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PAULO FREIRE PEDAGOGO E FILOSOFO' Rodtigo Marcos de Jesus? Introdugao Paulo Freire pedagogo. Paulo Freire fildsofo. A primeira definigao nao hos causa surpresa, estamos acostumados a identificar Freire como lum dos grandes pedagogos do século XX. jé a segunda definicdo cos- tuma ser vista com certa desconfianca, uma vez que o estudo da obra freireana no figura nos curriculos dos cursos de filosofia. Dessa for ma, 0 pensador brasileiro, excluido dos cursos de filosofia, fica prati- camente exclusivo aos cursos de pedagogia e, quando muito, aos de licenciatura. Situacao no mfnimo curiosa, Por que um autor tao mar- cado pela filosofia’ e que possui urn pensamento estruturado a partir de categorias filosbficas nao é estudado nos cursos de filosofia? For ‘que esse pensador é t80 pouco investigado filosoficamente mesmo nos ccursos de pedagogia? Nao pretendemos solucionar essas questes, que mereceriam uma investigacao & parte. Elas so colocadas apenas para chamar a atengio dos leitores e leitoras para uma realidade de nossa formagao académica. Telvez 0 pouco apreso & filosofia brasileira seja uma das causas dessa situacdo curiosa Neste texto 0 objetivo é indicar, de modo esquemiético, os tragos ‘mais marcantes da filesofia poltica da educagdo de Paulo Freire. Com isso, esperamos oferecer um subsfdio uitil que auxlie 05 interessados no estudo da obra do educador e filésofo brasileiro, Seguiremes por dois camintios. inicialmente, destacaremos as dimensOes fundamen tais do pensamento freireano, aquelas concepcdes constantemente retomadas e aprofundas pelo autor em varios de seus textos. Depois 1 Fane deste texto foi retorada e ampliada em nosso ensaio “Compreender Fala rs: comite aos/as estudantes™ 2 Pesquizedor do Nicle de Estudoe «Pesquisas do Poncamento Gomplexo [NEFFCOM! ‘UFMG) eda Grupo de Estudos de Filosofia no Brasil FIBRA) 3 Distintae correntesflotlicas in luenciaram Freire; as principais ao: fenomenalo Ba, exstencialsmo, personalisino, hegelianismo, marxismo, escelanorismo eo de- envolvimentismo do intituto Superior de Zstudes Brailes —ISEB (echretudo a Slorofia de Alvaro Viera Pinto apontaremos os aspectos de descontinuidade, as mudangas e énfases dadas em distintos momentos de sua obra. Linhas de forga do pensamento freireano Podemos tracar algumas linhas de forca do pensamento freireano que permanecem — ainda que com distintas énfases —constantes em sua obra. Primeiro € preciso ressaltar a concepsao de educaco como forma- ‘fo do ser humano e suas implicagées. Para Freire, oestimulo que leva & ‘educago se fundamenta na ontologia humana, Com efeito, o pensador brasileiro compreende o ser humano como ser inconcluso, inacabado € consciente de tal incompletude. Devido a essa consciéncia o ser huma- no diferencia-se dos demais animais e se torna um ser educével, isto 6, em permanente processo de formacéo. O proceso de constituicéo do hhumano significa que, por formas diferenciadas, os seres humanos par tem do que sio para que querem ser. Assim a educzcao sempre aponta uma direcdo, visa algo. Enquanto “pratica formativa tem como objetiva ir mais além de onde se esta’. !sso envolve uma nevesséria diretividade da educacio, entendida como um "mover-se até”, a postulagao de urn horizonte, a busca por alguma coisa. A diretividade faz parte da nature- za da educagao ¢, por consequéncia, implica a ndo nextralidade da pratica educativa. Estar ciente da diretividade e da nao neutralidade da educa- «Go significa atentar para as ideologizacdes daquelas préticas pedagé- gicas (¢ também politicas) que se afirmam neutras e imparciais, porém ‘mascaram e justificarn a dominaco de uns sobre o3 outros. Freire desenvolve sua nocao de educacao a partir de dois gran- des polos de irradiacao: a) o polo psicopedagégiva, referente as questoes epistemol6gicas e de método, e b) o polo poltice-pedagégico, relativo & politicidade da educacao. Ao longo de sua obra, como salienta Afonso Scocuglia4, hé umn deslocamento em que se da a acentuacao do segun- do polo, mas sem perder a atencéo com o primeiro. ‘Um terna persiste centrale er continuo aprofundamento: a demo- cracia, Para o filésofo e educador a humanizacao, ofim da exploracéo e da dominagao sé so possfveis pela via democratica. Ele defenderd 4 SCOCUGLIA, Monte C.A histra das isie de Paul Free tua crie de poraigmas pas. Juma pratica pedagégica que concorra para a efetivagao da demnocracia nas varias esferas sociais. Dai a prioridade do didlogo como método e fm da educagao e da democracia, uma vez que impossibilitar 0 dialo- jo, oempoderamento da palavra pelos agentes do proceso gnosiclogi- (co (educador e educandos) e das decisdes politicas (lideranca e povo), conduz a um falso ato cognoscente e 2 uma iluséria participacao. Estrutura da filosofia politica da educagao (© esquema abaixo pretende delinear os campos teméticos e os pontos bésicos da proposta freireana indicando suas articulagées e conexées internas. Filosofia Poltica da Educagao bot ss oe Antropologia Epistemologio +s21n0¢ comomunco * eomunioagdo ‘ noonctuso @ conscente de fl sprcbieratagto * nurmaniaago0 x desumanizagbo + stuogde gnesilogica: 1 L Politica Metodologia deci sredugt0 scemeciosa scocitoagaa + op 90 peb Povo + descodicapto ‘Antropologia Ponto de partida fundamental, a concepgio antropolégica freireana embasa sua proposta pedagOgico-politica. Afinal, toda proposta de edu- cacao e de politica parte, implicita ou explicitamente, de uma deter- minada nogio de ser hurnano. Freire, entdo, delineia com clareza sua compreensio do hurnano e propoe uma pedagogia e uma politica con- dizente com tal concepgao. Esse movimento do penser freireano— da antropologia & educacao e & politica — pode ser observado, emblernati- camente, nos livros Fdueagdo como pratica da libedade (1965) e Pedagogia mun ieiereeaccooe cero do oprimido (1968), Ambos se iniciam com reflexes antropologicas que ancoram as posteriores formulagdes pedagégicas e politicas, © ser humano é urn ser inconcluso e consciente de sua inconclusao, Por isso, sua existéncia e o mundo se colocam para ele como prable- ‘ma, Como consequéncia, se lanca na busca pelo conhecimento de si mesmo e pela construcio do seu mundo, o que resulta na constituic&o do mundo da cultura, Para explicitar a singularidade da vida autenti camente humana, Freire estabelece uma série de contraposicdes entre © ser humano e os animais, Estes s4o seres de mero contato e adap- tagdo ao mundo, ajustam-se as condigdes nas quais se encontram, sendo, portanto, refiexos dessas condicées e seres do “puro” fazer. J4 ‘ser human é ser de relagées no e com o mundo, encontra-se no 56 instalado mas sobretudo integrado ao mundo, modlficando-o, £ condi- cionado (ambiental, social, politica, econémica e culturalmente), mas rio determinado. £ um ser que existe e nfo apenas vive. Livre e reflexivo. Um ser da praxis, isto é, de ago e de reflexdo, do quefazer. Por isso todo fazer humano possui uma teoria que o subentenda e ilumine. Mais, do que ser, o homem é um estar sendo, num ato constante de criagioe recriacao de si e do mundo, essa maneira, o ser humano e sua natureza se constituem his- trica e socialmente e podem, porisso, apresentar duas possibilidades tanto histéricas quanto ontol6gicas. A primeira delas é a humanizacdo que, para o pensador brasileiro, representa a vocacao historica do ser humano, expresso de sua busca pelo ser mais, A segunda é a desuma nizagio, considerada distorgao da vocagao hist6rica, significa ser menos, ter sua liberdade restringida ou anulada. Essa tiltima possibilidade de- corre de uma estrutura sociopolitico-econémica injusta e afeta dife- renciadamente oprimidos e opressores. Politica Como ser de liberdade, de criacdo e de recriagao do mundo o ser hu- ‘mano é capaz de transformar e de optar criticamente por um projeto de sociedade, o que faz dele um ser de decisdo. Tal aspecto é ressaltado por Freire no livro de 1965. Para ele uma das tragédias daquele tempo (e que parece hoje permanecer de forma mais grave) era o dominio do homem pelas forgas do mito, comandado pela publicidade orga- hizada, que o levava & rentincia da capacidade de decidir. isso tinha evidentes implicagées antropolégicas ¢ politicas. “Coisifica" o homem, transforma-o em puro objeto a ser manipulado por uma elite que reti- ra principalmente do homem simples do povo o poder de decidir sobre a propria histéria. As decisées concentradas nas mas de poucos se convertem em prescrigées ao povo. A democracia fica impossibilitada e solapada em seus fundamentos, uma vez que exclui o povo das deci- sdes que afetam toda a sociecade, Ao substituir 0 didlogo pelo slogan como instrumento democritico para tomada de decisdes, favorece-se a massificago, nfo a formacao de um povo, isto é, de um sujeito cole- tivo consciente das tarefas histéricas de seu tempo, auténomo e capaz de decidir sobre 0 préprio futuro. Uma educagio para 2 decisdo, para a responsabilidade social ¢ politica, assim, € uma poderosa forca instrumental para o aprofunda- mento democratico. Ela permite aos educandos participar das expe- ri8ncias do debate e da analise dos problemas, atividades essenciais na democracia. Em Freire temos a democracia como forma politica que possibilita o exercicio da liberdade humana. Mas para isso a democra cia e a educacéo democratica precisam crer no ser humano, optar pelo ova e confiar em sua caparidade de discutir, problematizar e decidir. Epistemologia A construgio do mundo umano e as decisées sobre seus destinos demandam uma investigagio da realidade. Dessa forma, a realida: de torna-se objeto de conhecimento. Como o ser humano no nasce pronto, mas por fazer-se, o mundo se apresenta a ele como problema, desafio que necessita ser conhecido e transformado para que se tone lum espaco habitavel, isto é, mundo humano. Sendo assim, a cons- cigncia humana, que é intencionalidadet, est voltada para o mun- © “A mtnconalitade é a caracterstica definidera da consciéncia, na medida em que std necessaiamente votaca para um objet: "Toda consciéncia € consciéncia de algo A consciéncia 56 6 consaiéncia a partir de sua relacio com o ckjeto, sto 6 ‘com um mundo ja constituio, que a precede Por outro lado, esse mundo 6 adquire sentido enquanto objeto da conscincia,visado por ela", MARCONDES, D;JAPASSO, H.Diindrio bs de flosofia. Sendo intencionaliade, a conscéncia€ sempre cons dca do mundo ede ai mesma, do tomando-o como objeto de reflexio e aco. £ 0 mundo, por sua vez, surge & consciéncia como objeto cognoscivel. Logo, as relacées homem-mundo resultam em processos de aprendizagem expressos em forma de conhecimento, © conhecimento, entéo, nasce das relacées estabelecidas entre 0 serhumano.e o mundo, com os outros e consigo mesmo. Nesse sentido, © conhecimento nao é transmissio e ndo se esgota na relacao sujeito- objeto. £ comunicagio entre sujeitos cognoscentes em torno de um ob- jeto cognoscivel. Exige presenca curiosa no mundo e uma ago trans- formadora sobre a realidade, Abrange invencao e reinvencZo, Requer tellexio critica sobre o mundo e sobre o propria ato de conhecimento O mundo humano conhecido-construido é uma criagao que envolve os seres humanos num processo social, comunicativo ¢ dialogal. Essa compreensio freiteana do conhecimento apresenta pelo me- ‘nos quatro implicagées importantes. A primeira: pensar e conhecer se exercemn em coparticipacio, comunhao, referidos a um objeto que me- diatiza a comunicagdo entre os sujeitos cognoscentes. Afirma 6 fil6so- fo: "Nao ha um ‘penso’, mas um ‘pensamos’. £ 0 ‘pensamos’ que esta- bbelece 0 'penso’ e néo o contrario” A segunda, que a produgio do co- nhecimento comporta necessariamente aco. reflex. ser humano selanga ao conhecimento como uma necessidade vital, exigéncia para 8 construcdo da propria existéncia. A terceira: ninguém conhece tudo endo ha ignorancia absoluta. Todos estiio — ainda que em niveis di- ferenciados, mais ingénuos ou criticos — envolvidos em processos de aprendizagem e de conhecimento. a tiltima implicacéo diz respeito & historicidade do conhecimento. Como construcéo humana e, portanto, histérica, o conhecimento produzido também entra na trama de inte- rages da historia, Isso significa que ele é dindmmico, inacabado, sempre fem superacéo. Ou seja, hé uma inevitivel probiematizagto do jé conhe- cido que leva, enttio, a um novo conhecimento. Este novo, por sua vez, também sera problematizado e assim sucessivamente. Tal concepsao epistemolégica traz consequéncias decisivas para © entendimento do que seja a educacio, Paulo Freire compreende a educacéo como situacdo gnosioligica, isto 6, como processa de conheci- ‘mento. Um jogo abarcando educador/educando, mundo e objeto cog- noscivel, que se realiza através do didlogo problematizador do mundo da FPREIRE, PExtensdooucomurcugo? p. 65 cultura e da histéria, Nesse diflogo, educador e educando exercem 0 ‘ato cognoscente sobre o munco: ob-jetivam a realidade transforman- do-a em objeto cognoscivel. Este objeto é o mediatizador da comuni- cacao entre sueitos cognoscentes(educador e educando)."Os sujeitos cointencionados ao objeto de seu pensar se comunicam seu contetido’. Nao simplesmente percebem um objeto destacado, distanciado, mas ambos (educador e educandes) realizam um aprofundamento cada ‘vez maior na razio de ser do objeto. A educacdo como producéo de conhecimento opera a passagem da doxa ao logos. O objeto cognoscfvel sofre uma transformago qualitativa na medida em que nele se aden: tra, compreendendo-o em seus fundamentos. ‘A educacao entendida dessa maneira é conscientizagdo. Uma uni: dade dinamica e dialética entre desvelamento e transformacao da realidade, Mudanga de uma consciéncia ingénua, que interpreta a reali dade de modo simplista a partir de uma visao fragmentada e dicoto- mizadora entre consciéncia e mundo, para uma consciéncia critica, que apresenta uma visio de totalidade, busca explicacies causais abran- gentes e compreende a rela¢ao dialética consciéncia-mundo, Metodologia Anogio freireana de conhecimento, que apresenta os aspectos de co- municago e problematizaco do objeto cognoscfvel, e seu entendi- mento da educagéo como situecao gnosiologica contrapoem-se a con- cepcio de uma educacéo como transmissio de conhecimento. Com efeito, para 0 educador brasileiro, nao ha conhecimento e educacao auténticos se consideramos os sujeitos cognoscentes como tabulas rasas. Como a qualidade inerente da consciéncia humana é 0 estar val- tada ao mundo, nao ha como existir uma consciéncia vazia & espera de depésitos de conhecimentos. Sempre se conhece algo. Os sujeitos s40 seres curiosos que possuem vivéncias e conhecimentos prévios sobre ‘o mundo e sobre si mestnos. A partir dessa compreensdo Freire ela- bora um método que Ihe seja adequado. Afinal, todo método visa ser a coneretizacao de urna concepgao do conhecimento. Citando Alvaro 7 bid..p 67. Vieira Pinto, destaca Freire: “O método 6, na verdade, a forma exterior e materializada em atos, que assume a propriedade fundamental da conscincia: & sua intencionalidade”! Como nao seré possivel entrar em detalhes no espago deste tex- to®, exporemos sucintamente e de modo geral as etapas ¢ os momen. tos do chamado método Paulo Freire enfatizando trés procedimentos importantes: a reducia, a codifcagao e a descodifcagdo. Freire estabelece tanto para a alfabetizagao quanto para os ou- tos niveis de ensino pés-alfabetizacao duas etapas. A primeira é uma etapa anterior ao ensino propriamente dito, Antes de se desenvolver lum programa de alfabetizacéo ou de pés-alfabetizacao, elabora-se 0 Programa que seré empregado. Nao hd, portanto, um programa ou cur riculo imposto exteriormente, seja pelo professor, escola ou governo. 0 Programa/curriculo nasce de uma investigacio anterior realizada com a comunidade com a qual se trabalharé. Participam de todo o proces- 0 de investigacio educadores, pesquisadores profissionais e comuni- dade. £ um trabalho interdisciplinar e em equipe. Podemos distinguir quatro momentos dessa primeira etapa O primeiro momento é0 da pesquisa prévia da comunidadecom a qual se trabalharé.Faz-se 0 levantamento preliminar do universo voca- bularedo universotemstico da comunidade. f uma pesquisa de campo. Num segundo momento a equipe, de posse do material coleta- do, cria as codificagées que servirao a investigagio das palavras" e dos temas geradores". Essas codificacdes so representagées (visuais ou orais) de situagées existenciais, concretas dos educandos. O terceiro momento € o da descodificagio das codificagdes, Esta- belecem-se didlogos descodificadores através de circulos de cultura nnos quais a comunidade de aprendizagem, ausxiliada pelo coordena- dor (educador, faz a anélise da situagdo codificada. Ai sao expostas a leitura de mundo dos educandos, suas vivéncias e memérias que so ‘expressas com suas proprias palavras e ideias. © clini vitncia sp taggin opi, 6. 9 Gfocaptlod de lca om pte date eo cai 3 de dag dap nido Tem omit dlivrode carlos Rodrigues rendaoOquetmtosoiade he 10 Fates gendonssio aquaas que, decomposes slabiamente rousing ee iy {aitinato dena slabs a formscio steve palaman Exeg tos tne 1 Tas graders sioaqueles que contém em 4 pondldae de dockets em nove temae Exempla: ioetagae,ecolgl, No quarto momento se estudarn de modo interdisciplinar em Inipe os achados das descotificagSes, isto &, as palavras @ os temas je emergiram dos didlogos dos circulos de cultura, Se é um projeto de ifnbetizacao, sfo escolhidas as palavras de maior riqueza fonémica, Hiculdade fonética e teor pragmatico. Se é um projeto de pés-alfabe- igaco, S40 delimitados e classificados os temas dentro de um quadro ral das ciéncias, Feito isso, cada especialista apresenta a equipe uma educdo" do seu tema, “Redurir" um tema nio é fragmenté-lo, mas buscar seus niicleos fundamentais que, "constituindo-se em unidades, de aprendizagem e estabelecendo uma sequéncia entre si, d&0 a vi- fio geral do tema 'reduzido”™®, No esforco de "redugao” novos temas, nao sugeridos pela comunidade, poderdo ser acrescentados pelos pes- ‘quisadores. Como o proceso é dialégico, seria incoerente privar os pesquisadores e educadores de participar com sua visdo de mundo. Realizada a “redugao” da tematica, criam-se novas codificacoes. As- sim, temos elaborado o progrema/curriculo a ser desenvolvido, Desse programa —nascido da investigacao conjunta de educadores, pesqui- sadores e comunidade e trabelhado pelos procedimentos de teducéo, codificagao e descodificagao — confecciona-se o material didatico para 0s projetos educacionais ‘Asegunda etapa da proposta metodol6gica freireana a da alfabe- tizago ou pés-alfabetizacio propriamente dita, quando o programa/ curriculo e o material didético elaborados na investigacdo vocabular e tematica serdo desenvolvides nos projetos de educasao. A concreti- zaco dessa etapa seguiré a mesma perspectiva dialégice da inves! aco, num continuo aprofundamento dos contetidos pesquisados. ois aspectos relevantes da metodologia devern ser ressaltados, Freire no dicotomiza as fases do desenvolvimento e da execucio do programa/curriculo, Ambas fezem parte da unidade do processo edu- cativo dial6gico. A dialogicidade ocorre desde o prinefpio do proceso educativo, que se inicia com a preparacio do programs/curriculo, Outro aspecto diz respeito ao necessario engajamento de todos os envolvidos em um projeto educative enquanto suites cognoscentes. Segundo o filésofo da educacao, o imprescindivel, do ponto de vista de uma edu- cacao libertadora, "é que,em qualquer dos casos, os homens se sintam 12 Palaggia do opimid,p. 134. sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua prépria visio do mundo manifestada implicita ou explicitamente, nas suas sugestdes e nas de seus companheiros"'. Condigdio humana: condicionamento e liberdade ‘Aqui explicitaremos um pouco mais a compreensio freireana da rea- lidade e das possibilidades do ser humano, A partir do conceito de iné- dito-vidvel™, ainda pouco estudado no pensamento do autor, podemos indicar as dimensées principais de sua visio da condigéo humana no mundo, O esquema abaixo sintetiza essa visio. { 1.0 pode (magica) 2.nGoquer (wooenea) 3.queromper (erica) Stuageesimite (ormina sewer) Ls ser sevmais inécitovevel —> otoetimite (erroutees) (09) ante desespeaneo _esperanca Para Freire os seres humanes, pessoal ¢ social mente, como seres situados no mundo encontram-se diante de determinadas barreiras que dificultam a realizacio da liberdade humana, Essas barreiras, cha- ‘madas de situag6es-limite, constituem verdadeiros obstaculos a serem_ vencidos e sio de diversos tipos: sociais, econ6micos, politicos, cultu- rais etc. No entanto, as situacdes-limite, ainda que nos condicionem fortemente, nio sdo determinacées intranspontveis, Conforme afirma Alvaro Vieira Pinto (@ ratifica Freire), as situagées-limite ndo so “o contomo infranquedvel onde terminam as possibilidades, mas a mar- gem onde comecam todas as possibilidades"; ndo soa fronteira en- tre 0 ser e 0 nada, mas a fronteira entre o ser e o ser mais", bid, 139, Freire retira esse conceito de Alvaro Vieira Pinta e o desenvalve na contexto de tua flosofia da educacia Anz Maria Araijo Frere, poss do educador tem chamado atengio para a necessdade de investgar mais detdamenteezee concelto ct ela ‘gor da esperarga, nota 1 0 verbee inédta-viavel” no Dionne Paul Yee Conscincaereaifade nana, vol. Ip 284 apd Fedaggia do oprimido, 104, ‘Nem todos, porém, percebem as situagdes-limite como fronteiras. As percepgées das situacdes-limite podem ser diferentes, e essas di- ferencas contribuem ou no para a sua superacio. Basicamente exis- lem trés modes de percep. O primeira é a modo magico, que tora ia situagio-limite como barreima insuperdvel, quando nao um destino inexordvel. Essa ¢ a forma de perceber daqueles que néo conseguiram divisar para além e em relagio com a situado-limite o inédito-vidvel, isto, o sonho utdpico como realidade possivel que emerge das condi- (Goes presentes, Essa maneira de perceber afeta sobretudo aqueles que S40 oprimidos, impossibilitados de ser mais, pela situacao-limite. Como salienta Freire, as situagées-limite implicam a existéncia direta ou indizetamente daqueles que so favorecidos ¢ desfavoreci- dos por elas, Os que se servem, por assim dizer, das “situacdes-limite™ vislumbram a possibilidade de seu rompimento, Entretanto, como sao favorecidos, néo querem rompé-las. Sao, pois, reaciondrios, trabalharn & fim de perpetuar as"situagbes-limite” e de manter equeles que sofrem sob elas num estado de percepydo mégica da realidade Mas ha um terceiro modo de percepsao, o crtico. Nesta forma, os homens transcendem as “situacoes-limite” e vislumbram o inédito- vidvel. Ao percebé-lo como uma possibilidade hist6rica, instaura-se tum lima de esperanca, contraposto ao de desesperanca daqueles que no divisaram essa possibilidade. A percepgio da situagéo-limite como fronteira liga-se a acao que pretende cancretizar 0 inédito-via- vel vislumbrado. A criticidade da percep¢ao contribui para uma acao mais critica e acertada. A ago que rompe a situacéo-limite ¢ chama. da ato-limite, é negagao e superacdo da situacao dada ‘Asuperagio das situagdes- imite, logo,ndo se reatiza em consequén- cia de uma mudanga de percepcio da realidade. Demanda ago, atos- limite que acontecem na hietéria Contin, sem um olhar critica sobre a realidade no se move & aco. Ese 0 ser hurmano o fez sem uma anilise critica das relagbes concretas tomer-mundo, quer dizer, dos limites das possibilidades do exercicio da liberdade, corre-se 0 risco do ativismo: a pratica em que esta ausente uma perspectiva dialética das relacdes en tre ago e reflexio, Se isso acontece,o ser humanonio serealiza enquan- to ser da prdxis e demonstra urra incompreenso da dinamica subjetivi- dade -objetividade, consciéncia-mundo. O mundo pode ser transformado, mas nao muda a0 mero sabor da consciéncia humana, A trama entre subjetividade e a objetividade constitui historicamente a realidade (as situagées-limite) e esta apenas historicamente pode ser modificada, Momentos do itinerdrio freireano Neste tépico destacaremos trés momentos que consideramos mar- cantes do itinerério freireano. Eles expressam mudancas nao s6 de contexto, histérico e pessoal, mas também de determinadas preocu- agées e énfases do autor. Preferimos denominar tais mudancas de “momentos” e no “fases”, pois, mesmo ocorrendo alteragées e inova- bes na forma de Freire elaborar sua visio de mundo e sua filosofia Politica da educaco, hé algumas orientacdes tebricas e praticas que se mantém, O quadro sinético abaixa destaca as principais caracteris- ticas de cada momento. Educagao como | Redagogia do oprimide | Pedagogia da autonomic prétca do tberdedo (1988) (1996) 1968) Pedagogia da indignagao en arc Sccedade ehada 9 ‘Neola Facopde cemestcodom | Educagde bonctiria Faicopto fecrissta (imoxstioagae) (oamranao) (isa domercode) Seciodade abera Oprrnios Progesistos Falucogein pac Fducapdo Favcapae ericofematia ‘eeroode prebiemoteacea (@loo universal de (G00) (berta¢00), ser humeno) Sociedade em tanseao | Lula conte ar qpesées | Outomunco pase (oemacrateacae) (hurmansaya0) coumarag Tara) Consclentnago pera0 Consninitonte ‘Eaucarpam 0 sanho esernoienentonacarat | __ para feertagoo eaulopia ‘Obstculor: (Cbséculos Obetsculoe Autorama © Sectorsmes Fotoivmos inemcentncia dems (ate e equa) indierertism emecodalborade Pedopaaie da Padogoaia Fodagaoia da comuneoeao db cpmeo autonome nelgnanso Exove: nau Eniose:ciowesccot | Eolas mitipis qmessbes © primeiro momento do itinerSrio de Freire € marcado pela sua atuacdo come educador de adultos no Brasil nos anos de 1950 até o des- fecho trégico do golpe civil-militar de 1964, Nesse perfodo o pafs vivia intensas mudancas provocadas pela industrializacdo urbanizacio. No plano politico surgem as liderancas populistas ¢ ocorre a emerso roensces0sE010 de diversos movimentos sociais, como as Ligas Camponesas, o movi- ‘mento estudantil (a UNE seré urna entidade dinamica e influente), os movimentos de trabalhadores sindicalizados. Ha também uma grande fefervescéncia cultural no teatro, no cinema e na miisica. © Brasil passava por profundas transformagSes tanto em sua estrutura econémica quanto em sua estruturacao politica e cultural. Freire, num dialogo muito préximo e assumindo em linhas gerais a in- terpretaco que o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) fazia do pats, entende que a sociedade brasileira transitava de uma sociedade Jechada, alienada econémica e culturalmente, que apresentava como dois grandes obstaculos 0 autoritarismo e a inexperiéncia demoerdtica e na qual o povo era um mero objeto manipulado pelas elites, para uma sociedade aberta, auténoma, desenvolvida, que se democratizava e na qual o povo se transformava em sujeito de sua propria histéria. ‘A sociedade em transigdo passava, entdo, por um perfodo confiituo- so entre um tempo que se esvaziava e um novo que comecava a surgi, vivia a tensio entre uma sociedade-objeto e uma sociedade-sujeito. A"democratizacéo fundamental" ensaiada pelo Brasil s6 se concret zaria, segundo Freire, se juntamente com as transformagées econd- micas houvesse um trabalho educative que auxiliasse a formacao de uma cultura democrética. [sso resultaria na transformacao da massa popular emergente em povo, isto é, sujeito coletivo capaz de optar e decidir autonomamente os rumos da sociedade. A democratizagio da sociedade e o desenvolvimento nacional, portanto, nao seriam obtidos apenas pelo dinamismo econdmico. Nesse periodo da hist6ria brasileira as forcas em uta se explicita- yam. Era um momento de crise e de alteragdes to profundas que co- Jocava de maneira dramética a possibilidade do novo e também de um retorno regressivo ao irracionalismo autoritario, que historicamente terminou por prevalecer. © correlato, no plano educacional, do embate politico-social en- tre uma sociedade fechada e uma sociedade aberta era a op¢do por Juma educagio domesticadora ou uma educacdo para a iiberdade. A primei- 1a favorecia a massificacao e manutencao da sociedade-objeto. A se- gunda seria um instrumental fundamental a formacio do povo e de Sociedade-sujeito, Mas essa educagao voltada & conscientizago para 0 desenvolvimento nacional, para a constituigdo de uma sociedade democratica, nao poderia ser realizada utilizando-se da pedagogia fo- mentadora da sociedade autoritéria, Daf ser necessdria uma pedago gia da comunicagao, que permitisse aos individues, principalmente a3 camadas populares, participarem de modo ative, enquanto sujeitos, tanto do proprio processo educativo quanto dos processos politicos. s dois primeiros livros de Freire, Fducagto e atuatidade brasieira!*e Educagio como prética da iiberdade, retratam o momento inicial do pen- samento freireano © segundo momento marca um aprofundamento de temas ante- siotes e a incorporacao de novas preocupacées. Freire, que se viu obriga doa sair do Brasil, amplia sua reflexdo. Parte agora de uma perspectiva que poderiamos dizer mais universal. A Pedagogia do oprimido, escrita entre 1967 e 1968 e publicada primeiramente em inglés em 1970, expoe (8 contomos e as principais ideias desse momento, Paulo Freire coloca como questo iniludivel a humanizagéo. Con- sidera que as manifestades verificadas em distintos locais do mun- do — movimentos estudantis, lutas contra as ditaduras e 0s neocolo- nialismos, as diversas rebelides e revolugdes — explicitam a questo antropolégica fundamental: 0 que e como esto sendo os homens. Ora, postular a humanizacdo como urgéncia desse tempo constatar 0 se contrétio, a desumanizagto, ‘A desumanizacao implica 0 reconhecimento da existéncia de re- lagdes de opressdo, Freire, entao, desenvolve toda uma discussio so- bre a contradigao entre opressores e oprimidos. Dois pontos deve ser observados nessa discussao. O primeiro com relagio utilizacao das proprias categoria. Ao trabalhar as nocées de opressor e oprimida, 0 filésofo brasileiro enfetiza a questo das classes sociais. Contudo, a énfase no significa reducao ou identificagao dessas categorias & di- ‘mensdo de classe, tal como no marxismo. Elas operam de modo mais amplo Permitem compreender a din€mica da opressin em caus niveis social e pessoal e demonstrar como, ao mesmo tempo e em diferentes esferas, um mesmo individuo pode ser oprimido (enquanto classe eco- némica) e opressor (por exemplo, nas relacbes de género)"”,O segundo ‘Tse esrita em 1959 para um concurso de professor de Hiséra e locos da Educa ‘na Universidade de Pemambuco eve na época uma edigéo peqiena ede crea lao limitada, Uma nova edo, acrescentada de introdugdes e contentulicagbes eespcalstag fl pabhenda 200 "7 Bampoehamem tatalbador que € opi pelo petro pode, le mesmo con Yeteroe no opreser da mulher © capo 1 ela fo apoio sea -contradicao opressor-oprimido em toda sua dialeticidade. ia lo se refere as formas da desumanizacao. Freire considera que a jumanizacao afeta diferenciadamente opressores e oprimidos. Sua igo € radical (no sentido de ir raiz): nao hé auténtica liberdade, [portanto realizago do ser human, na opressio. O opressor tem sua jumanidade distorcida, perque liberdade para oprimir nao ¢ liberda- jee sim um exercicio sédico e necrofilo, significa transformar 0 outro objeto de posse. O oprimido tem sua humanidade roubada porque possibilitado do exercicio da liberdade, de construir de maneira au- nota sua prépria existéncia, Desse modo, Freire afirma a necessidade da libertagio tanto de jpressores quanto de oprimidos. Libertacao implica a quebra da es- Irutura opressora e a restauragio da humanidade em ambos. £ aco de conquista ou reconquis:a da liberdade. £ humanizacao do mundo. 86 pode ser concretizada pelos oprimidos, uma vez. que o poder dos ‘opressores visa manter a ordem opressora A libertacao de que fala 0 educador demanda agao politica e aggo cultural. Ou seja, concretiza-se através da ruptura da estrutura econ6- mico-s6cio-politica e da transformacao pedagégico-cultural. Requer modificagdes objetivas e subjetivas, do mundo e das consciéncias. Paulo Freire identifica na sociedade opressora uma pratica pedagSgica que favorece a dominagao: a eduoagio bancdria. Esta mantém a inge- nuidade dos homens e visa Séu ajustamento ao mundo da opressao. Uma sociedade em processo de libertacdo no pode estabelecer uma educagao desse tipo nem se utilizar de seus instruments, por isso 0 fil6sofo da educacao procura elaborar uma nove pedagogia. Caracteri 2za-a como uma pedagogia do oprimido, Ela parte do mundo da opressio da percepcdo que o oprimido tem da dominacao para problematizar esse mundo e essa percepcao. que se mostra na maioria das vezes in- énua. Postula-se, assim, urna educagdo problematizadora, que questio- ne os homens em suas relagées com o mundo. Essa educacao ten sua base fundamental no didlogo entre educador e educandos (eno plano politico, entre lideranca ¢ povo), busca a emersdo das consciéncias € a insergao critica na realidade a ser transformada, A educagao como conscientizagio dirige-se a libertacao, ‘Um dos obstéculos que, segundo Freire, dificultavam & época © processo libertador eram os sectarismos de direita, que tentava manter o status quo, ¢ de esquerda que, desconfiando da capacidade de pen- sar do povo e ignorando a imprescindivel aco pedagégica da luta re- volucionéria, acabava por contradizer-se. Outro grande obstéculo era © medo da lierdade, verificével nes opressores, que temiam perder a ‘suposta “liberdade” com o fim do status quo dominante, e também nos oprimidos, que apresentavam receio em assumira liberdade da criagao. de uma nova situacéo (ndo mais oatessora) e de ao assumi-la sofrerem maiores repressées, AAlém da Pedagogia do oprimido — obra maior desse segundo mo- mento da trajetéria freireana e, a nosso ver, uma das obras fundadoras, do pensamento de libertacio na América Latina e no Brasil!® —, pode- ‘mos citar outros trés textos relevantes: Extens@o ou comunicagao? (1968); cio cultural para a liberdade e outros escrtas (coletanea de textos redi- gidos entre 1968 e 1974 e publicada em 1975) e Cartas a Guiné-Bissau (2977). 8 Pedagogia da esperanga (1992), que ter como subtitulo “reen- contro com a Pedagogia do oprimido’, é um texto expressivo dos dois ‘iltimos momentos do pensamento de Freire. Nele o autor, como afir- mao subtitulo, retoma e discute vérios pontos da Pedagogia do oprimido esinaliza as mudancas pelas quais passou sua reflex, Pode ser lido como uma espécie de “texto de transicao O terceiro momento do itinerério de Freire repercute a nova confi- guracdo do mundo e da sociedade >rasileira a partir dos anos de 1990. Duas obras se destacam: Pedaggia da autonomia (1996) e Pedagogia da indignagio (1997], esta Ultima inacabada e publicada postumamente no ano 2000, Sem abandonar as formulagées teéricas anteriores, ao contrério, aprofundando-as, Freire identifica no novo cenatio do final do século. XX dois grupos socials com projetos politicas e pedagogicos antagoni os, De um lado, os neoliberais®, de outro, os progressistas, Os primeiros afirmam 0 fim da histéria e © medelo neoliberal como tnica alter- nativa econdinica e pulliva, mesmo que esse modelo se revele ex. ‘tremamente injusto do ponto de vista social. Além disso, proclamam ‘a morte das ideologias e o fim das utopias. Terminam por reforcar 0 1W__Varios autores consideram Freire um dos fundadores da perspectiva de libertacio, associando-o inclusive aos inci da teclogia da Iibertagie, No entento nos parece faltar um estudo histérico-flosfico mais amplo © sistemdtico que petcorre os ca rminhs ¢ os desdobramentos de emergéncia da consciéncialibertadora em nos30 pals ena Amérce Latina, Ensalamos algo nesse sentido no capitalo 1 de nosso iva rstianismo itereadorreligio e politica em Lecnardo Bot, Sto Paulo, Loyola, 2010 18 Uma excelent critica eo neaiberalismn € lvra de David Harvey. 0 neobralisme: historia eimplicasées tus quo opressor e negador da liberdade dos oprimidos. No plano ico, defendem a ética do mercado, reforcadora dos individualismos, do jale tudo” e da busca incessante pelo lucro. A educaggo que condiz 1m © neoliberalismo € uma educagio tecnicista, que desconsidera a nalidade da educagao e sua dimensao politica intrinseca. Nao leva ym conta que toda educagao opts, explicita ou implicitamente, a favor ‘bu contra um determinado projeto de sociedade. Nesse sentido, para o Ineoliberalismo, a educagio seria neutra e visaria basicamente a uma aprendizagem de técnicas e competéncias a servigo do mercado. JA 0s progressistas so contestadores dessa ordem hegeménica Deoliberal. Procuram desocultar a ideologia que a sustenta através de ima andlise critica de seus fundamentos e de suas consequéncias. De- Dunciam o carter anti-histérico e, portanto, fatalista do neoliberalismo € 0 seu cinismo e indiferentismo com relagio ao sofrimento humano, Contrapéem & ética do mercado a ética universal do ser hurmaro, que pos- {ula a humanizacio, a luta em favor dos direitos humanos, o que inclut também a luta pela preservacao e pelo cuidado do planeta®. A perspec- tiva progressista ¢ necessariamente democratica, considera a historia de maneira nao deterministica e por isso vislumbra a chance de um outro mundo possivel, mais humano e justo. No plano educacional con- diz. com essa perspectiva uma educaco de caréter ertio-formativo, que nio desconhece a imprescindivel aprendizagern técnica, mas ainscreve como um dos momentos de um processo amplo de formacéo, que leva em conta a finalidade e a politicidade da educacao Daf Freire pensar uma educacéo que incorpore o sonho e a utopia — que nao é 0 irealiza- vel, porém a dialetizacao dos atos de dentincia da estrutura desumani- zadora e antncio da estrutura humanizante — como dimensées fun damentais nesses tempos de suposta morte das utopias e adequagao iis exigncias do mercado. A pedagogia defendica pelo educador €, pois, uma pedagogia da autonomia e da indignagdo, e nao do treinamento me- cinico de determinados comportamentos e da adaptagdo ao mundo, Interessante observar nesse terceiro momento do itinerario do fil6sofo brasileiro a énfase dada ao aspecto multiple da opressii. Ai se "as tltimas bres percebe-se una preacupasdo de Freire com a temiticaecolégica leinclusive pertencia&comissio internacional de elaboreqio Carta da Tera im: portantedactimento que considera as interdependencis entre pobreza, degradaco lansbiental, injustice socioecon’mica, demecracia ca, espintuaidade e paz. Com Sua morte ers 1987, Leonardo Boffo substitu na comisslo. reforca e se explicita ainda mais sua visdo dialética de opress4o que abarca, como salientamos, as questdes econémicas, socizis, étnico- raciais, culturais, de género, entre outras. Conclusdo ‘Ao percorrer o pensamento freireano de maneira panorémica e es- ‘quemética, esperamos ter propiciado uma indicagéo m{nima de seus pontos principais e estimulado os leitores e as leitoras a recorrer as fontes. Paulo Freire é um desses pensadares fundantes que rompem. aradigmas e abrem novos horizontes, sendo impossivel avancar sem ©confronto com suas concepgdes. Uma reflexao critica e filoséfica so- bre a educacao nao pode escapar® radicalidade dos questionamentos © propostas freireanas. Infelizmente, de maneira geral, noss0s meios, académicos carecem de um olhar mais atento & filosofia politica da educagdo de Paulo Freize, autor paradoxalmente conhecido (muito falado) e desconhecido (pouco estudado). Os movimentos sociais ha muito travam contato com o persamento de Freire, deixando-se in- terpelar por ele e o reinventando. A academia, julgamos, faria bem em aprender com os movimentos, Bibliogratia BRANDAO, Carlos Rodrigues. 0 que ¢ método Paulo Freire. So Paulo, Bra- siliense, 1981, FREIRE, Paulo (1975), Agdo cultural para liberdade e outros escrito. S* ed Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981. Cartas & Guiné Bissau: registros de uma experiéncia em proces- so, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. (1958). Eaueagdo e atualidade brasileira, Sao Paulo, Editora Cortez/ IPF, 2001, (21965). Edueacto como pratioa da liberdade, 4 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974. (1968). Extensdo ou comunicagfo? Trad. Rosisca Darcy de Oliveira, S* ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980, (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessérios & prética educativa, 30* ed. Rio de janeiro, Paz e Terra, 2004. —— (1992). Peagogia da esperanca: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 12 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2005, ——. Pedagogia da indignacdo: cartas pedagSgicas e outros escritos. Sao Paulo, Editora Unesp, 2000. —— (1968). Pedagogia do oprimido. 42° ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2006. HARVEY, David. O neoliberalismo: histéria e implicagdes. Trad. Adail So- bral e Maria Stela Goncalves, $a Paulo, Loyola, 2008. JESUS, Rodrigo Marcos de. Compreender Paulo Freire: convite aos/’s estudantes (no prelo} e Cristianismolibertador: religi8o e politica em Leonardo Poff. So Paulo, Loyola, 2010. WARCONDES, Datla, JAPIASSO, Hilton, Doni Bsc de oso. 2 ed. revista e ampliada Rio de Janeiro, orge Zahar Fditor, 2001. SCOCUGLIA, Afonso Celso. A historia das ideias de Puulo Freire e a atual crise de paradigmas. 2* ed. Jo80 Pessoa, Editora Universitaria UFPB, 1999. STRECK, Danilo R; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José org). Dicio- nario Paulo Freire, Belo Horizonte, Auténtica, 2008, Ey DELMAR CARDOSO (OR6.) PENSADORES 00

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