados internacionais de direitos humanos e, após proferir um
dos mais completos e extensos votos acerca da prisão do depositário infiel,
invocando exatamente os argumentos acima esboçados, relativos à tendência
internacional e à insuficiência da tese da legalidade, posicionou-se pela hie-
rarquia supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos, ficando

30 Id. Ibidem. p. 810-811.


31 Id. Ibidem. p. 811.
32 BRASIL. Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados,
concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos artigos 25 e 66. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm>. Acesso em: 10 jul. 2018.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
86

designado para o Acórdão proferido no RE 349.703/RS, que restou assim


ementado:

“PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRA-


TADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTER-
PRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5º DA
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUI-
CO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREI-
TOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.
Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos (artigo 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos –
Pacto de San José da Costa Rica (artigo 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais
base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas
internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento
jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O sta-
tus normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos
pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja
ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do
CC/1916 e com o DL nº 911/69, assim como em relação ao art. 652 do
NCC (Lei nº 10.406/02). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA.
DL nº 911/69. EQUIPARAÇÃO DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO
DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM
FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A prisão civil
do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em
garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento
jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição
do credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma que a prisão civil,
como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no
exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice
configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito; e b) o DL nº 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando
o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis
civis e penais, criou uma figura atípica de depósito, transbordando os limites
do conteúdo semântico da expressão ‘depositário infiel’ insculpida no art.
5º, LXVII, da CF e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em
sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da
reserva legal proporcional. Reconhecido e não provido.” (grifo não original)

Os demais julgados daquela Sessão Plenária contaram com as seguintes


ementas:

“PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. De-


cretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência
da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art.
5º, LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do artigo 7º, § 7º, da Convenção
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 87

Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Re-


curso improvido. Julgamento conjunto do RE 349.703 e dos HCs 87.585
e 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a
modalidade do depósito.”33

“DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO. A subscrição pelo Brasil do Pacto


de São José da Costa Rica, limitando a prisão civil por dívida ao descum-
primento inescusável de prestação alimentícia, implicou a derrogação das
normas estritamente legais referentes à prisão do depositário infiel.”34

“PRISÃO CIVIL. PENHOR RURAL. CÉDULA RURAL PIGNORA-


TÍCIA. BENS. GARANTIA. IMPROPRIEDADE. Ante o ordenamento
jurídico pátrio, a prisão civil somente subsiste no caso de descumprimento
inescusável de obrigação alimentícia, e não no de depositário considerada
a cédula rural pignoratícia.”35

Como se pode ver, o STF alterou completamente sua orientação e


passou a entender que os tratados e convenções de direitos humanos têm ca-
ráter supralegal, ou seja, são infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter
especial, estão acima da legislação ordinária, sendo dotado de um atributo de
supralegalidade.
Como explica Gilmar Mendes,

“(...) a premente necessidade de se dar efetividade à proteção dos direitos


humanos nos planos interno e internacional tornou imperiosa uma mu-
dança de posição quanto ao papel dos tratados internacionais sobre direitos
na ordem jurídica nacional. Era necessário assumir uma posição jurisdicio-
nal mais adequada às realidades emergentes em âmbitos supranacionais,
voltadas primordialmente à proteção do ser humano (...). Portanto, diante
do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da
proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internali-
zação no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação
previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de
toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitan-
te. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da Supremacia da Cons-
tituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional
da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, LXVII) não foi revogada pela
adesão do Brasil ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (artigo
11) e à Convenção Americana de Direitos Humanos- Pacto de San José da
Costa Rica (artigo 7º, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito

33 Tribunal do Pleno, RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 03.12.08.


34 Tribunal do Pleno, HC 87.585/TO, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 03.12.08.
35 Tribunal do Pleno, HC 92.566/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 03.12.08.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
88

paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que


disciplina a matéria, incluídos o art. 1.287 do CC/1916 e o DL nº 911, de
01.10.69. Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos
internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja
conflitante também tem sua eficácia paralisada. É o que ocorre, por exem-
plo, com o art. 652 no NCC (Lei nº 10.406/02), que reproduz disposição
idêntica ao art. 1.287 do CC/1916.”36

Quanto aos tratados e convenções internacionais de direitos humanos


internalizados através do procedimento legislativo especial previsto no art. 5º,
§ 3º, da CF, estes teriam status de emenda constitucional.

2 A Criação da Norma Supralegal e o Ativismo do Supremo


Tribunal Federal
Nos últimos anos, o STF tem desempenhado papel ativo na vida ins-
titucional brasileira, sendo protagonista quando se trata de decidir questões
extremamente relevantes para a sociedade brasileira. Tal fato, inclusive, fez
com que a doutrina constitucionalista passasse a estudar os fenômenos da
judicialização e do ativismo judicial.
Conforme o Ministro e Professor Roberto Barroso, judicialização
significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão
sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas
tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo. A judicialização en-
volve, pois, uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações
significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da
sociedade37.
Para o Ministro, existem três causas para a judicialização, quais sejam
(i) a redemocratização do país, (ii) a constitucionalização abrangente e (iii) o
sistema de controle de constitucionalidade38.
Com efeito, com a redemocratização do Brasil, o Poder Judiciário foi
fortalecido e aumentou a demanda por justiça social. O STF passou a poder
fazer valer a nova Constituição e o Ministério Público se expandiu e fortale-
ceu sua autonomia, sem falar na criação das Defensorias Públicas a garantir o
acesso ao Judiciário. O novo Texto Constitucional também se mostrou bastante

36 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 818.
37 BARROSO, Luís Roberto. Ano do STF: judicialização, ativismo e legitimidade democrática. Revista Consultor Jurídico.
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica>.
Acesso em: 15 jul. 2018.
38 Id. Ibidem.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 89

abrangente, de modo que matérias que anteriormente eram delegadas ao pro-


cesso político majoritário e à atuação do Poder Executivo passaram a constar
da Constituição, possibilitando sua transformação em pretensão jurídica a ser
formulada pela via de ação judicial, ou seja, possibilitando o envolvimento do
Poder Judiciário. Por fim, e não menos importante, a existência de um sistema
de controle de constitucionalidade bastante abrangente permite que diversas
questões sejam levadas ao Poder Judiciário, seja por meio do controle difuso,
seja via controle concentrado.
É importante assinalar que a judicialização, no contexto brasileiro
acima descrito, “é um fato, uma circunstância que decorre do modelo cons-
titucional que se adotou e não um exercício deliberado de vontade política”39.
Se a matéria é levada ao Judiciário, o Juiz não tem outra opção senão julgar,
solucionando a controvérsia.
O ativismo judicial, embora semelhante à judicialização, com ela não se
confunde. Segundo o Ministro Barroso, o ativismo “é uma atitude, a escolha
de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo
o seu sentido e alcance. Normalmente, ele se instala em situações de retra-
ção do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política
e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de
maneira específica”40.
E foi exatamente o que aconteceu em relação aos tratados e convenções
internacionais de direitos humanos não internalizados da forma descrita no art.
5º, § 3º, da CF. Ao estabelecer no dispositivo em comento que “os tratados e
convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em
cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”,
o Congresso Nacional reconheceu a importância dos referidos tratados e
convenções no ordenamento jurídico brasileiro, mas nada mencionou acerca
daqueles que, tratando da mesma temática (direitos humanos), já tivessem
sido incorporados pelo Estado brasileiro em datas pretéritas e, portanto, de
maneira distinta daquela ali descrita.
Ora, não parecia coerente que o processo legislativo, ou seja, que uma
questão formal fosse determinante para a natureza dos tratados e convenções
internacionais de direitos humanos. Assim, o STF acenou ao Congresso Na-

39 Id. Ibidem.
40 BARROSO, Luís Roberto. Ano do STF: judicialização, ativismo e legitimidade democrática. Revista Consultor Jurídico.
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica>.
Acesso em: 15 jul. 2018.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
90

cional a necessidade de se corrigir a incongruência criada no sistema, com alte-


ração constitucional que disciplinasse a hierarquia dos tratados internacionais41.
Não obstante, tal alteração não ocorreu e, ante a inércia do Poder Le-
gislativo, a Corte Suprema, em 2008, reviu sua antiga jurisprudência relativa
à possibilidade de prisão do depositário infiel. Diante da circunstância de o
Brasil ser signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que restringe a prisão
por dívida ao descumprimento inescusável da prestação alimentícia, passou a
considerar derrogadas as leis que previam a prisão do depositário infiel, inclu-
sive nas hipóteses de alienação fiduciária e de depósito judicial. Prevaleceu,
como já consignado, a tese do Ministro Gilmar Mendes, que sustentou o status
supralegal, mas infraconstitucional de tais atos.
Ocorre que, ao assim fazê-lo, o STF não só interpretou a Constituição,
como expandiu o seu sentido e alcance, em verdadeira atividade criativa. De
fato, “por meio da jurisprudência constitucional, o STF ‘instituiu’ uma nova
norma constitucional acerca das fontes jurídicas, sobreposicionando, em face
das demais normas infraconstitucionais, as normas decorrentes de tratados
internacionais sobre direitos humanos”42.
Com efeito, a partir da decisão em comento, a Corte Suprema criou
uma nova instância no ordenamento jurídico brasileiro, composta de uma
espécie normativa ainda não existente. O art. 59 da CF trata das espécies de
atos normativos de natureza primária43 que compõem a legislação ordinária,
quais sejam as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, as
medidas provisórias, os decretos legislativos e as resoluções. Também com-
põem a legislação ordinária como espécies de atos normativos primários os
tratados internacionais que ingressam no ordenamento jurídico por meio de
decreto presidencial, mas que estão sujeitos à prévia ratificação pelo Congresso
Nacional (art. 49, I, da CF), os decretos autônomos (art. 84, VI, da CF), os
regimentos internos e resoluções dos tribunais – no que dizem respeito ao
funcionamento e à competência dos órgãos que os editam (art. 96, I, a, da
CF) e as súmulas vinculantes (art. 103-A da CF)44. Acima deles, na pirâmide
kelseniana, estariam as normas constitucionais, sejam aquelas elaboradas pelo
constituinte originário, sejam as elaboradas pelo constituinte derivado (emen-
das constitucionais), dentre elas os tratados e convenções internacionais de
direitos humanos internalizados na forma do art. 5º, § 3º, da CF.

41 Cf. STF, TP, HC 81.319/GO, Rel. Min. Celso de Mello, j. 24.04.02.


42 BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Op. cit. t. II. p. 495.
43 “(...) as normas primárias são aquelas cuja validade tem por fundamento direto a própria constituição.” (Id. Ibidem.
p. 438)
44 Id Ibidem. p. 439.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 91

Não há qualquer menção, na Carta de 1988, à existência de uma norma


supralegal, que consistiria em tratados e convenção internacionais de direitos
humanos ratificados pelo Brasil, mas não submetidos ao processo legislativo
descrito no dispositivo antes mencionado, e tampouco menção de que tal
norma estaria acima das normas infraconstitucionais e abaixo das normas
constitucionais, ou seja, numa instância hierárquica intermediária.
Portanto, o entendimento proativo do STF, esboçado no RE 349.703/
RS, criou a norma supralegal, e com isso uma nova ordem constitucional,
constituída pela Carta Magna, como norma fundamental do sistema; seguida,
logo abaixo, pelos tratados e convenções de direitos humanos não ratificados
nos termos do art. 5º, § 3º, da CF; após, pelas normas infraconstitucionais de
natureza primária (ex., leis ordinárias, complementares, etc.); e, por último,
pelas normas infraconstitucionais de natureza secundária45 (ex., regulamentos).

3 Consequências da Criação de uma Nova Espécie Normativa


A primeira consequência visível ocasionada pela criação da norma
supralegal refere-se à possibilidade de se tornar inaplicável um dispositivo
constitucional plenamente em vigor. De fato, quando a Corte Suprema
entendeu que os tratados e convenções internacionais de direitos humanos
não internalizados de acordo com o § 3º do art. 5º da Carta Magna teriam
hierarquia supralegal e, em razão disso, o condão de paralisar a eficácia jurídica
de toda e qualquer disciplina normativa, seja anterior ou posterior, com ela
conflitante, tornou letra morta o texto do art. 5º, LXVII, da CF/88, na parte
em que permite a prisão do depositário infiel. Afinal, nenhuma legislação
ordinária que regulamente tal hipótese terá eficácia jurídica ante a aplicabili-
dade, no ordenamento jurídico brasileiro, do Pacto de São José da Costa Rica,
considerado norma supralegal.
Vale ressaltar que o STF em momento algum disse ser inconstitucional
o disposto no art. 5º, LXVII, da Carta Magna, até porque não poderia fazê-lo,
vez que se trata de norma inscrita pelo constituinte originário46.
Assim, o dispositivo constitucional em comento permanece em vigor,
porém, sem aplicabilidade, vez que a legislação ordinária, embora submissa à
Constituição, deve guardar compatibilidade material com a norma suprale-

45 “(...) as normas infraconstitucionais de natureza secundária consistem naquela cujo fundamento de validade radica
diretamente em alguma norma infraconstitucional primária, e só indiretamente na constituição.” (BERNARDES,
Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Op. cit. t. II. p. 438)
46 “Sendo o poder constituinte originário ilimitado e sendo o controle de constitucionalidade exercício atribuído pelo
poder constituinte originário a poder por ele criado e que a ele deve referência, não há que se cogitar de fiscaliza-
ção de legitimidade por parte do Poder Judiciário de preceito por aquele estatuído” (MENDES, Gilmar Ferreira;
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 117).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
92

gal, no caso específico, com o Pacto de São José da Costa Rica, o qual apenas
permite a prisão civil no caso do devedor de alimentos.
De tal conclusão, aliás, é possível extrair a segunda consequência ad-
vinda da criação da norma supralegal. A partir do entendimento esboçado
pelo STF no RE 349.703/RS, não basta verificar a compatibilidade de uma
lei ordinária com a CF, é necessário também verificar se tal lei está material-
mente de acordo com a norma supralegal, que lhe é superior. E na hipótese
de uma lei ordinária estar em conflito com um tratado de direitos humanos
que, embora ratificado pelo Brasil, não foi internalizado conforme o procedi-
mento de emenda constitucional, tem-se que tal lei teria sua eficácia jurídica
paralisada. Não obstante, a primeira questão que surge é exatamente quem
teria competência para tomar tal providência.
O surgimento da norma supralegal fez com que a doutrina começasse a
discutir qual seria a forma específica para a solução de conflitos entre normas
supralegais e legislação ordinária. Criou-se, então, um sistema de controle de
supralegalidade, chamado por “controle de convencionalidade”, que em muito
se assemelha ao controle difuso de constitucionalidade, embora o parâmetro
de controle seja outro, no caso a norma supralegal.
Observe-se que, no caso da legislação ordinária contrariar a CF, há a
previsão expressa do controle de constitucionalidade para a solução do con-
flito, que pode se dar tanto na via difusa (arts. 97, 102, III, a a d, e 105, II a e b,
todos da CF/88) quanto na via concreta (arts. 36, III, 102, § 1º, 103 da CF/88).
O caso da supralegalidade, ao revés, por se tratar de criação jurispru-
dencial, não possui previsão legal, sendo que seu controle foi pensado pela
doutrina e tem sido aplicado por todos os juízes do território nacional de
maneira difusa, justamente em razão da inexistência de uma lei específica
disciplinando eventual controle concentrado, legitimidade, órgão julgador e
procedimento a ser seguido.

Conclusão
A partir deste trabalho foi possível observar a evolução do tratamento
dispensado aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos pela
doutrina e jurisprudência, destacando-se a atuação do STF principalmente no
que tange a considerá-los, a partir de meados de 2008, como norma supralegal.
Com efeito, a partir da introdução, via emenda constitucional, do § 3º
ao art. 5º da CF, dispondo que os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que fossem aprovados, em cada Casa do Congresso Na-
cional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 93

seriam equivalentes às emendas constitucionais, ficou evidente a importância


dos tratados e convenções dessa natureza. Assim, quando aprovados de acordo
com o processo legislativo especial previsto no dispositivo em comento, terão
o status de norma constitucional.
A questão, entretanto, centrou-se naqueles tratados e convenções in-
ternacionais sobre direitos humanos que haviam sido internalizados antes da
EC nº 45/04 e que, portanto, não seguiram o procedimento legislativo des-
crito no art. 5º, § 3º, da Carta Magna. Se por um lado, parecia óbvio que eles
não possuíam status de norma constitucional, ante a ausência da formalidade
relativa ao procedimento, por outro, parecia equivocado atribuir-lhes apenas
status de lei ordinária quando a própria Constituição outorgou a matéria por
eles veiculada (direitos humanos) papel de destaque.
Diante dessa celeuma, o STF, que já havia acenado ao Congresso Na-
cional a necessidade de disciplinar a matéria, viu-se compelido a solucionar a
questão, ante a quantidade de casos relativos à prisão civil do depositário infiel
que chegava à Corte. A prisão, embora admitida pela legislação ordinária, era
vedada pela Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José
da Costa Rica), internalizada pelo Brasil antes da EC nº 45/04. Assim, no jul-
gamento do RE 349.703/RS, o STF, através do Pleno, reconheceu a natureza
supralegal dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos
que sejam internalizados sem seguir o rito especial previsto no § 3º do art. 5º
da Carta Magna, conforme tese capitaneada pelo Ministro Gilmar Mendes.
A Corte Suprema, portanto, não só interpretou a Constituição, con-
cluindo que ela outorga papel de destaques aos tratados e convenções interna-
cionais de direitos humanos, como também expandiu seu sentido e alcance,
em clara atividade criativa, ao atribuir a tais tratados e convenções a natureza
de norma supralegal que estaria acima das normas infraconstitucionais e, no
entanto, abaixo das normas constitucionais.
O surgimento da norma supralegal acrescentou mais um degrau à pi-
râmide normativa e, em consequência, fez com que a doutrina questionasse
como solucionar eventual conflito entre uma norma infraconstitucional e
uma norma supralegal que, como dito, lhe é superior. O sistema normativo
deve guardar coerência, de modo que não deve haver conflitos reais entre as
normas. A solução encontrada, então, foi estabelecer que as leis infraconstitu-
cionais devem guardar compatibilidade material com os tratados e convenções
internacionais de direitos humanos não internalizados nos termos do § 3º do
art. 5º da Carta Magna (norma supralegal), o que é aferível via controle de
convencionalidade, bem como compatibilidade material e formal com a CF,
o que se verifica através do controle de constitucionalidade.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
94

TITLE: Activism of the Federal Supreme Court and the emergence of supralegal norms.

ABSTRACT: This essay deals with the emergence of supralegal norms, first analyzing the evolution of
the opinions of jurists and highlighting the activity of the Federal Supreme Court, in order to show the
nonexistence of such norms in the legal system, and that their creation happened based on the proactive
actions of the Supreme Court. Finally, some consequences brought by the creation of that new normative
species will be presented.

KEYWORDS: Supralegal Norm. Judicial Activism. Federal Supreme Court.

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Método, 2005.

Recebido em: 30.07.2019


Aprovado em: 04.09.2019
Doutrina

Ações Neutras em Direito Penal

Antônio Carlos da Ponte


Mestre (1998) e Doutor (2001) em Direito Processual Penal
pela PUC-SP; Em 2008 tornou-se Livre-Docente em Direito
Penal pela mesma Universidade; Procurador de Justiça do
MPSP; Professor Concursado dos Programas de Graduação
e Pós-Graduação da PUC-SP, onde leciona Direito
Penal e Teoria Geral do Direito; Coordenador do Curso de
Especialização em Direito Penal e Direito Processual Penal
da PUC-SP (Cogeae); Integrante do Conselho Consultor
da Revista Jurídica da Presidência da República; Diretor
do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional Escola
Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Guilherme Lopes Felicio


Mestrado em Direito Penal pela PUC-SP (2018);
Especialização em Direito Penal e Direito Processual Penal
pela mesma Universidade (2014); em Direito Empresarial
pela Universidade Estadual de Londrina – PR (2014); e
em Compliance pelo Instituto de Direito Penal Econômico
e Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra (2019); Professor Convidado na Pós-Graduação da
Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE; Advogado.

RESUMO: Em nosso dia a dia, certas condutas humanas praticadas, embora re-
vestidas de normalidade, contribuem para o crime. Tratam-se de ações “neutras”,
pois mesmo que integrem o curso do delito, não são manifestamente puníveis.
Por apresentar, de algum modo, uma conexão com o delito, é preciso estabelecer
os limites da participação criminal, delimitando quando se inicia uma conduta
passível de punição e em que ponto se interrompe o nexo de causalidade e, a
partir daí, considerar quais são ou não as ações criminosas. Por muito tempo,
o enfrentamento da questão se apoiou no Princípio da Insignificância, da Ade-
quação Social e na Proibição ao Regresso. Atualmente, o assunto tem recebido
a atenção e diversas concepções da doutrina jurídico-penal, sendo de grande
importância para o Direito Penal; afinal, é um estudo que diz respeito sobre o
que o Direito valoriza para si.

PALAVRAS-CHAVE: Ações Neutras. Relação Causal. Cumplicidade. Partici-


pação Criminal.

SUMÁRIO: Introdução. 1 Ações Neutras: Origem e Complexidade do Tema;


1.1 O Despertar da Discussão; 1.2 Propostas Iniciais de Enfrentamento; 1.2.1
O Princípio da Adequação Social; 1.2.2 O Princípio da Insignificância; 1.2.3 A
Proibição do Regresso. 2 Análise e Identificação das Ações Neutras; 2.1 Definição
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96

e Aspectos Gerais; 2.2 O Enigma da Relação Causal; 2.2.1 Teoria da Equivalência


das Condições; 2.2.2 Teoria da Causalidade Adequada; 2.2.3 A Relevância Típica
e a Teoria da Imputação Objetiva do Resultado; 2.3 Os Primeiros Alicerces:
a Teoria da Imputação Objetiva. 3 Posições Doutrinárias sobre os Limites da
Responsabilidade pela Participação no Delito; 3.1 Posicionamento de Günther
Jakobs; 3.2 Entendimento de Claus Roxin; 3.3 Tese de Schumann. Conclusão.
Referências Bibliográficas.

Introdução
No cotidiano da sociedade, ações completamente normais favorecem
a prática de delitos, muitas vezes, sem que se perceba esse fenômeno, sendo,
em alguns casos, imputada a responsabilidade criminal.
Este artigo, portanto, visa um breve estudo da possibilidade do Direito
Penal reconhecer certas ações como neutras, bem como compreender a sua
essência e fornecer alguns critérios, contribuindo, assim, para o fortalecimento
de um sistema penal justo e seguro que olha para a realidade e, ao mesmo
tempo, protege seus bens jurídicos.

1 Ações Neutras: Origem e Complexidade do Tema


1.1 O Despertar da Discussão
As ações neutras foram inicialmente identificadas em 1840 pelo proces-
sualista austríaco Joseph Kitka, com base no seguinte exemplo: duas pessoas
negociam a compra e venda de um revólver. De um lado, o comprador ma-
nifesta ao vendedor que sua intenção é utilizar a arma para matar alguém. De
outro, o vendedor, mesmo ciente do intuito criminoso do comprador, alerta
que somente lhe importa a venda da arma, pela qual resultaria lucro ao seu
negócio1.
Assim, o referido autor entendia que não caberia imputação penal
àquele que, por sua ação neutra, embora na condição de participante, não tem
a intenção de contribuir para o delito. Com efeito, em 1904, a jurisprudência
alemã inaugura seus trabalhos com a ideia da “vontade de promover a ação”
(Tatförderungswille) compreendida como somente ser possível configurar a
responsabilidade do partícipe se, além de deter conhecimentos dos objetivos
pretendidos pelo agente, sua participação tiver sido orientada pela consciência
e determinação de promover a ação criminosa2.

1 SCHORSCHER, Vivian Cristina. A criminalização da lavagem de dinheiro: críticas penais. (Tese de Doutorado em
Direito). Faculdade de Direito da USP, São Paulo: 2012. p. 125-126.
2 Idem, p. 126.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 97

O termo “ações externamente neutras”, adverte Marcus Wohlleben3,


veio propriamente à tona em 23.01.85 através de um acórdão proferido pela
Corte Suprema alemã (Bundesgerichtshof), que chamou de neutras as ações de
cumplicidade dos empregados de uma empresa, que colaboraram, internamen-
te e com certa proximidade, com o proprietário em crime de sonegação fiscal.
A partir daí o assunto recebeu muita atenção da doutrina jurídico-penal,
especialmente na Alemanha, em razão das ações neutras tratarem-se de simples
ações do cotidiano, mas que de alguma forma, propiciavam a prática do delito,
sendo iminente esclarecer quais condutas poderiam ser punidas e, ao mesmo
tempo, quais os limites e fundamentos da participação criminal.

1.2 Propostas Iniciais de Enfrentamento


Há que há tempos os penalistas enfrentam a problemática das ações
neutras, não exatamente sob essa denominação, mas no que se refere à parti-
cipação criminosa na forma de ações cotidianas, mobilizando-se para definir
critérios limitadores da aplicação da normal penal4.
Nesses casos, era comum os estudiosos recorrerem a princípios como
da adequação social, da insignificância e à proibição do regresso5.

1.2.1 O Princípio da Adequação Social


O princípio da adequação social, concebido por Hans Welzel, em 1939,
diz respeito a determinadas condutas que não são consideradas criminosas
por se apresentarem como socialmente adequadas e, portanto, são desprovidas
de tipicidade6.
Nesse princípio, embora formalmente haja subsunção da conduta à
descrição da lei, não será típica, uma vez socialmente adequada.
Em um primeiro momento, a adequação social requer uma ponderação
entre valor e o interesse que desperta certa atividade social, bem como os
riscos que advém dela, cuja análise compete ao legislador. Em um segundo
momento, é realizada novamente uma ponderação de valores, porém, dessa
vez, pelo operador do Direito, que analisa se o risco permitido, ainda que não

3 Beihilfe durch äusserlich neutrale Handlungen. München: Beck, 1996, p. 3. In: LOBATO, José Danilo Tavares.
Teoria geral da participação criminal e ações neutras: uma questão única de imputação objetiva. Curitiba: Juruá, 2010. p.
11.
4 RASSI, João Daniel. Imputação das ações neutras e o dever de solidariedade no direito penal brasileiro. 1. ed. São Paulo: LiberArs,
2014. p. 34.
5 LOBATO, José Danilo Tavares. Teoria geral da participação criminal e ações neutras: uma questão única de imputação
objetiva. Curitiba: Juruá, 2010. p. 31.
6 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. p. 49.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
98

expresso em lei, autoriza a prática de condutas dolosamente típicas, condicio-


nadas à estrita necessidade7.
Portanto, as ações socialmente adequadas, muito embora não sejam
exemplares, se enquadram nos limites da esfera de liberdade de atuação. Logo,
é difícil a tarefa de fixar seus limites.
Welzel defende que a ação somente pode ter significado social à base da
concepção finalista, ou seja, mediante a referência final de um determinado
resultado pretendido pelo sujeito é que se poderia definir o que seria uma
ação. Logo, critica a doutrina da ação causal, no sentido de que não é possível
obter um conceito social da ação se baseada apenas como um ato voluntário
que cause modificação no mundo exterior8.
À vista disso, as condutas socialmente adequadas muito se aproximam às
ações neutras, embora são distintas. Para ilustrar a semelhança e diferenciação,
Luís Greco cita como exemplo de ação neutra a venda de bebida alcoólica
pelo dono de um restaurante para o seu cliente que, após deixar o estabeleci-
mento, conduz seu veículo embriagado e causa acidente, ocasionando lesão
ou morte às vítimas9.

1.2.2 O Princípio da Insignificância


Por sua vez, o princípio da insignificância, partindo de Claus Roxin em
1964 , exclui a tipicidade de condutas que, apesar de apresentarem tipicidade
10

legal, se enquadrando formalmente na lei penal, não ofendem substancial-


mente o bem jurídico tutelado, não são materialmente lesivas.
O princípio da insignificância ou da bagatela opera como excludente
de tipicidade penal, em sua faceta material, pois mesmo que as condutas se
amoldem ao tipo penal, não estão providas de relevância material.
Esse princípio clama comedimento e responsabilidade, competindo
ao legislador eleger quais bens jurídicos necessitam de tutela e, ao intérprete,
avaliar atentamente a extensão do dano que recaiu sobre o bem, e daí concluir
pela imprescindibilidade ou não de punição11.

7 PONTE, Antonio Carlos da. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 82.
8 WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução a doutrina da ação finalista. São Paulo: RT, 2001. p.
36.
9 GRECO, Luís. Cumplicidade através das ações neutras: a imputação objetiva na participação. Rio de Janeiro: Renovar,
2004. p. 22.
10 BITENCOURT, Cezar Roberto, op. cit., p. 55.
11 PONTE, Antonio Carlos da. Crimes eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 79.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 99

Com efeito, segundo Antonio Carlos da Ponte12, esse princípio entra


em ação se constatado no caso específico a mínima ofensividade da ação, a
inexpressividade da lesão causada, a inexistência de periculosidade da ação e
o reduzido grau de reprovabilidade de conduta.
Desse modo, o referido preceito auxilia na solução das ações neutras
em razão de sua imprecisão e por não ser aplicável em se tratando de bens
jurídicos relevantes como a vida13.

1.2.3 A Proibição do Regresso


Em sequência, Günther Jakobs, ao definir a proibição do regresso,
parte da ideia de que não interessa se o cidadão quis ou não praticar o ato,
mas importa o seu comportamento que cause um resultado, pelo qual há de
ser responsabilizado14.
Sendo assim, as ações cotidianas que precedem as ações do autor do
delito seriam a princípio inofensivas, porque o interveniente está apenas
cumprindo o seu papel comum, não importando se ele tem ciência ou não
das intenções criminosas do autor do delito, já que este praticaria o delito
independentemente da atuação daquele.
Se, à guisa de exemplo de proibição de regresso, um padeiro que vende
um bolo que posteriormente é envenenado por um homicida que o utiliza
para matar outrem, mesmo que conhecesse a finalidade ilícita do autor, não
responderia pela infração, eis que a atividade de vender o bolo consiste na
realização comum de seu papel de padeiro, de modo que vedar a contribuição
do padeiro na venda do bolo não evitaria a conduta do homicida que poderia
sem nenhum esforço obtê-lo de outra forma15.
Em suma, na visão do Jakobs, as condutas cotidianas tratam, em geral,
de comportamentos inócuos, porque apenas cumprem seu papel social e,
portanto, não constituem participação em uma atividade criminosa.
No entanto, a crítica que se faz a esse pensamento reside no fato de que
o conhecimento do contribuinte não cinde o nexo da imputação, condição esta
que seria necessária para se dizer quais condutas são neutras ou não. Portan-
to, mesmo socorrendo-se da proibição de regresso, ainda assim as condutas
neutras seguem indefinidas.

12 Idem, ibidem.
13 GRECO, Luís. Op. cit., p. 70.
14 JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no direito penal. Trad. André Luís Callegari. São Paulo: RT, 2000. p. 14.
15 STIVANELLO, Gilbert Uzêda. Teoria da imputação objetiva. Revista CEJ, Brasília, n. 22, jul./set. 2003, p. 74.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
100

É nesse contexto que a doutrina vem se mobilizando para estabelecer


critérios e demarcar em que medidas certas condutas constituiriam ou não
uma participação no delito e quais caracteres mínimos devem possuir para
formar uma culpabilidade punível.

2 Análise e Identificação das Ações Neutras

2.1 Definição e Aspectos Gerais


Um dos pioneiros no Brasil a tratar sobre as ações neutras foi Luís
Greco que conceituou-as como “aquelas contribuições a fato ilícito alheio
que, à primeira vista, pareçam completamente normais (...). Tratam-se de
contribuições a fato ilícito alheio não manifestamente puníveis”16.
Por seu turno, João Daniel Rassi, sob uma perspectiva mais abrangente,
destaca que a conduta neutra pode ser compreendida como ação rotineira
própria do exercício profissional ou funcional, dentro de um risco permitido,
e que seja utilizada para a prática de infração penal alheia17.
A responsabilidade da conduta cotidiana é avaliada desde um aspecto
externo ou objetivo e interno ou subjetivo. Em um viés objetivo, as condutas
neutras são consideradas em si inócuas e intercambiáveis. Inócuas, porque se
executam seguindo um padrão ou estereótipo de negócios normais de vida
cotidiana e, quando se trata de uma indireta causação de resultado, entre esta
e a produção do resultado, se interpõe um segundo sujeito que transforma a
contribuição até o crime, circunstância particular essencial dessas hipóteses.
Com efeito, nas condutas neutras, existe a chance de se deparar com
condutas diretamente causadoras de resultado ou que indiretamente favore-
çam o plano do autor.
Sob o ponto de vista interno, a conduta neutra é verificada no elemen-
to subjetivo do agente, se ele tem conhecimento de que sua ação cotidiana
conduzirá a um resultado delituoso, ou melhor dizendo, a ciência do uso
posterior delitivo que o terceiro fará da sua contribuição18. É nesse momento
que se confere a fundo a aparência de ilicitude da conduta.
João Daniel Rassi cita, à guisa de exemplo, o empregado de uma indús-
tria, que tem por função apenas abrir e fechar as comportas que permitem o
envio dos resíduos até o rio, sem ter que verificar a composição dos resíduos

16 Op. cit., p. 110.


17 Op. cit., p. 29.
18 Op. cit., p. 32-33.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 101

– cuja tarefa é de seu colega de produção. No entanto, se sabendo que os


resíduos contêm produtos tóxicos poluidores do meio ambiente nos termos
da legislação e, mesmo assim, abre as comportas como sempre faz, a aparência
externa da licitude se une à aparência interna da antijuridicidade, tratando-se
de uma conduta neutra de causação direta de resultado.
Finalmente, um dos pontos marcantes das ações neutras é a sua ubi-
quidade, pois ocorrem a qualquer hora, em qualquer lugar, perpetrada por
qualquer pessoa.
Como se vê, as ações neutras envolvem o campo da cumplicidade –
que por sua parte já traz distintas situações – e exige critérios precisos para
definir até que passo podem adentrar no tipo da ação sem alcançar a pretensão
subjetiva da ilicitude, tendo, assim, seu reconhecimento pelo Direito Penal19.

2.2 O Enigma da Relação Causal


O primeiro pressuposto para separar as ações criminosas das neutras
está em determinar quando uma ação é causa de um resultado.
O conceito de ação foi cuidado por duas grandes teorias: causal-natura-
lista e a finalista20, a que não se pretende, em hipótese alguma, simplesmente
optar por uma delas como ponto de partida de identificação das ações neu-
tras. Pelo contrário, o objetivo é ajustar as condutas neutras no âmbito penal,
subordinando elas às discussões gerais e à própria análise da sistemática da
teoria jurídica do delito.
Toda ação humana perpetrada emprega um processo causal, de natu-
reza ontológica. Essa relação causal é resultante de causas existentes em cada
momento21. Consiste, portanto, nada mais que uma série de acontecimentos
no mundo real subsequentes à ação.
Na teoria causal-naturalista, a ação é mero impulso causal desencadeado
por um ato voluntário22, em que a vontade desempenha um papel secundário
no acontecimento. A atividade do agente, portanto, é mecânica23, enquanto
a causalidade é cega.

19 BUSATO, Paulo César. A evolução dos fundamentos da teoria do delito. 2012. Disponível em: <http://www.gnmp.com.
br/publicacao/156/a-evolucao-dos-fundamentos-da-teoria-do-delito>. Acesso em: 12 set. 2017. p. 333.
20 WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. São Paulo: RT, 2001. p.
27 e 36.
21 Idem, p. 27.
22 Idem, p. 36.
23 TAVARES, Juarez. Direito penal da negligência. São Paulo: RT, 1985. p. 16.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
102

Em contramão, na teoria finalista, defende e explica Hans Welzel, a


ação é um exercício de uma atividade final, um acontecimento final e não
puramente causal. A ação, desde o início, é uma atividade consciente, sendo
capaz o agente de prever as consequências de sua intervenção no curso causal,
e assim, por sua vontade, dirige seus atos de modo a orientar esse suceder
causal externo, dominando-o até a consecução de seus fins24.
De certa forma, há concordância entre causalistas e finalistas no que se
refere à ação enquanto conceito ontológico para fins de elaboração do sistema
de imputação. A discussão está no conceito natural de ação, em que consiste
a mencionada ação25.
Apesar das teorias partirem de concepções distintas, ambas reconhecem
certamente que um processo causal sucede à ação e vai até o resultado delitivo.
Desse modo, a causalidade pode se apresentar como o momento preciso para
o Direito reconhecer as ações neutras.
Para explicar quando uma ação é causa de um resultado, destacam-se
três teorias: a) teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non); b)
teoria da causalidade adequada; e c) teoria da imputação objetiva de resultado.

2.2.1 Teoria da Equivalência das Condições


Na teoria da equivalência das condições, criada por Glaser e sistematiza-
da por Von Buri, causa é a condição sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Não há distinção entre causa e condição26.
Tudo que concorre para o resultado é causa dele, sendo decisivo que
sem essa condição o resultado não poderia ocorrer como ocorreu27. Utiliza-se
um juízo hipotético de eliminação, ou seja, se ao excluir determinada ação,
o resultado permanece, então não há relação de causalidade entre a conduta
e o efeito.

2.2.2 Teoria da Causalidade Adequada


Pela teoria da causalidade adequada, causa é a condição mais adequada
para produzir um resultado. Aplica-se um juízo de possibilidade ou proba-
bilidade à relação causal28.

24 WELZEL, Hans. Op. cit., p. 27-28.


25 BUSATO, Paulo César. A evolução dos fundamentos da teoria do delito. 2012. Disponível em: <http://www.gnmp.com.
br/publicacao/156/a-evolucao-dos-fundamentos-da-teoria-do-delito>. Acesso em: 12 set. 2017.
26 PRADO, Luiz Regis. A imputação objetiva no direito penal brasileiro. RT Online. Ciência Penais, v. 3, p. 81, jul. 2005.
27 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 325.
28 PRADO, Luiz Regis, op. cit., p. 326.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 103

O problema está em assentar se, através da experiência da vida, o fato


conduz normalmente a um resultado dessa índole e, então, se esse resultado
é consequência normal, provável, previsível daquela manifestação de vontade.
Como solução, Von Kries sugeriu que o grau de probabilidade se apu-
rasse segundo a previsibilidade do próprio agente, porém, em assim sendo, a
causalidade confunde-se com a culpabilidade29.

2.2.3 A Relevância Típica e a Teoria da Imputação Objetiva do


Resultado
Edmund Mezger redirecionou a teoria da causalidade adequada para
a teoria da adequação típica, a fim de separar a causação da imputação de
resultado.
Assim, a orientação é que a causação do resultado mantenha-se na teoria
da equivalência das condições, enquanto a imputação do resultado, seja apoiada
na relevância jurídica da causalidade, isto é, se está adequada ao tipo penal30.
Mezger estava muito além do seu tempo ao aferir a causalidade em
dois planos, porque valorizava tanto a causalidade natural quanto a realidade
social, contribuindo significativamente para dogmática jurídico-penal que se
desafia a aperfeiçoar critérios delimitadores de tipicidade.
Sobre esse pensamento na atualidade, nas palavras de Juarez Tavares
(1985, p. 153-154):

“Adota-se, portanto, no próprio Código Penal conceito complexo de


causalidade, compreendendo tanto a causalidade natural como a típica.
Evidentemente, a causalidade típica se afasta dos princípios e critérios
propostos nas ciências naturais ou empíricas, para se incluir nas ciências
hermenêuticas ou de interpretação. Para possibilitar melhor visualização do
problema, podemos estabelecer, desde logo, distinção terminológica e de
conteúdo dessas duas formas de causalidade. Denominamos a causalidade
natural simplesmente de ‘causalidade’; à causalidade típica, atribuímos a
designação de ‘imputação objetiva do resultado. Esta distinção tem cabi-
mento não só pela interpretação efetuada no art. 13 do Código Penal, como,
principalmente, porque corresponde à metodologia proposta na teoria do
delito, de considerar a ação, em primeiro plano, no sentido ontológico e,
depois, no sentido jurídico, dentro do tipo do injusto respectivo. Mesmo
no tipo de injusto, análise da conduta tem que se basear nos dados comuns,
configuradores da conduta humano-social, segundo a acepção ontológica

29 BRUNO, Aníbal, op. cit., p. 325-326.


30 PRAZAK, Maurício Ávila. Imputação objetiva e sua aplicação no direito penal brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2009. p. 36-37.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
104

e mediante agregação e necessária suplementação dos valores incidentes


sobre o fato, previstos e disciplinados em cada espécie de delito (tipo).”

Através dessa teoria da relevância típica se desenvolveu a teoria da impu-


tação objetiva do resultado, que consiste, portanto, em um critério normativo-
restritivo da causalidade natural, incidindo um juízo de imputação objetiva
do resultado, não imputando todo resultado causado à conduta do agente31.
A teoria da imputação objetiva do resultado fundamenta-se no incre-
mento do risco e no fim de proteção da norma e que assim inspirou a própria
teoria da imputação objetiva. Sua ideia é adotar um conceito jurídico sobre
um conceito natural (pré-jurídico) de ação.
Pelo viés do plano de imputação, uma vez verificada a relação causal,
avança-se à etapa do exame das condições, avaliando quais delas desencade-
aram no resultado típico, e porventura importam ao Direito Penal. E essa
delimitação da relevância ou não das condições é realizada conforme uma
análise minuciosa do sentido do tipo legal32.
Em uma síntese geral, bem explica Luiz Regis Prado (2005, p. 10-11):

“Para melhor entender essa problemática, admite-se a existência de dois


momentos diferentes. De início, é preciso reconhecer que a causalidade
como tal existe fora do pensamento, isto é, existe com independência de
que seja conhecida ou não. A relação de causalidade é um dado que se
encontra na natureza, e não no indivíduo. As relações de causalidade não
podem depender do conhecimento individual do ser humano: existem ou
não existem, hoje podem ser desconhecidas, mas amanhã é bem possível
que uma determinada relação causal ingresse no âmbito do conhecimento
humano. O certo é que a relação de causalidade é algo que pertence ao
mundo real, do ser, e mesmo que o sujeito não conheça uma determinada
relação causal, isso não significa que a esta deva ser negada como algo
inexistente. Não obstante, embora um determinado resultado possa ser
o produto de várias causas, no plano normativo – e não no plano ontoló-
gico – é bem possível realizar uma limitação dessa relação causal. Isso é
feito precisamente no âmbito do tipo penal, que seleciona os fragmentos
relevantes da realidade. O juízo de previsibilidade objetiva – defendido
pela teoria da causalidade adequada –, nessa linha, é um juízo de seleção.
Através dele são eliminadas as relações de causalidade existentes da esfera
do tipo. Só serão típicas as relações de causalidade quando objetivamente
previsíveis. A relação de causalidade não deixa de existir como dado do
ser, da realidade, e o fato não será típico. Portanto, é preciso distinguir a

31 PRADO, Luiz Regis. Op. cit., 2005, p. 326.


32 PRAZAK, Maurício Ávila. Op. cit., 2009, p. 38.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 105

causalidade enquanto categoria ontológica (plano do ser), da causalidade


jurídico-penalmente relevante (plano do dever-ser).”

Merece destaque também o que afirma Paulo César Busato (2013, p.


333-334):

“Hoje em dia, se há um consenso doutrinário, ele reside exatamente na


superação das bases ontológicas da teoria do delito. Isto possui especial
relevância no plano do tipo objetivo, uma vez que se impôs a teoria da im-
putação objetiva, até o ponto de que não se aceita mais uma ideia de teoria
da causalidade como suficiente para imputar objetivamente um resultado
típico, exigindo-se, ao menos, o complemento com critérios normativos
de imputação, ficando por discutir simplesmente a aceitação ou não de al-
guma importância para a causalidade. A questão, portanto, não é mais uma
superação da ideia de causalidade adequada, mas, sim, saber se efetivamente
é possível o traslado da ideia de ações neutras para o campo da imputação
objetiva, com a ampliação dos casos de sua aplicação, bem assim, se o crité-
rio oferece alguma vantagem em relação aos demais critérios de imputação
objetiva no que refere à atribuição de responsabilidade ao cúmplice.”

Nesse contexto, é de se considerar que determinadas ações podem


ser reconhecidas como neutras pelo Direito Penal a partir do contexto da
relevância jurídica da causalidade. Muito embora ações lícitas são causas de
um resultado delitivo, não necessariamente obrigam imputação, bastando
analisar se a causalidade está próxima ou distante do tipo penal que guarda o
comportamento proibido e o próprio fim de proteção da norma, se relevante
ao Direito Penal e se de acordo com seu próprio sentido.
Como diz Luís Greco (2000, p. 2): “(...) o direito, como sistema de
valores, nada tem a fazer com categorias avaloradas. O fato, por exemplo, de
a causa ser a ação sem a qual o resultado não teria ocorrido não implica em
que o direito penal se contente com a causalidade para imputar ao autor um
delito consumado”.
Essa é a verdadeira essência do Direito Penal. Ir à luta, questionar-se.
O reconhecimento da neutralidade de certas ações frente ao percurso de um
delito que é composto por diversas condutas sucedidas pela causalidade até
desembocar em um resultado delitivo, requer do Direito Penal que se desafie
e se confronte, sobre o que realmente quer se imputar.

2.3 Os Primeiros Alicerces: a Teoria da Imputação Objetiva


Muitos estudos desenvolvidos para explicar o fenômeno das ações
neutras tiveram como ponto de partida a Teoria da Imputação Objetiva, o que
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
106

possibilitou à doutrina jurídico-penal encontrar alguns fundamentos. Como


ressaltou anteriormente Busato, superada a questão da causalidade, importa
a tentativa de se analisar as ações neutras na esfera da teoria da imputação
objetiva, entre seus critérios, e se possível, uma ampliação.
A Teoria da Imputação Objetiva teve como precursor Claus Roxin na
década de 1970, na obra Reflexões sobre a Problemática da Imputação em Direito
Penal, que em linhas gerais pode ser compreendida como a atribuição a alguém
pela prática de uma conduta que satisfaz as exigências objetivas necessárias à
caracterização típica33.
Claus Roxin acorrenta a imputação objetiva ao princípio do risco e
explica no âmbito do Direito Penal que a ação cria um risco desaprovado pelo
direito acarretando em um resultado típico. Isso quer dizer que o resultado
acaba sendo atribuído ao sujeito quando ele cria um risco não juridicamente
permitido, porque esse risco se concretiza no resultado do qual se encontra
dentro do alcance do tipo34.
Percebe-se, portanto, que interessa antes o nexo de causalidade e so-
mente depois, o dolo e a culpa. São quatro os critérios empregados pelo jurista:
1) diminuição do risco; 2) criação ou não criação de um risco juridicamente
relevante; 3) incremento do risco; e 4) âmbito de proteção da norma.
Com base em exemplos para ilustrar a Teoria da Imputação Objetiva,
Roxin esclarece que se alguém altera o curso causal de uma ação de tal ma-
35

neira que reduza ou diminua o perigo já existente para a vítima, exclui-se a


imputação. Supõe-se que um agente atira na vítima e um terceiro intercepta
afastando o tiro, provocando um resultado menor. Esse terceiro, por diminuir o
risco, a ele não deve ser imputado o crime. De outro lado, se fosse considerado
o nexo de causalidade, esse terceiro poderia ser punido, claro que, procederia
ainda à análise das causas de justificação.
Tal fenômeno é chamado de “prognose póstuma objetiva”, em que não se
examina o dolo, mas a situação posta em risco. O julgador investigará a situação
do agente no momento da conduta, partindo da concepção do homem médio.
Na criação ou não criação de um risco juridicamente relevante, Roxin36
aduz que a imputação é afastada do tipo objetivo quando o agente não diminuiu

33 ROXIN, Claus. Imputação objetiva. Belo Horizonte: Mandamento, 2002. p. 13-14.


34 CALLEGARI, André Luís. Imputação objetiva: lavagem de dinheiro e outros temas do direito penal. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2004. p. 33.
35 Idem, p. 38.
36 ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general – fundamentos de la estructura de la teoría del delito. Trad. Diego
Manoel Luzón Pena, Miguel Dias, Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Editorial Civitas, 1997.
v. 1. p. 373.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 107

o risco de lesão ao bem jurídico e ao mesmo tempo não o aumentou de modo


juridicamente considerável. No entanto, se o agente detém conhecimentos
especiais do fato, permanece a imputação.
Para ilustrar esse critério, o sobrinho que conduz o tio ao bosque es-
perando que este seja atingido por um raio na cabeça com intuito de receber
a herança. O resultado não será imputado ao sobrinho, porque ele não tem
o domínio do processo causal, não o controla e não pode evitar o resultado.
Por outro lado, se o sobrinho embarca o tio em um avião que sabe que
porta uma bomba, o resultado será imputado, em razão do conhecimento
especial. Entretanto, critica-se o conhecimento especial, pois, em tese, não
se escaparia de uma avaliação de um elemento subjetivo, o que é inaceitável
no campo da imputação objetiva.
Por sua vez, o fundamento da teoria do incremento do risco reside na
assertiva de que “a finalidade de proteção da norma de cuidado existe para
reduzir o perigo de lesão ao bem jurídico, quando a conduta ultrapassou a me-
dida do risco permitido”37. Assim, se uma conduta transgressora da norma de
cuidado comparada com uma conduta alternativa apropriada aumenta o risco,
o resultado causado será imputado, porque incompatível com a finalidade da
norma quando, possivelmente, a conduta alternativa causaria um menor risco.
A título de exemplo, Claus Roxin faz referência à sentença do Tribunal
Constitucional Federal da Alemanha em que um motorista de caminhão ao
ultrapassar um ciclista não guarda a distância legal do mesmo, e o ciclista,
alcoolizado, gira a bicicleta e cai sob as rodas do caminhão. Entende-se, a
princípio, que o acidente aconteceria mesmo que o caminhão respeitasse as
normas de trânsito de distância mínima de ultrapassagem, porém, na con-
cepção de Roxin, o resultado é imputado, porque a condução adequada do
caminhoneiro poderia mitigar o resultado.
Em contrapartida, no âmbito de proteção da norma, somente danos
diretos seriam abarcados, não aplicando a imputação objetiva se o resultado
não é o objetivo de cuidado da norma. Veja: na Alemanha, o ciclista é obrigado
a trafegar com a luz acesa. Se um caminhão ao deparar com um ciclista que
trafega de luz apagada, rapidamente desvia e atinge outro ciclista, ao primeiro
ciclista, segundo Roxin, o resultado se imputa, porque o objetivo da norma
ao determinar que os ciclistas trafeguem de lanterna acesa é para protegê-los
da colisão de outros ciclistas.

37 CALLEGARI, André Luís. Op. cit., p. 51.


Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
108

Em suma, são as considerações sobre a Teoria da Imputação Objetiva


da Alemanha, observando que, não foi adotada pelo sistema penal brasileiro.
Contudo, seus critérios são valiosos para o reconhecimento das ações neutras
e podem ser considerados de acordo com a ótica de diversas correntes dou-
trinárias estudadas a seguir.

3 Posições Doutrinárias sobre os Limites da Responsabilidade pela


Participação no Delito
Tratando-se de definir ou delimitar uma imputação penal, as ações
neutras revelam-se como um freio para a punibilidade do interveniente no
curso de um delito, evitando a sua responsabilidade criminal ou uma impu-
tação desmedida.
Claramente, a relevância penal das ações neutras incide na perspectiva
da participação criminal, pois se analisa a base da realização da contribuição
na fase prévia ao início da tentativa que facilita a execução de um crime alheio
mediante uma conduta neutra.
A questão central, como já dito, está no Direito Penal reconhecê-las.
A possibilidade de o Direito decidir o que é relevante na causalidade para
imputação, observando aspectos da imputação objetiva, mune a doutrina,
sob diversas concepções, embora numa tarefa difícil, em analisar – se possí-
vel criar – critérios capazes de identificar com razoável grau de certeza quais
contribuições para o delito efetivamente merecem o rótulo de neutras, e assim
justificar a (ir)responsabilidade penal38.

3.1 Posicionamento de Günther Jakobs


Günther Jakobs, influenciado por Hobbes e Kant, interpreta que as
pessoas têm um contrato social com o Estado e entende que a função do
Direito Penal é a confirmação da autoridade da norma, estimulando às espe-
ranças dos cidadãos a ideia de que a lei está em vigor e, logo, acima de tudo,
deve ser obedecida39.
Nessa linha, Jakobs desenvolve o sistema de imputação em torno da
segurança da norma baseada nas expectativas dos papéis sociais atribuídos a
cada membro da sociedade de que serão devidamente cumpridos.

38 BUSATO, Paulo César. Op. cit., p. 332.


39 JAKOBS, Günther. Fundamentos do direito penal. Trad. André Luís Callegari. São Paulo: RT, 2003. p. 13 e 113.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 109

E para construir um conceito jurídico-penal de ação, o referido autor


aduz que somente importa o comportamento do indivíduo que causa um
resultado pelo qual há de ser responsabilizado: “Mas qual é o grau mínimo
de ação que deve concorrer na hora de imputar ao indivíduo sua organização,
seu comportamento, e não sua mera existência? Utiliza-se aqui um conceito
estrito de responsabilidade pelo resultado, isto é, não o de responsabilidade
pelas consequências de atuar perigoso ou de um comportamento provavel-
mente culpável, e sim pela mera produção de um resultado” (2003, p. 49).
Dessa forma, Jakobs (2003, p. 58-59) parte da imputação objetiva,
não lhe interessando se o cidadão quis ou não praticar o ato, mas se o seu
comportamento causou um resultado pelo qual há de ser responsabilizado40:

“Ao contrário do que sugere o finalismo, na hora de combinar ser humano


e curso causal por meio da imputação para obter a ação humana, isso não
pode ser feito utilizando-se exclusivamente a antecipação psicológica indi-
vidual de cursos causais, nem tampouco pelo mero fato de que se conheça
a existência de tais acontecimentos psicológicos individuais que produzem
tal combinação: essa vinculação somente se obtém aplicando um esquema
de interpretação, e a configuração desse esquema deriva da construção da
sociedade, e não de uma compreensão exclusivamente individual. Essa
mesma constatação é conhecida na dogmática jurídico-penal recente sob
a denominação pouco expressiva de ‘imputação objetiva’, e o criador da
teoria final da ação, Welzel, realizou os trabalhos preparatórios com essa
matéria com sua teoria da adequação social.”

Quando se assenta na imputação objetiva, há uma supervalorização do


tipo objetivo frente ao tipo subjetivo. Tenta-se, de todo modo, cravar no tipo
objetivo a relevância jurídico-penal do fato sem depender do tipo subjetivo41.
Assim, na concepção de Jakobs, um cidadão que estiver cumprindo
seu papel que lhe cabe na relação social, eventualmente, se sua ação cotidiana
contribuiu para a prática de um crime, haverá exclusão de sua responsabilidade
logo no plano objetivo.
A ação desse agente será neutra, porque sua participação é somente
aparente, pois, na realidade, a contribuição desse cúmplice não promove o
rompimento de um rol, que é onde se funda a desaprovação jurídica42.
Na visão de Jakobs, há afastamento da responsabilidade por qualquer
contribuição ao delito quando o comportamento para o momento de sua

40 Op. cit., p. 14.


41 JAKOBS, Günther. Op. cit., p. 20.
42 BUSATO, Paulo César. Op. cit., p. 335.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
110

execução não depende em absoluto de que o executor continue a ação que


realiza o tipo.
Um taxista, por exemplo, ao levar um cliente a um local, não responde
pelo delito que comete o seu cliente, uma vez chegado ao seu destino, ainda
que tenha este anunciado suas intenções criminosas no caminho.
Isso, porque tais contribuições do taxista podem ser obtidas em qualquer
parte, isto é, o autor teria conseguido outro táxi que não estivesse presente o
suposto cúmplice, pelo que são contribuições essencialmente neutras43.
A proposta de Jakobs nesse sentido é interessante e perfeitamente em
harmonia com sua tese a respeito do sistema de imputação que visa acima de
tudo a preservação da estabilidade da norma com base nas expectativas e ob-
servação dos papéis desempenhados por cada cidadão dentro do rol social. No
entanto, como aduz Claus Roxin, “a evidente artificialidade de tal construção
e a indiferença que se mantém a respeito das consequências políticas criminais
de aplicação prática do sistema” dificulta o acolhimento dessa proposta44.

3.2 Entendimento de Claus Roxin


Defende Claus Roxin que tudo que houver contribuição para um
ataque acessório ao bem jurídico, dentro de um incremento causal do risco,
é considerado cumplicidade45.
Para o referido autor, estão sujeitas à imputação, no âmbito da partici-
pação, somente aquelas condutas que incrementam causalmente o risco da
ocorrência do resultado delitivo. Parte, assim, da Teoria da Imputação Objetiva
composta de critérios axiológicos, que adicionada a causalidade, concretiza
o tipo objetivo.
Logo, para Roxin, o exemplo citado do padeiro que simplesmente vende
um bolo a um cliente que irá acrescentar veneno para matar uma pessoa ou
um inquilino trata-se uma ação cotidiana e está excluída do plano de impu-
tação culposa. Nas palavras do autor, “las acciones cotidianas normales ya
son eliminadas por el criterio de la inclinación reconocible hacia el hecho”46.
Essa premissa inicial faz sentido, na Teoria da Imputação Objetiva, pelo
princípio da confiança, em que “todo aquele que atende adequadamente ao

43 JAKOBS, Günther. Op. cit., p. 62.


44 ROXIN, Claus. La evolución de la política criminal, el derecho penal y el proceso penal. In: BUSATO, Paulo César.
Op. cit., p. 338.
45 ¿Qué es la complicidad?. In: La teoría del delito en la discusión actual. Lima: Grijley, 2007, p. 556-558. In: BUSATO,
Paulo César, op. cit., p. 340.
46 ROXIN, Claus. La teoría del delito: en la discusión actual. Trad. Manuel Abanto Vásquez. Lima: Grijley, 2007. p. 139.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 111

cuidado objetivamente exigido, pode confiar que os demais coparticipantes


da mesma atividade também operem cuidadosamente”47.
Tem-se o princípio da confiança como exceção à regra da previsibili-
dade, que consiste à nossa esperança, no dia a dia, de que os terceiros agirão
conforme o Direito, não sendo preciso atentarmos a todo momento às falhas
em suas atitudes. Esse princípio conforta a fluência normal da prática das
atividades diárias pelos cidadãos no contexto social, que se tornaria um caos
se não pudéssemos esperar que todos executem seu trabalho corretamente.
De outro lado, se o contribuinte tem conhecimento sobre o plano
criminoso do autor, deixa sua ação de ser neutra:

“Lo contrario sólo puede suceder cuando el primer causante dispone de


un suficiente y concreto conocimiento especial pero entonces la acción
cotidiana pierde su carácter inofensivo y no es adecuada socialmente ni
está cubierta por el principio de confianza. Quien envía al cocinero un
condimento especialmente picante, pese a que un tercero le ha advertido
que éste sólo pretende disimular el sabor de la sopa envenenada por él,
debe ser penado por homicidio culposo – e tanto no se admita incluso el
dolo.” (2007, p. 139)

No entanto, no plano da imputação objetiva, o conhecimento do con-


tribuinte de que sua ação favorecerá a um delito em nada altera o curso frente
àquele que não tem esse conhecimento, porque a criação ou incremento do
risco na sua concepção torna-se relevante no momento da ação do autor do
delito e não na produção do resultado.
A imprecisão de Roxin e, de certa forma, ter de recorrer ao plano sub-
jetivo, contrariando até mesmo sua própria teoria, o tornou alvo de críticas
pela doutrina48.

3.3 Tese de Schumann


Do mesmo modo de Jakobs, Heribert Schumman concorda que não
se imputa a ação voltada tão somente para a rotina profissional cotidiana49.
Todavia, para explicar a cumplicidade, Schumman apud Rassi entende
que não se deve atribuir responsabilidade ao contribuinte pelo resultado do

47 TAVARES, Juarez. Op. cit., p. 313.


48 BUSATO, Paulo César. Op. cit., p. 344-345.
49 Strafrechtliches Handlungsunrecht und das Prinzip der Sebstverantworlung der Anderen. Tübingen: Mohr-Siebeck,
1986, p. 62. In: BUSATO, Paulo César. Op. cit., p. 339.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
112

autor do delito. Cria, assim, sua própria teoria, defendendo que o cúmplice,
na verdade, se solidariza com fato principal50.
Em sua concepção, há um desvalor do ato do cúmplice consistente em
uma solidariedade com o injusto alheio. A ação é considerada socialmente
lesiva, porque seu comportamento ignora os valores que revestem a ordem
jurídica, sendo inaceitável pela sociedade51.
Para a configuração da solidariedade, a contribuição do partícipe deve
se aproximar ao núcleo do tipo penal. Ainda assim, a teoria segue-se muito
imprecisa.
Como critica Paulo César Busato (2013, p. 339):

“Se a distância temporal entre o fato delitivo e a contribuição do cúmpli-


ce, se estaria fazendo a responsabilidade do partícipe depender de uma
aleatória decisão do autor a respeito de quando utilizar o instrumento que
lhe aportou cúmplice, o que não é, definitivamente, lógico. Em segundo
lugar, é pouco claro o que seja o favorecer aspectos nucleares do injusto. Se
estamos falando do núcleo do tipo, ou seja, o verbo, então o que empresta
a arma não é cúmplice do homicídio, por exemplo, o que tampouco parece
correto. Se a interpretação sobre o que é nuclear não significa isso, então,
seria preciso esclarecer o que se quer dizer.”

Por fim, superada está a questão que as atividades profissionais cotidianas


isoladamente sejam isentas de responsabilidade, visto que, potencialmente,
podem oferecer riscos e, em muitos casos, serem nocivas ao bem jurídico
tutelado pela lei penal.
Frente os posicionamentos acima, Luís Greco, que trouxe o assunto
sobre das ações neutras para o Brasil, tem uma visão mais condizente com a
realidade como proposta de solução. Para o reconhecimento das ações neutras,
Greco bem olha para a proteção do bem jurídico.
No plano legal, imputa-se somente o resultado ao contribuinte se sua
ação criou um risco juridicamente desaprovado, oferecendo perigo ao bem
jurídico tutelado, mediante avaliação em um juízo ex ante (prognose póstuma
objetiva). A conduta do potencial contribuinte, portanto, somente será perigosa
se, após análise do juiz, constar, partindo dos fatos conhecidos pelo homem
prudente no momento de sua ação, que ofereceu risco ao bem jurídico52.

50 RASSI, João Daniel. Op. cit., p. 93.


51 Idem, ibidem.
52 GRECO, Luís. Op. cit., p. 26.
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 113

Logo, uma ação é idônea se visa a proteção do bem jurídico, que será
analisada em concreto. Nas discussões anteriores, segundo Greco, não é
necessário que a não prática da ação proibida salve o bem jurídico, bastando
apenas que ela melhore de alguma forma a situação em que se encontra bem.
Daí o raciocínio sobre a relevância e valorização dessa ação, bastando que ela,
em não inexistindo, não piora a situação do bem-jurídico53.
Então, por exemplo, aquele que vende machados para terceiros que
usará como arma de um crime, não se enquadrará partícipe, porque este,
diante da negativa daquele, pode realizar a compra em outro estabelecimento.

Conclusão
Conclui-se que existem simples ações, inocentes, comuns, do cotidia-
no, que podem fazer parte do curso de um delito cometido por terceiros. Do
mesmo modo, tais ações podem dificultar a prática de uma infração penal.
O que caracteriza o reconhecimento de ações como neutras pelo Direito
Penal é seu caráter inofensivo. Do contrário, se esses comportamentos carac-
terizarem infrações penais, serão ações criminosas, logo, estarão abarcadas pela
tipicidade. Portanto, as ações neutras estão fora da lei penal e não têm o condão
de um dia se tornarem legislação. No momento em que uma ação neutra for
tipificada, significa que há reprovação do comportamento pelo ordenamento
por presença de índole criminosa, deixando ela então de ser neutra.
É possível que as ações neutras sejam reconhecidas pelo Direito Penal,
bastando que se observe alguns critérios para a sua identificação, de forma
que ofereça segurança na sua prática, afastando a hipótese de se recaírem na
cumplicidade e sujeição a uma responsabilidade criminal. Para tanto, é preciso
olhar a realidade, o ordenamento jurídico como um todo e o próprio Direito
Penal, seu sentido e sobre o que se quer imputar.
No Brasil, o art. 29 do Código Penal, que trata do concurso de pessoas,
prescreve possibilidades de participação muito amplas e permite a respon-
sabilidade abrangente de todos os que cooperam para a execução do delito
e, ao mesmo tempo, não fixa limite temporal para interrupção do nexo de
participação.
O norte inicial para o Direito Penal separar as ações criminosas das neu-
tras está na análise da ação enquanto causa para um resultado. Nesse contexto,
é de se considerar a ação, em um primeiro plano, no sentido ontológico e,
em um segundo plano, no sentido jurídico dentro do tipo do injusto penal.

53 RASSI, João Daniel. Op. cit., p. 101.


Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Doutrina
114

Mesmo que certas ações contribuam para um resultado delitivo não significa
uma obrigação de imputação penal. Nada impede ao Direito limitar a relação
causal, de se dizer o que é relevante, o que interessa à norma penal. Veja que
a relação de causalidade não deixa de se existir, apenas é submetida, em um
segundo momento, ao exame da relevância jurídica, se deve-se reprovar a
conduta ou não.
Assim, é imperioso ressaltar que as ações neutras não bem se comuni-
cam com a teoria da equivalência das condições ou da causalidade adequada,
destacando-se com mais propriedade a teoria da relevância típica da causali-
dade, que implica observar a causalidade se próxima ou distante da normal
penal que tipifica o comportamento proibido, o fim de zelo dessa norma, se
relevante ao Direito Penal e se de acordo com seu próprio sentido.
Em sequência, a Teoria da Imputação Objetiva fornece critérios im-
portantes como solução para as ações neutras. Como visto, há dificuldade de
reconhecê-las dentro dessa teoria que, de alguma forma, é falha, mas noto-
riamente tem um contexto interessante. Não obstante, no Brasil, se valoriza
os elementos subjetivos no percurso do crime.
Parece, assim, coerente, que a ação ganha o rótulo de neutra, no plano
da lei, se não criou ou incrementou um risco juridicamente desaprovado,
não oferecendo perigo ao bem jurídico protegido. E só se pode considerar
que houve a criação de um risco não permitido quando a recusa do potencial
contribuinte em realizar a ação, requerida pelo terceiro, dificulte de alguma
forma o cometimento da ação principal por ele. Isso quer dizer que se o
terceiro, que é agente do delito, puder conseguir uma mesma contribuição
de outra pessoa, a ação do potencial contribuinte é indiferente, logo, neutra.
No plano subjetivo, aquele cujo comportamento é neutro sob o viés
objetivo, passa a ter conhecimento de que sua ação contribuirá para o plano
criminoso do autor, após anunciada suas intenções delitivas, é evidente, de
acordo com uma leitura ordenamento jurídico-penal brasileiro, que há cum-
plicidade, não podendo, dentro de certas considerações, permanecer impune.
A princípio, por simples lógica sobre a essência do Direito, a finalidade
de proteger bens jurídicos, a manutenção da ordem social, o combate à cri-
minalidade e a luta pela justiça, não pode permitir ou admitir qualquer ato
que se coaduna com a ilicitude, que favoreça o crime.
Aquele que estiver diante de uma situação cujo comportamento, embora
completamente normal e de acordo com o Direito, tem ciência ou expres-
sivo grau de suspeita, de que estará contribuindo a um crime, deve, dentro
do possível, afastar sua ação, melhor dizendo, recuar ou recusar, desde que
Doutrina – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 115

não ofereça riscos a si mesmo. Do contrário, estará solidarizando ao crime,


ou aceitando-o, ou até se omitindo (no sentido de nada a fazer a respeito de
sua ação).
Seja qualquer o aspecto que se quer enxergar, o fato é que estaríamos,
de certa forma, de uma concordância com o crime. E, nesse plano subjetivo,
diante dessa situação, é possível recorrer a critérios utilizados nos delitos
omissivos pelo ordenamento jurídico brasileiro – a possibilidade de se evitar
o resultado ou impedi-lo, sem que ofereça riscos a si mesmo. Implica-se,
de certa maneira, um dever de cuidado, diante do conhecimento da futura
ilicitude, de como já exposto, não é necessário que a abstenção da ação salve
o bem jurídico, bastando apenas que ela melhore de alguma forma a situação
em que se encontra o bem.
Essa é a consciência que deve o Direito valorizar – o momento em que
o cidadão dentro de sua ação objetivamente neutra, ao tomar conhecimento
do uso dela por terceiros para a prática do delito, se abster de realizá-la ou
agir – se não oferecer riscos a si – para se evitar o resultado delitivo, pois,
assim, não estará piorando a situação do bem jurídico ou, ao menos, estará
movimentando-se para salvar o bem, agindo de acordo com o Direito, ma-
nifestando sua indignação com o crime.

TITLE: Neutral action in criminal law.

ABSTRACT: In our day-to-day life, certain human behaviors practiced, although clothed with normality,
contribute to crime. These are “neutral” actions, because even if they integrate the course of the crime,
they are not manifestly punishable. Because it has somehow a connection with crime, it is necessary to
establish the limits of criminal participation, delimiting when a punishable conduct is initiated and at which
point the causal link is interrupted and, from there, to consider which are or not criminal actions. For a
long time, the issue was based on the Principle of Insignificance, Social Suitability and the Prohibition
of Return. Currently, the subject has received the attention and diverse conceptions of the legal-penal
doctrine, being of great importance for the Criminal Law, after all, it is a study that concerns what the
Law values for itself.

KEYWORDS: Neutral Actions. Causal Relationship. Complicity. Criminal Participation.

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Recebido em: 22.05.2019


Aprovado em: 16.07.2019
Jurisprudência

Supremo Tribunal Federal


AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS Nº 145.308 PARAÍBA
RELATORA: MINISTRA ROSA WEBER

Exploração Clandestina de Telecomunicação.


Art. 183 da Lei nº 9.472/97. Serviço de Internet.
Crime Formal. Tipicidade
1. A transmissão clandestina de sinal de internet configura o delito
previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97, que é crime formal, e como
tal, prescinde de comprovação de prejuízo para sua consumação. Pre-
cedentes.
2. Orientação reafirmada por este Supremo Tribunal Federal, com a
superação do precedente HC 127.978/PB, e pelo Superior Tribunal de
Justiça, com a edição da Súmula nº 606 de sua jurisprudência.
3. Agravo regimental conhecido e não provido.
(STF; HC-AgR 145.308; PB; 1ª T.; Relª Minª Rosa Weber; DJE
10/10/2019; p. 43)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do
Supremo Tribunal Federal em conhecer do agravo e negar-lhe provimento,
nos termos do voto da Relatora e por maioria de votos, vencido o Ministro
Marco Aurélio, em sessão virtual da Primeira Turma, de 20 a 26 de setembro
de 2019, na conformidade da ata do julgamento.
Brasília, 27 de setembro de 2019.
Ministra Rosa Weber – Relatora

RELATÓRIO
A Senhora Ministra Rosa Weber (Relatora): Trata-se de agravo regi-
mental interposto contra decisão em que neguei seguimento a habeas corpus
impetrado contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que negou provi-
mento ao agravo regimental no AREsp 1.063.923/PB.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
118

No presente agravo regimental, a Defesa repisa a tese de atipicidade da


conduta imputada ao Impetrante, de exploração de serviço de internet banda
larga, sem licença da Anatel, ao fundamento de que “a conduta de retrans-
missão de sinal de internet via rádio a terceiros configura prestação de serviço
de valor adicional, que é excluído expressamente da categoria de atividade de
telecomunicação”. Pede o provimento do recurso, com a concessão da ordem
de habeas corpus para absolver o réu da imputação da prática do crime previsto
no art. 183 da Lei nº 9.472/97, por atipicidade da conduta.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Subprocuradora-
Geral da República Cláudia Sampaio Marques, opina pelo não provimento
do agravo regimental.
É o relatório.

VOTO
A Senhora Ministra Rosa Weber (Relatora): O presente agravo regi-
mental objetiva rever decisão em que neguei seguimento ao writ aos seguintes
fundamentos:
“Extraio do ato dito coator:
‘PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ES-
PECIAL. CRIME DE TELECOMUNICAÇÕES. TRANSMISSÃO DE
SINAL DE INTERNET VIA RÁDIO. SERVIÇO DE VALOR ADICIO-
NADO. TIPICIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLI-
CABILIDADE. DELITO FORMAL E ABSTRATO. INÚMEROS PRE-
CEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça de que a prática
de serviço de radiodifusão clandestina, mesmo que de baixa potência e sem a
obrigatoriedade de autorização por parte do órgão regulador, como na hipó-
tese de serviço de valor adicionado (SVA), constitui delito formal de perigo
abstrato, o que afasta o reconhecimento da atipicidade material da conduta
pela aplicação do princípio da insignificância. Precedentes de ambas as Tur-
mas da Terceira Seção.
2. Agravo regimental improvido.’
Na hipótese, não detecto manifesta ilegalidade ou teratologia do ato apontado
como coator.
Quanto à tese defensiva de inviabilidade de reexame fático-probatório em
sede de recurso especial (Súmula nº 7/STJ), nada colhe o writ. A mera re-
valoração jurídica dos elementos de prova utilizados na apreciação dos fatos
pelo magistrado de primeiro grau não implica reexame do acervo fático-pro-
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 119

batório, porquanto meramente jurídica a questão de fundo. Precedente: HC


101.698/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 30.11.2011.
Por outro lado, na esteira do ato dito coator, ‘O desenvolvimento clandesti-
no de atividade de transmissão de sinal de internet, via rádio, comunicação
multimídia, sem a autorização do órgão regulador, caracteriza, por si só, o
tipo descrito no art. 183 da Lei nº 9.472/97, pois se trata de crime formal,
inexigindo, destarte, a comprovação de efetivo prejuízo’ (HC 129.807-AgR/
PR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 20.04.2017).
Aliás, em hipótese análoga à dos autos, no julgamento do HC 118.400/RO,
acompanhei o Ministro Marco Aurélio, Relator daquela impetração, no sen-
tido do afastamento da tese defensiva de atipicidade da conduta consubstan-
ciada em ‘atividades clandestinas de telecomunicações, de serviço de comu-
nicações multimídia, provedor de internet sem fio’. Colho, ainda, julgados de
ambas as Turmas desta Corte:
‘AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCES-
SUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS:
CF, ART. 102, I, D E I. ROL TAXATIVO. DESENVOLVIMENTO CLAN-
DESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. SERVIÇO DE
PROVEDOR DE INTERNET. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. ALEGA-
ÇÃO DE BAIXA FREQUÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
INAPLICABILIDADE. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-
PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AGRAVO RE-
GIMENTAL DESPROVIDO. 1. O desenvolvimento clandestino de ativi-
dade de transmissão de sinal de internet, via rádio, comunicação multimídia,
sem a autorização do órgão regulador, caracteriza, por si só, o tipo descrito no
art. 183 da Lei nº 9.472/97, pois se trata de crime formal, inexigindo, destarte,
a comprovação de efetivo prejuízo. 2. A inexistência de potencial ofensivo ou
interferência ao sistema de telecomunicações ante a suposta baixa frequência
do serviço, bem como a habitualidade não são passíveis de aferição na via
estreita do habeas corpus, por demandar minucioso exame fático e probatório
inerente a meio processual diverso. Precedente: HC 130.786, Segunda Tur-
ma, Relª Minª Cármen Lúcia, DJe 16.06.2016. 3. In casu, o paciente foi con-
denado pela prática do crime previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97, em razão
de desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação, em especial,
exploração de prestação de serviço de comunicação multimídia (internet),
mediante link ADSL e antena TPLINK, sem a devida autorização legal. 4. A
competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar
habeas corpus está definida, exaustivamente, no art. 102, inciso I, alíneas d e i,
da Constituição da República, sendo certo que o paciente não está arrolado
em qualquer das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. 5. Agravo regi-
mental desprovido.’ (HC 129.807-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe
20.04.2017)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
120

‘HABEAS CORPUS. PENAL. EXPLORAÇÃO DE SERVIÇO DE CO-


MUNICAÇÃO MULTIMÍDIA. OPERAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO
DO PODER PÚBLICO. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. ALEGAÇÃO DE
INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSI-
BILIDADE. EXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA. REEXAME DE
PROVAS. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. Para a incidência
do princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do cri-
me e os aspectos objetivos do fato, tais como a mínima ofensividade da con-
duta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau
de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica
causada. 2. Nas circunstâncias do caso, não se pode aplicar ao paciente o prin-
cípio em razão da expressividade da lesão jurídica provocada, notadamente
em razão da quantidade de usuários, do número de serviços disponibilizados
e da modalidade de serviço especial, regulado e controlado. 3. O reexame
dos fatos e das provas dos autos não é viável em habeas corpus. Precedentes. 4.
Ordem denegada.’ (HC 130.786, Relª Minª Cármen Lúcia, 2ª Turma, DJe
16.06.2016)
Sobre o tema, inclusive, já ressaltei, em outras oportunidades, que a ‘opera-
ção de rádio clandestina em frequência capaz de interferir no regular funcio-
namento dos serviços de comunicação devidamente autorizados impede a
aplicação do princípio da insignificância’ (HC 119.979/MG, de minha relato-
ria, 1ª Turma, DJe 03.02.2014).
Ante o exposto, nego seguimento ao presente writ (art. 21, § 1º, do RISTF).”
Como se observa, neguei seguimento ao habeas corpus forte na compre-
ensão de que a exploração clandestina de sinal de internet amolda-se ao tipo
penal descrito no art. 183 da Lei nº 9.472/97.
A aludida compreensão converge com julgados de ambas as Turmas
desta Corte, como passo a demonstrar:
“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCES-
SUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS:
CF, ART. 102, I, D E I. ROL TAXATIVO. DESENVOLVIMENTO CLAN-
DESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. SERVIÇO DE
PROVEDOR DE INTERNET. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. ALEGA-
ÇÃO DE BAIXA FREQUÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
INAPLICABILIDADE. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-
PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O desenvolvimento clandestino de atividade
de transmissão de sinal de internet, via rádio, comunicação multimídia, sem a autori-
zação do órgão regulador, caracteriza, por si só, o tipo descrito no art. 183 da Lei nº
9.472/97, pois se trata de crime formal, inexigindo, destarte, a comprovação de efetivo
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 121

prejuízo. 2. A inexistência de potencial ofensivo ou interferência ao sistema


de telecomunicações ante a suposta baixa frequência do serviço, bem como a
habitualidade não são passíveis de aferição na via estreita do habeas corpus, por
demandar minucioso exame fático e probatório inerente a meio processual
diverso. Precedente: HC 130.786, Segunda Turma, Relª Minª Cármen Lúcia,
DJe 16.06.2016. 3. In casu, o paciente foi condenado pela prática do crime
previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97, em razão de desenvolver clandestina-
mente atividade de telecomunicação, em especial, exploração de prestação de
serviço de comunicação multimídia (internet), mediante link ADSL e ante-
na TPLINK, sem a devida autorização legal. 4. A competência originária do
Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida,
exaustivamente, no art. 102, inciso I, alíneas d e i, da Constituição da Repú-
blica, sendo certo que o paciente não está arrolado em qualquer das hipóte-
ses sujeitas à jurisdição desta Corte. 5. Agravo regimental desprovido.” (HC
129.807-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 20.04.2017)
“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PRO-
CESSUAL PENAL. CRIME DE DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDA-
DE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183 DA LEI
Nº 9.472/97. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO EX-
TRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SU-
PREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS:
CF, ART. 102, I, D E I. ROL TAXATIVO. ALEGADA ATIPICIDADE DA
CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILI-
DADE. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO. 1. O desenvolvimento clandestino de atividade de transmissão de
sinal de internet, via rádio, comunicação multimídia, sem a autorização do órgão regu-
lador, caracteriza, por si só, o tipo descrito no art. 183 da Lei nº 9.472/97, pois se trata
de crime formal, inexigindo, destarte, a necessidade de comprovação de efetivo prejuízo.
2. In casu, os pacientes foram denunciados pela suposta prática da infração pe-
nal prevista no art. 183 da Lei nº 9.472/97 c/c o art. 29 do Código Penal. 3. A
competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar
habeas corpus está definida, exaustivamente, no art. 102, inciso I, alíneas d e i,
da Constituição da República, sendo certo que os pacientes não estão arro-
lados em qualquer das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. (...)” (HC
152.118 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe-096 17.05.2018)
“HABEAS CORPUS. PENAL. EXPLORAÇÃO DE SERVIÇO DE CO-
MUNICAÇÃO MULTIMÍDIA. OPERAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO
DO PODER PÚBLICO. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. ALEGAÇÃO DE
INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSI-
BILIDADE. EXPRESSIVIDADE DA LESÃO JURÍDICA. REEXAME DE
PROVAS. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. Para a incidência do
princípio da insignificância, devem ser relevados o valor do objeto do crime e
os aspectos objetivos do fato, tais como a mínima ofensividade da conduta do
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
122

agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de repro-


vabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada.
2. Nas circunstâncias do caso, não se pode aplicar ao Paciente o princípio em
razão da expressividade da lesão jurídica provocada, notadamente em razão
da quantidade de usuários, do número de serviços disponibilizados e da mo-
dalidade de serviço especial, regulado e controlado. 3. O reexame dos fatos e
das provas dos autos não é viável em habeas corpus. Precedentes. 4. Ordem de-
negada.” (HC 130.786, Relª Minª Cármen Lúcia, 2ª Turma, DJe 16.06.2016)
Não ignoro que esta Primeira Turma, no julgamento do HC 127.978/PB,
de relatoria do Ministro Marco Aurélio, DJe 01.12.2017, concedeu a ordem em caso
análogo para reconhecer a atipicidade da conduta, em acórdão assim ementado:
“DIREITO PENAL. Submete-se ao princípio da legalidade estrita. SERVI-
ÇO DE INTERNET. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. A oferta de serviço
de internet não é passível de ser enquadrada como atividade clandestina de
telecomunicações – inteligência do art. 183 da Lei nº 9.472/97.”
O precedente, multicitado pela Agravante, concluiu pela atipicidade
da conduta imputada ao impetrante por entender, à época, que a exploração
de serviço de internet não seria passível de ser enquadrada como atividade
clandestina de telecomunicações (art. 183 da Lei nº 9.472/97), mas como de
serviço adicionado, que, de acordo com o § 1º do art. 61 da Lei nº 9.472/97, “é a
atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte
e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, arma-
zenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações”.
Contudo, registro que a matéria voltou a ser objeto de debate neste
Tribunal mais recentemente, tendo prevalecido a compreensão tanto da ti-
picidade material da conduta como da inaplicabilidade do princípio da insignificância
em casos de transmissão clandestina de sinal de internet.
O entendimento, a partir de então, consolidou-se no sentido de que a
exploração de serviço de internet configura o delito previsto no art. 183 da Lei
nº 9.472/97, sendo crime formal que, como tal, prescinde de comprovação
de prejuízo para sua consumação (HC 142.738-AgR/MS, Rel. Min. Gilmar
Mendes, 2ª Turma, DJe 21.06.2018).
Atualmente, tanto a 1ª como da 2ª Turmas deste Tribunal vêm deci-
dindo que “o desenvolvimento clandestino de atividade de transmissão de
sinal de internet, via rádio, comunicação multimídia, sem a autorização do
órgão regulador, caracteriza, por si só, o tipo descrito no art. 183 da Lei nº
9.472/97, pois se trata de crime formal, inexigindo, destarte, a necessidade
de comprovação de efetivo prejuízo” (HC 152.118-AgR/GO, Rel. Min. Luiz
Fux, 1ª Turma, DJe 17.05.2018).
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 123

A mesma estabilização de entendimento ocorreu no âmbito do Supe-


rior Tribunal de Justiça, em data posterior ao manejo do presente writ, com
a edição da Súmula nº 606 de sua jurisprudência, com o seguinte teor: “Não
se aplica o princípio da insignificância a casos de transmissão clandestina de
sinal de internet via radiofrequência, que caracteriza o fato típico previsto no
art. 183 da Lei nº 9.472/97” (Terceira Seção, DJe 17.04.2018).
As razões trazidas no recurso não alteram meu entendimento a respeito
da matéria de fundo da impetração, razão pela mantenho incólumes as con-
clusões lançadas no decisum recorrido.
Nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.

VOTO
O Senhor Ministro Marco Aurélio – O habeas corpus é ação constitu-
cional voltada a preservar a liberdade de ir e vir do cidadão. O processo que
o veicule, devidamente aparelhado, deve ser submetido ao julgamento de
Colegiado. Descabe observar, quer o disposto no art. 21 do Regimento In-
terno, no que revela a possibilidade de o Relator negar seguimento a pedido
manifestamente improcedente, quer o art. 932 do Código de Processo Civil.
Ante o fato de atuar na sessão virtual, quando há o prejuízo da organicidade
do Direito, do devido processo legal, afastada a sustentação da tribuna, provejo
o agravo para que o habeas corpus tenha sequência.

EXTRATO DE ATA
Ag. Reg. no Habeas Corpus 145.308
Proced.: Paraíba
Relatora: Ministra Rosa Weber
Agte.: Fabio Pereira Fernandes
Adv.: Defensor Público-Geral Federal
Agdo.: Superior Tribunal de Justiça
Decisão: A Turma, por maioria, conheceu do agravo regimental e negou-
lhe provimento, nos termos do voto da Relatora, vencido o Ministro Marco
Aurélio. Primeira Turma, Sessão Virtual, de 20.09.2019 a 26.09.2019.
Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Marco Aurélio, Rosa
Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.
João Paulo Oliveira Barros – Secretário da Turma
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RESP Nº 1.817.233 RONDÔNIA
RELATOR: MINISTRO JORGE MUSSI

Embriaguez na Direção de Veículo Automotor.


Tipicidade
1. O Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento de que
a simples conduta de dirigir veículo automotor em via pública com
concentração de álcool maior ou igual a 6dg (seis decigramas) de álcool
por litro de sangue passou a ser suficiente à configuração do crime,
sendo, pois, prescindível a prova do risco potencial de dano causado
pela conduta do agente que dirige embriagado. Precedentes.
2. Agravo regimental desprovido.
(STJ; AgRg-EDcl-REsp 1.817.233; Proc. 2019/0160971-3; RO; 5ª T.; Rel.
Min. Jorge Mussi; DJE 22/10/2019)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e
das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo
regimental. Os Srs. Ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e
Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.
Brasília (DF), 24 de setembro de 2019 (Data do Julgamento).
Ministro Jorge Mussi – Relator

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Trata-se de agravo re-
gimental interposto por Carlos Eduardo da Silva Cardoso contra a decisão
desta relatoria de e-STJ, fls. 273-277 e 288-290, que deu parcial provimento
ao recurso especial da defesa para obstar a execução provisória da pena res-
tritiva de direitos.
O agravante alega que, para a configuração do crime previsto no art.
306 do Código de Trânsito Brasileiro, não basta a comprovação da ingestão
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 125

de bebida alcóolica, pois é preciso que fique comprovado, em razão da sua


ingestão, ter havido alteração da capacidade psicomotora do agente, uma vez
que a única presunção que a Constituição Federal autoriza é a da inocência.
Alega a inexistência de embriaguez na direção e de alteração da capa-
cidade psicomotora por parte do réu, porquanto nem perante a autoridade
policial nem durante a instrução processual em juízo ficou comprovado que
o agente apresentava sinais de embriaguez.
Pondera que não há substrato fático tampouco jurídico para persecução
penal e para manutenção da condenação, que, inclusive, causa constrangimento
ilegal ao réu, por ser a denúncia inepta, pois não narrou violação de norma penal.
Requer, ao final, a reconsideração do decisum ou a submissão do pleito
ao colegiado.
É o relatório.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Depreende-se dos autos
que o réu foi denunciado como incurso nas sanções do art. 306 do Código de
Trânsito Brasileiro, uma vez que conduziu veículo em via pública com capaci-
dade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, com concentração
superior a 0,3 mgll (três miligramas por litro) de ar alveolar – e-STJ, fls. 5-6.
Julgada procedente a ação penal, o réu foi condenado às penas de 6
meses de detenção, em regime inicial aberto, substituída por uma restritiva
de direitos, e de 10 dias-multa, além da suspensão da habilitação para dirigir
veículos pelo prazo de 2 (dois) meses – e-STJ, fls. 85-86.
A sentença foi mantida em apelação da defesa (e-STJ, fls. 177-194).
A defesa requereu, preliminarmente, a concessão de efeito suspensivo
ao recurso especial (e-STJ, fls. 207-231) para que, somente apôs o trânsito em
julgado da sentença condenatória, o réu sofra as sanções impostas.
Ponderou que foram afrontados os arts. 306 do Código de Trânsito
Brasileiro e 156, 283, 397 e 617 do Código de Processo Penal, argumentando
que não ficou comprovada a alteração da capacidade psicomotora do réu em
razão do uso de álcool ou de outra substância.
Ressaltou que a alteração da capacidade psicomotora não pode ser pre-
sumida a partir do teste do bafômetro. Assim, o réu deve ser absolvido, pois
o acórdão confronta-se com as provas dos autos.
Aduziu, ainda, que, para a configuração do delito, não basta somente a
comprovação da ingestão de bebida alcóolica. É preciso que fique comprovado
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
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que, em razão da ingestão da bebida alcoólica, houve alteração da capacidade


psicomotora do condutor, o que não ficou comprovado.
Requereu, ao final, a reforma do acórdão recorrido com vistas à ab-
solvição do réu.
Apresentadas as contrarrazões (e-STJ, fls. 238-242), após o juízo prévio
de admissibilidade (e-STJ, fls. 245-246), os autos ascenderam ao Superior
Tribunal de Justiça.
Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pelo não
conhecimento do inconformismo (e-STJ, fls. 268-271).
Por decisão desta relatoria, deu-se parcial provimento ao recurso especial
para obstar a execução provisória da pena restritiva de direitos.
Daí a apresentação deste regimental pela defesa.
A irresignação, porém, não merece prosperar.
Conforme ficou consignado na decisão agravada, quanto à tipicidade
da conduta praticada pelo réu, verificou-se no acórdão exarado pela Corte de
origem o seguinte excerto, in verbis (e-STJ, fls. 187-192):
“A materialidade está comprovada por meio dos Termos de fls. 02 e 03, do
Auto de fl. 04. da Ocorrência nº 50138/2018, e do extrato emitido pelo etilô-
metro (fl. 15). (...)
Relativamente à autoria atribuida ao recorrente, é objeto de insurgência re-
cursal, pois alega que não configurado o crime previsto no art. 306 do CTB,
passando a ser tratada neste momento.
O apelante, em juízo (mídia de fl 63), afirmou que, no dia dos fatos, havia
ingerido bebida alcoólica, em casa, da mesma forma, ter descansado e, após,
saiu, disse, ainda, ter feito o teste do etilômetro, porque estava se sentindo
muito bem tranquilo, não estando com a capacidade psicomotora alterada.
Já o Policial Militar, Sr. Antonio Gadelha, ouvido pela autoridade judiciária
(mídia de fl. 63), afirmou:
‘(...) Estavam fazendo trabalho da Lei Seca no dia dos fatos, na Av. Amazonas:
o Carlos Eduardo estava trafegando e foi abordado, convidado a fazer o teste
do etilômetro, deu uma quantidade muito acima do permitido, configuran-
do-se o crime; foi encaminhado à Central, a assinatura constante no teste do
etilômetro é sua; o apelante se comportou adequadamente, mas dava para ver
que ele estava meio aéreo, estava fora de si.’
Quanto ao teste realizado no apelante por meio de etilômetro, datado de
18.03.2018, consta no respectivo extrato (fl. 15) que a presença de álcool era de
0.51 mg/l, quantidade esta considerada suficiente à caractenzação do crime disposto no
art. 306 do CTB, conforme explicitado no § 1º, I, de aludido artigo (§ 1º).
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 127

As condutas previstas no caput serão constatadas por I – concentração igual ou superior a


6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool
por litro de ar alveolar). (...)
Portanto, diante dessas considerações, não há que se falar em ausência de
prova da alteração da capacidade psicomotora, até porque os índices da Re-
solução nº 432/2013 não foram elaborados de forma aleatóna, mas, sim, em
razão de estudos multidisciplinares, envolvendo diversos Ministérios (Mi-
nistério da Justiça, Ministério da Defesa, Ministério dos Transportes, Mi-
nistério da Saúde, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Ministério
do Meio Ambiente e Ministério das Cidades), além de estudo realizado pela
Associação Brasileira de Medicina de Tráfego – ABRAMET acerca dos proce-
dimentos médicos para fiscalização do consumo de álcool ou de outra subs-
tância psicoativa que determine dependência pelos condutores, razão pela
qual mantenho a condenação quanto ao crime do art. 306 do CTB.”
Nota-se, pois, que o Tribunal a quo manteve a condenação do réu por
considerar que o delito de embriaguez ao volante se configura somente com
a constatação da presença de álcool no organismo do agente em percentual
superior ao limite estabelecido em lei, não sendo necessária a comprovação
de que este conduzia o veículo com a capacidade psicomotora alterada.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento
de que a simples conduta de dirigir veículo automotor em via pública com
concentração de álcool maior ou igual a 6 dg (seis decigramas) de álcool por
litro de sangue passou a ser suficiente à configuração do injusto penal, sendo,
pois, prescindível a prova do risco potencial de dano causado pela conduta do
agente que dirige embriagado.
“AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO
RECURSO ESPECIAL. EMBRIAGUEZ NA DIREÇÃO DE VEÍCULO
AUTOMOTOR. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. DESCRIÇÃO DE
CONDUÇÃO ANORMAL DO VEÍCULO. PRESCINDIBILIDADE.
CONDUTA TÍPICA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA.
CONDUÇÃO DO VEÍCULO SOBRE A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL
INCONTROVERSA NOS AUTOS. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA
Nº 7/STJ. AGRAVO IMPROVIDO.
1. O delito capitulado art. 306 do CTB é de perigo abstrato, sendo prescindível
a demonstração da potencialidade lesiva na conduta praticada para sua confi-
guração, bastando a condução de veículo automotor sob a influência de álcool.
2. Incontroversa a efetiva condução de veículo automotor sob a influência de
álcool, consoante previsto no art. 306 do CTB, não há falar em revolvimento
fático-probatório e, portanto, no óbice da Súmula nº 7/STJ.
3. Agravo regimental improvido.” (AgRg nos EDcl no REsp 1.727.259/RJ,
Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 26.03.2019, DJe 04.04.2019)
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
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“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ES-


PECIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. CRIME DE PERIGO ABS-
TRATO. DEMONSTRAÇÃO DA POTENCIALIDADE LESIVA. DES-
NECESSIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Pacífico nesta Corte o entendimento de que o crime previsto no art. 306 do
Código de Trânsito Brasileiro é de perigo abstrato, bastando para sua confi-
guração que o agente dirija o veículo sob a influência de álcool, dispensando
a demonstração de dano potencial à incolumidade de outrem.
2. Também é pacífico o entendimento neste Pretório no sentido de que o
Enunciado nº 83 da Súmula do STJ se aplica aos recursos especiais interpos-
tos tanto pela alínea c quanto pela alínea a do permissivo constitucional.
3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no AREsp 1.241.318/PR, Rel. Min.
Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 10.04.2018, DJe 25.04.2018)
O mesmo entendimento, aliás, é compartilhado pelas duas Turmas do
Supremo Tribunal Federal:
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EMBRIAGUEZ AO
VOLANTE (ART. 306 DA LEI Nº 9.503/97). ALEGADA INCONSTITU-
CIONALIDADE DO TIPO POR SER REFERIR A CRIME DE PERIGO
ABSTRATO. NÃO OCORRÊNCIA. PERIGO CONCRETO. DESNE-
CESSIDADE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RE-
CURSO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência é pacífica no sentido de reconhecer a aplicabilidade do
art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro delito de embriaguez ao volante,
não prosperando a alegação de que o mencionado dispositivo, por se referir a
crime de perigo abstrato, não é aceito pelo ordenamento jurídico brasileiro.
2. Esta Suprema Corte entende que, com o advento da Lei nº 705/08, inseriu-
se a quantidade mínima exigível de álcool no sangue para se configurar o
crime de embriaguez ao volante e se excluiu a necessidade de exposição de
dano potencial, sendo certo que a comprovação da mencionada quantidade
de álcool no sangue pode ser feita pela utilização do teste do bafômetro ou
pelo exame de sangue, o que ocorreu na hipótese dos autos.
3. Recurso não provido.” (RHC 110.258, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira
Turma, j. 08.05.2012, DJe-101 divulg. 23.05.2012, publ. 24.05.2012)
Dessa forma, constata-se que a Corte local, ao manter a condenação do
recorrente, considerando desnecessária a comprovação da alteração da sua capa-
cidade psicomotora, alinhou-se à jurisprudência deste Sodalício sobre o tema.
Dessarte, pelas razões expostas, não merece amparo a insurgência
recursal da defesa.
Assim, nega-se provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 80.148 CEARÁ
RELATOR: MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

Lesão Corporal no Trânsito. Transação Penal. Acordo


Celebrado. Descumprimento Parcial. Denúncia
Oferecida. Prazo Prescricional que Não se Suspende.
Recurso Provido
1. Conforme orientação desta Corte, as causas suspensivas da prescrição
demandam expressa previsão legal (AgRg no REsp 1.371.909/SC, Rel. Min.
Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 23.08.2018, DJe 03.09.2018).
2. Durante o prazo de cumprimento das condições impostas em acor-
do de transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95) não há, em razão da
ausência de previsão legal, a suspensão do curso do prazo prescricional.
3. No caso, embora o prazo prescricional seja de oito anos, entre a data
do fato e a denúncia passaram-se mais de 10 anos, o que evidencia o
advento da prescrição da pretensão punitiva.
4. Recurso provido.
(STJ; RHC 80.148; Proc. 2017/0007084-6; CE; 6ª T.; Rel. Min. Antonio
Saldanha Palheiro; DJE 04/10/2019)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-
cadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior,
Rogerio Schietti Cruz e Nefi Cordeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 1º de outubro de 2019 (Data do Julgamento).
Ministro Antonio Saldanha Palheiro – Relator

RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro (Relator):
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
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Trata-se de recurso em habeas corpus interposto por Igor Pinheiro Lan-


dim contra acórdão oriundo do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (HC
0626452-97.2016.8.06.0000).
Depreende-se dos autos que o recorrente, na forma do art. 76 da Lei nº
9.099/95, celebrou acordo de transação penal, consistente no pagamento de
R$ 150.000,00 à vítima, em 60 parcelas mensais, em razão da suposta prática
do delito descrito no art. 291 do Código de Trânsito.
Antes do cumprimento integral dos termos da avença, e após ter se
iniciado o curso da ação penal, a defesa impetrou habeas corpus na origem
alegando o advento da prescrição da pretensão punitiva.
A ordem foi denegada em acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 374):
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. LESÃO COR-
PORAL GRAVE DE NATUREZA CULPOSA. TRANSAÇÃO PENAL.
DESCUMPRIMENTO. RETOMADA DA PERSECUÇÃO PENAL.
PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PERÍODO DE PROVA. MUDAN-
ÇA DE ENDEREÇO. APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. ORDEM
CONHECIDA E DENEGADA.
1. Paciente realizou transação penal, na forma do art. 76 da Lei nº 9.099/95,
tendo em vista a suposta prática do delito previsto no art. 291 do Código de
Trânsito (Lesão corporal grave de natureza culposa), contudo descumpriu o
acordo, tendo arguido prescrição, uma vez que entre a data do fato e hoje se
observou um lapso temporal superior a 12 (doze) anos e requerendo o tran-
camento da ação penal.
2. No que concerne à tese de falta de fundamentação da decisão que deu
prosseguimento à ação penal, importante registrar que o juízo a quo não aca-
tou o parecer ministerial por entender não haver configurado o instituto da
prescrição, uma vez que o paciente encontrava-se em período de prova, por-
tanto, em fase de cumprimento de pena alternativa imposta, pois não havia
cumprido a transação penal em sua integralidade.
3. No que concerne à aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, as
mesmas o decorreram da mudança de endereço do paciente sem prévio aviso
ao juízo de piso, sendo citado por edital, entendendo o juízo primevo em
aplicar tal medida, portanto, a decisão mostra-se idônea.
4. Deste modo, no caso, não vislumbro ilegalidade na decisão que deu con-
tinuidade a ação penal, bem como na que aplicou as medidas cautelares di-
versas, não sendo o caso de trancamento da ação penal havendo, portanto, o
constrangimento ilegal suscitado.
Ordem conhecida e denegada.”
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 131

Aduz a defesa, na presente irresignação, que o recorrente está submetido


a constrangimento ilegal, pois, embora a pretensão punitiva já esteja prescrita,
continua a ser indevidamente processado.
Afirma, nesse sentido, que já transcorreram mais de 12 anos desde a data
do fato, sendo que o prazo prescricional na espécie é de oito anos. Além disso,
afirma não haver nenhuma causa suspensiva ou interruptiva da prescrição.
Requer, ao final, o trancamento da ação penal.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo improvimento do
recurso (e-STJ, fls. 412/416).
Uma vez solicitadas, foram prestadas informações dando conta de
que foi proferida sentença condenatória em desfavor do recorrente, e que
o processo aguarda o julgamento do recurso de apelação interposto (e-STJ,
fls. 420/429).
É, em síntese, o relatório.

VOTO
O Exmo. Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro (Relator):
A questão a ser dirimida neste recurso cinge-se a definir se durante o
prazo fixado para o cumprimento dos termos de acordo de transação penal
corre a prescrição ou se permanece suspensa.
No caso em exame, conforme consignado no relatório, após ter sido
homologado acordo de transação penal, que previa o pagamento à vítima de
60 prestações mensais, que totalizariam a quantia de R$ 150.000,00, houve
o seu descumprimento por parte do ora recorrente, o que ensejou o ofereci-
mento de denúncia em seu desfavor, dando-o como incurso no art. 303 c/c
o art. 302, parágrafo único, II e III, da Lei nº 9.503/97 (e-STJ, fls. 288/290).
Tendo em vista o transcurso de lapso temporal considerável, a defesa
requereu a declaração de extinção da punibilidade do recorrente em razão do
advento da prescrição da pretensão punitiva.
O Juiz condutor do feito assim como o Tribunal de Justiça do Estado do
Ceará rechaçaram a tese defensiva. Confiram-se, a propósito, os fundamentos
que foram declinados (e-STJ, fls. 377/381):
“Em análise perfunctória ao caso em tablado, tem-se que o paciente deixou
de cumprir transação penal em favor da vítima sob a alegativa de dificulda-
des financeiras. Ao ser intimado para cumprir a obrigação assumida, não foi
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
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encontrado no endereço anteriormente indicado, foi citado por edital, desta


forma, o magistrado de piso aplicou medidas cautelares diversas da prisão.
Importante registrar que o juízo a quo não acatou o parecer ministerial por
entender não haver configurado o instituto da prescrição, uma vez que o
paciente encontrava-se em período de prova, portanto, em fase de cumpri-
mento de pena alternativa imposta, conforme trecho da decisão abaixo (fls.
279/281):
‘Cuida-se de inquérito policial com vistas à apuração de crime de lesão cor-
poral no trânsito (art. 303 do CTB), tendo por indiciado Igor Pinheiro Lan-
dim, fato ocorrido em 20.12.04.
Em audiência preliminar realizada no dia 04.06.07, o indiciado anuiu com a
proposta de transação penal ofertada pelo Ministério Público, consistente no
pagamento de multa reparatória em favor da vítima Aline Maria Vital Meira,
na quantia equivalente a 90 (noventa) salários mínimos, cujo pagamento se
daria em 60 mensalidades equivalentes a 1,5 salários mínimo.
No dia 21.02.2013, o indiciado atravessou petição nos autos, alegando a
impossibilidade de adimplemento das prestações por força de dificuldades
financeiras, e ainda, que teria procurado o advogado da vítima e sua repre-
sentante legal, a quem teria solicitado um prazo de trinta dias para o adimple-
mento da obrigação, no que foi atendido.
Consta à fl. 259 certidão informando o comparecimento do Sr. Caio César
Vital Meira à secretaria desta Vara, ocasião em que noticiou o transcurso do
prazo de trinta dias requeridos pelo indiciado sem a efetivação do débito por
este último.
Reconhecido o descumprimento da transação penal pelo indiciado, determinou-se o en-
caminhamento dos autos ao representante do Ministério Público, que emitiu parecer no
sentido de que seja decretada a extinção da punibilidade em decorrência da prescrição,
nos termos dos arts. 107, IV, 109, III, e 115, todos do Código Penal brasileiro.
(...)
De acordo com o art. 117, V, do CPB, o curso do prazo prescricional inter-
rompe-se com o início do cumprimento de pena.
Ao disciplinar a aplicação do instituto da transação penal, a Lei nº 9.099/95,
em seu art. 76, dispõe que ‘havendo representação ou tratando-se de crime
de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o
Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de
direitos ou multas, a ser especificada na proposta’. (grifo nosso)
Em que pese o requerimento ministerial no sentido de que seja reconhecida
a prescrição da pretensão punitiva após o decurso de oito anos contados da
data do fato, cumpre reconhecer que indiciado se encontra em período de
prova, e, portanto, em fase de cumprimento da pena alternativa imposta, cujo
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 133

cumprimento efetivo e integral se constitui como causa extintiva da punibi-


lidade do autor.
(...)
Proposta a transação penal pelo titular da ação penal, não há que se falar em
inércia, mas na adoção de providência prevista em lei e cuja propositura se
atribui de modo exclusivo ao Ministério Público, que, observados os requi-
sitos autorizadores, poderá utilizar-se desse instituto – idealizado como alter-
nativa menos gravosa ao oferecimento da denúncia – nos casos de infrações
reconhecidas como sendo de menor potencial ofensivo.
Desse modo, admitir a consolidação do fenômeno prescritivo durante o pe-
ríodo de prova implicaria em injustificável esvaziamento da proposta de tran-
sação penal, tornando-a ineficiente, além de frustar as justas expectativas de
reparação da vítima.
Irrazoável que um instituto, no qual o autor da infração submete-se volunta-
riamente ao cumprimento de pena alternativa, ainda que de modo antecipa-
do, como forma de evitar os constrangimentos decorrentes do ajuizamento
de uma ação penal, tenha os seus efeitos exauridos por força de prescrição, no
exato momento em que o agente é obrigado a suportar um ônus a ele imposto
como condição suspensiva de um gravame ainda maior.
De modo ilustrativo, tal hipótese seria tão absurda quanto admitir o reconhe-
cimento da prescrição da pretensão executória no período em que o acusado
se encontra em cumprimento de pena.
Da mesma forma, não é justo que a vítima seja penalizada por acontecimento
por ela inesperado, com a interrupção do recebimento dos valores reparató-
rios, frutando-lhe a percepção dos frutos de um direito cuja fruição decorre
de proposta que contou com a sua anuência.
Assim, verificado o descumprimento injustificado das condições pelo autor,
estaria o Ministério Público autorizado a oferecer denúncia, conforme en-
tendimento do Supremo Tribunal Federal (STF, 2ª Turma, HC 79.572/GO,
Rel. Min. Marco Aurélio).
Pelas razões expostas, determino o retorno com vistas ao promotor atuante
para, querendo, reexaminar o posicionamento adotado no parecer pela pres-
crição, no prazo de cinco dias, antes deles serem encaminhados ao Procura-
dor-Geral de justiça por força do art. 28 do CPP que ora determino.’
(...)
Da análise das decisões acima, nota-se que tanto a decisão que o decidiu pela
improcedência da prescrição, bem como a que aplicou as medidas cautelares
ao paciente encontram-se devidamente fundamentadas, pois não cabe falar
em prescrição, vez que o paciente encontrava-se em período de prova, já que
não havia terminado de cumprir a transação penal oferecida pelo Ministério
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
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Público, pois havia pago à vítima apenas 40 (quarenta) parcelas das 60 (ses-
senta) parcelas fixadas na transação penal.”
Não obstante os judiciosos fundamentos apresentados pelo Tribunal de
origem, tenho para mim que a pretensão punitiva foi alcançada pela prescrição.
Embora a transação penal implique o cumprimento de uma pena
restritiva de direitos ou multa pelo acusado, nos termos do art. 76 da Lei nº
9.099/95, não há que se falar em condenação, muito menos em período de
prova enquanto durar o cumprimento da medida imposta, razão pela qual não
se revela adequada a aplicação do art. 117, V, do Código Penal.
Ou seja, a interrupção do curso da prescrição prevista no referido
dispositivo legal deve ocorrer somente em relação às condenações impostas
após o transcurso do processo, e não para os casos de transação penal, que
justamente impede a sua instauração.
Vale destacar que o regramento do referido instituto despenalizador
prevê somente que a aceitação da proposta não gerará o efeito da reincidência,
bem como impedirá a utilização do benefício novamente em um prazo de
cinco anos (art. 76, § 4º, da Lei nº 9.099/95).
Além disso, de acordo com o disposto na Súmula Vinculante nº 35
do Supremo Tribunal Federal, descumprido o acordo, poderá o Ministério
Público oferecer a denúncia, momento em que se dará início à persecução
penal em juízo.
Portanto, não há previsão legal de que, celebrado o acordo, e enquan-
to não cumprida integralmente a avença, ficará suspenso o curso do prazo
prescricional.
Impende rememorar, nesse sentido, que, “em observância ao princípio
da legalidade, as causas suspensivas da prescrição demandam expressa previsão legal”
(AgRg no REsp 1.371.909/SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma,
j. 23.08.2018, DJe 03.09.2018).
Cabe destacar que a Lei nº 9.099/95, ao tratar da suspensão condicional
do processo, instituto diverso, previu, expressamente, no art. 89, § 6º, que
“não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo”. Assim,
determinou, no caso específico do sursis processual, diferentemente da transa-
ção penal, que durante o seu cumprimento não correria o prazo prescricional.
Da mesma forma, semelhante previsão consta do art. 366 do Código
de Processo Penal, que, ao cuidar da suspensão do processo, impõe, conjun-
tamente, a suspensão do curso do prazo prescricional.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 135

Assim, a permissão de suspensão do curso do prazo prescricional sem a


existência de determinação legal consubstancia flagrante violação ao princípio
da legalidade.
Vale citar, nesse sentido, o seguinte julgado desta Corte:
“CRIMINAL. RESP. LESÕES CORPORAIS DE NATUREZA LEVE.
LEI Nº 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO FIRMADO E
HOMOLOGADO EM TRANSAÇÃO PENAL. OFERECIMENTO DE
DENÚNCIA. PRESCRIÇÃO DA PENA IN ABSTRATO VERIFICADA.
MÉRITO DO RECURSO PREJUDICADO.
I – Existindo sentença homologatória de transação penal e evidenciado o não recebimento
de denúncia, inexiste marco interruptivo do curso prescricional. Precedentes.
II – Declara-se extinta a punibilidade do recorrido, em relação ao crime de
lesões corporais de natureza leve, pela ocorrência da prescrição da pena in
abstrato, eis que, considerando-se o máximo da pena fixada de 1 (um) ano –,
e que o último marco interruptivo do curso da prescrição foi a data do fato,
já se consumou o lapso prescricional necessário para tanto, ex vi do art. 109,
V, do Código Penal.
III – Declarada a extinção da punibilidade do recorrido; recurso especial jul-
gado prejudicado.” (REsp 564.063/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, Quinta Turma,
j. 17.06.04, DJ 02.08.04, p. 512)
Na mesma linha, trago o escólio da doutrina:
“(...) logo, homologada a proposta de transação penal, enquanto não houver o
cumprimento da pena de multa ou restritiva de direitos, o lapso prescricional
da pretensão punitiva abstrata terá permanecido em curso desde a data do
fato delituoso.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume
único. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 1.435)
Pois bem, considerando que o fato foi praticado em 20.04.04 (e-STJ, fl.
282) e que o prazo prescricional é de oito anos (art. 109, IV, do CP), e, ainda,
que a denúncia foi oferecida somente no ano de 2014, imperioso reconhecer
o advento da prescrição da pretensão punitiva no caso em exame.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para declarar a extinção da pu-
nibilidade do recorrente Igor Pinheiro Landim em razão do advento da prescrição da
pretensão punitiva.
É o voto.
Ministro Antonio Saldanha Palheiro – Relator
Jurisprudência

Superior Tribunal de Justiça


RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 86.305 RIO GRANDE DO SUL
RELATOR: MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Ação Penal de Competência do Júri. Comunidade


Indígena Kaingang. Tradução dos Autos.
Impossibilidade. Ausência de Comprovação do
Prejuízo. Aceitação Tácita da Defesa Técnica
Constituída. Requerimento de Intérprete Realizado
Após o Término da Instrução Processual. Não
Comprovação de Prejuízo à Compreensão dos
Atos Processuais. Inviabilidade de Conclusão em
Sentido Contrário ao Afirmado no Acórdão. Estudo
Antropológico. Estatuto do Índio. Relevância para a
Adequada Compreensão dos Contornos Socioculturais
dos Fatos Analisados. Momento Oportuno. Sentença.
Dosimetria da Pena. Recurso Parcialmente Provido
1. Os recorrentes, que pertencem à etnia Kaingang, durante a instrução
relativa à primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri, tiveram
permanente assistência de defesa técnica por eles constituída, que os
acompanhou em todos os atos processuais, sem que, em nenhum mo-
mento até o encerramento da instrução criminal, tenham arguido algum
prejuízo e solicitado o acompanhamento de intérprete ou a tradução
de documentos do processo.
2. Tanto o juiz de primeiro grau quanto o tribunal assinalaram que os
acusados, ao longo dos atos processuais, se comunicaram livremente em
língua portuguesa e demonstraram plena capacidade de compreensão
quanto aos termos da acusação, e salientaram que, dos elementos tra-
zidos aos autos, “os indígenas possuem pleno entendimento dos fatos
delituosos a eles imputados, não havendo a necessidade de tradução da
peça acusatória, até porque a defesa dos pacientes está sendo realizada
por procuradores constituídos pelos próprios acusados”. Concluir em
sentido contrário, como pretendem os recorrentes, esbarra na impos-
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 137

sibilidade de, em habeas corpus, realizar-se incursão vertical sobre as


provas constantes dos autos da ação penal em curso.
3. Outrossim, o processo encontra-se ainda na primeira fase do pro-
cedimento inerente aos crimes dolosos contra a vida, destinada a tão
somente avaliar a existência ou não de prova da materialidade do crime
e de indícios suficientes de autoria, nada impedindo que se renove a
prova perante o juízo natural da causa – o Tribunal do Júri – se, por
hipótese, vierem os recorrentes a ser pronunciados.
4. Por sua vez, a realização do estudo antropológico se apresenta como
relevante instrumento de melhor compreensão dos contornos socio-
culturais dos fatos analisados, bem como dos próprios indíviduos a
quem são imputadas as condutas delitivas, de modo a auxiliar o Juízo
de primeiro grau na imposição de eventual reprimenda, mormente
diante do que prescreve o art. 56 do Estatuto do Índio, segundo o qual,
“[n]o caso de condenação de índio por infração penal, a pena deverá
ser atenuada e na sua aplicação o Juiz atenderá também ao grau de
integração do silvícola”.
5. Recurso parcialmente provido apenas para determinar que, na
hipótese eventual de serem os réus pronunciados, se realize estudo
antropológico antes da data designada para a sessão do Tribunal do Júri,
cassada a liminar deferida, de modo a restabelecer o regular trâmite da
Ação Penal 5004459-38.2016.404.7117.
(STJ; RHC 86.305; Proc. 2017/0157170-3; RS; Rel. Min. Rogerio Schietti
Cruz; DJE 18/10/2019)

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma, por maioria, dar parcial provimento
ao recurso ordinário, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencidos os
Srs. Ministros Nefi Cordeiro e Antonio Saldanha Palheiro. Votaram vencidos
os Srs. Ministros Nefi Cordeiro e Antonio Saldanha Palheiro.
Dr. Paulo Machado Guimarães, pela parte recorrente: Nelson Reko
de Oliveira.
Exmo. Sr. Dr. Luiz Augusto dos Santos Lima, Subprocurador-Geral
da República, pelo MPF.
Brasília, 1º de outubro de 2019.
Ministro Rogerio Schietti Cruz – Relator
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
138

RELATÓRIO
O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz:
Nelson Reko de Oliveira e outros, por seus defensores, interpuseram
recurso em habeas corpus contra acórdão proferido pelo Tribunal de origem,
nos autos do Habeas Corpus 5021879-33.2017.4.04.0000, em que foi mantido
o indeferimento dos pleitos de tradução dos autos para o idioma dos réus, concessão de
intérprete para os atos processuais e, ainda, realização de estudo antropológico.
Consoante narra a defesa, os pacientes deste writ, indígenas integrantes
do povo Kaigang, são acusados de duplo homicídio qualificado por fatos ocorridos
“enquanto faziam manifestação pacífica em reivindicação à terra ancestral”
(fl. 149).
Depreende-se dos autos que o processo está concluso para prolação de
decisão de pronúncia desde 17.09.2018 (fl. 456), motivo pelo qual pugnaram
pela suspensão do trâmite da ação penal, dada a necessidade de provimento das
solicitações acima referidas.
Asserem os insurgentes que “o violento processo de colonização do
território brasileiro sobre os povos indígenas ressoa até os dias de hoje também
sob este aspecto, qual seja, o abandono forçado da língua materna por povos inteiros
em razão da repressão e da injustiça generalizadas a que foram submetidos em todo esse
tempo” (fl. 155, grifei).
Para os recorrentes, a tradução dos autos e a disponibilização de intér-
prete aos atos processuais são “direito líquido e certo dos indígenas e de pedido
totalmente possível, que garantirá, para além do seu direito fundamental, o
acesso amplo a (sic) defesa de 19 indígenas da mesma comunidade de apenas 80 famí-
lias, pertencentes a um mesmo povo. Por sua vez, com o intérprete se assegurará
o direito das testemunhas indígenas de defesa e dos réus no interrogatório
expressarem-se em sua própria língua, com a tradução será garantida a compreensão e a
ampla defesa” (fls. 155-156, grifei).
Alegam também que a circunstância de serem capazes de compreender
a língua portuguesa e conseguirem se comunicar com a sociedade “não pode
motivar a decisão sobre a necessidade de tradução e intérprete nos atos pro-
cessuais, mesmo porque não se nega tal situação. (...) O fato de os recorrentes
se utilizarem do idioma nacional para a sobrevivência do dia a dia dentro das
condições que lhe foram e são colocadas, não faz presumir que o possuem como
idioma materno, principalmente ao considerar que a primeira língua é o Kaingang” (fl.
157, destaquei).
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 139

Afirmam, ainda, que “a política integracionista e assimilacionista foi


abandonada com a CF/88. Portanto, se requer a realização de perícia antropológica
para que a compreensão de todas as partes se dê em amplo sentido, garantindo, com todos
os meios, a imparcialidade do processo, e o respeito à organização social, cultura e língua
Kaingang, combinadas ao direito de ampla defesa e não para aferição do grau
de entendimento dos Kaingang acusados, como mencionado pelo TRF4”
(fl. 162, grifei).
A esse respeito, assinalam os recorrentes que “[o] esforço de organização
permanente para a conquista da demarcação de terra ancestral é fato altamente
relevante e somente reconhecimento (sic) a partir de perícia antropológica” (fl.
162). Acrescenta que, “a perícia, segundo o art. 59 do Código Penal brasileiro,
em combinação com o art. 56 do Estatuto do Índio, é o elemento chave para a
fixação da pena do réu, incidindo a sua omissão em violação ao devido processo legal, à
ampla defesa e ao contraditório” (fl. 163, grifei).
Por fim, apontam que, “[a]o dizer que a conduta matar alguém é repro-
vável em qualquer povo indígena, induz a uma lógica equivocada e, com todo
respeito, a conclusões presunçosas. Tal tipo de aferição só poderia ser feita para cada
povo, em perícia técnica através de laudo antropológico e de maneira contextualizada.
Vale lembrar que na nossa própria cultura há caso em que a conduta matar alguém é
tida como não reprovável, como é o caso da legítima defesa, estado de necessidade, etc.”
(fl. 163, destaquei).
Requerem, assim, liminarmente, “a imediata suspensão da ação penal
em curso enquanto não seja julgado o mérito do presente habeas corpus” (fl.
165). E, no mérito, “seja devidamente traduzido para a língua Kaingang todo
o processo penal, principalmente a denúncia e demais peças essenciais ao
longo do processo. Por conseguinte, com a tradução da denúncia, seja refeito
o ato citatório; seja determinada a presença de intérprete em todas as audiên-
cias e atos do processo, a fim de que possam ser repassadas as informações
aos indígenas pacientes e testemunhas e de que durante os atos processuais
os Kaingang possam compreender de forma plena o que se passa e de fato
exercerem plenamente sua defesa; e seja determinada a realização de perícia
antropológica conforme requerida pela defesa” (fls. 165-166).
Após a concessão da medida liminar, para suspender a ação penal, foram presta-
das as informações. Enviados os autos ao Ministério Público, em 10.08.2017,
o Parquet, em um primeiro momento, manifestou-se “pelo provimento parcial
do recurso para que sejam determinadas a presença de intérprete em todas
as audiências do processo e a realização de perícia antropológica” (fl. 332).
Todavia, após o indeferimento do pedido de reconsideração (fls. 441-442),
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
140

o Ministério Público Federal emitiu novo parecer no qual pugna pelo não
provimento o recurso.

VOTO
O Senhor Ministro Rogerio Schietti Cruz (Relator):

I – Contextualização
Consoante apontado nas informações prestadas pelo Juízo da 1ª Vara
Federal de Erechim – RS, “[o]s pacientes foram denunciados na Ação Penal
5004459-38.2016.4.04.7117, originada do IPL 5003026-67.2014.4.04.7117,
por duplo homicídio qualificado: art. 121, § 2º, incisos III (emprego de meio
cruel) e IV (meio que dificultou a defesa dos ofendidos), c/c o art. 29, caput
(concurso de agentes), ambos do Código Penal, em face das vítimas Alcemar
Batista de Souza e Anderson de Souza, por fato em tese praticado no dia
28.04.2014” (fl. 519).
Encerrada a instrução processual, os autos estavam conclusos para
prolação de decisão de pronúncia, quando os recorrentes impetraram habeas
corpus perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que assim o deslindou:
“HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. RÉUS INDÍGE-
NAS. TRADUÇÃO DA DENÚNCIA PARA O IDIOMA KAINGANG.
DESNECESSIDADE. PERÍCIA ANTROPOLÓGICA. NÃO REALIZA-
ÇÃO. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO. ACESSO INTEGRAL AOS
AUTOS. PEDIDO JÁ DEFERIDO.
1. Constatado que os denunciados compreendem a língua portuguesa, bem
como se comunicam sem dificuldades, não há como presumir que não te-
nham compreendido o teor da denúncia, sendo desnecessária a tradução para
o idioma Kaingang.
2. As especificidades do processo judicial devem ser de conhecimento dos
procuradores das partes, não sendo indispensável que os acusados conhecem
a técnica jurídica, mas apenas os fatos que são imputados.
3. Desnecessidade de perícia antropológica, pois a ilicitude do homicídio é
reconhecida por qualquer comunidade indígena, não havendo dúvidas que
a conduta de matar alguém não faz parte dos costumes e tradições do povo
Kaingang.
4. Acesso integral aos autos já deferido pela autoridade impetrada.
5. Ordem de haheas corpus denegada.” (j. 06.06.2017 – 8ª Turma do TRF-4).
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 141

Interposto recurso ordinário em habeas corpus neste Superior Tribunal


de Justiça, concedi, após nova análise do feito, a postulada liminar, para sus-
pender o trâmite da ação penal.

II – A Proteção Constitucional dos Índios


Sabidamente, a Constituição da República de 1988 dispensa especial
relevo à proteção dos direitos e das garantias individuais dos povos indígenas,
ênfase que se nota pela leitura do art. 231, caput, da Carta Magna, segundo o
qual “[s]ão reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças
e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocu-
pam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os
seus bens” (grifei).
No âmbito das disposições acerca do sistema de ensino público, o texto
constitucional, em seu art. 210, § 2º, ressalta que “[o] ensino fundamental
regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas
também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”
(grifei).
Aliás, nesse sentido, não se pode olvidar que o art. 5º, § 2º, da CF/88
estipula que “[o]s direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte” (destaquei).
Sob essa perspectiva, consoante previsto no art. 12 da Convenção nº
169 da OIT sobre povos indígenas e tribais, tratado internacional ratificado
pelo Brasil, “[o]s povos interessados deverão ter proteção contra a violação
de seus direitos, e poder iniciar procedimentos legais, seja pessoalmente, seja
mediante os seus organismos representativos, para assegurar o respeito efetivo
desses direitos. Deverão ser adotadas medidas para garantir que os membros desses
povos possam compreender e se fazer compreender em procedimentos legais, facilitando
para eles, se for necessário, intérpretes ou outros meios eficazes” (destaquei).
É imperioso trazer a lume a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos
dos Povos Indígenas, adotada pela Assembleia Geral, em 13 de setembro de
2007, mediante, inclusive, o voto favorável da República Federativa do Brasil,
e cujo art. 40 ressalta que:
“Os povos indígenas têm direitos a procedimentos equitativos e justos, para o acerto de
controvérsias com os Estados ou outras partes e uma pronta decisão sobre essas
controvérsias, assim como, uma reparação efetiva para toda a lesão de seus
direitos individuais e coletivos. Nessas decisões levar-se-ão devidamente em
consideração os costumes, as tradições, as normas e os sistemas jurídicos dos
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
142

povos indígenas interessados e as normas internacionais dos direitos huma-


nos.” (destaquei)
Não seria outro o tratamento a dispensar-se aos pacientes, na qualidade
de acusados em processo criminal – o que lhes deve permitir o acesso a mecanismos
de materialização de seus direitos, salientados e protegidos pela própria Constituição da
República – se houvesse sido apontada, oportunamente, pela defesa, a necessida-
de de assistência linguística, quer para a tradução de documentos do processo,
quer para se comunicarem, por intérprete, durante os atos de instrução.
Por fim, saliento a Resolução nº 287/2019 do Conselho Nacional de
Justiça, orientada também à concretização dos direitos e garantias fundamentais
dos povos indígenas. Conforme destacado no documento, “embora o regime
jurídico dos indígenas já seja disciplinado por meio de diversos compromissos
internacionais firmados pelo Estado brasileiro e de regras previstas na legislação
pátria, ainda se constatam algumas lacunas a serem preenchidas, no âmbito regulamentar,
por este Conselho Nacional de Justiça, relativas ao tratamento das pessoas indígenas e à
concretização dos direitos e garantias de que são destinatários” (fls. 533-534, grifei).

III – Pedidos de Tradução de Peças e de Concessão de Intérprete aos


Acusados
Pedem os recorrentes a tradução, para a língua Kaingang, da denúncia
e das demais peças do processo, de modo a lhes permitir plena compreensão
dos termos da acusação.
Solicitam, também, seja disponibilizado um intérprete para que possam
acompanhar o desenrolar dos atos processuais.
Nas informações prestadas a esta Corte Superior de Justiça, o Juízo da
1ª Vara Federal de Erechim/RS salientou também que:
“(...) a instrução processual, já finda, denotou de modo muito claro a desneces-
sidade de tradução de qualquer ato processual ou presença de intérprete para
o exercício do direito da ampla defesa e contraditório pelos réus, uma vez
que não houve qualquer prejuízo ou dificuldade decorrente da utilização da língua
portuguesa, que é dominada plenamente e utilizada com desenvoltura pelas
testemunhas do processo que são indígenas e pelos réus, conforme pode Vos-
sa Excelência se certificar dos respectivos depoimentos ou respectivas trans-
crições, cujos eventos em que podem ser encontrados foram acima indicados
(...)” (fl. 521, grifei)
Ao se referir à necessidade de intérprete, destacou, ainda, o Juízo sin-
gular que:
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 143

“(...) a decisão atacada pela via do habeas corpus (e agora recurso ordinário)
assegurou a reanálise acerca da necessidade ou não de intérprete quando da
instrução e realização dos interrogatórios, sendo que finda a instrução a defe-
sa nada requereu a respeito.
De fato, possivelmente nada requereu porque também constatou a defesa que a instru-
ção se desenvolveu sem qualquer particularidade digna de nota pelo fato de os réus
e várias testemunhas serem indígenas da etnia kaingang, mas que, todavia,
possuem pleno domínio da língua portuguesa, seja para compreensão do que
é dito/perguntado quanto para expressar-se, utilizando-a com desenvoltura
(...)” (fl. 521, destaquei)
Com efeito, já aduzira o julgador, nos autos da ação penal em curso
na origem, que, “ao contrário do que alega a defesa, os denunciados, embora
possam de fato ter o domínio da língua nativa Kaingang, ao que tudo indica
comunicam-se e entendem a língua portuguesa e, por conseguinte, conhecem a acusação
que pesa contra eles” (fl. 111, grifei).
O Magistrado de primeiro grau frisou também que, “por entenderem
plenamente o idioma nacional inserido no inquérito, utilizaram o direito de
permanecer em silêncio quando perguntados, na condição de investigados,
acerca dos fatos que redundaram no homicídio das vítimas, o que mais uma
vez evidencia o domínio do idioma português” (fl. 111).
Além disso, asseriu que “não há falar em prejuízo do ato citatório cuja
certidão do oficial de justiça deixa claro que os denunciados declararam (presume-
se que em português por ser improvável que o oficial de justiça tenha domínio da língua
Kaingang) que já haviam constituído advogados para acompanharem suas defesas” (fl.
111, destaquei).
Enfatizou, a propósito, a Corte de origem, por sua vez, ao manter o
decisum atacado, que “percebe-se dos elementos trazidos aos autos que os indígenas
possuem pleno entendimento dos fatos delituosos a eles imputados, não havendo a
necessidade de tradução da peça acusatória, até porque a defesa dos pacientes
está sendo realizada por procuradores constituídos pelos próprios acusados”
(fl. 115, grifei).
Tais assertivas, proferidas tanto pelo magistrado de primeiro grau
quanto pelo Tribunal que analisou o habeas corpus impetrado pela defesa dos
ora recorrentes, indicam que:
1º) em nenhum momento, durante a instrução, a defesa técnica,
constituída pelos acusados, requereu a tradução da denúncia ou de outros
documentos do processo;
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
144

2º) as oitivas de testemunhas e os interrogatórios dos réus transcorre-


ram sem qualquer anormalidade, sem dificuldade de compreensão por parte
das pessoas ouvidas, que se expressaram em língua portuguesa e tiveram a
permanente assistência dos advogados dos acusados, que intervieram nos de-
poimentos, arguindo e postulando livremente perante a autoridade judiciária
competente;
3º) os recorrentes não demonstraram, em nenhum momento, a
ocorrência de prejuízo ou dificuldade de compreensão dos atos processuais
decorrente do fato de serem integrantes da etnia Kaingang.
Como já salientado na decisão liminar, para se infirmar a interpretação
apresentada pelas instâncias ordinárias e possibilitar conclusão diversa da
exarada no acórdão vergastado quanto à desnecessidade de intérprete e de
tradução, seria necessário imiscuir-se no exame do acervo fático-probatório,
o que denota a impossibilidade de este Superior Tribunal apreciar o pedido
formulado no writ, no particular.

IV – A Ausência de Indicação de Necessidade de Tradução e


Intérprete na Espécie
Sem embargo da necessária e benfazeja proteção constitucional aos
direitos dos povos indígenas, inclusive na condição de acusados em processo
criminal, alcança especial relevo o apontamento feito pelo Magistrado de pri-
meiro grau, ao destacar ser “fato notório que os indígenas da etnia Kaingang
no contexto geográfico em que estão inseridos os acusados relacionam-se
diariamente com a comunidade envolvente nas mais diversas áreas desde há
muito tempo, o que acabou por ocasionar, ao longo do tempo, pleno domínio da língua
portuguesa, ao menos como forma de se comunicar com os não indígenas” (fl. 111, grifei).
Não desconheço o fato de estudos apontarem ser “praticamente impossível
atingir-se uma proficiência total em duas ou mais línguas, considerando-se as quatro
habilidades linguísticas (fala, escrita, compreensão auditiva e leitora) e cada um
dos seus subcomponentes linguísticos de cada língua (morfologia, sintaxe,
semântica, pragmática, discurso e fonologia)” (ZIMMER, Márcia; FINGER,
Ingrid; SCHERER, Lílian. Do bilinguismo ao multilinguismo: intersecções
entre a psicolinguística e a neurolinguística. Revel, v. 6, n. 11, 2008, p. 4).
Entretanto, não verifico a ocorrência de constrangimento ilegal no
cenário aqui apresentado, ou, pelo menos, nada está a indicar uma situação
de hipossuficiência linguística de tal monta a comprometer o direito à ampla
defesa dos acusados.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 145

Neste writ, a defesa ampliou o objeto do habeas corpus originário ao pleitear


a tradução integral dos autos. No entanto, como bem salientado pelas instâncias
ordinárias, a defesa dos réus está sendo realizada por patronos constituídos. Além
disso, deixou de minudenciar qual seria a necessidade de tradução de todo o
processo, assim como não apontou que peças realmente interessariam ao exercício do
contraditório e da ampla defesa pelos pacientes, além da denúncia.
Percebe-se, na realidade, que a defesa, antes do término da instrução
processual, nada requereu quanto à presença de intérprete, o que reitera as
razões invocadas pelas instâncias ordinárias para fundamentar a idoneidade dos atos
processuais findos, mormente o interrogatório dos pacientes. Isso, contudo, não im-
pede, que constatada a necessidade de auxílio do profissional especializado,
o requerimento não possa ser dirigido ao Juízo monocrático em atos futuros
a serem realizados.
Digo isso porque o processo a que respondem os recorrentes é regido
pelo procedimento bifásico inerente aos crimes dolosos contra a vida, de
sorte que, encerrada a primeira fase, a do iudicium accusationis, com a prolação
de pronúncia, inicia-se outra fase, a do iudicium causae, que se encerra com o
julgamento perante o Tribunal do Júri, onde há toda uma atividade probatória
– oitiva de testemunhas, peritos, produção de documentos, etc. – e o acusado
é novamente interrogado, ante seus juízes naturais, os jurados.
Em verdade, a primeira etapa do procedimento bifásico do Tribunal do
Júri tem o objetivo principal de avaliar a suficiência ou não de razões (justa
causa) para levar o acusado ao seu juízo natural. O juízo da acusação funciona
como um filtro pelo qual somente passam as acusações fundadas, viáveis,
plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa. A instrução
preliminar realizada na primeira fase do procedimento do Júri, indispensável
para evitar imputações temerárias e levianas, não é definitiva e muito menos
exauriente, podendo ser renovada, ampliada ou mesmo desconstituída pela
prova produzida no julgamento perante o Tribunal Popular.
Daí por que não se pode conferir igual peso aos depoimentos colhidos na
primeira fase comparativamente aos que se produzirão no futuro, se, por óbvio,
forem os réus pronunciados, o que constitui, no momento, apenas uma hipótese.

V – Pedido de Elaboração de Estudo Antropológico


Já no que diz com o pleito de realização de estudo antropológico, ob-
servo que o Tribunal estadual apontou ser dispensável a confecção do laudo
pericial, visto que “os elementos até então trazidos aos autos não evidenciam
que os réus vivem isolados em suas comunidades, sem conhecimento das
regras e costumes da sociedade não indígena” (fl. 116).
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
146

A despeito dessas razões, realçadas pela Corte de origem, a defesa


insiste na elaboração do estudo, ao considerar que “não se requer a realização
de perícia antropológica para aferição do grau de entendimento dos Kaingang acusados,
mas, sim, para que a compreensão de todas as partes se dê em amplo sentido
em respeito a organização social, cultura e língua Kaingang, combinada ao
direito de ampla defesa” (fl. 25, grifei).
Afirma, ainda, que “a perícia antropológica deve também atuar, princi-
palmente para esclarecer os entornos e contexto da própria ação penal, e então
buscar compreender o universo e a cultura do povo Kaingang de Kandoia,
para alcançar a verdade real e se fazer justiça” (fl. 25).
A esse respeito, cabe ressaltar, como bem assinalado pelo Subprocura-
dor-Geral da República Luciano Mariz Maia, membro da Sexta Câmara (Índios
Minorias e Populações Tradicionais), que:
“[u]ma perícia antropológica se torna exigência quando os fatos sociais, por
sua complexidade, para serem compreendidos requererem um conhecimen-
to especializado do saber antropológico, em estudo que evidencie um fazer
antropológico, relatado os achados de um modo que resulte a demonstração da
reconstrução do mundo social do grupo pesquisado, na perspectiva do grupo, com re-
gistros de sua cosmovisão, suas crenças, seus costumes, seus hábitos, suas práticas, seus
valores, sua interação com o meio ambiente, suas interações sociais recíprocas, suas ordens
internas, a organização grupal, fatores que geram concepção de pertencimento, entre
outros.” (Do papel da perícia antropológica na afirmação dos direitos dos índios. Dis-
ponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-
e-publicacoes/artigos/docs_artigos/do_papel_da_pericia_antropologica_na_
afirmacao_dos_direitos_dos_indios.pdf>, destaquei)
Embora a perícia antropológica não possua caráter vinculante, cons-
titui importante instrumento para assistir o julgador no processo decisório,
porquanto:
“(...) é responsável pela identificação de um grupo étnico enquanto tal (ín-
dios, quilombolas, ciganos, gerazeiros, populações tradicionais, etc.); pela re-
velação de seus usos, costumes, tradições, modos de ser, viver, se expressar;
pela documentação de sua memória e sua ação (reconstruindo sua trajetó-
ria de luta e de vida, de resistências e transformações, de deslocamentos e
perdas, de insurgências e ressurgências); delimitação de seu território e de
espaços de interação com o meio ambiente ou outras comunidades intraé-
tnicas ou interétnicas (nisso indicando a finalidade prática da identificação
da ocupação tradicional).” (Do papel da perícia antropológica na afirmação dos di-
reitos dos índios. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/
ccr6/documentos-e-publicacoes/artigos/docs_artigos/do_papel_da_pericia_
antropologica_na_afirm acao_dos_direitos_dos_indios.pdf>)
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 147

Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Embar-


gos de Declaração na Petição 3.388/RR, relativo ao processo de demarcação
da terra indígena Raposa Serra do Sol, destacou a importância da realização
do estudo antropológico, dado que “a inclusão de determinada área entre as
terras tradicionalmente ocupadas pelos índios’ não depende de uma avaliação
puramente política das autoridades envolvidas, e sim de um estudo técnico
antropológico. Sendo assim, a modificação da área demarcada não pode decorrer
apenas das preferências políticas do agente decisório” (Pet 3.388 ED, Rel. Min. Ro-
berto Barroso, Tribunal Pleno, j. 23.10.2013, DJe-023 divulg. 03.02.2014, publ.
04.02.2014).
Ainda sobre a importância da perícia, salienta o Ministério Público
Federal que “é insatisfatório saber se o indígena era integrado ou isolado,
ou ainda o grau de contato com a sociedade não índia, na medida em que a
perícia não visa aferir o grau de imputabilidade dos acusados, mas, sim, obter
uma compreensão da diversidade cultural que permeia os fatos, notadamente os elementos
étnicos, históricos e culturais relevantes, que, no caso ora sob análise, são essenciais para
o deslinde da questão” (fl. 331, destaquei).
Destaco ainda que a já mencionada Resolução nº 287/2019 do Con-
selho Nacional de Justiça estabelece que, “[a]o receber denúncia ou queixa
em desfavor de pessoa indígena, a autoridade judicial poderá determinar, sempre
que possível, de ofício ou a requerimento das partes, a realização de perícia antropológica,
que fornecerá subsídios para o estabelecimento da responsabilidade da pessoa acusada”
(fl. 537, destaquei).
Portanto, resulta acentuada a relevância do estudo antropológico para
a adequada compreensão dos contornos socioculturais tanto dos fatos anali-
sados quanto dos indivíduos a quem são imputados, de modo a auxiliar o Juízo
de primeiro grau na imposição de eventual reprimenda, mormente diante do que
prescreve o art. 56 do Estatuto do Índio, segundo o qual, “[n]o caso de con-
denação de índio por infração penal, a pena deverá ser atenuada e na sua aplicação
o Juiz atenderá também ao grau de integração do silvícola” (grifei).
Muito embora, portanto, não desconheça a existência de precedentes do
STF (HC 85.198, da relatoria do Min. Eros Grau) e deste STJ (HC 30.113,
da relatoria do Min. Gilson Dipp, e REsp 1.129.637, da relatoria do Min.
Sebastião Reis Júnior), considero relevante a realização do referido estudo
científico, na hipótese de serem os recorrentes pronunciados.
Isso porque, ante a concreta possibilidade de virem a ser julgados e,
eventualmente, condenados pela prática dos crimes de que são acusados, será
fundamental, para a precisa individualização das sanções criminais, que o juiz-
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
148

presidente do Tribunal do Júri tenha as informações necessárias para efetuar


o juízo de reprovação que consubstancia a ideia (lato sensu) de culpabilidade.
Não vejo, assim, prejuízo ao andamento processual que, uma vez (e se)
pronunciados os réus, seja determinada a realização do Estudo Antropológico,
pari passu aos atos necessários à preparação do julgamento, para o qual, então,
deverá o laudo estar concluído e colocado à disposição não apenas dos juízes,
leigos e togados, mas também das partes, ao escopo de auxiliá-las nos debates
que se desenvolverão em sessão plenária.

VI – Dispositivo
À vista do exposto, dou parcial provimento ao recurso, apenas para deter-
minar que, na hipótese eventual de serem os réus pronunciados, se realize
estudo antropológico antes da data designada para a sessão do Tribunal do Júri.
Casso a liminar deferida, de modo a restabelecer o regular trâmite da
Ação Penal 5004459-38.2016.404.7117.

VOTO-VENCIDO
O Exmo. Sr. Ministro Nefi Cordeiro (Presidente):
Srs. Ministros, com a vênia do Ministro Relator, vou divergir parcial-
mente, porque vejo, no laudo antropológico, o tratamento igual a todas as
demais provas do processo em que, como valorador da prova, o destinatário
direto é o juiz. Apenas na situação de ser claramente absurda a valoração, é
que temos interferido, especialmente na via do habeas corpus e do recurso em
habeas corpus. Tanto o juiz quanto o tribunal consideraram desnecessária a
perícia antropológica justamente pela aptidão que consideraram presente, nos
acusados, de não apenas se comunicar, mas de compreender integralmente
o regramento normativo.
Inclusive, aqui temos um caso de crime contra a vida. O tribunal chega
a dizer que é desnecessária a perícia antropológica, pois a ilicitude do homi-
cídio é reconhecida por qualquer comunidade indígena e nisso não haveria
divergência, inclusive nos costumes e tradições do povo Kaingang.
O que mais me faz divergir neste ponto é que, volto a insistir, temos
considerado que essa valoração feita pelo magistrado somente pode ser corrigi-
da ante flagrante situação de ser ela desarrazoada e isso não verifico na espécie.
Eu divirjo para negar integralmente o recurso de habeas corpus.
Jurisprudência

Tribual de Justiça de Goiás


APELAÇÃO CRIMINAL Nº 21048-27.2015.8.09.0175
RELATOR: JUIZ SUBSTITUTO EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES

Violência Doméstica. Ameaça. Detração Penal. Prisão


Preventiva. Monitoração Eletrônica. Condenação.
Mantida. Pena. Redimensionamento. Suspensão
Condicional. Manutenção
1. A carência de dados a apurar o período que o apelante permaneceu
preso provisoriamente impede a análise do pleito, competindo ao Juízo
da Execução Penal. 2. A monitoração eletrônica não representa efetiva
custódia do acautelado, razão pela qual seu período de uso não deve
ser considerado no cálculo da detração penal. 3. Comprovadas autoria
e materialidade, mantém-se a condenação. 4. Havendo equívoco na
fixação da pena, impõe-se a readequação. 5. Mantém-se o benefício da
suspensão condicional da pena, se presentes os requisitos autorizadores
do art. 77 do Código Penal.
Recurso conhecido e parcialmente provido.
(TJGO; ACr 21048-27.2015.8.09.0175; 1ª C.Crim.; Rel. Juiz Subst.
Eudélcio Machado Fagundes; DJEGO 18/10/2019; P. 71)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda o Tribunal de Justiça do
Estado de Goiás, pela 2ª Turma Julgadora de sua Primeira Câmara Criminal,
à unanimidade, acolhendo em parte parecer da Procuradoria-Geral de Justiça,
conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, para redimensionar a pena
imposta, nos termos do voto do Relator e da Ata de Julgamentos.
Participaram do julgamento, votando com o Relator, o Desembargador
J. Paganucci Jr., que o presidiu, e o Desembargador Nicomedes Domingos
Borges, que completou a Turma na ausência justificada da Desembargadora
Avelirdes Almeida Pinheiro de Lemos. Presente, representando o órgão de cú-
pula do Ministério Público, o Procurador Aguinaldo Bezerra Lino Tocantins.
Goiânia, 8 de outubro de 2019.
Juiz Substituto Eudélcio Machado Fagundes – Relator
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
150

RELATÓRIO
Pedro Figueiredo de Carvalho foi denunciado nas sanções do art. 147
do Código Penal e art. 65 da Lei de Contravenções Penais, em combinação
com a Lei nº 11.340, porque nos dias 3 e 9 de novembro de 2014, na Avenida
T-14, nº 1.529, Edifício Excelence, apartamento 2101, Torre Monet, Setor
Bueno, nesta Capital, prevalecendo-se de relação íntima de afeto, ameaçou
Michelly Costa e Souza e Ana Carolina Costa e Souza de causar-lhes mal
injusto e grave.
Sobreveio sentença, desclassificando a conduta de pertubação da tran-
quilidade para injúria, e declarou extinta punibilidade de Pedro pela ocorrên-
cia da decadência, nos termos do art. 107, IV, do Código Penal. Na mesma
ocasião, absolveu Pedro pelo crime de ameaça em relação a Michelly Costa
e Souza. E, ainda, o condenou pelo art. 147 do Código Penal, em face de
Ana Carolina, a 5 (cinco) meses de detenção, em regime aberto, e concedeu
a suspensão condicional da pena, pelo prazo de 2 (dois) anos e submissão à
limitação de final de semana na Casa do Albergado, entre outras condições
legais (fls. 243/249).
Inconformada, a defesa recorreu (fl. 265). Requer o reconhecimento
da detração penal, sob o argumento que Pedro cumpriu integralmente a pena
em razão do período da prisão preventiva e da monitoração eletrônica. Alter-
nativamente, pleiteia a absolvição por insuficiência probatória ou redução da
pena ao mínimo legal (fls. 283/289).
O Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e improvi-
mento do apelo (fls. 291/298).
A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo acolhimento e parcial
provimento do apelo, para o redimensionamento da reprimenda (fls. 303/307).
É o relatório.

VOTO
Presentes os requisitos, conheço.
De início, incabível o pleito de detração penal, porquanto não há dados
suficientes nos autos para apurar o período correto que o apelante permaneceu
preso provisoriamente, cabendo ao Juízo da Execução Penal a análise.
Outrossim, a monitoração eletrônica não representa efetiva custódia
do acautelado, restringe sua liberdade, mas não o priva dela totalmente, ser-
vindo como mera ferramenta de fiscalização e vigilância estatal do paradeiro
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 151

do agente, razão pela qual seu período de uso não deve ser consideração no
cálculo da detração penal.
Neste sentido, esta Corte se posicionou:
“AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. MONITORAMENTO ELETRÔ-
NICO. DETRAÇÃO PENAL. A monitoração eletrônica, enquanto medida
cautelar diversa da prisão, art. 319 do Código de Processo Penal, não repre-
senta efetiva custódia do acautelado, restringe sua liberdade, mas não o priva
dela totalmente, servindo como mera ferramenta de fiscalização e vigilância
estatal do paradeiro do indivíduo, a fim de coibir a recalcitrância delitiva,
razão pela qual seu período de uso não deve ser considerado no cálculo da de-
tração penal. Agravo em execução desprovido.” (TJGO, Agravo em Execução
Penal 149003-36.2018.8.09.0175, Rel. Dra. Lilia Monica de Castro Borges
Escher, 2ª Camara Criminal, j. 25.06.2019, DJe 2.785 12.07.2019)
Com relação à autoria e materialidade, resultam comprovadas pelo
boletim de ocorrência (fls. 06/08), requerimentos para concessão de medidas
protetivas (fls. 13 e 14) e prova oral (mídias fl. 215).
Nada obstante, o acusado diz não ter ameaçado de morte Ana Caroli-
na, em juízo, ela ratificou as declarações da fase administrativa (fls. 09/10) e
detalhou a conduta incriminada.
Relatou que viveu maritalmente com o acusado pelo período de dois
anos; que o relacionamento era instável, pelas crises de ciúmes dele; que tentou
manter a união em prol da família, pois possuem um filho em comum, mas
não foi possível; que pediu a separação e ele começou a ameaçá-la, porquan-
to não aceita o término; que o divórcio ocorreu em 31.12.2012; que usava
drogas junto com réu; que Pedro disse que lhe daria um tiro na cabeça e o
filho ficaria órfão de mãe e o pai preso; que Pedro é motorista da Secretaria de
Segurança Pública e afirma ser policial; que Pedro enviou várias mensagens
escritas e de áudio, com cunho ameaçador; que tem muito medo do acusado,
pois não sabe do que ele é capaz; que as ameaças desencadearam uma crise de
pânico, insônia e pesadelos; que fez o uso de medicamento controlado com
acompanhamento médico; que mudou de endereço no ano de 2015 para a
casa dos pais, por medida de segurança; que Pedro criou um perfil falso na
rede social, com nome Aroldo Costa, e mandava ameaças e postava fotos do
casal, com a legenda “Essa mulher é minha!”; que a ex-sogra busca o filho para
passar o dia com Pedro; que não tem mais contato com o réu; que o apelante
está fazendo alienação parental, mandando recados através da criança que
possui 4 anos de idade: “Que o papai vai matar o namoradinho da mamãe!”,
“Que a mamãe feia e gorda!”, “Que o vovô é bandido!”, “Que a mamãe e o
vovô colocaram o papai na cadeia”; que nos dias 3 e 9 de novembro de 2014,
requereu medidas protetivas; que Pedro efetuou disparos de arma de fogo
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
152

na frente da casa onde mora; que atualmente tem mais medo do acusado,
pois ele não faz mais o uso da tornozeleira eletrônica; que a família toda está
emocionalmente abalada; que o réu já foi diagnosticado com a Síndrome de
Boderline (mídia fl. 215).
Confirmando, a informante Michelly Costa e Souza, irmã da vítima,
disse na delegacia que o apelante ameaçou de morte várias vezes Ana Carolina
(fls. 11/12):
“(...) que na data de 03.11.2014, aproximadamente 02:28 horas, Ana Caroli-
na lhe mandou uma mensagem com um áudio no qual o autor disse que ‘o
que era dela tava guardado, que ia encher a cara dela e do namorado dela de
tiro’ e a agrediu verbalmente chamando-a de ‘desgraçada’, tendo sido essa a
ultima vez que o autor a agrediu verbalmente e a ameaçou e em outro áudio
enviado por Ana Carolina, o autor disse que ‘achava que era só a filha da puta,
desgraçada, vagabunda, da sua irmã que falava isso, aquela desgraçadinha’, se
referindo a declarante e a ameaçou dizendo que ‘ela iria ter o que ela merece,
que a irmãzinha dela poderia ficar esperta porque teria o que ela merece’;
que após o ocorrido, ainda na data de 03.11.2014, aproximadamente 08:00
horas, telefonou para o autor para perguntar o motivo dele estar a ameaçando,
porém o mesmo não atendeu; que na data de 09.11.2014, aproximadamente
07:00 horas, Ana Carolina lhe disse que havia descoberto que o autor fez um
perfil falso em nome de Aroldo Costa, onde há diversas fotos dela, cujo as
legendas estão escritas que ela é a mulher dele; que Ana Carolina lhe contou
também que mandou uma mensagem para o autor perguntando para ele so-
bre o perfil falso, ao que o autor respondeu que estava com saudade dela, e
que não era para ele sumir dele novamente; que não tem testemunhas do fato
(...)”. (sic – fls. 11/12).
Corroborando, as cópias das mensagens enviadas por Pedro à Ana
Carolina, com caráter ameaçador, comprovam a prática do crime tipificado
no art. 147 do Código Penal:
“(...) Se prepara para o inferno! Eu te amo muito, mais muito mesmo, mas
estou cansado das merdas que você faz! Se prepara para o inferno! (...)” (sic
– fl. 14)
“(...) Isso não vai ficar assim! Não aceito meu filho em boteco com gente que
não presta! E esse cara que esta do seu lado vai morrer! (...)” (sic – fl. 15)
“(...) Eu te aviso uma coisa, com o ódio que eu estou, eu nunca estive tão
preparado pra explodir a cabeça do preto do seu namorado! (...)” (sic – fl. 12)
“(...) Eae sua idiota, você não fala do prostituto pra mim, mas o alaor fala
tudo. Vc vai pagar caro! Mentirosa drogada desgraçada. (...)” (sic – fl. 19)
“(...) Ta na rua com o seu prostituto ne sua filha da puta. Eu vou te achar sua desgra-
çada!” (sic – fl. 19)
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 153

“(...) Pois e. vi você com o seu amiguinho prostituto. Sorte sua e do seu ami-
guinho, que me seguraram e não deixaram eu descer do carro. Da próxima
não vai ter isso. E ai gostou do novo local do seu puteiro? Próxima vez não
vou ter dó (...)” (sic – fl. 20)
Noutra versão, Pedro nega a imputação que lhe é feita, dizendo que
nunca ameaçou e agrediu fisicamente Ana Carolina; que Ana Carolina tem
ciúmes e inventou todas as estórias; que Ana Carolina foi quem criou um perfil
falso no Facebook para maltratar as ex-namoradas; que durante o término,
encontrou com Ana Carolina algumas vezes (mídia fl. 215).
Destarte, a declaração da vítima é coerente e compatível com os outros
elementos nos autos, constituindo prova apta a ensejar a condenação pela
ameaça, ao tempo que a versão apresentada pelo apelante mostra-se isolada.
Passo à análise da reprimenda imposta.
A pena-base restou fixada em 3 (três) meses de detenção, ao considerar
corretamente desfavoráveis os motivos. Porém, vislumbro que o patamar
encontra-se exacerbado, razão pela qual reduzo a basilar em 1 (um) mês e 15
(quinze) dias de detenção.
Mantenho a agravante do art. 61, inciso II, alínea f, do Código Penal,
e majoro a sanção em 15 (quinze) dias, patamar que reputo suficiente à re-
provação do crime.
Ausentes outras causas modificadoras, fixo a definitiva em 2 (dois)
meses de detenção, em regime aberto.
Presentes os requisitos do art. 77 do CP, mantenho a suspensão condi-
cional da pena, pelo prazo de 2 (dois) anos, conforme estabelecido na sentença.
Ante o exposto, acolho parecer ministerial, conheço do recurso e dou-
lhe parcial provimento, para redimensionar a pena imposta.
É o meu voto.
Juiz Substituto Eudélcio Machado Fagundes – Relator
Jurisprudência

Tribunal de Justiça de Minas Gerais


AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL Nº 0741991-14.2019.8.13.0000
RELATORA: DESEMBARGADORA LÍLIAN MACIEL

Prisão Domiciliar. Gestantes e Mães de Filhos


Menores de 12 Anos. HC Coletivo 143.641/SP.
Aplicação Restrita às Presas Provisórias. Execução
da Pena. Inaplicabilidade

As diretrizes fixadas pelo STF no HC Coletivo 143.641/SP e da norma


do art. 318-A do CPP que preveem a substituição da prisão cautelar
por domiciliar, não são aplicáveis às presas em execução provisória de
pena, que é aquela decorrente de decisão de segundo grau e antes do
seu trânsito em julgado.
No HC 152.932/SP pontuou-se que, havendo tão somente a condena-
ção pelo juízo singular, a prisão não perde seu caráter cautelar, aplicando-
se, in totum, o entendimento fixado no HC Coletivo 143.641/SP.
Não sendo essa a situação da apenada que já conta com decisão conde-
natória transitada em julgado, de se afastar a tese de extensão dos efeitos
do HC Coletivo 143.641/SP.
A eventual concessão de prisão domiciliar em cumprimento de pena
deve pautar-se pelas normas assentadas pela Lei de Execuções Penais,
especificamente aquelas elencadas no art. 117.
A instância superior não pode conhecer originariamente de pedido
não submetido à apreciação do Juízo de primeiro grau, sob pena de
supressão de instância.
Recurso conhecido em parte e não provido.
(TJMG; Ag-ExcPen 0741991-14.2019.8.13.0000; 8ª C.Crim.; Relª Desª
Lílian Maciel; DJEMG 22/10/2019)

ACÓRDÃO
Vistos, etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em conhecer em parte do recurso e negar provimento.
Desembargadora Lílian Maciel – Relatora
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 155

VOTO
Trata-se de agravo em execução interposto por Brenda Chagas Macedo
em face da decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara de Execuções
Criminais da Comarca de Belo Horizonte, que negou o pedido de substitui-
ção do cumprimento de pena privativa de liberdade por prisão domiciliar ao
fundamento de que a recorrente não seria presa provisória estando, na verdade,
em cumprimento provisório de pena, de forma que a decisão proferida no
HC/STF 143.641 não é aplicável ao caso em comento.
Aduz que a decisão proferida pelo magistrado a quo, fl. 09, merece
reforma, vez que a recorrente é mãe de uma criança menor de 12 anos de
idade fazendo jus à prisão domiciliar, em razão da presumida dependência
dos filhos em relação aos pais e do dever de assistência, criação e educação
dos filhos menores.
Requer, ainda, que em caso de não concessão imediata do benefício de
prisão domiciliar, seja apreciada a possibilidade de concessão de indulto nos
termos do Decreto nº 14.454/2017.
Em sede de contrarrazões, fls. 10/14v, o Ministério Público pugna pelo
desprovimento do recurso, ao fundamento de que a decisão proferida no HC
143.641 não é aplicável ao caso sub examine, vez que restrita às mulheres
presas provisoriamente e a recorrente estaria em cumprimento provisório de
pena privativa de liberdade.
Aponta, também, a impossibilidade de concessão da prisão domiciliar
com fulcro no art. 117, III, da Lei de Execuções Penais, vez que não estão
preenchidos os requisitos necessários por estar cumprindo pena em regime
semiaberto, além de não ter sido demonstrada situação excepcional que jus-
tifique a concessão do benefício de forma antecipada.
Juízo de retratação negativo à fl. 15, oportunidade em que a decisão foi
mantida por seus próprios fundamentos.
Remetidos os autos à d. Procuradoria-Geral de Justiça, essa apresentou
parecer às fls. 20/26, pelo parcial provimento do recurso.
É o relatório.
Passo ao voto.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Em análise dos autos, verifica-se que a recorrente encontra-se em
cumprimento provisório de pena em regime semiaberto pelo crime previsto
no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
156

Foi requerida ao juízo da execução a conversão da pena privativa de


liberdade em domiciliar com base na decisão proferida pelo e. Supremo Tri-
bunal Federal no HC Coletivo 143.641, conforme se verifica do relatório da
decisão ora recorrida à fl. 09.
Por certo que, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal julgou
o Habeas Corpus Coletivo 143.641/SP, impetrado pela Defensoria Pública da
União em favor de “todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no sistema
penitenciário nacional, que ostentem a condição de gestantes, de puérperas
ou de mães com crianças com até 12 anos de idade sob sua responsabilidade,
e das próprias crianças”.
Em virtude do julgamento, foi editada a ementa que abaixo transcrevo:
“HABEAS CORPUS COLETIVO. ADMISSIBILIDADE. DOUTRINA
BRASILEIRA DO HABEAS CORPUS. MÁXIMA EFETIVIDADE DO
WRIT. MÃES E GESTANTES PRESAS. RELAÇÕES SOCIAIS MASSIFI-
CADAS E BUROCRATIZADAS. GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS.
ACESSO À JUSTIÇA. FACILITAÇÃO. EMPREGO DE REMÉDIOS
PROCESSUAIS ADEQUADOS. LEGITIMIDADE ATIVA. APLICA-
ÇÃO ANALÓGICA DA LEI Nº 13.300/2016. MULHERES GRÁVIDAS
OU COM CRIANÇAS SOB SUA GUARDA. PRISÕES PREVENTI-
VAS CUMPRIDAS EM CONDIÇÕES DEGRADANTES. INADMIS-
SIBILIDADE. PRIVAÇÃO DE CUIDADOS MÉDICO PRÉ-NATAL E
PÓS-PARTO. FALTA DE BERÇÁRIOS E CRECHES. ADPF 347 MC/DF.
SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO. ESTADO DE COISAS INCONS-
TITUCIONAL. CULTURA DO ENCARCERAMENTO. NECESSIDA-
DE DE SUPERAÇÃO. DETENÇÕES CAUTELARES DECRETADAS
DE FORMA ABUSIVA E IRRAZOÁVEL. INCAPACIDADE DO ESTA-
DO DE ASSEGURAR DIREITOS FUNDAMENTAIS ÀS ENCARCE-
RADAS. OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO E DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS. REGRAS DE BANGKOK. ESTATUTO DA PRI-
MEIRA INFÂNCIA. APLICAÇÃO À ESPÉCIE. ORDEM CONCEDI-
DA. EXTENSÃO DE OFÍCIO.
I – Existência de relações sociais massificadas e burocratizadas, cujos pro-
blemas estão a exigir soluções a partir de remédios processuais coletivos, es-
pecialmente para coibir ou prevenir lesões a direitos de grupos vulneráveis.
II – Conhecimento do writ coletivo homenageia nossa tradição jurídica de
conferir a maior amplitude possível ao remédio heroico, conhecida como
doutrina brasileira do habeas corpus.
III – Entendimento que se amolda ao disposto no art. 654, § 2º, do Código
de Processo Penal – CPP, o qual outorga aos juízes e tribunais competência
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 157

para expedir, de ofício, ordem de habeas corpus, quando no curso de processo,


verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.
IV – Compreensão que se harmoniza também com o previsto no art. 580 do
CPP, que faculta a extensão da ordem a todos que se encontram na mesma
situação processual.
V – Tramitação de mais de 100 milhões de processos no Poder Judiciário, a
cargo de pouco mais de 16 mil juízes, a qual exige que o STF prestigie re-
médios processuais de natureza coletiva para emprestar a máxima eficácia ao
mandamento constitucional da razoável duração do processo e ao princípio
universal da efetividade da prestação jurisdicional.
VI – A legitimidade ativa do habeas corpus coletivo, a princípio, deve ser re-
servada àqueles listados no art. 12 da Lei nº 13.300/2016, por analogia ao que
dispõe a legislação referente ao mandado de injunção coletivo.
VII – Comprovação nos autos de existência de situação estrutural em que
mulheres grávidas e mães de crianças (entendido o vocábulo aqui em seu
sentido legal, como a pessoa de até doze anos de idade incompletos, nos ter-
mos do art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA) estão, de fato,
cumprindo prisão preventiva em situação degradante, privadas de cuidados
médicos pré-natais e pós-parto, inexistindo, outrossim, berçários e creches
para seus filhos.
VIII – ‘Cultura do encarceramento’ que se evidencia pela exagerada e irra-
zoável imposição de prisões provisórias a mulheres pobres e vulneráveis, em
decorrência de excessos na interpretação e aplicação da lei penal, bem assim
da processual penal, mesmo diante da existência de outras soluções, de cará-
ter humanitário, abrigadas no ordenamento jurídico vigente.
IX – Quadro fático especialmente inquietante que se revela pela incapacidade
de o Estado brasileiro garantir cuidados mínimos relativos à maternidade, até
mesmo às mulheres que não estão em situação prisional, como comprova
o ‘caso Alyne Pimentel’, julgado pelo Comitê para a Eliminação de todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher das Nações Unidas.
X – Tanto o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio nº 5 (melhorar a saú-
de materna) quanto o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5 (alcan-
çar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas), ambos
da Organização das Nações Unidades, ao tutelarem a saúde reprodutiva das
pessoas do gênero feminino, corroboram o pleito formulado na impetração.
XI – Incidência de amplo regramento internacional relativo a Direitos Hu-
manos, em especial das Regras de Bangkok, segundo as quais deve ser priori-
zada solução judicial que facilite a utilização de alternativas penais ao encar-
ceramento, principalmente para as hipóteses em que ainda não haja decisão
condenatória transitada em julgado.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
158

XII – Cuidados com a mulher presa que se direcionam não só a ela, mas
igualmente aos seus filhos, os quais sofrem injustamente as consequências
da prisão, em flagrante contrariedade ao art. 227 da Constituição, cujo teor
determina que se dê prioridade absoluta à concretização dos direitos destes.
XIII – Quadro descrito nos autos que exige o estrito cumprimento do Estatu-
to da Primeira Infância, em especial da nova redação por ele conferida ao art.
318, IV e V, do Código de Processo Penal.
XIV – Acolhimento do writ que se impõe de modo a superar tanto a arbitra-
riedade judicial quanto a sistemática exclusão de direitos de grupos hipossu-
ficientes, típica de sistemas jurídicos que não dispõem de soluções coletivas
para problemas estruturais.
XV – Ordem concedida para determinar a substituição da prisão preventiva
pela domiciliar – sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alter-
nativas previstas no art. 319 do CPP – de todas as mulheres presas, gestantes,
puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA
e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Le-
gislativo nº 186/08 e Lei nº 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo
DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, ex-
cetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave
ameaça, contra seus descendentes.
XVI – Extensão da ordem de ofício a todas as demais mulheres presas, gestan-
tes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às
adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no terri-
tório nacional, observadas as restrições acima.” (STF, 2ª Turma, HC 143.641/
SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 20.02.2018)
O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de inúmeras
mulheres grávidas e mães de crianças presas preventivamente em situação de-
gradante, privadas de cuidados básicos necessários à sua condição. Além disso,
a Corte Suprema afirmou haver no Poder Judiciário brasileiro uma “cultura
do encarceramento”, mediante a imposição exagerada de prisões provisórias
a mulheres pobres e vulneráveis, em virtude de excessos na interpretação e
aplicação da lei penal.
Anteriormente, o STF já havia reconhecido no julgamento da ADPF
347 MC/DF que o nosso sistema prisional encontra-se no denominado estado
de coisas inconstitucional, não tendo condições de garantir cuidados mínimos
em relação à maternidade e aos filhos de custodiadas, que acabam por sofrer
injustamente as consequências do encarceramento.
Ademais, diversos tratados e documentos internacionais preveem a
adoção de medidas alternativas à prisão, especialmente em casos em que ainda
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 159

não se operou o trânsito em julgado da sentença ou acórdão condenatório,


como, a título de exemplo, as Regras de Bangkok.
Em virtude da necessidade de proteção da figura do menor, recente-
mente foi editado o Estatuto da Primeira Infância, Lei nº 13.257/2016, que
trouxe algumas modificações tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente
quanto no próprio Código de Processo Penal, no que tange aos aspectos
práticos relacionados à prisão preventiva de mães de crianças e de gestantes.
Com o referido estatuto, foram acrescidos dois incisos ao art. 318 do CPP:
“Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando
o agente for:
(...)
IV – gestante;
V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;”
Contudo, tendo em vista a adoção do verbo poderá no caput do referido
artigo, em diversas situações o direito à substituição da prisão preventiva pela
domiciliar estava sendo constantemente negado ao fundamento de que o
direito não seria subjetivo, demandando uma análise particularizada do feito
pelo magistrado. Dessa forma, o que deveria ser regra, qual seja a substituição
da prisão, passou a ser entendida como exceção.
Para o STF, tal interpretação acaba por ignorar as falhas estruturais de
acesso à Justiça que existem no país, motivo pelo qual sedimentou o enten-
dimento de que se deve dar estrito cumprimento à nova redação do art. 318
do CPP, trazida pelo Estatuto da Primeira Infância.
Como consequência, foi concedida ordem para determinar:
“a substituição da prisão preventiva pela domiciliar – sem prejuízo da aplica-
ção concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP – de
todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficien-
tes, (...) enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes prati-
cados por elas mediante violência ou grave ameaça contra seus descendentes
ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente
fundamentadas pelos juízes que denegaram o benefício.
Estendo a ordem, de ofício, às demais mulheres presas, gestantes, puérperas
ou mãe de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes
sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacio-
nal, observadas as restrições previstas no parágrafo acima.”
Importa ressaltar que as regras fixadas também se aplicam às detidas
tecnicamente reincidentes, devendo o juiz atentar-se às circunstâncias do caso
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
160

concreto, observando-se, em todo caso, os princípios e regras fixados na decisão


proferida no caso paradigma, especialmente o caráter excepcional da prisão.
Dessa forma, extrai-se o entendimento de que a regra é a conversão da
prisão preventiva em domiciliar àquelas detidas que se enquadrem nas caracte-
rísticas fixadas no julgado, sendo três as exceções: (i) prática de crime mediante
violência ou grave ameaça; (ii) que o crime tenha sido praticado contra seus
descendentes; (iii) em outras situações excepcionalíssimas, devendo tais casos
serem devidamente fundamentados pelos juízes que denegarem o benefício.
Posteriormente, a Lei nº 13.769/2018 promoveu o acréscimo ao Código
de Processo Penal dos arts. 318-A e 318-B, com a seguinte redação:
“Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe
ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por
prisão domiciliar, desde que:
I – não tenha cometido o crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II – não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.
Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser
efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas
previstas no art. 319 deste Código.”
Em análise da redação trazida pela referida lei, verifica-se que a terceira
exceção apontada pelo STF não foi positivada pelo legislador. Contudo, isso
não significa dizer que a hipótese de denegação do pedido de conversão da
prisão em domiciliar em situações excepcionalíssimas não seja mais aplicável.
Isso, porque a norma não consegue retratar em sua inteireza a realidade
social e fática, motivo pelo qual as exceções previstas nos dois incisos do art.
318-A do CPP não abrangem todas as situações concretas apreciadas pelo
Judiciário.
Nesse sentido já decidiu o e. STJ quando a questão lhe foi apresentada:
“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁ-
FICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. SEGREGAÇÃO FUNDA-
DA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RISCO DE REITERAÇÃO.
EXPRESSIVA QUANTIDADE E VARIEDADE DE ENTORPECENTES,
ALÉM DE PETRECHOS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. SUBSTI-
TUIÇÃO POR PRISÃO DOMICILIAR. CABIMENTO. ART. 318-A
DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRINCÍPIOS CONSTITU-
CIONAIS DA FRATERNIDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HU-
MANA. PRIORIDADE ABSOLUTA DA CRIANÇA. HABEAS COR-
PUS COLETIVO 143.641/SP. PREVALECE A APLICAÇÃO NA PARTE
QUE A LEI NÃO REGULOU. SITUAÇÕES EXCEPCIONALÍSSIMAS.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 161

PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS POSITIVOS E NEGATIVOS


PARA PRISÃO DOMICILIAR. CUMULAÇÃO COM MEDIDAS CAU-
TELARES ALTERNATIVAS. ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS
CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. O habeas corpus não pode ser uti-
lizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue
a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilega-
lidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
2. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da
existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios sufi-
cientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro
probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art.
312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Prece-
dentes do STF e STJ. 3. Na hipótese, foram apreendidos 653 g (seiscentos e
cinquenta e três gramas) de maconha, 406 g (quatrocentos e seis gramas) de
crack, bem como 35,30 g (trinta e cinco gramas e trinta centigramas) de ‘co-
caína’, além de balança de precisão e outros materiais atinentes à traficância.
Há notícia de que a paciente responde a outra ação penal pela prática do cri-
me de tráfico de drogas e organização criminosa, a indicar a possibilidade de
risco de reiteração delitiva. 4. A prisão domiciliar consiste no recolhimento
do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com
autorização judicial (art. 317 do Código de Processo Penal). 5. O art. 318-A
do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei nº 13.769/2018, estabele-
ce um poder-dever para o juiz substituir a prisão preventiva por domiciliar de
gestante, mãe de criança menor de 12 anos e mulher responsável por pessoa
com deficiência, sempre que apresentada prova idônea do requisito estabele-
cido na norma (art. 318, parágrafo único), ressalvadas as exceções legais. 6. A
normatização de apenas duas das exceções não afasta a efetividade do que foi
decidido pelo Supremo no Habeas Corpus 143.641/SP, nos pontos não alcan-
çados pela nova lei. O fato de o legislador não ter inserido outras exceções na
lei, não significa que o Magistrado esteja proibido de negar o benefício quan-
do se deparar com casos excepcionais. Assim, deve prevalecer a interpretação
teleológica da lei, assim como a proteção aos valores mais vulneráveis. Com
efeito, naquilo que a lei não regulou, o precedente da Suprema Corte deve
continuar sendo aplicado, pois uma interpretação restritiva da norma pode
representar, em determinados casos, efetivo risco direto e indireto à crian-
ça ou ao deficiente, cuja proteção deve ser integral e prioritária. 7. Assim, a
separação excepcionalíssima da mãe de seu filho, com a decretação da prisão
preventiva, somente pode ocorrer quando violar direitos do menor ou do
deficiente, tendo em vista a força normativa da nova lei que regula o tema.
8. No particular, verifica-se que a recorrente, é mãe de três crianças menores
de 12 anos – 5 anos, 3 anos de idade, além de um terceiro filho, de 8 anos
de idade, cuja certidão não fora juntada aos autos. No entanto, o benefício
da prisão domiciliar foi negado ao argumento de que a paciente teria decla-
rado ‘que quem mantém a casa é a sua avó e sua mãe e a criação dos 3 filhos
também é feita em conjunto com mãe e avó’, motivação que não demonstra
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
162

qualquer risco aos direitos das crianças ou perigo à convivência em família,


que justifique o indeferimento da prisão domiciliar. – Embora a paciente seja
investigada por tráfico, não é reincidente; o fato que deu origem à prisão
em exame não ocorreu na residência onde moram os filhos, bem como não
envolveu atuação de organização criminosa, tanto que foi denunciada apenas
pelo crime de tráfico de drogas. Inexistência de excepcionalidade. – Além
disso, a situação dos autos também não se encaixa em nenhuma das exce-
ções legais trazidas pela Lei nº 13.769/2018, mormente por não se tratar de
delito praticado com violência ou grave ameaça, bem como não ter sido pra-
ticado contra os descendentes da paciente. 9. Habeas corpus não conhecido.
Ordem concedida de ofício para substituir a prisão preventiva de Marciana
Silva do Nascimento pela prisão domiciliar com aplicação adicional das me-
didas cautelares previstas nos incisos III e IX do art. 319 do CPP, sem preju-
ízo da fixação de outras julgadas adequadas pelo magistrado singular.” (STJ,
HC 470.549, TO 2018/0247260-3, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j.
12.02.2019, Quinta Turma, DJe 20.02.2019)
Esse é o delineamento da tese fixada pelos tribunais superiores com
relação ao tema da prisão domiciliar como substitutiva da prisão cautelar
preventiva.
Pois bem. Agora resta analisar se o caso em tela pode se valer da tese
fixada no HC Coletivo 143.641/SP.
Verifica-se que o juízo de primeiro (f. 19) motivou o indeferimento
da prisão domiciliar nos seguintes termos: “a despeito de a sentenciada não
ter sido ainda condenada irrecorrivelmente revela-se inviável a concessão da
almejada prisão domiciliar, visto que não trata-se de presa provisória uma vez
que já foi condenada irrecorrivelmente”.
Apesar da contradição nos termos da r. decisão, verifica-se pelo docu-
mento de fl. 16, intitulado “atestado de pena”, que a sentença condenatória
já transitou desde 05.07.2018. Assim, a recorrente não se encontra em cum-
primento provisório de pena em razão de condenação ainda não transitada
em julgado, o que poderia levar à equivocada conclusão de que tratar-se-ia
de um cumprimento provisório de sentença.
Sim, porque, caso efetivamente se cogitasse de um cumprimento
provisório de sentença, noutro HC, deste feita de nº 152.932/SP, também de
relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, de 22.02.2018, houve o seguinte
apontamento:
“Relevante observar que, apesar da condenação pelo juízo singular, a prisão
não perde seu caráter cautelar. Tratando-se de presa com condenação não
definitiva, aplica-se, in totum, o entendimento fixado pela maioria dos Minis-
tros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal para que se conceda o
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 163

benefício da prisão domiciliar à paciente até o trânsito em julgado da conde-


nação.” (destacamos)
Nesse contexto, a prisão decorrente de condenação em segundo grau
pode gerar a execução provisória da pena e, nesta situação já não se fala mais
em prisão cautelar. Diferentemente se dá quando a condenação ainda só existe
em nível de primeira instância, de modo que a prisão permanece com a natu-
reza cautelar e, nesta situação, incidem os efeitos do HC Coletivo 143.641/SP.
No caso dos autos, como já analisado, sequer se cogita de execução
provisória, pois a decisão condenatória já transitou em julgado. Razão assiste,
portanto, ao magistrado a quo em relação à inaplicabilidade da tese fixada no
precedente contido no HC 143.641, porque se trata de uma benesse instituída
para a situação de prisão cautelar.
No HC Coletivo 143.641/SP, foram elencadas como pacientes “todas
as mulheres submetidas à prisão cautelar no sistema penitenciário nacional,
que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de mães com crianças
com até 12 anos de idade sob sua responsabilidade, e das próprias crianças”.
A segregação da recorrente não possui caráter cautelar, mas, sim, de
cumprimento definitivo de pena, de sorte que não é possível realizar uma
interpretação extensiva do caso do HC coletivo para a hipótese em comento.
Destarte, tanto as diretrizes fixadas no writ coletivo quanto a norma do
art. 318-A do CPP não são aplicáveis, vez que detêm o âmbito de sua aplicação
às prisões preventivas.
Assim, a eventual concessão de prisão domiciliar à recorrente deve
pautar-se pelas normas assentadas na Lei de Execuções Penais, em seu art.
117, verbis:
“Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime
aberto em residência particular quando se tratar de:
I – condenado maior de 70 (setenta) anos;
II – condenado acometido de doença grave;
III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
IV – condenada gestante.”
Contudo, não é possível a análise, no caso em comento, acerca da
referida prisão domiciliar. Isso, porque o fundamento do presente agravo
pautou-se na aplicação extensiva da tese do HC Coletivo 143.641/SP e não à
luz dos requisitos do art. 117 da LEP, a serem apreciados pelo juízo da execução.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
164

Assim, proceder à análise de ofício dessa hipótese do art. 117 da LEP


seria inovar o pedido do agravante, além de conhecer originariamente de
uma matéria em sede recursal que sequer passou pelo crivo do juízo a quo,
em evidente supressão de instância.
Mesmo raciocínio se aplica ao pedido de concessão de indulto com base
no Decreto nº 14.454/2017, vez que, conforme se verifica das peças que com-
põem esse agravo, não foi objeto de requerimento junto ao juízo da execução.
Este é o entendimento deste Tribunal:
“AGRAVO EM EXECUÇÃO. PRISÃO DOMICILIAR. MATÉRIA NÃO
SUBMETIDA À ANÁLISE DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. SUPRESSÃO
DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO.
A Instância Superior fica impossibilitada de apreciar pedido não submetido
à apreciação do Juízo de primeiro grau, sob pena de supressão de instância.”
(TJMG, Agravo em Execução Penal 1.0692.18.001192-0/001, Rel. Des. Cás-
sio Salomé, 7ª Câmara Criminal, j. 03.07.2019, publ. 12.07.2019)
Dessa forma, conheço em parte do recurso para, neste tocante, negar-lhe pro-
vimento.
Desembargadora Márcia Milanez – De acordo com a Relatora.
Desembargador Dirceu Walace Baroni – De acordo com a Relatora.
Súmula: “Conheceram em parte do recurso, negando-lhe provimento”.
Jurisprudência

Triunal de Justiça do Rio de Janeiro


EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0025770-55.2017.8.19.0014
RELATOR: DESEMBARGADOR PAULO BALDEZ

Sentença que Condenou o Acusado pelo Crime de


Furto Simples Consumado. Acórdão Embargado
que Deu Parcial Provimento ao Recurso Defensivo
para Reduzir a Pena-Base de Multa ao Mínimo
Legal e Reduzir a Fração Aplicada pela Agravante
da Reincidência para 1/5. Embargos Infringentes
Objetivando a Prevalência do Voto Vencido, que
Reconhecia o Delito de Furto em sua Modalidade
Tentada, com Aplicação da Fração de Redução de 1/2
(Metade), Redução da Fração de Aumento de Pena
pela Agravante da Reincidência para 1/6, Bem Como
o Reconhecimento da Extinção da Pena pelo seu
Integral Cumprimento
1. Prevalência do voto vencido. Reincidência específica. Configuração
que exige a condenação por crimes de mesma espécie – mesmo tipo
penal –, não sendo suficiente a condenação por crimes meramente do
mesmo gênero, no caso, crimes patrimoniais. In casu, a condenação
anterior utilizada para o reconhecimento da reincidência específica
refere-se a crime de roubo, de natureza, portanto, diversa. Reincidência
específica que se afasta, readequando-se a respectiva fração de acréscimo
para 1/6 (um sexto).
2. Pleito pelo reconhecimento da tentativa que se acolhe. Da prova
produzida nos autos, restou evidenciado que o acusado não logrou
estabelecer minimamente poder de disponibilidade da coisa, conside-
rando que o segurança do supermercado acompanhou toda a empreitada
criminosa. Adoção da fração de redução de pena no percentual de 1/2
(metade), considerando o iter criminis percorrido pelo recorrente.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
166

3. Acusado que permaneceu encarcerado cautelarmente por tempo su-


perior à pena ora fixada. Extinção da pena privativa de liberdade que se
declara, ante seu integral cumprimento, expedindo-se alvará de soltura.
Recurso conhecido e provido.
(TJRJ; EI-ENul 0025770-55.2017.8.19.0014; 5ª C.Crim.; Rel. Des. Paulo
Baldez; DORJ 21/10/2019; p. 146)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos Infringentes e de
Nulidade de nº 0025770-55.2017.8.19.0014 em que é embargante Weberson
Rodrigues de Almeida e embargado o Ministério Público.
Acordam os Desembargadores da Quinta Câmara Criminal do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em conhecer
e dar provimento aos embargos infringentes e de nulidade para fazer prevalecer
o voto vencido, reconhecendo a tentativa e readequando a resposta penal pela
prática do crime do art. 155, caput c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, aos
patamares de 7 (sete) meses de reclusão, em regime semiaberto, e 5 (cinco) dias-multa,
no valor unitário mínimo, declarando extinta a pena privativa de liberdade
por seu integral cumprimento, com expedição de alvará de soltura e ofício à
VEP, nos termos do voto do Desembargador Relator.
Sessão de Julgamento, 1º de agosto de 2019.
Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2019.
Desembargador Paulo Baldez – Relator

RELATÓRIO
Trata-se de Embargos Infringentes e de Nulidade em que se pretende
ver reconhecida a prevalência de voto vencido da lavra do eminente Desem-
bargador Paulo de Tarso Neves, proferido em julgamento realizado na egrégia
Segunda Câmara Criminal deste Tribunal, nos autos das apelações interpostas
por Weberson Rodrigues de Almeida contra a sentença de fls. 81/85 (e-doc.
000095), que julgou procedente o pedido formulado na denúncia para con-
denar o denunciado por infração ao art. 155, caput, do Código Penal, às penas
de 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão, em regime semiaberto, e ao pagamento de
15 (quinze) dias-multa, à razão unitária mínima legal, mantida a prisão do réu.
O v. acórdão embargado de fls. 169/179 (e-doc. 000169), da lavra da
eminente Desembargadora Katia Maria Amaral, Relatora, deu parcial pro-
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 167

vimento ao recurso da defesa, para reduzir a pena-base de multa ao mínimo


legal e a fração aplicada pela agravante da reincidência para 1/5, tornando a
condenação definitiva em 1 (um) ano, 2 (dois) meses e 12 (doze) dias de reclusão e
12 (doze) dias-multa, mantida, no mais, a r. sentença recorrida.
O voto vencido de fls. 182/183 (e-doc. 000182), proferido pelo eminente
Des. Paulo de Tarso Neves dava parcial provimento ao recurso defensivo,
para reconhecer o delito de furto do art. 155, caput, do Código Penal, em sua
modalidade tentada, aplicando a fração de redução de 1/2, a redução da fração
de aumento pela agravante da reincidência para 1/6, reduzindo a sanção para os
patamares de 7 (sete) meses de reclusão, em regime semiaberto, e pagamento
de 5 (cinco) dias-multa, reconhecendo a extinção da pena pelo cumprimento
em razão da prisão cautelar desde 19 de setembro de 2017.
A Defensoria Pública, então, opôs Embargos Infringentes e de Nulidade
de fls. 198/204 (e-doc. 000198), requerendo a prevalência do voto vencido.
Parecer da Procuradoria de Justiça às fls. 215/220 (e-doc. 000215), da lavra
da Procuradora Simone Benicio Ferolla, pelo conhecimento e provimento
dos embargos, para que seja reconhecido o delito em sua modalidade tentada,
com diminuição das penas na metade, e reduzir o patamar de aumento pela
reincidência para 1/6, declarando-se extinta a pena pelo cumprimento.
É o relatório.

VOTO
Cinge-se a divergência ao reconhecimento do crime de furto simples em
sua forma consumada ou tentada, bem como ao reconhecimento da agravante
da reincidência específica, com aplicação na segunda fase da dosimetria da
fração de 1/5 (um quinto) ou reconhecimento da reincidência simples, com
aplicação da fração de 1/6 (um sexto).
Do exame dos autos, verifica-se que assiste razão à Defesa, merecendo
prevalecer o voto vencido.
No que tange ao pleito de reconhecimento da reincidência simples e
não específica, com a consequente redução da fração de aumento de 1/5 (um
quinto) para 1/6 (sexto) em razão da referida agravante, observa-se que esta se
configurou em razão da anotação de nº 2 da FAC de fls. 66/69v (e-doc. 000081)
e da certidão de fl. 70 (e-doc. 000089), referente à condenação transitada em
julgado pelo crime de roubo.
Todavia, apesar de correto o reconhecimento da reincidência, esta não
se revela específica, como bem pontuado no voto vencido, já que o crime
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Jurisprudência
168

anterior – roubo –, embora patrimonial, não se afigura idêntico ao delito ora


examinado.
Dessa forma, deve ser reconhecida a presença da agravante da reinci-
dência em sua forma simples, operando-se a fração para acréscimo de 1/6 (um
sexto), readequando-se a pena intermediária para 1 (um) ano e 2 (dois) meses de
reclusão e 11 (onze) dias-multa.
Por sua vez, quanto ao pleito de reconhecimento do crime em sua
modalidade tentada, da análise da prova oral produzida nos autos, conclui-
se que o acusado permaneceu vigiado pelo segurança do estabelecimento
comercial − um supermercado − durante toda a ação criminosa, tendo sido
abordado no exato momento em que deixava o local da subtração, sendo a res
furtiva integralmente restituída.
Neste sentido, vale conferir o relato prestado em sede policial por
Marcelo Melo, segurança do supermercado Superbom na Beira Valão:
“(...) que é segurança do supermercado Superbom na Beira Valão. Que na
data e hoje, por volta das 14:40 horas, verificou que um elemento (sic), que
agora sabe chamar Weberson Rodrigues Almeida, entrou no estacionamen-
to do Supermercado. Que Weberson é conhecido por furtar bicicletas no
estacionamento do supermercado, contudo de outras vezes não foi possível
efetuar sua prisão. Que então ficaram observando e Weberson se dirigiu até uma
bicicleta de um funcionário do Supermercado que estava no bicicletário, retirou a bicicleta
do bicicletário e se dirigiu a saída do estacionamento do Supermercado. Quando então
abordou Weberson após sair do estacionamento do Supermercado, já na calçada, e soli-
citou que o mesmo o acompanhasse até a sala de monitoramento. Que na sala
de monitoramento Weberson disse que é usuário de drogas e estava furtando
a bicicleta para vender e usar drogas. Que a bicicleta é uma Caloi, masculina,
branca e vermelha, do funcionário Edeilson da Silva Ribeiro (...)” (Marcelo
Melo, testemunha, fls. 08/09, e-doc. 000011/000012)
Vale ressaltar que, embora tais declarações não tenham sido reproduzidas
em juízo, a dinâmica dos fatos por ele relatada foram corroboradas pelo policial
militar Luiz Carlos Peixoto Bachor Junior, que, acionado para responder à
diligência, teve contato com Marcelo e com o acusado, bem como assistiu às
imagens gravadas pelas câmeras de segurança do local, asseverando que, da
análise de tais imagens, podia afirmar que o acusado “nem saiu do ambiente
ali do supermercado”.
Logo, cotejando-se os relatos apresentados, constata-se que o delito
não ultrapassou a esfera da tentativa, vez que o apelante não teve, ainda que
por breve lapso temporal, poder de disposição sobre o bem, sendo a res inte-
gralmente recuperada pela vítima.
Jurisprudência – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 169

Logo, forçoso reconhecer a incidência da norma do art. 14, II, do Có-


digo Penal.
Por sua vez, é assente na doutrina e na jurisprudência pátria que a defi-
nição do percentual da redução de pena decorrente da tentativa deve levar em
conta tão só o iter criminis percorrido, a saber, caminho compreendido entre
o início dos atos de execução e sua interrupção, por circunstâncias alheias
à vontade do agente, e a proximidade desta com a consumação do delito,
orientando-se, para tanto, nos critérios da proporcionalidade e lesividade,
vetores do sistema penal pátrio.
No caso em comento, verifica-se que a conduta perpetrada pelo acusado
se situa em patamar intermediário à consumação delitiva, devendo incidir,
por conseguinte, a fração de redução de 1/2 (metade), tornando-se a resposta
penal definitiva pelo delito de furto simples tentado em 7 (sete) meses de reclusão
e 5 (cinco) dias-multa, no valor unitário mínimo.
Apesar da pena ora readequada, mantenho o regime semiaberto inicial
de cumprimento de pena, pois se trata de réu reincidente, nos termos do art.
33, § 2º, b, do Código Penal.
Verifica-se, por fim, o integral cumprimento da pena privativa de li-
berdade pelo acusado. Apesar de reincidente, da análise do sistema Projudi
observa-se que restou extinto o cumprimento da pena referente ao outro
processo, iniciado o cumprimento da pena dos presentes autos em 19.09.2017.
Assim, preso pelo presente processo tempo superior ao fixado de pena
privativa de liberdade, impõe-se a declaração de extinção da pena privativa de
liberdade, com a expedição de alvará de soltura.
Pelo exposto, voto no sentido de conhecer e dar provimento aos embargos
infringentes e de nulidade para fazer prevalecer o voto vencido, reconhecendo
a tentativa e readequando a resposta penal pela prática do crime do art. 155,
caput c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal, aos patamares de 7 (sete) meses
de reclusão, em regime semiaberto, e 5 (cinco) dias-multa, no valor unitário mínimo,
declarando extinta a pena privativa de liberdade por seu integral cumprimento,
com expedição de alvará de soltura e ofício à VEP.
Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2019.
Desembargador Paulo Baldez – Relator
Divergência Jurisprudencial

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Embriaguez ao Volante – Prisão Preventiva – Garantia


da Ordem Pública – Medidas Cautelares Alternativas –
Fixação – Possibilidade/Impossibilidade
92/1 → EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA
DOS REQUISITOS LEGAIS. DESNECESSIDADE DE PRISÃO NO CASO CONCRE-
TO. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. As circunstâncias do caso
concreto não evidenciam a necessidade da segregação cautelar, já que não demonstrados os
requisitos legais para tanto. Na espécie, extrai-se que o paciente foi autuado em flagrante pela
prática, em tese, dos crimes de lesões corporais culposas e embriaguez ao volante. Ausente
demonstração quanto à necessidade de segregação cautelar ou que a sua liberdade possa
comprometer a ordem pública e o regular andamento do feito. Medida cautelar alternativa
mostra-se suficiente e proporcional. Concessão da ordem de habeas corpus. Liminar ratificada.
Habeas corpus concedido. Liminar ratificada. (TJRS; HC 65415-56.2019.8.21.7000; 5ª C.Crim.;
Relª Desª Lizete Andreis Sebben; DJERS 12/04/2019)
92/2 ← HOMICÍDIO E LESÃO CORPORAL. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDA-
MENTAÇÃO IDÔNEA. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO E PERICULOSIDADE
DO AGENTE. ACIDENTE DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PACIENTE
QUE FAZ USO DE REMÉDIO CONTROLADO. INGESTÃO DE ALTA QUANTIDADE
DE BEBIDA ALCOÓLICA. NECESSIDADE DE ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI
PENAL. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. INAPLICABILI-
DADE DE MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO
EVIDENCIADA. 1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a
impetração não deve ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do STF e do próprio
STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para
verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem
de ofício. 2. Considerando a natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a
possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em
dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no CPP. Deve, ainda,
ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar
diversa, nos termos previstos no art. 319 do CPP. In casu, verifica-se que a prisão preventiva
foi adequadamente motivada, tendo sido demonstrada, com base em elementos concretos, a
gravidade do delito e a periculosidade do agente que, com a consciência de que não poderia
ingerir bebida alcoólica, em razão de uso contínuo de medicamento controlado, arriscou-se
a uma ingestão de alto teor alcoólico e, em seguida, dirigiu seu veículo invadindo a contra-
mão de uma via em alta velocidade, ocasionando um grave acidente, que levou a óbito uma
vítima e causou lesão corporal na outra vítima. Nesse contexto, forçoso concluir que a prisão
processual está devidamente fundamentada na garantia da ordem pública, não havendo falar,
portanto, em existência de evidente flagrante ilegalidade capaz de justificar a sua revogação. 3.
A presença de condições pessoais favoráveis do agente, como primariedade, domicílio certo
e emprego lícito, não representa óbice, por si só, à decretação da prisão preventiva, quando
identificados os requisitos legais da cautela. 4. São inaplicáveis quaisquer medidas cautelares
alternativas previstas no art. 319 do CPP, uma vez que as circunstâncias do delito evidenciam a
insuficiência das providências menos gravosas. 5. HC não conhecido. (STJ; HC 527.464; Proc.
2019/0242300-3; RN; 5ª T.; Rel. Min. Joel Ilan Paciornik; DJE 26/09/2019)
Ementário

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92/3 – AÇÃO PENAL PÚBLICA ORIGINÁRIA. EX-PREFEITO DO MUNICÍ-


PIO DE JUARÁ/MT. DISPENSA E INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO FORA DAS
HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI OU SEM OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES
LEGAIS (ART. 89, CAPUT, DA LEI Nº 8.666/93 C/C O ART. 71, CAPUT, DO CP).
CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE DOLO ESPECÍFICO.
SERVIÇOS EFETIVAMENTE PRESTADOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO.
FINALIDADE ESPECIAL DE PREJUDICAR A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NÃO
DEMONSTRADA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.
AÇÃO PENAL IMPROCEDENTE. 1. A configuração do crime previsto no art. 89, caput, da
Lei nº 8.666/93 reclama a demonstração de elemento subjetivo específico, isto é, o intuito de
causar dano ao erário, além de efetivo prejuízo aos cofres públicos. 2. Apesar de ter promovido
contratações diretas por intermédio de processos de dispensa ou inexigibilidade de licitação
contendo irregularidades, o conjunto fático-probatório revela que os serviços contratados pelo
denunciado foram efetivamente prestados e se pagou por eles o preço médio do mercado,
evidenciando a inexistência de superfaturamento. 3. Diante da ausência de efetivo prejuízo
ao erário e da falta de comprovação de que o denunciado agiu com a finalidade específica de
macular a Administração Pública, deve ser reconhecida a atipicidade da conduta e declarada,
por conseguinte, a sua absolvição com fundamento no art. 386, inciso III, do CPP. (TJMT; REC
97668/2015; T.C.Crim.Reun.; Rel. Des. Rondon Bassil Dower Filho; DJMT 08/10/2019; p. 246)

92/4 – AGRAVO EM EXECUÇÃO. DECISÃO QUE DETERMINOU A UNI-


FICAÇÃO DAS PENAS DO AGRAVADO, A FIXAÇÃO DO REGIME FECHADO E
ATUALIZAÇÃO DO CÁLCULO DE PENAS PARA FINS DE BENEFÍCIOS, DEVENDO
CONSTAR COMO TERMO INICIAL A DATA DA ÚLTIMA PRISÃO OU FALTA GRAVE
PARA PROGRESSÃO DE REGIME. RECURSO MINISTERIAL OBJETIVANDO A IN-
TERRUPÇÃO DA CONTAGEM DE PRAZOS PARA OBTENÇÃO DO LIVRAMENTO
CONDICIONAL, COMUTAÇÃO E INDULTO, A PARTIR DA MESMA DATA-BASE.
Inadmissibilidade. Unificação de penas que modifica o lapso temporal para progressão de re-
gime, a contar do trânsito em julgado da última condenação. Todavia, entendimento firmado
pelo STJ no REsp 1.753.512, em sede de Recurso Repetitivo (Tema nº 1.006), no sentido de
que a unificação de penas pela superveniência de nova condenação durante o cumprimento da
reprimenda não acarreta a interrupção da contagem para progressão de regime. Fenômeno da
interrupção que também não pode ser aplicado a benefícios, como o livramento condicional,
indulto e comutação de pena, por absoluta falta de amparo legal. Inteligência das Súmulas ns.
441 e 535, ambas do STJ. Agravo não provido. (TJSP; AG-ExPen 9001099-28.2015.8.26.0032;
Ac. 12979205; 13ª C.D.Crim.; Rel. Des. Moreira da Silva; DJESP 23/10/2019; p. 1.604)

92/5 – APROPRIAÇÃO INDÉBITA. CONDENAÇÃO. PROVA INSUFICIENTE.


DÚVIDA QUANTO À PRÁTICA DO FATO CRIMINOSO. AUSÊNCIA DE COMPRO-
VAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO. MERO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. ILÍ-
CITO CIVIL. ABSOLVIÇÃO. PROVIMENTO. 1. A figura da apropriação indébita pressupõe
dolo específico, ou seja, a tomada da coisa alheia de que tinha posse ou detenção em proveito
próprio, com ânimo de assumir a condição de proprietário. Neste contexto, observado que as
provas colhidas nos autos não oferecem certeza quanto à materialização do dolo na forma exigida,
não resta caracterizada a conduta narrada na acusatória. 2. Aplicação do princípio in dubio pro
reo. 3. Ausentes as elementares penais, configura mero ilícito civil o eventual inadimplemento
contratual havido entre as partes, não ensejando a condenação penal. 4. Sentença reformada
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Ementário
172

para decretar-se a absolvição dos apelantes. 5. Recursos conhecidos e providos. (TJAP; APL
0006387-11.2016.8.03.0002; C.Un.; Rel. Des. Eduardo Contreras; DJEAP 24/09/2019; p. 61)

92/6 – CANNABIS SATIVA. USO PARA TRATAMENTO TERAPÊUTICO/ME-


DICINAL INDIVIDUAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. A ação de habeas corpus tem pressu-
posto específico de admissibilidade, consistente na demonstração primo ictu oculi da violência
atual ou iminente, qualificada pela ilegalidade ou pelo abuso de poder, que repercuta, mediata
ou imediatamente, no direito à livre locomoção, conforme previsão do art. 5º, LXVIII, da
Constituição Federal e art. 647 do Código de Processo Penal. 2. Mostra-se adequada a via
processual escolhida, uma vez que a paciente corre o risco de ser privada da sua liberdade
de locomoção diante das previsões contidas na Lei nº 11.343/06, caso incida na importação,
cultivo ou transporte de Cannabis, ainda que para fins medicinais. 3. Quando a importação
ou o cultivo das substâncias entorpecentes tem como objetivo um tratamento medicinal ou
fim científico, especialmente aqueles voltados ao tratamento de pessoas cuja qualidade de
vida é comprovadamente melhorada com o uso da Cannabis, não se pode impor empecilhos
na concessão de autorização para sua utilização. 4. Não obstante a ausência de perícia oficial
para comprovação da necessidade de ministração de substância à base de Cannabis sativa para
tratamento da doença de que acometida a paciente, a autorização da Anvisa juntada aos autos
mostra-se suficiente para tal desiderato, já que produzida por órgão público e obtida por meio
de procedimento administrativo voltado para a análise da comprovação dos requisitos exigidos.
5. Recurso em sentido estrito provido. Ordem concedida. Salvo-conduto expedido. (TRF 3ª
R.; RSE 0010554-26.2018.4.03.6181; SP; 5ª T.; Rel. Des. Fed. Maurício Kato; DEJF 23/10/2019)

92/7 – COLABORAÇÃO COMO INFORMANTE PARA O TRÁFICO DE DRO-


GAS. DELITO PREVISTO NO ART. 37 DA LEI Nº 11.343/06. ABSOLVIÇÃO. POSSIBI-
LIDADE. AUSÊNCIA DAS ELEMENTARES DO TIPO PENAL. RECURSO DA DEFESA
PROVIDO. Não restando comprovado que a colaboração do apelante se deu em relação ao
grupo, organização ou associação voltados à prática do comércio ilícito de entorpecentes, não
há falar em tipicidade da conduta, sendo a absolvição quanto ao delito do art. 37 da Lei de
Drogas medida que se impõe. Recurso provido. (TJMG; APCR 0713687-64.2018.8.13.0024;
4ª C.Crim.; Rel. Des. Doorgal Borges de Andrada; DJEMG 23/10/2019)

92/8 – CRIME AMBIENTAL. ART. 34, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA


LEI Nº 9.605/98 C/C O ART. 14, II, DO CP. Autoria bem comprovada por meio da prova
oral. Confissão do corréu Marcelo. Prova da eficácia das tarrafas portadas pelos apelantes, nas
proximidades de rio. Pena restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comuni-
dade mantida. Recursos não providos. (TJSP; ACr 0003086-36.2016.8.26.0319; Ac. 12971550;
7ª C.D.Crim.; Rel. Des. Reinaldo Cintra; DJESP 23/10/2019; p. 1.588)

92/9 – CRIME AMBIENTAL. ART. 50-A DA LEI Nº 9.605/98. DESMATAMEN-


TO REALIZADO PARA SUBSISTÊNCIA FAMILIAR. ESTADO DE NECESSIDADE
CARACTERIZADO. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1.
Apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença que absolveu sumaria-
mente o réu, em vista de reconhecimento de causa excludente de ilicitude, conforme art. 397,
inciso I, do CPP. 2. De acordo com a denúncia, no dia 23.02.2013, o réu desmatou 18,17 ha
de floresta nativa do bioma Amazônia, em área compreendida sob as coordenadas W-054º 18
05,23” e S03º 5858, 49”. Relata ainda que não havia autorização legal para a prática do ato. 3.
Ficou demonstrado nos autos que o réu efetuou o desmatamento de parte de sua área rural
para praticar a cultura de milho, arroz e feijão com o fim de garantir sua sobrevivência e de
sua família. O dolo de cometer o crime previsto no art. 50-A da Lei nº 9.605/98 não restou
caracterizado. A conduta do acusado subsume-se ao estado de necessidade, excludente de an-
tijuridicidade prevista nos arts. 23, inciso I, e 24 do Código Penal. 4. Constata-se que o crime
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 173

previsto no art. 50-A somente foi praticado com o intuito de proporcionar o sustento pessoal e
de sua família, amoldando-se perfeitamente ao que estabelece o § 1º deste mesmo dispositivo
o qual dispõe que “não é crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata
pessoal do agente ou de sua família”. 5. Apelação a que se nega provimento. (TRF 1ª R.; ACR
0004291-84.2015.4.01.3902; PA; 4ª T.; Rel. Des. Fed. Néviton Guedes; DJF1 23/10/2019)

92/10 – CRIME AMBIENTAL. DANO DIRETO À UNIDADE DE CONSER-


VAÇÃO. ART. 40 LEI Nº 9.605/98. IMPEDIR OU DIFICULTAR A REGENERAÇÃO
NATURAL DE FLORESTAS E DEMAIS FORMAS DE VEGETAÇÃO. ART. 48 DA LEI
Nº 9.605/98. CRIME PERMANENTE. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA
COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. 1. O tipo penal do art. 40 da Lei nº 9.605/98
pressupõe apenas que o agente cause dano direto ou indireto à unidade de conservação e às
áreas definidas no art. 27 do Decreto nº 99.274/90. A Lei ambiental não faz distinção entre
unidades de conservação de proteção integral ou de uso sustentável. As unidades de conservação
de uso sustentável, espécie de APAs – Áreas de Proteção Ambiental, também são abrangidas
pelo dispositivo legal (ACR 0004337-58.2015.4.01.3810, Rel. Des. Fed. Ney Bello, Relª Conv.
Juíza Federal Maria Lúcia Gomes de Souza, DJ 18.08.2017). 2. A conduta típica descrita no
art. 48 da Lei nº 9.605/98, de impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais
formas de vegetação, é crime de natureza permanente, pois a sua consumação se prolonga no
tempo, até que cesse a ação ou omissão delitiva. Não há falar em prescrição. 3. O princípio da
insignificância é aplicado aos crimes ambientais, de modo excepcional e de maneira cautelosa,
quando se verificar mínima ofensividade e ausência de reprovabilidade social da conduta.
Não é o caso dos autos. 4. Comprovadas materialidade e autoria dos delitos dos arts. 40 e 48
da Lei nº 9.605/98 pelas provas documentais e depoimentos colhidos. 5. Dosimetria da pena
em conformidade com os arts. 59 e 68 do CP. 6. Apelação a que se nega provimento. (TRF
1ª R.; ACR 0003344-57.2016.4.01.4302; TO; 3ª T.; Rel. Des. Fed. Ney Bello; DJF1 18/10/2019)

92/11 – CRIME AMBIENTAL E DE USURPAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA DA


UNIÃO. GARIMPO ARTESANAL SEM NENHUMA RELEVÂNCIA PARA O BEM
JURÍDICO TUTELADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
PROVIMENTO DO RECURSO. ABSOLVIÇÃO. 1. Conquanto seja tarefa do legislador
selecionar e tipificar penalmente as condutas criminosas, a avaliação da tipicidade pelo juiz não
se resume ao plano meramente formal, em face do modelo adotado pela Lei, mas também no
plano substancial, no sentido de verificar se a conduta do agente, na persecução penal, ofende,
de maneira significativa, o bem jurídico tutelado. Negativa a resposta, deixa de existir o crime;
ou, pelo menos, o interesse de agir, como uma das condições da ação penal, pelo que deve ser
mantida a decisão que rejeitou a denúncia. 2. A hipótese revela a atuação de um casal de caseiros
de uma fazenda que foram pegos garimpando cascalho diamantífero às margens do rio que corta
a área, com ferramentas artesanais (pás, picaretas, enxadas e peneiras) e sem demonstração de
qualquer lesão significativa a interesse da União, situação que revela ausência de ofensividade
ao bem jurídico tutelado, ensejando a aplicação do princípio da insignificância. Precedente do
STJ. 3. Apelação provida para absolver os réus. (TRF 1ª R.; ACR 0001291-78.2012.4.01.3806;
MG; 4ª T.; Rel. Juiz Fed. Conv. Saulo Casali Bahia; DJF1 23/10/2019)

92/12 – CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. FALSIFICAÇÃO DE PRODUTO


DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS. ADULTERAÇÃO E VENDA DE VACINAS
SEM AUTORIZAÇÃO OU REGISTRO NO ÓRGÃO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA.
NOVO JULGAMENTO DA APELAÇÃO CRIMINAL. CUMPRIMENTO DE DECISÃO
EMANADA DO STJ. APLICAÇÃO DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 12 DA
LEI Nº 6.368/76 FACE À INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 273 DO CÓDIGO
PENAL. REDIMENSIONAMENTO DA PENA. Considerando a inconstitucionalidade do
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Ementário
174

preceito secundário do tipo penal do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, deve a pena ser calcu-
lada utilizando os parâmetros do preceito secundário do art. 12 da Lei nº 6.368/76, conforme
determinado pelo STJ. Pena redimensionada, em novo julgamento do recurso de apelação
criminal. (TJMG; APCR 4229652-82.2007.8.13.0145; 4ª C.Crim.; Rel. Des. Júlio Cezar Gut-
tierrez; DJEMG 23/10/2019)

92/13 – CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. EXPOSIÇÃO À


VENDA DE PRODUTOS EM CONDIÇÕES IMPRÓPRIAS AO CONSUMO. IMPU-
TAÇÃO DO DELITO INSCULPIDO NO ART. 7º, IX, DA LEI Nº 8.137/90. Validade do
procedimento investigatório contido no inquérito policial, bem como dos depoimentos do
acusado. Nulidade processual não configurada. Materialidade e autoria delitivas comprovadas.
Conjunto probatório robusto para condenação. Validade dos depoimentos das testemunhas.
Laudo pericial conclusivo pela impropriedade dos alimentos apreendidos. Dosimetria da pena
aplicada de forma escorreita. Concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. Recurso
conhecido. Apelo improvido. (TJBA; AP 0504193-90.2017.8.05.0001; 1ª C.Crim.; Rel. Des.
Abelardo Paulo da Matta Neto; DJBA 23/10/2019; p. 710)

92/14 – CRIME DO ART. 90 DA LEI Nº 8.666/93. LEI DE LICITAÇÕES. FRAUDE


AO CARÁTER COMPETITIVO DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. CRIME DO
ART. 288 DO CÓDIGO PENAL. PREFEITO E MEMBROS DA COMISSÃO DE LICI-
TAÇÃO. SUPERFATURAMENTO. MÁFIA DOS SANGUESSUGAS. INSUFICIÊNCIA
DE PROVAS QUANTO À PRÁTICA DO INJUSTO PENAL. ABSOLVIÇÃO COM
FUNDAMENTO NO ART. 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SEN-
TENÇA MANTIDA. 1. No crime previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/93 pune-se a frustração
ou fraude do caráter competitivo do procedimento licitatório mediante acordo ou qualquer
outro instrumento para alcançar esse fim. É a eliminação da competição ou a promoção de
uma ilusória competição entre participantes da licitação por qualquer mecanismo. 2. As pro-
vas arregimentadas aos autos não dissipam as dúvidas acerca da contribuição dos réus para o
evento criminoso, não havendo elementos no sentido de que eles tenham sequer previamente
consentido para a prática ilícita. Não há como lhes imputar a responsabilidade penal, sobretu-
do, porque o depoimento da principal testemunha arrolada pelo Ministério Público Federal
aponta em sentido contrário àquele pretendido pela acusação. 3. Ausente suporte probatório
da existência de potencial consciência da ilicitude por parte do acusado, insustentável a im-
putação pela prática do delito de formação de quadrilha. A conclusão de ausência do dolo na
conduta do réu, quanto ao delito do art. 90 da Lei nº 8.666/93, inibe qualquer possibilidade
de imputação pela prática do delito do art. 288 do Código Penal. 4. Apelação do Ministério
Público Federal não provida. (TRF 1ª R.; ACR 0027529-78.2009.4.01.3600; MT; 3ª T.; Rel.
Des. Fed. Ney Bello; DJF1 18/10/2019)

92/15 – DANO (ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DO CP) E DESACATO


(ART. 331 DO CP). RECURSO DEFENSIVO. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE DOLO.
PRESCINDIBILIDADE. 1. O dolo do crime de dano consiste na vontade de praticar uma
das condutas previstas no núcleo do tipo penal insculpido no art. 163 do Código Penal, sendo
desnecessária a presença do dolo específico de causar prejuízo, bastando tão somente o dolo
genérico da conduta perpetrada pelo agente para sua configuração. 2. Se o acusado, livre e
conscientemente, dirige palavras ofensivas a agente público (policiais militares), no exercício
regular das funções que lhe foram atribuídas constitucionalmente, com a nítida, consciente e
deliberada intenção de ofender e depreciar a função por estes desempenhadas, comete o crime de
desacato, insculpido no art. 331 do Código Penal. (TJMG; APCR 1849858-16.2015.8.13.0024;
1ª C.Crim.; Relª Desª Kárin Emmerich; DJEMG 23/10/2019)
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 175

92/16 – DESCAMINHO. DOLO NÃO CONFIGURADO EM FACE DA PROVA.


SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A sentença, embora tenha
entendido que a materialidade do delito estava comprovada, optou pela absolvição da acusada
(apelada), da prática do crime do art. 334, § 1º, c, do Código Penal, sob o fundamento de não
haver prova suficiente de que tinha ciência da origem estrangeira da mercadoria apreendida,
diagnóstico que não resulta infirmado pelas razões da apelação. 2. As provas constantes dos autos
não oferecem elementos incontestáveis capazes de comprovar a presença do dolo na conduta da
acusada, não existindo evidências seguras que demonstrem que a apelada tinha ciência quanto
à origem estrangeira da mercadoria apreendida em seu estabelecimento comercial. 3. Apelação
desprovida. (TRF 1ª R.; ACr 0061526-63.2011.4.01.3800; MG; 4ª T.; Rel. Juiz Fed. Conv. Saulo
Casali Bahia; DJF1 23/10/2019)

92/17 – ESTELIONATO. PRELIMINAR DE EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE


POR PRESCRIÇÃO RETROATIVA. REJEIÇÃO. LAPSO TEMPORAL NÃO TRANS-
CORRIDO. EXCLUSÃO DA ILICITUDE E DA CULPABILIDADE POR ESTADO DE
NECESSIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. CONDUTA DOS RÉUS
CONFIGURADA POR PERIGO ATUAL. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
DO TIPO PENAL INCRIMINADOR. IMPOSSIBILIDADE DA SUBSTITUIÇÃO DE
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. PROVIMENTO
APELO DELMAR LEONIR HUPPES (CIVIL). DECISÃO UNÂNIME. PROVIMENTO
APELO DIMAS SEBA DE LIMA, JORGE LUIZ DE MORAES HENRIQUE E ROGER
VIERA DA SILVA (MILITARES). DECISÃO POR MAIORIA. A questão preliminar, suscitada
pelos apelantes, não merece ser acolhida, uma vez que não transcorreu o lapso temporal de 4
(quatro) anos para o réu civil, bem como de 8 (oito) anos para os réus militares, do recebimento
da denúncia à publicação da sentença condenatória. Preliminar rejeitada. Decisão unânime. A
sentença condenatória apenou os réus mediante crimes de estelionato, após a aquisição de peças
de motor de navios e de embarcações, cujo montante da nota de empenho era de R$ 29.987,20
(vinte e nove mil e novecentos e oitenta e sete reais e vinte centavos). Ocorre que, ao invés
da entrega das referidas peças pelo denunciado civil, fora depositado o valor de R$ 23.000,00
(vinte e três mil reais) na conta bancária do Círculo Militar de Cárceres/MT. O valor foi em-
pregado, em sua totalidade, na operação arco verde, que ocorrera em Arupianã/MT, conforme
relatório de gastos e recibos. Em alegações, os apelantes asseveraram a escassez de recursos
para a subsistência da operação, bem como a falta de fornecedores cadastrados no SICAF para
o fornecimento dos materiais necessários para a realização da missão. Configuração de perigo
real e atual ao pelotão, durante o combate da extração ilegal de madeira na região. A manobra
foi confessada por todos os denunciados e ratificada pelas testemunhas. O crime de estelionato
consuma-se com a obtenção de vantagem ilícita para si ou para outrem, em prejuízo alheio.
Portanto, verifica-se que não consubstanciado in casu. Salienta-se que todo valor da química
reverteu-se à operação arco verde, não preenchendo os requisitos do tipo penal incriminador
do art. 251 do CPM. A quantia de dinheiro não foi divida entre os réus e nenhum acréscimo
patrimonial foi constatado pela investigação. Destarte, constata-se uma situação de perigo
certo e atual, que não fora provocado pelos réus, e que só poderia ser mitigado mediante a
arrecadação do valor necessário. Atitude foi tomada pelos apelantes. O agir dos réus causou
o menor dano possível à Administração Pública militar, mediante sacrifício razoável, quando
comparado ao interesse juridicamente tutelado, consequentemente, o critério de ponderação
dos perigos a serem evitados. Os apelantes não possuem faltas anteriores, demonstrando
comportamentos configurados como dentro dos padrões objetivos de bons militares. Ademais,
embora a conduta perpetrada, coadunando-se com o art. 324 do Código Penal Militar, em
conformidade com a manifestação do Procurador-Geral de Justiça Militar, houve a exclusão da
tipicidade e da culpabilidade pelo preenchimento dos requisitos para a configuração do Estado
de necessidade. No tocante à substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Ementário
176

direitos, esta Corte castrense sedimentou o entendimento de sua inaplicabilidade nesta espe-
cializada, em razão de sua autonomia por incompatibilidade com a vida na caserna. Recurso
provido. Decisão. Provimento do apelo de Delmar Leonir Huppes (civil). Decisão unânime.
Provimento do apelo de Dimas Seba de Lima, Jorge Luiz de Moraes Henrique e Roger Viera
da Silva (militares). Decisão por maioria. (STM; APL 7000485-58.2018.7.00.0000; Relª Minª
Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha; DJSTM 17/10/2019; p. 8)

92/18 – ESTELIONATO MAJORADO. TENTATIVA. CAIXA ECONÔMICA


FEDERAL. PRECATÓRIO. FLAGRANTE PREPARADO. NÃO CONFIGURAÇÃO. MA-
TERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA. COMPEN-
SAÇÃO DAS CAUSAS DE AUMENTO E DE DIMINUIÇÃO NO PRIMEIRO DELITO.
INCORREÇÃO. REDIMENSIONAMENTO DA PENA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA
PENA. 1. Configura-se o flagrante preparado ou provocado quando o agente, policial ou terceiro
(provocador) induz o autor à prática do crime, viciando a sua vontade, e, logo em seguida, o
prende em flagrante. Nesse contexto, em face da ausência de vontade livre e espontânea do
infrator e da caracterização de crime impossível, tem-se por atípica a conduta. Essa é a posição
pacífica do STF, consubstanciada na Súmula nº 145: “Não há crime, quando a preparação do
flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. 2. Restando comprovados a mate-
rialidade, a autoria e o dolo, impõe-se a manutenção da sentença condenatória nas sanções do
art. 171, § 3º c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal. 3. A compensação realizada da causa de
aumento descrita no inciso II do § 2º do art. 157 com a minorante relacionada à tentativa (art.
14, II, do CP) importa, na prática, em prejuízo ao réu, porque não se circunscreve a simples
anulação dos efeitos de incidência das respectivas causas. Redimensionamento da pena que
se impõe. 4. Encerrada a jurisdição criminal de segundo grau, deve ter início a execução da
pena imposta ao réu, independentemente da eventual interposição de recurso especial ou
extraordinário. (TRF 4ª R.; ACR 5012351-20.2014.4.04.7100; RS; 7ª T.; Rel. Des. Fed. Luiz
Carlos Canalli; DEJF 23/10/2019)

92/19 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ABSOLVIÇÃO. POSSIBILIDADE. DE-


POIMENTO DA VÍTIMA. CONTRADIÇÃO. PROVAS INSUFICIENTES. IN DUBIO
PRO REO. 1. Em delitos sexuais, comumente praticados às ocultas, a palavra da vítima possui
especial relevância, desde que esteja em consonância com as demais provas acostadas aos au-
tos. Precedente STJ: REsp 1.699.051/RS. 2. Havendo contradição nas declarações prestadas
pela vítima, bem como ausentes outros meios de provas aptos a embasar um possível édito
condenatório, cabível a absolvição com base no princípio in dubio pro reo. 3. Apelo conhecido e
provido. (TJAC; APL 0500235-61.2017.8.01.0081; Ac. 29.586; C.Crim.; Rel. Des. Elcio Mendes;
DJAC 23/10/2019; p. 17)

92/20 – ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONDENAÇÃO. PLEITO ABSOLUTÓ-


RIO. IMPROCEDÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA. PROVA SEGURA. EXAME
DE CORPO DE DELITO. PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA. EMBRIAGUEZ
VOLUNTÁRIA E HABITUAL. SITUAÇÃO QUE NÃO ELIDE O CRIME. PENA-BASE
FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. ATENUANTES. REDUÇÃO DA PENA AQUÉM DO
MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. Seguramente comprovadas a materialidade e a autoria do
delito de estupro de vulnerável imputado ao acusado, a manutenção da condenação decretada
em primeiro grau é medida de rigor. A palavra da vítima em sede de crime de estupro ou
atentado violento ao pudor, em regra, é elemento de convicção de alta importância, levando-se
em conta que estes crimes, geralmente, não contam com testemunhas presenciais. Nos termos
dos §§ 1º e 2º do art. 28 do Diploma Penal, vigora no ordenamento jurídico pátrio a teoria
da actio libera in causa. Se o agente agiu livre e voluntariamente ao ingerir bebida alcoólica ou
consumir drogas, deve responder pelos crimes praticados durante o estado de embriaguez.
Nos termos do Enunciado nº 231 da Súmula do STJ, não é possível que a incidência de cir-
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 177

cunstâncias atenuantes conduzam a reprimenda a patamar abaixo do mínimo legal. (TJMG;


APCR 9952461-70.2009.8.13.0079; 7ª C.Crim.; Rel. Des. Cássio Salomé; DJEMG 23/10/2019)

92/21 – EXECUÇÃO PENAL. UNIFICAÇÃO DAS PENAS. CONTINUIDADE


DELITIVA. MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE
VIOLAÇÃO AO ART. 93, IX, DA CF. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITU-
CIONAL E DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA Nº
279/STF. 1. Não configura negativa de prestação jurisdicional ou inexistência de motivação a
decisão que adota, como razão de decidir, os fundamentos do parecer lançado pelo Ministério
Público. Nessa linha, veja-se o ARE 757.522-AgR, Rel. Min. Celso de Mello. 2. A decisão está
devidamente fundamentada, embora em sentido contrário aos interesses da parte agravante.
3. A parte recorrente se limita a postular a análise da legislação infraconstitucional pertinente
e uma nova apreciação dos fatos e do material probatório constante dos autos, o que não é
possível nesta fase processual. Nessas condições, a hipótese atrai a incidência da Súmula nº
279/STF. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STF; ARE-AgR 1.219.316; SP; 1ª T.;
Rel. Min. Roberto Barroso; DJE 16/10/2019; p. 43)

92/22 – FALSIDADE IDEOLÓGICA. USO DE DOCUMENTO FALSO. ARTS.


312 E 315 DO CPM. PROCESSO SELETIVO DE CONVOCAÇÃO PARA OFICIAIS
TEMPORÁRIOS. 1. A inserção on-line da falsa informação acerca da realização dos cursos
tão somente na Primeira Fase do Processo Seletivo não seria suficiente para prejudicar direito,
criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, atentando contra a
Administração ou o serviço militar, porquanto deveria ser posteriormente confirmada com a
apresentação dos documentos comprobatórios na OM. Não há que se falar em documentos
ideologicamente falsos, mas, sim, em documentos materialmente falsos, cuja autoria da falsifi-
cação não foi discutida nos autos. Enquadrar cadastro on-line do site como documento público
ou particular, elementares do tipo, seria o caso de analogia in malam partem, vedada em Direito
Penal. 2. Configura-se o crime de uso de documento falso (art. 315 do CPM), o qual prescinde
de qualquer prejuízo ou resultado naturalístico, sendo delito formal, bastando o simples uso
para a tipificação penal, a apresentação de documentos falsos, supostamente comprovantes de
capacitações não realizadas pela ré. 3. Não há falsificação grosseira ou crime impossível quando
os documentos e suas cópias apresentam potencial para causar dano. Recurso parcialmente
provido. Decisão por maioria. (STM; APL 7000021-34.2018.7.00.0000; Rel. Min. Lúcio Mário
de Barros Góes; DJSTM 22/10/2019; p. 3)

92/23 – FAVORECIMENTO À PROSTITUIÇÃO DE ADOLESCENTE. PRISÃO


HÁ MAIS DE 3 MESES SEM OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. CONSTRANGIMEN-
TO ILEGAL CARACTERIZADO. 1. Como forma de afastar a prisão preventiva desnecessária
em face do crime de favorecimento à prostituição de adolescente (art. 218-B do CP), bem
como o constrangimento ilegal em razão do excesso de prazo para acusação, já que o paciente
se encontra preso há mais de três meses sem que o Ministério Público tenha ofertado denún-
cia, é de bom alvitre que o paciente responda doravante em liberdade à ação penal, sendo, no
entanto, a ele cominadas medidas cautelares diversas da prisão, como forma de vinculá-lo do
processo, salvaguardando, assim, a aplicação da lei penal e o resultado útil do processo penal.
2. Ordem concedida, com a cominação de medidas cautelares diversas da prisão. (TJAP; HC
0002500-20.2019.8.03.0000; S.Un.; Relª Desª Sueli Pini; DJEAP 18/10/2019; p. 26)

92/24 – FURTO QUALIFICADO. DESTREZA. QUALIFICADORA. EXCLUSÃO.


IMPOSSIBILIDADE. PENA-BASE. DOSIMETRIA. MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂN-
CIAS DESFAVORÁVEIS. REGIME PRISIONAL. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. O
que caracteriza a qualificadora da destreza é o uso de excepcional habilidade do réu na prática
do crime de furto. Na situação em exame foi constatado que tal ocorreu, devendo incide a
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Ementário
178

causa de aumento de pena respectiva. A fixação da pena-base considerou a presença de circuns-


tâncias desfavoráveis ao apelante de forma fundamentada, justa e proporcional à sua conduta,
razão pela qual deve ser mantida. A Lei estipula parâmetros para a fixação do regime inicial de
cumprimento da pena imposta. Verificado que o Juiz singular de forma fundamentada, após
examinar as condições pessoais do réu, fixou regime mais rigoroso para o início do cumprimento
da pena que lhe foi imposta, deve a sentença ser mantida no ponto. Recurso de apelação não
provido. (TJAC; ACr 0028267-29.2010.8.01.0001; Ac. 29.564; C.Crim.; Rel. Des. Samoel Martins
Evangelista; DJAC 23/10/2019; p. 17)

92/25 – HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO RECORRÍVEL EMANADA DO


JÚRI. Determinação do Juiz Presidente do Tribunal do Júri, ordenando a imediata sujeição
do réu sentenciado à execução antecipada (ou provisória) da condenação criminal. Invocação,
para tanto, da soberania do veredicto do Júri. Inadmissibilidade. Inexistência, a propósito de
condenações recorríveis proferidas por órgãos judiciários de primeira instância (como o Tri-
bunal do Júri), de decisões do Supremo Tribunal Federal revestidas de efeito geral e de eficácia
vinculante. Consequente inaplicabilidade, às decisões do Conselho de Sentença, de precedentes
do Supremo Tribunal Federal que autorizam a execução penal antecipada, pelo fato de tais
julgados referirem-se a condenações penais proferidas ou mantidas por Tribunais de segundo
grau, posição institucional evidentemente não ostentada pelo Tribunal do Júri. A questão da
soberania dos veredictos do Júri. Significado da cláusula inscrita no art. 5º, inciso XXXVIII, c,
da Constituição. Caráter não absoluto da soberania do Júri. Doutrina. Precedentes. Existência,
ainda, no presente caso, de ofensa ao postulado que veda a reformatio in pejus. Considerações
em torno da regra consubstanciada no art. 617, in fine, do CPP. Exame da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal a respeito da prisão meramente cautelar do sentenciado motivada
por condenação recorrível, notadamente quando o réu tenha permanecido em liberdade ao
longo do processo penal de conhecimento. Prisão cautelar decretada na hipótese de condenação
penal recorrível: instituto de tutela cautelar penal inconfundível com a esdrúxula concepção
da execução provisória ou antecipada da pena. Medida cautelar concedida. (STF; HC-MC
174759; CE; Rel. Min. Celso de Mello; DJE 25/09/2019)

92/26 – HOMICÍDIO. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA NA SENTENÇA


NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA E ASSEGURAR A APLICAÇÃO
DA LEI PENAL E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. SEGREGAÇÃO
JUSTIFICADA. DENEGAÇÃO DO WRIT. 1. Embora o réu respondesse ao feito em liberdade
por certo período, não há ilegalidade na ordem de prisão decretada na sentença, negando-se o
direito de o condenado recorrer em liberdade, quando demonstrado, com base em fatores con-
cretos, que a segregação se mostra necessária. 2. A fuga do distrito da culpa é motivo que reforça
a necessidade de manutenção da custódia preventiva, também como forma de garantir aplicação
da lei penal. 3. Condições pessoais favoráveis não têm o condão de revogar a prisão cautelar,
se há nos autos elementos suficientes a demonstrar a necessidade da custódia, como ocorre in
casu. 4. Habeas corpus conhecido e ordem denegada. (TJAP; HC 0001868-91.2019.8.03.0000;
C.Un.; Rel. Des. Manoel Brito; DJEAP 23/10/2019; p. 18)

92/27 – HOMICÍDIO QUALIFICADO. APELO MINISTERIAL. MAJORAÇÃO


DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. RECONHECIMENTO DA VETORIAL CULPA-
BILIDADE EM DESFAVOR DO AGENTE. 1. O modus operandi empregado pelo réu para
ceifar a vida da vítima permite ao julgador negativar a circunstância atinente à culpabilidade.
2. Apelo conhecido e provido. (TJAC; APL 0005884-76.2018.8.01.0001; Ac. 29.580; C.Crim.;
Rel. Des. Elcio Mendes; DJAC 23/10/2019; p. 15)

92/28 – HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. EXCES-


SO DE LINGUAGEM CONHECIDO. DECISÃO QUE EMITE JUÍZO DE CERTEZA
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 179

ACERCA DA AUTORIA DELITIVA IMPUTADA AO RÉU. INVASÃO DA COMPE-


TÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. I – O excesso de linguagem apresentado na decisão
de pronúncia configura nulidade em face da usurpação da competência constitucional do
Conselho de Sentença. In casu, o juízo singular manifestou verdadeiro juízo de certeza sobre a
autoria delitiva, ao expressar, claramente e de forma direta, que um dos denunciados chegou
atirando na nuca da vítima, caracterizando a qualificadora prevista no art. 121, § 2º, VI, do CP.
Revelou-se, desse modo, manifesta ofensa à soberania dos vereditos ao se imiscuir no âmbito
de cognição exclusiva do Tribunal do Júri. II – Recurso conhecido para anular a decisão de
pronúncia impugnada, com o consequente retorno dos autos ao Juízo de origem, para que outra
seja proferida em observância aos ditames legais. Análise das teses recursais consequentemente
prejudicadas. (TJAL; RSE 0010811-71.2005.8.02.0047; C.Crim.; Rel. Des. Sebastião Costa Filho;
DJAL 23/09/2019; p. 141)

92/29 – HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECRETAÇÃO DE PRISÃO EM SEN-


TENÇA CONDENATÓRIA. PACIENTE QUE RESPONDEU AO PROCESSO EM
LIBERDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. É cediço que para efeito de legitimação da custódia
cautelar não basta a prolação de sentença condenatória (recorrível), exigindo-se a indicação de
elementos concretos a justificar a sua necessidade, à luz do art. 312 do CPP, o que não ocorreu
na hipótese. 2. Não se pode olvidar a gravidade do crime, pelo qual o paciente foi condenado,
tampouco, questiona-se a condenação feita pelo Júri, contudo, o paciente respondeu o pro-
cesso em liberdade, acompanhou a instrução criminal, e não existem notícias de que tenha
voltado a delinquir, portanto, não houve qualquer mudança no estado processual. 3. O órgão
julgador, sem motivação expressa e adequada, mesmo impondo regime de cumprimento de
pena fechado, negou ao Paciente o direito de recorrer em liberdade, patente a coação ilegal e
violadora dos direitos prisionais do paciente. 4. Habeas corpus conhecido e ordem concedida.
(TJAP; HC 0001930-34.2019.8.03.0000; S.Un.; Rel. Des. Manoel Brito; DJEAP 23/10/2019; p. 13)

92/30 – HOMICÍDIO QUALIFICADO. REDUÇÃO DA PENA-BASE. AFASTA-


MENTO DO VETOR JUDICIAL COMPORTAMENTO DA VÍTIMA. VIABILIDADE.
REDUÇÃO PROPORCIONAL AO DECOTE REALIZADO. ALTERAÇÃO DO REGIME
INICIAL PARA CUMPRIMENTO DE PENA. INADMISSIBILIDADE. CRITÉRIOS LE-
GAIS NÃO ATENDIDOS. EXCLUSÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE REPARA-
ÇÃO MÍNIMA. INACEITABILIDADE. PEDIDO EXPRESSO NA DENÚNCIA. DANO
MORAL E PSICOLÓGICO CAUSADO À FAMÍLIA DA VÍTIMA. 1. As circunstâncias do
crime são elementos que influenciam em sua gravidade, tal como o modus operandi utilizado para
a prática do delito. 2. O vetor judicial atinente ao comportamento da vítima pode ser utilizada
em benefício do réu, e no caso de não interferência da vítima na prática do crime deverá ser
neutralizada. 3. O regime inicial de cumprimento de pena privativa de liberdade é resultado
da análise conjunta do quantum estabelecido para a reprimenda e das circunstâncias judiciais. 4.
Impossível excluir ou reduzir o valor fixado a título de indenização prevista no art. 387, inciso
IV, do Código de Processo Penal, em face dos danos sofridos pela vítima. 5. Apelo conhecido
e parcialmente provido. (TJAC; APL 0007895-78.2018.8.01.0001; Ac. 29.508; C.Crim.; Rel.
Des. Elcio Mendes; DJAC 16/10/2019; p. 31)

92/31 – HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. DOSIMETRIA.


CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CONFISSÃO QUALIFICADA. 1. A dosimetria da
pena deve respeitar o método trifásico e uma vez fixada de modo proporcional e razoável,
respeitando as provas produzidas nos autos, não merece reparos. 2. As circunstâncias judiciais
da culpabilidade e das consequências do crime não podem ser valoradas negativamente se as
circunstâncias fáticas não transbordam do juízo de censurabilidade já previsto na norma. 3. A
confissão qualificada, ainda que em situação que vise a afastar a imputação ou mesmo a ilicitude
da conduta, é apta a garantir o benefício da atenuação da pena e pode ser compensada com uma
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Ementário
180

das qualificadoras reconhecidas pelo Conselho de Sentença, deixando a pena em seu patamar
mínimo. 4. Recurso não provido. (TJAP; RSE 0008927-98.2017.8.03.0001; C.Un.; Rel. Des.
Carmo Antônio; DJEAP 21/10/2019; p. 32)

92/32 – HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E PELO EM-


PREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU OU IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA
VÍTIMA. ART. 121, § 2º, I E IV, DO CÓDIGO PENAL. Alegação de decisão contrária às
provas dos autos. Suposta ausência de provas suficientes de autoria. Acolhimento. Condenação
amparada, exclusivamente, em testemunhos indiretos. Inexistência de outras provas de autoria
delitiva. Impossibilidade. Precedentes do STJ e desta câmara criminal. Julgamento anulado.
Necessidade de submissão do acusado a novo sinédrio popular. Apelo conhecido e provido.
Unânime. (TJAL; APL 0730723-73.2013.8.02.0001; C.Crim.; Rel. Des. José Carlos Malta Marques;
DJAL 15/10/2019; p. 100)

92/33 – HOMICÍDIO SIMPLES NA FORMA TENTADA (ART. 121, CAPUT C/C


O ART. 14, II, DO CÓDIGO PENAL). DECISÃO DE PRONÚNCIA. ABSOLVIÇÃO
SUMÁRIA. INVIABILIDADE. HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 415 DO CPP QUE
NÃO RESTARAM DEMONSTRADAS NA ESPÉCIE. PEDIDO DE DESPRONÚNCIA.
IMPROCEDÊNCIA. PROVAS COLHIDAS QUE DEMONSTRAM A MATERIALIDADE
DELITIVA E A EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA EM FACE
DO RECORRENTE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO DE PRONÚNCIA QUE SE
IMPÕE. 1. Nos processos submetidos ao rito do Tribunal do Júri, as hipóteses de absolvição
sumária são aquelas previstas no art. 415 do CPP, a saber: I – quando provada a inexistência
do fato. II – quando provado não ser ele autor ou partícipe do fato. III – quando o fato não
constituir infração penal. IV – quando demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão
do crime. 2. Não caracterizada nenhuma das hipóteses de absolvição sumária previstas no art.
415 do CPP, não deve ser acolhido o pedido do recorrente com vistas a que seja absolvido
sumariamente. 3. Nos termos do art. 413 do CPP, o juiz, fundamentadamente, pronunciará
o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de
autoria ou de participação. 4. Comprovada a materialidade delitiva, notadamente pelas provas
orais colhidas, e havendo relação ao recorrente, deve ser mantida a decisão recorrida proferida
pelo Juízo de primeiro grau que o pronunciou para julgamento pelo Tribunal do Júri Popular,
rejeitando-se, por conseguinte, o pleito de despronúncia formulado em sede recursal, devendo
a matéria ser tratada pelo seu juiz natural, no caso, o Tribunal do Júri. 5. RSE conhecido e
não provido. (TJMA; RSE 0000063-09.2013.8.10.0004; Ac. 225484/2018; 3ª C.Crim.; Rel. Des.
Tyrone José Silva; DJEMA 02/10/2019; p. 313)

92/34 – ÍNDIO. ART. 12 LEI Nº 10.826/03. PRESCRIÇÃO. NÃO CONFIGU-


RADA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. DOSIMETRIA. REGIME ESPECIAL DE
SEMILIBERDADE. ART. 56, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 6.001/73. INAPLICÁ-
VEL. EXECUÇÃO DA PENA. 1. A Lei nº 12.234/2010 alterou a redação do art. 110, § 1º,
do Código Penal impedindo a incidência de prescrição retroativa considerado termo inicial
anterior ao recebimento da denúncia. 2. Comprovados a autoria, a materialidade e o dolo, e
sendo o fato típico, antijurídico e culpável, e considerando, ainda, a inexistência de causas
excludentes de ilicitude e de culpabilidade, resta evidenciado a posse de arma de fogo (art. 12
da Lei nº 10.826/03). 3. O crime tipificado no art. 12 da Lei nº 10.826/03 tem por objetivo
proteger a segurança da coletividade, a incolumidade pública, a segurança nacional e a paz social
ou, ainda, a paz pública. Para a configuração do tipo penal é irrelevante o fato de a arma estar
desmuniciada, visto se tratar de delito de mera conduta ou de perigo abstrato. 4. A excludente
de culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa é aplicável apenas quando
comprovado, de forma irrefutável, que era impossível ao agente adotar postura diversa em
razão das situações que enfrentava no momento do cometimento do ilícito. 5. A aplicação do
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 181

parágrafo único do art. 56 da Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio) é limitada aos indígenas em
fase de aculturação. Evidenciado, nos autos, que o apelante está integrado à sociedade, não há
falar na concessão do regime especial de semiliberdade. 6. Encerrada a jurisdição criminal de
segundo grau, deve ter início a execução da pena imposta ao réu, independentemente da eventual
interposição de recurso especial ou extraordinário. 7. Apelação desprovida. (TRF 4ª R.; ACR
5002805-40.2016.4.04.7012; PR; 7ª T.; Rel. Des. Fed. Luiz Carlos Canalli; DEJF 23/10/2019)

92/35 – INDISCIPLINA. FALTA GRAVE, CONSECTÁRIOS. PERDA DOS DIAS


REMIDOS NA FRAÇÃO DE 1/6. O quantitativo a ser imposto em relação a perda da remição
deve atender ao critério de proporcionalidade, tal como ocorre com as faltas constantes na LEP
– graduadas em leves, médias ou graves, deve ser escalonada e limitada no tempo, com o que
não se prejudica o direito do preso e, ao mesmo tempo, dá cumprimento ao papel da pena. Para
tanto, a redação do art. 127 da LEP oferece parâmetros de julgamento ao remeter ao art. 57,
do mesmo Diploma Legal, o qual arrola como critérios de dosagem das sanções disciplinares
a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do
faltoso e seu tempo de prisão. Nestes termos, a decretação da perda de 1/6 (um sexto) dos dias
remidos, é fração proporcional para o caso, especialmente porque ajustada à natureza da falta e
à pessoa do faltoso. A partir da GEP, vê-se que o agravado iniciou o cumprimento da pena em
20.08.2012, tem um saldo de 6 (seis) anos e 6 (dias) para cumprir, é reincidente em faltas graves
e, como se não bastasse, sua situação atual é de foragido, circunstâncias, portanto, que aliadas à
conduta faltosa, permitem a adoção da fração estabelecida na decisão anterior, para perda dos
dias remidos. Recurso parcialmente provido. (TJRS; AgExPen 0268328-61.2018.8.21.7000; Proc
70079031167; 2ª C.Crim.; Relª Desª Rosaura Marques Borba; DJERS 10/10/2019)

92/36 – JÚRI. DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL SEGUIDA


DE MORTE. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. IDONEIDADE NA
FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA APLICAÇÃO DAS
AGRAVANTES. PROVIMENTO AO RECURSO. 1. Materialidade e autoria não foram
contestadas na via recursal, sendo sobejamente analisada na sentença. 2. Dosimetria redimen-
sionada. 3. Primeira fase. A elevação do patamar da pena basilar para além de seu mínimo legal
exige a apresentação de justificativa em elementos que prospectem, em concreto, a gravidade
da conduta também para além daquela ínsita ao próprio núcleo normativo. 4. Na segunda
fase. O Magistrado olvidou-se de fundamentar, de forma específica, os motivos da utilização
das agravantes previstas no art. 61, II, a e c, do CP, tornando imperativo o afastamento. (TJBA;
AP 0502691-73.2017.8.05.0080; 1ª C.Crim.; Rel. Des. Abelardo Paulo da Matta Neto; DJBA
23/10/2019; p. 718)

92/37 – LESÃO CORPORAL LEVE. ABUSO DE AUTORIDADE. FALSIDADE


IDEOLÓGICA EM DOCUMENTO PÚBLICO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. 1.
PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO PELA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE.
MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. 2. DEPOIMENTO DA VÍTIMA EM
HARMONIA COM O EXAME DE CONSTATAÇÃO DE LESÕES. RELEVÂNCIA DO
DEPOIMENTO DA VÍTIMA EM CRIMES DESSA NATUREZA. CORROBORADO
COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA. ROBUSTO CONJUNTO PROBATÓRIO
PARA ALICERÇAR A CONDENAÇÃO. AGENTE QUE ABUSA DE SUA AUTORIDADE.
ATUAÇÃO NÃO AMPARADA POR LEI OU ATO NORMATIVO. 3. RESTRIÇÃO DE
LIBERDADE. INSERÇÃO DE INFORMAÇÃO FALSA EM DOCUMENTO PÚBLICO.
RECURSO DESPROVIDO. 1. Incabível a absolvição do réu, com fundamento na ausência
de provas, porque pelo conjunto probatório produzido nos autos, encontram-se devidamente
comprovadas a autoria e a materialidade dos crimes descritos na exordial acusatória, inclusive,
por meio de laudo pericial. 2. As vítimas ainda foram submetidas à violência física, resultando
uma lesão corporal leve evidenciada através do exame de corpo de delito inserido nos autos. 3.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Ementário
182

Igualmente, objetivando privar as vítimas de sua liberdade o apelante, para tanto, inseriu em
documento público (boletim de ocorrência), informação falsa, imputando a uma das vítimas
um crime que o mesmo não havia praticado. Recurso desprovido. (TJMT; APL 55966/2018;
3ª C.Crim.; Rel. Des. Juvenal Pereira da Silva; DJMT 23/10/2019; p. 155)

92/38 – LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. DECOTE DAS AGRA-


VANTES DO MOTIVO FÚTIL E DO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA
VÍTIMA. CABIMENTO. MANUTENÇÃO DO DESVALOR DAS CIRCUNSTÂNCIAS
DO DELITO. FUNDAMENTAÇÃO FUNDADA EM ELEMENTOS CONCRETOS. 1.
Os elementos constantes dos autos não são suficientes para concluir que a motivação da acusada
teria sido ciúmes. Desse modo, a ausência de lastro probatório para fazer incidir a agravante do
motivo fútil impõe seu decote. 2. Relativamente as circunstâncias fáticas do evento delitivo,
inexiste qualquer relato seguro de que a ação da acusada tenha, efetivamente, surpreendido ou
impossibilitado qualquer espécie de defesa do ofendido. Não havia testemunhas presenciais e a
única versão que se tem é a da acusada, cuja dinâmica não indica a presença do elemento surpresa
que dificultou/impediu a vítima de se defender, devendo ser afastada a agravante prevista no
art. 61, II, c, do Código Penal. 3. O juízo de desvalor operado sobre as circunstâncias judiciais
previstas no art. 59 do Código Penal deve estar atrelado a dados concretos, aferíveis a partir da
prova dos autos, pois, a carência ou ausência de justificação para negativar tais vetores torna
indevida sua manutenção. 4. As circunstâncias do delito demonstram maior reprovabilidade,
uma vez que o crime cometido na própria residência do ofendido, local de coabitação com
a acusada, indiscutivelmente, local em que ele deveria se sentir seguro e tranquilo, extrapola
a normalidade do tipo penal e justifica o incremento da reprimenda. Precedentes: AgRg no
AREsp 1.168.233/ES (Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 16.11.2018) e AgRg em
REsp 1.431.432/BA (Relª Minª Laurita Vaz, publ. 28.02.2019). (TJMG; APCR 0045714-
40.2013.8.13.0470; 1ª C.Crim.; Relª Desª Kárin Emmerich; DJEMG 16/10/2019)

92/39 – LIVRAMENTO CONDICIONAL. COMETIMENTO DE NOVA IN-


FRAÇÃO. DECLARAÇÃO DE FALTA GRAVE. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE
PREVISÃO LEGAL. A declaração de falta grave pela prática de nova infração somente se aplica
àqueles que cumprindo pena se encontram presos; no cumprimento de livramento condicional
a prática de nova infração conduzirá, conforme o caso, à suspensão do benefício e, havendo
condenação, será decretada sua revogação. (TJMG; Ag-ExcPen 0988559-07.2019.8.13.0000; 4ª
C.Crim.; Rel. Des. Fernando Caldeira Brant; DJEMG 23/10/2019)

92/40 – LIVRAMENTO CONDICIONAL. PRÁTICA DE CONDUTA TIPIFICA-


DA COMO CRIME DOLOSO. SUSPENSÃO DO BENEFÍCIO E CONFIGURAÇÃO
DE FALTA GRAVE. POSSIBILIDADE. A prática de fato definido como crime doloso durante
o gozo do livramento condicional enseja o reconhecimento do cometimento de falta grave. O
livramento condicional não constitui causa de extinção da pena, de modo que, mesmo agraciado
pelo benefício, o condenado não pode ignorar as regras atinentes à execução da reprimenda,
que não se extinguiu. (TJMG; EI-Nul 1127727-58.2018.8.13.0000; 6ª C.Crim.; Rel. Des. Furtado
de Mendonça; DJEMG 18/10/2019)

92/41 – MANDADO DE SEGURANÇA. ALMEJADA DECRETAÇÃO DE SEGRE-


DO DE JUSTIÇA EM FACE DA INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE PREVISTO NO ART.
149 DO CPP. ADMISSIBILIDADE. Proteção à imagem e à intimidade, nos termos do art.
189, III, do CPC e art. 5º, LX, da CF. Pretendida condenação da autoridade coatora nas custas e
honorários advocatícios. Impossibilidade jurídica do pedido. Encargos que devem ser impostos
à parte vencida em processo, não sendo aplicáveis ao Juiz que oficia no feito. Vedação contida
na Súmula nº 512 do STF e art. 25 da Lei nº 12.016/09. Além disso, não ficou demonstrado
que o impetrante faz jus aos benefícios da Justiça Gratuita. Concessão parcial da segurança a
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 183

fim de determinar a decretação de segredo de justiça, convalidando a liminar, denegando-se


os demais pedidos. (TJSP; MS 2183846-25.2019.8.26.0000; Ac. 12978159; 1ª C.D.Crim.; Rel.
Des. Diniz Fernando Ferreira da Cruz; DJESP 21/10/2019; p. 2.310)

92/42 – MEDIDA CAUTELAR INOMINADA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA


REQUERIDA PELO MP EM SEDE DE RSE, VISANDO À DECRETAÇÃO DE PRISÃO
PREVENTIVA EM FACE DE AGENTE ACUSADO DA PRÁTICA DE CRIMES ENVOL-
VENDO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (ART. 129, § 9º, ARTS. 147 E 148, § 1º, I, TODOS
DO CP). DELITOS PERPETRADOS PELO RÉU CONTRA SUA ESPOSA. Elementos
constantes dos autos que demonstram que o autor dos fatos é reincidente em crimes patrimo-
niais (roubo e furto) possuindo ainda outras ações penais em andamento na Comarca. Prisão
preventiva que se justifica para manutenção da ordem pública (art. 312 do CPP) e para preserva-
ção da integridade física da ofendida (art. 12-C, § 2º, da Lei nº 11.340/06). Antecipação da tutela
recursal que se justifica. Medida cautelar provida. (TJSP; CautIn 2142749-45.2019.8.26.0000;
Ac. 12964824; 7ª C.D.Crim.; Rel. Des. Otavio Rocha; DJESP 22/10/2019; p. 2.907)

92/43 – OPERAÇÃO SANGUESSUGA. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DOS CRI-


MES DE CORRUPÇÃO PASSIVA, FORMAÇÃO DE QUADRILHA E LAVAGEM DE
DINHEIRO. ASSESSOR PARLAMENTAR. ARTS. 317 E 288, AMBOS DO CP E ART.
1º, V E VII, § 1º, II, DA LEI Nº 9.613/98. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS QUANTO À
PARTICIPAÇÃO DO RÉU NOS EVENTOS CRIMINOSOS. EXISTÊNCIA DE DÚVIDA
RAZOÁVEL. ABSOLVIÇÃO. SENTENÇA MANTIDA EM SUA INTEGRALIDADE. 1. A
prática dos delitos imputados ao réu na denúncia não ficou suficientemente demonstrada. Não
comprovado que o réu, na condição de assessor parlamentar, solicitou e percebeu vantagem
indevida paga em virtude de sua atuação no processamento de recursos oriundos de emendas
de autoria de parlamentar em benefício de municípios e entidades de interesse da organização
criminosa. 2. O conjunto fático-probatório dos autos traz em seu bojo dúvida relevante que
deve ser resolvida em favor do acusado, prezando-se pelo respeito ao princípio in dubio pro
reo. 3. Correta a sentença que absolveu o réu por não haver nos autos provas suficientes para
a condenação, pois, apesar dos indícios, estes não foram corroborados por outras provas, a
exemplo da testemunhal que, ao contrário, corrobora a tese da defesa. Contexto probatório
que implica em insuficiência de provas para uma condenação penal. 4. Apelação do Ministério
Público Federal não provida. (TRF 1ª R.; ACR 0008822-67.2006.4.01.3600; MT; 3ª T.; Rel.
Des. Fed. Ney Bello; DJF1 18/10/2019)

92/44 – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EXCESSO DE PRAZO PARA A CON-


CLUSÃO DA FORMAÇÃO DA CULPA. PACIENTE SEGREGADO HÁ APROXIMA-
DAMENTE 400 (QUATROCENTOS) DIAS. EXTENSÃO DO BENEFÍCIO DA LIBER-
DADE PROVISÓRIA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
EVIDENCIADO. LIMINAR CONCEDIDA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Verifica-se a
existência de constrangimento ilegal na manutenção da prisão do paciente, tendo em vista o
excesso de prazo evidenciado e que os demais pacientes que ocupavam semelhante posição
hierárquica adquiriram o benefício da liberdade provisória. 2. Substituição da prisão pelas
seguintes medidas cautelares: a) comparecimento mensal em juízo, no caso, deverá se dirigir
ao juízo deprecado, até o dia 10 (dez) de cada mês, para informar e justificar suas atividades
(art. 319, I, do CPP); b) proibição de ausentar-se da cidade de Lagoinhas, no Estado da Bahia,
sem prévia autorização judicial (art. 319, IV, do CPP); c) recolhimento domiciliar noturno no
horário compreendido entre as 22 (vinte e duas) horas e as 5 (cinco) horas e nos dias de folga
(art. 319, V, do CPP); d) monitoração eletrônica (art. 319, IX, do CPP) com prévia colocação
nesta Comarca, com deambulação restrita à cidade de Lagoinhas, no Estado da Bahia, sem
prejuízo da imposição de outras medidas cautelares que o juízo impetrado julgar pertinentes;
e e) recolhimento do passaporte do paciente. 3. Ordem conhecida e, no mérito, parcialmente
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Ementário
184

concedida. (TJAL; HC 0805118-29.2019.8.02.0000; C.Crim.; Rel. Des. Washington Luiz Damas-


ceno Freitas; DJAL 21/10/2019; p. 225)

92/45 – PEDIDO DE REABILITAÇÃO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS


LEGAIS DE REABILITAÇÃO. PROVIMENTO. DECISÃO POR UNANIMIDADE. I – A
Decisão recorrida, que deferiu o pedido de reabilitação, apoiou-se no fato de o Requerente
ter preenchido os requisitos objetivos e subjetivos, nos termos dos arts. 651 e 652 do CPPM.
II – Consta dos autos que o reabilitando tem mantido bom comportamento público e privado,
não sofrendo, até o presente momento, nenhum processo administrativo e não tendo prati-
cado ato que desabonasse a sua conduta. Além disso, comprovou que inexiste qualquer ação
penal contra a sua pessoa. III – Preenchidos todos os requisitos legais para o deferimento da
Reabilitação, não há como prosperar o presente recurso de ofício. Recurso em sentido estrito
(de ofício) desprovido. Decisão unânime. (STM; REO 7000889-75.2019.7.00.0000; Rel. Min.
José Coêlho Ferreira; DJSTM 17/10/2019; p. 10)

92/46 – PENA. CRIMES DE ROUBO. Pretendido reconhecimento da continuidade


delitiva entre os delitos praticados nas cinco diferentes ações penais. Possibilidade quanto a
quatro delas. Crimes de roubo praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de
execução. Fração a ser escolhida conforme o número de delitos. Inviabilidade de reconheci-
mento da continuidade em relação ao crime de roubo majorado pelo concurso de agentes,
porquanto utilizado modus operandi diverso. Concurso material que deve ser mantido entre este
e os demais, nos quais reconheceu-se o crime continuado. Recurso conhecido parcialmente
provido. (TJPR; RecAgrav 1618374-3; 3ª C.Crim.; Rel. Des. Eugenio Achille Grandinetti; DJPR
27/08/2019; p. 165)

92/47 – PENA. REGIME DE CUMPRIMENTO. FIXAÇÃO. Ante o disposto no art.


33, § 2º, alínea c, do Código Penal, em se tratando de condenado reincidente, cuja pena seja
estabelecida em 4 anos ou menos, mostra-se viável o afastamento do regime aberto. (STF; HC
150.545; SP; 1ª T.; Rel. Min. Marco Aurélio; DJE 23/10/2019; p. 151)

92/48 – PORNOGRAFIA INFANTOJUVENIL. LEI Nº 8.069/90. ART. 241-A. PRO-


GRAMA DE COMPARTILHAMENTO DE DADOS. USO. DOLO CARACTERIZADO
NO COMPARTILHAMENTO DOS ARQUIVOS ILÍCITOS. AUTORIA E MATERIALI-
DADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. ALTERAÇÃO
DE OFÍCIO. 1. Réu flagrado em posse de acervo vídeos de pornografia infanto-juvenil, acervo
este armazenado digitalmente em disco rígido de sua propriedade. Teria, ainda, compartilhado
arquivo do mesmo teor anteriormente. 2. Materialidade objetiva e autoria incontroversas no
caso concreto. Provas documentais e pericial, bem como depoimentos. Pedido de reconheci-
mento de ausência de dolo quanto à disponibilização dos arquivos ilícitos. 3. Tese de ausência
de dolo. Rejeição. Réu que tinha plena ciência a respeito do mecanismo de funcionamento
do programa Emule (programa mediante o qual arquivos de usuários são compartilhados,
formando rede entre aqueles que utilizam o programa). 4. No que tange ao dolo, é certo que,
salvo em casos de confissão plena, não há como se produzir uma prova de índole psíquica que
ateste o íntimo conhecimento, a deliberação e a vontade livre, nem se o exige o ordenamento
jurídico. O dolo é, em regra, aferível pelo contexto de ação do agente, pelo conjunto probatório
a demonstrar as características da conduta apurada e quais os fatos conexos a essa conduta, de
maneira a demonstrar (ou não) a ciência de um acusado a respeito do que está a fazer (ou, ao
menos, a assunção deliberada do risco de estar a praticar uma conduta que se amolda a um tipo
penal). No caso dos autos, tem-se tal demonstração com relação ao réu, devido aos elementos
probatórios e ao contexto fático concreto. Mantida a condenação. 5. Mantida a dosimetria
penal quanto à pena privativa de liberdade e reduzida, de ofício, a pena de multa, de maneira
que sua fixação se dê com obediência aos mesmos parâmetros usados no estabelecimento da
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 185

pena privativa. 6. Recurso desprovido. (TRF 3ª R.; ACR 0000765-11.2016.4.03.6104; SP; 1ª


T.; Rel. Des. Fed. José Lunardelli; DEJF 23/10/2019)

92/49 – PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRI-


MIDA. RECURSO DEFENSIVO. Pretendida absolvição. Possibilidade. Inexistência de
potencialidade lesiva e, portanto, de materialidade. (TJSP; ACr 0000093-48.2016.8.26.0536;
Ac. 12970561; 7ª C.D.Crim.; Rel. Des. Eduardo Abdalla; DJESP 23/10/2019; p. 1.575)

92/50 – QUEIXA-CRIME. CALÚNIA. DIFAMAÇÃO. DECLARAÇÕES PRES-


TADAS NAS DEPENDÊNCIAS DO CONGRESSO NACIONAL. SENADOR DA
REPÚBLICA. IMUNIDADE MATERIAL ABSOLUTA. RECONHECIMENTO DA
INVIOLABILIDADE CONSTITUCIONAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA PELA
CONFIGURAÇÃO DE EXCLUDENTE DE ILICITUDE. 1. A imunidade material, con-
sagrada no art. 53 da CR, tem a sua definição pela opinião exarada, protegendo-se o exercício
do mandato parlamentar. Sua razão jurídica é a garantia da independência do congressista. 2.
Os atos imputados ao querelado teriam sido praticados dentro do Congresso Nacional. 3. A
jurisprudência do STF firmou-se no sentido de que, quando as declarações do parlamentar
são proferidas dentro do Congresso Nacional, a imunidade material incide de forma absoluta.
4. Excludente de ilicitude configurada. 5. Em casos como o presente, no qual as eventuais
manifestações ofensivas estão resguardadas pela imunidade material, admite-se que o relator,
monocraticamente, rejeite a queixa-crime. 6. Negado provimento ao agravo regimental. (STF;
Pet-AgR 7.634; DF; 2ª T.; Relª Minª Cármen Lúcia; DJE 16/10/2019; p. 71)

92/51 – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. AUTOS DEVOLVIDOS AO ÓR-


GÃO JULGADOR PARA JUÍZO DE RETRATAÇÃO. REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO
CONDICIONAL DO PROCESSO APÓS O TRANSCURSO DO PERÍODO DE PROVA.
IMPOSSIBILIDADE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA. Em que
pese a existência paradigma acerca da matéria, este colegiado mantém o entendimento de que,
transcorrido o período de prova sem a revogação da suspensão condicional do processo, impõe-
se a declaração de extinção da punibilidade do réu, nos termos expressos do § 5º do art. 89 da
Lei nº 9.099/95. Acórdão mantido na íntegra. (TJRS; RSE 0373522-50.2018.8.21.7000; Proc
70080083108; 7ª C.Crim.; Rel. Des. Carlos Alberto Etcheverry; DJERS 10/10/2019)

92/52 – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RÉU DEFINITIVAMENTE


CONDENADO POR IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR (ART. 61 DA LCP).
SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA QUE EXTINGUE A PUNIBILIDADE POR
ENTENDER QUE OCORREU ABOLITIO CRIMINIS EM RAZÃO DA REVOGAÇÃO
TRAZIDA PELA LEI Nº 13.718/2018. Impossibilidade. Figura típica que foi formalmente
revogada, mas passou a ser tipificada pelo art. 215-A do Código Penal. Aplicação do princípio
da continuidade normativo-típica. Precedentes. Recurso provido para cassar a decisão recorrida
e determinar o cumprimento da pena imposta. (TJSP; RSE 0004441-69.2017.8.26.0344; Ac.
12987573; 11ª C.D.Crim.; Rel. Des. Alexandre Almeida; DJESP 22/10/2019; p. 2.922)

92/53 – REGIME FECHADO. AUSÊNCIA DE VAGAS. PROGRESSÃO ANTE-


CIPADA PARA O REGIME SEMIABERTO. POSSIBILIDADE. RE 641.320/RS DO STF.
PORTARIA CONJUNTA Nº 834/PR/2019 DESTE E. TJMG. Constatada a ausência de vagas
em estabelecimento prisional adequado ao cumprimento da pena no regime fechado, revela-se
necessária a concessão de saída antecipada para o regime semiaberto, conforme medidas alter-
nativas elencadas pelo excelso STF quando do julgamento do RE 641.320/RS. Encontrando-
se o reeducando a até 06 (seis) meses do benefício de progressão de regime, e preenchido o
requisito subjetivo, se mostra possível a antecipação da progressão do regime fechado para
o semiaberto, nos termos do art. 7º, II, da Portaria Conjunta nº 834/PR/2019 deste TJMG.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Ementário
186

V.V.P. AGRAVO EM EXECUÇÃO. PROGRESSÃO DE REGIME ANTECIPADA PARA O


REGIME SEMIABERTO COM BASE NA PORTARIA CONJUNTA Nº 838/PR/2019 DO
TJMG. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. VIOLAÇÃO AO PRIN-
CÍPIO DA LEGALIDADE. A Portaria Conjunta nº 838/PR/2019 do TJMG vai de encontro
ao que dispõe a Lei de Execuções Penais, não podendo ser aplicada por ofensa ao princípio da
legalidade. Não pode a aplicação de determinada Portaria se sobrepor a legislação aplicável no
âmbito da execução penal. (TJMG; Ag-ExcPen 0920974-35.2019.8.13.0000; 4ª C.Crim.; Rel.
Des. Fernando Caldeira Brant; DJEMG 23/10/2019)

92/54 – REGIME SEMIABERTO. AUSÊNCIA DE ESTABELECIMENTO PRISIO-


NAL ADEQUADO. PRISÃO DOMICILIAR EM CARÁTER EXCEPCIONAL. POSSIBI-
LIDADE. SÚMULA VINCULANTE Nº 56 DO STF. MONITORAÇÃO ELETRÔNICA.
ATO DISCRICIONÁRIO DO JUIZ. Constatada a ausência de vagas em estabelecimento
prisional adequado ao cumprimento da pena, ou em situações de precariedade ou superlota-
ção do presídio, revela-se necessária a concessão, em caráter excepcional, do cumprimento da
pena em regime aberto, ou, na falta de vaga em casa de albergado, em regime domiciliar, até
o surgimento de vagas, conforme medidas alternativas elencadas pelo excelso STF quando
do julgamento do RE 641.320/RS. Reconhecidas as dificuldades materiais de fiscalização do
cumprimento da pena em situações como a dos autos, as hipóteses legais de aplicação do sistema
de monitoramento eletrônico consistem em discricionariedade do juiz, de forma que, averi-
guada a prescindibilidade da medida, pode o julgador deixar de determinar a implementação
deste meio fiscalizatório. (TJMG; Ag-ExcPen 0993048-87.2019.8.13.0000; 4ª C.Crim.; Rel. Des.
Fernando Caldeira Brant; DJEMG 23/10/2019)

92/55 – REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. CRIME DE DESERÇÃO. LICENCIAMEN-


TO DO RÉU ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. NÃO PROVIMENTO.
DECISÃO UNÂNIME. Inconformismo do MPM em face da decisão que rejeitou a denúncia
oferecida em desfavor do denunciado como incurso no art. 187 do CPM. O ato administra-
tivo de licenciamento do acusado, antes que a denúncia tenha sido recebida, impede que ele
venha a responder pelo cometimento do delito de deserção, uma vez que falta a condição de
procedibilidade. A legislação e a jurisprudência apresentadas revelam que o status de militar no
tocante ao crime mencionado é exigido somente no recebimento da denúncia, sem menção
a qualquer condição de prosseguibilidade após essa fase, o que, diga-se de passagem, não é o
caso dos autos, uma vez que, in tela, o denunciado foi licenciado das fileiras das Forças Armadas
antes do recebimento da denúncia. Não provimento do recurso. Decisão unânime. (STM;
RSE 7000753-78.2019.7.00.0000; Rel. Min. Odilson Sampaio Benzi; DJSTM 17/10/2019; p. 10)

92/56 – REMIÇÃO. POSSIBILIDADE. INSTITUIÇÃO NÃO CONVENIADA À


UNIDADE PRISIONAL. IRRELEVÂNCIA. ESTUDO COMPROVADO PELA JUNTADA
DE DOCUMENTOS. ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE CUSTAS. INVIABILIDADE
DE ANÁLISE. INEXISTENTE PREVISÃO LEGAL PARA RECOLHIMENTO EM SEDE
DE EXECUÇÃO. Diante de clara demonstração, pela via documental, da efetiva participação
e conclusão de cursos de ensino à distância pelo apenado, deve ser a ele concedida a remição.
Precedentes. Não há que se falar em isenção do pagamento de custas na execução, se nem há
previsão legal para o recolhimento de tal verba. (TJMG; Ag-ExcPen 0938549-56.2019.8.13.0000;
5ª C.Crim.; Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho; DJEMG 21/10/2019)

92/57 – REMIÇÃO PELA LEITURA. INDEFERIMENTO EM PRIMEIRO GRAU.


RECURSO DA DEFESA POSTULANDO A CONCESSÃO DA BENESSE. O CNJ editou a
Recomendação nº 44, de 26 de novembro de 2013, pronunciando-se favoravelmente à remição
pela leitura. Na mesma toada, a Portaria Conjunta nº 276/2012, editada pela Corregedoria-Geral
da Justiça Federal e o Departamento Penitenciário Nacional editaram. Ademais, há precedentes
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 187

do c. STJ e desta egrégia Câmara Criminal, acerca da possibilidade da remição por leitura e
respectiva resenha. Interpretação extensiva do art. 126 da LEP. Desse modo, passei a adotar
o entendimento de que tal medida contribui no processo de reinserção social do apenado, já
que agrega valores ético-morais à sua formação. Decisão reformada. Recurso provido. (TJSP;
AG-ExPen 7003053-15.2019.8.26.0482; Ac. 12968917; 8ª C.D.Crim.; Rel. Des. Sérgio Ribas;
DJESP 18/10/2019; p. 2.542)

92/58 – REVOGAÇÃO DO SURSIS. ABANDONO DA PRESTAÇÃO DE SER-


VIÇOS À COMUNIDADE FIXADA PARA O PRIMEIRO ANO DE VIGÊNCIA DO
BENEFÍCIO. Pretendida a extinção da punibilidade. Inadmissibilidade. Descumprimento in-
justificado de condição imposta durante o período de prova. Hipótese de revogação obrigatória.
Inteligência do art. 81, inciso III, do Código Penal. Constatada a irregularidade ainda no curso
da benesse, é perfeitamente cabível a sua revogação, ainda que a decisão revogadora venha a
ser prolatada após o término do período de prova. Decisum de natureza declaratória, retroativo
ao tempo do descumprimento. Precedentes. Correto o entendimento externado do julgado a
quo. Recurso não provido. (TJSP; AG-ExPen 7001020-87.2019.8.26.0050; Ac. 12979198; 13ª
C.D.Crim.; Rel. Des. Moreira da Silva; DJESP 23/10/2019; p. 1.604)

92/59 – ROUBO. ALEGAÇÃO DE DESNECESSIDADE DO CÁRCERE CAUTE-


LAR DIANTE DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES.
VIABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE INDICAM A POSSIBILIDADE
DA SUA SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS ALTERNATIVAS. PACIENTE PRIMÁRIO.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Presente a materialidade e contatando
a autoria do paciente no delito por meio de confissão do mesmo, encontra-se preenchido o
pressuposto do fumus comissi delicti, não sendo possível afirmar que o decisório cautelar objurgado
valeu-se de elementos abstratos. 2. A partir da vigência da Lei nº 12.403/2011, mais precisamente
com a inclusão do § 6º ao art. 282 do CPP, a prisão cautelar passou a ser considerada a ultima
ratio, sendo necessária para sua decretação a demonstração da ineficácia ou impossibilidade
de aplicação de medidas cautelares diversas da segregação, tarefa esta que é influenciada pelo
princípio da proporcionalidade, especificamente em seu subprincípio, a saber, o da necessidade.
3. Resta clara a suficiência das medidas cautelares diversas da prisão, uma vez que não existe
necessidade concreta de resguardar a ordem pública, diante da suposta conduta criminosa. 4.
Ordem conhecida e, no mérito, concedida em parte. (TJAL; HC 0804887-02.2019.8.02.0000;
C.Crim.; Rel. Des. Washington Luiz Damasceno Freitas; DJAL 21/10/2019; p. 225)

92/60 – TENTATIVA DE HOMICÍDIO. DOSIMETRIA. CULPABILIDADE. PRE-


MEDITAÇÃO NÃO COMPROVADA. CONDUTA SOCIAL DETURPADA. CIRCUNS-
TÂNCIAS DO CRIME DESFAVORÁVEIS. 1/8 POR CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL.
PENA-BASE MANTIDA POR APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO
IN PEJUS. PERSONALIDADE DO AGENTE REVALORADAS. MONTANTE DA CAUSA
DE DIMINUIÇÃO DA TENTATIVA. DESNECESSIDADE DE EXAME DE CORPO DE
DELITO. ITER CRIMINIS PERCORRIDO. PROXIMIDADE DA CONSUMAÇÃO. 1.
Apesar de a premeditação configurar fundamento suficiente para negativa a circunstância judicial
da culpabilidade, o mero fato de a ré portar a arma utilizada na prática delituosa não é suficiente
para comprovar a premeditação, especialmente quando consta na sentença que a recorrente
apenas desferiu os golpes contra a ofendida após discussão, assim como que levou seu filho
para o local do crime, o que não é condizente com a conduta de quem planejou previamente o
crime de homicídio. 2. Deve ser mantida em desfavor da recorrente a circunstância judicial da
conduta social, posto que foi especificado na sentença comportamentos deturpados da ré que
não se coadunam com uma boa conduta social, conturbando o meio em que vivia. 3. O fato de
o delito ter sido praticado na frente do próprio filho da ré, bem como diante da agressividade da
conduta praticada em plena via pública, são motivos idôneos para considerar as circunstâncias
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Ementário
188

do crime desfavoráveis. 4. Inexistindo qualquer motivo para não seguir o critério de aumento
da pena-base em 1/8 (um oitavo) por cada circunstância judicial negativada, incidente sobre o
intervalo entre as penas máxima e mínima, seria razoável a fixação da pena-base acima dos 9
(nove) anos de reclusão estabelecidos pelo juízo de primeiro grau; porém, aquela foi mantida
por aplicação do princípio da non reformatio in pejus. 5. Mostra-se prescindível o exame de corpo
de delito para o arbitramento da fração pela tentativa, sendo plenamente possível demonstrar
por qualquer meio de prova admitido o iter criminis percorrido e a proximidade da consumação,
os quais devem ser utilizados como critério para aplicação da causa de diminuição do art. 14,
inciso II, do Código Penal. 6. Recurso conhecido e não provido. Decisão unânime. (TJAL;
APL 0025621-48.2012.8.02.0001; C.Crim.; Rel. Des. Washington Luiz Damasceno Freitas; DJAL
14/10/2019; p. 70)

92/61 – TRÁFICO DE DROGAS. Regime inicial fechado para cumprimento de pena.


Pedido de fixação de regime aberto. Ré primária. Circunstâncias judiciais favoráveis e funda-
mentação inadequada (gravidade in abstrato do delito). A jurisprudência do STF consolidou
entendimento segundo o qual a hediondez ou a gravidade abstrata do delito não obriga, por si
só, o regime prisional mais gravoso, pois o juízo, em atenção aos princípios constitucionais da
individualização da pena e da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais, deve
motivar o regime imposto observando a singularidade do caso concreto. Precedentes. Manu-
tenção do regime semiaberto em sede de agravo regimental. Ausência de argumentos capazes
de infirmar a decisão agravada. Agravo regimental desprovido. (STF; HC-AgR 175.070; SP;
2ª T.; Rel. Min. Gilmar Mendes; DJE 17/10/2019; p. 66)

92/62 – TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, C/C ART.


40, I, AMBOS DA LEI Nº 11.343/06). DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA ESPECIAL DE
REDUÇÃO DO ART. 33, § 4º. APLICAÇÃO NO PATAMAR MÍNIMO (1/6). MOTIVA-
ÇÃO IDÔNEA. 1. A dosimetria da pena está ligada ao mérito da ação penal, ao juízo que é
realizado pelo magistrado sentenciante após a análise do acervo probatório amealhado ao longo
da instrução criminal. Daí ser inviável, na via estreita do habeas corpus, reavaliar os elementos
de convicção, a fim de se redimensionar a sanção. O que está autorizado, segundo reiterada
jurisprudência desta Corte, é apenas o controle da legalidade dos critérios invocados, com a
correção de eventuais arbitrariedades. 2. A escolha da fração de redução em 1/6 foi devidamente
motivada com arrimo nas circunstâncias da causa, em especial o fato de o agravante ter sido
surpreendido quando se preparava para desembarcar de voo procedente de Madri/Espanha,
transportando 5.985 g (cinco mil, novecentos e oitenta e cinco gramas – massa líquida) de
metanfetamina. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF; HC-AgR 172.878; SP;
1ª T.; Rel. Min. Alexandre de Moraes; DJE 03/09/2019; p. 114)

92/63 – UNIFICAÇÃO DAS PENAS. SENTENCIADO CONDENADO A DUAS


PENAS DE RECLUSÃO EM REGIME SEMIABERTO. Fixação de regime fechado para
cumprimento. Cabimento. Sanções corporais que, após unificação, somam mais de 8 anos
de reclusão, mesmo levando em consideração a detração. Hipótese do art. 111, caput, da
LEP. Inexistência de ilegalidade. Recurso improvido, com observação. (TJSP; AG-ExPen
0002497-51.2019.8.26.0509; Ac. 12987592; 11ª C.D.Crim.; Rel. Des. Alexandre Almeida; DJESP
22/10/2019; p. 2.922)

92/64 – VIOLAÇÃO DA SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR


VEÍCULO AUTOMOTOR. SUSPENSÃO IMPOSTA EM VIRTUDE DE INFRAÇÃO
ADMINISTRATIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO DO DELITO DO ART. 307 DO CTB.
ABSOLVIÇÃO MANTIDA. Somente a suspensão da habilitação imposta por condenação
penal pode ser objeto da violação prevista no tipo do art. 307 do CTB, não estando ali abran-
gida a hipótese de descumprimento de decisão administrativa imposta em virtude da prática
Ementário – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 189

de infração de trânsito. Precedente do STJ. (TJMG; APCR 0716922-73.2017.8.13.0024; 4ª


C.Crim.; Rel. Des. Júlio Cezar Guttierrez; DJEMG 23/10/2019)

92/65 – VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. CONDENAÇÃO MANTIDA


PELO TRIBUNAL COM REDUÇÃO DA PENA. EMBARGOS INFRINGENTES
POSTULANDO ABSOLVIÇÃO. 1. A tolerância popular à contrafação de CDs e DVDs não
imuniza o agente contra as consequências penais da conduta, não sendo caso de incidência do
princípio da adequação social. 2. Embargos infringentes rejeitados. Parecer acolhido. (TJGO;
ACr 21708-50.2017.8.09.0175; S.Crim.; Relª Juíza Lília Mônica de Castro Borges Escher; DJEGO
21/10/2019; p. 98)

92/66 – VIOLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS. ART. 184, § 2º, DO CÓDIGO


PENAL. APELO MINISTERIAL QUE POSTULA A CONDENAÇÃO DA RÉ NOS
TERMOS DA DENÚNCIA. Possibilidade. Materialidade e autoria devidamente comprova-
das. Fato típico e punível. Para que reste configurada a materialidade do crime é prescindível
que estejam relacionados os autores intelectuais das obras, nas hipóteses em que o laudo
ateste a falsidade do material apreendido e, consequentemente, a violação a direitos autorais.
Não há que se falar que a conduta é socialmente adequada. Além de juridicamente relevante,
porque o legislador entendeu imprescindível a intervenção do Direito Penal para tutelar a
propriedade intelectual (tipicidade formal), a conduta traduz, à vista da quantidade de mate-
rial contrafeito apreendido, lesão relevante, digna da incidência da norma penal, a evidenciar
a tipicidade concreta do fato. Pena e regime fixados. Apelo do Ministério Público provido.
(TJSP; ACr 0017594-18.2015.8.26.0320; Ac. 12947693; 7ª C.D.Crim.; Rel. Des. Freitas Filho;
DJESP 22/10/2019; p. 2.913)

92/67 – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. RECLAMAÇÃO. ME-


DIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA APLICADAS. Alegação de ser a sentença proferida
embasada apenas em declarações da vítima. Inocorrência. Relevância da palavra da ofendida,
corroborada por outros elementos idôneos carreados aos autos, legitimam a aplicação de tais
medidas. A não oitiva do agressor não se constitui na irregularidade aduzida. As medidas pro-
tetivas de urgência podem ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das
partes e de manifestação do Ministério Público. Art. 19, § 1º, da Lei nº 11.340/06. Permane-
cendo a situação de risco para a vítima, continuam a vigorar as medidas protetivas de urgência
aplicadas. Recurso de apelação conhecido e improvido. (TJBA; AP 0302802-61.2018.8.05.0256;
2ª C.Crim.; Rel. Des. José Alfredo Cerqueira da Silva; DJBA 22/10/2019; p. 799)
Sinopse Legislativa
* Nota: íntegras das normas disponíveis em nosso endereço eletrônico, no link dedicado a esta publicação.

Norma Data Publicação Ementa/Apelido


Decreto nº Programa Mulher Segura e Protegida - Alte-
12/11/2019 13/11/2019
10.112 ração do Decreto nº 8.086/2013.
Lei Maria da Penha - Competência dos Juiza-
dos de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher - Código de Processo Civil - Com-
Lei nº 13.894 29/10/2019 30/10/2019
petência do Foro do Domicílio da Vítima de
Violência Doméstica e Familiar - Alteração
das Leis nºs 11.340/06 e 13.105/2015.
Fundo de Prevenção, Recuperação e de
Combate às Drogas de Abuso - Estatuto do
Lei nº 13.886 17/10/2019 18/10/2019 Desarmamento - Nova Lei de Entorpecen-
tes - Código de Trânsito Brasileiro e Outras
Normas - Alterações.
Lei Maria da Penha - Garantia da Matrícula
dos Dependentes da Mulher Vítima de Vio-
Lei nº 13.882 8/10/2019 9/10/2019 lência Doméstica e Familiar em Instituição
de Educação Básica mais Próxima de seu
Domicílio - Alteração da Lei nº 11.340/06.
Lei Maria da Penha - Apreensão de Arma
de Fogo sob Posse de Agressor em Casos de
Lei nº 13.880 8/10/2019 9/10/2019
Violência Doméstica - Alteração da Lei nº
11.340/06.
Destaques dos Volumes Anteriores

Destaques do Volume nº 91
– Júri: Prisão e Vedação de Apelação para a Acusação – a Decisão do STF
por Lenio Luiz Streck, Pós-Doutor e Professor
– A Releitura do Princípio In Dubio Pro Societate no Rito Especial do Júri
por Rafael Estrela Nóbrega, Juiz e Especialista
– Ensaio sobre uma Segurança Jurídica Metamórfica
por Rogério Filippetto, Mestre e Doutor
– O Papel Transformativo das Corporações no Processo Penal: Ideias sobre Compliance e Vitimização
Corporativa
por Eduardo Saad-Diniz, Professor e Doutor
– O Combate à Pornografia de Vingança e a Tutela Penal da Imagem no Brasil
por Leonardo Estevam de Assis Zanini, Mestre e Doutor, e Silvio Luiz Maciel, Professor e Mestre
– Metacognição: Ofensa à Imparcialidade do Juiz Criminal na Fase de Investigação
por Luiz Fernando Kazmierczak, Mestre e Doutor, e Gustavo Carvalho Kichileski, Advogado e
Mestrando

Destaques do Volume nº 90
– Do Prazo Prescricional das Sanções Penais Previstas para as Pessoas Jurídicas em Crimes Ambientais
por Oswaldo Henrique Duek Marques, Professor e Doutor, e Paulo Henrique Aranda Fuller,
Professor e Mestre
– O Interrogatório do Réu no Projeto de Código de Processo Penal
por Sergio Demoro Hamilton, ex-Professor e ex-Procurador de Justiça
– O Controle de Constitucionalidade das Leis Penais e o Princípio da Proporcionalidade
por Gilmar Ferreira Mendes, Ministro do STF e Doutor
– As Criptomoedas e a Lavagem de Dinheiro
por Ronaldo Rodrigues de Oliveira Bortoletto, Advogado e Especialista, e Cinthia Obladen de
Almendra Freitas, Professora e Doutora
– Política Regulatória, Enforcement e Compliance: Análise dos Lineamientos da Oficina Anticorrupção da
Procuradoria Argentina
por Eduardo Saad-Diniz, Professor e Doutor
– Decisão Judicial e Limites Interpretativos: Reflexões Jurídico-Filosóficas Acerca da Interceptação
Telefônica no Caso Lula e Dilma Rousseff
por Felinto Alves Martins Filho, Advogado e Especialista, e Eduardo Rocha Dias, Mestre e Doutor
– A Relevância da Cooperação Internacional para o Aprofundamento do Combate à Corrupção no
Brasil
por Carla Abrantkoski Rister, Mestre e Doutora
– Entre Expansão ou Delimitação do Critério Biológico da Inimputabilidade Penal do Art. 26 do CP
por Rodrigo Silva Barreto, Advogado e Mestre

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Índice Alfabético-Remissivo

A 8.666/93 c/c o art. 71, caput, do CP). Conde-


nação. Impossibilidade. Necessidade de dolo
ABSOLVIÇÃO específico. Serviços efetivamente prestados.
Ausência de prejuízo ao erário. TJMT (Em.
- Apropriação indébita. Prova insuficiente.
92/3)................................................................ 171
Dúvida quanto à prática do fato criminoso.
Ausência de comprovação do dolo específico. - Operação Sanguessuga. Imputação da prática
Mero inadimplemento contratual. Ilícito dos crimes de corrupção passiva, formação de
civil. TJAP (Em. 92/5).................................... 171 quadrilha e lavagem de dinheiro. Assessor
parlamentar. Art. 317 e art. 288, ambos do
- Arma de fogo. Porte ilegal. Numeração
CP e art. 1º, V e VII, § 1º, II, da Lei 9.613/98.
suprimida. Recurso defensivo. Pretendida
Insuficiência de provas quanto à participação
absolvição. Possibilidade. Inexistência de
do réu nos eventos criminosos. Existência de
potencialidade lesiva e, portanto, de mate-
dúvida razoável. TRF 1ª R. (Em. 92/43)....... 183
rialidade. TJSP (Em. 92/49)........................... 185
- Tóxicos. Colaboração como informante para
- Crime ambiental. Desmatamento realizado
o tráfico. Delito previsto no art. 37 da Lei
para subsistência familiar. Art. 50-A da Lei
11.343/06. Possibilidade. Ausência das ele-
9.605/98. Estado de necessidade caracteriza-
mentares do tipo penal. TJMG (Em. 92/7)... 172
do. Excludente de ilicitude. TRF 1ª R. (Em.
92/9)................................................................ 172 ABUSO DE AUTORIDADE
- Crime ambiental/usurpação de matéria prima - Lesão corporal leve. Falsidade ideológica
da União. Garimpo artesanal sem nenhuma em documento público. Sentença condena-
relevância para o bem jurídico tutelado. Apli- tória. Atuação não amparada por lei ou ato
cação do princípio da insignificância. TRF 1ª normativo. Restrição de liberdade. Inserção
R. (Em. 92/11)................................................ 173 de informação falsa em documento público.
TJMT (Em. 92/37)......................................... 181
- Descaminho. Dolo não configurado em face
da prova. As provas constantes dos autos não AÇÕES NEUTRAS EM DIREITO
oferecem elementos incontestáveis capazes PENAL
de comprovar a presença do dolo na conduta
- Artigo de Antônio Carlos da Ponte e Gui-
da acusada, não existindo evidências seguras
lherme Lopes Felicio...................................... 95
que demonstrem que a apelada tinha ciência
quanto à origem estrangeira da mercadoria ANÁLISE CRÍTICA DE LAUDOS
apreendida em seu estabelecimento comer- UTILIZADOS COMO ARGUMENTOS
cial. TRF 1ª R. (Em. 92/16)........................... 175 RETÓRICOS ESTRATÉGICOS:
- Estupro de vulnerável. Possibilidade. Depoi- O IDEAL DE NEUTRALIDADE
mento da vítima. Contradição. Provas insufi- NA FUNÇÃO DAS PERÍCIAS NO
cientes. Havendo contradição nas declarações ÂMBITO CRIMINAL
prestadas pela vítima, bem como ausentes - Artigo de Carla Cordeiro Verly e João Mau-
outros meios de provas aptos a embasar um rício Adeodato................................................ 17
possível édito condenatório, cabível a absol-
vição com base no princípio in dubio pro reo. ANTECEDENTES CRIMINAIS
TJAC (Em. 92/19).......................................... 176 - Acórdão do TJRJ – Reincidência específica.
Configuração que exige a condenação por
- Licitação. Crime do art. 90 da Lei 8.666/93.
crimes de mesma espécie – mesmo tipo
Fraude ao caráter competitivo do procedi-
penal –, não sendo suficiente a condenação
mento licitatório. Crime do art. 288 do CP.
por crimes meramente do mesmo gênero, no
Prefeito e membros da comissão de licitação.
caso, crimes patrimoniais............................... 165
Superfaturamento. Máfia dos Sanguessugas.
Insuficiência de provas quanto à prática do ANTÔNIO CARLOS DA PONTE E
injusto penal. Absolvição com fundamento GUILHERME LOPES FELICIO
no art. 386, VII, do CPP. TRF 1ª R. (Em.
- Artigo: “Ações Neutras em Direito Penal”.... 95
92/14).............................................................. 174
- Licitação. Dispensa e inexigibilidade fora das APELAÇÃO EM LIBERDADE
hipóteses previstas em lei ou sem observância - Homicídio. Condenação. Embora o réu
das formalidades legais (art. 89, caput, da Lei respondesse ao feito em liberdade por certo
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 193

período, não há ilegalidade na ordem de CONFISSÃO QUALIFICADA


prisão decretada na sentença, negando-se o - Ainda que em situação que vise a afastar a
direito de o condenado recorrer em liber- imputação ou mesmo a ilicitude da conduta,
dade, quando demonstrado, com base em é apta a garantir o benefício da atenuação da
fatores concretos, que a segregação se mostra pena e pode ser compensada com uma das
necessária. TJAP (Em. 92/26)........................ 178 qualificadoras reconhecidas pelo Conselho
- Homicídio qualificado. Condenação. Pacien- de Sentença, deixando a pena em seu patamar
te que respondeu ao processo em liberdade. mínimo. TJAP (Em. 92/31)........................... 179
Ordem concedida. TJAP (Em. 92/29)........... 179 CRIME AMBIENTAL
APROPRIAÇÃO INDÉBITA - Dano direto a unidade de conservação. Art.
- Absolvição. Prova insuficiente. Dúvida 40 Lei 9.605/98. Impedir ou dificultar a rege-
quanto à prática do fato criminoso. Ausência neração natural de florestas e demais formas
de comprovação do dolo específico. Mero de vegetação. Art. 48 da Lei 9.605/98. Crime
inadimplemento contratual. Ilícito civil. permanente. Prescrição inocorrente. TRF 1ª
Ausentes as elementares penais, configura R. (Em. 92/10)................................................ 173
mero ilícito civil o eventual inadimplemento - Desmatamento realizado para subsistência
contratual havido entre as partes, não ense- familiar. Art. 50-A da Lei 9.605/98. Estado
jando a condenação penal. TJAP (Em. 92/5). 171 de necessidade caracterizado. Excludente de
ilicitude. Absolvição. TRF 1ª R. (Em. 92/9). 172
ARMA DE FOGO
- Prova da eficácia das tarrafas portadas pelos
- Porte ilegal com numeração suprimida.
apelantes, nas proximidades de rio. Art. 34,
Recurso defensivo. Pretendida absolvição.
caput e p. único, II, da Lei 9.605/98 c/c o
Possibilidade. Inexistência de potencialidade
art. 14, II, do CP. Pena restritiva de direitos
lesiva e, portanto, de materialidade. TJSP
consistente em prestação de serviços à comu-
(Em. 92/49)..................................................... 185 nidade mantida. TJSP (Em. 92/8)................. 172
- Posse. Índio. Art. 12 Lei 10.826/03. Pres- - Usurpação de matéria prima da União.
crição. Não configurada. Crime de perigo Garimpo artesanal sem nenhuma relevância
abstrato. Dosimetria. Regime especial de para o bem jurídico tutelado. Aplicação do
semiliberdade, art. 56, parágrafo único, da princípio da insignificância. TRF 1ª R. (Em.
Lei 6.001/73. Inaplicável. Execução da pena. 92/11).............................................................. 173
TRF 4ª R. (Em. 92/34)................................... 180

D
C
DA LOCALIZAÇÃO DOGMÁTICA
CARLA CORDEIRO VERLY E JOÃO DA ATIVIDADE DE COMPLIANCE
MAURÍCIO ADEODATO NO AMBIENTE CORPORATIVO
- Artigo: “Análise Crítica de Laudos Utilizados SOB O PONTO DE VISTA DA
como Argumentos Retóricos Estratégicos: o RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL
Ideal de Neutralidade na Função das Perícias DA PESSOA COLETIVA
no Âmbito Criminal”..................................... 17 - Artigo de Flavio Rodrigues Calil Daher e
CARTEIRA NACIONAL DE Roberta Cordeiro de Melo Magalhães.......... 5
HABILITAÇÃO DANO E DESACATO
- Suspensão imposta em virtude de infração - O dolo do crime de dano consiste na vontade
administrativa. Absolvição mantida. Somente de praticar uma das condutas previstas no
a suspensão da habilitação imposta por con- núcleo do tipo penal insculpido no art. 163
denação penal pode ser objeto da violação do CP, sendo desnecessária a presença do
prevista no tipo do art. 307 do CTB, não dolo específico de causar prejuízo, bastando,
estando ali abrangida a hipótese de descum- tão somente, o dolo genérico da conduta
primento de decisão administrativa imposta perpetrada pelo agente para sua configura-
em virtude da prática de infração de trânsito. ção. Se o acusado, livre e conscientemente,
TJMG (Em. 92/64)........................................ 188 dirige palavras ofensivas a agente público
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Índice Alfabético
194

(policiais militares), no exercício regular PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº


das funções que lhe foram atribuídas cons- 8.666/93
titucionalmente, com a nítida, consciente e - Artigo de Oswaldo Henrique Duek Marques
deliberada intenção de ofender e depreciar a e Paulo Henrique Aranda Fuller................... 59
função por estes desempenhadas, comete o
crime de desacato, insculpido no art. 331 do
E
CP. TJMG (Em. 92/15).................................. 174
DENÚNCIA EMBRIAGUEZ AO VOLANTE
- Acórdão do STJ – A simples conduta de
- Acórdão do STJ – Ação penal de compe-
dirigir veículo automotor em via pública
tência do júri. Homicídio qualificado. Réus
com concentração de álcool maior ou igual
indígenas. Tradução da denúncia para o
a 6 dg de álcool por litro de sangue passou a
idioma Kaingang. Desnecessidade. Perícia ser suficiente à configuração do crime.......... 124
antropológica. Não realização. Ausência de
impedimento. Acesso integral aos autos....... 136 - Prisão preventiva. Ausência dos requisitos
legais. Desnecessidade de prisão no caso
DESCAMINHO concreto. Medidas cautelares diversas. Pos-
sibilidade. TJRS (Em. 92/1)........................... 170
- Absolvição. Dolo não configurado em face
da prova, não existindo evidências seguras - Prisão preventiva. Homicídio e lesão cor-
que demonstrem que a apelada tinha ciência poral. Paciente que faz uso de remédio
quanto à origem estrangeira da mercadoria controlado. Ingestão de alta quantidade de
apreendida em seu estabelecimento comer- bebida alcoólica. Necessidade de assegurar
a aplicação da lei penal. Condições pessoais
cial. TRF 1ª R. (Em. 92/16)........................... 175
favoráveis. Irrelevância. Inaplicabilidade de
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME medida cautelar alternativa. STJ (Em. 92/2). 170
- Acórdão do TJRJ – Furto. Voto vencido que ESTELIONATO
reconhecia o furto em modalidade tentada. - Exclusão da ilicitude e da culpabilidade por
Aplicação da fração de redução de 1/2 (me- estado de necessidade. Preenchimento dos
tade), redução da fração de aumento de pena requisitos. Conduta dos réus configurada
pela agravante da reincidência para 1/6, bem por perigo atual. Não preenchimento dos
como o reconhecimento da extinção da pena requisitos do tipo penal incriminador. Impos-
pelo seu integral cumprimento..................... 165 sibilidade da substituição de pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos. O crime
DESERÇÃO de estelionato consuma-se com a obtenção
- Crime militar. Rejeição de denúncia. Licen- de vantagem ilícita para si ou para outrem,
ciamento do réu antes do recebimento da em prejuízo alheio. STM (Em. 92/17).......... 175
denúncia. Art. 187 do CPM. O ato adminis- - Tentativa. Caixa Econômica Federal. Preca-
trativo de licenciamento do acusado, antes tório. Dosimetria. Compensação das causas
que a denúncia tenha sido recebida, impede de aumento e de diminuição no primeiro
que ele venha a responder pelo cometimento delito. Incorreção. Redimensionamento da
do delito de deserção, uma vez que falta a pena. Execução provisória da pena. TRF 4ª
condição de procedibilidade. STM (Em. R. (Em. 92/18)................................................ 176
92/55).............................................................. 186 ESTUPRO DE VULNERÁVEL
DETRAÇÃO PENAL - Absolvição. Possibilidade. Depoimento da
- Acórdão do TJGO – A monitoração ele- vítima. Contradição. Provas insuficientes.
Princípio in dubio pro reo. TJAC (Em. 92/19). 176
trônica não representa efetiva custódia do
acautelado, razão pela qual seu período de - Pena. Prova segura. Exame de corpo de delito.
uso não deve ser considerado no cálculo da Palavra da vítima. Relevância. Embriaguez
detração penal................................................. 149 voluntária e habitual. Situação que não elide
o crime. Pena-base fixada no mínimo legal.
DO CONCURSO DE AGENTES Atenuantes. Redução da pena aquém do mí-
NO CRIME PREVISTO NO ART. 89, nimo. Impossibilidade. TJMG (Em. 92/20). 176
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 195

EXCESSO DE LINGUAGEM FALSIFICAÇÃO DE PRODUTO


DESTINADO A FINS
- Decisão de pronúncia. Decisão que emite
TERAPÊUTICOS
juízo de certeza acerca da autoria delitiva
imputada ao réu. Invasão da competência do - Adulteração e venda de vacinas sem autori-
Júri. TJAL (Em. 92/28).................................. 178 zação ou registro no órgão de vigilância sani-
tária. Considerando a inconstitucionalidade
EXCESSO DE PRAZO do preceito secundário do tipo penal do art.
- Favorecimento à prostituição. Prisão há mais 273, § 1º-B, do CP, deve a pena ser calculada
de 3 meses sem oferecimento de denúncia. utilizando os parâmetros do preceito secun-
Constrangimento ilegal caracterizado. Or- dário do art. 12 da Lei 6.368/76, conforme
determinado pelo STJ. Pena redimensionada.
dem concedida, com a cominação de medidas
TJMG (Em. 92/12)........................................ 173
cautelares diversas da prisão. TJAP (Em.
92/23).............................................................. 177 FALTA GRAVE
- Organização criminosa. Conclusão da - Perda dos dias remidos na fração de 1/6. A
formação da culpa. Paciente segregado há decretação da perda de 1/6 (um sexto) dos
aproximadamente 400 dias. Extensão do dias remidos, é fração proporcional para o
benefício da liberdade provisória. Princípio caso, especialmente porque ajustada à natu-
da isonomia. Constrangimento ilegal evi- reza da falta e à pessoa do faltoso. TJRS (Em.
92/35).............................................................. 181
denciado. Liminar concedida. TJAL (Em.
92/44).............................................................. 183 FAVORECIMENTO À
PROSTITUIÇÃO
EXPOSIÇÃO À VENDA DE
PRODUTOS EM CONDIÇÕES - Prisão há mais de 3 meses sem oferecimento
IMPRÓPRIAS AO CONSUMO de denúncia. Excesso de prazo. Constrangi-
mento ilegal caracterizado. Ordem concedi-
- Imputação do delito insculpido no art. 7º, IX, da, com a cominação de medidas cautelares
da Lei 8.137/90. Validade do procedimento diversas da prisão. TJAP (Em. 92/23)............ 177
investigatório contido no inquérito policial,
FLAGRANTE PREPARADO
bem como dos depoimentos do acusado.
Laudo pericial conclusivo pela impropriedade - Não configuração. Configura-se o flagrante
dos alimentos apreendidos. Dosimetria da preparado ou provocado quando o agente,
pena aplicada de forma escorreita. TJBA (Em. policial ou terceiro (provocador), induz
92/13).............................................................. 174 o autor à prática do crime, viciando a sua
vontade, e, logo em seguida, o prende em fla-
grante. Nesse contexto, em face da ausência
F de vontade livre e espontânea do infrator e
da caracterização de crime impossível, tem-
FALSIDADE IDEOLÓGICA/USO DE se por atípica a conduta. TRF 4ª R. (Em.
DOCUMENTO FALSO 92/18).............................................................. 176
- Crime militar. Arts. 312 e 315 do CPM. FLÁVIO AUGUSTO MARETTI
Processo seletivo de convocação para oficiais SGRILLI SIQUEIRA
temporários. Enquadrar cadastro on-line do
site como documento público ou particular, - Artigo: “Regularização Fiscal e Cambiária: a
Desregulamentação Legislativa e o Desman-
elementares do tipo, seria o caso de analogia
telamento da Punibilidade no Direito Penal
in malam partem, vedada em Direito Penal.
Econômico”.................................................... 35
Configura-se o crime de uso de documento
falso (art. 315 do CPM), o qual prescinde de FLAVIO RODRIGUES CALIL DAHER
qualquer prejuízo ou resultado naturalístico, E ROBERTA CORDEIRO DE MELO
sendo delito formal, bastando o simples uso MAGALHÃES
para a tipificação penal, a apresentação de - Artigo: “Da Localização Dogmática da Ativi-
documentos falsos, supostamente compro- dade de Compliance no Ambiente Corporativo
vantes de capacitações não realizadas pela ré. sob o Ponto de Vista da Responsabilização
STM (Em. 92/22)........................................... 177 Criminal da Pessoa Coletiva”........................ 5
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Índice Alfabético
196

FURTO - Motivo torpe e pelo emprego de recurso


que dificultou ou impossibilitou a defesa da
- Acórdão do TJRJ – Desclassificação. Voto
vítima. Art. 121, § 2º, I e IV, do CP. Alegação
vencido que reconhecia o furto em modalida-
de decisão contrária às provas dos autos.
de tentada. Aplicação da fração de redução de
Suposta ausência de provas suficientes de au-
1/2 (metade), redução da fração de aumento
toria. Acolhimento. Condenação amparada,
de pena pela agravante da reincidência para
exclusivamente, em testemunhos indiretos.
1/6, bem como o reconhecimento da extinção
Inexistência de outras provas de autoria de-
da pena pelo seu integral cumprimento........ 165
litiva. Impossibilidade. TJAL (Em. 92/32).... 180
FURTO QUALIFICADO - Pena. Dosimetria. Circunstâncias judiciais.
- Destreza. Qualificadora. Exclusão. Impos- Confissão qualificada. A dosimetria da pena
sibilidade. Pena base. Dosimetria. Mínimo deve respeitar o método trifásico e uma vez
legal. Circunstâncias desfavoráveis. Regime fixada de modo proporcional e razoável,
prisional. Alteração. Impossibilidade. Verifi- respeitando as provas produzidas nos autos,
cado que o Juiz singular de forma fundamen- não merece reparos. TJAP (Em. 92/31)........ 179
tada, após examinar as condições pessoais do - Pena. Majoração da pena-base. Possibilidade.
réu, fixou regime mais rigoroso para o início Reconhecimento da vetorial culpabilidade
do cumprimento da pena que lhe foi imposta, em desfavor do agente. O modus operandi em-
deve a TJAC (Em. 92/24)............................... 177 pregado pelo réu para ceifar a vida da vítima
permite ao julgador negativar a circunstância
H atinente à culpabilidade. TJAC (Em. 92/27). 178
- Pena. Redução. Afastamento do vetor judi-
HOMICÍDIO
cial comportamento da vítima. Viabilidade.
- Condenação. Prisão preventiva. Garantir a Redução proporcional ao decote realizado.
ordem pública e assegurar a aplicação da lei Alteração do regime inicial para cumprimen-
penal e conveniência da instrução criminal. to de pena. Inadmissibilidade. Critérios legais
Segregação justificada. Denegação do HC. não atendidos. Exclusão do valor fixado a
TJAP (Em. 92/26)........................................... 178 título de reparação mínima. Inaceitabilidade.
Pedido expresso na denúncia. Dano moral e
- Tentativa. Art. 121, caput c/c o art. 14, II, do
psicológico causado à família da vítima. TJAC
CP. Decisão de pronúncia. Absolvição sumá-
(Em. 92/30)..................................................... 179
ria. Inviabilidade. Hipóteses previstas no art.
415 do CPP que não restaram demonstradas - Prisão em sentença condenatória. Paciente
na espécie. Pedido de despronúncia. Impro- que respondeu ao processo em liberdade.
cedência. TJMA (Em. 92/33)......................... 180 Ordem concedida. O órgão julgador, sem
motivação expressa e adequada, mesmo
- Tentativa. Dosimetria. Culpabilidade.
impondo regime de cumprimento de pena
Premeditação não comprovada. Conduta
fechado, negou ao Paciente o direito de re-
social deturpada. Circunstâncias do crime
correr em liberdade, patente a coação ilegal e
desfavoráveis. 1/8 por circunstância judicial.
violadora dos direitos prisionais do paciente.
Pena-base mantida por aplicação do princípio
TJAP (Em. 92/29)........................................... 179
da non reformatio in pejus. Personalidade do
agente revaloradas. Montante da causa de
diminuição da tentativa. Desnecessidade de I
exame de corpo de delito. Iter criminis per-
IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO
corrido. Proximidade da consumação. TJAL
(Em. 92/60)..................................................... 187 PUDOR
- Réu definitivamente condenado. Art. 61 da
HOMICÍDIO QUALIFICADO
LCP. Abolitio criminis em razão da revogação
- Decisão de pronúncia. Excesso de linguagem trazida pela Lei 13.718/2018. Impossibilidade.
conhecido. Decisão que emite juízo de certe- Figura típica que foi formalmente revogada,
za acerca da autoria delitiva imputada ao réu. mas passou a ser tipificada pelo art. 215-A do
Invasão da competência do Tribunal do Júri. CP Aplicação do princípio da continuidade
TJAL (Em. 92/28)........................................... 178 normativo-típica. TJSP (Em. 92/52)............. 185
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 197

IMUNIDADE MATERIAL fundamentação para aplicação das agravantes.


Dosimetria redimensionada. TJBA (Em.
- Senador da República. Queixa-crime. Ca-
92/36).............................................................. 181
lúnia. Difamação. Declarações prestadas
nas dependências do Congresso Nacional. - Nulidade. Homicídio qualificado. Motivo
Reconhecimento da inviolabilidade consti- torpe e pelo emprego de recurso que dificul-
tucional. Atipicidade da conduta pela confi- tou ou impossibilitou a defesa da vítima. Art.
guração de excludente de ilicitude. STF (Em. 121, § 2º, I e IV, do CP. TJAL (Em. 92/32)... 180
92/50).............................................................. 185
INDÍGENAS L
- Acórdão do STJ – Ação penal de competência LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE
do júri. Homicídio qualificado. Tradução da MORTE
denúncia para o idioma Kaingang. Desneces-
sidade. Perícia antropológica. Não realização. - Decote das agravantes do motivo fútil e do
Ausência de impedimento. Acesso integral recurso que dificultou a defesa da vítima.
aos autos.......................................................... 136 Cabimento. Manutenção do desvalor das cir-
cunstâncias do delito. Fundamentação fun-
- Arma de fogo. Posse. Art. 12 Lei 10.826/03. dada em elementos concretos. Os elementos
Prescrição. Não configurada. Crime de peri- constantes dos autos não são suficientes para
go abstrato. Dosimetria. Regime especial de concluir que a motivação da acusada teria sido
semiliberdade, art. 56, parágrafo único, da ciúmes. Desse modo, a ausência de lastro
Lei 6.001/73. Inaplicável. Execução da pena. probatório para fazer incidir a agravante do
Para a configuração do tipo penal é irrelevante motivo fútil impõe seu decote. As circuns-
o fato de a arma estar desmuniciada, visto tâncias do delito demonstram maior repro-
se tratar de delito de mera conduta ou de vabilidade, uma vez que o crime cometido
perigo abstrato. Evidenciado, nos autos, que na própria residência do ofendido, local de
o apelante está integrado à sociedade, não coabitação com a acusada, indiscutivelmente,
há falar na concessão do regime especial de local em que ele deveria se sentir seguro e
semiliberdade. TRF 4ª R. (Em. 92/34)......... 180 tranquilo, extrapola a normalidade do tipo
penal e justifica o incremento da reprimenda.
J TJMG (Em. 92/38)........................................ 182
LIBERDADE PROVISÓRIA
JÚRI
- Roubo. Prisão preventiva. Alegação de desne-
- Alegação de decisão contrária às provas dos
cessidade do cárcere cautelar diante da possi-
autos. Suposta ausência de provas suficien-
bilidade de aplicação de medidas cautelares.
tes de autoria. Acolhimento. Condenação
Viabilidade. Circunstâncias concretas que
amparada, exclusivamente, em testemunhos
indicam a possibilidade da sua substituição
indiretos. Inexistência de outras provas de
por medidas alternativas. Paciente primário.
autoria delitiva. Impossibilidade. TJAL (Em.
Constrangimento ilegal evidenciado. TJAL
92/32).............................................................. 180
(Em. 92/59)..................................................... 187
- Condenação recorrível. Imediata sujeição do
réu sentenciado à execução antecipada (ou LICITAÇÃO
provisória) da condenação criminal. Invo- - Artigo de Flávio Augusto Maretti Sgrilli Si-
cação, para tanto, da soberania do veredicto queira: “Regularização Fiscal e Cambiária: a
do Júri. Inadmissibilidade. Prisão cautelar Desregulamentação Legislativa e o Desman-
decretada na hipótese de condenação penal telamento da Punibilidade no Direito Penal
recorrível: instituto de tutela cautelar penal Econômico”.................................................... 35
inconfundível com a esdrúxula concepção
- Ação penal pública originária. Ex-prefeito
da execução provisória ou antecipada da
do Município de Juara/MT. Dispensa e
pena. Medida cautelar concedida. STF (Em.
inexigibilidade de licitação fora das hipó-
92/25).............................................................. 178
teses previstas em lei ou sem observância
- Desclassificação para lesão corporal seguida das formalidades legais (art. 89, caput, da Lei
de morte. Circunstâncias judiciais. Ido- 8.666/93 c/c o art. 71, caput, do CP). Conde-
neidade na fundamentação. Ausência de nação. Impossibilidade. Necessidade de dolo
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Índice Alfabético
198

específico. Serviços efetivamente prestados. período de uso não deve ser considerado no
Ausência de prejuízo ao erário. TJMT (Em. cálculo da detração penal............................... 149
92/3)................................................................ 171
- Crime do art. 90 da Lei 8.666/93. Fraude N
ao caráter competitivo do procedimento
licitatório. Crime do art. 288 do CP. Pre- NULIDADE
feito e membros da comissão de licitação. - Júri. Homicídio qualificado. Motivo torpe e
Superfaturamento. Máfia dos Sanguessugas. pelo emprego de recurso que dificultou ou
Insuficiência de provas quanto à prática do impossibilitou a defesa da vítima. Art. 121, §
injusto penal. Absolvição com fundamento 2º, I e IV, do CP. Alegação de decisão contrá-
no art. 386, VII, do CPP. TRF 1ª R. (Em. ria às provas dos autos. Suposta ausência de
92/14).............................................................. 174 provas suficientes de autoria. Acolhimento.
Condenação amparada, exclusivamente, em
LIVRAMENTO CONDICIONAL
testemunhos indiretos. Inexistência de outras
- Cometimento de nova infração. Declaração provas de autoria delitiva. Impossibilidade.
de falta grave. Impossibilidade. Ausência de TJAL (Em. 92/32)........................................... 180
previsão legal. No cumprimento de livra-
mento condicional a prática de nova infração
conduzirá, conforme o caso, à suspensão do
O
benefício e, havendo condenação, será decre- O ATIVISMO DO SUPREMO
tada sua revogação. TJMG (Em. 92/39)........ 182 TRIBUNAL FEDERAL E O
- Prática de conduta tipificada como crime do- SURGIMENTO DA NORMA
loso. Suspensão do benefício e configuração SUPRALEGAL
de falta grave. Possibilidade. O livramento - Artigo de Silmar Fernandes e José Renato
condicional não constitui causa de extinção Nalini.............................................................. 73
da pena, de modo que, mesmo agraciado pelo
benefício, o condenado não pode ignorar as OSWALDO HENRIQUE DUEK
regras atinentes à execução da reprimenda, MARQUES E PAULO HENRIQUE
que não se extinguiu. TJMG (Em. 92/40).... 182 ARANDA FULLER
- Artigo: “Do Concurso de Agentes no Crime
M Previsto no Art. 89, Parágrafo Único, da Lei
nº 8.666/93”.................................................... 59
MACONHA
- Cannabis sativa. Uso para tratamento tera- P
pêutico/medicinal individual. Salvo-conduto
expedido. TRF 3ª R. (Em. 92/6).................... 172 PENA

MANDADO DE SEGURANÇA - Acórdão do TJGO – Detração. A monitora-


ção eletrônica não representa efetiva custódia
- Almejada decretação de segredo de justiça do acautelado, razão pela qual seu período de
em face da instauração do incidente previsto uso não deve ser considerado no cálculo da
no art. 149 do CPP. Admissibilidade. Pro- detração penal................................................. 149
teção à imagem e à intimidade, nos termos
do art. 189, III, do CPC e art. 5º, LX, da - Acórdão do TJRJ – Furto. Reincidência espe-
CF. Pretendida condenação da autoridade cífica. Configuração que exige a condenação
coatora nas custas e honorários advocatícios. por crimes de mesma espécie – mesmo tipo
Impossibilidade jurídica do pedido. Encargos penal –, não sendo suficiente a condenação
que devem ser impostos à parte vencida em por crimes meramente do mesmo gênero, no
processo, não sendo aplicáveis ao Juiz que caso, crimes patrimoniais............................... 165
oficia no feito. TJSP (Em. 92/41).................. 182 - Arma de fogo. Posse. Índio. Art. 12 da Lei
10.826/03. Prescrição. Não configurada. Cri-
MONITORAÇÃO ELETRÔNICA
me de perigo abstrato. Dosimetria. Regime
- Acórdão do TJGO – Pena. Detração. A mo- especial de semiliberdade, art. 56, parágrafo
nitoração eletrônica não representa efetiva único, da Lei 6.001/73. Inaplicável. Execução
custódia do acautelado, razão pela qual seu da pena. Para a configuração do tipo penal é
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 199

irrelevante o fato de a arma estar desmunicia- titucionalidade do preceito secundário do


da, visto se tratar de delito de mera conduta tipo penal do art. 273, § 1º-B, do CP, deve a
ou de perigo abstrato. Evidenciado, nos autos, pena ser calculada utilizando os parâmetros
que o apelante está integrado à sociedade, não do preceito secundário do art. 12 da Lei
há falar na concessão do regime especial de 6.368/76, conforme determinado pelo STJ.
semiliberdade. TRF 4ª R. (Em. 92/34)......... 180 Pena redimensionada. TJMG (Em. 92/12)... 173
- Crime ambiental. Dano direto a unidade de - Furto qualificado. Destreza. Qualificado-
conservação. Art. 40 Lei 9.605/98. Impedir ou ra. Exclusão. Impossibilidade. Pena base.
dificultar a regeneração natural de florestas Dosimetria. Mínimo legal. Circunstâncias
e demais formas de vegetação. Art. 48 da Lei desfavoráveis. Regime prisional. Alteração.
9.605/98. Crime permanente. Prescrição Impossibilidade. Verificado que o Juiz sin-
inocorrente. Princípio da insignificância. gular de forma fundamentada, após examinar
Inaplicabilidade. Dosimetria da pena. Do- as condições pessoais do réu, fixou regime
simetria da pena em conformidade com os mais rigoroso para o início do cumprimento
arts. 59 e 68 do CP. TRF 1ª R. (Em. 92/10).. 173 da pena que lhe foi imposta. TJAC (Em.
- Crime ambiental. Prova da eficácia das 92/24).............................................................. 177
tarrafas portadas pelos apelantes, nas pro- - Homicídio qualificado. Majoração da
ximidades de rio. Art. 34, caput e parágrafo pena-base. Possibilidade. Reconhecimento
único, II, da Lei 9.605/98 c/c o art. 14, II, do da vetorial culpabilidade em desfavor do
CP. Pena restritiva de direitos consistente em agente. O modus operandi empregado pelo
prestação de serviços à comunidade mantida. réu para ceifar a vida da vítima permite ao
TJSP (Em. 92/8)............................................. 172 julgador negativar a circunstância atinente à
- Estupro de vulnerável. Materialidade e auto- culpabilidade. TJAC (Em. 92/27).................. 178
ria. Prova segura. Exame de corpo de delito. - Homicídio qualificado. Redução da pena-
Palavra da vítima. Relevância. Embriaguez base. Afastamento do vetor judicial com-
voluntária e habitual. Situação que não elide portamento da vítima. Viabilidade. Redução
o crime. Pena-base fixada no mínimo legal. proporcional ao decote realizado. Alteração
Atenuantes. Redução da pena aquém do mí- do regime inicial para cumprimento de
nimo. Impossibilidade. TJMG (Em. 92/20). 176 pena. Inadmissibilidade. Critérios legais
- Execução provisória. Júri. Condenação recor- não atendidos. Exclusão do valor fixado a
rível. Imediata sujeição do réu sentenciado título de reparação mínima. Inaceitabilidade.
à execução antecipada (ou provisória) da Pedido expresso na denúncia. Dano moral e
condenação criminal. Invocação, para tanto, psicológico causado à família da vítima. TJAC
da soberania do veredicto do Júri. Inadmissi- (Em. 92/30)..................................................... 179
bilidade. Prisão cautelar decretada na hipótese - Homicídio tentado. Dosimetria. Culpabilida-
de condenação penal recorrível: instituto de de. Premeditação não comprovada. Conduta
tutela cautelar penal inconfundível com a social deturpada. Circunstâncias do crime
esdrúxula concepção da execução provisória desfavoráveis. 1/8 por circunstância judicial.
ou antecipada da pena. Medida cautelar Pena-base mantida por aplicação do princípio
concedida. STF (Em. 92/25).......................... 178 da non reformatio in pejus. Personalidade do
- Exposição à venda de produtos em condições agente revaloradas. Montante da causa de
impróprias ao consumo. Imputação do delito diminuição da tentativa. Desnecessidade de
insculpido no art. 7º, IX, da Lei 8.137/90. exame de corpo de delito. Iter criminis per-
Validade do procedimento investigatório corrido. Proximidade da consumação. TJAL
contido no inquérito policial, bem como (Em. 92/60)..................................................... 187
dos depoimentos do acusado. Laudo pericial - Indisciplina. Falta grave, consectários. Perda
conclusivo pela impropriedade dos alimentos dos dias remidos na fração de 1/6. A decreta-
apreendidos. Dosimetria da pena aplicada de ção da perda de 1/6 dos dias remidos, é fração
forma escorreita. TJBA (Em. 92/13)............. 174 proporcional para o caso, especialmente
- Falsificação de produto destinado a fins te- porque ajustada à natureza da falta e à pessoa
rapêuticos. Adulteração e venda de vacinas do faltoso. TJRS (Em. 92/35)........................ 181
sem autorização ou registro no órgão de - Júri. Desclassificação para lesão corporal
vigilância sanitária. Considerando a incons- seguida de morte. Circunstâncias judiciais.
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Índice Alfabético
200

Idoneidade na fundamentação. Ausência de resenha. Interpretação extensiva do art. 126


fundamentação para aplicação das agravantes. da LEP. TJSP (Em. 92/57).............................. 186
Dosimetria redimensionada. TJBA (Em. - Roubo. Pretendido reconhecimento da con-
92/36).............................................................. 181 tinuidade delitiva entre os delitos praticados
- Júri. Homicídio qualificado. Dosimetria. nas 5 diferentes ações penais. Possibilidade
Circunstâncias judiciais. Confissão qualifi- quanto a quatro delas. Crimes de roubo prati-
cada. A dosimetria da pena deve respeitar o cados nas mesmas condições de tempo, lugar
método trifásico e uma vez fixada de modo e modo de execução. Fração a ser escolhida
proporcional e razoável, respeitando as provas conforme o número de delitos. Inviabilida-
produzidas nos autos, não merece reparos. de de reconhecimento da continuidade em
TJAP (Em. 92/31)........................................... 179 relação ao crime de roubo majorado pelo
concurso de agentes, porquanto utilizado
- Pornografia infantojuvenil. Programa de
modus operandi diverso. Concurso material
compartilhamento de dados. Lei 8.069/90.
que deve ser mantido entre este e os demais,
Art. 241-A. Uso. Dolo caracterizado no com-
nos quais reconheceu-se o crime continuado.
partilhamento dos arquivos ilícitos. Autoria
TJPR (Em. 92/46).......................................... 184
e materialidade comprovadas. Condenação
mantida. Dosimetria. Alteração de ofício. - Tóxicos. Tráfico. Regime inicial fechado.
Mantida a dosimetria penal quanto à pena Pedido de fixação de regime aberto. Ré
privativa de liberdade e reduzida, de ofício, a primária. Circunstâncias judiciais favoráveis
pena de multa, de maneira que sua fixação se e fundamentação inadequada (gravidade in
dê com obediência aos mesmos parâmetros abstrato do delito). Manutenção do regime
usados no estabelecimento da pena privativa. semiaberto em sede de agravo regimental.
TRF 3ª R. (Em. 92/48)................................... 184 STF (Em. 92/61)............................................ 188
- Progressão de regime. Regime fechado. Au- - Tóxicos. Tráfico transnacional. Causa espe-
sência de vagas. Progressão antecipada para cial de redução do art. 33, § 4º. A escolha da
o regime semiaberto. Possibilidade. Consta- fração de redução em 1/6 foi devidamente
tada a ausência de vagas em estabelecimento motivada com arrimo nas circunstâncias da
prisional adequado ao cumprimento da pena causa, em especial o fato de o agravante ter
no regime fechado, revela-se necessária a sido surpreendido quando se preparava para
concessão de saída antecipada para o regime desembarcar de voo procedente de Madri/
semiaberto, conforme medidas alternativas Espanha, transportando 5.985 g de metanfe-
elencadas pelo excelso STF quando do tamina. STF (Em. 92/62)............................... 188
julgamento do RE 641.320/RS. TJMG (Em. PORNOGRAFIA INFANTOJUVENIL
92/53).............................................................. 185
- Programa de compartilhamento de dados.
- Regime semiaberto. Ausência de estabeleci- Lei 8.069/90. Art. 241-A. Uso. Dolo carac-
mento prisional adequado. Prisão domiciliar terizado no compartilhamento dos arquivos
em caráter excepcional. Possibilidade. Moni- ilícitos. Autoria e materialidade comprovadas.
toração eletrônica. Ato discricionário do juiz. Condenação mantida. Dosimetria. Alteração
TJMG (Em. 92/54)........................................ 186 de ofício. Mantida a dosimetria penal quanto
- Reincidência. Regime de cumprimento. à pena privativa de liberdade e reduzida, de
Fixação. Ante o disposto no art. 33, § 2º, c, ofício, a pena de multa, de maneira que sua
do CP, em se tratando de condenado reinci- fixação se dê com obediência aos mesmos
dente, cuja pena seja estabelecida em 4 anos parâmetros usados no estabelecimento da
ou menos, mostra-se viável o afastamento do pena privativa. TRF 3ª R. (Em. 92/48).......... 184
regime aberto. STF (Em. 92/47)................... 184
PRESCRIÇÃO
- Remição. Estudo. Comprovado pela juntada
- Acórdão do STJ – Transação penal. Acordo
de documentos. Possibilidade. Instituição
celebrado. Descumprimento parcial. Denún-
não conveniada à unidade prisional. Irrele-
cia oferecida. Prazo prescricional que não se
vância. TJMG (Em. 92/56)............................ 186
suspende......................................................... 129
- Remição. Leitura. Indeferimento em primei-
ro grau. Há precedentes do c. STJ e desta PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
egrégia Câmara Criminal, acerca da possi- - Crime ambiental/usurpação de matéria-
bilidade da remição por leitura e respectiva prima da União. Garimpo artesanal sem
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 201

nenhuma relevância para o bem jurídico tu- e) recolhimento do passaporte do paciente.


telado. Absolvição. TRF 1ª R. (Em. 92/11)... 173 TJAL (Em. 92/44)........................................... 183
PRISÃO DOMICILIAR - Roubo. Alegação de desnecessidade do
cárcere cautelar diante da possibilidade de
- Acórdão do TJMG – Gestantes e mães de
aplicação de medidas cautelares. Viabilida-
filhos menores de 12 anos. HC Coletivo
de. Circunstâncias concretas que indicam a
143.641/SP. Aplicação restrita às presas pro-
possibilidade da sua substituição por medidas
visórias. Execução da pena. Inaplicabilidade. 154
alternativas. Paciente primário. Constran-
- Regime semiaberto. Ausência de estabeleci- gimento ilegal evidenciado. TJAL (Em.
mento prisional adequado. Caráter excepcio- 92/59).............................................................. 187
nal. Possibilidade. Monitoração eletrônica.
Ato discricionário do juiz. TJMG (Em. - Violência doméstica. Medida cautelar inomi-
92/54).............................................................. 186 nada. Antecipação de tutela requerida pelo
MP em sede de RSE, visando a decretação de
PRISÃO PREVENTIVA prisão preventiva em face de agente acusado
- Acórdão do TJGO – Violência doméstica. da prática de crimes envolvendo violência
Ameaça. Detração penal. Monitoração doméstica (art. 129, § 9º, art. 147 e art. 148,
eletrônica. Condenação mantida. Pena. Re- § 1º, I, todos do CP). Delitos perpetrados
dimensionamento. Suspensão condicional. pelo réu contra sua esposa. Preservação da
Manutenção.................................................... 149 integridade física da ofendida (art. 12-C, §
2º, da Lei 11.340/06). Antecipação da tutela
- Embriaguez ao volante. Ausência dos re-
recursal que se justifica. Medida cautelar
quisitos legais. Desnecessidade de prisão no
provida. TJSP (Em. 92/42)............................ 183
caso concreto. Medidas cautelares diversas.
Possibilidade. TJRS (Em. 92/1)..................... 170 PRONÚNCIA
- Embriaguez ao volante. Homicídio e lesão - Excesso de linguagem conhecido. Decisão
corporal. Paciente que faz uso de remédio que emite juízo de certeza acerca da autoria
controlado. Ingestão de alta quantidade de delitiva imputada ao réu. Invasão da com-
bebida alcoólica. Necessidade de assegurar petência do Tribunal do Júri. TJAL (Em.
a aplicação da lei penal. Condições pessoais 92/28).............................................................. 178
favoráveis. Irrelevância. Inaplicabilidade de
medida cautelar alternativa. STJ (Em. 92/2). 170 - Homicídio. Tentativa. Art. 121, caput c/c o
art. 14, II, do CP. Decisão de pronúncia.
- Favorecimento à prostituição. Prisão há mais Absolvição sumária. Inviabilidade. Hipóteses
de 3 meses sem oferecimento de denúncia. previstas no art. 415 do CPP que não restaram
Excesso de prazo. Constrangimento ilegal demonstradas na espécie. Pedido de despro-
caracterizado. Ordem concedida, com a núncia. Improcedência. TJMA (Em. 92/33). 180
cominação de medidas cautelares diversas
da prisão. TJAP (Em. 92/23).......................... 177
R
- Homicídio. Condenação. Embora o réu
respondesse ao feito em liberdade por certo RÁDIO COMUNITÁRIA
período, não há ilegalidade na ordem de
- Vide Telecomunicação. Exploração Clandes-
prisão decretada na sentença, negando-se o
tina.
direito de o condenado recorrer em liber-
dade, quando demonstrado, com base em REABILITAÇÃO CRIMINAL
fatores concretos, que a segregação se mostra
- Preenchimento dos requisitos legais de
necessária. TJAP (Em. 92/26)........................ 178
reabilitação nos termos dos arts. 651 e 652
- Organização criminosa. Excesso de prazo do CPPM. Provimento. Decisão por unani-
para a conclusão da formação da culpa. midade. STM (Em. 92/45)............................ 184
Paciente segregado há aproximadamente
400 dias. Extensão do benefício da liberdade REGULARIZAÇÃO
provisória. Princípio da isonomia. Constran- FISCAL E CAMBIÁRIA: A
gimento ilegal evidenciado. Liminar conce- DESREGULAMENTAÇÃO
dida. Imposição de outras medidas cautelares LEGISLATIVA E O
que o juízo impetrado julgar pertinentes; e DESMANTELAMENTO DA
Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 – Índice Alfabético
202

PUNIBILIDADE NO DIREITO SUSPENSÃO CONDICIONAL DO


PENAL ECONÔMICO PROCESSO
- Artigo de Flávio Augusto Maretti Sgrilli - Revogação após o transcurso do período
Siqueira........................................................... 35 de prova. Impossibilidade. Em que pese
a existência paradigma acerca da matéria,
REPARAÇÃO DE DANOS este colegiado mantém o entendimento de
- Homicídio qualificado. Exclusão do valor que, transcorrido o período de prova sem
fixado a título de reparação mínima. Ina- a revogação da suspensão condicional do
processo, impõe-se a declaração de extinção
ceitabilidade. Pedido expresso na denúncia.
da punibilidade do réu, nos termos expressos
Dano moral e psicológico causado à família
do § 5º do art. 89 da Lei 9.099/95. TJRS (Em.
da vítima. TJAC (Em. 92/30)......................... 179
92/51).............................................................. 185

S T
SEGREDO DE JUSTIÇA TELECOMUNICAÇÃO
- Mandado de segurança. Almejada decretação - Acórdão do STF – Exploração clandestina.
de segredo de justiça em face da instauração Art. 183 da Lei 9.472/97. Serviço de internet.
do incidente previsto no art. 149 do CPP. Crime formal, e como tal, prescinde de com-
Admissibilidade. Proteção à imagem e à provação de prejuízo para sua consumação.. 117
intimidade, nos termos do art. 189, III, do
TÓXICOS
CPC e art. 5º, LX, da CF. Pretendida con-
denação da autoridade coatora nas custas e - Colaboração como informante para o tráfico.
honorários advocatícios. Impossibilidade Delito previsto no art. 37 da Lei 11.343/06.
jurídica do pedido. Encargos que devem ser Absolvição. Possibilidade. Ausência das ele-
impostos à parte vencida em processo, não mentares do tipo penal. TJMG (Em. 92/7)... 172
sendo aplicáveis ao Juiz que oficia no feito. - Maconha. Cannabis sativa. Uso para trata-
TJSP (Em. 92/41)........................................... 182 mento terapêutico/medicinal individual.
Salvo-conduto expedido. TRF 3ª R. (Em.
SENADOR DA REPÚBLICA 92/6)................................................................ 172
- Queixa-crime. Calúnia. Difamação. De- - Tráfico. Pena. Regime inicial fechado. Pedido
clarações prestadas nas dependências do de fixação de regime aberto. Ré primária.
congresso nacional. Imunidade material Circunstâncias judiciais favoráveis e funda-
absoluta. Reconhecimento da inviolabilidade mentação inadequada (gravidade in abstrato do
constitucional. Atipicidade da conduta pela delito). Manutenção do regime semiaberto
configuração de excludente de ilicitude. STF em sede de agravo regimental. STF (Em.
(Em. 92/50)..................................................... 185 92/61).............................................................. 188

SILMAR FERNANDES E JOSÉ - Tráfico transnacional. Pena. Causa especial


de redução do art. 33, § 4º. A escolha da
RENATO NALINI
fração de redução em 1/6 foi devidamente
- Artigo: “O Ativismo do Supremo Tribunal motivada com arrimo nas circunstâncias da
Federal e o Surgimento da Norma Suprale- causa, em especial o fato de o agravante ter
gal”.................................................................. 73 sido surpreendido quando se preparava para
desembarcar de voo procedente de Madri/
SURSIS Espanha, transportando 5.985 g de metanfe-
- Revogação. Abandono da prestação de ser- tamina. STF (Em. 92/62)............................... 188
viços à comunidade fixada para o primeiro
ano de vigência do benefício. Pretendida a U
extinção da punibilidade. Inadmissibilidade.
Descumprimento injustificado de condição UNIFICAÇÃO DE PENAS
imposta durante o período de prova. Hipó- - A unificação de penas pela superveniência de
tese de revogação obrigatória. TJSP (Em. nova condenação durante o cumprimento
92/58).............................................................. 187 da reprimenda não acarreta a interrupção da
Índice Alfabético – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 92 – Out-Nov/2019 203

contagem para progressão de regime. Fenô- punível. Não há que se falar que a conduta é
meno da interrupção que também não pode socialmente adequada. Pena e regime fixados.
ser aplicado a benefícios como o livramento TJSP (Em. 92/66)........................................... 189
condicional, indulto e comutação de pena,
por absoluta falta de amparo legal. TJSP (Em. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
92/4)................................................................ 171 - Acórdão do TJGO – Ameaça. Prisão preven-
- Continuidade delitiva. Motivação per rela- tiva. Detração penal. Monitoração eletrônica.
tionem. Possibilidade. Ausência de violação Condenação mantida. Pena. Redimensiona-
ao art. 93, IX, da CF. Análise da legislação mento. Suspensão condicional. Manuten-
infraconstitucional e do conjunto fático- ção................................................................... 149
probatório dos autos. Súmula 279/STF. STF - Medida cautelar inominada. Antecipação de
(Em. 92/21)..................................................... 177 tutela requerida pelo MP em sede de RSE,
- Sentenciado condenado a duas penas de visando a decretação de prisão preventiva em
reclusão em regime semiaberto. Fixação de face de agente acusado da prática de crimes
regime fechado para cumprimento. Cabi- envolvendo violência doméstica (art. 129, §
mento. Sanções corporais que, após unifi- 9º, art. 147 e art. 148, § 1º, I, todos do CP).
cação, somam mais de 8 anos de reclusão, Delitos perpetrados pelo réu contra sua
mesmo levando em consideração a detração. esposa. Preservação da integridade física da
Hipótese do art. 111, caput, da LEP. Inexis- ofendida (art. 12-C, § 2º, da Lei 11.340/06).
tência de ilegalidade. TJSP (Em. 92/63)........ 188 Antecipação da tutela recursal que se justifica.
Medida cautelar provida. TJSP (Em. 92/42). 183
V - Reclamação. Medidas protetivas de urgência
aplicadas. Alegação de ser a sentença pro-
VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL
ferida embasada apenas em declarações da
- A tolerância popular à contrafação de CDs vítima. Inocorrência. Relevância da palavra da
e DVDs não imuniza o agente contra as ofendida, corroborada por outros elementos
consequências penais da conduta, não sendo idôneos carreados aos autos, legitimam a
caso de incidência do princípio da adequação aplicação de tais medidas. Permanecendo a
social. TJGO (Em. 92/65).............................. 189 situação de risco para a vítima, continuam
- Materialidade e autoria devidamente com- a vigorar as medidas protetivas de urgência
provadas. Art. 184, § 2º, do CP. Fato típico e aplicadas. TJBA (Em. 92/67).......................... 189
Edital de Submissão de Artigos

A Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal faz público o


seu edital de submissão de artigos científicos para publicação.
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tuguês, espanhol, francês, italiano e alemão), mas devem observar as normas
da revista, bem como a linha editorial de publicação.
2. Os artigos serão submetidos à apreciação do conselho editorial –
e/ou a outros especialistas da área – pelo sistema de blind peer review, com
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pareceristas. Tais eventuais sugestões de modificação serão acordadas com os
autores. É garantido o anonimato dos autores, pareceristas e instituições de
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editoramagister.com, em arquivo do Microsoft Word, com espaçamento entre
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cluindo notas finais. As resenhas não devem ultrapassar 5 laudas.
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inglês, com no máximo 15 linhas e indicação de palavras-chave em português
e inglês. O sumário contendo os tópicos em que se divide o artigo deverá estar
localizado abaixo do título e nome do autor.
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acordo com as especificações da Associação Brasileira de Normas Técnicas
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