You are on page 1of 25
12110023, 1529 dieitedovstade.com.bricodrovsta.asp?cod=67 Direito do Estado com, br 0 Bireto Publica da Celadania R DE Revista Eletrénica de Direito do Estado Namero 4 - outubroinovembroldezembro de 2005 - Salvador - Bahia - Brasil MORALIDADE, RAZOABILIDADE E EFICIENCIA NA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA Prof. Humberto Avila outor em Direito (Universidade de Munique, 2001). Certificado de Estudos em Metodologia da Ciéncia do Direito (Universidate de Munique, 1998). Mestre em Direito (UFRGS, 1996). Especialisia em Financas (UFRGS, 1993) Professor de Direto Tributirio, Financeiro e Econdmico da UFRGS. Professor dos Cursos de Pés-Graduagéo da UFRGS. Professor Visitante do Curso de Mestrado e Doutorado da UER], Advogado e parecerista em Porto Alegre. Introducdo - 1. Principio da moratdade - 1.1 Defniclo de principio - 1.2 Dietrizes para a analise dos principios - 1.3 Moralidade como exigénda de condutas sérias,leals, motvadas e esclarecedoras = 1.3, Fungo residual do principio da morasdade - 2. Razoabildade e eficibncia - 2.1 Defnigso de postulado hormativo apicativo - 22 Diretizes para a andlise dos postuiados normativos| aplcatvos 2.3 Razoabldade - 23.1 Generalidades - 23.2 Razoabilidade como dever de harmonizago do geral com 0 individual (Sever de equidade) - 23.9 Razoabiliade como dever de harmonizagio do Direto com suas condigdes extemas (dever de congruéncia) - 2.3.4 Razoabildade como dever de vinculacao entre duas grandezas (dever de equivalencia) ~ 2.3.5 Distingdo enive razoabiidade © proporcionalidade - 2.4 Eficencia - 24.1 Generalidades - 2.4.2 Erciénda como dever de escolher meio mens custoso ceteris panbus- 24.3 Eficéncia como daver de promovero fm de modo satisatério -Conclusoos INTRODUGAO Se dificuldades existem no exame dos principios, elas s4o superiores quando a investigacéo tem por objeto os denominados principios da moralidade, da eficiéncia e da razoabilidade da administragao publica, Todos eles estabelecem exigéncias de tal sorte imprecisas que sua andlise corre 0 risco de, a pretexto de explicar, confundir ainda mais 0 aplicador do Direito. www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 srs 12110123, 18.29 dieitedovstade.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer Apesar da impreciséo, costuma-se afirmar que a administragao publica deve seguir os padrdes de moralidade. Quando ha obediéncia a moralidade? Quando ha uma administragao correta e respeitavel. Mas o que significa corregdo e respeitabilidade? E dificil saber, costuma-se responder. N&o obstante a vagueza, afirma-se que a administracao publica deve buscar a eficiéncia. Mas quando ha eficiéncia? Quando ha boa administragéo e quando a alividade administrativa obtém o melhor resultado. Mas qual o sentido de boa administragdio @ de melhor resultado? Nao se pode saber ao certo, replica-se. A despeito da ambiglidade, exalta-se o dever de a atividade administrativa ser razoavel. Em quais hipéteses ha obediéncia a razoabilidade? Nos casos em que a administragao atua de modo congruente e aceitével. Mas qual o significado de congruéncia e de aceitabilidade? E uma questo subjetiva, afirma-se. Logo se vé que o exame dos principios remete o intérprete a valores ¢ a diferentes modos de promover resultados. Costuma-se afirmar que os valores, dependem de uma avaliagéo eminentemente subjetiva. Envolvem um problema de “gosto” (matter of taste). Alguns sujeitos aceitam um valor que outros rejeitam. Uns qualificam como prioritério um valor que outros reputam como supérfiuo, Enfim, os valores, porque dependem de apreciagao subjetiva, seriam aeoréticos, sem valor de verdade, sem significado objetiva. Como complementa WRIGHT, 0 entendimento de que os valores dependem de apreciacao subjetiva deve ser levado a sério.1 Mas dai — e aqui comega nosso trabalho — no decorre nem a impossibilidade de encontrar comportamentos que sejam obrigatérios em decorréncia da positivagao de valores e nem a incapacidade de distinguir entre a aplicacao racional e a utiizagao irracional desses valores. Sobre essa questo, vem A tona 0 modo como os principios so investigados. E, nessa matéria, é facil encontrar dois modos opostos de investigagao dos principios juridicos. De um lado, pode-se analisar os principios de modo a exaltar os valores por eles protegidos, sem, no entanto, examinar quais s40 0s comportamentos indispensaveis a realizacaio desses valores e quais so os instrumentos metédicos essenciais & fundamentagao controlével da sua aplicacao. Nessa hipétese, privilegia-se a proclamacao da importéncia dos principios, qualificando-os de alicerces ou pilares do ordenamento juridico. Mais do que isso, pouco. De outro lado, pode-se investigar os principios de maneira privilegiar 0 exame da sua estrutura, especialmente para encontrar um procedimento racional de fundamentagao que permita tanto especificar as condutas necessarias a realizagao dos valores por eles prestigiados quanto justificar controlar a sua aplicagéo mediante reconstrugo racional dos enunciados doutrinarios © das decisdes judiciais. Nessa hipétese, prioriza-se o carater justificativo dos principios e 0 seu uso racionalmente controlado. Esse 6, precisamente, o caminho perseguido neste estudo. 1 WRIGHT, Georg Henrik von. Sein und Sollen. In: Normen, Werte und Handlungen. Frankfurt am Main: Subrkamp, 1994. p. 36. www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 2128 12110123, 18.29 dieitedovstade.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer Neste trabalho, os principios sao definidos como normas imediatamente finalisticas, isto é, normas que impdem a realizagéo de um estado ideal de coisas por meio da prescricao indireta de comportamentos cujos efeitos sao havidos como necessarios aquela realizagao.2 Na primeira parte deste estudo, a moralidade sera investigada como um Principio juridico. A eficiéncia e a razoabilidade, embora comumente denominadas de principios pela doutrina, s4o examinadas como postulados, na medida em que ndo impdem a realizagéo de fins, mas, em vez disso, estruturam a realizagdo dos fins cuja realizago é imposta pelos principios. ‘S40, por assim dizer, normas estruturantes de segundo grau. Na segunda parte deste estudo, a eficiéncia e a razoabilidade sero analisadas como postulados normativos aplicativos. Ieitor estudioso logo perceberé que a investigagao do principio da moralidade e dos postulados da razoabilidade e da eficiéncia exige do aplicador do Direito 0 entendimento de categorias sutilmente diversas daquelas adequadas delimitagao do contetido normativo das regras. De um lado, o principio da moralidade atribui ao aplicador a tarefa de delimitar um estado de coisas posto como ideal pelo ordenamento juridico, ao mesmo tempo que o incumbe de descobrir quais so 0s comportamentos necessérios & promogao desse ideal. Nessa fungao, a mera andlise sintatica e semantica de enunciados normativos 6 substancialmente complementada pela investigagéo orientada por casos paradigmaticos. De outro lado, 0 postulado da razoabilidade reciama do aplicador 0 exame de circunsténcias individuais e externas @ 0 postulado da eficiéncia reivindica uma andlise dos efeitos das medidas adotadas relativamente @ promogao dos fins normativos. Nessas duas hipoteses, o aplicador também ultrapassa uma anélise meramente intranormativa em favor do exame de circunstancias antes avaliadas comumente como extra- normativas. © Ieitor aplicado também podera perceber que o presente estudo termina por afiangar um conceito de direito que inclui entre seus elementos ndo apenas a correta edigdo de fontes normativas por autoridades competentes, mas também, pelas definigdes de principios e de postulados aqui propostas, a corrego concreta dos contetidos dessas mesmas fontes. Este trabalho nao tem apenas propésitos cientificos, no sentido de explicar © conceifo @ 0 funcionamento dos principios e postulados que examina. Ele também possui uma finalidade didatico-pedagogica, na medida em que procura indicar, da maneira mais clara que foi possivel ao autor, qual a metédica necesséria para o exame dos principios ¢ dos postulados normativos. 2 AVILA, Humberto, A distingo entre principios e regras e a redefinigio do dever de proporcionalidade. RDA (215):151-2, Rio de Janeiro: Renovar,jan./mar, 1999, Sobre 0 assunto, conferi: WRIGHT, Georg Henk von. Sein und Sollen. In: Norman, Werte und Handlungen. Frankfurt am Main: Subrkamp, 1994. p. 36. www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 3128 12110123, 18.29 dieitedovstade.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer 4. PRINCIPIO DA MORALIDADE 1.4 DEFINIGAO DE PRINCIPIO. Os principios so normas imediatamente finalisticas. Eles estabelecem um fim a ser atingido. Um fim € um estado desejado de coisas. O principio da moralidade nao foge a esse modelo. Com efeito, ele exige a realizagao de um estado de coisas exteriorizado pela lealdade, seriedade, zelo, postura exemplar, boa-fé, sinceridade e motivagao.3 Para a realizagéo desse estado ideal de coisas s40 necessdrios determinados comportamentos. Para realizar um estado de lealdade @ boa-fé 6 preciso cumprir aquilo que foi prometido. Para efetivar um estado de seriedade é essencial agir por motivos sérios. Para tomar real uma situagao de zelo é essencial colaborar com 0 administrado e informé-lo dos seus direitos e da forma como protegé-os. Para concretizar um estado em que predomine a sinceridade ¢ indispensavel falar a verdade. Para garantir a motivagdo € necessario dizer por que age. Enfim, sem esses comportamentos nao se contribui para a existéncia do estado de coisas posto como ideal pela norma e, por conseqiiéncia, nao se atinge o fim. Nao se coneretiza 0 principio, portanto, © importante que, se o estado de coisas deve ser buscado, e se ele 86 se realiza com determinados comportamentos, esses comportamentos passam a constituir necessidades praticas sem cujos efeitos a progressiva promocao do fim nao se realiza, Como afrma WEINBERGER, a relacao meio-fim leva transferéncia da intencionalidade dos fins para a dos meios.4 Em outras palavras, a positivagao de principios implica a obrigatoriedade da adogao dos ‘comportamentos necessaries a sua realizado. As consideragées acima feitas demonstram que 0s principios no sao apenas valores cuja realizagao fica na dependéncia de meras preferéncias pessoais. Eles so ao mesmo tempo mais do que isso e algo diferente disso. Os principios instituem © dever de adotar comportamentos necessérios para realizar um estado de coisas ou, inversamente, instituem 0 dever de realizar um estado de coisas pela adogao de comportamentos a ele necessarios. Essa Perspectiva de anélise evidencia que os principios implicam comportamentos, ainda que por via indireta e regressiva. Mais ainda: essa investigagao permite verificar que os principios, embora indeterminados, nao 0 sao absolutamente, Pode até haver incerteza quanto a0 contetido do comportamento a ser adotado, mas néo ha quanto a sua espécie: 0 que for necessério para a promover 0 fim ¢ devido. A delimitagéo dos comportamentos devidos depende, porém, da implementagao de algumas condigdes. De fato, como saber quais so as condig5es que compem o estado ideal de coisas a ser buscado, e quais S40 3 MODESTO, Paulo. Controle juridico do comportamento ético da administracao padblica no Brasil, RDA (209):77, Rio de Janeiro: Renavar, 1997, 4WEINBERGER, Ota. Rechtslogik. 2. ed. Berlin: Duncker und Humblot, 1989. p. 2878. www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 4125 12110123, 18.29 dieitedovstade.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer 0s comportamentos necessarios a essa realizacéo? Algumas diretrizes metédicas facilitam o encontro das respostas a essas quesiées.5 14.2 DIRETRIZES PARA A ANALISE DOS PRINCIPIOS Considerando a definico de principios como normas finalisticas, que exigem a delimitagao de um estado ideal de coisas a ser buscado por meio de comportamentos necessérios a essa realizagdo, proponho os seguintes passos para a investigagao dos principios. Em primeiro lugar, & preciso especificar os fins ao maximo. Quanto menos especifico for o fim, menos controlavel serd sua realizagao. Em segundo lugar, € necessdrio encontrar casos paradigmaticos que possam iniciar esse processo de esclarecimento das condigdes que compem o estado ideal de coisas a ser buscado pelos comportamentos necessarios a essa realizagéo. Casos paradigmaticos séo aqueles cuja solugdo pode ser havida como exemplar, considerando-se exemplar aquela solugdo que serve de modelo para a solugao de outros tantos casos em virtude da capacidade de generalizagéo do seu contetido velorativo. Em terceiro lugar, é fundamental examinar, nesses casos, alguma similaridade capaz de permitir a criagao de grupos de casos que girem em torno da solugdo de um mesmo problema central. Em quarto lugar, é preciso verificar a existéncia de critérios capazes de delimitar quais s40 os bens juridicos que compoem o estado ideal de coisas quais os comportamentos considerados necessdrios a sua realizagao. Por fim, 6 necessério fazer 0 caminho de volta: descoberto 0 estado de coisas e os comportamentos necessarios a sua promocao, é preciso verificar a existéncia de outros casos que deveriam ter sido decididos com no principio em andlise. Esses passos demonstram que se trata de um longo caminho a ser percorrido, Todo 0 esforgo exigido nesse percurso tem uma finalidade precis superar a mera exaltacao de valores em favor de uma delimitagao progressiva e racionalmente sustentavel de comportamentos necessarios a realizagao dos fins postos pela Constituigdo Federal. 1.3. MORALIDADE COMO EXIGENCIA DE CONDUTAS SERIAS, LEAIS, MOTIVADAS E ESCLARECEDORAS Na investigacao do principio da moralidade, @ preciso perseguir os passos antes mencionados. O dispositivo que serve de ponto de partida para a construgao do principio da moralidade esta contido no artigo 37 da Constituigao Federal, que pée a moralidade como sendo um dos principios fundamentais da atividade administrativa. A Constituigéo Federal, longe de conceder uma 5 CANARIS, Claus-Wilhelm. Theorienrezeption und Theorienstruktur, in: Wege zum Jepanischen Recht. Festschrift fur Zentaro Kitagawa. Org. Hans G. Leser. Berlin: Duncker und Humblot, 1992. p. 59-94. www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 5125 12110123, 18.29 dieitedovstade.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer palavra isolada @ moralidade, atribui-lhe grande importéncia em varios dos seus dispositivos. A suméria sistematizagao do significado preliminar desses dispositivos demonstra que a Constituigao Federal preocupou-se com padres de conduta de varios modos. Primeiro, estabelecendo valores fundamentais, como dignidade, trabalho, livre iniciativa (art. 1°), justiga (art. 3°), igualdade (art. 5%, caput), liberdade, propriedade e seguranga (art. 5°, caput), estabilidade das relagoes (art. 5°, caput e XXXVI). A instituigo desses valores implica nao s6 0 dever de que eles sejam considerados no exercicio da atividade administrativa, como também a proibigao de que sejam restringidos sem plausivel justificacao. Segundo, instituindo um modo objetivo @ impessoal de atuagéo administrativa, baseado nos principios do Estado de Direito (art. 1°), da separagdo dos paderes (art. 2°), da legalidade (art. 5° e 37). A instituigao de um modo objetivo de atuagao implica a primazia dos atos exercidos sob 0 amparo juridico em detrimento daqueles praticados arbitrariamente. Terceiro, criando procedimentos de defesa dos direitos dos cidadéos, por meio da universalizagdo da jurisdigao (art. 5°, XXXV), da proibigéio de utilizagéo de provas ilicitas (art. 5°, LVI), do controle da atividade administrative via mandado de seguranga e aco popular, inclusive contra atos lesivos a moralidade (art. 5°, LXIX e LXxill), e da anulacao de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4°). A criagao de procedimentos de defesa permite a anulago de atos administrativos que se afastem do padréo de conduta juridicamente eleito. Quarto, criando requisitos para o ingresso na fungao publica, mediante a exigéncia de concurs pubblico (art. 37, I)}0 a vedagao de acumulagéo de cargos (art. 37, XVI), proibicdo de autopromogao (art. 37, XXI, § 1°); a necessidade de demonstracao de idoneidade moral ou reputagao ilibada para ocupar os cargos de ministro do Tribunal de Contas (art. 73), do Supremo Tribunal Federal (art. 101), do Superior Tribunal de Justiga (art 104), do Tribunal Superior Eleitoral (art. 119), do Tribunal Regional Eleitoral (art. 120); a exigéncia de idoneidade moral para requerer a naturalidade brasileira (art. 12); © a proibigéo de reelei¢ao por violagao & moralidade (art. 14). A consagracao dessas condigbes para o ingresso na fun¢ao implica a escolha da seriedade e da reputagao como requisites do homem publico: Quinto, instituindo variados mecanismos de controle da atividade administrativa, inclusive mediante controle de legitimidade dos atos administrativos pelos Tribunais de Contas (art. 70). A sistematizagdo do significado preliminar desses dispositivos termina por demonstrar que a Constituigao Federal estabeleceu um rigoroso padréo de conduta para o ingresso e para o exercicio da fungao publica, de tal sorte que, inexistindo seriedade, motivagao e objetividade, os atos podem ser revistos por mecanismos internos externos de controle. www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 612s 12110023, 1529 dieitedovstade.com.bricodrovsta.asp?cod=67 R[ZDDE Seis ztergnionH Preto do Estado son.or Para melhor especificar esse rigido padro de conduta, & necessario encontrar casos paradigmaticos que permitam esclarecer 0 significado da seriedade, da motivagéo e da objetividade que delimitam a moralidade almejada. Eis alguns Uma autoridade publica deixou escoar o prazo de validade de um concurso piblico para o preenchimento do cargo de Juiz de Direito Substituto, nomeando somente trinta e trés dos cinqenta candidatos, depois de conhecidos todos aqueles que haviam sido aprovados, e publicou novo edital para a mesma finalidade. Intimada a esclarecer os motivos da inércia, a autoridade deu a entender que nao prorrogou 0 prazo de validade do concurso Porque nao queria. Nesse caso, ficou evidenciada a inércia intencional, o drible a normas imperativas, a malicia despropositada, a falta de postura exemplar a auséncia de motivos sérios. E esses comportamentos so incompativeis com a seriedade e a veracidade necessdrias & promogéo da moralidade administrativa.6 Um sujeito pede transferéncia de uma universidade federal para outra e tem seu pedido deferido, em razéo do que realiza a transferéncia e passa a freqdentar o curso durante longo periodo. Mais tarde, a autoridade administrativa constata que foi desobedecida uma formalidade, raz&o por que pretende anular os atos anteriores que permitiram a transferénoia, Nesse caso, ficou demonstrado néo cumprimento de determinada promessa bem como foi ferida uma expectativa criada pela propria administracao. E esses comportamentos sao incompativeis com a lealdade e a boa-fé, necessarias 4 promogao da moralidade administrativa.7 Como se pode perceber, 0 principio da moralidade exige condutas sérias, leais, motivadas e esclarecedoras, mesmo que nao previstas na lei. Constituem, pois, violagéo ao principio da moralidade, a conduta adotada sem parametros objetivos e baseada na vontade individual do agente e 0 ato praticado sem a consideragao da expectativa criada por pela administragao.” 14.4 FUNCAO RESIDUAL DO PRINCIPIO DA MORALIDADE. © principio da moralidade possui, porém, uma peculiaridade. Ele funciona de modo residual. Como € por demais sabido, sempre que ha exercicio da atividade administrativa, deve haver observancia de varios Principios, como 0 principio da impessoalidade e seus corolarios (neutralidade, 6 Recurso Extraordinario n° 192568-0, 2° Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 13,09,96, 7 AVILA, Humberto. Beneficios fiscals invalidos € a legitima expectativa dos contribuintes, Revista Tributaria (42)100-114, $30 Paulo: Revista dos Tribunais, 2002 ® Para outros sentidos, conferir: JUSTEN FILHOS, Margal. O principio da moralidade publica e © Direito Tributario, Revista de Direito Trbutério (79):71 e ss, Sao Paulo, Malheiros. GIACOMUZZI, José Guilherme. A moralidade administrativa © a boa-fé da administragao piiblica. S20 Paulo: Malheiros, 2002. p. 223 e ss. www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 128 12110123, 18.29 dieitedovstade.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer imparcialidade, objetividade), 0 principio da publicidade e transparéncia, 0 principio da legalidade, o principio da igualdade, e muitos outros. E plausivel afirmar que quando ha violagdo a algum desses principios, no mais das vezes, também hé infracdo ao principio da moralidade. De falo, pode haver superposigao de incidéncia. Isso nao quer dizer, porém, nem que o aplicador do Direito nao possa dissociar os principios aplicaveis nem que ele no possa fazer uso do principio da moralidade quando nenhum outro principio possa resolver de maneira mais direta, se raz6es confluirem para esse uso. E ha, de fato, raz6es a favor da utilizagao residual do principio da moralidade. Se algum outro principio for violado, a fundamentagao baseada diretamente nesse outro principio € mais consistente, com mais forga de controle. Isso porque 0 convencimento e o controle intersubjetivo & mais estavel no caso dos outros principios. No caso da moralidade, 0 consenso a respeito do seu significado € mais dificil. Além disso, sequer € preciso langar mao da moralidade quando a violacao diz respeito a principios ja positivados. E desnecessaria a alegacao do principio da moralidade quando esta configurada a infragao a outro principio juridico positivado. 2. RAZOABILIDADE E EFICIENCIA 2.4 DEFINICAO DE POSTULADO NORMATIVO APLICATIVO Até aqui, este estudo dedicou-se a investigagéo de um principio que, como tal, estabelece fins a serem buscados. A partir de agora, no sera mais examinado 0 dever de promover a realizagao de um estado de coisas, mas 0 modo como esse dever deve ser aplicado. Superou-se 0 Ambito das normas para adentrar no terreno das metanormas. Esses deveres situam-se num segundo grau e estabelecem a estrutura de aplicagéo de outras normas, principios € regras. Como tais, eles permitem verificar os casos em que ha Violagao as normas cuja aplicagao estruturam. S6 elipticamente é que se pode afirmar que so violados os postulados da razoabilidade, da proporcionalidade ou da eficigncia, por exemplo. A rigor, violadas so as normas — principios e regras — que deixaram de ser devidamente aplicadas. Com efeito, no caso em que 0 Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional uma lei estadual que determinava a pesagem de botiiées de 928 a vista do consumidor, foi considerado violado o principio da livre iniciativa, por ter sido restringido de modo desnecessario e desproporcional.. Rigorosamente, nao é @ proporcionalidade que foi violada, mas 0 principio da livre iniciativa, na sua inter-relacdo horizontal com o principio da defesa do consumidor, que deixou de ser aplicado adequadamente. Da mesma forma, no aso em que o Supremo Tribunal Federal declarou invalida a ordem judicial ° Aga Declaratéria de Inoonstitucionalidade n° 855.2, Relator Ministro Sepilveda Pertence, DIU 01.10.93. www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 212s 12110123, 18.29 dieitedovstade.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer para a submisséo do paciente ao exame de DNA, foi considerada violada a dignidade humana do paciente, por essa ter sido restringida de forma desnecessaria e desproporcional."” Rigorosamente, nao é a proporcionalidade que foi violada, mas 0 principio da dignidade humana, na sua inter-relagao horizontal com os principios da auto-determinagaio da personalidade e da universalidade da jurisdigao, que deixaram de ser aplicados adequadamente, Com a razoabilidade, dé-se o mesmo, como sera, adiante, demonstrado. Essas_considerages levam ao entendimento de que os postulados normativos situam-se num plano distinto daqueles das normas cuja aplicagao estruturam. Sao, por isso, metanormas ou normas de segundo grau. O qualificativo de normas de segundo grau, porém, nao deve levar A conclusao de que os postulados normativos funcionam como qualquer norma que fundamenta a aplicagao de outras normas, a exemplo do que ocorre no caso de sobreprincipios como o principio do Estado de Direito ou do devido proceso legal. Isso porque esses sobreprincipios situam-se no proprio nivel das normas que sao objeto de aplicagao, e nao no nivel das normas que estruturam a aplicagao de outras. Além disso, os sobreprincipios funcionam como fundamento, formal e material, para a instituigéo e atribuigdo de sentido &s normas hierarquicamente inferiores, a0 passo que os postulados normativos funcionam como estrutura para aplicagao de outras normas. A. definigéo de postulados normativos aplicativos como deveres estruturantes da aplicagdo de outras normas coloca em pauta a questo de saber se eles podem ser considerados como principios ou regras. AS considerages feitas acima apontam em sentido contrario. Como os postulados situam-se em um nivel diverso das normas objeto de aplicagao, defini-los como Principios ou como regras contribuiria para confundir em vez de esclarecer. Além disso, 0 funcionamento dos postulados difere muito dos principios e das regras. Com efeito, os principios s2o definidos como normas imediatamente finalisticas, isto 6, normas que impdem a promogao de um estado ideal de coisas por meio da prescricao indireta de comportamentos cujos efeitos sao havidos como necessarios aquela promogao. Diversamente, os postulados, de um lado, nao impéem a promogao de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicagao do dever de promover um fim; de outro, ndo prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocinio e de argumentagéo relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. Rigorosamente, portanto, nao se podem confundir principios com postulados. As regras, a seu turno, s40 normas imediatamente descritivas de comportamentos devidos ou atributivas de poder. Distintamente, os postulados no descrevem comportamentos, mas estruturam a aplicago de normas que 0 fazem, Mesmo que as regras fossem definidas como normas que prescrevem, proibem ou permitem o que deve ser feito, devendo sua conseqiléncia ser implementada, mediante subsunoao, caso a sua hipdtese fosse preenchida, como 0 fazem DWORKIN e ALEXY, ainda assim a complexidade dos * Habeas Corpus * 76060-SC, Relator Ministro Sepilveda Pertence. DJ 15.05.98, p. 44, www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 912s 12110123, 18.29 dieitedovstade.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer postulados se afastaria desse modelo dual. A andlise dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, por exemplo, estao longe de exigir do aplicador uma mera atividade subsuntiva. Eles demandam, em vez disso, a ordenagao e a relagdo entre varios elementos (meio e fim, critério e medida, regra geral e caso individual) e nao, um mero exame de correspondéncia entre a hipdtese normativa e os elementos de fato. A possibilidade de, no final, requerer uma aplicagao integral ndo elimina 0 uso diverso na preparagdo da decisdo. E a circunstancia de todas as espécies normativas serem voltadas, em Ultima instancia, para o comportamento humano nao elimina a importancia de explicar os procedimentos completamente distintos que preparam e fundamentam a sua descoberta. Essas consideragdes levam ao entendimento de que os postulados normativos merecem uma caracterizagao a parte e, por conseqtiéncia, também uma denominagéo distinta. A clareza argumentativa @ 0 dever de fundamentacao agradecem. 2.2 DIRETRIZES PARA A ANALISE DOS POSTULADOS NORMATIVOS APLICATIVOS, Considerando a definicéo de postulados como normas estruturantes da aplicagao de principios e regras, propdem-se os seguintes passos para a sua investigagao. Em primeiro lugar, é preciso encontrar casos cuja solugao tenha sido tomada com base em algum postulado normative. Em segundo lugar é necessério analisar a fundamentacéo das decisoes para verificar quais elementos foram ordenados e como foram relacionados entre si. Em terceiro lugar, deve-se investigar quais normas foram objeto de aplicagéo e os fundamentos utilzados para a escolha de determinada aplicagao. Como os postulados séo deveres que estruturam a aplicagdo de normas juridicas, 6 importante examinar no s6 quais foram as normas objeto de aplicagao como também a fundamentagao da decisdo. Por exemplo, o postulado da proporcionalidade exige que as medidas adotadas pelo poder pidblico sejam adequadas, necessarias e proporcionais em sentido estrito. No caso em que 0 Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade de uma lei estadual que determinava utilizagéo de balanga especial para a pesagem de botijées de gas a vista do consumidor, 0 Tribunal analisou 0 meio utilizado (determinagao da utiizagao de balangas), 0 fim buscado (principio da protecaio dos consumidores) e 0 principio colateralmente restringido (principio da livre iniciativa). Segundo se depreende pela leitura da integra do acérdao, a recorrente alegava que 0 meio nao era totalmente adequado @ promogéio do fim (segundo parecer do INMETRO, as balangas seriam impréprias para medir © contetido dos botiiées, pois 0 uso dos manémetros néo atendia @ finalidade proposta, por ser a indicagao do gas liquefeito de petrleo em massa e no em unidade de press4o), outros meios menos restritivos poderiam ter sido escolhidos (lacre, selo, vigilancia) e as desvantagens (dispéndio com a compra 10 www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 0125 12110123, 18.29 dieitedovstade.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer das balangas, repasse dos custos para 0 prego dos boties, necessidade de deslocamento do consumidor até 0 veiculo transportador) superavam as vantagens (maior controle do contetido dos botijées, protecdo da confianga dos consumidores)."' Enfim, 0 exame do acérdao permite verificar os elementos \dos e as relagdes exigidas entre eles. Em quarto lugar, € preciso fazer 0 caminho de volta: descoberta a estrutura exigida na aplicagao do postulado, é preciso verificar a existéncia de outros casos que deveriam ter sido decididos com base neles. 2.3. RAZOABILIDADE 2.3.1 GENERALIDADES A razoabilidade estrutura a aplicagéio de outras normas, principios regras, notadamente das regras. A razoabilidade é usada com varios sentidos. Fala-se em razoabilidade de uma alegacéo, razoabilidade de uma interpretagao, razoabilidade de uma restrica0, razoabilidade do fim legal, razoabilidade da fungao legislativa.12 Enfim, a razoabilidade 6 utilizada em varios contextos e com varias finalidades. Dentre tantas acepg6es, trés se destacam. Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relacéo das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipéteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral Segundo, a razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculago das normas juridicas com 0 mundo ao qual elas fazem referéncia, seja reclamando a existéncia de um suporte empirico e adequado a qualquer ato juridico, seja demandando uma relagdo congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, a razoabilidade ¢ utilizada como diretriz que exige a relacdo de equivaléncia entre duas grandezas. Sdo essas acepg6es que passam a ser investigadas. 2.3.2 RAZOABILIDADE COMO DEVER DE HARMONIZAGAO DO GERAL COM O INDIVIDUAL (DEVER DE EQUIDADE) No primeiro grupo de casos, 0 postulado da razoabilidade exige a harmonizagao da norma geral com o caso individual. ™' Ago Declaratéria de Inconstitucionalidade n° 855-2, Relator Ministro Sepilveda Pertence, DIU 01.10.93. 12 Sobre a mutiplcidade de significados, ver: SCACCIA, Gino. Git ‘strumont’ della ragionevolezza nel giudizio costtuzionale, Milo: Giuffré, 2000. "1 www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 115 12110123, 18.29 dieitedoestado.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer Em primeiro lugar, a razoabilidade impée, na aplicagéo das normas juridicas, a considerago daquilo que normalmente acontece. Alguns casos ilustram essa exigéncia. Um advogado requereu o adiamento do julgamento perante o Tribunal do Juri porque era defensor de outro caso rumoroso que seria julgado na mesma época. O primeiro pedido foi deferido. Depois de defender seu cliente, e diante da recomendagao de repouso por duas semanas, 0 advogado Fequereu novo adiamento do julgamento. Nesse caso, porém, o julgador indeferiu 0 pedido por considerar 0 adiamento um descaso para com a Justica, presumindo que 0 advogado estava pretendendo, de forma maliciosa, postergar indevidamente o julgamento. Na data marcada para o julgamento, ¢ mesmo apés 0 réu afirmar que seu advogado nao estava presente, 0 Juiz- Presidente _nomeou o advogado dativo, que logo assumiu a defesa Inconformado com o indeferimento do pedido ¢ com o proprio resultado do julgamento, 0 advogado impetrou habeas corpus. Na decisdo, asseverou-se nao parecer fora de razoabilidade que 0 advogado, que patrocinava causas complexas, cujo julgamento estava ocorrendo com certa contemporaneidade, pudesse pedir 0 adiamento em razao do que ocorrera no julgamento anterior. Enfim, afirmou-se que € razoavel presumir que as pessoas dizem a verdade € agem de boa-fé, em vez mentir ou agir de ma-fé. Na aplicagao do Direito, deve- se presumir 0 que normalmente acontece @, nao, 0 contrario. A defesa apresentada pelo advogado dativo foi considerada nula em razio de o indeferimento do pedido de adiamento do julgamento feito pelo advogado ter cerceado 0 direito de defesa do réu.13 A um Procurador do Estado, que interpés agravo de instrumento em folha de papel timbrado da Secretaria de Estado dos Negocios da Justica, foi exigida a comprovacao da condicéio de procurador pela juntada do titulo de nomeagao para 0 cargo ou de documento emitido pelo Procurador-Geral do Estado. Alegada a falta de instrumento de mandato, a questo foi levada a julgamento, momento em que se asseverou ser razoavel presumir a existéncia de mandato quando 0 procurador possui mandato legal. Na interpretagao das normas legais, deve-se presumir 0 que normalmente acontece e, nao, 0 extraordinario, como a circunstancia de alguém se apresentar como Procurador do Estado sem que possua, realmente, essa qualificagao. Em virlude disso, foi determinado 0 conhecimento do agravo de instrumento em razéo de a sua ineficacia afetar diretamente 0 direito de ampla defesa pelo mero fetichismo da forma.14 Um instrumento de mandato que esteja subscrito por quem se diz representante da pessoa juridica de direito puiblico, com mengao do cargo ocupado no Ambito da respectiva administragao, nfo pode ser havido como 41 Habeas Corpus n° 71408-1, Segunda Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 29.10.99. 14 Recurso Extraordinario n? 192553-1, Segunda Tuma, Relator Ministro Marco Auréio, DJ 16.04.99, 12 www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 212s 12110123, 18.29 dieitedoestado.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer irregular ou falso. Na interpretacao das normas, deve-se presumir 0 que ocorre no dia-a-dia e no o extravagante.15 Nos casos acima referidos, a razoabilidade atua como instrumento para determinar que as circunstancias de fato devem ser consideradas com a presungao de estarem dentro da normalidade. A razoabilidade atua na interpretacao dos fatos descritos em regras juridicas. A razoabilidade exige determinada interpretago como meio de preservar a eficacia de principios axiologicamente sobrejacentes. Interpretagao diversa das circunsténcias de falo levaria a restricdo de algum principio constitucional, como o principio do devido processo legal, nos casos analisados. Em segundo lugar, a razoabilidade exige a consideragdo do aspecto individual do caso nas hipoteses em que ele é sobremodo desconsiderado pela generalizacao legal. Para determinados casos, em virtude de determinadas espectficidades, a norma geral nao pode ser aplicavel se por tratar de caso anormal."® Alguns exemplos iluminam esse dever. A Prefeita de um municipio foi denunciada porque, quando exercia o chefia do Poder Executivo Municipal, contratou, sem concurso publico, um cidadéo para a prestagao de servigos como gari pelo periodo de nove meses. No julgamento do habeas corpus, considerou-se inexistente qualquer prejuizo para 0 Municipio em decorréncia desse caso isolado. Além disso, considerou- se atentatério @ ordem natural das coisas e, por conseguinte, ao principio da razoabilidade, exigir-se a realizagéo de concurso publico para uma nica admiss4o para 0 exercicio de uma atividade de menor hierarquia.17 Nesse caso, a regra segundo a qual é necessério concurso piiblico para contratagao de agente piblico incidiu, mas a conseqéncia do seu descumprimento nao foi aplicada (invalidade da contratagao e, em razo de outra norma, pratica de ato de improbidade), porque a falta de adogo do comportamento por ela previsto no comprometia a promocao do fim que a justifica (protegao do patriménio publica). Dito de outro modo, segundo a decisdo, o patriménio publico nao deixaria de ser protegido pela mera contratagéo de um gari por um tempo determinado. Uma pequena fabrica de sofas, enquadrada como empresa de pequeno porte para efeito de pagamento conjunto de tributos federais, foi excluida desse mecanismo por ter infringido a condi¢ao legal de nao efetuar importacao de produtos estrangeiros. De fato, a empresa efetuou uma importacdo. A importacao, porém, foi de quatro pés de sofas, para um s6 sofa, uma Unica vez. Recorrendo da decisao, a exclusdo foi anulada por violar a razoabilidade, na medida em que uma interpretagao dentro do razodvel indica que a 415 Embargos de Deciararao em Recurso Extraordinario n® 199086-0, Segunda Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 01.08.97. *© JAKOBS, Michael Ch, Der Grundsatz der Verhéitnismasigkelt. KbIn: Carl Heymanns, 1985. S. 94. ALBRECHT, Ridiger Konradin. Zumutbarkeit als Verfassungsmastab. Berlin Duncker und Humbiot, 1985. $. 242. 417 Habeas Corpus n° 77.003-4, Segunda Turma, Relator Ministto Marco Aurélio, DJ 11.09.98, 13 www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 19128 12110123, 18.29 dieitedoestado.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer interpretago deve ser feita “em consonancia com aquilo que, para 0 senso comum, seria aceitdvel perante a lei’.18 Nesse caso, a regra segundo a qual é proibida a importagao para a permanéncia no regime tributario especial incidiu, mas a conseqliéncia do seu descumprimento nao foi aplicada (excluséo do regime tributario especial), porque a falta de adogao do comportamento por ela previsto no comprometia a promogao do fim que a justifica (estimulo da produgao nacional por pequenas empresas). Dito de outro modo, segundo a decisdo, 0 estimulo a produg4o nacional nao deixaria de ser promovido pela mera importagao de alguns pés de sofa. Nos casos acima referidos, a regra geral, aplicavel 4 generalidade dos casos, nao foi considerada aplicével a um caso individual, em razio da sua anormalidade. Nem toda norma incidente & aplicavel. E preciso diferenciar a aplicabilidade de uma regra da satisfagéio das condigbes previstas em sua hipdtese. Uma regra no € aplicével somente porque as condigdes previstas em sua hipotese sao satisfeitas. Uma regra é aplicavel a um caso se, @ somente se, suas condigbes $40 satisfeitas e sua aplicacao nao é excluida pela razéo motivadora da propria regra ou pela existéncia de um principio que institua uma razdo contraria. Nessas hipéteses, as condigdes de aplicagao da regra sao satisfeitas, mas a regra, mesmo assim, n&o é aplicada.19 Nos casos analisados, as condigdes de aplicagao das regras foram satisfeitas. No primeiro caso, as condigées de aplicacao da regra segundo a qual o ingresso na fungao piiblica depende de concurso publico foram preenchidas, pois se tratava de funcao piblica e de ingresso nessa fungao. Mesmo assim, a regra nao foi aplicada: entendeu-se nao haver descumprimento da regra naquele caso. No segundo caso, a condigao de aplicagao da regra, segundo a qual o contribuinte deve ser excluido de um mecanismo especial de pagamento de tributos quando efetuar uma importago, foi preenchida. Ainda assim, a regra nao foi aplicada: 0 contribuinte nao foi excluido naquele caso, Essa concepgdo de razoabilidade corresponde aos ensinamentos de ARISTOTELES, para quem a natureza da equidade consiste em ser um corretivo da lei quando ¢ aonde ela é omissa por ser geral.20 Essas consideragdes levam a conclusao de que a razoabilidade serve de instrumento metodolégico para dizer que a incidéncia da norma é condigao necessaria, mas nao suficiente para sua aplicagao. Para ser aplicavel, 0 caso concreto deve adequar-se generalizagéo da norma geral. A razoabilidade atua na interpretagao das regras gerais como decorréncia do principio da justica (preambulo e art. 3° da Constituigao Federal). 18 Processo n° 13003,000021/99-14, Segunda Camara do Segundo Conselho de Contribuintes. Sessdio do dia 18, 10.2000, 19 HAGE, Jaap. C. Reasoning with Rules. An Essay on Legal Reasoning and its Underlying Logic. Dordrecht: Kluwer, 1997. p. 114. 20 ARISTOTELE. Etica Nicomachea. Trad. Marcello Zanata, Miso: Rizzol, 1994. p. 381 (1137 a 19 @ ss. BORGES, José Souto Maior. O Contraditério no Proceso Judicial — Uma Viséo Dialética. S80 Paulo: Malheiros, 1996. S. 99. 14 www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 s4i2s 12110123, 18.29 dieitedoestado.com.bricodrovsta.asp?cod=67 R[ZDDE Seis ztergnionH Preto do Estado son.or 2.3.3 RAZOABILIDADE COMO DEVER DE HARMONIZACAO DO DIREITO COM SUAS CONDIGGES EXTERNAS (DEVER DE CONGRUENCIA) No segundo grupo de casos, o postulado da razoabilidade exige a harmonizagao das normas com as suas condigdes externas de aplicagéo. Em primeiro lugar, a razoabilidade exige, para qualquer medida, a recorréncia a um suporte empirico existente.*" Alguns exemplos o comprovam. Uma lei estadual instituiu um adicional de férias de um tergo para os inativos. Levada a questo a julgamento, considerou-se indevido o referido adicional por traduzit uma vantagem destituida de causa e do necessario coeficiente de razoabilidade, na medida em que s6 deve ter adicional de férias quem tem férias. Como conseqiiéncia disso, a instituig&o do adicional foi anulada em razao de violar 0 devido proceso legal, que atua como decisivo obstaculo a edigao de atos legislativos de contetido arbitrario ou irrazoavel.22 Uma lei estadual determinou que os estabelecimentos de ensino expedissem os certificados de conclusdo do curso e do histérico escolar aos alunos da terceira série de ensino médio que comprovassem aprovacdo em vestibular para ingresso em curso de nivel superior, independentemente do némero de aulas freqiientado pelo aluno, expedicao essa a ser providenciada em tempo habil de modo que 0 aluno pudesse matricular-se no curso superior ara 0 qual foi habilitado. O Supremo Tribunal Federal entendeu caracterizada a relevancia juridica da argui¢do de inconstitucionalidade sustentada pela autora da agdo uma vez que a lei impugnada, primeira vista, revela-se destituida de razoabilidade, pois inverteu a ordem natural académica para atribuir aos estudantes, independentemente da freqiléncia, o direito a expedi¢éo da concluséo do ensino médio, desde que aprovados em vestibular.23 Uma norma constante de Constituigéo Estadual determinava que 0 pagamento dos servidores do Estado fosse feito, impreterivelmente, até 0 10° (décimo) dia util de cada més. O Supremo Tribunal Federal considerou ser imrazoavel que a norma impugnada, para evitar 0 atraso no pagamento dos servidores estaduais, estabelecesse uma antecipagao de pagamento de servigos que ainda nao haviam sido prestados. 24 *" ZANCANER, Welda. Razoabilidade e moralidade: principios concretizadores do perfil constitucional do Estado Social © Democratico de Direito, Revista Didlogo Juridica, Salvador CAJ - Centro de Atualizago Juridica, ano |, n® 9, dezembro, 2001, p. 4. Disponivel em 22 Ago Direta de Inconsitucionalidade, Medida Liminar, Tribunal Pleno, Relator Ministre Celso de Mello, DJ 28.08.95. 23 Ago Direta de Inconstitucionalidade n° 2.667-DF, Medida Cautelar, Relator Min. Celso de Mello, 19.6.2002 24 Aco Diteta de Inconstitucionalidade n° 247-RJ, Relator Min. limar Galvao, 17.6.2002. 15 www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 19128 12110023, 1529 dieitedoestado.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer Nesses casos, 0 legislador elege uma causa inexistente ou insuficiente para a atuacdo estatal. Ao fazé-lo, viola a exigéncia de vinculagio a realidade.25 A interpretagdo das normas exige 0 confronto com parametros extemos a elas. Dai se falar em dever de congruéncia e de fundamentagao na natureza das coisas (Natur der Sache). Os principios constitucionais do Estado de Direito (art. 1°) e do devido processo legal (art. 5°, LIV) impedem a utllizacao de raz6es arbitrarias ¢ a subverséio dos procedimentos institucionais utiizados. Desvincular-se da realidade ¢ violar os principios do Estado de Direito e do devido proceso legal. Essa exigéncia também assume relevo nas hipéteses de anacronismo legislativo, isto é, naqueles casos em que a norma, concebida para ser aplicada em determinado contexto sécio-econémico, néo mais possui razdo para ser aplicada.26 Em segundo lugar, a razoabilidade exige uma relacdo congruente entre 0 aritério de diferenciagao escolhido ¢ a medida adotada.”” O exame de alguns casos comprova isso. © Poder Executive editou medida proviséria com a finalidade de ampliagao do prazo de decadéncia, de dois para cinco anos, para a propositura de aco resciséria pela Unido, Estados ou Municipios. No julgamento, foi asseverado que o Poder Publico possui algumas prerrogativas, as quais devem, porém, ser suportadas por diferencas reais entre as partes e, no, apenas servir de agravamento da satisfagdo do direito do particular. Somente uma razo de ser plausivel e aceitavel justifica a distingdo. Em decorréncia disso e de outros fundamentos, a medida proviséria foi declarada inconstitucional em razo de a instituico de discriminagao arbitraria violar 0 principio da igualdade e do devido processo legal.28 Uma lei estadual determinou que 0 periodo de trabalho de secretarios de Estado deveria contar em dobro para efeitos de aposentadoria. Levada a questo a julgamento, afirmou-se que nao ha razoabilidade em se considerar que 0 tempo de servigo de um secretario de Estado deva valer 0 dobro que 0 dos demais servidores. Trata-se de discriminagao arbitréria ou aleatéria, Em 25 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, Moralidade administrava: do conceito & efetivago. RDA (190):13, Rio de Janeiro: Renovar, 1992. 28 SCACCIA, Gino. Gii ‘stumenti’ della ragionevolezza nel giudizio costtuzionale. itso: Giufré, 2000. p.247. ®” ZANCANER, Welda, Razoabllidade e moralidade: principios concretizadores do perfil constitucional do Estado Social e Democratico de Direito, Revista Dialogo Juriaico, Salvador CAJ - Centro de Atvalizagao Juridica, ano |, n® 9, dezembro, 2001, p. 4. Disponivel em http: direitopublco com br> 28 Ago Direta de Inconstiticionalidade n° 1.753-2, Tribunal Pleno, Relator Ministro Sepulveda Pertence, DJ 12.08.98. 16 www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 16128 12110123, 18.29 dieitedoestado.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer Virlude disso, a distingéo foi considerada invalida pois a instituigéo de distingaio sem causa concreta viola o principio da igualdade.29 Uma lei vinculou 0 niéimero de candidatos por partido ao nimero de vagas destinadas ao povo do Estado na Camara de Deputados. O numero de candidatos fol eleito critério de discriminago eleitoral. Os partidos insurgiram- se contra a medida, alegando ser ela irrazoavel. No julgamento, porém, considerou-se haver congruéncia entre 0 critério de distinggo e a medida adotada, pois a vinculagéo das vagas ao nimero de candidatos levaria & melhor representatividade populacional.30 Nos dois casos acima referidos, o postulado da razoabilidade exigiu uma correlagao entre o oritério distintivo utilizado pela norma e a medida por ela adotada. N&o se est, aqui, analisando a relagao entre meio ¢ fim, mas entre critério e medida. A eficacia dos principios constitucionais do Estado de Direito (art. 1°) e do devido proceso legal (art. 5°, LIV) soma-se a eficdcia do principio da igualdade (art. 5°, caput), que impede a utilizagao de critérios distintivos inadequados. Diferenciar sem razdo ¢ violar 0 principio da igualdade. 2.3.4 RAZOABILIDADE COMO DEVER DE VINCULAGAO ENTRE DUAS GRANDEZAS (DEVER DE EQUIVALENCIA) A razoabilidade também exige uma relagao de equivaléncia entre a medida adotada e 0 crtério que a dimensiona. © Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a criagdo de taxa judiciéria, de percentual fixo, por considerar que, em alguns casos, essa seria tao alta que impossibilitaria 0 exercicio de um direito fundamental — obtengao de prestagdo jurisdicional —, além de nao ser razoavelmente equivalente ao custo real do servigo.31 Nesse caso, o fundamento da decisdo esta na desproporgao entre 0 custo do servico e a taxa cobrada. As taxas devem ser fixadas de acordo com 0 servigo que 6 prestado ou colocado @ disposigaio do contribuinte. Nesse sentido, 0 custo do servigo serve de critério para a fixagao do valor das taxas. Dai se dizer que as taxas devem ser equivalentes a0 servigo prestado. Outro exemplo refere-se as penas que devem ser fixadas de acordo com a culpabilidade do agente. Nesse sentido, a culpa serve de critério para a fixagéo da pena a ser cumprida, devendo a pena corresponder a culpa. O ‘Supremo Tribunal Federal, em caso j4 mencionado, decidiu pelo trancamento da ago penal por falta de justa causa uma vez verificada a insignificancia 29 Agio Direta de Inconsiitucionalidade, Medida Liminar, Tribunal Pleno, Relator Minisiro Sepiiveda Pertence, DJ 22.11.91 30 Aco Direta de Inconstitucionalidade n° 1.813-6, Tribunal Pleno, Relator Marco ‘Aurélio, DJ 08.08.98. 31 Reprosentagao n° 1077, Revista Trimestral de Jurisprudéncia do Supremo Tribunal Federal 112/34-67. 7 www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 ries 12110123, 18.29 dieitedoestado.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer juridica do ato apontado como delituoso. Consubstancia ato insignificante a contratagdo isolada de mo-de-obra, visando a atividade de gari, por municipio, considerado 0 periodo diminuto, vindo 0 pedido formulado em reclamacao trabalhista a ser julgado improcedente, ante a nulidade da relacdo juridica por auséncia do concurso piblico. A punicao nao seria equivalente ao ato delituoso. 2.3.5 DISTINGAO ENTRE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE © postulado da proporcionalidade exige que o Poder Legislativo @ 0 Poder Executive escolham, para a realizagao de seus fins, meios adequados, necessarios e proporcionais. Um meio & adequado, se promove o fim. Um meio 6 necessario, se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um meio 6 proporcional em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca. A aplicagdo da proporcionalidade exige a relagao de causalidade entre meio e fim, de tal sorte que, adotando-se (© meio, promove-se o fim.33 Ocorre que a razoabilidade, de acordo com a reconstrugao aqui proposta, nao faz referéncia a uma relagdo de causalidade entre um meio e um fim, tal como 0 faz 0 postulado da proporcionalidade. E 0 que se passa a demonstrar. A razoabilidade como dever de harmonizagao do geral com o individual (dever de eqlidade) atua como instrumento para determinar que as circunstancias de fato devem ser consideradas com a presungao de estarem dentro da normalidade ou para expressar que a aplicabilidade da regra geral depende do enquadramento do caso concreto. Nessas hipéteses, principios constitucionais sobrejacentes impoem verticalmente determinada interpretagao. Nao ha, no entanto, nem entrecruzamento horizontal de principios, nem rela¢ao de causalidade entre um meio e um fim. Nao ha espaco para afirmar que uma ago promove a realizacao de um estado de coisas. A razoabilidade como dever de harmonizagéo do com suas condigdes externas (dever de congruéncia) exige a relagéo das normas com as suas condigdes externas de aplicagao, quer demandando um suporte empirico existente para a adocéo de uma medida, quer exigindo uma relagao congruente entre 0 critério de diferenciagao escolhido e a medida adotada. Na primeira hipétese, principios constitucionais sobrejacentes impdem verticalmente determinada interpretagao pelo afastamento de motivos arbitrarios. Inexiste entrecruzamento horizontal de principios ou relagao de causalidade entre um meio e um fim, * Habeas Corpus n° 77003, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 11.09.98. 33 AVILA, Humberto. A distingdo entre principios @ regras @ a redefinicao do dever de proporcionalidade. RDA (215):151-79, Rio de Janeiro: Renovar, janmar. 1999 18 www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 18125 12110123, 18.29 dieitedoestado.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer Na segunda hipdtese, exige-se uma correlaco entre 0 critério distintivo utilizado pela norma e a medida por ela adotada. Nao se esta, aqui, analisando a relagao entre meio e fim, mas entre critério e medida. Com efeito, o postulado da proporcionalidade pressupée a relacdo de causalidade entre o efeito de uma ago (meio) e a promogao de um estado de coisas (fim). Adotando-se 0 meio, promove-se o fim: 0 meio leva ao fim. Jé na utilizagao da razoabilidade como exigéncia de congruéncia entre o critério de diferenciagao escolhido e a medida adotada ha uma relagdo entre uma qualidade e uma medida adotada: uma qualidade nao leva a medida, mas é eriterio intrinseco a propria. A razoabilidade como dever de vinculagao entre duas grandezas (dever de equivaléncia), semelhante a exigéncia de congruéncia, impoe uma relagao de equivaléncia entre a medida adotada e o critério que a dimensiona. Nessa hipdtese, exige-se uma relagdo entre critério e medida e, no, entre meio e fim. Tanto é assim que no se pode afirmar, nos casos analisados, que o custo do servigo promove a taxa, ou que a culpa leva a pena. Nao ha, nessas hipéteses, qualquer relacao de causalidade entre dois elementos empiricamente discerniveis, um meio e um fim, como & o caso da aplicacao do principio da proporcionalidade. Ha, isto sim, uma relagao de correspondéncia entre duas grandezas.34 2.4 EFICIENCIA 2.4.1 GENERALIDADES dever de eficiéncia estrutura 0 modo como a administragao deve atingir os seus fins e qual deve ser a intensidade da relagao entre as medidas que ela adota e os fins que ela persegue. © tema da eficiéncia no € novo no Direito anglo-saxdo, onde sio diferenciadas duas exigéncias: 0 dever de atingir 0 maximo do fim com 0 minimo de recursos (efficiency); 0 dever de, com um meio, atingir 0 fim ao maximo (effectiveness).35 Relativamente atividade administrativa, surgem algumas indagacdes importantes no que conceme a aplicagéo da eficiéncia. A primeira: a administragéo tem 0 dever de obter “o melhor resultado” ou apenas "um resultado satisfatorio"? A segunda: a administragao tem o dever de escolher 0 meio menos oneroso financeiramente, ou o custo financeiro @ apenas um dentre tantos elementos a serem ponderados para a tomada de deciséo? 34 AVILA, Humberto Bergmann, Materiell verfassungsrechtiche Beschrénkungen der Besteuerungsgewalt in der brasilanischen Verfassung und im deutschen Grundgesetz. Nomos: Baden-Baden, 2002. p. 71 35 GALLIGAN, Demnis. Discretionary powers. A legal Study of Official Discretion Oxford: Clarendon Press, 1988. p. 129 ss. 19 www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 19128 12110123, 18.29 dieitedoestado.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer Enfim, 0 que significa eficiéncia administrativa, menor custo com melhor resultado? A investigago que segue procura responder a essas indagagées. 2.4.2 EFICIENCIA COMO DEVER DE ESCOLHER MEIO MENOS CUSTOSO CETERIS PARIBUS Alguns entendem a eficiéncia como o dever de a administragao escolher © meio que implique menos dispéndios financeiros. Dentre as varias alternativas, cumpre escolher a opgao mais barata. Essa interpretagao remete- nos a dois modos de consideragéo do custo administrativo: a um modo absoluto, no sentido de que a opc4o menos custosa deve ser adotada, indiferente se outras alternativas, apesar de mais custosas, apresentam outras vantagens; a um modo relativo, no sentido de que a opcao menos custosa deve ser adotada somente se as vantagens proporcionadas por outras opgées nao superarem o beneficio financeiro. © modo relativo ¢ aquele que melhor se compatibiliza com 0 ordenamento juridico brasileiro. Isso significa dizer que nao se pode entender, de chofre, como melhor a compra de equipamentos eletrénicos s6 porque séo mais baratos relativamente a outros, sem a consideragao, por exemplo, da sua durabilidade, dos servigos de assisténcia técnica que eles exigem, da sua obsolescéncia, da sua praticidade. O equipamento mais barato pode ser, até mesmo, o menos adequado para realizar a finalidade de modo satisfatoro. Com efeito, de uma medida administrativa podem surgir efeitos relacionados a varios fins que a administragao deve atingir, uns primérios, outros secundarios. A avaliacao de todos os fins administrativos afasta o dever de considerar 0 menor custo como excludente do exame de outros fins. O menor custo @, t40-86, um dos varios elementos a serem considerados. ‘Suponha-se, por exemplo, que a administragéo escolha um meio (M1) para atingir um fim determinado por um principio (P1). Digamos que esse meio realiza P', restringe pouco a liberdade do administrado (P2), mas, em compensaco, provoca muitos custos administrativos (P3). Diante disso, a administragao cogita utilizar um outro meio (M2) para atingir P1, que, ao seu tumo, causa menos custos administrativos (P3), mas, em compensagdo, restringe muito mais intensamente a liberdade do administrado (P2). Essa situagao remete-nos @ seguinte indagacao: qual meio deve ser escolhido para atingir um fim, © que restringe menos a liberdade do administrado mas causa mais custos administrativos ou aquele que causa menos custos administrativos mas restringe mais a liberdade do administrado? Nesta oportunidade, basta afirmar que a resposta, em principio a favor do meio menos restritivo, depende de uma ponderacéo sistematicamente orientada, sendo inviével uma supremacia a priori em favor do meio que causa menos custos administrativos. A resposta se modifica, porém, se a restrigéo causada pelos meios for igual, mas apenas os custos forem diferentes. Por exemplo, a administragao escolhe um meio (M1) para atingir um fim determinado por um principio (P1). M1 causa pouca restrieao liberdade do administrado, ¢ provoca, igualmente, 20 www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 20705 12110123, 18.29 dieitedoestado.com.bricodrovsta.asp?cod=67 REEDDE| seis Heron Preto cogstado comer poucos custos administrativos. Outro meio (M2) restringe a liberdade do administrado da mesma forma, mas causa custos administrativos muito maiores. Nesse caso, a adogao do meio menos dispendioso 6 necessaria, na medida em que permanecem inalterados os elementos relativos @ realizago de Pt ea restricao de P2. © que essas consideragdes contribuem para o exame da eficiéncia? Em primeiro lugar, essas consideragdes demonstram que nao ha o dever absoluto de escolher 0 meio que cause menos custo _administrativo (Vewaltungsaufwand). A medida adotada pela administragdo pode ser a menos dispendiosa e, apesar disso, ser a menos eficiente. S6 porque a medida é econémica ndo quer dizer que, em face da consideragao de todas as circunstancias deva ser adotada. Em segundo lugar, essas ponderagdes apontam para o dever de a administragao escolher © meio menos dispendioso somente no caso de ficarem inalteradas (ceteris paribus) a restrigao dos direitos dos administrados e o grau de realizacao dos fins administrativos. Ainda assim, surge uma indagagdo: para ser eficiente basta que a administragao escolha o meio menos dispendioso quando os meios alternativos causarem igual restrigao aos direitos dos administrados e promoverem com a mesma intensidade os fins administrativos? Em que nivel devem ser a realizados os fins administrativos, ao maximo, a0 minimo ou apenas satisfatoriamente? Essas indagagoes sao adiante respondidas, 2.4.3 EFICIENCIA COMO DEVER DE PROMOVER O FIM DE MODO. SATISFATORIO dever de eficiéncia é muitas vezes associado ao dever de exercer uma boa administragao. E a boa administragao ¢ associada ao maximo de realizagéo das finalidades administrativas. O que significa a maxima realizagao da fungao administrativa? E a eficiéncia que esta associada a realizacao maxima dos fins administrativos ou & a proporcionalidade em sentido estrito que o esta? Para responder a essas questées é preciso dissociar duas exigéncias que direcionam a realizagao das finalidades administrativas: a eficiéncia e a proporcionalidade. © postulado da proporcionalidade exige que a administragéo escolha, para a realizagao de fins, meios adequados, necessarios e proporcionais. Um meio adequado se promove o fim. Um meio é necessério se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for 0 menos restritivo para o administrado. E um meio é proporcional em sentido estrito se as vantagens que promove supera as desvantagens que provoca.36 Neste 36 AVILA, Humberto. A distinedo entre principios e regras © a redefinicao do dever de proporcionalidade. RDA (215):151-79, Rio de Janeiro: Renovar, jan/mar. 1999. Sobre 2 2 www diretodoestade.com bricodrevista.asp?cod=67 2s

You might also like