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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Sumário

A) SOCIOLOGIA DO DIREITO. .............................................................................. 4


1) A pré-sociologia do direito. ..................................................................................... 4
a) A compreensão social dos gregos. ..................................................................... 4
b) Aristóteles. .......................................................................................................... 5
c) Os medievais. ..................................................................................................... 6
d) O Absolutismo.................................................................................................... 7
e) O Iluminismo...................................................................................................... 7
f) O contratualismo. ............................................................................................... 8
g) Resumo do resumo (bullet points).................................................................... 10
2) Comte e Durkheim. ............................................................................................... 12
a) Auguste Comte. ................................................................................................ 13
b) Émile Durkheim. .............................................................................................. 15
3) Max Weber. ............................................................................................................ 17
4) Hegel e Karl Marx. ................................................................................................ 22
a) Hegel. ............................................................................................................... 22
b) Karl Marx. ........................................................................................................ 30
5) Habermas e Raymon Aron. .................................................................................. 34
a) Habermas. ......................................................................................................... 34
b) Raymond Aron. ................................................................................................ 37
6) A Escola de Frankfurt. .......................................................................................... 51
7) Sociologia do direito brasileiro. ............................................................................ 55
a) Caio Prado Júnior. ............................................................................................ 56
b) Raimundo Faoro. .............................................................................................. 59
B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA. ............................................................................. 60
1) Conceito e importância para o Judiciário. Integração da Psicologia e o Direito.
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a) Conceito e importância. .................................................................................... 60
b) Integração com o Direito. ................................................................................. 61

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2) A importância da psicologia e da psiquiatria no âmbito da execução das penas.


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3) Psiquiatria forense. ................................................................................................ 64
4) A interdisciplinaridade nos casos judiciais complexos. ..................................... 65
5) A Psicologia da Conciliação. ................................................................................. 65
C) ÉTICA E ESTATUTO JURÍDICO DA MAGISTRATURA ............................ 69
1) Ética na Constituição Federal. ............................................................................. 69
2) Ética na atuação judicial. ...................................................................................... 70
3) Código de Ética da magistratura. ........................................................................ 71
4) Direitos e deveres funcionais do Magistrado. ..................................................... 71
5) Sistema de controle interno do Poder Judiciário. .............................................. 76
a) Corregedorias. .................................................................................................. 77
b) Ouvidorias. ....................................................................................................... 77
c) Conselho da Magistratura. ................................................................................ 77
d) Conselho Nacional de Justiça. .......................................................................... 78
6) Responsabilidades do Magistrado. ...................................................................... 79
a) Responsabilidade civil. ..................................................................................... 79
b) Responsabilidade administrativa. ..................................................................... 79
c) Responsabilidade penal. ................................................................................... 80
7) Princípios éticos. .................................................................................................... 80
a) Independência. .................................................................................................. 80
b) Imparcialidade. ................................................................................................. 80
c) Transparência. .................................................................................................. 80
d) Integridade pessoal e profissional do juiz. ....................................................... 81
e) Diligência e dedicação...................................................................................... 81
f) Cortesia e prudência do juiz. ............................................................................ 81
g) Conhecimento e capacitação. ........................................................................... 81
8) Ilícitos éticos. Sanções. .......................................................................................... 82
9) Lugar da ética na função judicial e na vida particular do juiz. ........................ 83
10) O papel da cordialidade na prestação jurisdicional. .......................................... 84
D) FILOSOFIA DO DIREITO. ................................................................................. 84
1) Filosofia de direito grega. ..................................................................................... 84
a) Os pré-socráticos. ............................................................................................. 85
b) Sócrates. ........................................................................................................... 86

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c) Platão. ............................................................................................................... 87
d) Aristóteles. ........................................................................................................ 89
2) Filosofia de direito medieval. ................................................................................ 94
a) Dos antigos medievais. ..................................................................................... 94
b) O Cristianismo.................................................................................................. 95
c) Paulo de Tarso .................................................................................................. 97
d) Santo Agostinho. .............................................................................................. 97
e) São Tomas de Aquino. ..................................................................................... 99
3) Filosofia de direito moderna. .............................................................................. 102
a) Thomas Hobbes. ............................................................................................. 107
b) Jonh Locke. .................................................................................................... 109
c) Jean-Jacques Rousseau. .................................................................................. 110
d) Kant. ............................................................................................................... 114
e) Jeremy Bentham. ............................................................................................ 122
4) Filosofia do direito contemporânea. .................................................................. 128
a) Os três caminhos filosofia do direito contemporânea. ................................... 128
b) Filosofia do direito juspositivista. .................................................................. 136
c) Filosofia do direito não juspositivista. ........................................................... 160
d) Filosofia do direito crítica. ............................................................................. 193
E) TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA ....................................... 217
1) O conceito analógico de direito. ......................................................................... 217
2) Pessoa. Pessoa jurídica. Direito subjetivo. ........................................................ 219
a) Pessoa natural. ................................................................................................ 219
b) Pessoa jurídica. ............................................................................................... 221
c) Direito subjetivo. ............................................................................................ 222
3) Realismo jurídico. ................................................................................................ 224
4) Direito e poder. .................................................................................................... 225
5) Legitimidade e legalidade. .................................................................................. 228
6) Direitos fundamentais, direitos humanos e direito natural. ............................ 230
a) Direitos fundamentais..................................................................................... 230
b) Direitos humanos. ........................................................................................... 233
c) Direito natural................................................................................................. 234
7) A Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU). ................................ 235
8) Sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos. ............................. 235

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A) SOCIOLOGIA DO DIREITO.

1) A pré-sociologia do direito1.

Embora se considere que a sociologia é uma ciência moderna, fundada por


Auguste Comte, Marx e Durkheim, não se pode esquecer importantes pensadores que os
precederam, em um período que se pode chamar de pré-sociologia.
A sociologia do direito é “a própria sociologia geral com um objeto de estudo
específico, o direito”. Trata-se de mera distinção temática.

a) A compreensão social dos gregos.

“A primeira grande manifestação sociológica do passado está, certamente,


no pensamento grego. Aristóteles é seu principal construtor”. A relevância do
pensamento social clássico se deve pelas condições da Grécia antiga: (i) florescimento
contínuo e estruturado da democracia, o que permitiu uma livre investigação dos nexos
da sociedade; (ii) riqueza das classes dominantes, o que possibilitou o tempo livre para
essa investigação; e (iii) contato com outros povos, culturas e religiões, ensejando “que
os gregos se libertassem mais rapidamente de suas mitologias, passando então à
compreensão racional e empírica a respeito da sociedade”.
A diferença entre os meios de produção da Grécia antiga (escravagismo) e da
modernidade (capitalismo) gerou profundas distinções na compreensão da sociedade,
sendo a principal o fato de que os modernos partem do indivíduo para a sociedade,
enquanto que os gregos partiam da sociedade para o indivíduo. Os modernos tomam o
mundo a partir do indivíduo; os gregos, a partir do contexto social, da polis. Por isso se
diz que o pensamento social grego é político; o moderno, individualista. Da mesma
forma, a sociologia dos modernos é atomizante, fragmentando o todo social em
indivíduos; a dos gregos é molecular, tomando o indivíduo a partir da sociedade, e não

1 Lições de sociologia do direito (p. 33-63). Alysson Leandro Mascaro.

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fora dela. Daí que para Platão não existe homem justo em uma sociedade injusta, pois em
sendo esta injusta, todos os seus indivíduos também o serão.
Nesse contexto, os modernos criam a teoria do contrato social para afirmar
a supremacia do indivíduo sobre a sociedade. Já para os gregos, há um vínculo
indissolúvel entre os indivíduos e a sociedade.
O principal motivo da reprovação ao pensamento de Platão pela modernidade
(capitalismo) reside na sua compreensão social, molecular, “dando primazia ao todo em
relação à parte”, porque, no limite, essa visão “poderá contribuir para dizer que o
interesse de todos está acima do interesse de alguns indivíduos capitalistas”. Mas essa
visão é muito original: “pode-se vislumbrar nela a própria origem da sociologia, que é a
explicação da sociedade a partir dela mesma”.

b) Aristóteles.

“Aristóteles é o mais importante pensador de toda a pré-sociologia do


direito”. Ao contrário de Platão, tinha uma visão mais compreensiva da sociedade, o que
explica seu conformismo com a escravidão. Mas como seu mestre, entendia pela primazia
da sociedade sobre o indivíduo.
Em Ética a Nicômaco, ressalta que “a injustiça se revela na carência e no
excesso na distribuição dos bens sociais”. Em A Política, “afirma que o homem é um
zoon politikon, isto é, um animal político. Essa qualificação é fundamental”, o que
significa dizer que “os homens vivem necessariamente em sociedade, não porque querem,
mas porque é da sua natureza”, assim como beber, comer e dormir. Já para os modernos
(capitalistas), o homem vive em sociedade porque quer, porque fez um contrato social.
O fundamento de Aristóteles reside no fato de que o homem nasce de uma
sociedade conjugal (homem e mulher), e porque precisa de cuidados quando bebês e
quando adultos. “Do mais basilar núcleo social, a família, até o mais complexo, a
organização política do Estado, todas as esferas de relação do indivíduo são sociais (...).
Não há esfera na qual o interesse do indivíduo possa se alienar do interesse do todo”.
Esse potencial de socialização da visão aristotélica é motivo de críticas dos
modernos, como Hobbes, e, por isso, “os sociólogos modernos o descartarão, porque no
limite sua filosofia apresenta riscos à estabilidade individualista do capitalismo que
surgiu nos tempos modernos”.

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c) Os medievais.

“Os gregos foram a base da explicação social dos romanos durante a maior
parte de sua história”, só vindo a ser abandonados com a chegada do cristianismo, que
inaugurou uma nova fase da pré-sociologia. Ressalte-se que o cristianismo não é
necessariamente a extensão do pensamento e atos de Jesus Cristo, mas do que os cristãos
fizeram posteriormente: “Tanto que, em vez de beberem na explicação evangélica, os
cristãos explicarão o mundo e a sociedade principalmente por meio do Antigo
Testamento ou dos textos de Paulo de Tarso (...)”.
Como o cristianismo explica as mazelas e benesses sociais a partir da vontade
de Deus, ele “esvaziou a possibilidade da afirmação autônoma tanto da filosofia quanto
da sociologia”, porque não mais atribuíveis ao homem. “A pré-sociologia empobreceu-
se”.
No início da Idade Média, Santo Agostinho se destaca como o mais
importante pensador da cristandade, trabalhando a partir de uma distinção entre o mundo
de Deus (Céu) e o dos homens (Terra). Esta é eivada de vícios em decorrência do pecado
original, o que demonstra o individualismo do seu pensamento: “Sendo os indivíduos
necessariamente pecadores por causa de Adão e Eva, a sociedade resultará pecadora
também. (...) Somente a salvação pode levar o homem à justiça e à virtude”.
Nota-se, portanto, que “a pré-sociologia medieval é profundamente
metafísica, isto é, afastada dos vínculos reais da sociedade (...)”.
A filosofia de Santo Agostinho foi a base da Igreja até a chegada de São
Tomas de Aquino, já no final de Idade Média. Aquino “reincorpora elementos que
expliquem a vida social a partir da ação dos próprios homens (...) legitimando a
possibilidade de ação justa na sociedade, porque o homem não se salvaria apenas pela
fé, mas também pelas obras”. Por isso que há, no final da Idade Média, um resgate e uma
legitimação de alguns elementos da pré-sociologia clássica. “Mas isso não faz com que o
pensamento tomista explique a sociedade a partir dela mesma. Deus é a explicação
última da existência”, inclusive do poder dos soberanos absolutistas.
“A teologia medieval, com algumas alterações, também continuou na Idade
Moderna”, mas o “Renascimento trouxe à tona uma tentativa de explicação social mais
coerente, porque vinculada à própria realidade”. Por outro lado, ele “é apenas um feliz
interregno entre a metafísica medieval e a metafísica moderna. Porque, logo nos
primeiros séculos da Idade Moderna, começou a metafísica burguesa”.

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O pensamento burguês é “voltado apenas à legitimação dessa classe que


estava se consolidando economicamente”, lastreado em “uma metafísica baseada na
razão individualista. Girando a sociedade em torno do individuo, também sua explicação
social não será social, mas sim individualista”.

Da teologia à razão.

O Renascimento explica a sociedade de forma diversa daquela usada no


período feudal; afasta-se da teologia e propõe “uma reflexão a partir do próprio homem,
na vida em sociedade”, sendo, por isso, também chamado de humanismo.
“Pode-se dizer que, em termos sociológicos, os primeiros séculos do
capitalismo estavam procedendo a uma transição: saídos da teologia, estavam agora
construindo uma sociologia racionalista”.

d) O Absolutismo.

Para Hobbes, um dos maiores pensadores desse período de transição, o poder


estatal “é fundamental para apaziguar os conflitos entre os homens, que para ele seriam
maus por natureza” (ideia defendida em O Leviatã). Daí ser o poder estatal absoluto e
não democrático.
Mas ao contrário dos teóricos que o precederam, que fundamentaram o poder
do soberano absolutista em Deus, ele o baseou na ideia de contrato social.
Note-se, porém, que, num primeiro momento, o Absolutismo foi útil à
burguesia, porque o “surgimento do Estado moderno, com grandes territórios nacionais
unificados, quebrava o isolamento e a autonomia produtiva do velho sistema feudal,
propiciando a atividade mercantil dos burgueses”.
Todavia, depois de consolidada economicamente, percebe “a burguesia que,
politicamente, a concentração de poderes na mão do soberano lhe é prejudicial”, pois o
rei concede privilégios só aos nobres, excluindo a burguesia.
Contra essa desigualdade e privilégios do Absolutismo (e sua teologia
sustentadora), a burguesia levanta uma nova concepção política e social: o Iluminismo.

e) O Iluminismo.

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Para acabar com o Absolutismo, a burguesia deve acabar com o próprio poder
absoluto do rei, bem como com a ideia teológica que fundamenta esse poder: é a luz da
razão (daí o nome Iluminismo) que extinguirá as trevas do Absolutismo.
A razão apregoada pelos iluministas não é cultural ou adquirida pela
convivência na sociedade, mas estática, eterna, repousando em cada indivíduo.
É uma razão, portanto, individualista. E assim foi concebida para se afastar a
ideia tradicional dos clássicos gregos de que, sendo a razão produto do homem em
sociedade, seus preceitos seriam passíveis de evolução, transformando-se conforme a
história. A burguesia não queria isso: “a razão deveria ser eternamente a razão burguesa,
e nunca mudar”. A burguesia não queria permitir que no futuro uma nova razão alterasse
os princípios que no presente lhe eram úteis. Assim, defendia que “a razão e a justiça têm
por medida o indivíduo, não tomado socialmente, mas de modo isolado”.
Nesse sentido, o discurso da burguesia “quer atentar apenas para um abstrato
interesse dos indivíduos, e não para o interesse da sociedade em geral”. Note-se que a
burguesia evita explicar a sociedade a partir dela mesma para impedir sua crítica caso ela
fosse injusta: “a explicação a respeito da sociedade deve ser tão crítica que consiga
destruir o Absolutismo, mas não tão crítica que no futuro destrua o próprio interesse
burguês e do capitalismo”.
Em resumo, sucederam-se 3 explicações pré-sociológicas do direito: (i) os
clássicos, a partir da sociedade; (ii) os medievais, a partir de Deus; e (iii) os modernos
(iluministas/burgueses), a partir do individualismo e do contrato social.

f) O contratualismo.

A teoria do contrato social explica o individualismo e os valores da


burguesia, apregoando que o homem é, por natureza, individual, vivendo isoladamente
(e não social ou político). São os próprios indivíduos que decidem viver em sociedade,
razão pela qual esta não é nem natural e nem necessária a esses indivíduos, mas artificial,
resultante de um contrato.
“Claro que a teoria do contrato social é um absurdo. (...) Os indivíduos não
eram por natureza individuais, porque não brotam individualmente. (...) E mais, não se
pode pensar que haja um contrato social sem que houvesse, antes, linguagem comum
para dela se extrair um acordo. Portanto o contrato social, se existisse, só poderia ter
sido feito pela própria sociedade. É mais natural e acertada a teoria de Aristóteles”.

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Para rebater essas críticas, os iluministas dirão que “o contrato social é uma
ficção, (...) porque [a sociedade] surge depois dos indivíduos, apenas pela vontade
destes”. Para essa teoria, antes da sociedade, os indivíduos viviam no estado de natureza,
substituído pela sociedade por meio do contrato social2.
Assim, se o estado natural é o indivíduo e a sociedade uma criação artificial,
“os valores maiores a serem protegidos são os do indivíduo, e não os sociais. Da mesma
forma, o Estado tem sua razão de ser apenas na garantia que dará aos interesses
individuais”. Como o Absolutismo não respaldava a liberdade do indivíduo burguês, era
ele injusto.
Note-se que a lógica iluminista inverte a lógica medieval e absolutista em
relação à vida social: para esta tem-se Deus → Estado → sociedade → indivíduo; para
aquela, indivíduo → sociedade civil → Estado (sociedade política). No entanto, ambas
as visões são pré-sociológicas, porque não explicam a sociedade por ela mesma.
A segmentação da vida social da forma como feita pelos iluministas em 3
esferas, i.e., em indivíduo, sociedade civil e sociedade política é extremamente
interessante à burguesia, “porque legitima o individualismo e, ao mesmo tempo, confina
a política num campo muito estrito e reduzido da ação social”.
A teoria do contrato social estará presente em todos os principais teóricos:
Hobbes, Locke, Kant e Rousseau. Por outro lado, em cada qual ela se prestará a interesses
e se fundará em explicações diversas: (i) Hobbes a usará para justificar o poder absolutista
(enquanto os demais a utilizarão para combatê-lo); (ii) em Locke e Kant “fica explícito o
caráter capitalista da teoria do contrato social”; e (iii) Rousseau a aproveitará para
justificar a defesa da liberdade do indivíduo, mas de maneira característica (é o pensador
que apresentará a teoria social mais rica).
“A proposta de contrato social de Rousseau não é descritiva, mas
propositiva. O indivíduo deve viver livre, e por isso não pode encontrar, na figura do
Estado, um terceiro que lhe seja diferente. Ao inverso, o indivíduo deve encontrar no
Estado a concretização de seu próprio interesse e do interesse de todos”.
Nota-se, assim, um conceito muito peculiar a Rousseau: a vontade geral,
segundo a qual sociedade e Estado não podem expressar a vontade e o interesse apenas
do soberano ou da burguesia, mas de todos. Por isso, “Rousseau, mais que liberal, é

2 Todavia, para Mascaro, “de duas uma: ou o contrato social é apregoado como se fosse uma realidade, e então se
trata de uma postulação pueril, ou é apregoado como uma ficção, uma mentira útil, e então se trata de uma
explicação ignominiosa”.

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principalmente democrata. (...) Daí a crítica de Rousseau ao egoísmo da propriedade


privada, e também suas reflexões a respeito da desigualdade entre os homens”.
Esse pensamento crítico demonstra a antecipação de “um certo modo de
pensar a sociedade a partir de suas próprias questões, o que será próprio da vindoura
sociologia”.
Entretanto, os juristas permanecem “arraigados no positivismo da lei e nos
interesses burgueses”, o que os aproxima “muito mais de Montesquieu e Kant, para os
quais as explicações sociais seguem um modelo bem menos crítico”.

g) Resumo do resumo (bullet points).

• A pré-sociologia é período de grande importância científica.


• O pensamento social desenvolveu-se na Grécia por causa da democracia, da riqueza
das classes dominantes e do intercâmbio cultural.
• A diferença entre os meios de produção da Grécia antiga (escravagismo) e da
modernidade (capitalismo) gerou profundas distinções na compreensão da sociedade:
naquela, a partir da própria sociedade; nesta, a partir do indivíduo.
✓ Grécia: sociedade > indivíduo (molecular)
✓ Modernidade: indivíduo > sociedade (atomizante)
• Para Aristóteles, o homem é um animal político por necessidade, porque todas as
suas relações, do nascimento ao Estado, são sociais.
• Para os modernos, o homem é um animal político por vontade, porque celebrou o
contrato social.
• O cristianismo inaugurou uma nova fase da pré-sociologia, mais pobre
cientificamente, porque as questões sociais passaram a ser explicadas única
(Agostinho) ou principalmente (São Tomas) a partir Deus, em razão do pecado
original que viciou a sociedade.
• O Renascimento propôs uma reflexão baseada no homem e sua vida em sociedade,
contribuindo para uma sociologia mais racional, que desembocará na metafísica
burguesa. Por isso, é um período de transição.
• O pensamento burguês visa legitimar a classe em ascensão, baseando-se no homem,
razão pela qual é individualista.

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• Para Hobbes, somente o Estado pode apaziguar os conflitos entre os homens, maus
por natureza. Ele funda o poder do soberano absolutista não em Deus (como seus
antecessores), mas no contrato social.
• O Absolutismo foi útil à burguesia porque quebrou o isolamento dos feudos,
fomentando a atividade mercantil. Mas depois se tornou prejudicial, pois o soberano
concedia privilégios somente à nobreza. Daí o advento do Iluminismo para combater
o Absolutismo.
• A razão defendida pelos iluministas é estática e eterna, repousando sobre cada
indivíduo tomado não socialmente, mas de modo isolado, para impedir que uma nova
razão viesse a alterar os princípios que lhe eram úteis, bem como para evitar uma
crítica à sociedade caso ela fosse injusta.
• Mapa da explicação pré-sociológica do direito: (i) os clássicos, a partir da
sociedade; (ii) os medievais, a partir de Deus; e (iii) os modernos
(iluministas/burgueses), a partir do individualismo e do contrato social.
• O contratualismo foi desenvolvido para sustentar as ideias e valores da burguesia.
• O homem seria um animal individual por natureza, tendo optado por viver em
sociedade, de modo que esta é artificial, resultante de um contrato.
✓ Crítica de Mascaro: a teoria de Aristóteles é mais acertada, porque os homens são
sociais por natureza (e não por opção), e somente poderia haver contrato social depois
do advento de uma linguagem comum, o que, por sua vez, demandaria a existência
prévia de uma sociedade.
• Os contratualistas rebatem as críticas afirmando que o contrato social é uma ficção
criada para tirar o homem do estado de natureza e inseri-lo na sociedade.
• Sendo o homem naturalmente individual e a sociedade uma criação artificial, o
contratualismo defende a proteção dos valores dos indivíduos, e não os da sociedade.
Assim, a função do Estado é a proteção desses interesses individuais (daí a injustiça
do Estado Absolutista, que não protegia tais interesses).
• A lógica iluminista inverte a medieval e absolutista (mas ambas são pré-
sociológicas, porque não explicam a sociedade a partir dela mesma).
✓ Medieval e absolutista: Deus → Estado → sociedade → indivíduo
✓ Iluminista: indivíduo → sociedade civil → Estado (sociedade política)
• Essa lógica iluminista interessa à burguesia vez que legitima o individualismo e
confina a política a um campo estrito e reduzido da ação social.

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• Hobbes se vale do contratualismo para explicar o Absolutismo; os demais (Locke,


Kant e Rousseau) para combatê-lo. Mas todos são contratualistas.
• Rousseau é o pensador contratualista mais peculiar, porque concebe a ideia de
vontade geral, segundo a qual a sociedade e o Estado devem expressar a vontade de
todos, e não a de indivíduos ou segmentos. Essa reflexão antecipa um modo de pensar
a sociedade a partir dela mesma, próprio da sociologia.
• Todavia, os juristas permanecem presos ao positivismo da lei e interesses
burgueses, aproximando-se de Montesquieu e Kant, que defendem uma explicação
social bem menos crítica.

2) Comte e Durkheim.

Inicialmente, importante assinalar que há uma tradição entre os sociólogos


em considerar ou a Auguste Comte ou a Émile Durkheim como pai fundador da
sociologia.
Para o mundo universitário, a sociologia surgiu no final do século XIX com
Émile Durkheim que, pela primeira vez, utilizou a disciplina tal qual a conhecemos hoje,
atribuindo-lhe metodologia científica.
No entanto, certamente os primeiros alicerces da sociologia surgiram décadas
antes com o pensamento de Auguste Comte, por ser o primeiro que se utilizou, de modo
sistemático, da palavra “sociologia”.
Na realidade, Tanto Comte quanto Durkheim representam, na França, um
momento de superação da filosofia iluminista que se revelava como a última referência
metafísica da explicação social.
Diz-se que havia uma referência metafísica porque o iluminismo não buscava
explicar a sociedade a partir de fatos reais e concretos existentes em sua época. Bastava
que o pensamento, encerrado em si próprio, fosse coerente e racional.
Não havia, portanto, o interesse em considerar válido o estudo da sociedade
então existente, pois ela ainda tinha bases absolutistas e a burguesia, em plena ascensão,
desejava a transformação dessa sociedade.
Para tanto, era preciso pensar numa sociedade ideal, racional e sem cotejo
com a realidade social vigente, o que foi negado pela sociologia contemporânea.

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Ultrapassadas essas noções introdutórias, adiante serão expostas as principais


correntes de pensamento de Auguste Comte e Émile Durkheim.

a) Auguste Comte.

Auguste Comte (Montpellier, 19 de janeiro de 1798 - Paris, 5 de setembro de


1857) é considerado o embrião de toda a sociologia, pois foi o primeiro a sistematizar os
seus conceitos e a estabelecer sua denominação.
Foi ele quem rompeu, definitivamente, todas as crenças religiosas e ideias
puramente abstratas do iluminismo que até então alimentavam a chamada “pré-
sociologia”.
Inspirado na Revolução Industrial, o pensamento comteano objetivou uma
completa reorganização da sociedade e, para tanto, se espalhou por várias áreas,
discorrendo, por exemplo, sobre reforma social, mudança políticas, instituições e até
temáticas acerca da psicologia.
Abominando qualquer explicação que não partisse da própria realidade social,
Comte propõe que se encontre a história a partir de três estados a saber: o estado
teológico, o metafísico e o positivo, os quais teriam o condão de influir diretamente na
compreensão do próprio direito e das instituições políticas.
No primeiro dos estados, o teológico, o homem busca compreender o mundo
a partir de divindades e espíritos. Trata-se, segundo Comte, de um conhecimento muito
simplório que busca dar respostas absolutas às angústias humanas, fornecendo um grande
quadro de certezas e crenças a partir dos quais se promove a coesão social.
Do estado teológico se sucede o estado metafísico, o qual deixa de utilizar a
crença religiosa como fundamento da explicação dos fenômenos e passa a considerar que
existem forças naturais e leis constantes que organizam e regem o mundo e a sociedade.
Pode-se dizer que o estado metafísico é uma continuidade do estado teológico, mas com
um grau de abstração maior, sem os absurdos das crenças primitivas.
Por fim, Comte diz que o momento posterior e culminante do pensamento
humano se dá com o positivismo, o qual passa a negar por completo as crenças cegas ou
especulações abstratas, pregando assim que o conhecimento humano chegaria a uma
compreensão científica do mundo a partir da observação dos fatos.
Inicia-se, então, a ideia de sociologia positivista, através da qual Comte
observa que, tal qual a física busca conhecer as leis da natureza, seria possível

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compreender a estabilidade normativa de tudo aquilo que envolve a vida social e humana.
Nessa etapa, portanto, a humanidade chegaria a um novo patamar de evolução: o da
ciência positiva.
Assim, sem os enganos das crenças teológicas e das metafísicas particulares,
com o positivismo haveria a promoção de um entendimento geral entre os indivíduos, as
sociedades e os povos.
A etapa positiva, para Comte, começa quando a humanidade começa a
compreender as causas efetivas de suas ações sociais. Somente aí o direito começa a ser
compreendido em suas reais estruturas, pois as normas sociais não seriam pensadas
como produto de uma razão afastada da realidade. Pelo contrário, tais normas são
produtos de estruturas, vícios e virtudes sociais do homem.
No entanto, em verdadeiro paradoxo, ao mesmo tempo em que se mostrou
conservador ao identificar razoes suficientes para legitimar muitas regras de direito como
fatores de organização da sociedade, Comte critica o próprio direito, desmistificando-o
por considerá-lo como um produto social humano, contingente e voltado muitas vezes a
interesses concretos.
Por fim, importante ressaltar que Comte, ao verificar que existe um progresso
na evolução do espírito humano, considera a sociologia como a mais importante das
ciências por lidar com o todo e não apenas parte do todo, como o fazem as demais ciências
até então conhecidas (física, química e biologia).
Além disso, sociologia para ele se divide em duas partes, uma estática e outra
dinâmica.
A primeira parte, “estática”, se presta a observar os fenômenos invariáveis,
constantes de todos os grupos sociais, a exemplo da religião e da família, representando
institutos de organização da sociedade.
Já a segunda parte, por sua vez, concebida como “dinâmica”, trata da
evolução da sociedade, suas alterações, seu progresso.
Foi inclusive com a junção dos dois conceitos que Comte encerra o
fundamental de seu pensamento acerca da sociologia com o lema “ordem e progresso”,
incorporado, inclusive, pela República brasileira à luz da inspiração positivista.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Resumo sobre Auguste Comte: Considerado o embrião de toda a sociologia,


foi o primeiro a sistematizar o seu conceito. Incorporou e defendeu em suas ideais a
sociologia positivista, a qual aponta os enganos das crenças teológicas e das metafísicas
particulares e busca promover um entendimento geral entre os indivíduos, as sociedades e
os povos. Para Comte, portanto, o direito não pode ser pensado como produto de uma razão
afastada da realidade. Pelo contrário, as normas são produtos de estruturas, vícios e virtudes
sociais do homem.

b) Émile Durkheim.

Émile Durkheim (Épinal, 15 de abril de 1858 – França, 15 de novembro de


1917) foi o primeiro sociólogo a criar métodos na sociologia e foi um dos fundadores da
Sociologia como disciplina autônoma do conhecimento na escola francesa, posterior a
Marx, que combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica.
É amplamente reconhecido como um dos melhores teóricos do conceito da
coesão e solidariedade social.
Foi ele quem, com maior vigor dentre seus contemporâneos, reivindicou o
caráter científico e específico ao conhecimento sociológico. Para tanto, teve de definir o
objeto e o método particulares da Sociologia, procurando, assim, estabelecer uma
separação objetiva em relação a outros campos do saber, como a filosofia e a psicologia,
e, além disso, eliminar qualquer tipo de influxo de saberes não científicos em sua
disciplina.
Não há dúvidas de que muito de Auguste Comte está em Durkheim. No
entanto, este último é considerado como um melhor sucessor pela objetividade com que
quis emprestar à sociologia, atribuindo-lhe método próprio em substituição às meras
análises de dados empíricos até então existentes.
A primeira grande questão metodológica que se põe no quadro da sociologia
é o da definição do seu objeto. Enquanto a tradição liberal, de viés iluminista, partia da
ação dos indivíduos para que apenas depois se entendesse a sociedade, Durkheim propôs
um método contrário, qual seja: a sociedade deve ser analisada a partir dos fatos sociais.
Portanto, para Durkheim, a concepção dos fatos sociais é bastante próxima de
uma postura positivista: era preciso analisar o fato social de maneira objetiva,
negando qualquer espécie de interpretação baseada em elementos valorativos e de
concepções filosóficas ou morais prévias ao fato.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Importante ressaltar, entretanto, segundo aula do Prof. Rosângelo (MEGE),


que, para Durkheim, as ações morais e valorativas dar-se-ão somente na personalidade
coletiva, ou seja, “a moral começa onde começa a vida em grupo, diferentemente de Kant
que defendia a existência de uma moral subjetiva, individual”.
Durkheim então, segundo o professor, é contra uma sociologia individualista
e propõe uma sociologia do coletivo. “Para Durkheim, portanto, a moralidade é uma
moralidade objetiva. O grupo, formado pela pluralidade dos indivíduos, permite que se
forme uma personalidade individual, mas que sempre será dependente do todo. Do
contrário, se a ela não se adequar, essa moralidade individual subjetiva será considerada
imoral”.
Nessa perspectiva, afirmava que os fatos sociais devem ser tratados como
coisas, pois possuem uma existência própria. Os fatos sociais seriam então os objetos de
estudo da ciência das sociedades. Propõe o estabelecimento de um método próprio para
o conhecimento da realidade social. Tal método deveria ser científico e, para tal, deveria
estar apoiado na observação, indução e experimentação, tal qual o método das Ciências
Naturais.
Existindo em função da sociedade, o Direito deve ser estabelecido à sua
imagem, conforme as suas peculiaridades, refletindo os fatos sociais, que significam,
no entendimento de Émile Durkheim, maneiras de agir, de pensar e de sentir,
exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe
impõem”
Como consequência, a Sociologia ganhou autonomia científica por possuir
um objeto específico de análise, e não mais ser concebida como auxiliar de outras
ciências.
Por fim, importante destacar um ponto divergente de Durkheim em relação a
outros dois grandes clássicos da sociologia adiante estudados, quais sejam Weber e Marx.
Com efeito, enquanto Weber e Marx buscaram estudar e identificar a
“dominação social”, Durkheim objetivava a entender tão somente as causas pelas quais
se dá a “coesão social”, surgindo daí um dos temais mais relevantes em sua sociologia
que é o da solidariedade.
Como corolário, ao não buscar enfrentar questões acerca de conflitos sociais,
mas apenas da solidariedade e estabilidade social, Durkheim demonstrou uma posição
conservadora, segundo seus críticos.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Em razão disso, em que pese ter sido um marco por conta de sua objetividade
e clareza, além de pioneiro por conceber a sociologia como ciência autônoma, padeceu
pela falta de crítica em relação à própria sociedade.

Resumo sobre Emile Durkheim: foi o primeiro sociólogo a criar métodos na


sociologia. Foi ele quem, com maior vigor dentre seus contemporâneos, reivindicou o caráter
científico e específico ao conhecimento sociológico. Como consequência, a sociologia
ganhou autonomia por possuir um objeto específico de análise, e não mais ser concebida
como auxiliar de outras ciências. Para Durkheim, a moralidade é uma moralidade objetiva.
O grupo, formado pela pluralidade dos indivíduos, permite que se forme uma personalidade
individual, mas que sempre será dependente do todo. Do contrário, se a ela não se adequar,
essa moralidade individual subjetiva será considerada imoral. Durkheim é amplamente
reconhecido como um dos melhores teóricos do conceito da coesão e solidariedade social.
Foi, entretanto, criticado pela falta de crítica em relação à própria sociedade.

3) Max Weber.

Palavras chaves: Ciência neutra – método escalonado: individualismo


metodológico – Sociologia da compreensão – três formas legitimas de dominação.

É traço característico da formação do pensamento de WEBER o fato de que


seja ao mesmo tempo um grande sociólogo das questões gerais da sociologia e também
das questões de direito; o pano de fundo de Weber é o das questões do Estado –
atualmente poderíamos dizer que se trataria da própria Teoria Geral do Estado.

Ciência e política.

Weber, que vai se assumir como sociólogo apenas no final da vida, declara
que há uma divergência fundamental entre um cientista da sociedade e um político. Mas,
como ele próprio assumia os dois papéis, precisará então identificar quando escreve como
cientista e quando escreve como político. Resulta dessa pretensão em diferenciar política
e ciência um de seus textos clássico, sobre essas duas vocações.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Para Weber, os cientistas (sociólogo) são homens do ser. Analisam a


realidade. Mas, fundamentalmente, abstêm-se de tomar partido da própria realidade. Sua
atitude é apenas a de análise e explicação. Não apontam cominhos. Não podem se
valer de juízos de valor.
O Político é aquele que aponta caminhos, que influencia o seu tempo
propondo novos modelos sociais, valendo-se, assim, dos juízos de valor, de um reino
de dever-se.
Obs: Apesar de compreender, que os papéis de sociólogo e de político não se
mistura, ele exercia ambos, como político, foi um dos defensores da Constituição de
Weimar.
Para Weber, no entanto, ação política e ciência social estavam apartadas, e
essa separação é o que possibilita a sua concepção e uma ciência neutra. Por sua
insistência em separar o mundo do ser (ciência) do mundo do dever ser (política)
Weber é comparado a kant, porque este professava que era possível uma reflexão
filosófica pura, sem conotação prática.
Obs: Muitos consideram esta concepção de Weber anacrônica. De todos os
grandes sociólogos que ainda influenciam o pensamento social contemporâneo, só ele diz
que o conhecimento é puro.

O individualismo e o tipo ideal.

Weber se coloca como grande opositor de tudo aquilo que era um senso
comum e imediato da sociologia, o de dizer que a sociologia começa do estudo da
sociedade, o que era dado por óbvio.
O prisma metodológico de Weber era sustentar que a sociologia não analisa
a sociedade. Antes, analisa-a apenas por reflexo, porque a sociologia se baseia, sim, na
ação dos indivíduos. (Individualismo metodológico weberiano)
Weber dirá que quem dá sentido ao ato é o indivíduo e não a sociedade. É
pela repetição, de indivíduo a indivíduo, é que se estabelece um sentido social a um fato.
O método weberiano, assim, partirá do indivíduo para chegar à sociedade, e não o
contrário.
Weber rompe com o senso comum e imediato de que um dado social é sempre
social e nunca eminentemente individual. Ele analisava a sociedade num segundo
momento, imediatamente era um estudioso de ações individuais que se repetem. O

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

método weberiano é escalonado. Começa por perquirir ações individuais e, num


momento posterior, é que cria generalizações sociais.
Dissertando sobre problemas sociais específicos, conclui que cada indivíduo,
tomados sozinhos, vão para um caminho, e ninguém vai exatamente pelo mesmo caminho
do outro. Não há um denominador comum, plenamente igual, de todos. Por isso, o método
de análise weberiano em relação aos atos sociais individuais estará guiado por uma ideia
de um tipo ideal –esta é a chave de tudo que está em Weber.
Segundo Weber, transplantamos o individual para o social por meio de tipos
ideais, que são a caricatura do tipo individual, são o exagero de características dos tipo
individuais. Tomam-se, para o plano geral, as característica maiores que vão se repetindo
nesse coletivo de indivíduos.
O conceito de tipo ideal exige dizer que a sociologia é feita por meio de
compreensão. Para Weber o dado estatístico – empírico – nada revela, porque precisa ser
reelaborado na compreensão do cientista social. A sociologia de weberiana dá uma
primazia ao sociólogo, na medida em que ele é um artista da reconstrução dos fatos
individuais e/ou isolados em tipo ideais sociais. Sem a intermediação do cientista, o dado
não se traduz em nada.
ATENÇÃO! O tipo ideal não é ideal por conta de metas sociais que deseje o
sociólogo. É ideal porque resulta de uma construção cerebrina do cientista social. A
sociologia da compreensão não é a de pessoas compreensivas ou bondosas, obviamente.
É aquela que cientificamente faz passar os dados imediatos pelo crivo do entendimento.
A sociologia de Weber não é de um empirismo sociológico, é de um
idealismo sociológico. O dado não tem valor antes de ser idealizado. Para Weber a
argumentação sociológica se comprova, na ideia, afastando-se mais da realidade.
RESUMINDO: Para Weber, o tipo ideal construído pelo sociólogo não
“bate” com o de nenhum indivíduo concreto. Nunca haverá um indivíduo concreto. Nunca
haverá um indivíduo médio que corresponda a um tipo ideal. Tipo ideal não é o de
ninguém específico, porque tem um traço de cada um para formar um todo.

Crítica e resignação.

No pensamento de Weber está subjacente um outro conceito: toda a análise


social deve partir do pressuposto de que não existe um organismo no qual haja um vínculo
social intrínseco. (Ações individuais que se repetem).

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Criticando o discurso do Estado como provedor do bem comum, Weber


salienta que, o que há entre um indivíduo e o outro é uma luta é conflito. Por que existem
os burocratas do poder judiciário? Para o aparelho do Estado poder dominar o povo,
e não para promover uma abstrata cidadania. Para Weber a função do Estado é
dominar.
A dominação é a base da compreensão social porque a sociedade é
conflituosa, e por isso provisória nos seus vínculos entre indivíduos. Todas as
reflexões sociais também são provisórias, históricas. As formas de dominação são
instáveis, se revelam na história. “Sem história não há explicação social”.
Comentário complementar: em seu livro Ciência e Política: duas vocações.
Weber trabalha com o problema da legitimidade para o exercício da dominação. O Estado
pode ser definido a partir do exercício legítimo do monopólio da violência. E essa
submissão de forma voluntária, segundo Weber, pode ser classificada em três tipo ideais
de dominação, apesar de não corresponder a realidade ajudam a explica-la. A primeira é
a dominação tradicional, uma autoridade dos costumes e do hábito; o segundo é a
dominação carismática, funda-se a autoridade em dons pessoais e extraordinários de um
indivíduo. E o terceiro é a dominação legal, aqui a autoridade se impõe em razão da
crença na legalidade de regras sancionatórias e do direito. Há o reconhecimento da
autoridade de obrigações emitidas de acordo com certe ordenamento.
No que se refere à história e aos modos de produção econômica, Weber
diverge de Marx. Para Marx a sociologia deverá compreender a totalidade das relações
sociais, analisando todos os fatore que levam à mudança. Para Weber, no entanto, a
sociologia é parcial, fragmentária, Um dado é isolado do outro. Não se pode dizer
que um modo de produção desencadeou outro. Cada parte da história é um
fragmento autônomo.
Weber reconhece que a sociedade é plantada na dominação, e não na
solidariedade. No entanto, não permite que, cientificamente, o cientista social denuncie o
hoje e aponte como se transforma para um novo amanhã. Weber no fundo é pessimista
quanto à sociedade.

Sociologia do Direito de Weber.

Weber desenvolvendo suas reflexões sociológicas sobre o direito, constata


que em termos de grandes estruturas de dominação na sociedade, há três tipos ideais

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de dominação na História: a dominação tradicional, a carismática e a


legal/burocrática.
A dominação tradicional se dá em virtude de algo que existe há muito tempo,
se foi assim no passado, será sempre assim. Questões da sociologia dos costumes e da
moral são em geral deste tipo. Um de seus modelos recorrentes é a dominação patriarcal,
entre senhores e súditos. Como o conteúdo das ordens é regido pela tradição, considera-
se impossível criar um novo direito. Numa das mais puras formas, a patriarcal, a sua
característica marcante é a fidelidade.
A dominação carismática, por sua vez, de todas as formas de dominação é a
mais fulgurante e frágil, porque depende do carisma do líder, da grande personalidade. O
carisma se dá em virtude de devoção afetiva por dotes sobrenaturais na forma de
arrebatamento emotivo. Podem ser seus tipo puros: profetas, heróis, grandes
demagogos.
É fundamental uma relação social extraquotidiana: rompe com o cotidiano –
o líder surge. Sua dominação não existia antes, mas agora. Quando acaba o carisma e o
domínio passa ao campo da tradição, torna-se quotidiana.
Já a dominação legal ou burocrática, e esta é a nossa forma típica de
dominação até a atualidade, isto é, no mundo moderno toma vulto a institucionalização
do Estado.
A dominação legal é sempre em virtude de estatuto, de lei. O burocrata é
um homem da forma. O estado funciona ao modo de empresa. A empresa é uma formação
burocrática. O funcionário do Estado não é autônomo, ele está submetido a uma
cadeia de regras. O jurista se legitima pelas normas e leis.
Tais dominações são tidas por legítimas porque neutralizam suficientemente
as indisposições individuais e sociais, de tal sorte que os explorados se reconhecem
submetidos e agem a partir de tal condição dominada.
O que quer dizer o conceito de legítimo para Weber? A palavra
legitimidade, em sociologia, tem uma conotação totalmente diferente do seu uso jurídico,
no qual dizemos que legitimo é o que é de acordo com a lei. Não usem juridicamente a
palavram legítimo como a usamos em sociologia, porque em seu contexto sociológico ela
não se refere apenas à dominação pelas leis. Quando quiserem falar daquilo que está
apenas em conformidade às leis, usem os termos válido, competente, que tecnicamente
são melhor ajustados à fala do jurista. A questão da legitimidade é uma profunda reflexão
sociológica e filosófica, pois.

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EM CONCLUSÃO: Pode-se dizer que, em termos de sociologia do direito,


Weber, com sua divisão dos três tipos puros de dominação legítima, constata que as
sociedades modernas, capitalistas, estruturadas a partir do Estado, encontram no
direito o seu mais eficaz meio de dominação.

4) Hegel e Karl Marx.

a) Hegel.

A Filosofia do Direito de Hegel3.

Hegel representa uma filosofia muito particular, porque trata de um mundo


em mudanças. O pensamento de Hegel representa a grande virada em relação à tradição
da filosofia do direito moderna. Para Hegel, a diferença está justamente em tratar de
compreender o porquê e a forma das mudanças, pois é na mudança que se pauta o mundo.
Ao mesmo tempo, Hegel não se dedica a um pensamento que seja mera
reflexão vazia. Pensar dentro de seu tempo é pensar as contradições vivas que demandam
da filosofia um desvendar específico. Não se trata de ignorar as mazelas da realidade, e,
por isso, a filosofia olha a história para apontar sua superação. O pensamento de Hegel
voltou-se, entre outros temas, especificamente também ao direito.

A identidade entre o real e o racional.

A filosofia hegeliana é um produto alemão, e, como tal, está relacionada a


toda uma tradição idealista. Hegel, pode-se dizer, é continuador mas ao mesmo tempo é
o primeiro diluidor dessa tradição. Diluidor porque não constrói sua teoria sob a forma de
uma dicotomia, como há, em Kant, entre o mundo da racionalidade e o mundo da
realidade. Na verdade, para Hegel, há uma interligação necessária entre o plano da ideia
e o plano da realidade. Isso se expressa numa de suas mais célebres frases, que está no
prefácio dos Princípios da filosofia do direito: “O que é racional é real e o que é real é
racional. Essa identificação abre um novo mundo de perspectivas à filosofia, superando

3 Parte extraída do livro de filosofia do direito do Alyson mascaro.

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definitivamente o passado das dicotomias entre o plano da razão e o da realidade. Hegel


faz, assim, uma total e necessária identificação do real com o racional. Portanto, não
descarta o empirismo, tampouco inscreve sua teoria num mundo fora da apreensão da
realidade. Kant deduziu sua filosofia do a priori. Hegel não terá deduzida sua filosofia de
um princípio geral, mas da própria realidade. Daí a multiplicidade da riqueza da realidade
fornecendo a compreensão da própria filosofia.
Sua teoria assenta-se sobre o ser, sobre o real, e ele real é o racional. Assim,
o dever-ser dilui-se no ser, de tal modo que o que é deve ser. O próprio Hegel, ainda no
prefácio dos Princípios da filosofia do direito, explicita sua identificação: “A missão da
filosofia está em conceber o que é, porque o que é a razão.” As implicações da junção
entre ser e dever-ser para a filosofia do direito são imediatas. A separação entre o que é o
direito e o que ele deveria ser foi típica da Idade Média e da Idade Moderna – podendo
encontrar algumas raízes nos próprios clássicos gregos. Em tal divisão, o direito real é
injusto, levantando-se, diferentemente dele, um direito ideal, pensado ou advindo de
Deus, em geral chamado por direito natural. Mas, para Hegel, não se trata de duplicar o
mundo. O direito é o que se apresenta, e o que se apresenta deve ser. A identificação entre
razão e realidade, em Hegel, implica num afastamento da metafísica como instância do
pensar distinta da própria realidade. Enquanto o reino da justiça de Kant é ideal – o direito
natural racional –, em Hegel é presente, vivo, histórico.
Hegel dirá que a compreensão da história é a compreensão da razão e da
realidade, e para tanto utilizará tanto os instrumentos da lógica – e da dialética, sua grande
contribuição teórica para a filosofia –, quanto os instrumentos de compreensão da
realidade – as ciências, a religião, o direito, a economia

A dialética hegeliana.

Para Hegel, a dialética não é, como o era antes dele, um procedimento adotado
pelo intelecto humano como forma de desvendar um conflito que estava aparente em dois
conceitos opostos. Isso está presente na tradição filosófica platônica, aristotélica, tomista,
da qual até Kant tomou proveito, e essa tradição da dialética baseia-se na compreensão
dos aparentes opostos, que se resolvem por meio de uma mediação entre tais. Em geral,
para essa tradição, a dialética é muito mais um processo de argumentação, de
compreensão de argumentos, resolvendo-os e descobrindo suas oposições. Para Hegel,
contudo, a dialética é diversa de tudo isso.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

A grande inovação do pensamento hegeliano, no que tange à dialética, reside


justamente no fato de que o conflito entre tese e antítese, entre os opostos, é um conflito
real. É real, é de se lembrar, tanto no plano de sua efetividade quanto no de sua
racionalidade, pois o real e o racional se confundem. Portanto, há conflito na própria
realidade. A síntese é superação desses conflitos. Superação, nesse sentido, não tem a ver
com a correção de impropriedades no que diz respeito às afirmações da tese e da antítese,
mas tem a ver com um momento outro, que faz por transformar a própria conflituação. A
dialética representa a troca de patamares. A síntese, em Hegel, é negação da negação da
tese.
Para Hegel, o processo dialético compreende um momento de afirmação
abstrata, outro de negação e outro posterior de afirmação racional positiva. Nesse
processo trifásico se perfaz o caminho da dialética. O conhecimento se inicia do conceito
abstrato – identidade –, que há de se abrir e se tornar sua própria negação – negatividade
–, para então, posteriormente, afirmar-se como uma racionalidade positiva – superação.
Tese, antítese e síntese como superação são as fases desse movimento.
O movimento dialético, para Hegel, assume essa característica de ligação
entre real e racional. A síntese é um processo de plenificação do absoluto, e esse absoluto
é a identificação plena entre real e racional. No entanto, a tradição hegeliana, ainda
inscrita nos quadros do idealismo alemão, faz compreender que a dialética, arrastando
imediatamente, no processo histórico, ideia e realidade, é movida pela primeira. A
dialética hegeliana é essencialmente idealista. Tanto assim que o entendimento dialético
é processo da racionalidade humana, mas, mais que isso, o idealismo dialético hegeliano
quer dizer que a alteração e a transformação do mundo – do processo, da história – se
fazem por meio da racionalidade. Posteriormente, Marx e o marxismo se afastarão de tal
dialética idealista, para pensar o movimento histórico em bases materiais concretas. A
vitória do direito burguês, pelo ângulo idealista de Hegel, é a vitória da razão, que supera
as contradições imanentes dos momentos anteriores do direito.

A filosofia do direito.

Para Hegel, a modernidade teve o condão de corrigir a antiga submissão do


indivíduo ao todo. Com a forja dos sujeitos de direito e de seus direitos subjetivos, a
modernidade deu dignidade ao indivíduo. Mas, ao mesmo tempo, abriu-se margem ao
problema oposto, o do perecimento dos vínculos entre os próprios indivíduos. Por isso,

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para Hegel, é preciso suplantar tanto a visão antiga, que diluía o indivíduo no todo, quanto
a visão moderna, que derruba o todo em prol da individualidade autônoma.
É no Estado que Hegel enxergará a síntese superior entre o social e o
individual. Seu modelo é distinto daquele dos gregos, pois prevê o direito do indivíduo,
e também mais impactante que o contrato social moderno, pois não se limita a um
momento originário no qual a vontade individual tenha que dar a diretriz da vida política.
O Estado suplanta as razões individuais.
A própria época hegeliana enseja esse passo adiante, à medida que já se
estabilizavam as revoluções liberais e o mundo burguês não era apenas um mundo ideal
de direitos desejados, mas um mundo real no qual tais direitos burgueses já eram
positivados pelo Estado, e o próprio Hegel apontará a passagem para o Estado como o
momento da plenificação do direito.
A concepção de direito de Hegel compreende o fenômeno jurídico de maneira
bastante vasta. Em suas obras, o direito é apresentado não como tradicionalmente pensado
e trabalhado pelos juristas juspositivistas. Questões tidas por Hegel como do direito são,
mais que jurídicas, também da ética, da moral, da política e da economia. Ocorre que
Hegel, buscando empreender um sistema filosófico que tivesse por vista a totalidade, não
considera que seja possível compreender o direito a partir do seu estrito núcleo normativo-
judicial. Mergulhado historicamente no todo social, o direito deve ser compreendido
justamente na interface com os demais fenômenos desse todo. Em sua importante obra
jurídica, Hegel se afasta do jusnaturalismo e, ao mesmo tempo, rejeita um tratamento do
direito como uma ciência positiva, limitada às normas. É preciso, para Hegel, entender a
razão de ser dessa própria ciência positiva do direito no todo social. Por isso, para Hegel
não é a ciência do direito, mas sim a filosofia do direito, o momento superior da
reflexão sobre o próprio direito, na medida em que o pensamento jusfilosófico
analisa o direito pelo todo.

Direito abstrato, moralidade e eticidade.

Hegel sistematiza seu pensamento jurídico, na obra Princípios da filosofia do


direito, dividindo-o em três partes fundamentais: direito abstrato, moralidade e eticidade.
Traduzindo-as de outro modo, trata-se do direito da individualidade (primeira parte), do
direito como moralidade subjetiva (segunda parte) e do direito como moralidade objetiva
(terceira parte). No que tange ao ponto específico da eticidade, Hegel percebe nela um

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transcurso de vários graus: seus níveis primeiros se encontram na família, depois


passando pela sociedade civil, para, enfim, ter por ápice o Estado.
Só um momento último, superior, alcançado em dado estágio da história da
humanidade, consegue plenificar o ser e o dever do direito: o Estado, em torno do qual se
dá a culminância do pensamento jusfilosófico hegeliano. O Estado funda-se em si mesmo,
em sua própria substancialidade. Não é o resultado do acordo de vontades dos indivíduos
– portanto, Hegel rejeita, definitivamente, o contrato social. Não é, tampouco, uma
instância que encontra limites na moralidade individual – o Estado é um momento
dialético superior ao plano da moralidade e da individualidade. O Estado não está
em função do indivíduo, nem é resultante das vontades individuais.
A teoria política de Hegel costuma chocar pela sua importância concedida ao
Estado. De fato, sua posição é bastante contrastante com a tradição moderna,
individualista, que vê no Estado um elemento subordinado aos interesses individuais. Ao
considerar o Estado a razão em si e para si, no entanto, Hegel não propõe uma filosofia
política de tipo absolutista. Sua compreensão não é reacionária, no sentido de negar a
individualidade do sujeito de direito em troca de um Estado pleno. Pelo contrário, Hegel
procede a uma dialética entre Estado e indivíduo. É justamente o Estado que garante o
sujeito como cidadão, com seus direitos. E, ao mesmo tempo, sendo o Estado a razão, o
indivíduo não se apresenta como o ápice da hierarquia dos interesses políticos. O
individualismo burguês é rejeitado por Hegel em favor de uma original concepção política
orgânica.

Estado e sociedade civil.

A consubstanciação do justo e do racional no Estado, e não no indivíduo nem


na sociedade civil, faz com que Hegel rompa com toda a tradição estabelecida na
modernidade sobre a filosofia política e jurídica. O denominador comum de todo o
pensamento jusfilosófico moderno foi o individualismo e, em consequência, a teoria do
contrato social. O individualismo, fazendo do sujeito sede da racionalidade e cerne dos
direitos. O contratualismo, como manifestação da racionalidade e da vontade individual,
portanto momento superior que dava razão de ser ao próprio Estado. Hegel romperá com
essa ordem de explicações. O Estado não terá fundamento nem no indivíduo nem na
sociedade civil, que lhe são momentos inferiores. A concretização do direito no Estado
faz com que não se indague a respeito da moralidade individual. Se Kant praticamente

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equivalia a moralidade com o justo jurídico, porque os dois saem do mesmo imperativo
categórico, de uma razão individual, Hegel rompeu essa equivalência. Individualidade e
moralidade são reinos que devem ser subordinados a um momento superior, que é o da
eticidade consubstanciada no Estado. O conceito de sociedade civil, em Hegel, é bastante
específico em relação à tradição moderna. De um lado, Hegel escapa ao contratualismo
moderno, tendo em vista que o Estado não é o acordo dos indivíduos, mas é dado em si e
para si.
De outro lado, as instâncias sociais que uma parte da tradição moderna dividia
sem muita clareza entre estado de natureza e estado civil (sendo este tanto social quanto
político, formado com base no contrato social), Hegel irá especificá-las de outra maneira:
a sociedade civil não se confunde com o Estado, havendo uma distinção muito clara entre
essas duas esferas. Boa parte da filosofia política moderna não lograva uma diferença tão
clara entre sociedade e Estado, tratando-as apenas como momentos da história civil, a
partir do contrato. Para Hegel, a tentativa de subsumir o Estado dentro da sociedade civil
foi típica do pensamento moderno, arraigadamente burguês.
Ocorre que é o Estado, sendo a esfera do público, que reelabora, dentro de si,
o campo do privado. A filosofia do direito moderna buscava fazer o contrário, construir
o Estado a partir de categorias tipicamente individualistas, como as do contrato. O
contrato social é a exacerbação do privado como explicação da constituição do público.
Hegel rompe com tais explicações: o campo da sociedade civil é o campo do mercado. O
Estado não pode ser refém dos limites impostos pelos interesses mercantis. Pelo
contrário, é justamente a chegada ao nível público estatal que permitiu à sociedade
a liberdade jurídica dos privados, ensejando assim o contrato.
Em Hegel, cessa o esquema moderno de elaboração conceitual do Estado
como uma decorrência da sociedade civil. Por isso, não chegando à conclusão da
existência de um contrato social, Hegel não partilhará a hipótese de que tenha havido um
estado de natureza, como pensavam os modernos. Não há, para Hegel, uma etapa pré-
social e outra social, na qual, então, passasse a se desenvolver a história da sociedade.
Toda a evolução social é histórica.
O Estado para Hegel não é, portanto, um ente resultante do acordo de
vontades individuais. Sua existência é para além dos indivíduos e da sociedade civil, e
postula-se, também, pela insuficiência dessas esferas como racionais em si mesmas, na
medida em que a sociedade civil, para Hegel, é essencialmente a esfera privada burguesa.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O grau de universalidade de seus interesses é discutível, e a desigualdade que disso resulta


é patente.

Hegel e o jusnaturalismo. Transição para Marx.

O jusnaturalismo moderno verifica em Hegel seu definitivo ápice, mas seu


definitivo fim. A filosofia de Hegel é talvez não só a melhor estadia do jusnaturalismo
moderno, mas também seu definitivo despejo filosófico. A esfera de uma racionalidade
eterna e plena, imutável e racional, que partisse do indivíduo e apenas nele se contivesse
– em Kant, nos imperativos categóricos –, está superada em Hegel. A dialética hegeliana
inaugura, em contraposição à imutabilidade da filosofia do direito moderna, a história. E
o momento da racionalidade plena hegeliana não é a razão individual, é o Estado. O pano
de fundo histórico para tal mudança é muito claro. A burguesia europeia, em todo o
mundo moderno, ascendia como poder econômico, mas não ascendia ainda como poder
político. O Estado era absolutista, e portanto contrário aos interesses burgueses. Foi
próprio desse período que o pensamento jurídico burguês buscasse guarida nas únicas
instâncias da vida social por ele controladas, o indivíduo (burguês) e a sociedade civil
(burguesa).
Daí vêm, conjuntamente, o direito natural individualista moderno e a teoria
do contrato social. Seria razoável – apontando-se ironicamente – que, se o justo estivesse
inscrito na individualidade, e não no Estado, como fizeram entender os modernos e Kant
principalmente, quando o Estado absolutista acabasse, e os indivíduos exercessem
livremente sua igualdade e liberdade, não fosse mais necessário o direito estatal. O direito
natural individual bastaria como guia da humanidade e da sociedade civil. Viu-se, no
entanto, a burguesia tomando o poder, nos fins do século XVIII, como na Revolução
Francesa, e, em vez de instaurar o tal definitivo direito natural do indivíduo, depositou o
seu conteúdo em códigos e leis estatais. Tal fase foi denominada, em história do direito,
de período da positivação do direito natural. Todo o conteúdo pretensamente justo e
racional extraído dos moldes do jusnaturalismo moderno – esse conteúdo era a liberdade
negocial burguesa, a igualdade perante a lei, a defesa da propriedade e da família como
núcleo da propriedade – é o que se verá inscrito nas legislações que prontamente se
seguiram à tomada do poder pela burguesia. A própria França não demorou mais que 15
anos depois de 1789 para dar à luz seu Código Civil de Napoleão.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O Estado passa a ser o centro do direito. A racionalidade passa a se transferir,


antes do indivíduo e da sociedade civil, agora para o Estado. Por razões próximas disso e
vivendo exatamente nesse período histórico, Hegel compreende, de maneira dialética, a
evolução do pensamento jurídico em fases sucessivas de negação. Ao direito estatal do
privilégio absolutismo correspondeu, como negação, o direito racional da igualdade
burguesa. Mas a vitória deste foi sua negação: irrompe o direito estatal burguês.
O Estado, para Hegel, não será uma instância que universalmente instaure um
só conteúdo jurídico inexorável – um direito natural eterno, universal e individual aos
moldes modernos e kantianos –, mas será o elemento processual de organização da
própria vida do povo. O Estado, para Hegel, é uma individualidade, animando o próprio
povo. A guerra – abominável ao projeto moderno, e a Kant em particular, que apostava
num projeto internacional de paz perpétua – pode representar, para Hegel, um elemento
fundamental do Estado, uma das formas pelas quais se reforçam os vínculos políticos do
povo e a consciência da justiça, e por meio do qual a economia burguesa reforça sua
atividade. O Estado é uma individualidade com seus próprios interesses e necessidades
históricas.
Hegel insiste numa legitimidade do Estado que está acima dos preceitos
morais ou racionais individuais. No pensamento de Hegel, o Estado e o seu direito
positivo suplantam os direitos naturais. No processo de abandono dos direitos naturais
modernos burgueses em troca do direito positivo estatal, o hegelianismo, após Hegel,
derivou para posições as mais antípodas, todas elas reclamando uma legítima
interpretação do pensamento hegeliano. Daí a diferença entre hegelianos de esquerda e
hegelianos de direita. Destes últimos, os hegelianos de direita, deriva grande parte da
justificação filosófica dos autoritarismos e totalitarismos dos séculos XIX e XX. O
nazismo e o fascismo foram seus mais extremados exemplos, embora tenham sido
combatidos pela crítica do marxismo e, especificamente, de Herbert Marcuse, em Razão
e revolução. De um certo uso de Hegel, que chegou mesmo a confundir Estado com
Religião – haja vista que Hegel afirma que o Estado é a vontade divina, e não dos
indivíduos –, foram extraídas perversas repercussões filosóficas pela política
conservadora e reacionária. E, tendo Hegel feito de sua última grande obra desse conjunto
de pensamentos uma Filosofia do direito, não menos repercussão haveria de ter para o
pensamento jurídico
Pode-se dizer que Marx é um dos pilares da sociologia, mas também um dos
grandes negadores dessa ciência. Para Marx não há possibilidade de um conhecimento a

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

respeito da sociedade que seja isento, especulativo, meramente teórico. Toda


compreensão a respeito da sociedade é também tomada de posição a seu respeito. O
conhecimento deve impulsionar a transformação. A sociologia não é uma enciclopédia
de fatos e informações, é a compreensão da sociedade para transforma-la. Marx também
trouxe uma metodologia inovadora para compreender a sociologia.
Marx abandona a velha concepção idealista em torno da sociedade, a
ferramenta história é incorporada como instrumento fundamental para o esclarecimento
das questões sociais. A grande matriz de seu pensamento foi Hegel (o pensamento
hegeliano é calcado na ideia de realidade), desta forma o marxismo fugiu, deste sempre,
das explicações típicas do iluminismo e do liberalismo.
Marx não comunga das ideias de Kant (individualismo metodológico). Marx
partilha do hegelianismo apenas uma parte. Marx possui uma visão essencialmente social
e histórica, o que faz por aprofundar muito mais a análise dos dados concretos do homem
em sociedade, na sua ação e no seu trabalho, do que os dados abstratos do homem em si
mesmo, individualmente, na sua mera especulação teórica, o que era típico do pensamento
hegeliano.
Na maturidade Marx já alça o seu próprio voo: a sociedade passa a ser
entendida mais profundamente, no nível de suas contradições de classe, no nível da
exploração econômica. Isso é visto em sua última Obra O Capital.

b) Karl Marx.

A dialética.

Hegel é o primeiro grande pensador contemporâneo a dizer que a análise da


sociedade não se dá pelo indivíduo. Por meio da dialética, compreende-se, essencialmente
o indivíduo na sua relação direta com a sociedade, por meio histórico, analisando-se as
contradições sociais.
Marx extrai de Hegel algumas partes de seu método. Será por meio da
dialética que o marxismo constrói sua venturosa compreensão da sociedade. A acepção
de dialética como método filosófico foi criada por Hegel. A palavra dialética remete à
ideia de “dois lados”. Trata-se de uma compreensão que buscará antinomias,
contradições, a exploração de um pelo outro. Em suma, é o método que começa do
conflito.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Ao analisar a história de forma dialética, é preciso compreender as grandes


oposições sociais. A dialética é sempre a busca de compreensão dos mecanismo das
dominações, do entendimento de quem são os exploradores e explorados. A partir das
contradições é possível compreender como cada sociedade se organiza, suas rupturas,
suas conservações. Aqui reside a diferença do método dialético em relação às demais
metodologias clássicas (compreensão sociológica burguesa). De modo Geral, a sociologia
costuma compreender o que é estável e manso (ex. todos os homens vivem em sociedade
por causa de um contrato social), já a dialética baseia-se no conflito ( visa denunciar os
conflitos sociais, as injustiças).
Marx transplanta esse método para a análise da sociedade contemporânea. No
capitalismo, revela-se-á então a grande oposição entre os detentores do capital e os
despossuídos deste, que, por conseguinte, por só poderem dispor da sua força de trabalho,
vendem-na no capital. É ai que está o cerne dialético da sociedade capitalista. As grandes
injustiças desdobram-se daí, o trabalho explorado leva as injustiças sociais.
Essa luta não se resolverá numa composição entre as partes (ex. ninguém
pode ser menos senhor ou menos escravo pela metade). Quando as posições são
resolúveis, quando é possível que se chegue a um meio termo, é porque aquela dialética
não tratava das grandes questões estruturais da sociedade, porque ali não havia extremo
conflito. As grandes contradições sociais somente se resolvem com a superação dos seus
próprios termos (ex. a abolição das escravagismo). No caso das contradições advindas do
poder do capital, elas só se resolvem com a superação do capitalismo.
Quando não há resolução do conflito, depois de algum tempo ambas as partes
se destroem (momento de síntese) e assim surge uma nova dialética. Ex. depois da
escravatura surgiu o feudalismo. As contradições são históricas e mutáveis. Para Marx o
capitalismo é a grande contradição do nosso tempo.
Normalmente a filosofia e a sociologia do direito evitam o marxismo, porque
ele trás o conflito sob aspectos objetivos: Há o escrevo e o senhor de escravo, e este só
existe porque explora aquele – se ele para de explorar o escravo, deixa de ser senhor de
escravo. O escravo não escolheu sê-lo, está nesta condição por submissão.
Há diferenças entre o método dialético de Hegel e Marx:
*Hegel(dialética idealista): tratava-se de buscar as contradições do
pensamento, das ideias, pra depois entender como elas se davam na realidade.
*Marx: dialética concreta, real, busca as contradições efetivas na sociedade.
Primeiro está a realidade.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Estrutura social e relações de produção.

As contradições são históricas e se esparramam por todas as esferas da vida


social. Ex. O capitalismo repercute na política, na cultura, na religião. A totalidade é uma
categoria fundamental para a compreensão da sociedade em Marx, mas de um modo
diferente da totalidade hegeliana. Para Marx, é preciso descobrir, no seio dessa totalidade
dos fenômenos sociais, quais determinam quais.
Marx defende que as grandes contradições sociais devem ser encontradas no
nível produtivo da sociedade, nas relações de produção. As grande contradições não estão
no nível do direito ou da política, são muito maiores, estão no nível econômico, das
relações de produção. Por isso o jurista deve compreender o direito e o todo, e não só as
leis, porque sua ação transformadora, para tornar o mundo mas justo, não será plena caso
seja apenas jurídica.
É a partir desse olhar mais profundo dos conflitos sociais que o marxismo
buscará compreender o funcionamento do modo de produção capitalista ( classes
exploradas, como isso é camuflado as injustiças..etc.)

História e revolução.

A dialética presente no capitalismo não é eterna, isso não quer dizer que Marx
preveja que, pelo simples decurso do tempo, o capitalismo se exterminará. Pelo contrário,
Marx aponta que através da luta de classes é possível acelerar o perecimento do
capitalismo ( regida pelo capital) para atingir uma sociedade então socialista.
Marx apontava que sempre na sociedade houve uma forma de exploração
social, quando atingíssemos o socialismo, e os homens não mais explorassem
economicamente outros homens começaríamos a grande história da humanidade. O meio
para isso é através da revolução. Só os conservadores querem a sociedade como ela está
mas os revolucionários compreendem a ideia de injustiça. Como as contradições da
sociedade capitalista são estruturais, a revolução será também uma mudança estrutural.
As contradições criam as condições para sua própria superação, para
surgimento de outro patamar de organização social. O germe de uma etapa está na etapa
anterior, é pouco provável que um modo de produção surgisse se não nas condições dadas
anteriormente. O capitalismo, nas suas contradições, possui o germe do socialismo. Isso
que dizer que não seria possível, diretamente, a partir de uma revolução dos servos do

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

feudalismo, advir uma sociedade socialista, porque está só se constrói a partir da


superação do modelo capitalista.
O capitalismo para Marx, se destrói a partir de suas próprias contradições e
do seu aspecto revolucionário. Ex. Se explorar demais um trabalhador não terá para quem
vender. Ex. Quebra da Bolsa de NY. Entretanto, para Marx esse processo é lento e só
através da luta de classes se promoverá o processo acelerado da queda deste sistema.

O direito e Marx.

Para Marx o Direito tomado como um fenômeno específico, só se verifica nas


sociedades capitalistas. Ao olhar para história dos modos de produção, Marx verifica que
somente na dominação do tipo capitalista houve instituições que possam ser denominadas
de especificamente jurídicas. Antes do capitalismo a dominação dos modos de produção
eram diretos. Ex. No escravagismo, o senhor domina diretamente escravos por meio da
força bruta, no feudalismo através da propriedade da terra. No capitalismo essa garantia
advém no Estado e do Direito. O direito é intermediário dessa exploração. Ex. Contrato
de compra e venda em uma operação mercantil, contrato de trabalho ( o empregado de
submete ao empregador porque assinou um contrato de trabalho). O Estado é o garante
dessa relação.
Por isso, no velho modo de produção escravagista, um senhor de escravos
tinha o número de escravos que conseguisse manter sob suas rédeas, sob sua força física.
Havia um limite físico, natural, à quantidade de escravos. No capitalismo não. Pode um
burguês ter empreendimentos, lojas, bancos, porque o que garante sua propriedade
privada e a obediência na exploração do trabalho alheio é o Estado, por meio de seus
institutos jurídicos.
Pachukanis, um dos maiores escritores sobre marxismo e direito, expõe que
o direito é umbilicalmente capitalista. O direito fora do capitalismo tem função incidental
e não estrutural. A superação da sociedade capitalista é o fim das intermediações e dos
mandos, portanto será uma sociedade socialista, livre, sem amarras, sem exploradores e
explorados. A plena sociedade socialista, comunista, será também o fim do direito e do
Estado.
Para este autor também há um função suplementar no Direito que é de caráter
ideológico. O direito dificulta a compreensão da real estrutura social, porque trata das
coisas em termos idealistas. Faz com que as injustiças apareçam formalmente desligadas

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

da realidade. Ex: quando o trabalhador vende sua força de trabalho ao capitalista, eles são
dois desiguais. Mas o Direito os reputa como iguais, porque ambos são tidos como
sujeitos de direito e ambos fizeram um acordo de vontade “livremente”. A função
suplementar do direito é de servir de máscara ideológica, isso faz com que os explorados
nem saibam que estão sendo explorados.

5) Habermas e Raymon Aron.

a) Habermas.

Palavras Chaves: Agir comunicativo – virada linguística - A questão da


legitimidade pelo procedimento – democracia e ampliação do consenso.
Habermas é um pensador muito influente no direito, suas posições políticas
caracterizam-se, atualmente, por um liberalismo progressista.
Há duas fases em seu pensamento: o jovem com pensamento de tradição
marxista-hegeliana (segunda geração da Escola de Frankfurt); Habermas maduro passa
de pensador marxista, para liberal, e sua influência mais importante será dos teóricos
norte-americanos.
A base do pensamento de sua segunda fase é a sua teoria do agir
comunicativo – a teoria comunicacional, pois. Trata-se de uma sociologia e de uma
filosofia do consenso, da comunicação racional, do acordo, do entendimento.
Na esteira dos pensadores da Escola de Frankfurt, Habermas desconfiava da
razão, porque a razão no capitalismo se torna instrumental, vem sendo um instrumento
para a dominação e não, vem se prestando a criticar o mundo.
Habermas passa a postular que a interação entre as pessoas se inicia por meio
da comunicação, do entendimento.
A ideia do agir comunicativo é a de que, por meio do diálogo, estabelece-se
um vínculo comunicacional entre as pessoas, que possibilita uma arena de entendimento
comum. Vai-se criando, então, uma racionalidade que tem origem comunicacional.
Daí que, para Habermas, conceitos como o de justiça sejam apenas algo construído pela
comunicação.
Posto o conceito de agir comunicativo, indaga-se como as pessoas, em
sociedade, alcançaram o consenso?

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Sabendo que a comunicação é dominada, que pessoas andam em outras, que


ideias são forjadas pela imprensa, Habermas dirá então a mais democrática das
comunicações é aquela o mais possível isenta de dominação.
Neste diapasão, ele aposta que possa haver que possa haver uma comunicação
o mais possível racional e livre, começa a propor formas de consenso social, modalidades
de entendimento, que possa garantir um crescente espaço de convívio social democrático.
(Cria um mundo sociológico próprio).
Discorrendo sobre o consenso no capitalismo, Habermas dizia que, não se
trata de impor a libertação, como o marxismo vulgar poderia imaginar a princípio, mas
sim de construir o consenso libertador.
Ao deixar de lado uma imediata reflexão do poder contra o poder (marxista),
e ao passar para o tema da comunicação, se diz então que Habermas promoveu, em seu
pensamento, uma virada linguística.
Habermas, nas suas origens, por formação, tratava das coisas concretas da
tradição franco-alemã- que é tanto a tradição marxista quanto a weberiana – e tomou a si
a tradição americana, que trata a nível linguístico, na segunda fase. Suspende então a
realidade e passa a trabalhar com a comunicação ideal.
Ocorre, a partir dessa mudança habermasiana, um grave choque sociológico
no entendimento da realidade. Com base na teoria do agir comunicativo, Habermas
reiterará que a ação comunicacional deve se esforçar por ser consensual, e, portanto,
ter um grau crescente de universalidade, que englobe a maior parte das pessoas.
Dentro dessa proposta, é preciso ter em vista o índio, o negro, o homossexual, o
deficiente. O direito deve resultar dessa comunicação entre diferentes, para chegar-se a
consenso mínimo, mas seu caráter de universalização de preocupações deve ser claro,
sem olvidar das minorias, sem esquecer dos obstáculos institucionais para esse consenso
universal. Habermas quer ressaltar aquilo que é comum.
Com o agir comunicativo e a racionalidade consensual, Habermas tomou
posição contrária à ideia de pós-modernidade, porque esta apregoa o fato de que as
sociedade e os grupos têm variadas razões, distintas, fragmentadas e dispersas, havendo
vários ambientes de cultura praticamente autônomos. Então, em contrário a essa ideia,
Habermas diz que é preciso apontar a uma sociedade mundial o mais idealizada
possível, racionalizável, sem ceder às logicas de grupos desconectados entre si. É
preciso uma lógica universal, um direito universal, um caminho, pois, que é o último

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

suspiro da modernidade. “Uma lei válida para todos, uma ação válida para todos, uma
verdade comum, etc.” (Nesse ponto se aproxima de Kant).
Com efeito, o pensamento pós-moderno, de acentuar cada vez mais uma
racionalidade distinta e, por conta disso, devesse permanecer cada qual no seu mundo
próprio, sem se comunicar com os demais. Por isso, um certo uso de Habermas ainda é
combativo e progressista, visando uma razão universal que seja a busca de uma
característica comum a todos, ainda que sucumba na tentativa de fundar a universalidade
no consenso comunicacional.

Habermas e o direito.

É no direito que Habermas vislumbrou uma ampliação do consenso


comunicacional e da democracia. O direito se revela como caminho para este consenso
porque é formado por instrumentais concretos, normas e instituições que têm um caráter
público. Para ele o direito tem o condão de transformar o conflito entre partes em uma
relação social de contextos mais amplos. O conflito passa a ser resolvido por uma lei, e
como ela é oriunda de um espaço maior do que o próprio conflito, está aí um lastro de
maior potencial de universalização para que se chegue ao consenso.
Partindo de uma ideia de que as normas produzidas pelo Estado sejam normas
gerais e impessoais, o direito, fiado em seus procedimentos democráticos, garante uma
possibilidade maior de um agir comunicativo consensual em face das parcialidade de
empresas, grupos ou indivíduos.
Habermas em sua obra (Direito e democracia – entre facticidade e validade)
aponta um projeto político de democracia radical. Sendo o direito a ferramenta de
procedimentos potencialmente mais universalizáveis, a chegada da maior parte das
nações à sua etapa jurídica e democrática acarretaria uma arena de discussão cada vez
maior, implicando, então, a possiblidade de grandes consenso dentro de cada sociedade e
entre elas. Uma das fórmulas para radicalizar a democracia, em Habermas, é transcender
o nível nacional e postular uma política consensual internacional.
Para Habermas ao estabelecermos procedimentos os mais universalizados
possíveis, todo conflito que entrar por esse procedimento será legitimado, porque seu
potencial de consenso tornar-se-á maior. O procedimento democratiza, e, portanto,
legitima.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Assim sendo, em Habermas, a legalidade entendida como ferramenta da


democracia radical. Revelando-se, no fundo, politicamente conservador: o que é será,
apenas será mais.
Ao adotar a proposta de que o legítimo seja o que resulta do procedimento,
da legitimidade do processo, das normas do direito e, pois, do Estado. Acarreta a forma
jurídica, e não a concretude social do direito.
A proposta habermasiana de procedimentos jurídicos universais despertou a
atenção de novos sociólogos que, a partir de tal problemática, lançaram-se à discussão
das políticas para as minorias – negros, homossexuais, mulheres, deficientes, etc.
COMENTARIOS COMPLEMENTARES: Pode-se extrair da noção de
Estado de Direito Democrático em Habermas, o indivíduo, devido o princípio da
legitimidade, deve ter a possibilidade de participar da construção da pré-normatividade e
da normatividade. Assim, a cidadania assume um caráter processual, pois é exercida pela
linguagem jurídica processualizada. Nesta toada, o destinatário da norma entendido com
coprodutor da normatividade que o regula, assim, o consenso é obtido do destinatário da
norma, cuja construção dela participou, em uma noção de cidadania participativa plena.

b) Raymond Aron.

Considerações inicias.

Raymond Aron (1905-1983) era Professor de Filosofia na Alemanha e por ter


ascendência judia mudou-se para França e na sequência Inglaterra com a ascensão do
nazismo. Chegou a integrar as forças armadas dos dois países na guerra contra o nazismo4.
É recomendável que se estude esse autor tentando respeitar dentro do possível
a cronologia histórica, somente depois da análise do pensamento de Marx e dos que o
precederam, bem como dos principais fatos históricos relacionados (em especial:
revolução francesa, primeira e segunda guerras mundiais, e ascensão do comunismo
soviético com base na doutrina marxista).
Para compreender algumas de suas posições é preciso situá-lo no contexto
histórico em que vivia, com a expansão da doutrina marxista e o surgimento dos Estados

4 CATANI, Afrânio Mendes. Aron, Raymond. Memórias. Rev. adm. empres., São Paulo , v. 27, n. 2, p. 61-64;
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75901987000200010&lng=en&nrm=iso. E
https://educacao.uol.com.br/biografias/raymond-aron.htm. Acesso em 13/7/2017.

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comunistas. Suas obras são contemporâneas à URSS, retratam o seu surgimento, seu
desgaste e a polarização da guerra fria. Na sua época, as posições que defende não podiam
ser consideradas tão “óbvias” como podem parecer hoje, e abriram caminho para outros.
A característica mais marcante de seu pensamento é uma forte crítica à
ideologia marxista, não só nos países comunistas, mas também a influência e fascínio que
ela exercia nos “intelectuais ocidentais”. Esse último aspecto é marcante em sua obra,
notadamente a crítica aos intelectuais da França, que segundo Aron seriam
majoritariamente afinados aos ideais marxistas.
Apesar sempre ser lembrado pela crítica ao marxismo, é possível
compreender seu pensamento de forma mais ampla. A crítica não é apenas ao marxismo,
mas a rigor contra toda forma de ideologia que se transforma numa religião, ignora a
evidência dos fatos e que vê nos fins justificativa para qualquer meio (em especial os
meios violentos). Isso possibilita a aplicação contemporânea de suas ideias.
Embora a busca não tenha sido exaustiva, no Brasil não foram localizadas
obras científicas que abordassem ou resumissem seu pensamento de forma sistêmica.
Muitas das análises um pouco mais aprofundadas carregam em menor ou maior grau a
visão de mundo daquele que a subscreve, deixando de refletir com exatidão o pensamento
de Aron pelo fato de ele naturalmente atrair admiradores ideologicamente “não
esquerdistas” (se é que se pode falar dessa forma).
Por isso, como o assunto desperta paixões (o que paradoxalmente tenta ser
combatido pelo próprio Aron), com o intuito de não ficar comprometida a compreensão
de seu pensamento nesse resumo procurou-se sempre que possível manter a transcrição
literal de trechos relevantes de suas obras.

Livro: “O ópio dos intelectuais” (1955)5.

Segundo Sinésio Ferraz Bueno, em resenha sobre o livro, a “obra de Raymond


Aron discorre sobre diversas características da intelectualidade de esquerda dos anos
1950, revelando uma notável adequação aos nossos dias, uma vez que o modus operandi
da esquerda permanece muito semelhante em seus aspectos essenciais”.6

5 No Brasil, a edição mais atual é de 2016, da editora Três Estrelas, São Paulo, 2016. As transcrições e referências
feitas neste resumo são da edição de 1980, tradução de Yvone Jean, Brasília, Editora Universidade de Brasília.
6 Professor de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp,
http://www.unespciencia.com.br/2016/11/resenha-80/, acesso em 13/7/2017.

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Na crítica ao marxismo, Aron analise seus mitos: da esquerda; da revolução;


do proletariado.

O mito da esquerda.

Aron questiona se faria realmente sentido se falar na dicotomia “esquerda” x


“direita”.
Os programas da esquerda mudaram conforme as gerações. Primeiro, eram
de esquerda aqueles que buscavam o fim do regime absolutista e as liberdades civis.
Depois, o fim do capitalismo pela tomada dos meios de produção e da organização da
economia pelo Estado.
Analisando o momento histórico em que escreveu o livro, Aron diz que a
esquerda “traz a marca de um marxismo por sinal pouco doutrinário. A esquerda
apresenta-se como anticapitalista e combina, numa síntese confusa, a propriedade pública
dos instrumentos de produção, a hostilidade contra as concentrações do poder econômico
batizados de trustes e a desconfiança para com os mecanismos do mercado” (p. 50).
Diz que “Nos países da América do Sul ou da Europa oriental, vimos mais de
uma vez a mesma combinação de meios autoritários e de objetivos socialmente
progressistas. Imitando a Europa, criaram-se parlamentos, introduziu-se o direito de voto,
mas as massas eram analfabetas e as classes médias fracas: as instituições liberais foram
inevitavelmente monopolizadas pelos “feudais” ou os “plutocratas”, os grandes
proprietários e seus aliados no Estado” (p. 50).
Como se vê, trata-se de crítica ainda bem atual para a realidade brasileira.
Analisando o regime soviético, Aron aponta que “A pobreza aflige centenas
de milhões de seres humanos que uma doutrina prometendo a abundância ainda precisará,
durante séculos, do monopólio da publicidade para cobrar o intervalo entre o mito e a
realidade. (...) Pelos seus próprios progressos, não nos reconduzirá a esquerda,
dialeticamente, a uma opressão pior do que aquela contra a qual se ergueu?” (p. 53/54).
Na realidade, “A esquerda não representava a liberdade contra o Poder ou o
povo contra os privilegiados, e sim um Poder contra o outro, uma classe privilegiada
contra a outra”. (p. 54).
“Denunciar os trustes, as grandes concentrações e meios nas mãos de pessoas
privadas é um dos temas favoritos da esquerda. (...) A solução aplicada pelos partidos de

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esquerda não consiste em dissolver os trustes, mas em transferir para o Estado o controle
de certos ramos da indústria ou certas empresas gigantescas” (p. 54).
Na realidade, “Quanto mais extensa a superfície da sociedade ocupada pelo
Estado, tanto menores as possibilidades de um estado democrático, quer dizer, de um
objeto de competição pacífica entre grupos relativamente autônomos” (p. 56).
“As inevitáveis transformações da técnica ou das estruturas econômicas, a
expansão do Estado não implicam nem uma libertação nem uma escravidão. Mas toda
libertação traz em si o perigo de uma nova forma de escravidão.
O mito da esquerda cria a ilusão de que o movimento histórico, orientado para
um fim feliz, acumula as aquisições de cada geração. Graças ao socialismo, as verdadeiras
liberdades acrescentar-se-iam às liberdade formais forjadas pela burguesia. A histórica,
na verdade é dialética. Não no sentido estrito que os comunistas conferem hoje à palavra.
Os regimes não são contraditórios. Mas, no interior de cada um, existem diferentes
ameaças suspensas sobre os homens (...)” (p. 56).

O mito da revolução.

Para Aron, enquanto o “mito da esquerda abrange a ideia implícita de


progresso e sugere a visão de um movimento contínuo”, o “mito da revolução tem uma
significação complementar e oposta [que] alimenta a expectativa de um rompimento com
a rotina das coisas humanas”. Os adeptos do “mito revolucionário” buscam os mesmos
fins dos “reformistas”: “uma sociedade pacífica, liberal, submetida à razão”.
Conceito de revolução: “repentina substituição, pela violência, de um poder
pelo outro”.
Não seria uma autêntica revolução, no sentido ora empregado, por exemplo,
a “revolução industrial”, que “evoca simplesmente mudanças profundas e rápidas”. Se
diferencia também de golpe de Estado, que seria “uma mudança de Constituição
decretada ilegalmente pelo detentor do poder”, ou a “tomada do Estado por um grupo de
homens armados, sem que esta tomada (sangrenta ou não) leve ao advento de uma outra
classe dirigente de um outro regime” (p. 67).
Sociologicamente, seus traços essenciais são os seguintes: “exercício do
poder por uma minoria que elimina impiedosamente seus adversários, cria um Estado
novo, sonha em transfigurar a nação” (p. 68).

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

“Segundo o marxismo, a supressão da propriedade privada dos instrumentos


de produção constituiria o fenômeno essencial da revolução” (p. 69).
Ocorre que “não se pode considerar inseparáveis a violência e os valores da
esquerda. (...) Um poder revolucionário é por definição um poder tirânico. Exerce-se a
despeito das leis, exprime a vontade de um grupo mais ou menos numeroso, não se
importa nem deve importar-se com os interesses de tal ou tal fração do povo. (...) A
tomada e o exercício do poder pela violência pressupõe conflitos que a negociação e o
compromisso não conseguem resolver, em outras palavras, o malogro dos processos
democráticos. Revolução e democracia são noções contraditórias”.
Embora faça a crítica, Aron diz que é “totalmente insensato condenar ou
exaltar por princípios as revoluções”. É da natureza dos homens serem obstinados “na
defesa de seus interesses, escravos do presente, raramente capazes de sacrifícios mesmo
quando estes são uma salvaguarda para o futuro, mais dispostos a oscilar entre a
resistência e as concessões do que escolher virilmente um partido”. Assim, “é provável
que as revoluções continuarão inseparáveis da marcha das sociedades” (p. 70).
Um dos mitos da revolução está na constatação de que ela não é
imprescindível para que ocorram mudanças significativas.
O autor cita o exemplo dos Estados Unidos, que preservam há quase dois
séculos uma Constituição, mas passou por “constante e rápida transformação”. “O
progresso econômico e a mescla social inseriram-se sem abalá-los nos quadros de uma
estrutura constitucional. As repúblicas agrárias tornaram-se a maior potência industrial
do mundo sem afastarem da legalidade” (pp. 70/71).
Por outro lado, diz que a revolução do tipo marxista não aconteceu porque
seu próprio conceito era mítico: nem o desenvolvimento das forças produtoras nem o
amadurecimento da classe operária preparam a derrubada do capitalismo pelos
trabalhadores conscientes de sua missão 7. As revoluções que invocam o proletariado,
como todas as revoluções do passado, assinalam a substituição violenta de uma elite por
outra” (p. 71/72).
Para Aron, “uma reforma realizada muda algo”, enquanto “uma revolução
parece suscetível de mudar tudo, já que se ignora o que mudará”. “Para o intelectual, que
procura na política uma diversão, um objeto de fé o um tema de especulação, a reforma é

7Lembre-se que uma das ideias de Marx era de que o próprio capitalismo iria gerar as condições (proletarização e
pauperização) para um inevitável socialismo. Essa visão, segundo Aron, é mítica.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

enfadonha e a revolução exaltante. Uma é prosaica, a outra poética: uma é considerada


obra dos funcionários, a outra do povo erguido contra os exploradores” (p. 72).
A revolução francesa sugeriu “a Hegel um dos temas daquilo que se tornou o
mito revolucionário: a violência a serviço da razão. (...) A revolução não é nem uma
fatalidade nem uma vocação: é um meio” (p. 74).
“Marx passou do ateísmo à revolução por intermédio de uma dialética da
história. Muitos intelectuais, que nada querem saber da dialética, passam, também eles,
do ateísmo à revolução, não porque esta promete reconciliar os homens ou resolver o
mistério da história, mas porque destrói um mundo medíocre ou odioso. (...). A revolução
beneficia-se do prestigia da revolva. A palavra revolta, como palavra niilismo, está na
moda” (p. 75).
Conclui Aron afirmando que “A própria violência atrai e fascina mais do que
repele. O trabalhismo, a ‘sociedade escandinava sem classes’ nunca gozaram na esquerda
europeia, principalmente francesa, de um prestígio igual àquele que a Revolução russa
conversou, apesar da guerra civil, dos horrores da coletivização e do grande expurgo.
Devemos dizer apesar de ou por causa de? Tudo acontece às vezes como se o preço da
revolução fosse antes inscrito no crédito do que no débito do empreendimento”.
O “desejo de melhoria social” não estará representado “sempre ou
logicamente na vontade de revolução. Também é preciso uma certa medida de otimismo
e de impaciência. Vimos homens tornarem-se revolucionários por ódio do mundo, pelo
desejo de catástrofe; mas muito mais vezes os revolucionários pecam pelo otimismo.
Todos os regimes conhecidos são condenáveis se os relacionarmos com um ideal abstrato
de igualdade ou de liberdade. Somente a revolução, por ser uma aventura ou um regime
revolucionário, por consentir ao uso permanente da violência, parece capaz de atingir a
sublime finalidade.
O mito da revolução serve de refúgio ao pensamento utópico, torna-se
intermediário misterioso, imprevisível, entre o real e o ideal” (p. 86).

O mito do proletariado.

A doutrina marxista “atribui ao proletariado a missão de um salvador


coletivo”, não existindo “dúvidas quanto às origens judeu-cristãs do mito da classe, eleita
pelo seu sofrimento para o resgate da humanidade. Missão do proletariado, fim da pré-

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

história graças à revolução, reino da liberdade – reconhecemos sem dificuldade a estrutura


do pensamento milenarista: o Messias, a ruptura, o reino de Deus” (p. 87).
Para Aron, “a propaganda marxista tende a espalhar a consciência de uma
injustiça fundamental e a confirmá-la pela teoria da exploração”. Interessante é a
constatação de que “Esta propaganda não tem êxito em todos os países. Lá onde as
reinvindicações imediatas são, em grande parte, atendidas, o processo do regime assume
um radicalismo estéril. Por outro lado, lá onde não as atendem ou fazem de uma lentidão
exagerada, a tentação de ocupar o regime corre o risco de tornar-se irresistível” (p. 92).
Parte do mito do proletariado está relacionada ao fato de que “O nível de vida
não progrediu repentinamente nas democracias populares da Europa oriental, antes
diminuiu porque as novas classes dirigentes provavelmente não consomem uma parte
menor do produto nacional que as antigas. Lá onde existiam sindicados livres só existem
organismos submetidos ao Estado, cuja função não é reivindicar e sim incitar ao esforço.
O risco do desemprego desapareceu, mas também desapareceram a livre escolha da
profissão ou do local de trabalho, a eleição dos dirigentes sindicais e dos governantes. O
proletariado não continua alienado porque possui, conforme a ideologia, os instrumentos
de produção e até mesmo o Estado. Mas não é liberado do risco de deportação, nem da
carteira de trabalho, nem da autoridade dos managers” (p. 93).
Na realidade, o “marxismo é uma filosofia de intelectuais que seduziu frações
do proletariado e o comunismo faz uso dessa pseudociência para atingir seu fim próprio,
a tomada do poder” (p. 98).
Veja a interessante comparação que Aron faz entre a libertação do operário
no regime comunista e socialista:
“O operário das usinas Ford está sendo explorado se a “exploração” é, por
definição, ligada à apropriação privada dos instrumentos de produção e dos lucros de
empresas. O operário das usinas Poulilov está sendo “libertado”, se, trabalhando para a
coletividade, cessa, por definição, de ser explorado.
Mas a “exploração” do operário americano não exclui nem eleição livre dos
secretários de sindicatos, nem a discussão dos salários, nem uma remuneração alta. A
“libertação” do operário russo não excluiu nem o passaporte interior, nem a estatização
dos sindicatos, nem salários inferiores aos dos trabalhadores ocidentais”.
Na realidade, “os dirigentes soviéticos não ignoram que a exploração
capitalista não implica nem a miséria dos trabalhadores, nem a redução da parte da renda
nacional que lhes cabe. Quanto maior a distância entre o sentido sutil e o sentido grosseiro

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

das palavras, menos é possível aos dirigentes confessarem publicamente a realidade dessa
distinção” (p. 116).

Religiões seculares.

“Religiões seculares” é uma expressão sempre lembrada por aqueles que


comentam a obra de Aron.
Aron observa que “as ideologias de direito e de esquerda, tanto do fascismo
quanto do comunismo, inspiram-se da moderna filosofia da imanência. São atéias (sic),
mesmo quando não negam a existência de Deus, na medida em que concebem o mundo
sem referência ao transcendental”.
Contudo, “o profetismo marxista é conforme ao esquema típico do profetismo
judeu-cristão. Todo o profetismo condena o que é, esboça uma imagem do que deve ser
e será, e escolhe um indivíduo ou grupo para transpor o espaço que separa o presente
indigno do futuro radioso. A sociedade sem classes, que comportará o progresso social
sem revolução política, é comparável ao reino de mil anos sonhados pelos milenaristas.
A infelicidade do proletariado comprova a vocação e o partido comunista
torna-se a Igreja, à qual se opõe os burgueses-pagãos que se recusam a ouvir a boa nova
e os socialistas-judeus que não reconhecem a revolução, cuja aproximação eles próprios
anunciaram durante tantos anos” (p. 220).
Sob o título “militantes e simpatizantes”, Aron destaca que o “comunismo é
uma ideologia que o culto do partido, a escolástica interpretativa manipulada pelo Estado
revolucionário e a educação-adestramento dada aos limitantes transformaram num
dogmatismo e palavras e ações. Conforme consideramos o ponto de partida ou o ponto
de chegada, o marxismo de 1890 ou o stalinismo de 1950, inclinamo-nos a levar a sério
ou a julgar por alto o conceito de religião secular.
Nada assinala melhor essa hesitação do que a história, atormentada e patética,
da rivalidade entre socialistas e comunistas” (fls. 222).
Para os “padres-proletários”, “para esses cristãos famintos de abnegação, o
comunismo significa mais do que opiniões sobre regime econômico de hoje e amanhã e
talvez até mais do que uma ideologia no meio de outras. Percorreram as duas primeiras
etapas da via que leva à ideologia da religião: vocação do proletariado e encarnação deste
no partido comunista, intepretação dos fatos do dia e da história global – segundo o dogma
(o capitalismo é mal em si; a tomada de poder pelo partido constitui, por essência,

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

libertação, etc.)”. Assim, “o homem não seria aquele para o qual o Cristo foi crucificado,
mas aquele ao qual Marx profetizou o fim da pré-história graças à potência das máquinas
e à revolta dos proletários” (p. 224/225).
Segundo Aron, a identificação do verdadeiro comunista envolve três etapas:
culto do partido, escolástica interpretativa e formação do militante. Atingidas as etapas,
ele “adquire o direito de “repensar” o dogma a seu modo, tanto os temas principais quanto
as aplicações cotidianas” (p. 226).
No comunismo a revolução “não adota nenhuma religião”, “porque ela
própria era uma Igreja. Do mesmo modo que a religião civil, o comunismo santifica os
deveres do indivíduo para com o partido, o Estado socialista, o futuro humano” (p. 230).
A “ideologia torna-se o conteúdo de um dogma” quando “O salvador coletivo
não se submete à história, cria a história, edifica o socialismo e forja o futuro” (p. 231).
“A fé cristã pode ser chamada de total, no sentido de que inspira a existência
inteira; foi totalitária quando ignorou a autonomia das atividades profanas. A fé
comunista torna-se totalitária logo que quer ser total, pois só cria a ilusão de totalidade
impondo verdades oficiais e submetendo às instruções pode poder atividades de cuja
essência requer a autonomia” (p. 232).
Segundo Aron, “Marx chamava a religião de ópio do povo. Queira ou não, a
Igreja consolida a injustiça estabelecida. Ajuda os homens a suportar e a esquecer seus
males em vez de curá-los. Obcecado pelo cuidado com o além, o crente é indiferente à
organização da cidade”.
Contudo, observa que “A mesma crítica aplica-se à ideologia marxista, uma
vez que o Estado a erigiu em ideologia: também ensina a obediência às massas e confirma
a autoridade dos governantes. Até as Igrejas de rito oriental consideravam que tinham o
direito de censurar o soberano indigno. O czar, o chefe da Igreja, não decretava o dogma”.
Já o “secretário geral do partido tem a liberdade de reescrever, com acordo com um
presente volúvel, a história do Partido Comunista que constitui o essencial do dogma
staliniano.
O conceito da sociedade sem classes esvazia-se de sentido à medida em que
o regime oriundo da revolução vai se estabilizando num despotismo burocrático sem
originalidade” (p. 235/236).

Conclusão parcial.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Para Aron, “A esquerda (...), à qual se atribui objetivos constantes ou uma


vocação eterna, existe com a condição de que o futura valha mais do que o presente e que
a direção do devir das sociedades seja fixado de vez. O mito da esquerda pressupõe o
mito do progresso (...).
O mito da revolução leva em conta esta luta, cujo resultado é incerto como
uma fatalidade. Somente a força permitirá romper a resistência dos interesses ou das
classes hostis (?). Em aparência, a revolução e a razão opõe-se exatamente: esta evoca o
diálogo e aquela a violência. Ou se discute, ou se acaba convencendo o outro, ou renuncia-
se a convencer e recorre-se às armas. Mas a violência foi e continua sendo o último
recurso de uma certa impaciência reacionalista (...).”
A missão é dada ao proletariado. “Quem fala em nome do proletariado
reencontra, através dos séculos, os escravos às voltas com os donos e não espera mais o
advento progressivo de uma ordem natural, mas conta com a revolta suprema dos
escravos para eliminar a escravidão” (p. 106).
Nesse contexto, Aron pergunta-se: “Por que razão um acontecimento, que
semelhante à guerra, elimina o diálogo e abre todas as possiblidades, ao negar todas as
normas, carregaria ele a esperança da humanidade?”.
Sua resposta: um “Otimismo delirante, a designação do proletariado para uma
tarefa única, um pessimismo excessivo, a indignidade das outras classes. (...) O
proletariado, submetido à dura disciplina das usinas, não muda de natureza ao mudar de
dono, tampouco muda a natureza das sociedades” (p. 107).
“Esquerda, revolução, proletariado, quando considerados vitoriosos, suscitam
tantos problemas quantos resolvem. Se se eliminam os privilégios dos nobres só se deixa
subsistir a autoridade do Estado ou daquelas que tiram suas funções. (...) A destruição das
comunidades locais reforça as prerrogativas do poder central” (p. 108).
“A teoria da luta de classes, que ainda vigora hoje, está falseada por uma
assimilação ilegítima: a rivalidade entre burguesia e proletariado difere essencialmente
da rivalidade entre aristocracia e burguesia.
Os ideólogos do proletariado são burgueses. (...) O proletariado nunca teve
um conceito de mundo oposto ao da burguesia (...). O pretenso partido proletário, nos
países onde venceu, teve como tropas mais camponeses do que operários das primeiras
usinas, seus chefes eram intelectuais exasperados pela hierarquia tradicional ou pela
humilhação nacional”.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Em suma, “os regimes chamados proletários, quer dizer, governados pelos


partidos comunistas, quase nada devem à cultura propriamente operária, aos partidos ou
aos sindicados cujos dirigentes pertenciam, também eles à classe operária” (p. 248). Na
realidade, diz Aron que “As revoluções do século XX não são proletárias, são pensadas e
introduzidas por intelectuais” (p. 249).
A ideologia marxista “oferece uma admirável justificação para as
necessidades de uma economia de Estado: os proletários deviam uma obediência
incondicional à sua vontade geral encarnada no partido.
Não há dúvida de que, se o diálogo tivesse sido tolerado, os intelectuais teriam
denunciado a miséria dos subúrbios de Leningrado e de Moscou, na Rússia de 1930, como
seus colegas denunciaram a dos subúrbios de Manchester ou de Paris um século mais
cedo” (p. 250).
Finaliza a crítica afirmando que “A religião secular conserva o prestígio e a
força do profetismo, suscita um pequeno número de fanáticos e estes, por sua vez,
mobilizam e enquadram as massas, menos seduzidas pela visão do futuro do que
revoltadas contas as infelicidades do presente” (p. 254).

Livro: As etapas do pensamento sociológico (1967)8.

Nessa obra Raymond Aron analisa do pensamento daqueles que considera os


principais sociólogos, fazendo-o de forma crítica: Montesquieu, Auguste Comte, Karl
Marx, Alexis de Tocqueville, Émile Durkheim, Vilfredo Pareto e Max Weber.
Em razão do escopo limitado deste ponto no edital, não será feito resumo da
posição de Aron sobre cada pensador, mas apenas a análise de algumas ideias que ele
desenvolve na parte introdutória do livro.
Quanto às críticas ao pensamento de Marx, neste livro Aron as desenvolve de
maneira mais específica e menos abstrata do que se observa no livro “O ópio dos
intelectuais”. Aqui ele procura analisar individualmente cada uma das premissas
científicas do pensamento de Marx, refutando-as de forma pormenorizada. Como esse
tipo de abordagem interessa mais ao estudo do próprio Marx, não será retratada neste
resumo.

8Transcrições e referências feitas da edição brasileira de 2000, 5ª edição, 2ª tiragem, tradução Sérgio Bath, São Paulo,
Martins Fontes, 2000.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Sem prejuízo, para eventual aprofundamento do pensamento de Marx – e dos


outros autores abordados –, pode ser interessante a leitura.

Pré-sociologia x Sociologia moderna.

“Não se pode ignorar a continuidade que existe entre Marx e Max Weber,
entre Max Weber e Parsons, e mesmo entre Auguste Comte e Durkheim, e entre Marcel
Mauss e Claude Lévi-Strauss. Os sociólogos de hoje são claramente, sob alguns aspectos,
herdeiros e continuadores daqueles que alguns chamam de pré-sociológicos. A própria
expressão pré-sociólogo evidencia a dificuldade na investigação histórica a que me
proponho.
Qualquer que seja o objeto da história – instituição, nação ou disciplina
científica – é preciso defini-lo, delimitá-lo, para acompanhar o seu devenir. (...) O bom
historiador guarda o sentido do caráter específico de cada época da sucessão das épocas
e, por fim, das constantes que o autorizam a falar de uma só e mesma história. (...)
A sociologia é o estudo, que pretende ser científico, do social enquanto social,
seja no nível elementar das relações interpessoais, seja no nível macroscópico de vastos
conjuntos, como as classes, as nações, as civilizações ou, para empregar expressão
corrente, as sociedades globais. (...). A Política de Aristóteles nos parece um tratado de
sociologia política ou uma análise comparativa dos regimes políticos. (..).
A sociologia moderna não tem como origem exclusiva as doutrinas histórico-
sociais do século passado; possui outra fonte, as estatísticas administrativas, os surveys,
as pesquisas empíricas.
A sociologia do século XIX marca incontestavelmente um momento de
reflexão dos homens sobre si mesmos. (...) Exprime também uma intenção (...) de um
conhecimento propriamente científico, segundo o modelo das ciências natureza, e com
igual objetivo. (...).
Os sociólogos preconizam métodos empíricos, praticam pesquisas por
sondagem, empregam um sistema conceitual próprio, questionam a realidade social sob
certo ângulo, possuem uma ótica específica” (p. 6/9).

Sociologia americana (empírica e analítica) x sociologia marxista (sintética


e histórica).

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Aron faz uma comparação entre a sociologia norte-americana, que a partir de


1945 exerceu influência no desenvolvimento dos estudos sociológicos da Europa e países
não-comunistas e a sociologia marxista.
A sociologia americana é marcada por investigações por meio de
questionários e entrevistas, “para determinar de que modo vivem, pensam, julgam os
homens em sociedade ou, se preferirmos, os indivíduos socializados. (...) A finalidade da
pesquisa é precisar a correção entre variáveis, a ação de cada uma delas sobre o
comportamento de uma ou outra categoria social: de constituir, não a priori mas mediante
o próprio método científico, os grupos reais, os conjuntos definidos seja pela existência
de maneiras comuns de agir, seja pela adesão a um mesmo sistema de valores ou por uma
tendência a homeóstese, em que qualquer alteração súbita tende a provocar reações
compensatórias”.
Já a sociologia marxista do século XIX era revolucionária: saudava
antecipadamente a revolução que deveria destruir o regime capitalista. Hoje, na União
Soviética, a revolução salvadora não pertence mais ao futuro, mas ao passado. (...) Uma
sociologia que nasceu de uma intenção revolucionária serve, de agora em diante, para
justificar a ordem estabelecida” (p. 1/2).

Conclusão: o pensamento de Aron na atual realidade brasileira e mundial.

Segundo o Professor Sinésio, seria possível fazer um paralelo entre as críticas


de Aron ao comportamento atual da esquerda brasileira, especialmente diante do
Mensalão e da Lava-Jato, cujas apurações e condenações são deliberadamente ignoradas
nos respectivos discursos, numa espécie de fanatismo religioso.
Penso que devemos ter cautela diante do perfil do examinador, embora a obra
de Aron realmente nos leve a esse tipo de reflexão.
Deve ser levando em conta, como mencionado no início deste resumo, que
embora a principal crítica de Aron tenha como pano de fundo o marxismo, ela também
abrange toda forma de pensamento totalitário, como o nazismo, e em geral toda forma de
intransigência ideológica.
Aliás, mesmo na crítica ao marxismo Aron tem momentos de ponderação:
“É verdade que nenhum historiador, nenhum economista pensaria exatamente
como pensa caso Marx não tivesse existido. O economista adquiriu uma consciência da
exploração ou, ainda, uma consciência do custo humano da economia capitalista pela qual

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

se deve justo título homenagear Marx. Hoje, o historiador não ousaria mais fechar os
olhos às humildes realidades que comandam a vida de milhões de homens. Não se tem
mais a ilusão que se possa compreender uma sociedade ignorando a organização do
trabalho, a técnica de produção, as relações de classes. (...).
O marxismo continua atual sob a sua forma primeira no conflito ideológico
do nosso tempo. Condenação da propriedade privada ou do imperialismo capitalista,
convenção de que a economia de mercado e o reino da burguesia vão por si próprios para
seu fim e direção ao planejamento socialista e ao poder do proletariado: estes fragmentos
destacados da doutrina não são apenas aceitos pelos stalinistas ou os simpatizantes, como
também pela imensa maioria daqueles que se querem progressistas. A “intelligentsia”
chamada avançada, mesmo nos países anglo-saxões onde jamais leu O Capital, subscreve
quase que espontaneamente a estes preconceitos” (O ópio dos intelectuais, 1980, p. 113).
Por isso que, Roberto de Oliveira Campos, ao prefaciar a edição de 1980 do
livro O Ópio dos intelectuais, define-o como um “tratado contra o fanatismo”.
Para ele, “Aron se volta contra o fanatismo de esquerda, que se saiu vitorioso
da Segunda Guerra Mundial, mas não sem ser contaminado pelo desejo ardente de
violência purificadora, do extremismo de direita, com a única diferença que este advoga
a violência pura, enquanto aquele apresente sob a roupagem de premissas humanitárias e
redentoras.
Ao denunciar os mitos e as simplificações fideístas, Aron prestou um grande
serviço à causa da tolerância. E fê-lo quando os desapontamentos subsequentes e os
desmentidos históricos do profetismo marxista ainda não eram tão claros quanto hoje.
Como notou Bettiza, sua contribuição principal foi rejeitar os mitos solipsistas:
- só a esquerda está habilitada a enunciar o futuro;
- só a revolução pode eliminar o mal e o erro das coisas humanas;
- só o proletariado é capaz de trazer à humanidade a salvação que ela em vão
busca há milhares de anos;
- a história é o motor e síntese desse processo grandioso” (p. 7/8)
Destaco a frase, que pode servir de norte à compreensão da essência e da
importância atual do pensamento de Aron: ele presta “um grande serviço à causa da
tolerância”.
Nesse sentido, Aron se comunica com os dias atuais como nunca porque a
tolerância (ou a falta dela), sem dúvida, está na pauta do dia. Basta pensar no crescimento
do terrorismo, preconceito com os refugiados, ascensão dos partidos da extrema direita

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(Trump nos EUA, as últimas eleições francesas, etc.). No Brasil, a recente crise política
demonstra uma polarização de ideologias que inviabiliza diálogos racionais e
construtivos9.

6) A Escola de Frankfurt.

A Escola de Frankfurt era formada por um conjunto de pensadores com menos


rejeição dentro do mundo universitário burguês. Tanto é assim que Habermas, hoje um
pensador liberal, foi também um de seus expoentes.
Seus teóricos não tinham as mesmas visões sobre a sociedade, mas
vinculavam-se a um certo tipo de reflexão geral do marxismo. Por promover crítica à
racionalidade burguesa era também chamada de escola da teoria crítica.
Pensadores da escola:
a) Marx Horkheimer: considerado o pai da escola, foi responsável por
estruturar as linhas gerais de seu pensamento no início das reflexões do grupo na década
de 30.
b) Theodor Adorno: filósofo alemão. Talvez o mais estudado de todos do
grupo.
c) Herbert Marcuse: um dos mais conhecidos popularmente, seu pensamento
foi inspiração de muitas revoltas políticas.
d) Outros: Walter Benjamin, Erich Fromm (psicanalista), Wilhelm Reich
(psicanalista) e Franz Neumann (jurista).
A Escola de Frankfurt frutificou uma época bastante importante para o
pensamento político marxista, porque começou a produzir as suas reflexões na década de
1930, tendo nas décadas de 1940 a 1970 alcançado o seu auge. Já falava de todos os
grandes problemas do capitalismo desenvolvido no século XX (industrialização,
cooptação das massas trabalhadoras a benefício da sociedade de consumo
socialdemocrata).
O denominador comum da Escola de Frankfurt é a tentativa de entender a
sociedade por um viés crítico, e não como ela se nos apresenta à primeira vista. O

9 Nesse sentido, Mário Zeidler Filho: http://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/o-dever-da-tolerancia-


raymond-aron-e-o-opio-dos-intelectuais-91890/, acesso em 12/7/2017.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

problema da razão é central para esse entendimento crítico.


O senso comum imagina que a sociedade é injusta porque que lhe falta razão.
Para a Escola de Frankfurt, a dominação da sociedade ocidental, do capitalismo, não é
feita irracionalmente, não é feita contra a razão, mas construída a partir dela. O
capitalismo impulsiona uma razão de dominação; fomenta a racionalidade para dominar
melhor e mais.
A Escola de Frankfurt dirá que há uma racionalidade intrínseca na sociedade
capitalista contemporânea, que é chamada de razão instrumental (contabilista, calculista,
cientificista e técnica). Essa racionalidade cria máquinas, constrói computadores, faz
robôs, cria novas armas de guerra, inventa institutos jurídicos; utiliza-se de toda uma
estrutura de engrenagens racionais para dominar a sociedade.
À essa razão instrumental, que se presta à dominação, deve se levantar uma
razão crítica que aponte seu caráter de exploração, dominação, injustiça. Daí porque a
Escola de Frankfurt ser também chamada de Escola da Teoria Crítica.
A Escola de Frankfurt não reputava que esse tipo de razão instrumental fosse
apenas típico de engenheiros, cientistas, homens de contas. Pelo contrário, a razão
instrumental invade o senso comum, e chega até mesmo a distorcer as próprias ciências
humanas, os valores morais, os princípios e as aspirações e ideais sociais.
Hitler, no auge da dominação capitalista, usava a sociologia e a psicologia de
massas para buscar melhores dados estatísticos sobre a sociedade, tencionando entender
como dominá-la melhor, por meios racionais. Como um homem médio aceitava com
empolgação o poder de Hitler? Por meio de grandes eventos, grandes passeatas, desde
que os nazistas se valessem de tais e quais palavras e gestos, usando o cinema, os jogos
olímpicos, a arte, tudo isso, enfim.
A Escola de Frankfurt, assim, entendia que o capitalismo, como modo de
dominação, não se valia apenas do irracional, das crenças cegas (típica da velha
dominação da Igreja). Hitler não se baseava em crenças absurdas, dizia coisas que o
alemão queria ouvir. E tais coisas soavam profundamente racionais.
Para melhor entender a sociedade capitalista é preciso construir uma crítica
racional que enfrente a própria razão, porque a racionalidade está contaminada de cima
para baixo pela lógica da dominação. O homem sabe operar uma máquina, construir um
carro, desenvolver uma bomba atômica, mas não sabe dar comida para quem está ao seu
lado. Que razão é esta que manda o homem para a Lua, mas não sabe dividir o pão com
o vizinho?

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O direito é um dos grandes artefatos desta razão instrumental que torna a


sociedade capitalista plenamente dominada. As injustiças não se fazem apenas quando se
vai contra o direito, mas, principalmente, pelo próprio direito. Socialmente, as injustiças
jurídicas não são os atentados contra as leis, mas as próprias leis.
A dominação social não é um procedimento de força bruta, violência física,
mas sim um processo refinado de institucionalização social do domínio. Nas faculdades
de direito são ensinadas operacionalidades jurídicas para que a sociedade seja dominada,
mas de tal modo que nós chamemos a tudo isso de ordem.
Para o jurista e o estudante de direito que passa cinco anos tentando aprender
o mínimo sobre as leis, percebe-se que não é fácil entender o aparato racional dessa
dominação jurídica. A sociedade ocidental está, portanto, permeada dessa complexa razão
instrumental. Falta-lhe a razão crítica, que é a reflexão profunda a respeito das próprias
razões da sociedade, suas opressões e injustiças, e os caminhos por ela escolhidos para
libertar-se ou não.
A filosofia e a sociologia analíticas, que estudam os dados da realidade,
fragmentando-os, são a típica razão instrumental. O método analítico é instrumental por
excelência.
O homem sabe fazer um robô, construir uma bomba atômica, mas não sabe
para quê. Sabe quantos são pobres, quantos se suicidam, quantos não têm acesso à justiça,
mas nada transforma. Constrói-se uma técnica de conhecimento da injustiça para mantê-
la ou, simplesmente, para bem qualificá-la.
Por isso, a muitos não sensibiliza dizer que um direito que dá poder ao rico e
tira do pobre seja irracional, porque ele aparenta ser profundamente racional. Tem uma
lógica de dominação e injustiça perfeita. A falta de razão é a tragédia, mas a razão também
é a tragédia. Tanto aquele que resolve um problema na bala quanto o que o maneja pelas
leis resolvem tragicamente, dominando, segregando, injustiçando.
Walter Benjamin é um desse pensadores de Frankfurt extremamente
marcantes quanto à questão da tragédia da razão. Tornou-se marxista a partir do judaísmo
e foi profundamente injustiçado academicamente. Mesmo sendo um dos maiores
intelectuais da história contemporânea, teve as portas da universidade a si fechadas.
Para Benjamin todo ato de civilização é um ato de barbárie, pois aquilo que o
homem civiliza ele explorou. Alguém ganhou um título universitário; vários perderam.
Milhões não têm acesso à universidade, alguns têm. Outro ápice da barbárie é o direito,
pois chancelamos em tribunais em procedimentos complexos a barbárie de nossa

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

sociedade injusta.
Dentre os pensadores da escola, Herbert Marcuse é quem mais leva adiante a
ideia de uma sociedade dominada racionalmente. Ele trouxe para o entendimento da
sociedade a psicanálise. Ao lado de Marx, Freud passa a ser um dos pensadores mais
importantes para a reflexão de Marcuse. Em sua obra, Eros e Civilização, dá mostras
dessa interessante junção.
Para a psicanálise, há impulsos naturais em todo indivíduo, que buscam o
prazer, mas tais impulsos (id para Freud) são reprimidos pelas barreiras (superego para
Freud) que o próprio indivíduo adota a partir da sociedade. O capitalismo acentua as
necessidades, mas não distribui riquezas nem possibilidades, daí necessitando refrear os
impulsos de prazer dos indivíduos, que se tornam reprimidos, recalcados, frustrando
desejos e aspirações.
Numa sociedade que incentiva o consumismo, o ter, a futilidade, multidões
trabalhadoras nada têm. Elas são privadas de seus desejos em prol da manutenção da
exploração capitalista. Entre o amor, a fraternidade, o sexo (tudo isso a que Marcuse
chama de Eros) e o ódio, a divisão, a exploração, a injustiça, o poder só para alguns, a
morte (por ele chamados de Thanatos), a sociedade capitalista se encaminha a passos
largos para esta última direção.
Na proposta freudiana, o id é um impulso de prazer inato dentro de nós, uma
busca de prazer que se revela desde muito cedo. As proibições do superego, no entanto,
não nos são inatas, são-nos ensinadas. Trata-se aqui da castração dos prazeres. Tal
repressão advém da sociedade: os pais ensinam as boas regras, o vizinho zomba dos maus
jeitos, a escola doutrina. O adulto bem educado é a criança bem castrada: faz tudo direito,
conforme lhe mandam, não tem impulso contestador.
Alguns princípios da castração também hão de se revelar, fundamentalmente,
no Estado e no direito. O policiamento, as boas condutas, o respeito à propriedade alheia,
o sofrimento, a miséria, tudo isso está institucionalizado. O direito e o Estado, de tal modo,
representam imediatamente os imperativos de ordem. O resultado disso, a civilização, é
o superego dominando o id, ou seja, a repressão dominando o prazer.
Para Marcuse e para outros pensadores (Erich Fromm e Wilhelm Reich) que
a seu modo tentaram juntar o pensamento de Freud com o de Marx, a sociedade capitalista
é profundamente neurótica, doente em sua psique coletiva. O Brasil tem terras nas quais
haveria facilmente comida para todos, no entanto, a maioria da população não tem as
mínimas condições de comida, casa, saúde etc. Resplandece a exuberante felicidade de

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

alguns ao lado da mais profunda miséria da maioria.


A sociedade capitalista é, pois, profundamente esquizofrênica. Ela vive do
consumo, incentiva o consumo, mas impede a maioria de consumir. Se a pessoa que é
incentivada a consumir não tiver dinheiro e rouba, será presa. O capitalismo incita o
prazer, mas castra as possibilidades da maioria.
Dirão os pensadores da escola que a sociedade capitalista é estruturalmente
doente. A elite não percebe a doença, pois o que quer ela tem. Mas a maior parte do povo
aprende a nem querer porque não pode ter. E o direito é um dos grandes instrumentos de
manutenção dessa doença social. O direito dá a chancela a possibilidade de alguns terem
o que o resto não tem.
Essa é a razão instrumental esparramada pela sociedade moderna. O
capitalismo é racional para dominar. Contrariamente a isso, é preciso apontar para uma
sociedade que seja socialista. Para Marcuse, o socialismo é a distribuição do prazer. Diz
que quando acontecer a libertação do homem em relação ao trabalho e à exploração, todas
as coisas (o corpo humano, os objetos, a natureza) serão reerotizadas. Daí a preocupação
socialista com a ecologia. Os primeiros movimentos em prol da ecologia foram discípulos
de Marcuse. Foi ele quem inspirou diretamente os hippies. Manifestou-se contra a Guerra
do Vietnã e a favor dos movimentos estudantis na Europa (1968) e foi chamado de louco
nos EUA nas décadas de 1960 e 1970.
A inquietante pergunta sociológica que ressoa da leitura dos textos dos
pensadores de Frankfurt, é justamente o papel do direito como instrumento racional de
manutenção social da ordem, da exploração, da injustiça, muito longe de uma grande
fraternidade socialista de distribuição de riquezas, das felicidades, das possibilidades.

7) Sociologia do direito brasileiro.

Palavras-chave: O Brasil colônia se incluiu historicamente no capitalismo


periférico/exacerbado (e não no feudalismo), porquanto observava uma superexploração
através da escravidão (Caio Prado Júnior). Esse excesso de capitalismo marca o País
desde a colonização. Raimundo Faoro se vale bastante do capitalismo patrimonialista
para explicar a associação direta entre a burguesia e o Estado. Após, observa-se uma
“Modernização conservadora”, donde o Estado confere direitos sociais e trabalhistas, mas
mantém as classes trabalhadoras exploradas e controladas. Por fim, a história

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

contemporânea brasileira traz dois momentos: um de redemocratização e ganhos na área


social e outro neoliberal, que perdura até a atualidade. Essa transição para o
neoliberalismo impediu a Constituição de 1988 de produzir seus efeitos sociais previstos.
A Sociologia do direito brasileiro (e não brasileira) cingir-se-á a estudar a
aplicação da sociologia do direito da nossa realidade nacional e não os pensadores de
sociologia do direito nascidos no Brasil.
O grande eixo de reflexão da sociologia do direito no Brasil resulta de nossa
especificidade histórica, que goza de uma dupla desgraça: na atualidade é uma nação
periférica do capitalismo, ao mesmo tempo que apresenta uma herança de injustiças
típicas de colônias capitalistas escravistas.
Prega o autor a necessidade de superar as injustiças do capitalismo, que
ensejam o abandono social de grande parte do povo, ex.: a lei do morro, a norma do
tráfico, as regras da periferia esquecida; áreas que o direito não se pronuncia.
Uma primeira grande teoria geral de explicação sociológica do direito
brasileiro analisou que o Brasil tem ao mesmo tempo relações do tipo capitalista e
relações do tipo feudal, pois ao mesmo tempo que tem lei (pressuposto do capitalismo,
segundo Marx e Weber), essa lei não vale para os donos do poder – ex.: coronéis do
interior ou político populista de São Paulo.
O autor discorda dessa visão, e explica que quando a sociologia tornou-se
uma disciplina mais rígida no Brasil, autores como Caio Prado Júnior e Raimundo
Faoro observaram que essa explicação é rasteira.

a) Caio Prado Júnior.

Caio Prado Júnior, na década de 30, nega que o Brasil seja ao mesmo tempo
capitalista e feudal. Explica que o Brasil foi colonizado por Portugal com finalidades
capitalistas, nunca tendo existido no nosso País estruturas do tipo feudal. Ou seja, o Brasil,
desde o início, é voltado ao mercado.
O autor explica que há uma diferença sociológica entre a institucionalização
do direito brasileiro e a institucionalização do direito na Europa. Na Europa, havia
relações entre o capital e o trabalho do tipo assalariado (aviltante salário, mas havia), já
no Brasil, sequer salário existia (escravidão); o que incluía nosso País na periferia do
capitalismo. Esse fenômeno é chamado de “superexploração” (ou “sobre-exploração”)
capitalista, visando explicar a relação entre capitalista e escravo. Trata-se, segundo

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Mascaro, de um capitalismo de chicote e senzala, exacerbado, pois sequer dá ao


trabalhador a recompensa do salário.
Reitera, não é uma relação feudal, entre senhor e escravo, pois o senhor
sobreviveria da autonomia da produção do seu feudo; já na colonização, a produção do
Brasil estava voltada ao mercado estrangeiro, europeu.
Mascaro rechaça a crítica neoliberal de que no Brasil seria um país de mazelas
não-capitalistas, relembrando o excesso de capitalismo que marca o País desde a
escravidão.
Destarte, é possível definir que a economia brasileira é capitalista lastreada
nos contratos com o exterior e na defesa intransigente da propriedade da terra no País,
dispensando de grandes alicerces jurídicos para que explore os escravos. Não se produziu
historicamente no Brasil um mercado consumidor interno; o direito se orientou à garantia
dos proprietários.
Desde o tempo da colonização, o sistema jurídico nacional é dependente das
grandes relações capitalistas que se passam, via de regra, no exterior. O direito vendo
sendo muito débil ao povo, sem a máscara da universalidade típica do capitalismo central,
ensejando uma contundente clivagem jurídica de classes.
O capitalismo patrimonialista (ou patrimonialismo) é uma forma de
organização econômica-produtiva na qual a burguesia se põe em associação direta com o
Estado. Mais que isso, agem como sócios: o Estado adquire bens e é o grande vendedor,
acumulador de propriedades e patrimônios (daí o nome). Daí se entender que a lei só
existe contra os miseráveis e não contra o burguês – ex.: dificuldade de se prender um
dono de banco. Neste viés, não se estabelece distinção entre o que seja interesse público
e interesse diretamente particular do monarca (gênese do “jeitinho brasileiro”). A
categoria sociológica do patrimonialismo advém da tradição weberiana e, no Brasil, foi
muito utilizada por Raimundo Faoro.
Com a era Vargas, iniciou-se um modelo intervencionista (ex.: aparição de
direitos sociais, trabalhistas), evitando uma explosão de revoltas socialistas e comunistas.
Este fenômeno resultou na formação de um capitalismo mais complexo, adquirindo
características de desenvolvimentismo, uma vez que a intenção foi a de acelerar o
crescimento econômico nacional por meio da concentração de capital. Vislumbra-se a
formação de um incipiente mercado interno, que progredindo no tempo, abriu espaço à
dita classe média.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Esse desenvolvimentismo econômico ensejou a transição de um modelo agro-


exportador para um modelo industrializante moderno e conservador. O povo continua
explorado, inexistindo alterações substanciais liberadoras. O autor identifica, então, que
houve uma “Modernização conservadora”. Juridicamente, essa modernização
conservadora revelou-se como uma contradição, pois ao mesmo tempo que conferiu
direitos sociais e trabalhistas, manteve as classes trabalhadoras exploradas e controladas.
A história contemporânea do direito brasileiro apresenta dois momentos
opostos: um primeiro de redemocratização e ganhos na área social e outro neoliberal, que
perdura até a atualidade.
Nesse primeiro momento – de redemocratização – surge a Constituição de
1988, ao mesmo tempo melhor diploma legislativo já produzido pelo Brasil e freio aos
ímpetos sociais revolucionários emergentes. Contudo, quando a hora do interesse social
chegou, o Brasil mudou seu padrão econômico e passou a ser neoliberal; tornou as normas
sociais da Constituição letra morta.
Esta transição impediu a Constituição Federal de produzir os efeitos sociais
previstos, abrindo desenfreadamente a economia do Brasil para o exterior e obstando que
o Estado nacional tivesse um papel de planejamento ou intervencionismo, tampouco de
correção das desigualdades sociais.
O pensamento neoliberal prega o conformismo do Brasil continuar sendo a
periferia do mundo capitalista. Mais uma vez não houve movimento jurídico brasileiro
produzido a partir das classes trabalhadoras.
Ao se lastrear a democracia política e jurídica num sistema econômico
concentrador e explorador, como o caso do capitalismo, deu-se margem a uma frágil
democracia e a frágeis direitos humanos e sociais.
Com efeito, vem se apresentando na realidade brasileira e mundial, um
cenário de guerra e imperialismo, que se distancia de uma efetiva liberação dos povos e
dos explorados de falta de direitos, de falta de efetiva cidadania.
Conclui o autor que o ideal do jurista e da sociologia do direito é o mundo
plenamente justo, civilizado e fraterno.
Caio da Silva Prado Júnior 10 é um intelectual do pensamento social
brasileiro, marcado por uma preocupação política nacionalista e de modernização do País.
Sua obra mais famosa é “Formação do Brasil Contemporâneo – Colônia”, donde propõe

10 Nota da edição: parágrafo retirado de outro tópico.

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entender o passado para compreender e atuar politicamente no presente; tudo com intuito
de mudar a realidade. Por ela, tenta mostrar que a solução do País estaria no mercado
interno. Isto porque, analisa que o Brasil seria dependente por ser exportador e a
independência política e econômica apenas viria com a constituição de um mercado
interno. Analisa que o desenvolvimento da colônia cingiu-se a atender aos interesses da
metrópole (Portugal), tratando-se de uma exploração extensiva e simplesmente
especuladora dos recursos naturais do país. Ele parte do abstrato, buscando compreender
o sentido da colonização, para o concreto, demonstrando os resultados práticos do
processo de colonização. Nega a presença de um caráter feudal na história do País, pois
se assim fosse, a luta social seria dada a partir da reivindicação da propriedade da terra,
enquanto, em verdade, os operários do campo reivindicavam leis trabalhistas. Foi o
primeiro a nacionalizar o marxismo, interpretando-o como método de abordagem.
Analisa as desigualdades, diversidades e contradições sociais. Sua “redescoberta do
Brasil” foi radical; “redescobrir o Brasil”, para ele, significa ver que ao lado da elite existe
a grande massa da população brasileira e, nesta “face oculta”, reside o verdadeiro Brasil.
Vale dizer, Caio Prado deu a devida importância para os setores populares e pôs ênfase
no papel de grupos sociais menos privilegiados. Ele via nos trabalhadores, nas próprias
massas populares, os protagonistas para a mudança da realidade. Mas, para este mister,
seria fundamental que esses mesmos trabalhadores, através de sindicatos, partidos e da
própria luta cotidiana, conseguissem uma elevação material e cultural, adquirindo
consciência política de seu destino, de sorte a desembocar no “socialismo” (ainda que a
longo prazo), num esquema de “revolução”, que poderia ser caracterizada como
gradualista e processual.

b) Raimundo Faoro11.

Raimundo Faoro é autor da obra “Os Donos do Poder”, que visa identificar
os donos do poder ao longo da história. Analisou a formação do patronato brasileiro e
buscou as raízes de uma sociedade na qual o poder público é exercido, e usado, como se
fosse privado. Esta obra aponta o período colonial brasileiro como a origem da corrupção
e burocracia, porquanto impediu o desenvolvimento de uma nação independente. Afirma

11A parte a seguir não consta do livro do Mascaro, mas visa cobrir o item A.7 do edital (pensamento dos autores
destacados).

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

que toda a estrutura patrimonialista de Portugal foi trazida para cá, tornando-se a estrutura
de nossa economia política. Esta concepção de Estado patrimonialista colocaria a
propriedade individual como sendo concedida pelo Estado, caracterizando uma
“sobrepropriedade” da coroa sobre seus súditos. Como dito por Mascaro alhures, Faoro
nega a existência de um regime propriamente feudal nas origens do Estado brasileiro.
Afirma que o que se teve no Brasil foi um capitalismo politicamente orientado, conceito
este de inspiração weberiana, que atribui ao Estado patrimonial e seus funcionários
características de um estamento burocrático, ainda que este impeça a consolidação de uma
ordem burguesa propriamente dita no País. Noutras palavras, o poder no Brasil sempre
teria sido exercido por meio de estamento burocrático, uma vez que ausente um “quadro
administrativo”, a chefia se dispersa e assume um caráter patriarcal, identificável no
mando do fazendeiro, senhor do engenho, coronel. No ponto, o estamento governante,
aludido por Faoro, não seria àquela burocracia moderna, organizada em carreira
administrativa e cujos integrantes agem segundo os padrões da legalidade e racionalidade
(de classificação weberiana); seria, pois, um grupo estamental correspondente ao tipo
tradicional de dominação política, em que o poder não é uma função pública, mas sim
objeto de apropriação privada. Ao contrário da visão marxista, Faoro não procura a
explicação na infraestrutura, ou seja, na sociedade civil, mas antes na superestrutura, isto
é, no Estado.

B) PSICOLOGIA JUDICIÁRIA12.

1) Conceito e importância para o Judiciário. Integração da Psicologia e o


Direito.

a) Conceito e importância.

Segundo Maria Helena Diniz, a psicologia forense, ou jurídica, “é aquela


aplicada ao melhor exercício do direito, não se limitando a solucionar apenas problemas

12 Livro: noções gerais de direito e formação humanística, Yk editora.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

voltados a assuntos processuais ou de direito penal, de criminologia, de regime


penitenciário ou policial.”
O objeto são os comportamentos, que devem ser de interesse jurídico,
ocorrendo, portanto, no campo de interseção com o mundo jurídico.
O psicólogo deve limitar-se a tão somente descrever e analisar os aspectos
psicológicos envolvidos na questão, deixando que os operadores do direito decidam. É
possível afirmar que, naturalmente, a prova técnica prepondera sobre a prova
testemunhal, dando maior grau de confiabilidade e segurança à prestação jurisdicional
A atuação do psicólogo dentro do sistema judiciário, que, na maioria das
vezes, se limitava à elaboração de laudos e pareceres, hoje é bastante abrangente, podendo
assim ser colocada como presente e necessária no âmbito do mundo jurídico. O psicólogo
jurídico atua fazendo avaliações psicológicas, perícias, orientações, pareceres,
acompanhamentos, contribui para políticas preventivas, estuda os efeitos do jurídico
sobre a subjetividade do indivíduo, entre outras formas de atuação. É possível dar como
exemplo a lei que regula a síndrome de alienação parental (Lei 12.318/2010 – artigo 5º).
Pode-se dizer, então, que a psicologia jurídica se caracteriza como um
campo de interseção entre a psicologia e o direito. Tem como finalidade aplicar os
conhecimentos oriundos da Psicologia no campo jurídico com o intuito de estudar o
comportamento humano no âmbito das relações das pessoas com a Justiça.
Utilizando-se, assim, dos princípios e métodos da Psicologia para auxiliar nas
decisões judiciais bem como na avaliação de perfis e da conduta humana, no
interesse de explicar, pelos fenômenos psicológicos no que diz respeito ao
comportamento do sujeito no contexto jurídico.
A psicologia jurídica é aplicada de forma exclusiva pelo poder judiciário e
contribui com um estudo sério sobre o comportamento humano, suas estruturas
psicológicas e a sua interação com a sociedade. Especialmente as motivações e intuições,
que são dimensões importantíssimas para o juiz, tanto na área criminal quanto na área
cível e de família, ao pronunciar suas decisões.

b) Integração com o Direito.

A Psicologia e o Direito são áreas do conhecimento científico voltadas para a


compreensão do comportamento humano. Porém, diferem quanto ao seu objeto formal: a
Psicologia volta-se ao mundo do ser, e tem como seu ponto de análise os processos

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

psíquicos conscientes e inconscientes, individuais e sociais que governam a conduta


humana; o Direito, por sua vez, volta-se ao mundo do dever ser, e supõe a regulamentação
e legislação do trabalho interdisciplinar entre médicos, advogados, psiquiatras e
psicólogos jurídicos.
Embora haja muito ainda a caminhar e construir enquanto identidade
profissional, a psicologia jurídica atua ao lado do Direito em diversas formas: no
planejamento e execução de políticas de cidadania, observância dos direitos humanos e
combate à violência, orientação familiar, entre outras.
No Brasil, a atuação da Psicologia está regulamentada pela Resolução do
Conselho Federal de Psicologia n.º 13/2007.
A psicologia jurídica iniciou sua trajetória quase exclusivamente elaborando
pareceres psicológicos, baseados no psicodiagnóstico, nas realizações de perícia e exames
criminológicos. Porém, nos dias atuais o trabalho do psicólogo jurídico está cada vez mais
amplo, referindo-se à Justiça como um todo. Compreende-se que o trabalho da psicologia
das instituições não está restrito a identificar patologias ou elaborar psicodiagnósticos,
mas deve também desenvolver métodos preventivos, a fim de mitigar os problemas e
diminuir a litigiosidade.
Não deve o Psicólogo se converter em “juiz oculto”, ou seja, não deve se
imiscuir na decisão judicial, nem deixar de obrar de forma neutra, sob o ponto de vista da
prestação jurisdicional. O profissional da área da psicologia deve se ater aos meandros de
seu mister, deixando as considerações jurídicas a cargo dos operadores do direito.
No direito de família torna-se imprescindível a atuação do psicólogo. As
questões familiares são amplas, complexas e envolvem elementos psicológicos, na
medida em que envolvem questões da vida íntima das pessoas e, no campo jurídico,
direitos da personalidade. Exemplo disso são as ações de guarda, adoção e interdição. O
estudo psicológico, além de detectar “algo encoberto” ou mesmo disfarçado pelas
famílias ou pessoas envolvidas no processo, ajuda a evitar erros que trazem grande
sofrimento e grandes transtornos para serem revertidos.
Ademais, a psicologia jurídica desempenha papel importante no que toca à
violência doméstica e familiar contra a mulher, em decisões que envolvam, por exemplo,
o ambiente familiar deteriorado (Lei 11.340/2006), o entendimento do comportamento da
mente do autor do crime, e também os casos relacionados com a situação de risco das
crianças e adolescentes, cuja solução está afeta á Vara privativa da criança e do
adolescente (lei 8.069/90).

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Para os juristas essas noções de psicologia jurídica servem para que estes
não sejam totalmente leigos diante de um laudo pericial psicológico, muito embora
contem com o papel dos assistentes técnicos. Além dos inúmeros benefícios na
compreensão global dos casos a eles confiados, o conhecimento técnico permite aos
advogados, promotores e juízes uma visão mais ampla, que certamente refoge ao
dogmatismo do direito.

2) A importância da psicologia e da psiquiatria no âmbito da execução das penas.

O processo de individualização da pena começa na dosimetria penal (art. 59


do CP), mas não se esgota no exato momento em que o juiz profere a sentença, aplicando
o critério trifásico na fixação da pena.
De fato, a individualização perdura durante toda a fase de cumprimento da
pena, exigindo muitas vezes uma serie de adaptações durante a execução penal,
oferecendo ao sentenciado condições mais favoráveis à sua recuperação e reinserção
social.
São exemplos de instrumentos do princípio da individualização da pena
previstos na Lei de Execução Penal (LEP): exame de personalidade, exame criminológico
e parecer da Comissão Técnica de Classificação (CTC).
A classificação do preso (art. 5º) é realizada pela CTC, formada por equipe
interdisciplinar de psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, que tem a incumbência de
elaborar um programa individualizado da pena para cada condenado (art.
6º).Atualmente a CTC não acompanha o programa e nem avalia sua eficácia,
participando apenas do momento da individualização, logo no início da fase
executória.
A psicologia e a psiquiatria aparecem com protagonismo durante a execução
da pena também no chamado exame criminológico, previsto no art. 8º da LEP. É possível
conceituar o exame criminológico como “análise médica, psicológica ou social feita do
condenado à pena privativa de liberdade em regime fechado pela CTC, para a
elaboração de parecer que opine sobre sua aptidão físico-mental”(M. H. Diniz,
dicionário cit.). Assim, o exame criminológico consiste numa perícia multidisciplinar, da
qual participam psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, preferencialmente
envolvidos com o cotidiano do preso.

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A finalidade desse exame é fornecer subsídios ao magistrado para a


individualização da execução da pena, sempre em benefício da ressocialização do
condenado. Avaliam-se as condições pessoais do condenado, suas funções psíquicas e
biológicas, fatores sócio familiares, buscando compreender a conduta criminosa, estimar
a probabilidade de futuros desdobramentos dessa conduta e, assim, propor tratamento e
medidas que reduzam a probabilidade de reincidência.
Atualmente, admite-se o exame criminológico apenas mediante decisão
motivado (súmula 439, STJ: Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do
caso, desde que em decisão motivada).
Também há de se destacar o exame de personalidade, previsto na LEP, mas
pouco aplicado na prática. Ele volta-se à pessoa do condenado, e não somente a seu “lado
criminoso”, tendo por objetivo compreende-la, conhecendo sua vida, personalidade e
identidade.

3) Psiquiatria forense.

Trata-se de uma subespecialidade da área da psiquiatria que a interliga com a


lei. Os profissionais avaliam o estado mental dos indivíduos e emitem pareceres sobre a
sua aptidão para os atos da vida civil e para serem criminalmente responsabilizados,
concluindo pela existência ou não de transtornos ou enfermidades mentais.
A essencialidade da Psiquiatria Forense reside no fato de que muitas doenças
alteram a conduta dos agentes de tal modo que terminam por gerar problemas legais a
eles.
Principais Temas da Psiquiatria Forense:
Responsabilidade penal: Caso o agente comitente da prática delitiva seja
portador de doença mental ou transtorno de conduta, ele passará pela avaliação do Serviço
de Psiquiatria Forense.
Capacidade civil: Em caso de incapacidade mental, a lei brasileira prevê a
possibilidade de inaptidão para a prática de atos da vida civil. Para tanto, o sujeito passará
por uma avaliação denominada perícia, realizada pelo profissional da Psiquiatria Forense.
Posse e guarda de filho menor: Qualquer transtorno mental ou
comportamento patológico de qualquer dos pais implica gravemente na decisão final, de
modo que o diagnóstico realizado pela psiquiatria legal é essencial.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Infanticídio: Para o diagnóstico do estado puerperal, adota-se como critério


a análise biopsicológica, na qual além da existência de doença mental a capacidade
cognitiva ou volitiva também deve estar prejudicada. O Código Penal de 1940 exige a
comprovação médica desse estado. Daí a necessidade do diagnóstico pericial que avaliará
a mulher e suas condições psíquicas no momento da ação ou omissão causa do homicídio.
Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha): O foco da avaliação é a violência
psicológica à mulher.
Stalking: É a perseguição persistente e implacável à vítima. Relaciona-se a
uma intrusão persistente na vida de uma pessoa, por meio de contatos indesejados,
ameaças e invasão de privacidade. O problema quanto ao diagnóstico e caracterização da
conduta é que, na grande maioria das vezes, o perseguidor não chega a cometer qualquer
ato ilegal. Todavia, trata-se de um conjunto de ações passíveis da cominação em sequestro
e homicídio.
Dependência química: Análises de critérios clínicos.
Retardo mental: Quadro neuropsiquiátrico de causa multifatorial, provoca a
redução de habilidades cognitivas, sociais ou laborais em graus variados e grandes
repercussões nos direitos e deveres estabelecidos pelas leis. O psiquiatra forense deve não
apenas diagnosticar a patologia, como também esclarecê-la ao portador, seus familiares,
bem como à justiça as possíveis repercussões do déficit, e suas implicações aos
responsáveis no que toca à legislação vigente.

4) A interdisciplinaridade nos casos judiciais complexos.

A Psicologia Judiciária também se utiliza de outros ramos do conhecimento,


particularmente a neurociência, na busca da compreensão do comportamento humano
dentro da específica realidade que lhe diz respeito.
Nesse sentido é que no direito de família, por exemplo, torna-se
imprescindível que os operadores do direito possam atentar para a contribuição dos
aspectos psíquicos imperativos envolvidos num processo de decisão da guarda de uma
criança.

5) A Psicologia da Conciliação.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O comportamento humano é determinado por mecanismos biológicos


(filogênese), pela história de vida pessoal (ontogênese) e pela cultura na qual o indivíduo
está inserido.
De acordo com Freud, o ser humano vive em uma eterna posição de conflito
entre um princípio do prazer, isto é, sua necessidade de realizar todos os seus desejos e
impulsos, e um princípio da realidade, que contempla as possibilidades concretas
impostas pela vida, limitando o indivíduo física ou moralmente.
De um ponto de vista psicológico, o conflito entre realidade e desejo se torna
definidor de toda e qualquer relação do sujeito com o mundo em que está inserido.
Necessidades distintas das pessoas irão naturalmente produzir conflitos entre elas.
O mencionado conflito leva à lide, passando a haver uma pretensão resistida.
Têm-se um conjunto de percepções, crenças e interesses, conscientes e inconscientes,
competindo ao magistrado decidir em consonância com os fatos comprovados.
Para a solução efetiva dos conflitos, é essencial que o magistrado possa
perceber esses mecanismos, encontrando os verdadeiros interesses por trás do conflito.
Para isso, é fundamental o autoconhecimento.
Consoante entendimento de Burness Moore e Bernard Fine:
A teoria atual vê a formação do conflito em termos de uma sequência: os
desejos instintivos entram em conflito com proibições internas ou externas; o ego é
ameaçado e produz ansiedade sinal; as defesas são mobilizadas e o conflito é resolvido,
por via de formações de compromisso, em sintomas, mudanças de caráter ou adaptação13.
Deve-se atentar, em cada caso concreto, qual o foco gerador do conflito,
podendo distingui-los em dois tipos, segundo ZAJDNADJER:
O primeiro tipo de foco gerador caracteriza-se pelo fato de que o objeto de
disputa é vital para ambas as partes. Neste caso, a situação objetiva é conducente ao
conflito, qualquer que seja a intenção das partes;
O segundo tipo de foco gerador refere-se aos casos em que o objeto de disputa
torna-se vital como resultado de decisões anteriores, desejos ou ambições. Este resultado
dificulta ou mesmo impossibilita retroceder, seja porque se vai preparado materialmente
para o conflito, seja porque em termos psicológicos vai percebendo a realidade e as

13 Fl. 91 cit. 148

66
Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

relações à luz do conflito potencial. Os movimentos que se seguem de uma parte ou de


todas as partes envolvidas vão-se encaminhando no sentido de conflito inevitável14.
Segundo Marilene Marodin e Stella Breitman, o conflito entre as partes é
impulsionado pelo conflito intrapsíquico, o que pode levar a interações caóticas, tornando
o diálogo impossível. Afinal, as partes relatam sua versão da história de acordo com sua
percepção dos fatos e motivações inconscientes, o que acarreta uma série de contradições.
Para que tal diálogo, essencial para uma negociação legítima, seja possível, é preciso
decodificar detalhadamente os relatos fornecidos, tendo em vista identificar os interesses
neles ocultos e sanar assim as contradições entre os objetos das pessoas envolvidas15.
Uma vez que um conflito é jurisdicionalizado, pode haver uma transferência
dos conflitos para a pessoa do magistrado ou para o objeto do processo. No entanto, o
Processo Judicial é distinto do Processo Psicológico, e o fim de um deles não implica,
necessariamente, o fim do outro. Isso pode levar a condutas cada vez mais litigiosas.
Com a distinção processo judicial/psicológico, o fim do processo judicial,
desentranhado do processo psicológico, geralmente conduz a sentimentos de frustração,
obstruindo a execução da sentença, gerando novas lides e criando um círculo vicioso.
Tendo em vista a superação dessas dificuldades intrínsecas ao processo judicial, têm-se
buscado, de forma premente, a solução pacífica destas lides, isto é, através de métodos
negociais, como a conciliação, mediação, etc.
Essa prevalência de métodos negociais deve-se à percepção da necessidade
do consentimento da outra parte para que os resultados da controvérsia sejam duradouros.
Assim, para José Maria Garcez, o paradigma anterior, baseado na metodologia do
confronto e manipulação e na imposição de decisões de forma autoritária, foi substituído
pela teoria dos métodos cooperativos, que prima pelo consenso entre as partes16.
As formas autocompositivas para resolução de conflitos fazem parte de um
contínuo no qual varia o grau de intervenção externa e de autonomia das decisões das
partes envolvidas no conflito. Dentre tais formas quatro se destacam: mediação,
conciliação, negociação e arbitragem.
Técnicas de negociação e mediação. Procedimentos, posturas, condutas e
mecanismos aptos a obter a solução conciliada dos conflitos.

14 Fl. 91 cit. 149


15 Fl. 92 cit. 150
16 Fl. 92 cit. 151

67
Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Sobre os procedimentos que devem ser adotados pelos mediadores para que
conduzam, de maneira sutil e sem interferência de juízos de valores, a um acordo que
atenda as pretensões e expectativas dos envolvidos, aludem Marilene Marodin e Stella
Breitman:
Qual o procedimento mais adequado do mediador? Em primeiro lugar,
reverter os papeis; de coadjuvantes, os atores passam a ter o papel principal. Eles são os
donos do problema/conflito que o mediador, de modo imparcial e neutro, tentará
conduzir, guiar, administrar sem julgamentos, preferências ou juízos de valor. Ele tentará
reestruturar a possibilidade de escuta recíproca e direta, sem intermediários parciais.
Nesse sentido, o mediador procurará tornar legítima e qualificar as pretensões de ambos.
De forma equidistante e habilmente treinado, não se deixar envolver por nenhum,
mantendo seus próprios juízos de valores e princípios. Isso significa que o Mediador não
participa da cultura beligerante, antes facilita a solução da disputa, o que não significa
resolver o conflito, ou mesmo chegar a um acordo. Ele alcança as ferramentas para as
pessoas refletirem sobre o que está acontecendo.17
Quatro formas de abordagem da maioria dos mediadores, de acordo com
Leonard Riskin18:
Abordagem avaliadora restrita, abordagem avaliadora ampla, abordagem
facilitadora restrita e abordagem facilitadora ampla.
Sendo assim, as abordagens da mediação podem se dar:
1. No eixo da intervenção: a) abordagem avaliadora: o mediador ajuda as
partes a perceber pontos fortes e fracos de suas posições; b) abordagem facilitadora: o
mediador ajuda as partes a identificar as propostas sem avaliar.
2. No eixo de análise: a) abordagem restrita: focada nos elementos em
questão; b) abordagem ampla: identifica os interesses e questões subjacentes aos
elementos da lide.
No que tange as técnicas de negociação, leciona Luciano Zajdznajder:
Durante o processo de negociação, as partes costumam lançar mão de meios
e modos de atingir os objetivos de forma indireta. Isto é, não proclamam abertamente o
que desejam ou o que esperam da outra parte. Estes meios e modos, que em geral tomam
a forma de simulações e de manobras, são utilizados com duas funções: A primeira função

17 Fl. 93 cit. 152


18 Fl. 94 cit 153

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é atingir os processos de conhecimento da outra parte, fornecendo-lhe de maneira indireta


informações sobre suas possibilidades e necessidades. A segunda função é a de atingir o
centro da decisão da outra parte, fazendo-a rever suas expectativas em relação às
possibilidades de concluir a negociação em termos antecipadamente esperados19.

C) ÉTICA E ESTATUTO JURÍDICO DA MAGISTRATURA

1) Ética na Constituição Federal.

Ética é a doutrina da boa vida ou da vida correta, aquela digna de imitação


pelo indivíduo e pela comunidade, sendo mais abrangente que a moral.
Para Ives Gandra da Silva Martins, a questão ética está relacionada
diretamente à democracia, tanto que sistemas que a deixam em segundo plano tendem ao
totalitarismo e ao distanciamento perante os reclamos sociais, fadado assim a uma
durabilidade menor que os demais ordenamentos.
A ética permeia toda a Constituição Federal, em seus vários dispositivos, de
forma direta e indireta, explícita ou implícita. Ela fica mais evidente no capítulo da
Administração Pública, que prevê expressamente a moralidade entre seus princípios (art.
37, caput), eis que a Administração está a serviço da sociedade, sendo que o agir com
probidade inspira confiança nos cidadãos. No neopositivismo é impossível falar-se em
direito sem moral.
Ressalte-se que essa moralidade constitucional não é uma referência à
moralidade subjetiva de cada um, não guardando portanto relação com a ideia de
moralismo. A moralidade da administração significa uma maior permeabilidade do
direito a valores igualmente jurídicos, mas que transcendem da literalidade do texto
da lei, como relativos a questões morais, políticas e econômicas. Moralidade, nesse
sentido, não é algo “para além da legalidade”, mas “para além da literalidade”.

19 Fl. 95 cit 154

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

A preocupação do constituinte originário, ao prever o princípio da


moralidade, foi evitar interpretações reducionistas do princípio da legalidade. Ele amplia
valorativamente o significado da legalidade.
A moralidade liga-se, também, à ação popular e a ação civil pública. No
capítulo IV (organização dos poderes) a exigência ética transparece em dispositivos que
preveem punições aos agentes públicos. No que tange aos magistrados, a CF exige
reputação ilibada (campo da ética) para acesso aos tribunais superiores (arts. 101, 104 e
119).

2) Ética na atuação judicial.

Se faz presente tanto na função jurisdicional como na vida particular do


magistrado.
Sobre o juiz recaem exigências sociais específicas e mais rigorosas que as
relativas às outras pessoas, sendo que sua imagem está indissolúvel e permanentemente
ligada à do Poder Judiciário, personificando uma espécie de “espelho social”, isto é,
modelo de conduta para a sociedade.
Como pacificador social, o juiz precisa ser respeitado pela sociedade, o que
pressupõe conduta ética (art. 93 da CF; Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LC
35/79 e Código de Ética da Magistratura Nacional).
Exemplos dos deveres: agir com presteza, honestidade, coragem, e
desenvoltura; o dever de frequentar cursos de atualização, tendo em vista aprimorar o
exercício da atividade, o dever de residir na comarca e ter dedicação exclusiva à função;
abstenção política; imparcialidade, busca da verdade real; zelo pelo cumprimento dos
prazos e pelo exercício da função com devotamento.
As chamadas Escolas de Magistratura orientam os juízes no sentido do agir
ético e justo e do comprometimento com o bem estar social, garantindo aos juízes uma
visão mais humanística do direito, num sistema democrático de justiça. Ganha espaço
progressivamente o conceito de “justiça cidadã’, pautada pela consciência social e ética
dos magistrados.
O juiz, portanto, deve exercer as funções técnicas, sem descurar dos preceitos
éticos.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

3) Código de Ética da magistratura.

O código de Ética da Magistratura Nacional foi instituído pelo Conselho


Nacional da Justiça (CNJ) através da Resolução n.º 60, de 19 de setembro de 2008.
É fundamental para os magistrados a observância de certos preceitos éticos,
já que a figura do juiz, mais que representar mera profissão, representa um referencial de
justiça e exemplo de cidadania perante os demais grupos sociais. É a principal maneira
do jurisdicionado concretizar um referencial abstrato, que é a justiça em si.
O Código prescreve uma série de disposições gerais e principiológicas sobre
a conduta dos magistrados, que complementam os deveres funcionais do juiz já
positivados no ordenamento jurídico (na Constituição federal de 1988, na Lei Orgânica
da Magistratura Nacional, no Código de Processo Civil, etc.).
A proposta do Código é, pois, complementar, ou seja, ser uma extensão dos
deveres funcionais dos magistrados que advêm, implícita ou explicitamente, de outras
disposições legais.
Em que pese sequer fosse necessário, na verdade, que alguns valores e
princípios éticos estivessem expressos em lei, já que inadmissível portar-se em
desconformidade com tais preceitos, o Código visa fortalecer o Poder Judiciário e, por
consequência, o Estado Democrático de Direito.
Logo, com a edição do Código de Ética, duas correntes se formaram: uma
negativa, entendendo que a ética é um a priori e, portanto, o código de ética seria
uma confissão da inefetividade na seleção de magistrados, e outra, positiva, que
entende ser apenas um reforço de valores já estabelecidos e consolidados. No âmbito
do CNJ, prevalece o entendimento de que a normatização de preceitos éticos é válida
na medida em que reforça a importância desses preceitos e reafirma o compromisso
institucional que assumem os juízes no que toca à excelência na prestação de seus
serviços e de sua missão.

4) Direitos e deveres funcionais do Magistrado.

A separação dos poderes (teoria tripartite dos poderes definida por


Montesquieu), implica em independência entre eles e um sistema de controle recíproco,

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

visando a harmonia e o equilíbrio entre as esferas do poder estatal. Ela é um dos


fundamentos constitucionais da República brasileira.

No caso do Poder Judiciário, essa independência é assegurada pelas garantias


conferidas tanto aos seus membros (magistrados), tendo por objetivo proteger o exercício
da função jurisdicional, quanto ao próprio Judiciário tomado como instituição.

No que tange ao próprio Judiciário como instituição as garantias, que visam


assegurar autonomia perante os outros poderes, se expressam, sobretudo, por
prerrogativas de autogoverno (autonomia administrativa e financeira), cabendo ao
Judiciário, por exemplo, propor iniciativas legislativas que tratem de sua organização.

Aos juízes são asseguradas as garantias de imparcialidade e independência,


que têm como objetivo maior e único preservar princípios inerentes e necessários à
perfeita prestação jurisdicional, e não criar uma casta privilegiada de agentes públicos.

Garantias de imparcialidade.

As garantias de imparcialidade dos juízes ligam-se às vedações previstas no


parágrafo único do artigo 95 da CF, que objetivam evitar que os magistrados fiquem
suscetíveis a favorecer algumas das partes em suas decisões.
A imparcialidade é pressuposto processual subjetivo do juiz para garantir
isenção ao decidir. Essa neutralidade é uma exigência da coletividade em que interage o
juiz, e que o obriga a exercer sua vida comunal com cautela, tanto no tocante aos locais
que venha a frequentar, tanto no que tange às pessoas com quem passe a interagir, a fim
de não prejudicar a sua prestação jurisdicional. Mesmo em relação aos membros do MP
o magistrado tem que ser cauteloso para conferir tratamento igualitário ao proferido à
OAB.

Garantias de independência.

São três: vitaliciedade, irredutibilidade de vencimentos e a inamovibilidade


(art. 95 da CF), as quais conferem condições mínimas para assegurar ao juiz atuar com
plena autonomia, protegendo tanto o juiz como a sociedade.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

São previstas desde a 1ª CF, de 1824.


Todas as constituições vêm apresentando os mesmos predicados em benefício
do cidadão, para que o magistrado possa exercer a judicatura de forma plena, livre das
diversas forças sociais, políticas e econômicas que incidem e que podem impedir a
distribuição de justiça. Não são privilégios dos juízes, mas prerrogativa institucional do
Poder Judiciário, substrato essencial do Estado Democrático de Direito.
Não se confunde com a estabilidade do servidor público comum, eis que a
estabilidade é no serviço e a vitaliciedade no cargo. Com a vitaliciedade a perda do cargo
depende de decisão judicial transitada em julgado, ao passo que na estabilidade se perde
o cargo por sentença judicial ou processo administrativo.
Adquirem a vitaliciedade logo na data da posse os Ministros do STF, STJ,
STM, TST, TRT, bem como os desembargadores dos Tribunais de segunda instância. Por
sua vez, adquirem a vitaliciedade somente após dois anos de exercícios: os juízes de
direito e os juízes substitutos da justiça dos estados, os juízes auditores e juízes auditores
substitutos da justiça Militar do Estados; os juízes do Trabalho bem como os do Distrito
Federal e Territórios.
A inamovibilidade consiste em não poder o magistrado ser removido da
unidade judiciária onde atua (juízo onde atua – vara, comarca, seção judiciária) para outra
sem seu consentimento, salvo em decorrência de incontestável interesse público,
mediante voto de dois terços do tribunal, assegurada a ampla defesa (art. 93, VIII, CF).
Não podemos perder de vista que as hipóteses previstas no artigo 93, VIII,
são todas sanções e dependem de regular procedimento administrativo disciplinar. A
condenação do magistrado de primeiro grau à remoção compulsória só deve acontecer
quando a sua falta disciplinar estiver relacionada à sua vida na comunidade que venha a
partir de então impedi-lo de exercer de forma adequada a judicatura no local.
Outra faceta da garantia esta relacionada à possibilidade do juiz recusar
promoção na carreira, até porque qualquer promoção ou remoção voluntária depende de
livre inscrição do magistrado e jamais pode ser feita de ofício pelo tribunal.
Por fim, a irredutibilidade de vencimentos implica na paz de espírito do juiz
ao decidir, sabendo que o subsídio não poderá ser alterado como forma de retaliação de
decisão, inclusive aquela contrária aos interesses do executivo. Todavia, a irredutibilidade
não abrange descontos tributários ou previdenciários.

Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

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A deontologia (teorias morais) da Magistratura é disciplinada tanto na


Constituição Federal quanto na legislação processual, na Lei Orgânica da Magistratura
Nacional de 1979, no Código de Ética da Magistratura Nacional, entre outras normas, por
se tratar de um sistema difuso, aberto.
A cada prerrogativa ou garantia aumenta o grau de responsabilidade do
magistrado na prestação do serviço junto à coletividade.
O artigo 33 da LOMN prevê prerrogativas:
O inciso I garante ao magistrado a prerrogativa de “ser ouvido como
testemunha em dia, hora e local previamente ajustados com a autoridade ou juiz de
instância igual ou inferior”, de modo que o juiz possa adequar sua agenda para que não
tenha que interromper a sua prestação jurisdicional, sendo de bom alvitre que os juízes (o
que ouvirá e o que será ouvido) entrem em contato pessoal e agendem o comparecimento
ou mesmo a oitiva no gabinete do próprio juiz testemunha em horário conveniente para
ambos.
O inciso II prevê a prerrogativa do magistrado “não ser preso senão por
ordem escrita do Tribunal ou do órgão especial competente para o julgamento, salvo em
flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação e
apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja vinculado“, oque
visa salvaguardar o juiz de arbitrariedades perpetradas notadamente em Estado de
Exceção, bem como resguardar a função e prestação jurisdicional, não significando
impunidade.
O inciso III, estabelece ser prerrogativa do magistrado “ser recolhido à prisão
especial, ou a sala especial de Estado-Maior, por ordem e à disposição do Tribunal ou
do órgão especial competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final”,
disciplinando a prisão cautelar, em consonância com o estado de inocência, não
configurando impunidade.
O inciso IV estabelece a prerrogativa ao magistrado de “não estar sujeito a
notificação ou a intimação para comparecimento, salvo a expedida por autoridade
judicial”, o que visa não prejudicar a prestação jurisdicional.
A prerrogativa do inciso V consiste em “portar arma de defesa pessoal”, o
que é dispensado pela maioria dos magistrados. Aos que as tem, por prudência, exige-se
cursos e treinamento para seu bom uso.
Por sua vez, os deveres estão descritos no artigo 35:

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

I – cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as


disposições legais e os atos de ofício;
O juiz deve cumprir as metas do CNJ e da corregedoria. Ele deve inventariar
todos os processos que estão sob sua jurisdição e exigir do corpo funcional o devido
andamento de cada um deles.
II – não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar;
O processo deve ter duração razoável, célere, sendo que não deveria durar
muito mais que seis meses, no máximo um ano (fase de conhecimento). O juiz é um
servidor da comunidade, devendo oferecer uma prestação jurisdicional de qualidade e ao
mesmo tempo rápida e a mais simples e objetiva possível, para ser compreendido pela
parte. As decisões, inclusive a sentença, não devem ser rebuscadas, para isso o juiz pode
cursar pós graduação.
III – determinar providências necessárias para que os atos processuais se
realizem nos prazos legais;
O juiz do século XXI deve ser um ótimo gestor da coisa pública sabendo
organizar com precisão os atos do ofício da justiça, controlando os processos nas suas
fases fundamentais, saneando e dominando o acervo sob sua jurisdição, bem como
controlando os atos dos serventuários.
IV – tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os
advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o
procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e
possibilite a solução de urgência.
Cabe ao juiz dar o exemplo no que tange à educação e uso de linguagem
motivadora. No que tange ao atendimento dos que o procuram exige-se análise razoável
quanto à imediatidade, porque o juiz pode estar em audiência ou debruçado nos processos.
V – residir na sede da Comarca salvo autorização do órgão disciplina a que
estiver subordinado;
No caso do Estado de São Paulo o juiz estadual deve apresentar um
requerimento, submetê-lo ao Conselho Superior da Magistratura para apreciação final do
Órgão Especial. Ex: juízes casados e que exercem a magistratura em comarcas distintas.
VI – comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão,
e não se ausentar injustificadamente antes de seu término;
Pontualidade é pressuposto de boa atuação jurisdicional, mas não é
desarrazoado que haja atrasos na sucessão de audiências, principalmente no que diz

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

respeito ao início das mesmas, já que muitas vezes o atraso quanto ao término é
plenamente justificável.
VII – exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especialmente no
que se refere à cobrança de custas e emolumentos, embora não haja reclamação das
partes;
Os emolumentos judiciais possuem a natureza de taxa (tributo), competindo
ao Estado o controle sobre sua legalidade. O juiz deve exercer o controle, sob pena de
responsabilidade funcional, bem como evitar a evasão fiscal na concessão indevida de
gratuidade da lei 1.060/50.
VIII – manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.
Busca-se do juiz o cumprimento das expectativas que o cidadão espera, ou
seja, honestidade na sua vida pessoal e pública.
O artigo 36 traz as seguintes vedações ao magistrado:
I – exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, inclusive de
economia mista, exceto na condição de acionista ou quotista;
O objetivo é não desviar sua atuação, que deve ser focada no exercício da
jurisdição, evitando ainda a perda de sua imparcialidade.
II – exercer cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou
fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem
remuneração.
Não deve o magistrado dirigir entidades desportivas, filantrópicas ou
sociedade civil, mesmo sem remuneração. A única exceção é a de ser diretor presidente
ou gestor de associação de magistrado, e sem qualquer remuneração, inclusive, neste
último caso pode ficar afastado da prestação jurisdicional durante o exercício do mandato.
III – manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo
pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos
ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou
no exercício do magistério.
O juiz não de ser um midiático, mas ter apreço pelo recato e neutralidade.
Deve ser imparcial (não manifestação nos processos próprios) e ético (não manifestação
nos processos alheios).

5) Sistema de controle interno do Poder Judiciário.

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O Controle a que se refere a resolução 75 do CNJ é o de ordem administrativa


e funcional do Poder Judiciário. Quando se menciona a questão do controle interno
significa o exercido interna corporis, ou seja, só por membros do próprio judiciário,
realizado pelas corregedorias locais e pelos órgãos de direção e cúpula dos tribunais,
também de forma indireta pelas ouvidorias locais. Também pelo CNJ, órgão misto do
Poder Judiciário (composto por magistrados e não magistrados).

a) Corregedorias.

São órgãos de controle disciplinar, fiscalização e orientação dos juízes e


servidores (aperfeiçoamento técnico e ético). Cada tribunal tem sua corregedoria, que
fiscaliza a atividade do juiz e eventualmente procede a investigações disciplinares. As
corregedorias também exercem controle sobre os ofícios extrajudiciais (de registro e
tabelionatos).
O Corregedor Geral de Justiça é membro do poder judiciário, um
desembargador eleito para no prazo de dois anos para dirigir os rumos da corregedoria
geral. Possui ascendência administrativa e correicional sobre todos os juízes de primeiro
grau. Além de orientar e punir magistrados, é papel da corregedoria geral normatizar
rotinas e procedimentos, por meio de normas de serviço, portarias, ou outros atos
administrativos correlatos.

b) Ouvidorias.

Com a reforma do judiciário (EC 45), houve previsão expressa no artigo 103-
B, § 7º, da CF, determinando que a União criasse ouvidorias de justiça, competentes para
receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do
Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao CNJ.
Elas estão encarregadas de receber reclamações, denúncias, críticas e
sugestões, como também elogios, bem como de levar adiante essas manifestações e
conseguir respostas adequadas, até mudanças no procedimento de organização.

c) Conselho da Magistratura.

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É colegiado eleito pelo tribunal respectivo e tem suas atribuições definidas no


regimento interno do tribunal, apoiando o órgão de cúpula (tribunal pleno e órgão
especial) na tomada de decisões.
Após a promulgação da CF/88, o Conselho Nacional da Magistratura
(regulamentado nos artigos 50 a 60 da LOMAN), por sua vez, foi extinto e nunca mais
restabelecido.

d) Conselho Nacional de Justiça.

O CNJ foi criado a partir da EC 45/2004 (reforma do judiciário), não se


confundindo com o extinto Conselho Nacional da Magistratura, o qual não foi
recepcionado pela CF/88.
Enquanto a CF institui as linhas gerais do CNJ (art. 103-B, da CF), como suas
atribuições e competências, sua organização e estruturação internas estão consolidadas
no Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça.
Ele surge visando efetivar os princípios de acesso à justiça, celeridade
processual, proporcionalidade e moralidade, bem como o resgate da credibilidade do
cidadão brasileiro no Poder Judiciário. É órgão administrativo constitucional do Poder
Judiciário, não jurisdicional (natureza jurídica).
Conforme decidido na ADI 3.367, o CNJ exerce o controle interno do
Judiciário. Exerce controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da
magistratura, não tendo qualquer competência sobre o STF, que é o órgão de cúpula
do judiciário (art. 92, I, CF), sendo que os atos do CNJ estão sujeitos ao controle
jurisdicional do STF (art. 102, I, “r”, CF).
O plenário do STF concluiu em 2012, na ADI 4638, ajuizada pela associação
dos magistrados brasileiros questionando alguns pontos da resolução 135 do CNJ, que a
competência do CNJ é direta e não subsidiária, isto é, o CNJ pode iniciar
investigação contra magistrados independentemente da atuação da corregedoria
dos tribunais.
Como órgão do CNJ, destaca-se a Corregedoria Nacional de Justiça, exercida
pelo Ministro do STJ, que tem por objetivo mapear o poder judiciário, fiscalizar,
normatizar e até punir membros do poder judiciário, dos serviços auxiliares da justiça,
inclusive do extrajudicial, atuando no planejamento, coordenação, controle
administrativo e aperfeiçoamento do serviço público da prestação da justiça.

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6) Responsabilidades do Magistrado.

a) Responsabilidade civil.

Quanto à responsabilidade civil, José Wilson Gonçalves e Vinícius de Toledo


Piza Peluso entendem que os Magistrados podem ser responsabilizados pessoalmente
pelos danos que causarem na qualidade de agentes públicos. Essa responsabilidade é
sempre subsidiária e regressiva à responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, § 6º, CF).
É controvertida a responsabilidade subsidiária e regressiva do
magistrado por simples culpa, uma vez que a LOMAN (art. 49, I) e o CPC (art. 143,
I) exigem dolo ou fraude, lembrando-se que a culpa grave é equiparada ao dolo em
matéria cível. O STF já entendeu que a o Estado responde de forma objetiva pelos danos
causados pelos juízes, mas pode exigir ressarcimento posteriormente demonstrando a
culpa ou dolo do juiz (RE 228.977 – j. 05.03.2002). A regra constitucional, assim, é
irresponsabilidade pessoal do magistrado.
As garantias constitucionais dos magistrados são destinadas a assegurar-lhe
autonomia no desempenho das suas funções. Todavia, na atividade que desenvolve, o
magistrado não está acima da lei. Por esse motivo, está sujeito à responsabilidade civil.

b) Responsabilidade administrativa.

A lei que trata da matéria é a LOMAN, que prescreve os deveres dos


magistrados e as penalidades pela infração de tais deveres, quais sejam: advertência, por
negligência no cumprimento dos deveres da função; censura (somente para a primeira
instância, assim também a pena de advertência), em reiterada negligência no
cumprimento dos deveres do cargo ou nos procedimentos incorretos – não justificando a
infração punição mais grave; remoção compulsória, por motivo de interesse público (2/3
dos membros efetivos do tribunal–obs. do compilador: a constituição federal fala em
maioria absoluta no art. 93, VIII); aposentadoria compulsória com vencimentos
proporcionais ao tempo de serviço; demissão em ação penal por crime comum ou de
responsabilidade, ou em procedimento administrativo para a perda do cargo.
Ressalte-se que a CF garante que a subordinação do juiz deve ser tão-somente
à lei e à sua consciência.

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c) Responsabilidade penal.

O juiz tem responsabilidade penal, por crimes comuns ou direcionados a


funcionários públicos. Os magistrados estão sujeitos, ainda, ao processo de
responsabilidade administrativa civil e penal, nos casos da Lei 4.898/65 (abuso de
autoridade), possuindo prerrogativa de foro.

7) Princípios éticos.

Estão previstos exemplificativamente no art. 1º do Código de Ética da


Magistratura, que elenca como princípios a independência, imparcialidade, transparência,
integridade profissional e pessoal, diligência e dedicação, cortesia, prudência, sigilo
profissional, conhecimento e capacitação, dignidade, honra e decoro.

a) Independência.

É também um dever do juiz (art. 35, I, LOMAN). Para Dalmo de Abreu


Dallari, “longe de ser um privilégio para os juízes, a independência da magistratura é
necessária para o povo, que precisa de juízes imparciais para a harmonização pacífica
e justa dos conflitos de direito.”
Tem-se por independência não estar o magistrado sujeito a forças políticas
sociais ou econômicas, sendo o seu compromisso efetivar as aspirações sociais previstas
nos comandos constitucionais.

b) Imparcialidade.

O juiz deve abster-se de favoritismos, predisposições e preconceitos a favor


ou contra alguma das partes, atuando de forma equidistante. Contudo, ser imparcial não
pressupõe neutralidade absoluta, pois o juiz deve considerar diferenças substancias entre
as pessoas e trazer equilíbrio à relação jurídica processual.

c) Transparência.

80
Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

A transparência é princípio aplicado a toda a Administração Pública,


possibilitando que o cidadão controle e fiscalize o funcionamento da democracia e
acompanhe os atos judiciais praticados. A transparência visa aclarar fatos, diminuir a
distância na comunicação do Poder Judiciário com a sociedade, evitando inclusive a
deturpação dos fatos pela imprensa geral.

d) Integridade pessoal e profissional do juiz.

Envolve a postura ética (honra, probidade, pureza de atitudes, boa fama) na


vida profissional e pessoal do magistrado, constituindo-se seu dever (art. 35, VIII,
LOMAN), tudo com vistas a inspirar confiança nos jurisdicionados.

e) Diligência e dedicação.

Objetiva zelar para que os atos processuais sejam realizados com a máxima
pontualidade possível, em observância aos princípios da celeridade processual e da
duração razoável do processo, evitando-se a injustiça que comporta uma decisão tardia,
sem descuidar da boa qualidade.
A dedicação é a abdicação do tempo particular em prol da judicatura, e a
diligência é o aprimoramento pessoal e profissional a serviço dessa boa judicatura.

f) Cortesia e prudência do juiz.

A cortesia é forma de exteriorizar o respeito, tolerância e consideração a todos


que se relacionam com a administração da Justiça. O juiz deve ser cordial, polido,
respeitoso e amistoso no trato com as pessoas em geral.
O Código de Ética conceitua o juiz prudente como aquele que busca adotar
comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após
haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do
Direito aplicável, sem deixar de considerar as consequências que as suas decisões podem
provocar. O juiz deve ser sereno, não demonstrar hesitação, mas firmeza e tranquilidade.

g) Conhecimento e capacitação.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

É decorrente do direito dos jurisdicionados e da sociedade em geral à


obtenção de um serviço de qualidade na administração da justiça, exigindo formação
contínua do magistrado, o qual deve estudar a melhor doutrina e atualizar-se com a
tendência jurisprudencial dos tribunais pátrios, onde as escolas judicias desempenham
importante papel.

8) Ilícitos éticos. Sanções.

Não há previsões claras e concretas das sanções aplicáveis no caso de


descumprimento dos princípios éticos elencados no Código de Ética da Magistratura, o
qual tem caráter principiológico.
Todavia, as práticas de ilícitos éticos em geral se enquadram nas condutas
tipificadas na LOMAN, que em seu art. 42 elenca as punições disciplinares: de
advertência à demissão.
A resolução 135 do CNJ reproduz essas sanções, merecendo destaque os
artigos 3º,§ 1º, 6º e 7º, que estatuem, respectivamente:
“Art. 3º. (...) § 1º - As penas previstas no art. 6ª, § 1º, da Lei n.º 4.898, de 9
de dezembro de 1965, são aplicáveis aos magistrados, desde que não incompatíveis com
a Lei Complementar n.º 35, de 1979.”
“Art. 6º. O magistrado será posto em disponibilidade com vencimentos
proporcionais ao tempo de serviço, ou, se não for vitalício, demitido por interesse
público, quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação de pena de censura ou
remoção compulsória.”
“Art. 7º. O magistrado será aposentado compulsoriamente, por interesse
público, quando: I – mostrar-se manifestamente negligente no cumprimento de seus
deveres; II – proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decora de
suas funções; III – demonstrar escassa ou insuficiente capacidade para o trabalho, ou
apresentar comportamento funcional incompatível com o bom desempenho das
atividades do Poder Judiciário.”
A competência para instauração de processo administrativo disciplinar e
aplicação das sanções é do Tribunal a que pertence ou está subordinado o magistrado (art.
12 da Resolução 135 do CNJ).

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Diante da ciência da falta ou infração administrativa atribuída a um


magistrado, deve o Corregedor (no caso de magistrados do primeiro grau), o Presidente
ou outro membro competente do Tribunal promover a investigação preliminar, tendo em
vista apurar imediatamente os fatos. Se verificada a irregularidade, a autoridade
competente deverá instaurar sindicância, e o magistrado terá prazo de 5(cinco) dias para
prestar informações. A autoridade pode também, em vez de instaurar sindicância, propor
diretamente ao Tribunal a instauração de processo administrativo disciplinar, garantindo-
se ao magistrado o prazo de 15 (quinze) dias para defesa prévia /antes da decisão sobre
a instauração/(art. 14).
A instauração do Processo Administrativo Disciplinar pode ser iniciada por
determinação do CNJ ou órgão especial, acolhendo proposta do Corregedor, ou ainda por
proposta do Presidente do Tribunal respectivo.
A instauração do P.A. depende de aprovação da maioria absoluta dos
membros do Tribunal ou do Órgão Especial e tem o prazo de 140 (cento e quarenta dias)
para ser concluído, prorrogável se houver motivo justificado que torne inviável a
conclusão da instrução no prazo inicial. Quando o Tribunal decide se instaura ou não o
processo, também decide se afasta ou não o juiz, por prazo determinado ou até o fim do
processo.
Após a instauração, o Ministério Público será intimado para se manifestar em
5 (cinco) dias. Em seguida, o juiz será citado para que apresente defesa em 5 (cinco) dias.
Após, o relator decidirá a respeito da realização dos atos probatórios, dando início à fase
instrutória. Colhidas as provas, inquiridas as testemunhas, interrogado o magistrado,
acareadas as provas periciais e técnicas, ou seja, finda a instrução, o MP e em seguida o
juiz ou seu defensor terão 10 (dez) dias para manifestação e razões finais.
O julgamento será realizado em sessão pública e por maioria absoluta dos
membros do Tribunal ou Órgão Especial poderá ser imposta punição ao magistrado. Em
caso de divergência, aplica-se a punição mais leve que tiver obtido o maior número de
votos.

9) Lugar da ética na função judicial e na vida particular do juiz.

A função jurisdicional não se exaure na mera prestação da atividade


jurisdicional, mas engloba também a práxis do juiz, ou seja, a forma que ele age para

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

atingir de modo satisfatório seu objetivo jurisdicional (conjunto de comportamentos e


condutas ideais ao juiz, conhecida como deontologia jurídica).
Deontologia diz respeito ao “agir correto” e relaciona-se com os deveres de
um profissional.
A deontologia jurídica, por sua vez, remete ao conjunto de regras e princípios
que devem reger a prática jurídica, os quais estão consolidados no Código Ética da
magistratura nacional.
Os valores éticos devem reger a vida funcional e pessoal do magistrado,
consoante prevê o art. 35 do Código de Ética, destacando-se que mesmo na vida privada
o magistrado deve comportar-se de forma diferenciada do cidadão comum, com vistas a
dignificar sua função e inspirar confiança à sociedade.

10) O papel da cordialidade na prestação jurisdicional.

O artigo 35, IV, do Código de Ética prevê o dever de tratar com urbanidade
as partes, o MP, advogados, testemunhas, funcionários e todos os participantes da
atividade judiciária. Estende-se ao tratamento aos outros magistrados. Tal exigência ética
está também consubstanciada no princípio da cortesia, disposto nos artigos 22 e 23 do
mesmo diploma.

D) FILOSOFIA DO DIREITO.

1) Filosofia de direito grega.

Os gregos foram os responsáveis pela primeira grande sistematização do


pensamento filosófico, com destaque para as questões do direito e do justo. E tal
pensamento foi a base do pensamento jurídico ocidental por muitos séculos.
O apogeu da filosofia grega se dá com Sócrates, Platão e Aristóteles, tendo
sido os dois últimos mais importantes para o direito.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O início da trajetória filosófica grega se dá a partir da cosmologia, que é o


estudo das origens das coisas do mundo e do próprio mundo. Era um pensamento
direcionado ao entendimento da physis (natureza), da relação do homem com os deuses,
do funcionamento do mundo etc. que extrapola a filosofia e fazia algo parecido com
ciência.
Isso não quer dizer que os gregos não se ocupavam das questões sociais. Eles
consideravam o homem como parte indissociável do próprio mundo. A cosmologia era
também uma reflexão sobre os arranjos políticos e sociais dos homens. O homem está
imerso no todo social e político, que está inserido na natureza.
O direito exerceu papel fundamental na incipiente filosofia grega através da
análise da nomos (lei que rege a polis). Os gregos definiam a autoridade do direito como
themis e o cumprimento da justiça como dike.

a) Os pré-socráticos.

Pré-socráticos é um termo que engloba vários filósofos que viveram antes e


no tempo de Sócrates. Apesar de agrupados, cada um possuía a sua especificidade.
Tales de Mileto é o primeiro filósofo desta sequência. Ele fez parte da Escola
Jônica, da Ásia Menor, que contou também com Anaximandro de Mileto, Anaxímenes
de Mileto e Heráclito de Éfeso. Na Magna Grécia (sul da Itália), houve a Escola
Pitagórica, cujo maior representante foi Pitágoras de Samos. Ainda na Magna Grécia,
teve a Escola Eleata, tendo Parmênides de Eléia como seu principal pensador, além de
ter contado com Xenófanes de Colofão e Zenão de Eléia. Houve ainda uma quarta
corrente que reuniu pensadores variados, como os atomistas Leucipo de Abdera,
Demócrito de Abdera, Empédocles de Agrigento e Anaxágoras de Clazómena.
Os pré-socráticos de destaque para a filosofia do direito são Anaximandro,
Heráclito e Parmênides.
Anaximandro de Mileto deu início à filosofia. De todas suas obras sobrou
apenas uma frase, que é uma consideração sobre a justiça do mundo:
“De onde as coisas têm seu nascimento, para lá também devem afundar-
se na perdição, segundo a necessidade; pois elas devem expiar e ser julgadas pela
sua injustiça, segundo a ordem do seu tempo.”
Heráclito de Éfeso é considerado o mais importante pré-socrático. O tema
mudança é o mais importante trazido por ele à filosofia. O fragmento “no mesmo rio

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

entramos e não entramos, somos e não somos (...), não se pode entrar duas vezes no
mesmo rio” exprime a ideia de devir (fluxo infinito do mundo) e da luta dos contrários.
Heráclito coloca a filosofia como um confronto de opostos e algo mutável,
afastando-a de noção de estável e eterna. As visões antigas da filosofia compreendiam a
justiça como estável e inabalável. Já ele via a justiça como o conflito, a discórdia.
Na tradição de Homero e de Anaximandro, a discórdia e a guerra eram
injustas, enquanto a concórdia e a paz eram justas. Para Heráclito, a guerra trás unidade
e só a luta dos contrários é harmonia e justiça.
O último importante pré-socrático é Parmênides de Eleia, que é colocado
por Platão em seus diálogos como contemporâneo de Sócrates. Para ele, a verdade é a
razão, aquilo que é, enquanto a opinião é aquilo que se sente, logo muda. Para Heráclito,
a mudança era intrínseca a todas as coisas. Para Parmênides, o que é só é de uma única
forma, não muda.

b) Sócrates.

Alguns o consideram a maior figura da filosofia, pois pelas ideias e pela


verdade morreu. Sócrates, seu discípulo, Platão, e o discípulo deste, Aristóteles,
marcaram a filosofia. Os sofistas foram contemporâneos de Sócrates e contra eles
Sócrates se levanta filosoficamente.

Sócrates e os sofistas.

A democracia grega era exercida diretamente pelos poucos considerados


cidadãos. Isto era feito em praça pública e, por isso, a retórica era uma arma muito
importante na busca da defesa dos interesses pessoais de cada um.
Os sofistas eram mestres da retórica que ensinavam como bem executar a arte
da persuasão. Vendiam argumentos para qualquer parte, pois não tinham apego especial
a qualquer ideia.
Sócrates os combatia, pois acreditava que a verdadeira filosofia era feita por
amor ao saber e considerava os sofistas vendilhões da verdade.
Os sofistas acreditavam que a justiça e os outros conceitos sociais e políticos
vinham de um consenso entre os homens. A filosofia não era estática, advinda da
natureza.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O eixo central do argumento dos sofistas, em relação ao direito, fala sobre


dicotomia entre a norma, tida como construção histórica, fruto da convenção humana, e
a natureza, tida como a medida de todas as coisas.
Sócrates acreditava que a verdade e o justo não se reduziam a convenções.
Ele buscava a verdade, enquanto os sofistas viam várias verdades. Além disso, para
Sócrates, mais importante que a conclusão sobre a verdade, era o método utilizado.
Ele utilizava um método de indagação que se baseava na dialética. Era a busca
do conceito de justo por meio da razão.

O direito em Sócrates.

O direito em Sócrates é exibido por meio dos diálogos de Platão e por sua
própria história de vida.
Sócrates foi condenado à morte e por diversas vezes teve a oportunidade de
fugir da prisão. Mas ele estava determinado a fazer cumprir sua própria sentença, como
um dever moral de respeito à polis.
O fato de ter permitido que a sentença se cumprisse à risca pode fazer parecer
que Sócrates tivesse sido o primeiro juspositivista, mas isto é incorreto. Ele não se
submeteu às leis por considerá-las corretas, nem por ter achado sua sentença justa. Ele
teve uma visão mais moral e filosófica: acima do direito há um justo, que pode ser
compreendido pela razão, e aceitar o justo é um dever. Sendo a sua condenação injusta,
sua execução mostraria aos atenienses, por contraste, o justo.
Disto extrai-se que Sócrates separava a apreciação moral do justo da sua
afirmação jurídica.

c) Platão.

O pensamento de Platão é expresso por meio de diálogos, no quais, em geral,


Sócrates, seu mestre, era um dos interlocutores.
Os diálogos têm o nome do interlocutor de Sócrates (ex: Críton é o diálogo
entre Sócrates e Críton), exceto por A República que é uma série de diálogos entre
Sócrates vários interlocutores.
Por toda a sua obra fica a dúvida se as ideias saídas de Sócrates nos diálogos
eram mesmo do mestre ou de Platão.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O mundo das ideias.

Em suas grandes obras, como A República e Carta VII, Platão constrói seu
método dialético.
Platão considerava impossível fixar a razão nos limites do mundo sensível,
pois a realidade é falha e limitada. Era preciso ir além, ao mundo das ideias.
O Mito da caverna é momento máximo de tal abordagem.

Política, direito e justiça em Platão.

Em A República, Platão expõe o primeiro grande sistema de reflexão sobre o


direito e o justo.
Ele considerava impossível separar direito de justiça. A ideia do justo é o
cumprimento de todos dos seus deveres em relação à polis.
Para Platão, um homem só é justo se a polis for justa. Não o contrário como
vemos hoje. Na visão moderna, justo é o homem que cumpre as leis, mesmo que viva em
uma sociedade injusta. Isto não existia para Platão, que analisava apenas a justiça da
sociedade.
Na sociedade perfeita descrita em A República, todos recebiam preparo
através da educação para melhor desenvolver suas aptidões e disponibilizá-las ao bem
estar da polis.
Ele enxergava a igualdade absoluta como o único meio de se chegar a uma
sociedade justa, entendendo que mesmo institutos como a família, a propriedade privada
e a sucessão devessem desaparecer para tanto. Ele entendia que o justo deveria se
estruturar a partir de uma mudança radical dos alicerces da sociedade, não apenas no nível
das normas ou das vontades individuais.
Para Platão, o justo não se limita à lei justa, mas se verifica na sociedade justa.
E isso se faz por meio de ações justas.
Mas a lei não era relegada por ele. O justo deveria surgir a partir de boas
legislações e, para isso, o legislador deveria ser um sábio. Assim, que o filósofo fosse rei
ou o rei se tornasse filósofo. Mas se o rei não fosse sábio e justo, que fosse retirado do
poder.
Em sua obra As leis, Platão se afasta da ideia de rei-filósofo ao entender que
a legislação deveria ser conduzida por um corpo de legisladores e magistrados que,

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

recrutados pela educação entre os mais virtuosos, estivesse preparado para entender a
natureza da lei e a sua relação com a divindade.

d) Aristóteles.

Aristóteles foi discípulo de Platão e representa o auge da filosofia grega.


Talvez por ser um estrangeiro em Atenas, Aristóteles era menos radical na construção de
seu pensamento que seu mestre.
Aristóteles teve sua própria escola de filosofia, o Liceu, e foi professor de
Alexandre o Grande. Foi também o maior pensador do direito e da justiça até seu tempo,
tendo sido a obra dedicada a seu filho, seu grande reflexão sobre o direito: Ética à
Nicômaco.

A justiça e suas espécies.

Em Ética à Nicômaco, Aristóteles divide a justiça em universal e particular.

Justiça universal e particular.

A justiça universal é uma justiça tomada em sentido amplo. Ela é tanto a


manifestação da virtude (justo), quanto a relação desse justo com a lei. Para ele, uma lei
ruim não é lei, ou seja, só a lei justa é válida. Assim, pode-se dizer que a justiça universal
é o cumprimento da lei.
Para ele, a justiça é uma virtude que estava em todas as outras. A caridade,
por exemplo, não é uma virtude em si mesma, mas apenas quando está associada à justiça.
Assim, aquele que não é caridoso a ponto de dar uns trocados para um morador de rua,
mas dá um carro para uma panicat só porque ela é gostosa não está sendo caridoso
(exemplo do professor em sala). Ser caridoso é dar com justiça. E a justiça é a única
virtude em si mesma. Ela não precisa de outra virtude para acompanhá-la. E este é o
sentido particular da justiça. Nesta acepção particular, Aristóteles diz que justiça é dar
a cada um o que é seu.
No sentido estrito, Aristóteles divide a justiça em distributiva e corretiva,
acrescentando ainda um caso especial, a reciprocidade.
Representação esquemática:

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

● Justiça
o Justiça universal
o Justiça particular
▪ Distributiva
▪ Corretiva
▪ Reciprocidade (caso especial)

Justiça distributiva.

Para ele justiça distributiva trata da distribuição de riquezas, benefícios e


honrarias e seria a mais importante e mais sensível ocupação da justiça.
A distribuição sempre envolve uma relação com dois sujeitos e dois bens a
serem divididos de forma proporcional. Mas a distribuição justa é aquela que chega a um
meio-termo pelo critério do mérito. Não é uma simples distribuição aritmética (metade
para cada pessoa), é uma distribuição geométrica. Cada um terá aquilo que merece.
Assim, se uma pessoa merece 2x mais que a outra, aquela terá 2x mais do bem. Esta seria
a justiça distributiva. A razão matemática entre as pessoas é a mesma entre os bens.

Justiça corretiva.

A justiça corretiva é uma proporção aritmética e trata da reparação daquilo


que foi, voluntária ou involuntariamente, tirado de alguém. No campo penal, mais do que
a pena, seria a reparação civil do dano causado.
Aqui, as pessoas são tomadas como iguais e há apenas a proporção entre as
coisas.
A justiça distributiva é o que foi incorporado pelo jurista como direito
público, enquanto a corretiva seria o direito privado.

Reciprocidade.

A reciprocidade está associada à produção e tem o papel de definir a


equivalência entre as coisas. Para haver trocas justas entre um sapateiro e um fazendeiro,
deve-se descobrir quantos sapatos equivalem a 1 kg de arroz, por exemplo. Isso é feito
através do dinheiro.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

A reciprocidade é a primeira grande associação do direito com a economia.

Do âmbito da justiça.

Aparentemente, a justiça para Aristóteles é uma questão de razões


matemáticas. Mas o justo tem, na verdade, uma compreensão política.
Só é possível aplicar o critério das razões matemáticas entre aqueles que são
iguais. Não há como aplicar o critério do mérito, por exemplo, entre desiguais. Se um
professor dá a mesma prova de matemática a um aluno do colegial, que acerta 4 das 5
questões, e a um aluno do primário, que acerta apenas 1 das questões, não há como
distribuir as notas de forma matemática sem se chegar a uma injustiça. O primeiro teria
tirado 8.0, enquanto o segundo aluno apenas 2.0, mas eles não são iguais.
Justiça se dá entre iguais. Mas daí Aristóteles levanta um pensamento
totalmente conservador ao afirmar que a justiça só deve ser analisada entre os cidadãos
da pólis. Mulheres, escravos, crianças etc. não entram na análise do justo.
Só que daí também resulta o grande potencial crítico da filosofia aristotélica.
Entre os desiguais a justiça não é matemática.
Para Aristóteles, o justo não é uma medida fixa. É algo influenciado pelo
contexto social, econômico etc. Ou seja, é histórico (mutável). Aristóteles diz que se deve
afastar os extremos e, portanto, só se pode pensar em justiça em um espaço sem carência
e sem excesso. Não dá pra comparar a justiça de se construir um chafariz imenso entre
uma pessoa que mora à beira do Amazonas e outra que mora no meio do Saara. Uma está
em um cenário de excesso e a outra em um de carência. Ambos cenários devem ser
afastados e a justiça deve ser analisada apenas no meio-termo.

Agentes e pacientes da justiça.

A justiça é uma ação. Não basta conhecer o justo, é preciso agir de forma
deliberada. Justo é o ato que é feito deliberadamente com objetivo de ser justo,
enquanto o injusto é o ato realizado deliberadamente para ser injusto.
Um juiz que condena alguém após passar a noite bebendo e sem prestar
atenção a nada durante o julgamento, mesmo que depois descubra-se que o indivíduo era
culpado, não agiu com justiça.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

E a justiça também deve ser analisada da perspectiva daquele que a recebe.


Alguém só é injustiçado se os atos que geraram tal situação foram realizados contra a sua
vontade. Se o paciente tivesse o ânimo de ser injustiçado, a situação seria injusta, mas
não se poderia dizer que a ação foi realizada com injustiça. Se alguém pede a outro que
lhe dê um soco na cara, este não está sofrendo uma injustiça, mas vemos uma situação
injusta.
Ele ainda analisa se é possível ser injusto consigo próprio. A resposta é não.
Não há como querer agir com injustiça e ao mesmo tempo não querer receber o ato
injusto. Então, a justiça é fazer o bem para o outro.

A equidade.

Para Aristóteles, acima da justiça da lei, há a justiça do caso concreto, que ele
chama de equidade.
Na Grécia Antiga, a lei era resultado da unificação das vontades dos cidadãos,
que deliberavam em conjunto para chegar ao bem-comum da polis. Assim, a lei é boa, a
lei é justa.
Desta forma, sendo a equidade justa, ela não difere da própria lei, sendo esta
também justa. São apenas formas de justiça complementares. A lei é a previsão geral, que
abarca muitos cenários. A equidade é a justiça do caso específico.
Aristóteles compara a aplicação da equidade à utilização da Régua de
Lesbos. Na ilha de Lesbos, os construtores utilizam uma régua flexível que se adaptava
às formas das pedras.
A reflexão sobre as leis e a equidade leva ao conceito de direito natural em
Aristóteles. Diferente do conceito moderno, direito natural para ele é a apreensão da
natureza das coisas. Entender a natureza das coisas revela o justo. Por isso, a equidade
vem acima da lei.

A prudência.

Para Aristóteles, a justiça se manifesta e se completa com a prudência, que


seria uma certa humildade em face da realidade e das circunstâncias.
Para ele, a atividade jurídica é uma espécie de busca humilde (prudência) e
artesanal (equidade) do justo.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O pensamento político aristotélico.

As reflexões filosóficas de Aristóteles sobre o direito e o justo, contidas em


Ética à Nicômaco, completam-se com as reflexões políticas, contidas em A política.
O fundamento último do justo é político. A ação dos homens em sociedade,
é que dá o fundamento do mérito e da igualdade. Então, a justiça depende da vontade
política.

A política.

Para os modernos, o Estado é uma entidade a parte da sociedade. Para os


gregos, a polis era a sociedade e o Estado juntos. Para os modernos, a vida social existe
para o benefício do indivíduo, para Aristóteles, a comunidade existe para o benefício
social.
Aristóteles afirma em A política que o homem é um animal político, que não
é voltado apenas ao seu interesse individual. Para ele, a vida social envolve um sentimento
de pertencimento em comum. Diferentemente dos modernos, que fazem do indivíduo o
eixo da sociedade, Aristóteles faz da sociedade o eixo do indivíduo.

A escravidão.

Apesar da justiça se realizar entre os cidadãos, isso não significa que não haja
relações justas (em sentido amplo) entre cidadãos e não-cidadãos. Ele não afirmava que
os escravos não merecessem tratamento digno, mas considerava que as relações entre
senhor e escravo se estabeleciam na esfera privada, longe da política e do justo,
consolidados no espaço público.

Os tipos de governo.

O governo é bom quando busca a felicidade de todos. Isso não quer dizer que
todos devam participar do governo.
Fazendo uma análise quanto à finalidade do governo e ao número de
governantes, Aristóteles chega ao esquema abaixo (aula de Constitucional do Levy):

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Exercício do poder Um só Alguns (poucos) A maioria (todos)


No interesse de todos Monarquia Aristocracia República
No interesse próprio Tirania Oligarquia Democracia

Os governos no interesse de todos são justos. Os outros, não.

2) Filosofia de direito medieval.

Após a filosofia dos clássicos – Sócrates, Platão e Aristóteles -, o período


filosófico que se segue, por representar a divulgação do pensamento grego em outros
povos e culturas, como a romana, leva o nome de helenismo.
Ainda guarda referenciais que dialogam com o pensamento dos clássicos e,
por isso, também o direito romano é constituído numa relação próxima com o pensamento
dos gregos.

a) Dos antigos medievais.

Várias filosofias brotam no contexto filosófico grego no período pós-clássico,


sendo o epicurismo e o estoicismo os movimentos de maior peso, com visões filosóficas
opostas. O epicurismo e o estoicismo aumentam o pendor pelo posicionamento moral do
saber filosófico.

O Epicurismo.

Tem sua origem lastreada nas ideias de Epicuro de Samos. Sua maior
orientação está na busca do prazer, entendido não como uma ação positiva no sentido da
mundanidade, mas sim na sua acepção de negação: ausência de perturbação e de dor.
Em Epicuro é possível vislumbrar uma noção de justiça que se funda na ideia
de que há o interesse de uma vida plena e prazerosa dos indivíduos que conduz a que não
se dominem reciprocamente. Daí que a política se constrói no objetivo de uma utilidade
comum. O justo é agir em conformidade com o bem do outro, numa espécie de principio
de solidariedade. Nunca houve justiça em si, mas nas relações recíprocas. Não há a noção

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

de que o justo seja algo determinável. Em busca do prazer, que é afastar o sofrimento,
deve-se agir pelo justo, já que o injusto pode gerar a punição.

O Estoicismo.

Para o direito romano, o estoicismo representou uma influência ainda muito


mais alta que o epicurismo. O fundador dessa escola foi Zenão de Citium. Além de
Cícero, Epicteto, Sêneca e o imperador Marco Aurélio eram de algum modo estoicos.
Nessa construção filosófica há uma tendência acentuada por orientar a razão a um uso
prático. Os estoicos repudiam o relativismo utilitário de Epicuro e proclamam que a
justiça não nasce da conclusão de um acordo entre os homens, mas é anterior às leis
positivas. A distinção entre justo e injusto é anterior e superior aos variáveis e múltiplos
dispositivos da lei escrita. Para eles, saber se guiar bem, pelo uso da razão, é conhecer a
natureza e seus desígnios e, para isso, é preciso afastar as paixões que desviam a alma do
dever. Se o homem é universal e se universal é a razão que o deve guiar, o justo não tem
fronteiras. Todos os povos e nações hão de seguir as mesmas regras, o mesmo direito da
natureza e da razão. A razão reta, gravada em todos os corações, imutável, eterna, não
pode ser contestada, nem derrogada em parte, nem anulada.
Tal visão de direito natural, embora esteja em ambiente intelectual que se
comunica com o pensamento filosófico aristotélico, não lhe é idêntica. O direito natural
de Aristóteles se fundamenta na observação da natureza. O justo é prudencial: a equidade
é a adaptação às circunstâncias específicas. Para Cícero, o direito natural é uma razão
universal – aproxima-se grandemente da moral. O Direito natural ciceroniano é
considerado uma reta razão.
Sendo os homens dirigidos pela mesma razão, são todos cidadãos do mundo.
Não poderia haver espaço a idiossincrasias jurídicas nacionais. O direito justo é
cosmopolita.
Os preceitos filosóficos dos gregos, somados ao helenismo, epicurismo e
estoicismo, formam o arcabouço de grande parte da prática jurídica romana. Certo está
que os romanos, práticos que eram, lidam com a filosofia grega de modo eclético: valem-
se das definições para fins específicos, sem grande rigor. Nesse sentido, os gregos, a partir
da filosofia do direito, se insurgiram muito mais contra as injustiças do que os romanos.

b) O Cristianismo.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O quadro do pensamento jurídico e filosófico greco-romano só vai mudar,


substancialmente, com a entrada em cena do cristianismo. O fundamento do cristianismo
é a vida e o exemplo de Jesus Cristo. Como ele não deixou nenhuma obra escrita, não
pode ser considerado um filósofo. A filosofia que se faz em torno de Jesus é dos cristãos.
A crescente penetração do cristianismo no mundo romano levou,
necessariamente, à comparação entre a visão de mundo cristão e o pensamento dos
filósofos gregos. As profundas diferenças não impediram que, com o passar dos séculos,
houvesse uma tentativa de adaptação e confluência entre si.
O cristianismo não se constitui, a princípio, como um pensamento filosófico,
mas como uma visão de mundo religiosa, que pode encontrar na filosofia um apoio. Uma
diferença fundamental entre o cristianismo e a filosofia grega é que para esta a verdade
deve ser buscada livremente, enquanto naquela há uma verdade revelada, oriunda de Deus
e de seus enviados. Ao contrário da filosofia grega, que se abria a um leque de
possibilidades de compreensão da vida e do mundo, o pensamento cristão foi se
consolidando com grande dose de conservadorismo em relação ao agir no mundo. A fé,
e não a razão, passa a ser a base da visão de mundo do cristão.
O cristianismo promove um grande deslocamento do eixo da racionalidade
ocidental. O deus aristotélico é perfeito, estável e não interfere no mundo. O Deus
judaico-cristão, também perfeito, é construído a partir de atributos humanos, interfere na
realidade do mundo, julga, persegue, faz alianças, salva e condena. Em uma relação mais
direta, o cristianismo também se diferenciava do hebraísmo. O cristianismo era
universalista: todos eram filhos de Deus, e todos podiam receber as benesses do Pai. Mas
o cristianismo ainda era próximo da visão hebraica. Para os primeiros pensadores do
cristianismo, o quadro dogmático da religião ainda era um campo aberto e, conforme o
movimento cristão vai se institucionalizando em torno de igrejas, e a Igreja Católica
começa a ganhar corpo um conjunto dogmático e religioso cristão que gera uma filosofia
também cristã.
Do período que vai até o fim da idade Antiga, no séc. V, a filosofia cristã
recebeu de patrística, por ser constituída pela reflexão realizada pelos padres da Igreja.
Nessa fase o mundo romano encontra seu perecimento e sua derrocada.
Em termos de pensamento jurídico e político, muito mais do que qualquer
palavra ou ensinamento de Jesus, é Paulo de Tarso que dominará a visão de mundo nos
séculos cristãos.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

c) Paulo de Tarso

Será o primeiro responsável por toda filosofia do direito cristão do final da


Idade Antiga e toda a Idade Média. Na ‘Epístola aos Romanos’, São Paulo reconhece a
justiça a partir de uma visão distinta daquela da filosofia grega. O homem justo não é o
que age com justiça, mas aquele que está sob a graça de Deus.
E, ainda mais importante para a política e para o direito, na ‘Epístola aos
Romanos’ explicita-se a ideia que o poder é oriundo de Deus, e que não está originalmente
na mão dos homens. Diz Fábio Comparato: “O chamado Apóstolo dos Gentios foi, de
fato, o verdadeiro criador do cristianismo, enquanto corpo de doutrina religiosa”. Com o
pensamento de Paulo de Tarso, fundamenta-se o deslocamento entre a visão greco-
romana do poder, que é entendida como construção política do homem e a visão crítica,
que localiza em deus a origem do poder. A partir dele, toda a filosofia cristã que se
construirá da Idade Média já está eivada do conservadorismo do poder terreno,
encerrando-se as eventuais possibilidades transformadoras que se deixavam abrir na
filosofia do direito antiga.

d) Santo Agostinho.

Ao fim da Idade Antiga, o mais importante pensador era Sto. Agostinho. Sua
reflexão é, ao mesmo tempo, uma defesa da ortodoxia religiosa e uma afirmação de uma
filosofia cristã. De origem pobre, cresceu sob a cultura romana, foi professor de retórica,
ocasião em que tomou contato com a obra de Cícero e de Platão (a marca do platonismo
é muito forte no pensamento agostiniano), e se converteu aos 28 anos. Seu pensamento
afasta as virtudes do centro do debate teológico, para pôr em evidência a graça divina. É
a graça de Deus, e não a virtude dos homens, que leva à salvação. Não é pela virtude dos
atos que se mede a justiça, e sim pela fé em Deus e pela consequente graça de Deus para
com os salvos.
Seus escritos não são sistemáticos, suas obras são de ocasião. Também não
se compreende o direito de maneira única no seu pensamento, na medida em que suas
reflexões no campo jurídico são incidentais. Também não é uníssono o seu pensamento
no tocante a moral , campo que aproxima bastante a questão da justiça.

A justiça em Agostinho.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Na sua principal obra, A cidade de Deus, estabelece uma distinção entre a


cidade humana, eivada de vícios e a cidade de Deus, pós-morte, junto aos santos e salvos.
Na Terra a lei e os julgamentos são injustos. Em Deus reside a justiça. A chave para o
justo passa a ser a fé, a justiça não dos atos, mas do íntimo do crente. A justiça não se vê
nos costumes, mas na lei de Deus. Para ele, ao contrário da tradição jurídica clássica, não
é possível mensurar os atos justos. O justo é uma graça divina.
Também opera um afastamento da tradição clássica ao tratar da justiça agora
como lei retíssima e eterna. Sendo expressão divina, a lei é imutável, e seus conteúdos de
justiça e injustiça são os mesmos para todos os povos e tempos. Inaugura-se, com
Agostinho, outra visão daquilo que se possa chamar por direito natural. Para os gregos, o
direito natural era a busca da natureza das coisas, flexível, histórica. Para a tradição
medieval, o direito natural é um rol de regras inflexíveis que são oriundas do desígnio
divino. Nem com a tradição estoica a visão agostiniana se parece, pois, para Cícero, a lei
natural era a mesma porque a natureza do homem é a mesma, e a razão assim também o
é. Para Agostinho, não é a razão que alcança o justo, mas os desígnios de Deus.

O poder e a obediência.

Sendo a justiça uma expressão divina, as ações do homem na Terra são


injustas. Por extensão, os poderes humanos são defeituosos. A autoridade é injusta porque
é falível. No entanto, reconhece que a autoridade assim o é por conta dos desígnios de
Deus. Assim, os homens, ainda que compreendendo que as leis humanas, por sua
falibilidade, são injustas, devem a elas se submeter.
Só não se revela mais reacionária aposição de Agostinho porque sua aceitação
da autoridade terrena é ambígua: não é por causa de alguma consideração de que os
mandos são justos ou as leis impostas são boas que elas devam ser seguidas. É
simplesmente porque Deus constituiu as autoridades como tais. Assim sendo, a
escravidão, a servidão, na prática imediata, encontra respaldo em Agostinho. Tal visão
conservadora, impondo respeito à ordem acima da preocupação de justiça dos
julgamentos já faz de Agostinho um grande antecipador do modo de pensar moderno. Diz
Michel Villey: Ordem pública, segurança, poder do fato, respeito à história, serão os polos
do pensamento jurídico moderno. Ao menos uma parte da doutrina da Cidade de Deus
viria a ter o destino de conduzir ao positivismo jurídico da época moderna.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

A filosofia do direito medieval finca-se num exacerbado conservadorismo, de


legitimação das injustiças terrenas em razão de uma insondável vontade divina.

e) São Tomas de Aquino.

No inicio da Idade Média, o pensamento de São Agostinho tornou-se a


doutrina imediata e oficial da Igreja Católica, para o que tange às questões de teologia e
filosofia. O contato da Europa cristão com outras filosofias foi decisivo nesse processo
de mudança de pensamento. O pensamento clássico continuava sendo lido em outras
regiões, Aristóteles foi traduzido pelos sírios, árabes e judeus. O florescimento cultural
desses povos era notável, tinham um conhecimento em matemática, astronomia e outras
ciências, muito mais elevado do que os cristãos. Isso ocorreu porque os filósofos
muçulmanos e judeus, ao se defrontarem com Aristóteles, acharam justificativas racionais
para um série de posicionamentos e desenvolveram, a sombra de sua religião, linhas de
pensamento extremamente sofisticadas.
A invasão moura da península Ibérica e as cruzadas trouxeram a cultura árabe
e judaica, fazendo com que a teologia cristã enfrentasse a sua mais importante crise até
então. Num primeiro momento, a Igreja tenta perseguir e rejeitar o aristotelismo. Porém,
a partir das ideias de São Tomás de Aquino, a Igreja passa a dialogar com o pensamento
de Aristóteles, sendo São Tomás o grande responsável pela síntese da teologia católica
com o aristotelismo.
A obra mais relevante de São Tomás de Aquino é a Suma teológica. Seu
trabalho alia a exegese (exegese significa, como interpretação, revelar o sentido de algo
ligado ao mundo do humano) das obras de Aristóteles e a ligação direta à teologia
ortodoxa. São Tomás também é o mais importante expoente da escolástica, escola de
filosofia e teologia medieval que representava um método particular de leitura,
compreensão e exposição dos textos sagrados e dos textos investidos de autoridade.
Algumas técnicas da escolástica eram: lectio – leitura atenta dos textos, disputatio –
debate entre ideias, quaestio – questões propostas à discussão, praedicatio – atenção na
forma de pregação e sermões. (Os escolásticos tentam harmonizar ideais platônicos com
fatores de natureza espiritual, à luz do cristianismo vigente no Ocidente. Mesmo depois,
quando Aristóteles, discípulo de Platão, é contemplado no pensamento cristão através de
Tomás de Aquino, o neoplatonismo adotado pela Igreja é preservado. Assim, a escolástica

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

será permanentemente atravessada por dois universos distintos – a fé herdada da


mentalidade platônica e a razão aristotélica. – pesquisei na internet.).

Fé e razão.

O ambiente intelectual da época era dominado pelas ideias agostinianas,


assim São Tomás de Aquino representou uma novidade intelectual. Para Agostinho, a fé
é o meio fundamental de acesso à virtude e ao justo, para ele a terra é um ambiente de
corrupção dos valores e a plenitude das virtudes só são encontradas em Deus. Tomás de
Aquino tenta atenuar a dicotomia entre fé e razão. Diferentemente do que para Agostinho,
os atos e a razão passam a ter papel importante na Salvação, sendo o pecado original uma
doença, da qual se pode conseguir a cura e não a morte. Assim sendo, os homens não
estão necessariamente condenados a produzir injustiça na vida terrena. Podem, ainda que
decaídos pelo pecado original, se levantar tanto pela graça quanto pelos atos bons e justos.
Não se trata mais de uma condenação fatal. Enquanto Agostinho enfatiza a fé e a graça
como fontes da salvação, Tomás de Aquino, sem desprezá-las, coloca também os atos ao
seu lado.
Santo Agostinho vê como invencível a dicotomia entre vida em deus – com
virtudes e vida humana – com vícios. Não havia especo para se pensar a justiça como um
agir dos homens para com os demais. A justiça divina era tida como preceito de graça,
revelada e alcançada apenas com a fé. A razão e a fé estão numa situação de confronto
ou de subordinação da primeira em relação a segunda. Tomás de Aquino, por outro lado,
prevê uma relação de complementaridade entre a fé a e razão, há um espaço para a
racionalidade da justiça na própria ação dos homens para com os demais.

O tratado das leis.

Sem abandonar o pressuposto da graça e da fé, Tomás de Aquino insiste no


fato que há a possibilidade de o homem descobrir, na natureza, atos, comportamentos e
medidas justos. Tais apreciações da natureza são mesuráveis ao home, mas se devem
indiretamente a deus. Assim, além dos mandamentos divinos, há um espaço das leis
naturas, que também são divinas porque a natureza é uma criação de deus, com a diferença
que as leis naturais são passiveis de conhecimento humano.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Para ele, a lei é uma regra e uma medida dos atos humanos, orienta o homem
e a natureza e por isso é passível de compreensão pela razão. Lei é aquela ordenação que
visa o bem comum, ou seja, a lei não é aquilo com validade formal, mas aquilo que é
voltado ao bem comum.
Dentro das leis de deus, existem as leis eternas – aquela que é a razão divina,
transcendente e que governa o mundo, praticamente ininteligível ao homem – e a lei
divina – aquela que é a regra de deus anunciada através da revelação, é um mandamento
revelado ao homem que o alcança por meio da fé. A lei divina se manifesta como
direcionamento moral e jurídico aos homens, e sua diretiva é dada por deus no Antigo
Testamento e no Novo Testamento.
Ao lado desse bloco das leis eternas e divinas, inalcançáveis pela razão
humana, há uma lei que se comunica com os homens a partir de sua própria existência
natural. É a lei natural, que é divina pela sua origem, mas passível de compreensão pelo
homem. A lei natural nada mais é do que a participação da lei eterna na criatura racional.
Dessa forma, a lei natural não é apenas conhecida pelos crentes. Ela também fala aos
pagãos, e é por meio dessa lei natural que quem não conhece a fé pode agir no sentido de
sua salvação. A lei natural atinge tanto aos homens quanto aos animais. Para Tomás de
Aquino a lei natural é passível de mudanças, já que a natureza não está inerte. Há novos
tempos, novas situações, novas demandas e por isso o direito natural deve se adaptar,
muito mais acrescentando novas previsões àquelas já consolidadas, ou seja, seus preceitos
iniciais não são passíveis de mudança.
Além disso, para Tomas de Aquino existem a lei humana positiva, que servem
para auxiliar a conquista do bem comum, da paz e da virtude. Essas leis não são
necessariamente injustas ou corruptíveis, como propunha Agostinho. Dessa forma, São
Tomás de Aquino analisa as leis partindo de três grandes quadrantes e não mais de dois
– lei de deus e lei dos homens – típico do pensamento agostiniano.

O tratado da justiça.

Tomas de Aquino segue o pensamento de Aristóteles na obra Ética a


Nicômaco. A justiça será considerada para ele o bem do outro, e sua manifestação
específica é distributiva e retributiva. Mantém a ideia de direito natural como a
distribuição do justo entre iguais.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O pensamento tomista abre espaço á razão e aos atos justos, mesmo que
mantendo a subordinação do direito e do justo ao mando divino. O tomismo é um avanço
e uma abertura em relação ao agostinianismo, na medida em que permite ao homem
conhecer a medida do justo. Mas é uma abertura parcial, porque o sistema jusfilosófico é
mantido sob a égide da teologia. Antes da razão ainda vem a fé, ainda que esta não se
oponha ou negue aquela, mas ainda há uma relação de subordinação.

3) Filosofia de direito moderna.

A filosofia do direito moderna se estende entre o século XV e XVIII. Ao


menos três grandes movimentos de filosofia política e filosofia do direito são
identificados nessas épocas: o Renascimento, nos seus tempos iniciais, o Absolutismo,
que se forma a partir do século XVI, e iluminismo, que tem seu início no século XVII e
seu esplendor no século XVIII.

Renascentismo. Nicolau Maquiavel.

O movimento é chamado de renascentista por conta da inspiração buscada


junto aos clássicos, que, parecendo terem sido mortos pelos medievais, renasciam então
pelas mãos dos novos pensadores. Em termos filosóficos, o Renascentismo representou
um deslocamento do eixo dos fundamentos teóricos, de Deus para o homem. Por tal razão,
costuma-se denominar tal movimento também por Humanismo. No renascentismo o
poder pertence ao homem.
Nicolau Maquiavel (1469-1527) é um dos nomes mais expressivos dessa nova
visão filosófica. Dizia que, ainda que o destino influencie na vida social, tal fato não
exclui a importância da política. Não é um desígnio divino, mas sim as virtudes do agente
político que determina o encaminhamento da sociedade. O adjetivo “maquiavélico”,
imputado pela Igreja a tudo aquilo que lhe seja contrário ou ruim, na verdade revela o
preconceito para com uma visão de mundo realista, como foi o caso da renascentista, que
não se pauta por uma metafísica teológica.
Os conselhos de Maquiavel aos governantes, de manter ordem e poder, lança,
involuntariamente, germes para futura tradição absolutista.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Absolutismo.

No absolutismo a noção de que o poder humano é derivado do poder divino


volta à carga. Na idade média essa teoria tinha servido aos senhores feudais. Após, no
século XVI, serve aos reis. No absolutismo tem-se uma teoria da legitimação do poder
real por meio teológico. O monarca soberano, por essa teoria, tem dois corpos, um secular,
humano, e outro teológico, divino.
No absolutismo a disputa entre católicos e protestantes não atingia a soberania
do Rei, visto que este não se justificava pela moralidade de cada um de seus atos, mas
sim por uma espécie de competência originária de poder que lhe era dada por Deus.
Também em decorrência disso “as convulsões religiosas da Reforma deram uma
contribuição paradoxal, e, no entanto, vital, para cristalizar-se o conceito moderno e
secularizado de Estado. Isso porque, assim que os defensores de credos religiosos rivais
se mostraram dispostos a travar entre si um combate de morte, começou a evidenciar-se,
aos olhos de diversos teóricos da linha politique, que, para se ter alguma perspectiva de
obter a paz cívica, os poderes do Estado teriam que ser desvinculados do dever de
defender uma determinada fé.” (Quentin Skinner).

Iluminismo.

Tal qual o Renascimento e o Absolutismo, o Iluminismo não é um movimento


unificado, de pensadores que tenham tido sempre premissas comuns. São, todos, grandes
modos abertos de pensar determinados problemas. O Iluminismo é composto por
pensadores que, muitas vezes, debatiam entre si sobre pontos fundamentais, mas
apresenta como identidade a busca de se fundar na razão. Seu inimigo, o Absolutismo,
extraía o poder do soberano de Deus, portanto, de um procedimento formal teológico. O
Iluminismo, creditando tal visão às trevas da fé, insistirá nas luzes da razão, e daí a origem
de seu nome.
A razão, para os iluministas, não era apenas uma possibilidade de
interpretação do mundo, com tanta dignidade quanto a fé. Pelo contrário, sendo universal
e imutável, a razão se sobrepunha a todas as idiossincrasias das crenças e dos costumes.

Capitalismo e modernidade.

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A ruptura do feudalismo enseja novas demandas sociais e perspectivas


filosóficas diversas das medievais. O mundo estático, típico da economia feudal, dá lugar
à dinâmica das relações de troca, ao comércio, ao contato entre povos, à aventura.
Se no início o Absolutismo foi interessante à classe burguesa, no entanto, com
a consolidação do regime absolutista, ela percebe a sua inadaptação a essa lógica: os
privilégios dados pelo monarca aos nobres contrapunham-se às necessidades burguesas.
Por isso, contra as teorias legitimadoras do poder do Estado – Maquiavel, Bodin, Hobbes
– inicia-se a reflexão sobre a liberdade individual burguesa, sobre a liberdade no
comércio, o que se soma à possibilidade de uma crença individual diversa da crença da
maioria (problema que se exponenciara com o protestantismo). Essa perspectiva, de
reflexão sobre as possibilidades do indivíduo em face do Estado, engendra toda uma
tradição a respeito dos direitos (surgindo assim a noção moderna de direito subjetivo),
abrindo-se campo para as reflexões filosóficas modernas especificamente do direito. As
liberdades burguesas e a constante luta burguesa contra os privilégios absolutistas farão
com que a modernidade iluminista ressalte, em termos teóricos, os direitos individuais.
Na Idade Moderna, com o capitalismo, abrem-se as grandes matrizes do
pensamento filosófico que acompanham até hoje o discurso comum da filosofia do
direito: individualismo, direitos subjetivos, limitação do Estado pelo direito,
universalidade dos direitos, antiabsolutismo, contratualismo. Essas noções jusfilosóficas,
surgidas das realidades sociais capitalistas de então, constituem um arcabouço comum
que se poderia chamar de pensamento filosófico moderno, iluminista. Anteriormente ao
iluminismo muitos entendiam que o poder não poderia pertencer ao povo, visto que se
assim fosse, este (o poder) não mais existiria.
A filosofia iluminista é claramente antiabsolutista: reclamando a
universalidade de certos direitos subjetivos, rejeita os privilégios, o status quo, o
estamento, as divisões que davam base ao Antigo Regime. A igualdade de todos os
indivíduos perante a lei e a ampla liberdade de negócios, fundamentos da atividade
capitalista, passam a ser bandeiras da luta jusfilosófica burguesa. A limitação do Estado
passa a ser o corolário final da filosofia do direito, no século XVIII. Para a burguesia, o
Estado deve estar subordinado ao interesse individual, e não o indivíduo jungido
absolutamente pelo Estado.

Individualismo.

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O paradigma que acompanhou o pensamento clássico é baseado nas virtudes


políticas. A virtude da justiça, segundo Aristóteles, é bem para o outro, exerce-se na
sociedade. Já com o cristianismo inverte-se esse padrão. A filosofia medieval cristã dará
ênfase na virtude individual, da criatura ligada ao criador, com sua fé. Não importa, aos
medievais, salvar o mundo, que é corrompido, e sim a conquista individual do mundo
eterno.
O individualismo da filosofia política moderna iluminista se vê na defesa
intransigente da propriedade privada. A acumulação dos bens é legitimada como direito
do indivíduo, e dele contra todos, erga omnes. A riqueza não é compartilhada por todos.
Há um direito de apropriação por alguns contra todos os demais. Individualismo e
capitalismo, em filosofia e em filosofia do direito, são fenômenos interligados.

A questão do conhecimento.

Se a marca que identifica a filosofia medieval é o império da fé, a marca da


filosofia moderna é certamente a preocupação com a razão. A teoria do conhecimento é
um problema criado fundamentalmente pelos modernos. Entre os filósofos gregos, a
questão da razão se apresentava de outra maneira. Para Aristóteles, ressalta-se a busca de
entender a natureza mesma das coisas. O ato de conhecer não se separa daquilo que está
sendo conhecido.
O conhecimento, para os modernos, não se situa nem na própria interação do
conhecedor com o conhecido – a natureza – nem no campo da fé. Centrando sua
problemática no indivíduo, os modernos apresentam o problema específico do
conhecimento a partir do sujeito. A razão, além de estar centrada no sujeito, apresenta
mais uma exigência para os modernos: precisa ser universal. Sobre a questão do
conhecimento, à pergunta “como conhecemos?”, os filósofos modernos levantaram duas
respostas: a do empirismo e a do racionalismo.
Para os racionalistas, o conhecimento se faria por métodos ou categorias
racionais que todo sujeito, por si próprio, formularia por meio do mero uso de sua razão
– Descartes (o grande modelo da filosofia racionalista) é o pioneiro nessa busca. Para os
empiristas, o conhecimento advém da experiência originada na percepção concreta das
coisas e dos fatos – e Hume é um radical e destacado exemplo de filósofo empirista.
Tratam, ambas as correntes, do modo pelo qual o sujeito pode conhecer. O método, os
paradigmas, os sistemas, as categorias, são todos construções que partem não das coisas

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em si, da experiência das coisas, mas sim que estão na própria idealidade humana. São
construções racionais para perfazerem um conhecimento. Ao encaminhar-se para um
conhecimento não centrado no objeto, o racionalismo albergar-se-á no mundo do sujeito.
Para Descartes, todos teriam a aptidão de bem julgar e de conhecer o verdadeiro do falso.
Por isso, então, seria possível a universalidade do conhecimento. O racionalismo é uma
perspectiva filosófica adotada por toda a Europa continental e por todos os países que
receberam sua influência – a exemplo do Brasil. A Alemanha, mas também a França, a
Itália, Portugal e outros, são países que vivenciam uma filosofia de paradigma
racionalista, e, no plano jurídico, o sistema de direito que se consolidou há séculos é
aquele que denominou-se civil law ou direito legal.
Os empiristas, por outro lado, desenvolveram, na questão do conhecimento,
a reflexão filosófica centrada na percepção mesma das coisas antes que nas categorias
que dariam sentido a essa percepção. Para os empiristas, o método só vem depois da
experiência, e não antes. O conhecimento se faz das coisas reais, sentidas, experienciadas,
não de ideias sobre as coisas – como propugnam os racionalistas –, mas das coisas e da
experiência em si. O conhecimento tem que ser postulado, pela filosofia burguesa
moderna, como individual e universal. Por isso, está de fora das filosofias modernas a
possibilidade do conhecimento se assentar sobre uma base social. Os indivíduos não
aprendem a razão uns com os outros. Se assim o fosse, a própria sociedade permitiria uma
variedade de opiniões, julgamentos, e, portanto, de razões. Isso acarretaria o fato de que
seriam possíveis vários julgamentos a respeito do justo, o que inviabilizaria o projeto
jurídico moderno de assentar o conhecimento apenas na base das normas que
interessavam à burguesia. O conhecimento que se adquire com os demais, em sociedade,
é cultura. O empirismo, em geral, foi um movimento filosófico característico da
Inglaterra, dos países nórdicos e dos países do mundo de cultura anglo-saxônica. Essa
peculiaridade, geográfica, encontra-se em exato paralelismo com o sistema de direito que
nesses países, desde o final da Idade Média e início da Idade Moderna, foi-se
consolidando: a common law.

Filosofia política moderna.

O período moderno foi dos mais férteis para o desenvolvimento da ação


política em solo europeu, e também para a filosofia política. Rompendo com o sistema
feudal, o mundo moderno conheceu pela primeira vez o Estado, da forma como o

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tomamos hoje. A condição primeira dos indivíduos na história, antes da vida social, na
qual os homens são livres, os modernos a denominam estado de natureza. Estando os
homens em estado natural, lá encontram liberdade sem controles, mas tal liberdade é
pouco apreciada, segundo o pensamento filosófico dos modernos, porque não há garantia
de seu exercício racional e nem de salvaguarda dos direitos naturais. Por isso, como meio
de instituir uma ordem capaz de garantir seus interesses e direitos, os indivíduos, dando
vazão à sua vontade livre, dispõem-se a viver em sociedade. Como tal vida social é
artificial, gerada que foi por um contrato e não por um dado natural, impõe-se um respeito
mútuo às regras acordadas. Não se pode, então, viver sob a independência total do estado
natural, onde cada indivíduo era seu soberano. É preciso que haja uma instância política
que unifique as vontades individuais.
As teorias do contrato social, que fundamentam a teoria política moderna, são
também um espelho das teorias do direito natural, que se constituem como base da
filosofia do direito moderna iluminista. Como os homens são, em natureza, iguais, o
contrato social é estabelecido a partir de parâmetros iguais. Todos os homens, assim,
possuem os mesmos princípios que devem ser resguardados na vida política, porque,
quando se associaram contratualmente, valia cada qual o mesmo que o outro. Começa a
nascer daí a ideia dos direitos naturais do homem, que é a tônica da filosofia política e
jurídica dos modernos.
A filosofia do direito moderna iluminista tem por tema mais importante a
postulação de um direito natural da razão. O exercício da razão não está, para a filosofia
moderna, em homens privilegiados, em autoridades (e não está, pois, no soberano
absolutista). A razão, para os modernos, é um dom a todos distribuído, e a possibilidade
de se conhecerem as leis naturais é igualmente dada à razão de todos. Na medida em que
se afasta o arbítrio de um monarca, o Iluminismo também afasta a perseguição às ideias
contrárias ao detentor do poder estatal.
O pensamento jusfilosófico moderno, no movimento que se dá do
Absolutismo ao Iluminismo, foi produzido por uma série de pensadores de grande vulto.
O último e marcante deles foi Kant. Mas Hobbes, Locke e Rousseau, que influenciaram
decisivamente os seus tempos no que tange à política e às lutas sociais, são também três
pensadores muito distintos no que diz respeito aos horizontes postulados, ainda que sejam
todos defensores da ideia de contrato social.

a) Thomas Hobbes.

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Thomas Hobbes (1588-1679) representa o grande marco teórico do


Absolutismo, ao mesmo tempo em que, insolitamente, lança sementes para a construção
liberal burguesa em curso. Sua filosofia é um dos pontos altos da modernidade justamente
por seu caráter original e peculiar. Hobbes é um defensor do empirismo.
Contra Aristóteles, Hobbes dirá que não é natural que cada homem tenha por
fim a associação com outros homens. Se assim o é, a vida social se revela aos homens
artificialmente. Somente um contrato, um pacto, enseja que os homens, que vivem em
função de seus interesses pessoais, passem a viver em conjunto. Também contra
Aristóteles, Hobbes dirá que a inclinação dos homens está voltada para a satisfação de
seus próprios interesses. Como a vida solitária gera preocupações, fragilidades e medo
(recíproco), porque não é possível sempre se defender sozinho de todos, então, por causa
desse medo, os homens se associam, para que seja mais difícil a sua destruição por
outrem. Disso resulta, peculiarmente, uma espécie de primeiro direito natural de todos os
homens, que é prévio à própria associação: o direito à preservação. Vivendo para a
satisfação de suas vontades e para o resguardo de seus medos, os homens estariam em
conflito permanente. O estado de natureza, assim sendo, é um estado bélico.
“O homem é o lobo do homem”. Hobbes desponta como um dos mais
importantes teóricos do Absolutismo. No entanto, ao mesmo tempo, a origem do poder
absoluto não é divina. Toda a tradição absolutista hauria a fonte do poder dos reis de um
mandato divino. Por procuração, o poder terreno era representante do poder divino. Nesse
ponto, Hobbes inova. O poder absoluto é extraído de um contrato social. Os indivíduos,
que vivem em natureza uma situação de medo e conflito, submetem-se voluntariamente
ao poder do Estado. Hobbes é absolutista, mas com ferramentas inovadoras e similares às
depois utilizadas pelos iluministas.

O direito natural hobbesiano.

Hobbes define o direito de natureza como a liberdade que os homens possuem


de fazer tudo o que julgarem necessário para a preservação da própria vida. Os preceitos
da lei natural têm em vista a preservação do indivíduo e a busca da paz. São, para Hobbes,
ditames da reta razão. No entanto, o homem em natureza não age segundo a razão, e sim
de acordo com os seus interesses e pendores pessoais.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

As leis naturais, para Hobbes, obrigam in foro interno, isto é, para a própria
pessoa, sua vontade e consciência, mas não in foro externo, ou seja, na convivência
concreta dos homens em sociedade.
Menciona ainda o Hobbes, ao dispor que o homem não irá, de forma livre e
espontânea, cumprir com as leis naturais, que os pactos sem a espada não passam de
palavras, sem força para dar segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis de natureza
se não for instituído um poder suficientemente grande para a nossa segurança, cada um
confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas na sua própria força e capacidade, como
proteção contra todos os outros.
Hobbes diz, ainda, que o justo a súdito é obedecer as regras ditadas pelo
soberano (leis civis) e não as leis naturais. Há, no entanto, no pensamento de Hobbes,
uma grande exceção à submissão total ao soberano: o direito de se valer dos meios
necessários para preservar a própria vida. Isso não serve como mostra de que Hobbes
fosse um propugnador do jusnaturalismo, opondo-se ao direito positivo. Trata-se do
contrário, justamente porque é uma exceção.
De maneira muito peculiar, é verdade que o pensamento jurídico hobbesiano
afirma o direito natural, mas para depois dissolvê-lo sob a égide do poder absoluto do
soberano.

b) Jonh Locke.

John Locke (1632-1704) é o mais destacado pensador da filosofia burguesa


moderna, em ascensão na Inglaterra de seu tempo. Locke esteve envolvido de modo
próximo com a Revolução Gloriosa, de 1688, que pôs fim ao Absolutismo e declarou, em
1689, o Bill of Rights inglês.
No que diz respeito à sua filosofia geral, Locke é um dos mais destacados
pensadores do empirismo. Locke dizia que é o contrato social, e não um poder divino,
que dá base ao poder político.
Para Locke os homens, em estado natural, são iguais e desfrutam da liberdade.
Sendo livres e iguais, não são, no entanto, necessariamente irrefreáveis no uso dessa
liberdade.
Para Locke, a liberdade natural não impede que possam os indivíduos viver
com algum respeito nessa condição. A liberdade é possível em natureza por conta da lei
natural, que nela existe. Ainda dispõe Locke que o individuo abrirá mão dessa liberdade

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

ante a incerteza e a constante exposição à violação por parte dos outros (medo). “E não é
sem razão que ele procura e almeja unir-se em sociedade com outros que já se encontram
reunidos ou projetam unir-se para a mútua conservação de suas vidas, liberdade e bens,
aos quais atribuo o termo genérico de propriedade.”
Locke também estabelece uma distinção entre os poderes na sociedade
política, destacando três: o legislativo (com maior poder), o executivo e o federativo.
Locke também escreveu sobre o direito natural. Para ele a lei natural busca a preservação
de si mesmo e da humanidade e, no estado de natureza, todos os indivíduos são executores
da lei natural, na medida em que ainda não há um Estado que possa se arrogar nesse papel.
Para Locke a propriedade está entranhada como direito natural do indivíduo; vem antes
do Estado. Contra ela o Estado não tem poder, devendo respeitá-la.
A propriedade privada é a razão de ser do contrato social e é o eixo central e
problemático da filosofia de Locke. Muito embora ele mencione que é ilegítimo possuir
mais alimento que o necessário numa situação de natureza, ao dispor acerca da vida em
sociedade, argumenta que, em decorrência da existência de dinheiro (prata e ouro) é
possível ter mais alimento que o necessário, visto que este pode ser estocado ou vendido.
Uma visão liberal diretamente ligada ao interesse burguês.
Argumenta ainda que mesmo o poder supremo não pode tomar a propriedade
excedente de seus proprietários. O desrespeito à propriedade torna o governo tirânico.

c) Jean-Jacques Rousseau.

Para Rousseau (1712-1778), a civilização não poderia ser considerada o


apogeu da vida humana, em oposição a uma vida natural primitiva. Pelo contrário, a
civilização era culpada da degeneração da moral do homem natural. Em sociedade, o
comportamento humano se altera, buscando ganhos e vantagens pessoais. A polidez, a
educação e a etiqueta escondem o interesse pessoal por detrás da relação com os outros.
Em sociedade, dá-se importância ao luxo, criam-se necessidades artificiais e
os homens passam a ser escravos de tais caprichos. Aquilo que se pretende civilizado é
uma máscara dos baixos interesses dos homens. O excepcional do método de Rousseau
está em reivindicar um papel fundamental aos sentimentos, não se limitando portanto à
razão. A constatação de Rousseau de que o homem, ganhando em inteligência e em
sociabilidade, não necessariamente melhora – a civilização, pelo contrário, dissimula e

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

torna o homem egoísta –, leva-o a pensar nas causas da vida em civilização e do seu
perecimento.
Não busca a volta a um idílico estado natural. Antes, seu projeto é o de
entender a natureza humana para saber se ainda há solução para consertar a própria
civilização, dado o grau de degeneração a que ela e os homens chegaram. A diferença de
abordagem sobre o homem na natureza entre Rousseau e demais contratualista é que,
segundo ele, estes buscaram o homem natural com as lentes da própria condição humana
presente. Ou seja, não conseguiam investigar o homem em seus estágios mais primitivos
e, em decorrência disso, suas teorias sempre situam o homem natural com alguns atributos
que são já da civilização.
Assim sendo, Rousseau não fará uma “antropologia” do estado de natureza.
Pelo contrário, trabalhará no plano das hipóteses, num nível argumentativo. Não é
empiricamente que se constata o estado de natureza, porque toda empiria estaria viciada
com a visão de mundo da constatação presente.
Em seu livro “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade
entre os homens” Rousseau diferencia o homem do animal, além de tratar de aspectos
metafísicos e morais do homem. Rousseau, em “Discurso sobre a origem e os
fundamentos da desigualdade entre os homens”, afirma o contraste de suas posições em
relação às de Hobbes: não é possível transferir os vícios que são do estado de civilização
para o estado natural.
O homem não é naturalmente mau. Em estado de natureza, não é pelo fato de
que haja uma ausência da ideia de bondade que o homem será constituído por uma
condição má. A ignorância leva o homem à calma das paixões (esta – calma –, reconhece
Rousseau, não é, todavia, eterna).
A segunda parte do Discurso sobre a origem e os fundamentos da
desigualdade entre os homens se abre com uma das mais conhecidas e fundamentais
proposições de Rousseau.
O que dá origem ao estado de desigualdade entre os homens, se, de início, a
calma das paixões e o uso dos recursos da natureza são-lhes suficientes? É justamente o
surgimento da propriedade privada que marca a destruição da condição de felicidade
natural, passando a impor aos homens os sofrimentos sociais.
A conclusão de Rousseau é clara. Com a propriedade privada e a competição
e a vaidade entre os homens, instaura-se um estado de guerra e, então, os poderosos
conclamam os fracos a um pacto. Facilmente todos concordam com tal contrato, e dele

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se institui o direito e as leis. A ordem política e jurídica nasce, portanto, de um contrato


social espúrio. De tal contrato se tem inclusive a base da evolução histórica das
instituições sociais.

O contrato social em Rousseau.

A obra na qual Rousseau se põe a tratar das possibilidades de um arranjo


político, jurídico e social novo, que seja legítimo e aponte para o resgate da dignidade, é
O Contrato Social.
Escrito depois do “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade
entre os homens”, presta-se a outro propósito. Enquanto o Discurso faz uma análise da
saída do homem do estado de natureza até chegar à sociedade, tendo nesse transcurso
realizado um contrato social espúrio, que fundou o Estado e o direito para garantir a
propriedade dos ricos, O Contrato Social começa a pensar na possibilidade de se levantar
– a partir dessa situação desgraçada na qual a vida social e as instituições já se apresentam
– outra ordem política, jurídica e social.
Trata-se, então, de um movimento de transformação da sociedade já existente.
A fórmula exigente e original de Rousseau está no fato de que os indivíduos associam-se
no todo, como legisladores, e, ao mesmo tempo, passam a ser súditos desse mesmo todo.
Mas, como são partes do todo, a lei do todo para si não é estranha, vinda de um terceiro;
deve ser considerada como se fosse uma lei dada por si mesmo. Daí que o homem, no
contrato social de Rousseau, ainda mantém a sua liberdade, apenas em outro nível e
instância. O homem é o legislador de si mesmo, por meio do corpo orgânico resultante
da associação.
Ele está submetido à lei que é fruto de sua própria vontade. Liberdade e
obediência encontram uma fórmula de conjugação no pensamento de Rousseau (Trata-se
de um súdito das leis do Estado, mas, ao mesmo tempo, de um cidadão, que participa
ativamente da autoridade soberana). Para que haja essa perfeita convergência entre a
liberdade e a obediência, Rousseau considera que cada associado deve se alienar
totalmente à comunidade.
A originalidade do pensamento de Rousseau, em face de toda a tradição
contratualista moderna, está no fato de que o homem não é mais tratado como um
indivíduo isolado, mas sim como um membro desse todo. A teoria de Rousseau aponta

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

para um viés altamente democrático: os indivíduos se lançam, ativamente, na consecução


do interesse comum, que é o seu também.
Na fórmula de Rousseau para esse contrato social, aparece então o elemento
fundamental da vontade geral. O pacto que se estabelece entre os indivíduos,
consolidando sua associação, retira dos mesmos indivíduos a possibilidade de fazer valer
seus interesses pessoais. Mas, não sendo os indivíduos alheios à entidade que se forma
coletivamente, e sim seus membros ativos, sua vontade individual mergulha, então, numa
vontade geral, que aponta para o objetivo do bem comum.
A vontade geral passa a ser a diretriz de toda a vida social institucionalizada.
Os interesses pessoais que se lhe contraponham são ilegítimos. Assim sendo, a vida
política no Estado passa a ser não apenas legitimada por conta de instrumentos formais –
como o era com os demais contratualistas, com a mera delegação de um poder a um
terceiro –, mas sim por uma diretriz substancial – o bem comum. O contrato social de
Rousseau, lastreado na vontade geral, passa a ter uma perspectiva formal e também
material de orientação.
Diz Rousseau: “Via de regra, há muita diferença entre a vontade de todos e a
vontade geral; esta se refere somente ao interesse comum, enquanto a outra diz respeito
ao interesse privado, nada mais sendo que uma soma das vontades particulares. Quando,
porém, se retiram dessas mesmas vontades os mais e os menos que se destroem
mutuamente, resta, como soma das diferenças, a vontade geral”. Será a lei, para Rousseau,
que consubstanciará a vontade geral. Além da igualdade observada pela sua
materialidade, há uma peculiar teoria de Rousseau a respeito da liberdade. Não é
considerado livre aquele que porventura não seguisse lei nenhuma e que, portanto,
seguiria só seus próprios instintos.
Para ele, mesmo com o contrato social, não cessa a liberdade individual,
apenas ela é transformada de grau. Livre, na verdade, é aquele que segue a lei por ele
mesmo determinada. Assim, sendo o Estado o resultado de uma associação de membros
que conservam sua participação ativa, a lei estabelecida pelo Estado é uma lei dos
próprios membros.
Por isso, embora se trate de uma teoria de total submissão ao Estado, é o
pensamento de Rousseau também de total proposição da liberdade. Kant, posteriormente,
inspirado parcialmente em Rousseau, denominará a submissão à lei de si mesmo como
autonomia, o que reputa também por liberdade, em contraposição à heteronomia.

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O direito natural em Rousseau.

Rousseau é um contratualista peculiar e também um jusnaturalista sui generis.


Seria possível, no limite, dizer que não é jusnaturalista, ou, ao menos, o é de um modo
muito distinto daquele dos demais modernos. Mas sua filosofia está permeada por
referências ao direito natural.
O que Rousseau chama de direito natural são os fundamentos naturais (ou
lógicos) de toda convenção, a saber, a liberdade e a independência em composição com
os sentimentos naturais de autoconservação (amor de si) e de sofrimento e existência do
outro (piedade natural). Para Rousseau, mesmo havendo um direito natural, ele se revela
e se resolve na lei civil, na convenção humana a partir do contrato social.
O modelo de direito natural de Rousseau, ao contrário dos demais modernos,
não é estático, é dinâmico: o justo é uma mudança dos homens, transformando seu
individualismo e seu amor-próprio em solidariedade.

d) Kant.

Nascido em Königsberg, na Alemanha, em 1724, Immanuel Kant era


admirador confesso de Rousseau, por exemplo –, esteve também, quase sempre, servindo
às perspectivas de uma ordem burguesa de direito, capitalista, liberal.
O pensamento kantiano apresenta três fases bastante distintas.
Na primeira delas, durante sua juventude e sua primeira maturidade, Kant se
volta aos temas clássicos das ciências da natureza, física, astronomia, entre outros.
Em sua segunda fase, Kant passa a tratar dos temas propriamente filosóficos,
embora a característica fundamental de suas obras em tal período seja a da exposição de
reflexões filosóficas tradicionais do pensamento moderno.
Em sua terceira e última fase, nas décadas finais de sua vida, Kant elabora
definitivamente os pressupostos de sua metodologia filosófica, tratando do criticismo
filosófico de maneira ampla. Nessa fase, rompe com a tradição da metafísica racionalista
europeia, inaugurando não uma especulação sobre ideias genéricas, mas sim sobre as
possibilidades do próprio conhecimento e do juízo. Nessa última fase de seu pensamento
encontram-se suas três grandes críticas, a Crítica da razão pura (1781), a Crítica da razão
prática (1788) e a Crítica da faculdade de julgar (1790). A Fundamentação da metafísica
dos costumes está ainda nessa fase (1785). Diversos textos que abordam temas

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específicos, como À paz perpétua (1795) e a Metafísica dos costumes (1797), são obras
dessa etapa final de sua vida, que se poderiam contar como um momento derradeiro, após
suas três grandes críticas, e com relevo interessam ao direito. Na própria Metafísica dos
costumes Kant trata especialmente do direito, na primeira parte da obra, a chamada
“Doutrina do direito”.
A construção do modelo filosófico kantiano não é nem empirista nem
racionalista. Kant reconhece em David Hume uma verdade necessária: por meio das
experiências, somos informados dos eventos e fatos que se nos apresentam. Mas o
conhecimento, para Kant, não era somente a apresentação das coisas à nossa vista. Sua
proposta, muito mais elaborada que o racionalismo e o empirismo, será conhecida como
um dos momentos marcantes do idealismo alemão. Trata-se de uma relação superior entre
realidade e razão.
Sobre a questão do conhecimento, começa Kant sua teoria reconhecendo a
existência do conhecimento empírico, aquele que se dá com base na experiência. O sujeito
do conhecimento conhece, sim, por meio da experiência. Alguém sabe a cor da parede de
tal casa porque a viu.
Kant, no entanto, rejeitará que a percepção nos leve ao conhecimento das
coisas em si. Para ele, o que se conhece das coisas, com a percepção, é só o fenômeno que
tais coisas representam para o sujeito do conhecimento. Fenômeno, nessa acepção
kantiana, quer dizer daquilo que se apresenta da coisa para os sentidos do sujeito do
conhecimento.
O fenômeno, a aparência das coisas para conosco, é a relação que o sujeito
do conhecimento tem com a experiência. Mais importante do que a coisa que é vista, para
Kant é o sujeito que vê. É o sujeito que vê que transforma o fenômeno em um objeto para
o pensamento.
Com isso, com a percepção conhecendo só fenômenos, Kant exclui a
possibilidade do conhecimento das coisas em si, rejeitando, assim, uma parte da teoria do
empirismo. Se as coisas em si não são a causa do conhecimento universal, serão as
ferramentas dos sujeitos a causa da universalidade do conhecimento. Como todos
compreendem os fenômenos por meio das mesmas ferramentas, o conhecimento é
universal, não por causa da coisa conhecida, mas por conta de quem conhece.
A apreensão dos fenômenos só é racional porque há no sujeito estruturas
prévias, chamadas então por a priori, que possibilitam perfazer o conhecimento.

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As ferramentas do conhecimento chamadas formas da sensibilidade são


estruturas que possibilitam universalmente que seja dado o conhecimento empírico. Tais
formas a priori da sensibilidade são o tempo e o espaço. Essa organização espacial e
temporal dos fenômenos é que possibilita sua própria apreensão.
Além das formas da sensibilidade, o sujeito do conhecimento possui ainda
ferramentas chamadas por Kant de categorias apriorísticas, que lhe dão a condição do
entendimento, organizando o conteúdo advindo da percepção. Tais categorias são
também estruturas universais e necessárias, de tal modo que, dados os mesmos
fenômenos, haveria o mesmo entendimento deles por meio dessas categorias. Para Kant,
a organização do entendimento faz-se por meio de determinadas categorias, como por
exemplo as de quantidade, qualidade, causalidade, necessidade etc.
O conhecimento, assim, não é só a apreensão sensível dos fenômenos, é
também um pensar.
a respeito deles. Para Kant, essa intelecção é um ato de julgamento da empiria
por meio de categorias. Por isso, todo pensamento, para Kant, é na verdade um
julgamento, é um juízo. E, para cada categoria a priori, há um juízo que se lhe
corresponde.
As categorias que possibilitam o conhecimento dos fenômenos são
denominadas, por Kant, juízos sintéticos a priori. São juízos necessários, universais.
Diferem-se dos juízos sintéticos a posteriori. Quando alguém diz que a sala de aula tem
a cor branca, fez um juízo sintético a posteriori. Foi à sala, viu a cor de sua parede, e
então depois (a posteriori) atribuiu uma propriedade a um objeto (a parede é branca).
Mas os juízos sintéticos a priori são distintos. Quando se diz que toda parede
pintada assim o é porque recebeu a ação de um pintor, que a toda ação corresponde uma
reação, trata-se de um juízo sobre a causalidade necessária dos fenômenos. Não é preciso
ver a parede em si para saber que houve a ação de um pintor.
Propõe Kant que o conhecimento é universal porque as ferramentas do
conhecimento são universais a todo sujeito do conhecimento. Os juízos sintéticos a priori
são universais. Kant constrói, ao cabo de sua empreitada na Crítica da razão pura, um
conhecimento que é calcado na subjetividade, mas que é universal, com categorias prévias
à experiência. A universalização de Kant, antes que pelo objeto, que não se alcançava,
era pelo sujeito do conhecimento, porque contava este com categorias necessárias e
universais.

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A razão prática.

A razão pura, para Kant, trata do conhecimento dos fenômenos, das condições
de possibilidade do entendimento. Mas, para o direito, mais importante que a razão pura,
será a razão prática. De que maneira será possível conhecer o justo? Com certeza não por
meio da experiência, a teoria kantiana sobre a justiça e a injustiça, sobre o bem e o mal,
sobre o belo, sobre o correto, as virtudes, enfim, sobre tudo que envolve o mundo dos
valores, da vida prática, das considerações para a ação e o julgamento humano, essa teoria
em Kant faz-se com base na razão prática, cujo núcleo residirá nos imperativos
categóricos.
Segundo Kant, para estruturar a razão prática é preciso distinguir entre dever
e moralidade. Agir conforme o dever é empreender as ações que sigam os trâmites de
uma determinada legalidade. Mas seguir o dever não significa, necessariamente, o
cumprimento da moralidade.
Alguém pode cumprir o dever da caridade por interesse: quer ter
reconhecimento social.
A moralidade não é apenas o cumprimento do dever. É mais: trata-se de uma
predisposição a cumprir o dever sem nenhum outro fundamento que não apenas o próprio
querer. Por isso, a moralidade não se mede pelo seu resultado. O querer, sem intenções
outras que não o próprio cumprimento do dever, é seu fundamento último.
A boa vontade é elevada como eixo instituidor da moralidade kantiana. Trata-
se de um querer somente pelo querer. Essa é uma visão da moralidade muito distinta
daquela construída pelos antigos ou pelos medievais. Para os antigos, como Aristóteles,
a moralidade busca o alcance de um fim.
Para Kant, a boa vontade é boa não porque leve à felicidade, nem porque
atinja um fim desejado por Deus, mas apenas por si própria. Mesmo que o resultado da
boa vontade fosse totalmente obstado pelas circunstâncias, o querer é suficiente por si
mesmo, pouco importa seu resultado.

O imperativo categórico.

O núcleo do pensamento kantiano sobre a moralidade repousa no conceito de


imperativo categórico. Trata-se de uma orientação para o agir moral racional. Para Kant,
o homem, não sendo um Deus, não age natural ou necessariamente no caminho da

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moralidade. Por isso, racionalmente, a moralidade se apresenta como um imperativo.


Trata-se de um dever-ser que se apresenta à vontade e à racionalidade humana, e não
simplesmente um desdobramento natural do ser do homem. Além disso, é um imperativo
para o agir. O imperativo categórico é não apenas um saber que orienta a moral, mas uma
diretiva que tem em vista a ação.
Kant distingue os imperativos categóricos dos imperativos hipotéticos. Estes
últimos são os modos de ação típicos da técnica ou do pragmatismo. Se um homem quer
buscar um objeto que foi jogado no telhado, então sua melhor técnica deve ser a de subir
uma escada – deveres que servem como meios a fins. São imperativos hipotéticos. O
imperativo categórico, ao contrário, não se estabelece assim. Não é orientado a fins
específicos.
Na Fundamentação da metafísica dos costumes, Kant anuncia o imperativo
categórico: Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que
ela se torne lei universal.[...] Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela
tua vontade, em lei universal da razão. [...] Age de tal maneira que uses a humanidade,
tanto na sua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como
fim e nunca simplesmente como meio.
Para Kant, ao contrário de Aristóteles, a equidade, ou seja, a adaptação ao
caso concreto, não é o elemento ético mais alto. A universalidade do imperativo
categórico é inabalável, e, portanto, não olha para as circunstâncias. Não mentir é um
imperativo que não se altera moralmente a depender do caso concreto.
Com a construção do conceito de imperativo categórico, Kant chega ao
apogeu do pensamento ético moderno, que é irmão imediato do pensamento jurídico
burguês: justo é o imperativo universal, isto é, que valha para todos igualmente, por meio
de uma mesma régua – e o justo, nesse sentido, é o exato oposto da régua de Lesbos
aristotélica –, sem qualquer flexibilidade, o que também se aproveita ao interesse burguês
de um direito friamente objetivo que não se dobre às necessidades prementes do clamor
social das classes exploradas. Além disso, não é um justo divino, como o dos medievais
ou absolutistas, nem um justo histórico e resultante da luta social, como o será para os
contemporâneos. Com Kant, a razão burguesa consegue, enfim, escrever a página de seu
idealismo que, encastelado no seu próprio interesse, pretende-se válido para todos os
tempos. O tempo do justo burguês apaga o passado absolutista e impedirá o futuro de
justiça histórica e social.

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O direito em Kant.

Para Kant, o direito se distingue da moral porque esta última busca uma
espécie de prática da lei por si mesma, tendo seu âmago na vontade interna do sujeito,
enquanto o direito se impõe como uma ação exterior, concretizando-se no seu
cumprimento, ainda que as razões do sujeito não sejam morais.
Para Kant, os princípios que regem racionalmente o direito são hauridos da
mesma fonte lógica daqueles que regem a moral. Os imperativos categóricos são base da
moral. O seu lastro está na universalidade das normas. Também o direito é pensado a
partir de uma universalidade. Tal como a moral não é um horizonte adaptável conforme
as conveniências, não é justo o direito parcial, particular, que dá privilégios. Somente as
normas universais podem ser pensadas como justas.
Como os demais burgueses modernos, para ele o direito natural é da razão,
extraído como possibilidade do pensamento do sujeito. Kant representa a mais radical
ruptura com o pensamento jurídico antigo, clássico, cujo maior propositor fora
Aristóteles. Para este, a natureza ensinava, servia de guia e mensuração. Para Kant, o
direito justo é pensado, e não necessita nem de confirmação nem de correções na
realidade.
O direito justo não é aquele que visa ao bem comum. Não é aquele que se
orienta para corrigir as desigualdades sociais, e tampouco para amparar os mais frágeis
na sua relação com os mais fortes. Apenas a forma da relação entre livres e iguais é o que
importa. Assim sendo, num decisivo trecho da Metafísica dos costumes, Kant conceituará
o direito como uma esfera exterior do dever (e não interior, como no caso da moralidade),
e dirá que o direito não se mede pelos proveitos, necessidades e explorações concretos da
relação, e sim apenas pela forma que seja presumida livre e igual.
A mera forma da relação presumida livre e igual corresponde, em Kant, ao
apogeu da legitimação da relação de exploração capitalista, sem considerações maiores a
respeito da sua injustiça estrutural. O bem-estar social não encontra abrigo em suas
reflexões jurídicas. A mera conservação dos parâmetros da circulação mercantil e dos
contratos é o que Kant considerará por direito justo.
No pensamento kantiano, não há diferenciação entre o direito racional e a
moral no que diz respeito ao conteúdo das normas em si, tendo em vista que as normas
jurídicas racionais e as morais são pensadas todas a partir de uma mesma forma –
imperativos categóricos. Sendo o imperativo o mesmo para a moralidade e para o direito,

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a moral se cumpre por um querer interior ao sujeito e o direito se revela por meio da
coerção externa ao sujeito, promovida pelo Estado.
A liberdade plena do indivíduo é perdida em favor do Estado para que este,
então, guarde-a e a permita. Em não sendo possível fundar a sociabilidade apenas em
moralidade racional, que busca a si mesma, Kant apresenta ao seu lado o direito, lastreado
na coerção estatal, a bem, principalmente, da manutenção da ordem social burguesa.

O contratualismo kantiano.

Na ideia do contrato social, e na verdade na pressuposição da vontade geral


do povo, é que reside para Kant a legitimidade do direito.
Sua teoria não pressupõe o contrato social como realidade histórica. Não se o
há de buscar em algum evento concreto do passado. Pelo contrário, o contrato social é
uma necessidade do pensamento, tendo em vista que o Estado de direito se funda nesse
nível de racionalidade que pressupõe o resguardo institucional da liberdade dos
indivíduos em convívio.
O arbítrio, para Kant, é o fundamento de sociedades anárquicas e despóticas.
O direito é o fundamento das sociedades republicanas. No entanto, isso não quer dizer
que todos venham a exercer plenos direitos ativos de cidadania em tal sociedade. Para
Kant, peculiarmente, o Estado de direito garante apenas a justiça para todos, não o bem-
estar dos seus cidadãos.
Numa posição altamente liberal, os indivíduos, por si próprios, são
responsáveis pela sua felicidade. O Estado apenas garante as possibilidades da liberdade
dos indivíduos, por isso sua função é assegurar, nas palavras de Kant, apenas a justiça.
Para Kant, o direito não deve se ocupar do eventual sofrimento do povo. O contrato social
é tão somente uma ideia que organiza a concretização da justiça enquanto garantia da
liberdade.

O direito privado e o direito público.

Na Metafísica dos costumes, Kant expõe sua “Doutrina universal do direito”


em duas partes, sendo a primeira delas sobre o direito privado e a segunda sobre o direito
público. Tal apresentação não é aleatória: para Kant, o fundamento do direito reside
primeiro no direito privado, e só depois no direito público.

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A propriedade privada e o contrato são elementos inscritos já no estado de


natureza, antes mesmo da posterior transformação de tal situação natural em civil. Assim
sendo, para Kant, não há de se indagar sobre as origens de cada propriedade específica,
devendo antes haver, como corolário da razão, o respeito absoluto à posse originária já
constituída.
Para Kant, a posse, que é um pressuposto verificado já no estado de natureza,
somente se torna propriedade privada quando de sua garantia por meio do Estado. Assim
sendo, em Kant, o direito público é uma decorrência necessária da própria atividade e dos
interesses privados – de modo radicalmente burguês, o privado fala mais alto que o
público.
O direito público é aquele haurido do Estado, que dá condições para a
liberdade dos indivíduos na convivência entre si, dos povos entre si e mesmo dos Estados
e de seus indivíduos entre si. Por isso, Kant o estrutura, na Metafísica dos costumes, em
três partes: direito do Estado; direito das gentes; direito cosmopolita.

No que diz respeito à sua visão sobre a cidadania, Kant reconhece, no poder
legislativo, uma ligação com a vontade do povo, que se expressa por meio das eleições.
Ocorre que, na sua teoria, eleitor deve ser o proprietário, aquele que tem meios próprios
para viver e não se submete ao trabalho controlado por um terceiro.
O próprio Kant busca matizar sua posição, ressaltando que o trabalhador
subordinado é também um cidadão, mas, não sendo proprietário nem dono de seus
próprios meios de subsistência, é um cidadão passivo sem direito a votar.
Além disso, sua abominável distinção entre cidadãos ativos e passivos – que
segrega o trabalhador e a mulher – revela o quanto sua filosofia política e do direito não
representa um marco de rompimento, mas sim de conservação do já dado.
Para Kant, ainda que o soberano seja um tirano, injusto, não há um direito de
resistência do povo, que deve se conformar à condição jurídica dada, sem postular uma
revolução. Se o direito natural se consubstancia num direito positivo que garanta a
liberdade recíproca dos indivíduos, atentar contra tal ordem é injusto.

O direito das gentes e o direito cosmopolita.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

No que tange ao direito das gentes, Kant constata que os Estados encontram-
se, nas relações entre si, muitas vezes numa situação ou de guerra ou de hostilidade,
semelhante ao estado de natureza entre os indivíduos.
A fim de superar tal estágio, não se há de pensar num poder soberano por
sobre os Estados, pois isso acabaria com suas independências e se encaminharia a uma
tirania de um Estado mais forte sobre os outros. A proposta kantiana é de uma federação
de Estados. Muitos vislumbram, em tal proposta kantiana, o primeiro embrião teórico de
uma entidade supranacional como a Organização das Nações Unidas.
Além de um direito das gentes, Kant aponta em direção a um direito
cosmopolita. Pode-se dizer que o direito cosmopolita é um avanço proposto por Kant em
relação ao já tradicional direito das gentes. Não se trata apenas de analisar o direito que é
dado a cada cidadão a partir de seu Estado. Trata-se do direito do cidadão numa sociedade
internacional.
No seu terceiro artigo proposto em À paz perpétua, disse Kant que o direito
cosmopolita deve se limitar às condições da hospitalidade universal, não pode transbordar
para o colonialismo ou o imperialismo.
Na filosofia de Kant, sua expectativa a respeito do futuro não está mensurada
em fatos empíricos, nem num método que aponte a um caminho histórico necessário. Pelo
contrário, Kant propõe uma leitura apenas das possibilidades humanas tendo em vista o
uso da razão.
Nesse sentido, é de fundamental importância para Kant o papel do direito na
consecução das possibilidades futuras da humanidade. Kant chega mesmo a apontar a
organização de uma sociedade civil que sustente o direito como maior problema do
gênero humano.
Na visão kantiana, é o progresso justamente do direito que acarreta a melhoria
da humanidade. A razão construirá uma possibilidade do futuro a partir do progresso
jurídico.
Ao morrer, tendo já entrado no século XIX, deixou Kant todo o embasamento
filosófico para o pensamento jurídico burguês de seu tempo, sendo que, até os dias atuais,
as retomadas de muitas posturas jusfilosóficas liberais e de legitimação da ordem jurídica
do capitalismo continuam a passar por ele.

e) Jeremy Bentham.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O utilitarismo é uma doutrina que se originou na Inglaterra, tendo como


principais autores Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873). Aliás,
Bentham foi o mestre de Stuart Mill, que lançou as bases da democracia liberal. Também
conhecido como moralismo britânico ou pensamento radical, liberalismo clássico ou
positivismo inglês, o utilitarismo influencia o pensamento ético-filosófico, econômico e
jurídico por pelo menos dois séculos. De acordo com Luis Alberto Peluso, foi a primeira
escola filosófica, em sentido estrito, que se originou no mundo de fala inglesa. Essa
doutrina é muito atual e seus argumentos são utilizados frequentemente nos processos
decisórios, seja no âmbito particular, militar ou político, justamente por se enfocar mais
nas consequências. Trata-se de uma teoria ética consequencialista, na qual se definem
anteriormente os bens a serem atingidos ou protegidos. E o Direito seria o meio de
consegui-los.

Bentham: revolucionário e conservador.

Bentham nasceu em Londres, um dos seis filhos de um advogado de renome


e corretor de imóveis. Quando tinha 12 anos, entrou no Queen’s College, em Oxford,
sagrando-se bacharel em Humanidades em 1763. Estudou numa das escolas de Direito de
Londres (Inn’s of Court), a Lincoln’s Inn, mas voltou a Oxford, para estudar com Sir
William Blackstone, a quem criticou severamente pela sua teoria dos Direitos Naturais, a
qual, para Bentham, era irracional. Seguiu a tradição empirista de John Locke e de David
Hume. Não quis advogar, pois decepcionou-se com a maneira como era conduzida a
prática da profissão naquela época.
Em 1766, tornou-se mestre em Humanidades e retornou para Londres. Era
um reformador político e inventor. Em suas aulas, Peluso atribui a invenção de um
protótipo incipiente de geladeira a Bentham. Apesar dos avanços "radicais", Bentham
também era um conservador. Tinha preocupação em preservar a sociedade inglesa do
furor que ocorreu na França e nos Estados Unidos, a revolução.
Escreveu vários livros como "Fragmento sobre o governo" e "Introdução aos
princípios da moral e da legislação". Bentham criou a palavra "deontologia", ou seja, o
conjunto de princípios morais e legais aplicados às atividades profissionais. A expressão
Direito Internacional também é uma criação atribuída a Bentham, antes utilizava-se o
termo "Direito das Gentes".

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Tornou-se uma pessoa influente e seu grupo ajudou a fundar a Universidade


de Londres. Morreu aos 84 anos, em 1832. Seu cadáver foi embalsamado e disposto na
Universidade de Londres (ver foto). Toda vez que o colegiado se agrega, o cadáver de
Bentham participa da reunião.

O princípio da utilidade.

Para Wayne Morrison, o utilitarismo de Bentham foi uma tentativa de se criar


uma ciência objetiva da sociedade e da política. Pensava-se em se livrar do subjetivismo,
tal como da influência religiosa e dos acidentes históricos. Interesse e razão se
combinavam e o ponto arquimediano (de equilíbrio) estaria na própria natureza: o
princípio da utilidade.
O francês Helvetius escreveu que o homem é governado pelo prazer e pela
dor. Essa foi a base do livro "Introdução aos princípios da moral e da legislação".
Escreveu Bentham: "A natureza colocou a humanidade sob o domínio de dois senhores
soberanos, a dor e o prazer. Só a eles compete indicar o que devemos fazer, assim como
determinar o que faremos. A seu trono estão atrelados, por um lado, o critério que
diferencia o certo do errado, e, por outro, a cadeia das causas e dos efeitos."
O ser humano busca o prazer e foge da dor. E este seria o embasamento para
uma filosofia jurídica crítica e também como modelo para o legislador hábil controlar e
dirigir o comportamento social. "Nesse sentido, ele defendeu a ideia de que o princípio
que rege tanto as ações individuais quanto as sociais é: ‘a busca da felicidade para o maior
número de pessoas’. Esse princípio da utilidade daria consistência a uma Ética capaz de
produzir o melhor dos indivíduos e a melhor das coletividades. Portanto, a busca do prazer
pela fuga da dor é o princípio motivador da ação humana, tanto individual quanto coletiva.
Disso decorria uma Ética para indivíduos racionais, capazes de buscar seus próprios
interesses, amantes da vida. Enfim, uma Ética com todos os ingredientes da visão
Iluminista do mundo que teria caracterizado os séculos XVII e XVIII", assinala Peluso.
Peluso descreve os princípios (P) e as regras (R) morais do utilitarismo de
Bentham:
"I – Princípio da Utilidade:
P1. Todo ser humano busca sempre maior prazer possível.
R1. Busque sempre o maior prazer e fuja da dor.
II – Princípio da Identidade de Interesses:

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

P2. O fim da ação humana é a maior felicidade de todos aqueles cujos


interesses estão em jogo. Obrigação e interesse estão ligados por princípio.
R2. Aja de forma que sua ação possa ser modelo para os outros.
III – Princípio da Economia dos Prazeres:
P3. A utilidade das coisas é mensurável e a descoberta da ação apropriada
para cada situação é uma questão de aritmética moral.
R3. Faça o cálculo dos prazeres e das dores e defina o bem em termos
genéricos.
IV – Princípio das Variáveis Concorrentes:
P4. O cálculo moral depende da identificação do valor aritmético de sete
variáveis: Intensidade/Duração/Certeza/Proximidade/Fecundidade/Pureza/Extensão.
R4. Procure maximizar a objetividade e a exatidão de suas avaliações morais.
V – Princípio da Comiseração:
P5. O sofrimento é sempre um mal. Ele só e admissível para evitar um
sofrimento maior.
R5. Alivie o sofrimento alheio.
VI – Princípio da Assimetria:
P6. Prazer e dor possuem valores assimétricos, pios a eliminação da dor
sempre agrega prazer.
R6. Escolha sempre a ação que resulta na maior quantidade de prazer,
agregando o prazer da eliminação de sofrimento."

O papel do Direito.

Para Bentham, ética, moral e Direito eram a mesma coisa. Pretendia iniciar
uma nova ciência do Direito, tal como reformar a sociedade, tornando-a moderna e
disciplinada. "Contrariamente aos juristas mais destacados desse período, Bentham
defendeu a ideia de que as leis são revogáveis e aperfeiçoáveis", salienta Peluso.
Porém, a medida também era conservadora: "Bentham sempre temeu as
revoluções que, em seu tempo, viu varrer o continente europeu e as Américas. A ordem
e a segurança eram preocupações centrais, assim como era crucial poder contar com essa
previsibilidade da interação e da certeza do resultado. O comércio exige um sistema
jurídico que faça cumprir as promessas e assegure as expectativas legítimas", narra
Morrison. Também frisa Peluso: "Educação e disciplina social são as duas pilastras que

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

garantem a sociedade e a civilização. A sociedade é um sistema de recompensas e


punições, e a tarefa do governo consiste em garantir a estrutura para a implementação das
punições e as condições para que os indivíduos possam desfrutar das recompensas que se
seguem de seus próprios esforços."
O Direito, então – para Bentham -, assume importância de destaque. O
legislativo só deve elaborar e aprovar leis segundo o princípio da utilidade. As leis devem
ser produzidas para aumentar a felicidade do maior número de pessoas. As leis poderiam
ser principais (se dirigidas aos cidadãos), ou subsidiárias (para as autoridades fazerem
cumprir as primeiras). "Contudo, o utilitarismo não se esgota nessa Ética do sucesso. Ele
também transforma em motivo ético o fracasso. Pois que, em seu projeto, se o princípio
da ação humana é a busca do prazer e a eliminação da dor, ele estabelece um vínculo
causal entre o prazer do agente individual e o sofrimento que possa, de alguma forma,
estar associado à sua ação. Assim, o agente moral é responsável pela eliminação de todas
as formas de sofrimento identificadas na convivência social. A eliminação do sofrimento
alheio se torna motivo da ação moral de cada um", comenta Peluso.
A verdadeira função do Direito seria disciplinar as pessoas, como ensina
Peluso: "Nesse sentido a educação e a disciplina social são ingredientes indispensáveis
para o funcionamento da sociedade. Pessoas sem educação frequentemente buscam a
oportunidade de se aproveitar das recompensas devidas a outros, ou ainda procedem sem
levar em consideração os verdadeiros efeitos, em termos de prazer e de dor, de sua
conduta pessoal."
Houve também especial atenção às sanções e punições, já que o prazer e a dor
atribuem verdadeiros valores aos atos e também são causas eficientes do comportamento,
explica Morrison. Paul Smith complementa: "Para Bentham, portanto, a utilidade (prazer
ou felicidade) define o benefício. Essa concepção é usada para determinar o que é Direito.
Bentham propõe o princípio da utilidade ou da maior felicidade. Esse é o princípio que
‘aprova ou não toda ação’ de acordo com sua tendência de ‘aumentar ou diminuir’ a
felicidade. Aplica-se a toda ação, apenas às dos indivíduos, mas também as do governo."
Comenta Smith que, de acordo com Bentham, os elementos essenciais e a
estrutura do utilitarismo seriam a concepção do benefício como prazer ou felicidade
(utilidade) e o Direito seria simplesmente algo para aumentar essa felicidade. A ação
correta seria aquela que atendesse melhor aos desígnios da utilidade, a maior felicidade
ou o prazer para o maior número possível de pessoas. "Fica evidente que, na formulação
de Bentham, a interpretação do princípio de utilidade implica a coincidência entre o

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

prazer particular e o bem público. Nesse sentido, a felicidade alheia é desejada porque
está associada com a própria felicidade do sujeito moral", explica Peluso. Morrison
complementa: "O direito objetiva aumentar a felicidade total da sociedade ao
desestimular os atos que possam gerar más consequências. Um ato criminoso ou ilegal
representa, por definição, uma prática claramente prejudicial à felicidade do corpo social;
somente um ato que, de alguma forma específica, inflija na prática algum tipo de dor –
diminuindo, assim, o prazer de um indivíduo ou grupo específico – deve ser objeto da
preocupação do Direito."

As sanções de força vinculatória.

Justifica-se, assim, que os direitos de uma minoria sejam sacrificados em


nome dos direitos de uma maioria. Porém, isso não é tão simples. É preciso saber calcular
o prazer e a dor. As sanções dão força vinculatória a uma regra de conduta ou lei, explica
Morrison, e são, no total, de quatro tipos: físicas, públicas, morais ou religiosas. Seriam
as sanções ameaças de dor. "Na vida pública, o legislador entende que os homens se
sentem ligados a certos atos somente quando estes têm uma sanção clara a eles associados,
e tal sanção consiste em alguma forma de dor se o tipo de conduta determinado pelo
legislador for infringido pelo cidadão. Portanto, a principal preocupação do legislador é
decidir que formas de comportamento tenderão a aumentar a felicidade da sociedade, e
quais sanções serão mais passíveis de produzir essa maior felicidade. (...) Além disso,
Bentham adotou a posição de que, sobretudo na esfera social em que o direito opera, a lei
só pode punir aqueles que realmente infligiram sofrimento, qualquer que seja seu motivo,
ainda que se admitam algumas exceções", assevera Morrison.
A teoria da punição proposta pelo utilitarismo é simples e mais capaz de
atingir seus objetivos. Porém, considerava Bentham que a punição é um mal em si, pois
acarreta em sofrimento e dor. Só se utiliza a punição, então, no intuito de punir um mal
maior. Deve ela ser útil para que, ao final se tenha mais prazer e felicidade. Desta feita,
não se trata de retaliação ou de vingança pura. "A punição não deveria ser infligida (i)
quando for infundada; por exemplo, quando ineficaz, no sentido de não ser capaz de
impedir um ato prejudicial; (ii) quando for ineficaz, no sentido de não ser capaz de
impedir um ato prejudicial; por exemplo, quando uma lei criada depois do ato for
retroativa, ou ex post facto, ou quando uma lei já existe mas não foi publicada. A punição
também seria ineficaz quando estivessem envolvidos uma criança, um louco ou um

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

bêbado, ainda que Bentham admitisse que nem a infância nem a intoxicação eram bases
suficientes para a ‘impunidade absoluta’. A punição também não deve ser infligida (iii)
quando for improfícua ou excessivamente onerosa, ‘quando os danos em que resultasse
fossem maiores do que aquilo cuja ocorrência impedisse’; (iv) quando for desnecessária,
‘quando o dano puder ser impedido ou interrompido sem ela, isto é, a um menor custo’,
sobretudo nos casos ‘que consistem na disseminação de princípios perniciosos em matéria
de dever’, uma vez que em tais casos a persuasão é mais eficaz do que a força", diz
Morrison.

Panapticon: primórdios do ‘Big Brother’.

No programa de televisão "Big Brother", todos os participantes são vigiados


a todo momento por câmeras de televisão. Essa sensação de ser observado a todo
momento não é novidade. Esse mecanismo que utilizar o olhar alheio como meio de se
coibir comportamentos foi concebido por Bentham. Ele concebeu um tipo de prédio com
uma arquitetura singular e o denominou de "Panopticon". Nesse imóvel, as pessoas
confinadas seriam vigiadas constantemente, para condicionar o comportamento humano.
Esse modelo poderia ser aplicado às prisões, porém, seria aberto ao público, que, durante
as visitações, examinaria a arquitetura e manteria a vigilância sobre os reclusos. O francês
Michel Foucault, no livro "Vigiar e Punir", escreveu um capítulo específico sobre o
Panopticon.

4) Filosofia do direito contemporânea.

a) Os três caminhos filosofia do direito contemporânea.

Em boa parte, a filosofia do direito segue uma sucessão temporal: Sócrates,


Platão, Aristóteles, Paulo, Agostinho e Tomás, Hobbes, Locke e Rousseau. Porém, não
há linearidade na época contemporânea, já que as correntes filosóficas se apresentam ao
mesmo tempo. Portanto, a classificação que ora é proposta, em três vertentes, visa
somente a uma melhor compreensão didática.
Contemporaneidade deve ser compreendida como o período posterior às
revoluções burguesas (séculos XIX, XX) até os dias atuais. O fato de velhas filosofias

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

ainda hoje embasarem correntes e decisões jurídicas (a exemplo da religiosidade típica


da Idade Média) não significa que essas filosofias sejam contemporâneas, mas sim que
perpetuam uma velha concepção.
Na contemporaneidade, as visões de mundo podem ser tanto conservadoras,
que consideram o direito positivo estatal como única vertente possível, como críticas,
ultrapassando o limite do positivismo.

Vertentes filosóficas contemporâneas (3).

A primeira é a JUSPOSITIVISTA, considerada uma visão estatal, formalista,


institucional e liberal. Dentro do juspositivismo está a maior parte dos teóricos, com
abordagens variadas: há os juspositivistas estritos (são Norm ativistas extremos), éticos
(moralistas) ou ecléticos.

OBSERVAÇÃO
Os então denominados pós-positivistas seriam, para o autor, os positivistas
éticos (pág. 312). Esse resumo trata de todo o juspositivismo, na classificação do autor
(ecléticos, estritos e éticos).

A segunda vertente é NÃO JUSPOSITIVISTA (assim como a terceira) e pode


ser denominada como FILOSOFIA DO DIREITO DO PODER OU
EXISTENCIALISTA, e tem uma perspectiva realista, não formalista e não liberal.
Entretanto, essa vertente não tem a visão crítica e profunda do marxismo. Dentro dessa
vertente, estão as filosofias existenciais, o decisionismo ou a microfísica do poder.
Essa segunda vertente é definida por dupla exclusão: não positivista e não
marxista.
A terceira vertente é denominada FILOSOFIA DO DIREITO CRÍTICA e é
representada pelo marxismo, a crítica mais profunda e o horizonte mais amplo para
transformação social, política e jurídica.
RESUMINDO
Vertentes contemporâneas.
- Juspositivismo: estrito, ético ou eclético.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

- Não juspositivista (direito do poder ou existencialista): dupla exclusão.


Pode ser existencial, decisionista, ou microfísica do poder.
- Filosofia do direito crítica: marxismo.

Vertentes filosóficas e abordagens jurídicas.

Cada uma das vertentes representa uma visão sobre o fenômeno jurídico.
O juspositivismo é reducionista, pois reduz o direito aos limites de sua
manifestação estatal → reducionismo ao normativismo.
O segundo campo não juspositivista escapa do reducionismo, pois entende
que o direito não é autônomo e desconectado e por detrás das normas existem relações de
poder, que são históricas, concretas e sociais → reducionismo ao campo político estatal
ou ao poder.
O marxismo (e somente ele) alcança a plena compreensão do direito, pois não
amplia o objeto somente para as relações de poder, mas também entende os nexos mais
profundos dessas relações → visão da totalidade.

Vertentes e respectivos filósofos

Juspositivista: Kant, Hegel, Habermas


Não juspositivista e não marxista: Heidegger e Foucalt
Não juspositivista e marxista: Marx

Vertentes e doutrinadores jurídicos

Juspositivista: Kelsen
Não juspositivista e não marxista - decisionista: Carl Schmitt
Não juspositivista e marxista: Evgeni Pachukanis
Esses citados são doutrinadores originais, pois não se apoiam em outras
posições: “são o extrato mais puro das três visões mais distintas possíveis do direito”.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

RESUMINDO
CONTEMPORANEIDADE
JUSPOSITIVISMO NÃO JUSPOSITIVISTA E NÃO JUSPOSITIVISTA E
NÃO MARXISTA NÃO MARXISTA
Visão estatal, formalista, Filosofia do Direito do poder Filosofia do Direito Crítica.
institucional e liberal. ou existencialista. Visão crítica mais profunda,
Tem uma visão realista, não com horizonte mais amplo
formalista e não liberal, porém, para transformação social,
sem a visão crítica e profunda política e jurídica
do marxismo.
Dupla exclusão
Estrito: normativista Existenciais Marxismo
extremo Decisionismo
Ético: moralistas Microfísica do poder
Eclético
Reduz o direito ao Escapa do reducionismo ao Amplia para analisar os nexos
normativismo normativismo. e finalidades das relações de
Porém, reduz o Direito ao poder.
campo do poder político e das Visão plena do Direito
relações de poder
Kelsen Heidegger Marx
Kant Gadamer Evgeni Pachukanis
Hegel Foucault
Carl Schmitt

O juspositivismo.

É a corrente que mais alcança o jurista contemporâneo, cujo pensamento


costuma ser adstrito às normas jurídicas estatais.
O principal fundamento metodológico do juspositivismo é a filosofia
analítica, representada por Kelsen, Alf Ross, Herbert Hass e Bobbio. Para eles, o direito
é reduzido à norma e ela deve ser tratada de modo autônomo, fragmentado e aprofundado
→ filosofia juspositivista analítica reducionista.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Outra metodologia utilizada em apoio à filosofia analítica é a filosofia da


linguagem, que considera os aspectos comunicacionais da norma → filosofia linguística.
Refinando a metodologia, há a ciência da lógica, que, porém, não escapa aos
quadrantes do juspositivismo → lógica.
Em resumo, “o juspositivista maneja as normas estatais, dando-lhe
tratamento analítico, linguístico e lógico”.
Impõe-se observar que há outras manifestações juspositivistas não totalmente
reducionistas:
- Ecletismo juspositivista: no séc. XIX manifestado pela Escola Histórica de
Savigny e no XX pelo culturalismo de Miguel Reale. Aqui, o juspositivismo ainda não
foi plenamente reduzido, ou seja, é pré-reducionista.
- Juspositivismo ético: pós-reducionista, representado por Jurgen Habermas.
É o triunfo do positivismo que se reinveste dos fenômenos sociais.

RESUMINDO
JUSPOSITIVISMO REDUCIONISTA: adstrito, reduzido às normas
Direito = norma estatal
Fundamentos metodológicos: filosofia analítica, linguística e lógica
Analítica: análise autônoma da norma (Kelsen)
Linguística: aspectos da comunicação.
Lógica: lógica normativa.
JUSPOSITIVISTAS NÃO REDUCIONISTAS
Ecletismo: pré-reducionista → Savigny (escola histórica) e Miguel Reale
(culturalismo).
Ético: pós reducionista → Jurgen Habermas.

Observação
O juspositivismo é sempre conservador, ainda que em níveis variados.

Filosofias não positivistas não marxista.

RELEMBRANDO

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Segunda vertente
Podem ser denominadas como FILOSOFIA DO DIREITO DO PODER
OU EXISTENCIALISTA, e têm uma perspectiva realista, não formalista e não liberal,
porém, sem a visão crítica e profunda do marxismo (por isso essa vertente é definida
por dupla exclusão: não positivista e não marxista).
Dentro dessa vertente, estão as filosofias existenciais, o decisionismo ou a
microfísica do poder.

Filosofia existencial – Heidegger e Gadamer: recusa a modernidade, o


capitalismo e a técnica. Opõe-se ao presente e ao futuro, restando-lhe uma reconstrução
do passado, sendo esta a condição político-jurídica-filosófica considerada excelente.
Resgata o direito natural aristotélico, fisicista.
Decisionismo – Carl Schmitt: profunda recusa da modernidade liberal,
porém com certa aceitação da técnica, admitindo-a enquanto caminho (insuficiente) para
desvendar o direito. Embora admitida, a técnica sucumbe ao poder estatal e, por isso,
Schmitt ainda é moderno, porém, em um sentido peculiar da modernidade: um moderno
estatal.
Microfísica do poder – Michel Foucalt: suas bases filosóficas (arqueologia
do saber e genealogia do poder) negam o “presente”, desmascarando a falsa verdade do
direito positivo. Porém, a negação do presente não é uma exaltação do passado (como
para os existencialistas), nem uma dosagem altíssima dos remédios do próprio presente
(decisionistas), mas uma denúncia do poder que permitiria uma nova construção social,
libertária. No Brasil e na periferia do capitalismo mundial, a crítica foucaltiana funcionou
quase como um libelo iluminista.

RESUMINDO
Existencial: recusa do positivismo presente e futuro. Busca do passado.
Naturalismo aristotélico.
Decisionismo: não há recusa total ao positivismo, mas sua utilização como
expressão do poder político. A verdade política supera a norma. Modernidade estatal.
Microfísica do poder: superação do direito positivo para uma nova
construção social, libertária

Não positivista marxista.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

É a plena filosofia CRÍTICA do Direito. Busca compreender a situação do


Direito no capitalismo, a sua manifestação, entender os vínculos entre Estado, poder,
direito e reprodução econômica e social.
Os filósofos dessa vertente são muitos e podem ser agrupados por critérios
geográficos, históricos ou temáticos. Em beneficio da didática, o pensamento marxista se
apresenta sob 5 grandes eixos: revolução, política, técnica, método e questão do justo.
Na relação do Direito com o capitalismo, há duas grandes perspectivas: a
revolução e a estratégia política transformadora.
Primeira perspectiva – revolução: o papel do direito e do Estado na revolução
ou é neutro ou favorece o capitalismo (Lenin e Pachukanis)
Segunda perspectiva – estratégia política transformadora: (Antonio Gramsci).

Observação
Em tese, Habermas poderia ser considerado um filósofo crítico (do
marxismo). Porém, o marxismo somente admite o reformismo como meio de alcançar
a revolução, e não como solução social definitiva. Por essa razão, Habermas pertence
à ala radical do não juspositivismo e não à ala conservadora do marxismo.
Na verdade, para o estabilizado capitalismo europeu-norte-americano,
Habermas é progressista. Para as necessidades do capitalismo periférico, Habermas é
conservador.
A situação se assemelha a Foucault: o Brasil o lê como grande crítico (3ª
vertente), enquanto a Europa o enxerga como não marxista.

Filosofia do direito marxista e sua relação com a cultura contemporânea.

Relação direito x técnica


Relação direito x psicanálise.
A Escola de Frankfurt se ocupa de ambas: da técnica e da psicanálise,
conjugando Marx e Freud. Para a Escola de Frankfurt, não só é possível, como é
necessária uma razão crítica (decorre daí a qualificação do marxismo como jusfilosofia
crítica).

Marxismo e filosofia do direito epistemológica.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Método de Luckás: a dialética (comum a Marx e Hegel) é instrumento


Método de Althusser: o direito é ligado à reprodução econômica. A
transformação está na ruptura estrutural do capitalismo e, portanto, Althusser busca
desmontar qualquer humanismo que permita a concórdia no capitalismo e impeça a
revolução estrutural.

A justiça para o marxismo

Não é possível apreciar a justiça dentro das estruturas do capitalismo. Sob


esse enfoque, Ernst Bloch reflete sobre o “futuro justo” e a “superação da injustiça”.

Horizontes contemporâneos.

Esses três caminhos (juspositivismo, não positivismo não marxista e não


positivismo marxista) têm horizontes distintos no que tange à história, à política e à
própria filosofia.
JUSPOSITIVISTAS: orientadas aos conservadorismo, com variados matizes
(desde o frio tecnicismo até ao juspositivismo socialmente ativo).
Assim, em termos de história, os juspositivistas se orientam para o presente,
para a manutenção de uma determinada ordem, tal como ela se apresenta hoje.
NÃO JUSPOSITIVISTAS NÃO MARXISTAS: há uma multiplicidade de
conotações políticas, tanto que algumas vezes há uma falta de orientação política. O
pensamento não é conservador (antimodernidade e antiliberalismo), nem proativo, mas
reativo, com tendência progressista e horizonte crítico.
Em termos de histórica, Heidegger e Gadamer apontam para o passado e Carl
Schmitt para um superpresente (exacerbação do poder estatal). Foucault associa-se mais
a uma visão de futura (próxima do marxismo).
CRITICA (MARXISMO): orienta-se para a transformação social. Não
enxerga no passado pré-capitalista uma solução melhor que o presente. Também não
advoga sua exacerbação (como Schimitt) ou sua fragilização (como Foucault). O
marxismo aponta para o futuro.

RESUMINDO

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

JUSPOSITIVISMO NÃO JUSPOSITIVISTA E NÃO JUSPOSITIVISTA


NÃO MARXISTA E NÃO MARXISTA
Vários níveis de Não é conservador, nem Transformação social →
conservadorismo → proativo. Somente reativo, com orientação para o futuro.
orientação para o tendência progressista.
presente Em termos temporais, há
orientações para o passado
(jusnaturalismo), superpresente
e também para o futuro;

b) Filosofia do direito juspositivista.

São as filosofias mais comuns ao pensamento contemporâneo.


A partir do século XIX, o juspositivismo passa a expressar a tomada do
Estado pela burguesia, pondo fim ao pensamento absolutista.
Antes disso, no séc. XVIII, a burguesia era contrária ao direito positivo, uma
vez que o direito estatal representava entraves ao seu desenvolvimento, por manter
condições privilegiadas à nobreza.
Nesse período, a burguesia apoiava-se no direito natural racional, imposto
pela razão. Essa razão, que seria universal e invariável, colocava a liberdade, a
igualdade e a propriedade privada como direitos naturais (justamente direitos que
representavam os interesses fundamentais da burguesia). Tais direitos decorrem da razão
porque não se chocam internamente, são dedutíveis uns dos outros e, portanto, são
lógicos.
Kant (último filósofo jusracionalista) forneceu um excelente fundamento para
a concepção de tais direitos como naturais: por meio dos imperativos categóricos, o
entendimento do justo há de se fazer a partir do próprio individuo e ser universalizado.
Com o fim do absolutismo, os ideais do jusnaturalismo burguês foram
incorporados ao direito positivo, passando a ter base estatal.
O burguês nutre o fetiche de uma justiça intrínseca ao Estado e dentro desse
fetiche está a noção de “sistema”. O justo é racional, é ditado pelo Estado, de uma forma
sistêmica, previsível e que prestigie a segurança jurídica, a qual é considerada mais
importante que as peculiaridades da situação.

136
Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Como consequência, a ação jurídica se converte em uma “técnica”, reduzindo


a preocupação jurídica à norma, à sentença, ao processo legislativo, ao ordenamento,
considerados instrumentos de operação do direito.
Assim, o pensamento jurídico é convertido em uma teoria geral do direito,
sendo abominado tudo aquilo que ultrapasse essa teoria. Há uma rejeição ao diálogo com
a vida social, limitando-se o direito à técnica jurídica.

RESUMINDO
Absolutismo: direito positivo contrário aos interesses da burguesia
Burguesia: jusnaturalismo racional → razão elenca liberdade, igualdade e
propriedade privada como direitos naturais
Séc XIX = fim absolutismo = ideais jusracionalistas incorporadas ao direito
positivismo.
Busca da burguesia pela segurança jurídica e previsibilidade = o justo é dito pela Estado
→ noções de “sistema” e “técnica”.
Pensamento jurídico = teoria geral do direito.

Dentro do positivismo, como já dito, são encontradas três grandes correntes,


identificadas de acordo com a relevância que dão à técnica normativa estatal: são os
ecléticos, os estritos e os éticos.
A primeira afirmação do direito positivo ocorre em meio a referenciais ainda
extranormativos, já que no séc XVIII o espírito jurídico ainda era jusnaturalista. Assim,
por mesclar norma estatal e valores sociais, tal visão é chamada de juspositivista eclética.
No séc. XX, ocorre o apogeu do juspositivismo com o que se denomina
juspositivismo estrito ou pleno, com base analítica.
Por fim, o desgaste do juspositivismo estrito possibilita uma nova espécie de
ecletismo, porém, com uma visão ética. Assim, a terceira corrente tem os valores éticos e
sociais não como origem, mas como metas jurídicas, de modo a avançar sobre a mera
normatividade. Essa corrente surgiu no fim do séc. XX e tem penetrado com alguma força
no séc XXI.

RESUMINDO

137
Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Ecletismo: juspositivismo influenciado por valores extranormativos (especialmente o


jusnaturalismo recém superado). Inicio séc. XIX.
Juspositivismo estrito: base normativa analítica. Objeto puramente normativo. Meados
séc. XIX.
Ético: retoma a influência dos valores, não como fundamento, mas como meta.
Fim séc. XIX e início do XX.

O juspositivismo eclético.

Como asseverado, no séc. XIX o juspositivismo ainda tem inspiração nas


ideias alimentadas pela burguesia durante a Idade Moderna (ou seja, ainda tem inspiração
jusnaturalista). Tanto assim que o fundamento para seguir o direito positivo era o
argumento de que, no fundo, ele era o próprio direito natural positivado.
Porém, diversos juristas positivistas buscavam outros fundamentos para as
leis postas, entendendo que as normas estatais não decorriam somente do direito natural.
Assim, pode-se dizer que o juspositivismo eclético quer dar à norma estatal
um fundamento exterior, social, histórico, seja ou não jusnaturalista. Justamente por
esse motivo é chamado eclético, por ter muitas raízes e axiomas generalistas.
Em seu início, uma das maiores expoentes do juspositivismo eclético foi a
chamada Escola Histórica do Direito, da qual o maior expoente é Karl Von Savigny.
Para essa escola, o direito é produto do “espírito do povo” e a legitimidade
do direito positivo está em sua origem: o povo.
Para Savingy, o espírito do povo manifesta institutos históricos e sociais,
como propriedade e família, que acabam se positivando. Assim, não é a lei que cria tais
institutos, mas sim estes institutos sociais que manifestam o espírito do povo e
fundamentam a lei. Em suma, o direito é aquele posto pelo Estado, mas o Estado não é
sua fonte inicial, e sim o espírito do povo.
Essas ideias representam uma “saída pela tangente”, uma tentativa de
acomodação dos interesses revolucionários da burguesia (ideais) e conservadores da
nobreza (direito estatal).
Outras visões tentavam explicar os fundamentos externos do juspositivismo.
Dentre essas múltiplas visões, um dos pensamentos mais representativos e difundidos se
manifesta por Miguel Reale.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

RESUMINDO
Ecletismo: direito fundamentado em diversos aspectos extranormativos.
Primeira inspiração: jusnaturalista
Outras escolas importantes:
- Escola histórica de Savigny → direito como manifestação do espírito do povo.
Incorporação desse espírito à norma
- Teoria Tridimensional (Miguel Reale)

Reale e a tridimensionalidade.

1910-2005. Brasileiro, professor da Faculdade de Direito e reitor da USP, foi


o principal responsável pelo atual CC. O marco de sua obra é o livro “Filosofia do Direito”
(1953).
Para Reale, o direito não pode ser analisado somente sob o aspecto normativo.
A norma é somente um de seus eixos, aos quais se conjugam o fato e o valor.
Reale não é o único filósofo tridimensional, mas é o mais conhecido e
importante. O que o distingue dos demais é a ideia de que o fenômeno jurídico se constitui
pela interação entre fato, valor e norma, numa dinâmica processual de mútua
implicação. Para Reale, tais fenômenos não podem ser analisados de modo separado,
sendo impossível analisar o Direito sem uma consideração concomitante desses três
vetores.
Essa proposta é bastante ESPECÍFICA em relação às outras teorias
tridimensionais. Por isso, é chamada de tridimensionalidade específica, enquanto as
outras, que consideram os três fenômenos de forma estanque, são denominadas
tridimensionalistas genéricos.
Para Reale, os VALORES não são eternos, não tem caráter divino, não são
modelos estáticos. Os valores são desenvolvidos em sociedade, alterando-se. Eles se
inserem em nossa experiência histórica e são realizáveis. Por isso, entre realidade e valor
não há uma abismo, mas um nexo de polaridade e implicação.
Embora realizável, o valor não se reduz ao real, não se esgota na realidade,
sendo capaz de superá-la e criticá-la. Caso coincida com a realidade, o valor se
transforma em um dado e perde sua essência de superação.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Excerto tirado da pág. 297 que, no meu entendimento, explica bem a


questão dos valores para Reale:
“... Nenhuma expressão de beleza é toda a beleza. Uma estátua ou um
quadro, por mais belos que sejam, não exaurem as infinitas possibilidades do belo.
Assim, no mundo jurídico, nenhuma sentença é a Justiça, mas um momento de Justiça.
Se o valor e o fato se mantêm distintos, exigindo-se reciprocamente, em
condicionalidade recíproca, podemos dizer que há entre eles um nexo ou laço de
polaridade e de implicação. Como, por outro lado, cada esforço humano de realização
de valores é sempre uma tentativa, nunca uma conclusão, nasce dos dois elementos um
processo, que denominamos “processo dialético de implicação e polaridade”, ou, mais
amplamente, “processo dialético de complementaridade”...
Esse fragmento serve pra entender também a dialética de implicação e
polaridade explicada mais abaixo

Em resumo, REALIZABILIDADE E INEXAURIBILIDADE são


características dos valores.
Tal como os valores, os FATOS também tem características históricas e
culturais, não podendo ser considerados como dados brutos e objetivos, mas sim como
fenômenos que devem ser compreendidos, pois dotados de significado axiológico. O
fato não é explicado em seus aspectos causais (como nas ciências naturais), mas sim em
seu aspecto valorativo. Vale dizer, o fato é analisado em seu aspecto explicativo por um
cientista natural (fisiológico ou biológico, por exemplo), enquanto para o jurista o fato
passa por um prisma estimativo, com atribuição de sentido. Assim, a apreensão dos fatos,
para a ciência do direito, implica valoração e, por isso, os valores não são considerados
dados neutros à disposição do jurista.
Confirma-se assim a ideia de que, para Reale, o direito não é composto por
fenômenos apartados (como para os demais tridimensionalistas – genéricos), mas sim
por fenômenos processuais, integrados e dinâmicos.

OBSERVAÇÃO
Embora influenciado por Kant, aqui Reale dele se afasta, pois para Kant os
campos do ser e do dever-ser tinham especificidades próprias, havendo uma estrutura
estritamente lógica-formal no ato de conhecer, sem qualquer elemento axiológico.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Kant: ser e dever-ser são fenômenos distintos. É possível conhecer sem


valorar.
Reale: a análise fática implica valoração. Não existe conhecimento sem
valor

A tridimensionalidade específica permite uma visão peculiar acerca da


origem das normas → nomogênese jurídica.
Para Reale, os valores, posições e interesses se ligam aos fatos, daí
decorrendo várias proposições normativas. A NORMA JURÍDICA é a opção por uma
das possíveis orientações decorrentes da interação entre fato e valor. Ou seja, as
proposições normativas possíveis, que surgem da interação fato + valor, se tornam normas
jurídicas a partir de uma decisão do legislador.
A nomogênese encaminha a teoria dos modelos jurídicos, que são “estruturas
normativas da experiência destinada a disciplinar uma classe de ações, de forma
bilateral atributiva” (pag. 291). As estruturas normativas são soluções que resolvem,
temporariamente, a tensão entre fato e valor, encaminhando soluções a certas questões
presentes na experiência social a partir de uma decisão do poder.
Concluindo, o Direito para Reale é um fenômeno necessariamente cultural e
o CULTURALISMO É EXPRESSADO PELA INTEGRAÇÃO DO FATO, DO VALOR
E DA NORMA. O culturalismo escapa do reducionismo à norma, abominando também
à redução do direito à sociologia (fatos) e ultrapassando a limitação dos meros juízos de
valor, que fariam do Direito uma mera extensão da filosofia. O Direito é a soma dinâmica
de norma, fato e valor.
Sendo cultural, há sempre uma condicionalidade histórica no Direito, que o
liga às circunstâncias de cada sociedade. Como consequência, a problemática do poder
coloca-se no âmago da experiência jurídica.
A compreensão do Direito é fenomenológica e não somente cientifica. O
Direito não é reduzido à norma, mas também não significa uma camisa de força teórica
para um fenômeno concreto. A tridimensionalidade é um modo de compreender o Direito,
mas também uma postulação do acontecer.

RESUMINDO
REALE

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Teoria tridimensional do Direito: fato, valor e norma


Tridimensionalidade específica: os fenômenos jurídicos (fato valor e norma) são
integrados, dinâmicos.
Os valores não são eternos e imutáveis; ao contrário, são realizáveis. Embora
realizáveis, não se esgotam na realidade, não se exaurem nos fatos = realizabilidade e
inexauribilidade.
O conhecimento dos fatos implica valoração → confirmação do caráter mútuo dos
fenômenos que compõe o direito.
Origem da norma = nomogênese jurídica = a interação entre valor e norma faz surgir
múltiplas proposições normativas. A norma jurídica é a opção legislativa por uma
dessas opções → modelos jurídicos = acomodam a tensão entre valor e fato
A interação desses três fenômenos revela a natureza culturalista do Direito. O Direito
não é sociológico (fato), normativo ou filosófico (valorativo), mas o produto da
interação desses vetores.
Como fenômeno cultural, o Direito é condicionado social e historicamente

A ontognoseologia de Reale.

Como não separa o “conhecimento do Direito” do próprio “Direito”, Reale


integra o conhecimento e a realidade. Essa integração resulta em um modelo dialético,
porém, um modelo dialético diferente daqueles consagrados por Hegel e Marx, para quem
a dialética pressupõe contradição (tese → antítese → antítese).
Na dialética de Reale, denominada DIALÉTICA DE IMPLICAÇÃO E
POLARIDADE, os opostos não se excluem, mas se integram dinamicamente → realidade
e conhecimento (fato e valor → sentença e justiça).
Enquanto Kelsen busca o idealismo puro, Reale busca vencer a dicotomia
entre idealismo (racionalidade) e empirismo, os integrando. Essa junção de conhecimento
e realidade, idealismo e empirismo resulta na ONTOGNOSEOLOGIA (ontologia +
gnosiologia).

Ontologia (ciência do ser)


Gnosiologia (ciência do conhecimento)

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

No Direito, a ontognoseologia entende o fato, o valor e a norma ao mesmo


tempo como realidade jurídica e como conhecimento teorético. A ontognoseologia
representa a tentativa de proceder a uma teoria integradora dos três campos.
O Direito não é produto de uma subjetividade que cria valores e normas, nem
de uma relação entre fatos e normas, ao nível mecânico. Há uma tensão entre razão e
realidade, processual e dinâmica. A dialética de implicação e polaridade aproxima a teoria
e a práxis.
No fundo, “experiência histórico-cultural” e “processo ontognoseológico”
são expressões de um só problema: a relação entre sujeito e objeto, entre objetividades e
consciência.
A ontognoseologia de Reale representa uma tentativa de evitar a cisão entre
sujeito e objeto. Ocorre que a fórmula não afasta tal divisão, ao contrário, a mantém ao
integrar seus componentes. Ou seja, não se trata de uma superação da cisão entre razão e
realidade, mas, sim, da diluição da divisão que decorre do seu encontro, numa relação de
complementaridade.
“Não se limitando às reduções do juspositivismo, o pensamento filosófico de
Miguel Reale funda o seu culturalismo jurídico num plano fenomenológico.”

RESUMINDO
Dialética de Reale → integração do conhecimento e da realidade → dialética de
implicação e polaridade.
Ontognoseologia: ontologia + gnoseologia.
Ontologia: ciência do ser.
Gnoseologia: ciência do conhecimento.
Ontognoseologia: fusão do ser e do conhecimento, da realidade com a teoria → base
da tridimensionalidade especifica → relação processual, dinâmica, não estanque entre
fato, valor e norma.

Segue: Experiência e conjectura.

Na última fase de sua obra doutrinária (obras: “Experiência e Cultura” e


“Verdade e Conjectura”), Reale aprofundou seus caminhos, embasado na ideia de que o
Direito não é produto de uma intelecção racional, mas sim da experiência culturalista (a
cultura é o que emerge da experiência).

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Fundando o fenômeno jurídico e seu conhecimento no mundo da cultura, a


partir da experiência, Reale expõe o caráter histórico do direito. Porém, embora os
valores sejam históricos, em algum momento, alguns deles se despontam e não mais se
alteram, a despeito da passagem do tempo. Eles passam a ser uma constante axiológica.
Tratando de outro tema, Reale aponta para a noção de conjectura. Em seu
pensamento, conjectura não é demonstração, não é um procedimento de analogia mas um
exercício de retórica que permite a expansão para além das limitações impostas pela
ciência.
“ ... a conjetura ocupa um papel dos mais significativos, seja operando como
ponto hipotético e provisório de partida, mais tarde confirmado graças a novos processos
cognoscitivos, seja valendo como “verdades práticas” que nos ajudam a superar o
sempre insatisfatório estado de dúvida... Muitas asserções que andam por aí como
“verdades” assentes, no campo da sociologia ou da economia, e até mesmo no das
ciências tidas como “exatas”, não passam de conjeturas inevitáveis, que seria melhor
recebê-las e aplicá-las como tais, mesmo porque são elas que, feitas as contas, compõem
o horizonte englobante da maioria de nossas convicções e atitudes.”
Para Reale, a conjectura não é apenas um excesso. Para ele, muitas verdades
tidas por cientificas são apenas conjecturas. O pensamento se expande para além dos
limites da ciência e assim, se estabelece mais uma dialética de implicação e polaridade:
entre ciência e conjectura.

RESUMINDO
Direito não é produto da intelecção racional, mas da experiência cultural (a cultura
advém da experiência)
Cultura → caráter histórico social do Direito
Caráter histórico → evolução. Porém, em um dado momento, o valor se torna se torna
uma constante axiológica
Conjectura: Reale desenvolve a noção de conjectura, que estabelece com a ciência uma
dialética de polaridade e implicação → muitas verdades cientificas são conjecturas que
permitem a expansão do conhecimento.

Conclusão: para Miguel Reale o direito não é exclusivamente um fenômeno,


nem é meramente positivo. Lastreado no mundo da cultura, são várias as fontes que
formam o direito, daí o CARÁTER ECLÉTICO do pensamento realeano. Sua doutrina

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não pode ser chamada de sincrética (no sentido de não ser positivista); O professor
REALE É UM POSITIVISTA – o direito é dever ser, tem a sanção como elemento
fundamental, permite o exercício ideológico e resulta da vontade de um poder qualquer.
Ou seja, ainda que não somente juspositivista, Reale funda no Estado e no
direito positivo o momento superior da juridicidade. Há relevância dos valores, mas
não há juízo sobre eles. Os tipos de relações sociais que ensejam o direito, as interações
de poder, o papel das relações histórico-sociais não têm tratamento preferencial no
pensamento realeano (como tem nas doutrinas criticas).

PALAVRAS CHAVE – REALE


Tridimensionalidade → fato + valor + norma.
Valor: realizável e inexaurível – valores sem juízo positivo ou negativo.
Fato: compreensão normativa do fato.
Nomogênese: fato + valor + escolha política → norma jurídica → modelo jurídico.
Tridimensionalidade específica: interação dinâmica entre os vetores → Direito como
produto da cultura → CULTURALISMO.
Integração – conhecimento + realidade = ontognoseologia.
Dialética de integração → implicação e polaridade.
Cultura: decorre da experiência → caráter social e histórico do Direito.
Conjectura: expansão da ciência.
Positivista: ausência de juízo de valor

Os juspositivistas estritos.

Como se percebe, os ecléticos padecem de uma ambiguidade: nem admitem


o direito natural puro, nem o direito positivo puro. Hans Kelsen é quem dá o salto
qualitativo sobre os ecléticos e representa o horizonte máximo do positivismo. Sua obra
“Teoria pura do direito” tenta construir um conhecimento jurídico baseado não mais no
ser, e sim no dever-ser, sem cotejar as normas jurídicas com a realidade.
O juspositivismo estrito tem em Kelsen seu símbolo e auge, mas outros
autores também podem ser classificados como positivistas: Alf Ross, Herbert Hart e
Norberto Bobbio, além da chamada corrente do realismo jurídico.

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Os juspositivismos ecléticos não desapareceram com a radicalidade dos


juspositivismos estritos. Ao contrário, criticam a falta de moralidade dos positivistas.
Estes, por sua vez, não admitem tal crítica, pois “o positivismo jurídico não impede a
avaliação moral, nem a crítica política ao direito, nem a pesquisa sociológica das
possíveis causas e dos múltiplos efeitos dos sistemas jurídico... O objetivo do positivismo
jurídico é entender os modos de funcionamento do direito, seguindo um caminho
descritivo que tenta eliminar a subjetividade. Temos aqui a busca de um ideal de
neutralidade que, mesmo se não puder ser atingido, não deve ser abandonado, como
fazem muitos estudiosos, influenciados por um espírito pós moderno e desconstrutivo...
O positivismo não impede, nem deveria impedir, a expressão de nosso inconformismo
com o direito “como ele é”.”

OBSERVAÇÃO
Os procedimentos utilizados por Kelsen foram extraídos da lógica e da base
filosófica de Kant.
Porém, ao mesmo tempo em que Kelsen conclui uma teoria puramente
normativa do direito, também deixa aberto o campo para que o método analítico se
desdobre sobre novas questões. Assim, pode-se vislumbrar uma continuidade de
Kelsen na filosofia do direito analítica que se desenvolve desde então, bem como na
filosofia analítica da linguagem, que tornou-se carro-chefe do pensamento analítico e
conservador, de resistência às teorias críticas, como a marxista.

Kelsen – a pureza do direito e a teoria geral do direito.

Hans Kelsen (188-1973), nascido em Praga e criado em Viena, foi um dos


principais responsáveis pela Constituição da Áustria, concebendo a técnica de controle
de constitucionalidade por meio de um tribunal específico, do qual se tornou magistrado.
Sua obra principal é a Teoria pura do direito (1934).
Kelsen representa o auge do modelo juspositivista, buscando uma técnica
jurídica universal embasada nas normas estatais. A identidade científica do pensamento
de Kelsen é totalmente indissociável da norma estatal.
A compreensão de Kelsen pressupõe a distinção entre o fenômeno jurídico
e a ciência do direito. Kelsen separa o fenômeno social e a manifestação bruta do direito,

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do entendimento científico que se pode fazer a respeito dessa manifestação. Para Kelsen,
o direito e a ciência do direito são coisas distintas.
Considerando que o DIREITO É DIFERENTE DA CIÊNCIA DO DIREITO,
Kelsen não pretende que o fenômeno jurídico seja puro, mas que a ciência do direito seja
pura.
O entendimento de Kelsen se refere à ciência jurídica e sua teoria É PURA
POR NÃO ENVOLVER A REALIDADE JURÍDICA, já que a ciência do direito não
é sociologia do direito, nem filosofia do direito, não é especulativa, nem empírica. A
ciência do direito é uma ciência técnica e o fato é considerado cientificamente para o
direito somente enquanto iluminado por um sentido normativo. Ou seja, os atos brutos
somente são compreendidos se passarem por uma interpretação normativa → os fatos não
revelam o direito, mas sim a interpretação normativa dos fatos.

OBSERVAÇÃO
Os juspositivistas sabem que na prática, o direito se mistura a todos os demais
fenômenos sociais. Porém, para eles, nem por isso o Direito irá se misturar
cientificamente, pois a ciência está em outro patamar. A ciência do direito abstrai os
fatos concretos e trabalha em um outro nível, das normas estatais.
Quando a Teoria Pura delimita o conhecimento do Direito em face de outras disciplinas
(sociologia, política etc), faz isso não por ignorar ou negar a relação do Direito com
tais ciências, mas porque quer impedir um sincretismo metodológico que obscurece a
essência da ciência jurídica.

A Teoria Pura do Direito de Kelsen é uma teoria do Direito positivo – não


de uma ordem jurídica especial, mas do DIREITO POSITIVO EM GERAL. Uma
ciência TÉCNICA UNIVERSAL, que serve a todo tipo de direito, tomado no nível
científico. Por isso, para ela, sua teoria seria apta a explicar os Estados liberais, os
socialistas e mesmo os totalitários, já que o conteúdo das normas varia em cada qual
desses Estados, mas a lógica formal das normas não.

OBSERVAÇÃO
A propósito, a construção teórica de Kelsen, lastreada numa filosofia neokantiana
formal, objetiva, analítica, encerrada em normas estatais – pura, no seu dizer – alcançou

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

fama e uso universal e sua teoria pura do direito almejou seu intento de ser o
espelho da universalidade da técnica normativa estatal contemporânea.
A perspectiva kelseniana também é responsável pela nomenclatura mais usual da
ciência → teoria geral do pensamento jurídico e da prática jurídica, separando a
filosofia do direito da teoria geral do direito (cujo objeto é a norma).

Como teoria, quer única exclusivamente conhecer o seu próprio objeto: o que
é o Direito? Não importa como o Direito deve ser. É ciência jurídica e não política do
Direito. A objetividade do conhecimento deve ser afastada de qualquer entendimento do
direito enquanto fato social, enquanto fato econômico, enquanto fato político ou moral.
O direito não é analisado pelo campo de sua manifestação concreta, como ser. Para
Kelsen, o direito só pode ser entendido cientificamente a partir da norma, do campo do
dever-ser → método normativo, objeto normativo, núcleo especificamente jurídico.
A especificidade do Direito não é investigada com as ciências naturais,
orientadas para a explicação através da lei da causalidade. Em lugar do nexo de
causalidade, o conceito central da teoria jurídica é o de norma jurídica, que vincula certas
ação humana a determinadas consequências, em termos de IMPUTAÇÃO. Como
consequência, as normas não podem ser analisadas na esfera da realidade do “ser”, mas
sim no plano do “dever ser”.
Pode-se dizer que o pensamento jurídico kelseniano é NEOKANTIANO.
A proposta filosófica de Kant foi a de perguntar sobre o quê e como se pode
conhecer. Distinguindo o conhecimento específico e objetivo do pensamento
especulativo, Kant abriu margem à sua teoria pura do conhecimento, em sua obra
Crítica da razão pura.
A teoria pura implica o encerramento parcial dos fenômenos sociais,
utilizando-se o MÉTODO ANALÍTICO → para ser analisado na ciência do direito, o fato
pretende-se objetivo, cerrado, isolado a partir de algumas premissas.
Para Kelsen, o pensamento a partir da totalidade se perde. A ferramenta
analítica restringe-se à parcela que se ele considera, cientificamente, por direito. O
resultado de tal método é uma profunda objetividade, mas também um profundo
desgarramento das manifestações da totalidade social.
Analítico quer dizer “quebra”

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A ciência jurídica de Kelsen opera como a LÓGICA, porém sem


possibilidade de verificação empírica. A verificação ocorre mediante vínculo de
COERÊNCIA → uma norma só guarda coerência com o todo do ordenamento por
RAZÕES FORMAIS. Não se indaga sua aderência social ou justeza, mas sim sua origem
formalmente válida e respaldo objetivo em normas superiores.
Em termos de teoria geral do direito, Kelsen faz duas abordagem das normas
jurídicas: a estática e a dinâmica.
A estática representa o entendimento das normas jurídicas em si mesmas,
permitindo extrair suas consequências apenas pelas inferências lógicas internas das
próprias normas.
A dinâmica representa a tomada das normas em conjunto, dentro de um
ordenamento jurídico, ao mesmo tempo em que trata da criação e do perecimento das
normas.
ESTÁTICA: as normas jurídicas têm um funcionamento lógico similar ao das
normas sociais, éticas e morais. Nenhuma delas é regida por relações de causalidade,
como as regras da natureza, mas por vinculo de imputação, por um dever imputado →
as normas jurídicas estão constituídas pelo primado do dever-ser (e não do ser, como
consequência necessária).
A diferença entre as normas sociais, éticas e morais e as jurídicas é que as
últimas têm um substrato estatal.
Esse tratamento da norma como um “dever-ser” contrasta com as demais
filosofias do direito, que miram no “ser”. Justamente por isso, pela desconexão com o
direito enquanto ser, é que Kelsen torna-se o pensador-padrão da prática do jurista técnico
contemporâneo.
DINÂMICA: aqui, quando trata da produção normativa, Kelsen reconhece
alguma abertura à concreção social do direito, uma vez que as normas não são produzidas
apenas pela lógica, mas existem por razão dos atos de vontade do legislador que as cria.
Para que uma norma possa existir e ser válida, ela tem que se respaldar em
normas superiores, que facultem ao legislador a produção de outras normas. Portanto, as
normas estão dentro do campo lógico (norma superior → norma inferior), mas a criação
da norma, ainda assim, é um ato de vontade.
Assim sendo, a produção normativa, para Kelsen, se dá sempre de acordo
com o seguinte esquema: norma → ato de vontade → norma.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Ainda em relação à dinâmica, a pluralidade de normas conduz ao


questionamento acerca da coerência. As normas são plurais e contraditórias, porém, a
coerência do direito somente pode ser pensada a partir de um escalonamento jurídico,
embasado na hierarquia das normas.
Na base, estão as normas individualizadas: sentenças ou portarias. Em
escalões mais altos, há normas de outros níveis hierárquicos (leis). No último escalão, há
as normas constitucionais. Pode-se fazer a imagem de uma pirâmide para tal ordenamento
jurídico.
A estrutura do ordenamento jurídico se concretiza, ainda, por meio da
validade das normas. A validade é a qualidade da norma que revela sua adequação formal
e material ao ordenamento, adequação que é verificada segundo as normas
hierarquicamente superiores → deve-se olhar para os escalões superiores para identificar
a validade de uma norma inferior.
Grande indagação: qual norma sustenta as normais mais altas (normas
constitucionais)? Qual norma sustenta o ordenamento? Qual a norma mais elevada?
Essa norma não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria
que advir de uma outra norma superior. Ela tem que ser PRESSUPOSTA.
Essa norma pressuposta é a NORMA FUNDAMENTAL: trata-se de um
recurso teórico usado por Kelsen, um imperativo para o desenvolvimento da ciência do
Direito, já que investigar as fontes do poder ou as relações sociais como fundamento
ultimo do ordenamento iria contaminar a pureza da ciência jurídica. Para Kelsen, a norma
fundamental é uma hipótese que permite pensar o ordenamento jurídico. Não se trata de
uma reflexão teórica acerca das qualidades do ordenamento, bom ou ruim, justo ou
injusto. Trata-se apenas de uma condição para o entendimento da cadeia lógica da
validade de um ordenamento.

OBSERVAÇÃO
Embora seja uma criação teórica científica, a norma fundamental contém
um grau de realismo, na medida em que diz ao jurista qual ordenamento é válido. Há
uma certa ligação entre a norma fundamental e aquele ordenamento específico (norma
fundamental da CF/88 se liga ao nosso ordenamento, não ao hindu). A norma
fundamental não é um mero capricho do jurista; é uma diretriz para o ordenamento que
se apresenta na realidade.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Aqui Kelsen se aproxima do pensamento Kantiano, que se afasta dos


conhecimentos prontos da metafísica: certo e errado, vontade de Deus etc. A analogia
entre a norma fundamental de Kelsen e as ideias de Kant repousa na busca por uma
interpretação cientifica alheia à metafísica (em Kant) e alheia a questões metajurídicas
(em Kelsen).
Kelsen encontra tal possibilidade na norma fundamental pressuposta.
Parte da doutrina diz que, ao final de sua obra, em 1960, a norma fundamental
deixou de ser, para Kelsen, a condição teórica de todo do ordenamento jurídico – uma
pressuposição ao molde kantiano-, passando a ser uma ideia não conectada de maneira
lógica ao ordenamento.
Assim, considerando a norma fundamental uma ficção, Kelsen estaria
abandonando o neokantismo, introduzindo elementos externos à logicidade.
Kelsen e seus discípulos ortodoxos não admitem essa diminuição da função
racionalizadora da norma fundamental.
“Assim, poucos anos antes de morrer, demonstrando uma grande
honestidade científica, Kelsen alterou sua concepção da norma fundamental de tal modo
que representa uma verdadeira ruptura com o período neokantiano de sua doutrina. Ao
abandonar a justificação transcendental da norma fundamental, deixou para trás o
princípio neokantiano da fecundidade do pensamento puro, que lhe permitia aplicar o
método transcendental à teoria do direito positivo. Com a correção de sua teoria,
julgamos, porém, que Kelsen não se rendeu diante do direito natural ou ao direito de
Schmitt, mas sim ao direito empírico ou a uma teoria realista do direito...”
Num outro tópico, Kelsen reconhece um pouco mais a abertura para a
realidade: em relação à hermenêutica, há uma indeterminabilidade da interpretação do
direito, já que não se pode buscar uma interpretação verdadeira, um único sentido correto
de uma norma. Para Kelsen, a interpretação é o preenchimento de uma possibilidade
dentro de uma moldura oferecida pelas normas → há uma relativa indeterminação do ato
de aplicação do direito.
A moldura hermenêutica é uma decorrência formal das normas, porém, o seu
preenchimento, a concreção da interpretação normativa é um ato não formal, não lógico,
essencialmente político → abertura
No entanto, apesar dessa possibilidade, impera a interpretação autêntica, que
é aquela dada pela autoridade. Pode ser que essa não seja a correta, mas essa será a
autêntica, a vinculante.

151
Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Em resumo, na sua teoria hermenêutica, Kelsen renuncia ao extremo


logicismo, em prol de uma relativa indeterminação da interpretação normativa, que não
se pergunta sobre a sua correção ou verdade. Porém, a objetividade formal, o vínculo
hierárquico do intérprete competente fala mais alto que a verdade existencial da
hermenêutica.
Por conta de sua teoria da norma fundamental, ou seja, por considerar que a
cadeia das normas não se fundamenta em um poder que impõe o ordenamento, Kelsen é
muito criticado. Apontam que ele trata do direito não em termos reais, mas sim apenas no
nível “científico”, isto é, normativo.
Kelsen buscou se defender da crítica ao seu reducionismo afirmando que as
normas jurídicas, no nível científico, “suspendem” a totalidade que informa o fenômeno
jurídico. Dizia que por vias transversas, pelas vias da partes, sempre se poderia chegar à
totalidade. Porém, a totalidade vista pelo ângulo da parcialidade das normas é um espelho
disforme. A ciência do direito de Hans Kelsen é tal qual uma boneca que tem olhos,
braços, pernas, em tudo se parece com um ser humano, mas não é humana.
“A teoria geral do direito de Kelsen tornou-se a mais canônica construção
do tecnicismo do positivismo jurídico. Trata-se de uma construção tendente ao
esvaziamento do ser, da realidade, e por isso sua pretensão à universalidade formal, fora
da história e imune aos impulsos e contradições sociais. Sua singeleza e objetividade,
que fizeram sua fama e sua quase unanimidade entre os juristas práticos, é a sua máxima
virtude extraída de sua máxima fraqueza. A teoria pura kelseniana não reflete o todo do
direito, muito menos o todo do direito em relação à totalidade social. Por isso, enquanto
técnica emasculada das contradições do direito e da realidade, consegue cativar o jurista
juspositivista, sem crítica, aos acordes que, mínimos e formalistas tecnicamente,
entoaram-se universalmente.”

RESUMINDO
JUSPOSITIVISMO ESTRITO
Análise do conhecimento jurídico baseado no dever-ser, alijado do ser, da realidade.
Principal expoente: Kelsen
Outros autores: Alf Ross, Herbert Hart e Norberto Bobbio

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Sofrem criticas de por não se preocuparem com a moral. Refutam a crítica


argumentando que o positivismo não impede a análise crítica do Direito, porém, essa
analise não é objeto da ciência do direito.

KELSEN:
- Direito é diferente da ciência do direito (fenômeno ≠ ciência).
- A pretensão de Kelsen é uma ciência pura e não um fenômeno jurídico puro.
- O objeto da ciência do direito são as normas, o “dever ser”, e não sua manifestação
concreta (ser).
- Ciência do Direito = Direito positivo em geral = universalidade = lógica formal
invariável
- O caráter universal foi acolhido pelo pensamento contemporâneo → teoria geral do
direito encarada de forma autônoma
- Teoria pura: não considera a realidade (e outras disciplinas = sociologia, política,
filosofia).
- O método é normativo, o objeto é normativo, núcleo é especificamente jurídico
estatal.
- A causalidade (típica das ciências naturais) é representada pela imputação (conduta
→ consequência) = se A é, B deve ser.
- Kelsen é neokantista, pois Kant foi quem abriu margem à teoria pura do conhecimento
(Crítica à razão pura)
- Método analítico: encerramento parcial dos fenômenos sociais - isolamento dos fatos.
- A ciência jurídica é lógica, porém, sem verificação empírica. A verificação da ciência
jurídica se dá por coerência, mediante a regularidade formal da norma → normas
superiores como fundamento de validade das inferiores.
- Abordagens teóricas das normas: estática e dinâmica.
- Estática: compreensão interna das normas; inferência das consequências lógicas
internas → normas jurídicas tem um vínculo de imputação, de dever-ser + aparato
estatal
- Dinâmica: criação e relação entre as normas
- Na criação, há um ato de vontade (norma → vontade → norma)

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

- A pluralidade das normas → busca pela coerência do ordenamento → estrutura


piramidal → validade é adequação formal e material da norma inferior em relação à
superior.
- Último fundamento de validade → norma fundamental pressuposta → condição de
desenvolvimento da teoria pura (ordenamento não se fundamento no exercício do
poder, mas em uma norma pressuposta).
- A pressuposição da norma não é arbitrária, mas um produto do ordenamento que se
apresenta na realidade.
- Parte da doutrina aponta uma certa abertura de Kelsen ao final: a norma fundamental
não seria pressuposto lógico de todos os ordenamentos, mas sim uma norma sem
relação lógica com as demais.
- Além disso, aponta-se uma abertura na interpretação das normas: admite que existe
muitas interpretações possíveis dentro da moldura normativa. A interpretação seria um
ato não jurídico, mas político.
- Interpretação devida/vinculante: é a autentica → autoridade
CRÍTICA: desprendimento dos fatores que envolvem o Direito → desconsidera a
realidade → Direito oco, inócuo → invocação por juristas não críticos.
PALAVRAS CHAVES
Ciência do Direito x fenômeno jurídico.
Ciência = direito positivo = teoria pura (neokantismo = teoria pura do conhecimento).
Doutrina prestigiada atualmente → teoria geral do direito dissociada.
Relação de causalidade → relação de imputação (dever ser)
Método analítico e lógico.
Abordagem das normas: estática e dinâmica.
Lógica do sistema = coerência → validade formal e material → norma superior
fundamenta a inferior → ordenamento piramidal.
Fundamento de validade das normas constitucionais: norma fundamental pressuposta.
Interpretação → abertura → moldura → interpretação adequada é a autêntica.
Doutrina “acrítica”.

Os juspositivistas éticos.

Muitos pensadores que a doutrina classifica como “pós-positivistas” são


melhor albergados pela alcunha teórica de juspositivistas éticos.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Isso porque, em primeiro lugar, a ideia de pós-positivismo indica uma


superação do positivismo, o que não reflete a ideia dos filósofos aqui analisados, uma vez
que todos eles ainda mantém relações com o direito estatal.
Igualmente, o termo “pós” não reflete a circunstância que remete, pois
enquanto Habermas propõe uma releitura de instrumentos filosóficos, uma nova
abordagem, Perelman resgata visões antigas, aristotélicas e, portanto, pré-positivistas.
Comum entre eles é a busca pela compreensão do direito a partir da
moralidade.
Não há um único modo de ver a relação entre a moral e o Direito entre tais
pensadores: uns a buscam na interpretação, outros na própria formação da norma, razão
pela qual há uma dificuldade em classificá-los. Chamá-los de éticos atende a uma
unificação didática.
Ou seja, o termo juspositivismo ético abarca todos esses pensamentos e se
justifica na medida em que todos reintroduzem a moral no fenômeno jurídico. Eles
buscam mecanismos pelos quais a norma atinja aquilo que é virtuoso socialmente.
São teóricos que despontam em meados do séc XX, especialmente no final,
sendo expoentes John Rawls, Ronald Dworkin, Robert Alexy e Jürgen Habermas. Alguns
tem repercussão imediata e alcance prático em ramos específicos (direito constitucional
– Alexy), outros, como Dworkin, falam diretamente a temas da teoria geral do direito.
De todos, Habermas é o que vai mais longe em sua reflexão filosófica jurídica,
e é quem serve, então, como melhor medida e exemplo desse novo juspositivismo
enlaçado à ética.

RESUMINDO
Resgate da moral – meados e final do séc XX
Alguns denominam tais pensadores de pós-positivistas; porém, suas ideias
não são posteriores ao positivismo nem são desgarradas do direito estatal.
Vários modos de encarar a relação Direito x moral → dificuldade de
classificação.
Melhor termo didático: juspositivistas éticos
Alguns expoentes: John Rawls, Ronald Dworkin, Robert Alexy e Jürgen
Habermas.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Habermas - agir comunicativo, direito e democracia.

Alemão, nascido em 1929, é um dos mais conhecidos e relevantes pensadores


da atualidade. Suas ideias propõem modelos de atuação concretos, o que o torna presença
constante no ambiente jurídico e universitário.
Principal obra filosófico-jurídica: “Direito e democracia: entre facticidade e
validade.”
O pensamento de Habermas pode ser “dividido” em dois grandes momentos:
em um primeiro momento, tem base marxista e hegeliana, decorrentes do seu contato com
os pensadores da Escola de Frankfurt.
Porém, já no livro que resultou da sua tese de doutorado, em 1961, Habermas
já acena com o fim do ideal revolucionário marxista nas sociedades capitalistas
ocidentais, vislumbrando uma espécie de reformismo como horizonte (sociedade de
abundância.
Ao se aproximar dos liberais e pragmáticos, nos idos dos anos 70, amadurece
seu pensamento e promove uma virada linguística (linguistic turn), que resulta na
TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO. É a partir de então que ele se populariza.
Como resultado, verifica-se que a filosofia do direito de Habermas não é
revolucionária nem conservadora: é claramente reformista, social-democrata. Busca
encontrar, em tempos neoliberais e de enfraquecimento do intervencionismo e bem-estar
social, energias intelectuais que promovam a defesa daquela organização político-social
que floresceu no pós-guerra e ainda precisa ser mais aprofundada.

LEMBRANDO
Em tese, Habermas poderia ser considerado um filósofo crítico (do marxismo). Porém,
o marxismo somente admite o reformismo como meio de alcançar a revolução, e não
como solução social definitiva. Por essa razão, Habermas pertence à ala radical do não
juspositivismo e não à ala conservadora do marxismo.
Na verdade, para o estabilizado capitalismo europeu-norte-americano, Habermas é
progressista. Para as necessidades do capitalismo periférico, Habermas é conservador.

Para Habermas, o fundamento da sociabilidade é a comunicação, e, portanto,


os problemas da filosofia se referem não mais ao conhecimento, mas ao entendimento

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

entre os indivíduos e os grupos sociais. O CONSENSO passa a ser o maior projeto


político habermasiano e o direito atuará como ferramenta superior do consenso.
Em outras palavras, é na interação comunicacional entre os indivíduos que se
constrói a própria sociabilidade. Assim, o fundamental da filosofia não será mais a teoria
do conhecimento, a apropriação do conteúdo, como foi para a tradição filosófica. Para
Habermas, a verdade não é ideal, nem empírica, mas se constrói enquanto processo
comunicacional.
A interação entre os indivíduos em sociedade pode produzir consensos, por
meio da comunicação. A estabilidade desses consensos representa o que as sociedades
entendem por razão.
Habermas não retira seu conceito de razão da metafísica religiosa, nem de um
iluminismo de verdades eternas. O conceito de razão de Habermas, justamente por derivar
do consenso comunicativo, é um produto social, cultural, histórico, variável.
A negação da metafísica poderia arrastar a razão para o relativismo: se não há
Deus nem uma verdade absoluta que paire sobre todos, então não há razão universal
Porém, diversamente das teorias contemporâneas da pós-modernidade, para
as quais é impossível construir uma racionalidade que se estenda a todos, dada a
relatividade das posições e interesses, a razão é algo alcançável para Habermas, é
possível, por meio do consenso.
Por apostar na razão enquanto consenso, Habermas se dedicará aos meios de
interação entre os indivíduos que levem a aparar conflitos. Para isso, identificará no
espaço público, na democracia e no direito formas excelentes de construção de
procedimentos e consensos universalizáveis.
Para Habermas, uma teoria discursiva que possibilite o consenso permite
inclusive uma transformação na estrutura da sociedade, uma vez que o modo de produção
econômico capitalista não está lastreado em consensos. A diferenciação social se opõe ao
consenso.
Por outro lado, as ditaduras impõem uma verdade eterna, rígida, que passam
a pesar sobre os indivíduos. O individualismo exacerbado – economicamente
representado pelo neoliberalismo - acarreta a fragmentação social.
Como a comunicação permite a transformação, Habermas não pode ser
considerado juspositivista puro, já que o Direito, para Habermas, se despe de sua
formalidade e de sua pretensa verdade absoluta. O Direito é o espaço de interação
comunicacional, que constrói a ética por meio da democracia e respeito às garantias.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Para Habermas, o Direito seria uma síntese entre a inflexibilidade e o total


afrouxamento, um encontro de instituições de caráter flexível e ao mesmo tempo
minimamente respeitáveis. Ao invés do arbítrio revolucionário e da guerra de todos contra
todos, o Direito é o espaço que diminui atritos e gera, processual e democraticamente,
consensos.
Vale dizer, o direito se apresenta como elemento fundamental no projeto
político e filosófico de Habermas (embora Habermas não seja jurista), uma vez que o
Direito é o lócus privilegiado do agir comunicativo, garantidor da democracia, da
liberdade e da interação igualitária entre os sujeitos e os grupos sociais.
Para relacionar a ética no mundo jurídico e na sociedade, Habermas faz duas
reflexões sobre o direito.
Num deles, indaga a possibilidade de democracia e ética em nível geral. O
Direito é então entendido como uma alavanca possível, não utópica, de aprofundamento
de um tipo de sociedade de bem-estar social. O direito se revela, aqui, como o instrumento
já existente mais amplo e com menos oposições visando a um projeto de radicalização da
democracia. O balanço oferecido pelo direito entre ação transformadora e segurança
institucional revela-se o instrumento excelente do pensamento político.
Num outro nível, Habermas analisa as instituições jurídicas e políticas
contemporâneas, sua formação histórica e os elementos que confirmam ou possibilitam
melhorias da democracia jurídica. Nesse nível, Habermas lança-se às questões específicas
do direito político.
Assim, tomado como ferramenta de uma democratização ética, o direito não
pode ser considerado uma mera emanação técnica, natural, independente da vontade da
sociedade. O Direito deve ser objeto de um jogo dialético, pois, por meio do discurso se
obtém a verdade racional.
“Se discursos (e, como veremos, negociações, cujos procedimentos são
fundamentados discursivamente) constituem o lugar no qual se pode formar uma vontade
racional, a legitimidade do direito apoia-se, em última instância, num arranjo
comunicativo...”
“Enquanto o princípio moral opera no nível da constituição interna de uma
argumentação, o princípio da democracia refere-se ao nível da institucionalização
externa e da eficaz participação simétrica numa formação discursiva da opinião e da
vontade...”

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

A proposta por Habermas enxerga uma dialética entre direito, sociedade e


construção de novos institutos jurídicos: a sociedade gera estruturas de direito, por meio
comunicação. Essas estruturas, por sua vez, asseguram, pautam e criam novas interações
sociais.
“Na medida em que o sistema de direitos assegura tanto a autonomia pública
como a privada, ele operacionaliza a tensão entre facticidade e validade...”
A visão política de Habermas permite que se fundamente uma maior na
interação internacional cosmopolita, confederativa e democrática, evitando um discurso
meramente jurídico e formalista como o da ONU. Habermas identifica a articulação entre
Estados, grupos sociais e indivíduos, em nível transnacional, como elemento fundamental
da construção de uma constelação pós-nacional.
Essa reflexão sobre o direito e o processo de cosmopolitização dos Estados
reforça o horizonte de reformas típico da Habermas, que aposta em uma interação
democrática e ética do direito com a sociedade, como forma de driblar os conflitos do
mundo a partir do consenso.

OBSERVAÇÕES
O autor entende que ao “abandonar” o Marxismo, Habermas se tornou menos profundo, pois a
Teoria do agir comunicativo não permite o mesmo nível de apreensão que o marxismo
possibilita. Diz que o trabalho libera o discurso comunicativo, por liberar os homens dos
constrangimentos de ordem material.
Entende também que a filosofia analítica, própria do capitalismo liberal e que enxerga a
comunicação como um limite à universalização do conhecimento,
tem pontos em comum com o pensamento de Habermas.
Ao final, o autor também consigna que nem todos os conflitos sociais são processualizados sob
a forma de Direito e, por isso, o Direito não poderia resolvê-los.

RESUMINDO
Primeiro momento: marxista e hegeliano → Escola de Frankfurt
Posteriormente: virada linguística → agir comunicativo
Pensamento reformista, social-democrata, de resgate ao projeto sócio-político do pós-guerra.
Sociabilidade se funda na comunicação.
Processo de comunicação → consenso → estabilização do consenso → razão

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

A razão é obtida e se constrói no processo comunicacional → a verdade deriva do consenso.


Consenso → convivência sem conflito
Direito, espaço público e democracia → prevenção de conflitos → instrumentos para alcançar o
consenso
Consenso → transformação da sociedade
Capitalismo: desigualdade impede consenso
Liberalismo: individualismo exacerbado (não há consenso)
Ditadura: impõe verdade (não há consenso)
Direito: lócus privilegiado do agir comunicativo
Direito: alavanca da generalização da ética e da democracia → representação do equilíbrio entra
transformação e a segurança
Direito – instituições jurídicas e políticas: instrumento de afirmação ou melhora da democracia

Como instrumento da democratização ética, o Direito deve ser objeto de um jogo dialético, de
comunicação com a sociedade
Legitimidade do Direito → comunicação
Moral: legitimidade interna
Comunicação – democracia: legitimidade externa
Dialética: sociedade comunicativa → direito → novos institutos jurídicos
O discurso de consenso de Habermas fundamenta a prevenção de conflitos supranacionais,
sugerindo uma interação cosmopolita.
PALAVRAS CHAVES – HABERMAS
Virada linguística → teoria do agir comunicativo
Sociabilidade → comunicação → consenso → razão e verdade
Direito e Democracia evitam conflito → instrumentos de consenso
Consenso → transformação social
Direito: generalização da ética e da democracia
Legitimidade do Direito advém da comunicação
Consenso → prevenção de conflitos

c) Filosofia do direito não juspositivista.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Segundo o Alysson Mascaro, a filosofia do positivismo jurídico, que se


difundiu desde o século XIX no ocidente, tem sua origem na lógica iluminista, do século
XVIII, constituindo, desde aquela época, expressão imediata dos interesses burgueses.
Salienta que o juspositivismo representa a média do pensamento jurídico contemporâneo,
com poucas críticas, muitas das quais, de natureza pontual e nunca estrutural. Essa prática,
inclusive, faz com que o ecletismo se apresente como a principal forma de se afastar de
algum juspositivismo, sem, no entanto, abandoná-lo por inteiro. Adverte que Hans Kelsen
é um “juspositivista, sem desconto”, e a maioria dos juristas da atualidade, a benefício de
sua pequena crítica e pequeno desconforto com a realidade, sempre se contenta em ser
apenas juspositivista com desconto.
Em vista disso, o autor sinaliza ser bastante rara no pensamento jurídica, a
perquirição do fenômeno jurídico para além do juspositivismo estatal. Ou seja, uma via
de indagação que não se contente em compreender um direito normativo estatal somado
com alguns pontos da realidade social, mas sim busque na realidade social, a manifestação
do fenômeno jurídico. Para o autor, essa forma de pensar acaba tendo um potencial crítico
muito maior do que a inerente ao juspositivista médio, uma vez que não se satisfaz com
a técnica normativa. Pelo contrário, faz crítica à técnica.
O principal caminho nessa perspectiva é a própria filosofia existencial, sendo
que, a partir de Martin Heidegger, a consideração do direito deixa de ser realizada por
meio de uma técnica insípida, neutra e com pretensão universal, senão por meio da
compreensão das concretas situações existenciais. Afinal, para Heidegger, a existência,
enquanto manifestação social e natural, não se circunscreve à técnica da norma estatal ou
ao método filosófico analítico, que lhe é a ferramenta teórica mais imediata. Para a visão
existencial do direito, ao contrário da analítica normativa, o direito se manifesta e se
compreende a partir de uma hermenêutica situacional.
A tradição das filosofias existenciais tem na hermenêutica a ferramenta mais
importante para a compreensão do ser jurídico, que se revela numa região ontológica do
todo existencial Assim, enquanto a filosofia do direito juspositivista é fundada em
certezas, reduzindo o direito à técnica normativa, de fácil descoberta e identificação, o
pensamento existencial do direito realiza o inverso, como uma espécie de humildade e
reverência ao oculto, ao desconhecido, “às profundezas do existencial”, promovendo,
com isso, uma crítica ampla ao direito e à sociedade, sem necessariamente se apegar aos
mecanismos específicos dessa crítica.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

De acordo com o autor, “além do uso da ferramenta hermenêutica, há de


entender também, nessa ampla visão existencial sobre o direito o primado da
compreensão do poder sobre a norma. O Direito não é expressão limitada e automática
do comando normativo; pelo contrário, manifesta-se socialmente como uma expressão
de poder. Por isso, avançando para além da normatividade, as visões juspositivistas hão
de se abrir em muitas possíveis abordagens. Além da vertente existencial, há de se revelar
também um caminho que avança na compreensão do poder como ato que funda o direito,
como o arbítrio ilimitado e original. A decisão a partir da norma jurídica é um mero ato
burocrático, de praxe, mas a decisão que instaura a ordem é a manifestação mais pura
do poder”. O jurista Carl Schmitt é o mais expressivo e relevante adepto dessa visão do
poder para além do direito. O decisionismo, que encontrou em Schmitt o seu mais
vigoroso pensador no século XX, é claro ao transpor o confinamento normativo estatal
idealizado pelos juspositivistas.
Michel Foucault, em outra das tantas possíveis vertentes não juspositivistas
inseridas na ideia do direito associado ao poder, converge para a descoberta da
“microfísica do poder”, da disciplina como manifestação estrutural que afeta tanto o
direito quanto os desejos, os corpos, os gestos, produz outra vigorosa reflexão que não se
encontra limitada pelos lindes do direito positivo estatal. “Em Michel Foucault, destaca-
se uma reflexão muito próxima já do marxismo. Sem muita dificuldade, poder-se-ia
designar seu pensamento também por crítico, no mesmo âmbito geral do marxismo.
Foucault é responsável por uma investigação do poder em seus recônditos esquecidos
pela filosofia juspositivista. Sua arqueologia do saber e sua genealogia do poder
desmontam as boas intenções das instituições e de seus operadores. Sua apreensão da
microfísica do poder, quando atrelada ao próprio marxismo, produz uma das mais
vigorosas vias da filosofia do direito crítica”.
Traço comum a todas as vertentes é a percepção do direito como fenômeno
histórico, num entendimento muito mais complexo, porque dinâmico, da realidade social
e do poder que lhe subjaz. Para o autor, como o marxismo é a outra grande vertente
filosófica não juspositivista, os caminhos de Heidegger, Gadamer, Schmitt e outros
próximos poderiam ser identificados, com mais propriedade, como caminhos não
juspositivistas não marxistas, pois, quanto ao direito, não procedem como o marxismo,
que almejará desvendar as especificidades históricas e sociais históricas específicas. O
direito, assim, é assemelhado a uma espécie de manifestação do problema existencial
genérico, ou do poder em geral. “Para o Marxismo, que mergulha nas estruturas sociais

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

históricas, além da sua perspectiva a partir da totalidade, o direito se revela também um


fenômeno social específico. Mas, muitas vezes, por uma perspectiva existencial, o que
sobra em largueza lhe falta em especificidade.

Heidegger.

O pensamento do alemão Martin Heidegger (1889-1976) é um dos mais


atordoantes e originais do mundo contemporâneo. Ao se opor à tradição idealista típica
da modernidade, Heidegger abriu novos e importantes horizontes para a própria filosofia.
Para o autor, “sua retomada da questão do ser é um tanto uma petição do passado, pelas
origens filosóficas pré-metafísicas, quanto uma abertura ao novo em filosofia”. Dado o
seu caráter inovador, a aplicação da filosofia Heideggeriana ao direito tem-se revelado
ainda um campo aberto, e suas possibilidades são variadas.
“Remontando aos antecedentes dessa visão heideggeriana, o seu diálogo
mais imediato, para as questões do direito, estará em toda filosofia que se oponha à
modernidade. Nietzsche, por exemplo, com sua crítica à razão iluminista e, por extensão,
ao juspositivismo liberal, é um antecessor necessário e celebrado desse pensamento
existencial. A orientação filosófica de Heidegger é em busca do passado, do originário.
Seu diálogo profícuo é com a filosofia grega, que se assenta sobre bases muito diversas
da filosofia metafísica ocidental moderna. Sua volta às origens vai principalmente até o
pensamento pré-socrático, pré-metafísico – mas também, em alguma medida menor,
também à filosofia do direito grega clássica, como a de Aristóteles. Para uma visão
heideggeriana, os antigos são marcos referenciais muito mais importantes para o
desvendar de um ser jurídico que aquele manifesto pela filosofia do direito técnica e
juspositiva moderna e contemporânea”.
Dentre os estudiosos da filosofia, costuma-se realizar uma divisão entre o
Heidegger pensador de Ser e tempo, sua obra mais importante, publicada em 1927, e a
sua filosofia posterior, desenvolvida em ensaios, conferências e obras esparsas. Tal
crivagem fundamenta-se no fato de que, em sua obra inicial, Heidegger dá ênfase ao ser
e ao seu sentido, e, posteriormente, passa a conferir maior relevância questão da
linguagem como morada do ser. Para o autor, conquanto seja evidente o enfoque maior
em cada temática para cada das fases, talvez não se possa dizer, com nitidez, que haja
uma efetiva troca de pensamento filosófico, senão um direcionamento ou

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

aprofundamento distinto, na medida em que seu pensamento ainda se mantém voltado a


um tipo de especulação filosófica que já se manifestava em seus primórdios.

O Ser-aí.

A filosofia de Heidegger opera uma grande cisão em relação ao pensamento


ocidental tradicional. Sobretudo nos tempos medievais e modernos, a compreensão da
filosofia assentava-se sobre bases metafísicas, ou seja, alicerçando-se num determinado
idealismo que, ao invés de se voltar àquilo que existe, vincula-se às ideias absolutas, aos
conceitos predefinidos, a realidades divinas ou de uma razão plena.
Heidegger demonstra incredulidade em relação a metafísica e sua forma de
dever-ser, uma vez que, ao contrário de buscar compreender os fenômenos e as realidades
tal qual se manifestam, ela se apega a um conceito ideal, uma espécie de duplo da
realidade, ou, em muitas vezes, um completo estranho à própria realidade.
Buscando transpor as fronteiras desse pensamento, Heidegger propõe uma
busca ontológica como fundamento da filosofia. “A palavra ontologia vem do grego
ontós, ser, e a petição heideggeriana é pela filosofia do ser. Compreender o que é, o que
existe, o ser, torna-se o fundamento da filosofia heideggeriana. Nesse sentido, embora
instaure uma novidade profunda na filosofia contemporânea, Heidegger reclama a si uma
tradição antiga, grega, principalmente aquela dos pré-socráticos. Segundo Heidegger,
ainda não viciados pelas ideias metafísicas que limitavam a existência a uma espécie de
uso correto da razão, os pré-socráticos indagavam-se diretamente sobre o ser, sobre a
existência. O caminho, por ser uma trilha originária, ligava-se ao ser das coisas
diretamente, sem os vícios da filosofia. A caminhada dos pré-socráticos seria um abrir
de trilhas original. A filosofia, posteriormente, caminhava apenas com guias e mapas,
métodos, perdendo assim a originalidade da busca do ser para seguir os mapas, as ideias
prévias, o dever-ser do caminho”.
Na sua tarefa de encontrar a natureza do ser e, a fim de se afastar dos vícios
reiterados da filosofia ocidental, Heidegger promove a formulação de novos conceitos,
cuja terminologia, inclusive, era até então inexistente, o que, aliás, acaba fazendo da
leitura dos textos heideggerianos uma tarefa complexa e difícil, dada a utilização de
novas palavras e conceitos.
Nessa perspectiva, Heidegger denomina a existência como Dasein, conceito
que corporifica o que há de mais importante na filosofia Heideggeriana e exprime a

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

manifestação necessária da existência como uma “situação existencial”. “A tradução


literal de Dasein para a língua portuguesa seria “ser-aí”. O prefixo da acompanhando
o verbo Sein, em alemão, dimensiona a existência como um fenômeno circunstanciado,
situacionado”.
Importa frisar que o termo Dasein não significa um ser humano,
isoladamente. O ser-aí está mergulhado nas manifestações existenciais, que, a despeito
de envolverem os seres humanos específicos, acabam sendo maiores que eles. Heidegger
não era um filósofo da subjetividade, como os modernos. Logo, Dasein não é “um ser
humano aí”, senão a existência como fenômeno situacionado.
Segundo o autor, “o Dasein, assim sendo, revelando-se também como
Mitsein, representa, na filosofia de Heidegger, um rompimento definitivo com a
perspectiva do individualismo. Não se há de analisar um ente em si nem um ser em si:
acima de tudo, o ser-aí é também ser-com. Tal apreensão do ser-com não é uma reunião
de indivíduos, como a filosofia individualista moderna do contrato social postulou. O ser
é necessariamente com. A sociabilidade é marca inexorável da existência”.
O novo paradigma inaugurado pela filosofia de Heidegger, de compreensão
do ser, apesenta-se como a busca do sentido do ser. Há seres, há entes, há a existência.
Como Existem? Essa procura de significação é totalmente distinta daquela da metafísica.
Afinal, para o pensamento idealista, há causas divinas, sentidos finais, que orientam a
existência. O grande questionamento da metafísica gira em torno das razões finais. A de
Heidegger não. É do próprio ser que descobre sua verdade. É como um caminho que se
faz ao caminhar, sem rota prévia.
De acordo com o autor, “a compreensão do Dasein a partir da própria
existência tira o foco da dedução e da verificação da correspondência entre sujeito e
objeto como métodos filosóficos e passa a se voltar ao acesso à própria verdade do ser.
Abre-se então a questão do sentido do ser. O Dasein não se compreende como outro da
existência, mas sim como mergulhado na existência, projetando-se e se perspectivando
nela. Por isso, compreender é atribuir um sentido à própria situação existencial. (…).
Logo, a descoberta do sentido do ser é a própria clareira que se abre para a compreensão
do ser. Esse sentido não é uma orientação finalística, como se o ser tivesse um pendor
ou um destino já dados. O sentido do ser é o próprio âmago do ser, na sua abertura para
a existência. O Dasein procede ao desvelar da própria compreensão do ser”.

A técnica.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Consoante defende o autor, um dos momentos mais relevantes da filosofia


Heidegger repousa na sua reflexão sobre a técnica. As decorrências dessa linha de
intelecção são vastas, repercutindo em toda a ciência moderna, na política e também no
direito, na medida em que o fenômeno jurídico contemporâneo erige-se sobre
fundamentos eminentemente tecnicistas. No eixo do problema da técnica encontrar-se-á
o horizonte mais amplo da questão do direito para Heidegger.
Numa conferência de 1953, “A questão da técnica”, Heidegger reformula a
perspectiva das velhas tradições filosóficas sobre a técnica, demonstrando que o senso
comum, que classifica a técnica como “ferramenta neutra”, é uma compreensão
inautêntica sobre sua essência. Na verdade, com essa interpretação da técnica como sendo
uma ferramenta neutra à disposição das pessoas, o que se tem almejado é,
fundamentalmente, dominar a técnica. Dirá Heidegger:
Permanece, portanto, correto: também a técnica moderna é meio para um fim.
É por isso que a concepção instrumental da técnica guia todo esforço para colocar o
homem num relacionamento direito com a técnica. Tudo depende de se manipular a
técnica, enquanto meio e instrumento, da maneira devida. Pretende-se, como se costuma
dizer, “manusear com espírito a técnica”. Pretende-se dominar a técnica. Este querer
dominar torna-se tanto mais urgente quanto mais a técnica ameaça escapar ao controle do
homem”.
Entretanto, apartando-se dessa visão comum e recorrente, Heidegger vai em
busca da compreensão da técnica como forma de desencobrimento, promovendo uma
abertura para a essência da técnica, isto é, a sua verdade. Encoberto pela camada de
neutralidade e utilidade da técnica, ali está o seu ser: o explorar. É na exploração que
reside a verdade da técnica.
De acordo com o autor, “a disposição da natureza passa a ser, nos tempos
modernos, a essência da técnica. Há uma ligação umbilical entre a técnica moderna e as
ciências exatas, que, ao trabalharem também com a composição e a desconexão da teoria
em relação à própria natureza, propiciaram o seu domínio total. (…). A verdade, para
Heidegger, somente se desvela e se abre a partir de uma concessão do ser. Mas a técnica,
por sua vez, não é uma abertura a partir daquilo que concede o ser, e sim um arrancar,
exploratório, sugando e exaurindo a natureza”. Justamente em razão disso, ao contrário
da arte, a técnica é concebida como ato de arrancar da natureza aquilo que ela não
concede.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

A política.

O pensamento de Heidegger orientou-se, num nível estrutural da leitura, pelo


distanciamento das questões políticas concretas; Heidegger não se apresenta como um
pensador diretamente preocupado com o debate de temas políticos. É preciso entender
sua filosofia em um contexto maior e captar a política como um horizonte que apenas se
desdobra do seu pensamento.
Por intermédio de sua filosofia existencial, é possível desvendar, de imediato,
contra quem Heidegger se opõe politicamente. Não se trata de um liberal, individualista,
de origem tipicamente burguesa. Pelo contrário. Heidegger apresenta-se como um
opositor direto do mundo institucional burguês – que era lastreado na visão de mundo de
um indivíduo separado da realidade, na cisão entre sujeito e objeto – e sua volta ao ser é,
no final das contas, um traço marcante desse afastamento. “Por conta de sua oposição às
grandes estruturas sociais modernas liberais burguesas, pode-se enxergar em Heidegger
um filósofo revolucionário, porque bastante crítico da banalidade e da inautenticidade
dos tempos presentes. Tal banalidade, por ele, é associada à dominância da metafísica e
da técnica”.
A análise crítica de Heidegger em relação ao pensamento político moderno -
que, na verdade, acaba sendo em relação a própria manifestação existencial inautêntica
da modernidade, presta-se a várias leituras filosóficas propositivas possíveis. Dela,
descortina-se o caminho para avançar em busca de uma visão libertadora do fenômeno
político – e nessa perspectiva é a apropriação de Heidegger realizada pelo Marxismo.
No entanto, para o autor, é possível que uma vertente reacionária possa ser
encontrada a partir do pensamento heideggeriano. Afinal, é a volta ao originário sua
bandeira filosófica e, ao mesmo tempo, seu projeto político implícito. O retorno às origens
consiste num dos “leitmotivs” (tema frequente) filosóficos heideggerianos. “Os
frequentes símbolos filosóficos da montanha, da floresta, são uma oposição à grande
cidade, ao mundo da técnica, à era do universal, daquilo que é igual a todos e, portanto,
não é nada em específico. As condições para o pensar verdadeiro se dão apenas com
essa repetição original. Esse retorno filosófico ao originário é a antecipação do
horizonte político heideggeriano. A montanha e a floresta, a autenticação do ser, o
desvelar daquilo que se oculta, tudo isso é o afastamento da homogeinização moderna,
propiciada pela técnica e pela metafísica, que unifica a tudo por meio de uma razão geral
que paira sobre os seres e os entes”.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Dada a sua oposição as ideias e instituições prevalecentes em sua época, o


pensamento marxista reconheceu em Heidegger um grande proveito crítico. “Herbert
Marcuse é explícito nessa vinculação: Heidegger mergulha nas profundezas do ser e da
técnica, e, poder-se-ia dizer, a crítica à metafísica e ao mundo do sujeito é também, em
um nível mais esfumaçado, a crítica ao próprio capitalismo. Essa é uma possibilidade de
leitura heideggeriana, talvez aquela que mais o resguarde de seu aproveitamento
reacionário, talvez sua melhor leitura política, mas, não necessariamente, a leitura que
o próprio Heidegger fazia de si próprio”.

O direito.

Na filosofia jurídica heideggeriana é possível encontrar a mesma dificuldade


presente na sua filosofia política. É dizer: Heidegger não se ocupa diretamente de assuntos
jurídicos, não é jurista de formação. Assim, sendo, o aproveitamento de sua filosofia para
o direito se faz como possibilidade.

Nessa toada, o ápice da reflexão heideggeriana que atravessa em cheio o


direito é a sua problematização da técnica. “A técnica moderna, haurida da metafísica e
embebida da separação entre sujeito e objeto, encontra no direito um de seus fenômenos
mais marcantes”. Afinal de contas, o direito integra o núcleo de todo o mundo burguês,
individualista, universalista e homogêneo, em relação ao qual a visão filosófica de
Heidegger se contrapunha.
É possível encontrar, portanto, na filosofia heideggeriana, uma potente arma
de crítica ao direito moderno, normativo estatal, por meio da crítica à técnica. Todavia, o
autor reputa inadequado afirmar que a crítica à técnica deve-se apenas a Heidegger, bem
como que sua petição pelo original seja a melhor forma de superação do problema da
técnica do direito.
Outra possível aproximação do pensamento heideggeriano ao direito repousa
na sua pretensão de tomar o originário como verdade do ser. “O pensamento de
Heidegger, desde a fase primeira, com Ser e Tempo, encaminha-se no sentido de fazer
do projeto filosófico uma espécie de volta ao passado, compreendido como uma tentativa
de compreensão do originário. Trata-se de uma circularidade peculiar, na medida em
que, nela, o originário se põe a serviço de um novo modo de compreensão do presente e
do futuro”.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Historicizando o fenômeno jurídico, a partir da perspectiva heideggeriana,


fica bastante nítida a possibilidade de assimilação separada do fenômeno jurídico
moderno – técnico, universalista, formalista, procedimental, repetidor e banal – daquele
fenômeno jurídico que, nas origens ocidentais greco-romanas, perguntava-se diretamente
sobre o justo. Nesse ponto concentra-se a maior riqueza e também a maior dubiedade do
pensamento de Heidegger acerca do direito.
Segundo o autor, “se o fenômeno jurídico antigo não encontra
correspondência no direito moderno, a busca do justo nas origens estava muito mais
próxima das coisas, dos fatos, das pessoas e das suas plenas razões que a busca moderna
do justo, que é, simplesmente, uma busca formal, processualizada em ritos e normas
estatais. De fato, na antiguidade, o direito se definia como arte, e não como técnica no
seu sentido moderno”.
É justamente nessa possibilidade de se pensar o fenômeno jurídico para além
da sua banalidade técnica (ser-aí inautêntico) que se instauraria uma definição do direito
como existência autêntica, no berço das experiências e do convívio social justo. Nesse
sentido, é a leitura feita por Aloysio Ferraz Pereira:
“O fenômeno jurídico é um modo de ser do ser-aí, enquanto este é, originária
e constitutivamente, ser-no-mundo e ser-com-outrem (Mitsein), bem como ser em comum
e coexistência. [...] Por isso, se o jurídico é modo de ser do ser-aí, não será nunca um
mero objeto desse comportamento humano possível que é a ciência. Isto é: o modo de ser
jurídico do ser-aí não se reduz inteiramente a simples objeto desse outro modo de ser do
mesmo ser-aí que é o conhecimento. [...] O jurídico é, pois, ontologicamente, um
existencial constitutivo de todo ser-aí, possuindo caráter concreto e universal.
Onticamente, desde sempre inere ao ser-aí. Uma vez que o ser-aí exista, nele está o
jurídico, em seu ser originário e simples. O jurídico emerge na própria existência
humana, manifesta-se na situação em que cada um de nós sempre se encontra. Estamos
sem cessar numa situação de justiça ou de injustiça uns em relação aos outros, no mundo
em que um dia passamos a nos achar e que também podemos clarificar e projetar”.
A grande contribuição do pensamento heideggeriano para a filosofia do
direito provém da compreensão existencial do fenômeno jurídico. Distanciada da técnica
normativa, a busca original pelo direito deverá ser, então, uma hermenêutica do justo. A
problemática do direito passa a ser uma compreensão do sentido dos fatos, dos atos, das
questões que se abrem ao juízo político. “É justamente nesse ponto que a radicalidade
crítica da constatação heideggeriana pode também se tornar a minguada resposta

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

compreensiva, que depõe armas políticas e não se predispõe a transformar o mundo,


mas, antes, a compreendê-lo de forma radical. O mergulho compreensivo nas
profundezas existenciais do direito é um ato de discordância radical com os
procedimentos e o arcabouço metafísico de pensamento e operacionalidade do mundo
jurídico contemporâneo, mas é, ao mesmo tempo, uma concordância oracular com o ser
jurídico escondido desse mesmo mundo, que há de se desvelar”.

Gadamer.

O Alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002) é um dos mais importantes


filósofos de rompimento com uma leitura de mundo que, no campo jurídico, é
representada pelo juspositivismo. Sua linha de intelecção é bastante contestadora do
conhecimento científico estabelecido na Idade Contemporânea. Seu trabalho segue a
mesma trilha das preocupações filosóficas de Martin Heidegger mas, além de seu
discípulo de suas ideias, Gadamer também propõe contribuições específicas para a
questão da hermenêutica existencial. Sua obra Verdade e Método é um dos maiores
monumentos acerca da hermenêutica em toda a história da filosofia.
Gadamer segue a mesma linha de pensamento de Heidegger para se opor à
estável classificação dos saberes contemporâneos. A filosofia e a ciência são trabalhadas
como segmentos bem-estabelecidos, parelhos, conjugados e com a divisão de tarefas com
vistas à busca da verdade. A ciência ateve-se ao campo do formal, lógico, imediatamente
correspondente ao real. À filosofia foi reservada a função de chancelar e dar lastro
idealizado do que fosse a ciência. Para chegar a esse resultado, a filosofia e a ciência
estabelecem como uma representação lógica do mundo. Assim, nessa tradição moderna
e contemporânea, o cientista e o filósofo seriam aqueles que teriam os melhores métodos
teóricos para representar a realidade. Despreza-se a realidade existencial para se fixar no
método. O pensamento moderno, desse modo, desassociou sujeito de objeto, razão da
realidade, Gadamer, insurgindo-se contra tal tradição, propõe, na esteira de Heidegger,
uma outra relação com a filosofia. Seu pensamento se singulariza pela postulação de uma
hermenêutica que seja o instrumento de compreensão existencial do ser.
“Para Gadamer, a filosofia não pode ser uma construção lógica apenas
autorreferenciada em métodos. Fundado numa compreensão existencial, Gadamer há de
se afastar da tradição moderna sobre a interpretação. Para a modernidade, a
interpretação é uma correspondência da ideia com um determinado objeto, tudo isso feito

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

pelo sujeito, que teoricamente utilizaria da sua razão como uma ferramenta
independente. Já para Gadamer, seria necessário compreender a hermenêutica como um
fenômeno de apreensão da verdade existencial do ser, e não apenas de sua
correspondência a um conceito correto. O ser há de se revelar mais amplo do que aquele
previsto no catálogo do correto da ciência e da racionalidade moderna. A busca da
verdade não é uma questão de método científico”.
Logo, a hermenêutica existencial não se consolida como um conjunto de
ferramentas que determinam, de antemão, tudo o que será investigado. Pelo contrário,
aliás, a realidade e aquele que a compreende estão numa posição de constante fusão de
horizontes, em um processo que não se exauri em determinações lógicas. Em virtude de
tal abertura da hermenêutica para além do método das ciências e da filosofia moderna,
Gadamer comparará a perquirição sobre a hermenêutica à arte. Parecido com Heidegger,
que situava no poético a morada do ser, Gadamer, seu mais próximo discípulo, também
vislumbra, na experiência da arte, as profundidades da hermenêutica, que o método
científico não alcança.
Ao transcender as barreiras das ciências e da filosofia moderna, as quais
insistem em estabelecer um método universal para a apreensão da verdade, o projeto de
Gadamer, em sua obra máxima Verdade ou método, é, praticamente, a proposição de que
a verdade é justamente impossibilitada pelas determinações teóricas prévias com
pretensões lógicas acabadas. Ou seja, é como se, parodiando ironicamente o título do seu
livro, desse-se verdade ou método.
Contrastando as pretensões universais dos métodos, o pensamento de
Gadamer insiste num reposicionamento positivo da hermenêutica. Na mesma linha de
Heidegger, Gadamer afirma a hermenêutica como compreensão existencial. É impossível
que o intérprete proceda de modo afastado da sua condição existencial. A filosofia não se
constrói com um pensamento externo e altaneiro em face do mundo. Para Heidegger, a
filosofia se abre hermeneuticamente porque não pode ser dada como metodologicamente
prévia à existência.
Daí a impossibilidade de fundar a filosofia num método ou numa posição
idealista. Gadamer vai além, para afirmar que não só a filosofia é hermenêutica, como a
própria hermenêutica é o modo geral de compreensão do mundo. Dessarte, a
hermenêutica erige-se como o horizonte que faz com que a filosofia, bem como as artes,
a teologia e mesmo o próprio direito venham a operar com os mesmos padrões e aberturas.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

“A filosofia é hermenêutica e a hermenêutica é inexorável como compreensão geral de


mundo, apontando, assim, nos termos gadameranos, uma hermenêutica filosófica”.
O conhecimento não se constrói como uma inferência lógica, a partir de
marcos teoréticos externos ao mundo do intérprete. Este nunca é um ente dissociado do
mundo ou “olimpicamente” neutro em relação à sua existência. Não existe uma
subjetividade insigne e alheia ao mundo e à história. Perpetrando uma contundente
desconstrução e crítica da subjetividade tomada em sua acepção moderna, dirá Gadamer:
“Na verdade, não é a história que nos pertence mas somos nós que
pertencemos a ela. Muito antes de nos compreendermos na reflexão sobre o passado, já
nos compreendemos naturalmente na família, na sociedade e no Estado em que vivemos.
A lente da subjetividade é um espelho deformante. A autorreflexão do indivíduo não
passa de uma luz tênue na corrente cerrada da vida histórica. Por isso, os preconceitos
de um indivíduo, muito mais que seus juízos, constituem a realidade histórica de seu ser.
[...] A compreensão deve ser pensada menos como uma ação da subjetividade e mais
como um retroceder que penetra num acontecimento da tradição, onde se intermedeiam
constantemente passado e presente. É isso que deve ser aplicado à teoria hermenêutica,
que está excessivamente dominada pela ideia dos procedimentos de um método”.
De fato, é a partir da existência, no pano de fundo da tradição e da experiência,
que se formam as compreensões. A hermenêutica só se realiza a partir de uma constante
interação do intérprete com o mundo. Reconhecer que todo ato hermenêutico é uma pré-
compreensão é fundamental para uma interpretação apropriada.
Na visão de Gadamer, a hermenêutica opera sempre como uma retomada da
tradição. Interpretar um texto ou compreender qualquer fenômeno constitui um processo
que se dá a partir de toda uma história dos sentidos, das experiências, da arte de captar o
escondido do ser. A compreensão, para Gadamer, não é um método que se aplica apenas
a textos ou a leis. Pelo contrário, é a própria forma de se abrir da filosofia. “A
hermenêutica é processada numa situação existencial. O intérprete não está alheio ou
defronte à situação hermenêutica, mas dentro dela e, por isso, não pode possuir uma
elucidação completa de seus termos. Daí, a interpretação não é jamais total. A situação
abre horizontes que são múltiplos e que se fundem entre passado e presente, e ainda, por
sua vez, tendo em vista o futuro, pois que a hermenêutica compreende situações do ontem
e do hoje vislumbrando sempre novos horizontes, como projeção”.

O direito em Gadamer.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Na perspectiva de Gadamer, a hermenêutica jurídica é o mais bem-acabado


exemplo do processo de compreensão existencial. O direito opera num patamar de
interpretação que é orientado explicitamente à aplicação. No pensamento de Gadamer, a
filosofia moderna rompeu com a aplicação, na medida em que para esta o saber se funda
nas próprias razões da metodologia. Contra essa pretensão, o direito e outras áreas, como
a teologia, deixam patente que a interpretação não se dá como ato de saber especulativo,
mas sim como compreensão voltada a fins. A idealização de Gadamer de uma
hermenêutica filosófica anuncia que o direito não é uma exceção no quadro geral da
hermenêutica, senão o modelo geral de todos os atos hermenêuticos.
“Nisso me parece que a situação hermenêutica é a mesma, tanto para o
historiador como para o jurista, ou seja, ante todo e qualquer texto todos nos
encontramos numa determinada expectativa de sentido imediato. Não há acesso imediato
ao objeto histórico capaz de nos proporcionar objetivamente seu valor posicional. O
historiador tem que realizar a mesma reflexão que deve orientar o jurista. […] A
hermenêutica jurídica está em condições de recordar em si mesma o autêntico
procedimento das ciências do espírito. Nela temos o modelo de relação entre passado e
presente que estávamos procurando. Quando o juiz adapta a lei transmitida às
necessidades do presente, quer certamente resolver uma tarefa prática. O que de modo
algum quer dizer que sua interpretação da lei seja uma tradução arbitrária. Também em
seu caso, compreender e interpretar significam conhecer e reconhecer um sentido
vigente. […] O caso da hermenêutica jurídica não é portanto um caso excepcional, mas
está em condições de devolver à hermenêutica histórica todo o alcance de seus
problemas, restabelecendo assim a velha unidade do problema hermenêutico, na qual o
jurista e o teólogo se encontram com o filólogo”.
Na contramão daqueles que idealizam a hermenêutica jurídica como um caso
à parte na tradição moderna da interpretação, Gadamer insiste em sua concordância com
o quadro geral da compreensão hermenêutica. Se para as ciências modernas, a
interpretação deveria ser fria, imparcial, objetiva e, portanto, dotada aí de racionalidade,
Gadamer trilha caminho diverso e apregoa que a hermenêutica é um processo das ciências
do espírito que se vincula à história, à tradição, às perspectivas de sentido que nada têm
com métodos científicos pretensamente inexoráveis.
Nesse prisma, “a interpretação jurídica, que é eminentemente prática, não se
torna, ao contrário daquilo que a visão moderna quer passar, uma exceção
hermenêutica, mas o próprio mais bem-acabado da verdade da própria hermenêutica,

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

tomada no seu sentido geral. (…). A hermenêutica jurídica, assim sendo, revela uma
indissociação entre o texto interpretado e o caso em tela no qual a norma se aplica. O
jurista não é outro em relação ao mundo da decisão que tomará. Está mergulhado nesse
mesmo contexto, com seus preconceitos e seus horizontes. A prática e a aplicação o
orientam, num processo que é unitário. (…). A interpretação do direito não é um
processo que alcançasse primeiro uma verdade essencial das normas jurídicas e que,
depois, se veria perder quando de sua aplicação em casos concretos. Pelo contrário, a
verdade jurídica é a própria aplicação do direito. A realidade não é um empecilho à
hermenêutica jurídica, mas, antes, é o próprio solo no qual opera. Não há um momento
ideal normativo, prévio ou alheio à realidade do direito aplicado, decidido ou
concretizado”.
A hermenêutica filosófica gadamerana proclama uma compreensão
existencial do direito e mesmo uma relação com o texto jurídico oposta àquelas
encontradas nas filosofias do direito juspositivistas. Enquanto para estas, há um momento
normativo fundamental, em torno da qual gira o trabalho do jurista, para Gadamer, que
promove uma ruptura com o juspositivismo, o hermeneuta encontra-se imerso no mesmo
processo existencial de sua interpretação do texto normativo, lendo, julgando e decidindo
conforme seus preconceitos. Dessa forma, inexiste um afazer jurídico que se inscreva,
precipuamente, como técnica normativa. A situação existencial fala mais alto que uma
pretensa aplicação das normas postas aos fatos. Gadamer é sobejamente claro em afirmar
que o direito não opera pela subsunção.
O jurista não é um técnico neutro na aplicação de normas jurídicas. Está
constituído e mergulhado num todo existencial. O intérprete e a norma jurídica não são
mais tomados de um modo dissociado, como o são para a tradição jurídica moderna e o
texto normativo não mais se apresenta como um dado objetivo, apartado do mundo.
Todavia, isso não quer dizer que a procura pela compreensão do originário do direito seja
simplesmente buscar arqueologicamente a vontade do legislador, como um pensamento
limitado e ainda juspositivista poderia argumentar.
Ao contrário de velhas filosofias hermenêuticas que se propõem a buscar o
que o legislador originalmente almejou, como se isso fosse uma vontade congelada no
tempo, a noção de pré-conceito, na filosofia de Gadamer, funda-se em uma perspectiva
dialética e dá ensejo a possibilidades críticas. A propósito, Lênio Luiz Streck argumenta
que:

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“O historicismo pensou que a distância temporal era um handicap de toda a


compreensão que somente poderia salvar-se com o uso de metodologias apropriadas
para nos permitir transladarmos à época em questão e adentrarmos em seu espírito, em
sua cultura, em sua idiossincrasia, em seus ideais e vivências; tudo isto porque essa era
a verdade do passado. Entretanto, contrariamente a isto, a nova hermenêutica propõe –
ontologicamente, e não epistemologicamente – que a distância no tempo é a situação
ótima que permite a sua compreensão. Não estamos diante de um abismo insondável de
tempo, e sim diante de uma mediação da tradição, a qual, como uma ponte, nos
possibilita o acertado acesso à realidade. O tempo não é, pois, um obstáculo para
compreender o passado, e sim o âmbito onde tem lugar a autêntica compreensão. Quando
faltam o tempo e a tradição, falta-nos a chave da compreensão”.
A contrário da filosofia do juspositivismo, restrita à norma e à técnica, o
pensamento jurídico de Gadamer é um movimento de revolução, nos mais amplos
contornos possíveis. Sua leitura, ao resgatar o sentido escondido e abafado das situações
das origens do texto religioso ou da norma jurídica, e ao insistir no fato de que o
hermeneuta opera com base no preconceito, permite, é verdade, que venha a reinvestir o
interpretado e o intérprete em uma certa legitimidade existencial.

As possibilidades jurídico-políticas da compreensão existencial.

Ao deixar de efetuar um embate direto com a política e a história concretas,


Heidegger dá o ensejo de uma leitura filosófica de suas ideias enquanto possibilidades.
Em Heidegger e em Gadamer, a compreensão do ser a partir da situação existencial é uma
forma de ruptura com toda a tradição metafísica moderna. A compreensão se presta,
portanto, à crítica e à própria superação da filosofia enquanto paradigma neutro da
obtenção das verdades eternas. Para o autor, o pensamento de Marx, exposto na sua Tese
XI contra Feuerbach, não encontraria óbice no pensamento de Heidegger e Gadamer.
Aliás, outra não é a análise de Lenio Streck:
À crítica de que a hermenêutica de Gadamer é idealista – Roberto Lyra Filho,
no Brasil, embora reconhecendo o seu valor, assim a ela se referiu –, é necessário
responder que é, ela, também, crítica, por várias razões. Uma delas reside no fato de que
é produtiva, e não reprodutiva (como queria E. Betti), isto é, a tese gadameriana de que é
impossível reproduzir o sentido da norma (texto jurídico-normativo) assenta-se em uma
profunda dialética, como a reproduzir a máxima de Heráclito de que é impossível

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

banhar-se duas vezes na mesma água do rio! Ao lado disso, traços fortes do teor crítico
da hermenêutica de Gadamer residem no fato de que, a partir da hermenêutica
heideggeriana, rompe-se com qualquer possibilidade de idealismo e realismo. O
intérprete não está fora da história efectual. Se, na filosofia da consciência, se dizia que
o sujeito cognoscente poderia, de forma racional, determinar o objeto, com Gadamer
ocorre o rompimento com a questão epistemológica sujeito-objeto, uma vez que o sujeito
não é uma mônada; o sujeito é ele e sua possibilidade de ser-no-mundo, é ele e suas
circunstâncias, enfim, é ele e sua cadeia significante.
É possível afirmar que as filosofias de Heidegger e Gadamer não se
confrontam com o marxismo, na medida em que a amplitude da compreensão existencial
rompeu com o confinamento da dicotomia sujeito-objeto e com os estreitos campos do
eterno, em favor do histórico. Nisto, Marx, horizontalmente, ao postular uma determinada
perspectiva de totalidade, em nada se vê limitado na vastidão Heideggero-gadamerana.
Não por outra razão, as grandes perspectivas da filosofia do direito heidegeriana no
:Brasil – desde a pioneira escola de Aloysio Ferraz Pereira e Jeannette Antonios Maman
– leem Heidegger a partir de propósitos críticos, com diálogo com o marxismo.
Em Heidegger e Gadamer, a transposição dos problemas políticos concretos
para a filosofia é, ironicamente, uma espécie de fim da metafísica que inaugura um mundo
próprio do ser, que, não sendo da especificidade do ser concreto, acaba sendo quase uma
outra metafísica, que se nega, perigosamente próxima daquilo a que mais se contrapõe.
Marx concorda que a verdade se revela situacional e historicamente, porém
leciona o estrutural-específico dessa história, algo que Heideger e Gadamer não o fazem.
É a diferença entre uma crítica geral ao direito enquanto técnica, esfumaçada e que tem
dificuldade de lhe apontar uma superação, e uma crítica concreta ao direito como técnica
específica do capitalismo, e que portanto há de apontar claramente à revolução, como
abertura ao socialismo. Em largueza, a filosofia existencial e o marxismo empatam. Em
profundida e especificidade, no entanto, o marxismo é maior. Heidegger e Gadamer
caberiam em Marx, mas Marx não caberia totalmente em ambos.

Schmitt.

Carl Schmitt (1888-1985) é um dos maiores pensadores do direito da


contemporaneidade, e tal condição se assegura pelo modo muito original e radical pelo
qual compreende o fenômeno jurídico. Liberto das limitações do juspositivismo estrito,

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Carl Schmitt situa o fenômeno jurídico nos lindes da exceção. A decisão que não está
adstrita à regra – e não o automatismo do cumprimento da norma jurídica – é o momento
fundamental da filosofia do direito schmittiana.
Sua proposta jusfilosófica, em algum momento e de algum modo, coadunou-
se com os objetivos do nazismo. Sua participação no movimento hitleriano, ainda que
tortuosa, deu mostras dessa grande afinidade. Entretanto, Carl Schmitt busca lastrear suas
posições teóricas em uma longa tradição que vai desde Hobbes até os pensadores
reacionários do século XIX. Há muito da teologia católica em Schmitt. Sua própria
formação religiosa, minoritária num ambiente religioso acentuadamente protestante, dá
mostras de sua arraigada inspiração católica. De família católica e com poucos recursos
financeiros, Schmitt formou-se em direito em Estrasburgo, lecionou em Bonn, onde se
destacou teoricamente a partir da década de 1920, e posteriormente em Berlim, onde
iniciou sua projeção política, intervindo nos rumos da República de Weimar, então sob
ataques e enfrentando dificuldades. Logo após a queda de Weimar, filia-se ao Nazismo.
Porém, ainda nos primórdios do governo de Hitler, começa a ser relegado do centro
político-jurídico do regime. Com o final da guerra, foi preso, levado ao Tribunal de
Nuremberg, mas escapou da acusação de crime de guerra. Retira-se então da vida pública
e universitária, conquanto tenha continuado a escrever até o estertor de sua vida.
Carl Schmitt erigiu sua teoria do decisionismo – que representa o seu marco
de maior originalidade teórica – logo no início de suas construções jusfilosóficas;
remontam à década de 1920 suas obras mais destacadas, como A ditadura (1921),
Teologia política (1922) e O Conceito do político (1927).
Entrementes, segundo o autor, “em um segundo momento de sua trajetória
intelectual, perfilhou-se ao lado da perspectiva jurídica do institucionalismo, chamando
a si o pensamento de Santi Romano, dentre outros. Esse momento é, já, uma espécie de
acomodação do decisionismo de Schmitt aos lastros institucionais-sociais do fenômeno
jurídico. Não é a fase mais importante de Schmitt, na medida em que seu ecletismo nesse
período fez amainar o ímpeto e a virulência de suas ideias originais”.

O decisionismo jurídico e a exceção.

Carl Schmitt pleiteia o fenômeno jurídico de maneira intimamente ligada às


manifestações do poder. O direito não é apreendido como uma processualidade formal e
automática, ou seja, como se fosse uma decorrência lógica de competências previamente

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

estabelecidas, como se fosse uma cadeia infinita de produção de normas jurídicas. Do


contrário, o direito é compreendido como decisão independente das normas, como ato
que instaura uma condição que não haveria de outro modo.
O cumprir automático das regras, tal qual uma pirâmide do ordenamento das
normas, seria típico de uma visão liberal, juspositivista, de inspirações próximas a Kelsen.
Entretanto, na concepção de Carl Schmitt, não é nessas circunstâncias que se compreende
a verdade do direito. É verdade que haja uma cadeia de normas e competências
formalmente dadas, que os juristas operam num nível quase mecânico, mas o fenômeno
jurídico se revela muito mais na exceção, no descumprimento da regra, porque nessa
circunstância desnuda-se o poder e, portanto, o real eixo de gravidade que sustenta as
próprias normas.
“Uma das mais célebres frases de Carl Schmitt é a que dá início à sua obra
Teologia política: “soberano é quem decide sobre o estado de exceção”.. Nessa
afirmação se dá o extrato daquilo que é mais rico em termos de análise do direito a partir
do poder. O cumpridor da regra não revela a verdade do direito: apenas demonstra seu
caráter burocrático. O poder nu, soberano, é aquele que passa por cima das normas e
instaura, portanto, a decisão original. Daí o soberano ser o que decide sobre a
exceção”.
Na percepção de Schmitt, pensar a exceção é pensar um quadro no qual não
há uma ordem mecanicamente estabelecida. Trata-se de uma quimera, para o seu
pensamento, imaginar que o conjunto normativo constitua e estabeleça o processamento
da ordem. É especificamente a exceção que instaura a ordem, a partir de uma
desorientação inicial. A decisão não é o último momento de uma cadeia normativa, como
idealiza o juspositivismo; é o primeiro, pois é o que se dá base à ordem.
Carl Schmitt promoveu uma mudança de compreensão fenomênica do direito:
transcendeu uma barreira forma, meramente normativa, para se chegar a um núcleo
decisional, que aglutina o poder enquanto ato originário de aderir à regra ou de rompê-la,
criando a exceção. A partir disso, o Direito passou a ser tomado como sendo um fenômeno
distinto daquele previsto pelo caminho juspositivista. A compreensão do direito não está
limitada às normas jurídicas: ela se situa no eixo de gravidade do Poder.
A sua obra Teologia política é um dos marcos da mudança perpetrada por
Carl Schmitt quanto ao método de apreensão do direito. O fenômeno jurídico,
tradicionalmente considerado pelos juspositivistas como um conjunto de normas

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

jurídicas, passa a ser dimensionado de outro modo: a política, a decisão e, principalmente,


o poder é que se revelam, na verdade, como eixo gravitacional do fenômeno jurídico.
A viragem paradigmática de compreensão do direito em Carl Schmitt o
conduz, imediatamente, a uma desvinculação fenomênica pouco presente na tradição do
pensamento jurídico contemporâneo. De acordo com a maioria liberal dos juristas, os
limites do direito são os limites do próprio Estado. Assim professava Kelsen, para quem
direito e Estado se confundem. Entretanto, para Carl Schmitt , lastreado na exceção como
anunciação do soberano e como compreensão do próprio direito, passa a ser nítida a
distinção entre dois níveis de fenômenos: de um lado, o direito e a norma; de outro, o
soberano e a política. O Estado paira sobre direito, e lhe é superior. O poder está acima
da norma jurídica. O Estado é maior que as normas jurídicas. A exceção é o vínculo entre
o poder soberano e o direito. O direito não se revela numa unidade, como um dado
monístico, puramente normativo. Ao contrário da pureza proposta por Kelsen, Carl
Schmitt “existencializa” o direito, exprimindo-o num todo situacional. A decisão, fora da
norma, é que dá sentido à própria norma e ao direito. Diz Schmitt:
“Todo direito é “direito situacional”. O soberano cria e garante a situação
como um todo na sua completude. Ele tem o monopólio da última decisão. Nisso repousa
a natureza da soberania estatal que, corretamente, deve ser definida, juridicamente, não
como monopólio coercitivo ou imperialista, mas como monopólio decisório, em que a
palavra decisão é utilizada no sentido geral ainda a ser desenvolvido. O estado de
exceção revela o mais claramente possível a essência da autoridade estatal. Nisso, a
decisão distingue-se da norma jurídica e (para formular paradoxalmente), a autoridade
comprova que, para criar direito, ela não precisa ter razão/direito”.
Essa distinção é decisiva para se compreender e situar a verdade do direito:
não reside na norma jurídica e na processualidade automática da criação e da aplicação
das normas às situações concretas sua razão de ser. Num patamar superior a norma, situa-
se o poder político soberano, que decide a norma e sua exceção. O soberano é aquele que
decide sobre o direito, e não aquele a quem o direito investiu de competências formais.
“Assim sendo, quando se pensa na relação do direito com o Estado, a soberania não é
um atributo que se concretiza na Constituição para, posteriormente, determinar as
competências dos agentes públicos. Para Carl Schmitt, a soberania é o que põe a
exceção, é o poder que põe ou não a Constituição, e, portanto, está ligada ao Estado
mais que ao direito constitucional. Trata-se de um importante deslocamento da

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

soberania: ela não provém a partir da consubstanciação jurídica do Estado, isto é, não
se funda num ato de constitucionalização”.
Dada a ocorrência de tal deslocamento – o direito não constitui fundamento
da soberania – Schmitt recusa a identidade do poder com a norma. A soberania atrela-se
muito mais à originalidade da criação da ordem – exceção – do que com a decorrência
normativa – que seria a visão estrita do juspositivismo.
No cenário do liberalismo contemporâneo, a proposta de soberania de Schmitt
soa como afronta. Na própria Alemanha da República de Weimar, os freios e contrapesos
constitucionais faziam dos líderes políticos atores com papéis muito marcados e
previamente delimitados pelas normas jurídicas. O soberano, de acordo com as ideias de
Schmitt, no entanto, é aquele que concentra em suas mãos o poder último. Ele se encontra
acima das regras, porque decide sobre a sua própria exceção. A sua pessoalidade afasta a
repetição difusa e autônoma da técnica liberal, dando sentido à política.
A questão do controle de constitucionalidade revela a matriz política do
pensamento de Schmitt, contrastando com a do liberalismo Kelseniano. Para Kelsen, um
tribunal constitucional seria uma instância necessária de equilíbrio jurídico e político nas
democracias. Alheio ao poder executivo e do governante, o tribunal constitucional teria
o papel de assegurar o cumprimento da constituição.
Na visão de Carl Schmitt, sendo o guardião da Constituição o Fuhrer, a
constituição não é compreendida apenas como um conjunto de normas jurídicas de
hierarquia superior. Pelo contrário, a constituição é uma decisão política, que orienta o
Estado, o direito e a vida social por tal ou qual caminho. Daí que o controle constitucional,
para Schmitt, não tocaria ao técnico em normas jurídicas, e sim ao político soberano,
porquanto decidir sobre a constituição é deliberar sobre a própria instauração da política.

O conceito do político.

Por tradição, identifica-se o fenômeno político consolidado em estruturas


perenes, limitado por regras, ordens, sempre a partir de uma forma normativa já
estabelecida. A legalidade desempenha um poderoso fascínio em toda a teoria jurídica e
política desde a modernidade. Carl Schmitt, tanto para a teoria do direito quanto para a
teoria política, representa um dos raros casos de realismo político, de teoria da exceção,
e não da regra ou da ordem.

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Ao livrar a política dos limites do juspositivismo, Schmitt fomenta toda uma


desconstrução da perspectiva formal do direito, do Estado e da política. A sua oposição
enfrenta um arco que vai desde os liberais modernos até a contemporâneos seus, como
Kelsen. Entrementes, é preciso deixar claro que o decisionismo de Schmitt não se confina
às decisões judiciais: seus limites mais profundos e mais importantes estão para além do
direito e do Poder Judiciário, porque chegarão até os fundamentais momentos da política
do Estado de exceção.
Seu conceito de Estado, aliás, tem por pressuposto o conceito de político,
numa clara demonstração de que não se funda na legalidade, mas na ação política prévia,
a estrutura posterior do Estado. Na famigerada rase de abertura de sua obra O conceito
do político, explicita: “O conceito de Estado pressupõe o conceito do Político”.
A teologia política
A posição de Schmitt, antiliberal, desvela tanto seus interesses políticos como
também seu método filosófico. A exceção explicita o poder, e nisso vai uma constatação,
mas também um louvor, praticamente messiânico, da instauração da norma pelo
soberano. Em virtude disso, toda perspectiva jurídica e filosófica de Schmitt tem como
ponto de partida e, ao mesmo tempo de chegada, a teologia política.
Na leitura de Carl Schmitt, os conceitos jurídicos e políticos modernos são
uma transplantação de conceitos teológicos, num processo de secularização. Se não
vejamos:
“Todos os conceitos concisos da teoria do Estado moderna são conceitos
teológicos secularizados. Não somente de acordo com o seu desenvolvimento histórico,
porque ele foi transferido da teologia para a teoria do Estado, à medida que o Deus
onipotente tornou-se o legislador onipotente, mas, também, na sua estrutura sistemática,
cujo conhecimento é necessário para uma análise sociológica desses conceitos”.
Ao vaticinar para o direito os horizontes de uma teologia política, Carl
Schmitt avança mais um passo num caminho de oposição à modernidade jurídica e
política. Tomando como ponto de partida a constatação d que a modernidade jurídica se
assenta na universalidade, com base na regra geral válida para todos, não existe espaço,
no arcabouço de compreensão do jurista moderno, para a exceção, e sim apenas para a
regra. Daí porque doutrinas como a de Kelsen serem muito familiares ao jurista
juspositivista burguês. Somente na regra geral e universal repousa a constância e a
estabilidade pretendidas pela burguesia moderna.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Carl Schmitt, no entanto, aposta num caminho contrário. Ao proclamar a


exceção, e não a regra, como fundamento da compreensão do direito, do poder e da
soberania, Schmitt atenta contra o pressuposto profundo da tradição moderna, iluminista
e laicizada. Católico, Schmitt aproxima o fenômeno jurídico moderno da própria
organização da Igreja Católica, fundada na representação. Ao contrário do protestante,
para quem a relação é direta do indivíduo para com Deus, o católico baseia sua condição
religiosa na submissão à representação divina do Papa. A lei não é uma observação dos
costumes arraigados, nem do justo, nem uma decorrência da razão. Ela é uma operação
da vontade do representante. O Führer e o Papa, nesse sentido, assemelham-se.
De acordo com o autor, “com sua ruptura do entendimento do direito como
repetição técnico-normativa universal, Schmitt volta os olhos para a exceção, tomada
como o ocasional, o instável, a ruptura. Da incerteza do direito – que ofende aos castelos
de certezas do jurista tecnicista da atualidade – dá-se um lastro ainda mais profundo, no
plano teológico, para a teoria jurídica de Schmitt: a exceção, para o direito e o poder, é
correspondente ao milagre para a teologia. O milagre, como poder divino que rompe
com a lógica da causalidade, e portanto afasta a constância e a regra, é equivalente à
exceção soberana, que paira por sobre a norma jurídica”.
Entender o direito como exceção corresponde a não mais abominar o
reconhecimento da incerteza existencial do nível jurídico-político. Não se pode entender
o direito como mero automatismo técnico, porque a constância da universalidade é
desestabilizada pelo originário.
Carl Schmitt promove uma dupla ruptura do direito positivista. De um lado,
aponta a teologia como símile do direito, e, a partir disso, rechaça a lógica moderna da
universalidade normativa, em troca de uma brutalidade originária do direito como uma
espécie de decisão plena e excepcional do poder soberano. Nesse aspecto, Schmitt traz a
lume a opção política reacionária do seu caminho. Doutra banda, altera a compreensão
do próprio fenômeno jurídico: o poder, como momento prévio à técnica normativa, é
maior, fenomenicamente, que a própria norma. Ou seja, a modernidade é soberba e iludida
na sua vã pretensão de controlar o fenômeno jurídico a partir das categorias normativas
universais, O jurista, de senhor do seu próprio fenômeno, passa a se ajoelhar temerário
diante daquilo que recebe, mas não controla.

Decisionismo e existencialismo.

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Não obstante as suas especificidades e múltiplas distinções, é possível


entrever alguns liames entre o decisionismo schmittiano e a filosofia existencial. Não se
trata de enxergar Schmitt como discípulo de Heidegger, até mesmo porque
cronologicamente não se estabeleceu uma relação dessa natureza; são contemporâneos.
Mas não é na cronologia nem por decorrência um do outro que se verifica tal
correspondência, e sim na similitude de panoramas. Ainda que tenham brotado de
maneira independente, a visão existencial de Heidegger e o decisionismo de Carl Schmitt
são frutos de um mesmo contexto, redundaram, ambos com volteios e não
necessariamente, na mesma práxis político-social do nazismo – em 1933, foi Heidegger
quem convidou Schmitt a se integrar no movimento nazista. Mas, acima disso,
principalmente, compartilham de um mesmo horizonte, daí a sua proximidade
filosófica.(…). Ainda que não tão ligado diretamente às palavras de Heidegger como o é
Gadamer, Carl Schmitt permite uma radicalização do espírito existencial para o direito.
O grande trunfo da visão existencial reside na crítica definitiva à técnica. A
filosofia hermenêutica amplia os horizontes da norma jurídica, fundando-a na situação
existencial. Porém, o decisionismo também afasta a normatividade como definição ou
limite do poder. Na questão do poder, Carl Schmitt chega mais fundo num caminho que
Heidegger também trilhou. “A parada de Heidegger na estação da poesia o fez ter por
companheiro de viagem Gadamer. Mas Schmitt cumpriu a jornada inteira, e desceu às
profundezas infernais do ser jurídico, para arrancar sua verdade: o poder, o arbítrio e a
decisão bruta e soberana. Tudo era possível, mas se quis assim, e assim se fez, eis o mais
verdadeiro e angustiante para o direito a partir da perspectiva existencial”.
Sobre a perspectiva do potencial crítico, o decisionismo de Schmitt revela
efetivamente uma melhor aptidão em comparação com a filosofia hermenêutica de
Gadamer, tanto que, desde a década de 1980, os marxistas puseram-se a estudar e a
reavaliar a compreensão das ideias de Schmitt. A crítica da filosofia hermenêutica é mais
horizontal que vertical ao fenômeno jurídico. Ou seja, ela insiste no fato de que o direito
não é norma, está mergulhado no todo existencial, e assim perpetra uma ampliação de
horizontes para a compreensão do jurista, deixando, todavia, de promover a crítica das
estruturas do próprio direito.
Seguindo caminho diverso, Schmitt proclama que o direito revela, no fundo,
a decisão soberana do poder, A decomposição do direito deve anunciar o ato fundante por
meio do qual um definiu o caminho dos demais. Nessa afirmação, o viés teológico no
direito vem à tona de forma gritante: o próprio pai é o direito para seus filhos, o próprio

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

pastor é o direito para seu rebanho, a Igreja é a depositária dos destinos de seus fiéis. “A
prática do direito é apenas a hermenêutica posterior daquilo que, de modo mais
importante, já foi dado antes pela decisão soberana”.
Na esteira do juspositivismo, o jurista interpreta a lei em consonância com os
limites normativos. Porém, para Gadamer, a verdade jurídica é uma hermenêutica ainda
muito maior, existencial, No entanto, para além disso, a verdade jurídica pode ser
discutida ainda mais no ato soberano do poder que prostrou o jurista a interpretá-la. Uma
crítica inicial é a interpretação da norma que se presume uma mera técnica jus-positiva,
feita por Gadamer. A grande crítica, no entanto, é ao poder do fundador da lei, feita por
Schmitt.

Foucault.

O francês Michel Foucault (1926-1984) é um dos mais relevantes pensadores


de toda a história da filosofia do direito. Sua relevância chega a ser tamanha que se pode
até mesmo dizer que há uma nova compreensão fenomênica do direito a partir de suas
ideias. O locus do direito é tomado, pela perspectiva de Foucault, a partir de um ângulo
totalmente novo.
O pensamento foucaultiano tem seu apogeu nas décadas de 1960, 1970 e
1980. Nesse período de maturidade intelectual, sua reflexão buscou compreender e
apontar os liames estruturais do poder e da dominação, nas suas múltiplas manifestações
sociais. De fato, a perquirição de Foucault se desenvolve em muitos temas: a loucura, a
sexualidade, a linguagem, a tortura, o direito. Em todos esses objetos de estudo, está
presente a orientação em busca do entendimento dos mecanismos do poder, dos modos
de estabelecimento e funcionamento das divisões, das opressões, das dominações.
É por essa razão que o pensamento de é de forte conteúdo crítico. Sua
perquirição não é a respeito da harmonia da sociedade, de seu funcionamento contratual,
mediante a concordância dos sujeitos. Pelo contrário, é a respeito dos instrumentos e
mecanismos da dominação, que estão nas grandes questões políticas e sociais, mas
também nos pequenos e quotidianos arranjos do poder, na família, no grupo social, na
vizinhança e na escola, por exemplo.

Arqueologia do saber e genealogia do poder.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Pode-se entrever uma paulatina evolução no pensamento de Michel Foucault,


a partir da qual se identificam dois grandes horizontes de estudo: a arqueologia do saber
e a genealogia do poder. São dois momentos complementares das suas ideias, ambos
diretamente associados ao desvendar e ao entendimento das técnicas, mecanismos e
estruturas do poder.
A arqueologia do saber é a fase das primeiras obras fundamentais de Foucault,
notadamente as da década de 1960. Nesse período, Foucault escreve importantes livros,
como A palavra e as coisas. A característica comum às obras desse período é uma espécie
de inventário dos saberes da dominação. A administração da loucura, a constituição da
normalidade sexual, todos esses são temas que demonstram o saber da dominação. Sua
constituição revela os mecanismos da segregação, da hierarquização, da rotulação do
normal, saudável, e do anormal, que deve ser reprimido. Pode-se dizer que, nesse grande
inventário dos saberes da dominação, Foucault esteja procedendo a uma vasta coleção,
uma classificação horizontal, desses saberes.
Já num segundo momento, que se revela de modo especial na década de 1970,
Michel Foucault desenvolve uma perscrutação da genealogia do saber. Nessa fase, em
obras como Vigiar e punir, Foucault lança-se à compreensão das estruturas do poder. Os
mecanismos, as técnicas, os modos de dominação, tudo isso se entrelaça em redes de
hierarquização. A estrutura de tais redes é o tema de Foucault nesse período. Ao lado da
vasta investigação dos saberes da dominação, na genealogia do poder Foucault dedica-se
a uma compreensão vertical desses poderes. É a fase mais importante de seu pensamento.
Para o direito, essas dois momentos do pensamento de Foucault são
extremamente enriquecedores. Na arqueologia do saber, trata-se de investigar, por
exemplo, em fenômenos como a loucura, como a segregação representa um inventário
das técnicas concretas da dominação jurídica. Já numa segunda fase, na genealogia do
poder, Foucault se volta a compreender o papel dessas técnicas de controle dentro das
estruturas do poder e da dominação.
Vigiar e punir, a grande obra de Foucault sobre as questões penais, se situa
nesse contexto. Nesse livro, Foucault entenderá que o direito não pode ser compreendido
dentro do campo das normas jurídicas estatais. A verdade do direito penal, por exemplo,
está muito mais nas práticas concretas do cárcere do que no Código Penal. Nesse
momento se revela, então, o brilhantismo metodológico de Foucault. Há uma nova trilha
para a compreensão do fenômeno jurídico, que, ao final, não se revelará mais o mesmo
do formalismo dos juristas positivistas.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Nos últimos livros de Foucault, seria possível vislumbrar, num momento


posterior à genealogia do poder, em paralelo com a sua crítica do poder que subjaz o
direito, uma espécie de valorização difusa do fenômeno jurídico como resistência à
submissão, ainda que de modo muito incipiente. Nas suas últimas pesquisas e obras,
sobressai em Foucault uma preocupação “ética”, resgatando a noção de prazer ao molde
dos gregos e clássicos, demandando uma apreciação positiva do espaço institucional, em
virtude de um cuidado em si.

A microfísica do poder.

Em um texto intitulado de Microfísica do Poder, Michel Foucault expõe,


sinteticamente, sua abordagem metodológica da questão do poder, e, por extensão, da
questão do direito. Nela, tais assuntos são tratados de uma forma muito distinta da
perspectiva até então defendida pelo autor. A partir dessa nova metodologia de Foucault,
o fenômeno jurídico tende a se relevar outro, diverso e maior que aquele formalmente
idealizado pelos juspositivistas.
Para Foucault, o direito é tido não mais como uma legitimidade formal cuja
soberania seja extraída da vontade da sociedade. O direito e o campo judiciário são
percebidos sob a perspectiva de suas relações de dominação e de suas técnicas de sujeição
polimorfas, isto é, que se valem de inúmeras formas de imposição. Confira-se:
Nos últimos anos, o meu projeto geral consistiu, no fundo, em inverter a
direção da análise do discurso do direito a partir da Idade Média. Procurei fazer o inverso:
fazer sobressair o fato da dominação no seu íntimo e em sua brutalidade e a partir daí
mostrar não só como o direito é, de modo geral, o instrumento dessa dominação – o que
é consenso – mas também como, até que ponto e sob que forma o direito (e quando digo
direito não penso simplesmente na lei, mas no conjunto de aparelhos, instituições e
regulamentos que aplicam o direito) põe em prática, veicula relações que não são relações
de soberania e sim de dominação. (…). O sistema do direito, o campo judiciário são canais
permanentes de relações de dominação e técnicas de sujeição polimorfas. O direito deve
ser visto como um procedimento de sujeição, que ele desencadeia, e não como uma
legitimidade a ser estabelecida. Para mim, o problema é evitar a questão – central para o
direito – da soberania e da obediência dos indivíduos que lhe são submetidos e fazer
aparecer em seu lugar o problema da dominação e da sujeição.

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Michel Foucault procura chamar a atenção para algumas precauções


metodológicas, novos passos para uma abordagem da questão do poder. Ao todo, são
cinco precauções metodológicas, as quais configuram uma síntese do estudo foucaultiana
a respeito do poder, do Estado e do direito.
Na primeira precaução metodológica, Foucault aborda o passo fundamental
que o conduz a postular uma compreensão da microfísica do poder. De acordo com essa
primeira precaução, o poder deve ser examinado pelos extremos, pela periferia, e não pelo
centro institucionalizado do fenômeno. Através disso, Foucault abandona totalmente o
método preconizado pelos juspositivistas e passa a defender que o poder se revela nas
últimas ramificações das relações sociais, e não na arena formas das normas jurídicas,
chamando a atenção para a microfísica do próprio poder.
Se para um jurista positivista, a concepção do direito penal está adstrita àquilo
que se encontra inserido dentro do campo institucionalizado, isto é, em suas perscrutações
teóricas, o Direito Penal é o que está contido no Código Penal, no Código de Processo
penal e na Lei de Execuções Penais, para Foucault a verdade do direito penal é o cárcere,
a prisão, o local no qual, na periferia das instituições, muito mais do que as garantias das
normas, falará a violência, a tortura, a segregação. Se pelas normas do direito, no curso
da execução penal, a tortura é proibida, a prática da microfísica revela, no entanto, que a
tortura é a própria verdade do direito.
Tal análise é primordial para a nova abordagem do direito que é proposta por
Michel Foucault, já que se trata de uma visão crítica e completamente distinta do
formalismo tradicional. De fato, a microfísica do poder lança luz sobre uma região do
fenômeno jurídico quase nunca explorada pelo pensamento jurídico. O direito sempre se
viu pelo centro institucional e nunca pela sua aplicação infinitesimal, periférica, na
prática.
Uma segunda preocupação metodológica, na trilha da microfísica, é a de que
o poder não deve ser compreendido a partir de sua intenção, isto é, a partir de uma
pretensa vontade genérica de suas instituições e de suas normas. O direito deve ser
compreendido a partir de suas práticas efetivas. No nível de sua concretude é que se
revela a verdade do direito e do poder.
Através dessa segunda precaução metodológica, Foucault insurge-se contra a
velha filosofia política – ainda arraigada no jurista positivista - que entende o Estado
como um ente legítimo para dominar porque o Estado teria por finalidade o bem comum.

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Essa visão das intenções declaradas ou pressupostas é o grande paradigma combatido por
Foucault, o qual defende que o poder é sua prática, e não seu discurso ou suas intenções.
A terceira precaução revela uma postulação filosófica e sociológica muito
importante para Foucault, o qual defenderá que o poder não constitui um fenômeno
binário, a partir do qual os indivíduos são ou não detentores totais ou seus submetidos
inexoravelmente, senão algo que se espraia pelos indivíduos, colocando-os, todos, na
condição de opressores e oprimidos.
Logo, em vez de uma relação binária, o poder se exerce em rede, de maneira
que é nas cadeias das relações de opressão que ele se manifesta. O poder não é algo que
uns detêm contra outros. Ele se implanta em estruturas sociais.
Nessa perspectiva, Foucault adverte que, muito embora quando analisado de
longe, o direito possa se apresentar como algo que alguns detêm contra outros, sobretudo
numa sociedade capitalista, cindida em classes, em que claramente se divisa uma maior
intensidade de dominação a partir das classes burguesas e, ao mesmo tempo, uma maior
concentração de opressão das classes proletárias, ao se analisá-lo de perto, nos seus
delineamentos microfísicos, o poder está estruturado em todas as relações sociais. Ele
está na relação entre o rico e o pobre, nas questões raciais, na questão do gênero, nas
relações sexuais, no controle da vizinhança, etc. O Poder se exerce, portanto, em rede.
Em sua quarta preocupação metodológica, Michel Foucault chama a atenção
para uma compreensão do poder que não seja formalista, dedutiva, mas que busque se
pautar pela especificidade dos fatos que se apresentam. O jurista, por meio de sua visão
de mundo positivista, procede a deduções. Imagina o juspositivista que, se as normas
constitucionais preveem regras democráticas, então o país é democrático. No entanto,
Foucault chama a atenção para o contrário. A especificidade das relações é que revelarão
o todo, e não uma dedução formal, feita de gabinete, das normas institucionalizadas.
A quinta preocupação metodológica fomentada por Foucault propõe uma
reflexão acerca do caráter do poder, isto é, se ele está necessariamente vinculado a
grandes visões de mundo. O poder, na perspectiva foucaultiana, não é ideológico. Ou seja,
a tortura, como saber-poder de dominação do carcereiro, não é uma prática capitalista, ou
socialista, ou antissemita, ou cristã ou árabe. Pelo contrário, o poder é mais e muito menos
que uma ideologia. Esses saberes têm uma rede de operacionalização e de continuidade
que são independentes em relação aos grandes estabelecimentos ideológicos. As
ideologias se aproveitam desse saber-poder para seus fins.

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A inversão metodológica sugerida por Foucault é responsável por um grande


deslocamento da filosofia do direito, na medida em que não mais se perquire o direito sob
o enfoque do seu centro formal, institucional, estatal, mas se busca compreender a
realidade do poder a partir da sua periferia. Fazendo um balanço de sua inovação
metodológica, Foucault conclui que:
“Em vez de orientar a pesquisa sobre o poder no sentido do edifício da
soberania, dos aparelhos de Estado e das ideologias que o acompanham, deve-se orientá-
la para a dominação, os operadores materiais, as formas de sujeição, os usos e as conexões
da sujeição pelos sistemas locais e os dispositivos estratégicos. É preciso estudar o poder
colocando-se fora do modelo do Leviatã, fora do campo delimitado pela soberania
jurídica e pela instituição estatal. É preciso estudá-lo a partir das técnicas e táticas de
dominação”.
Não sendo analisado pelas intenções, mas pelas práticas efetivas, o poder se
revela muito maior que o seu momento jurídico formal. Nas práticas das técnicas e táticas
de dominação, ou seja, no poder disciplinar, Foucault situa a experiência concreta das
redes de poder e da constituição do próprio sujeito contemporâneo.

O Poder Disciplinador.

Em sua obra de maior relevância jurídica, Vigiar e Punir, Foucault, após


realizar um inventário do suplício e da punição, trata a respeito de um dos temas mais
relevantes para a compreensão de uma esfera de poder que, por meio da norma jurídica
estatal, é invisível a olho nu. Cuida-se da disciplina.
Na sua concepção, o poder disciplinar é um dos pontos fulcrais para a correta
compreensão da dominação. A disciplina não é um suplício ou a pena do tribunal, que
são diretamente jurídicos, mas uma modalidade de exercício do poder que não está
associada ao plano institucional, meramente formal. Ela atinge os corpos, os gestos, em
suma, a própria constituição do sujeito, mediante mecanismos variados.
Foucault, debruçando-se sobre esses mecanismos de poder, que constituem o
próprio sujeito no sentido de sua conformação, descortina as tecnologias de que se vale a
disciplina. Em vigiar e Punir, encontram-se quatro ordens de ações disciplinadoras, cujas
concretizações se perfectibilizam a partir de três grandes instrumentais. Para constituir os
“corpos dóceis”, Foucault chama a atenção para a arte das distribuições, o controle da
atividade, a organização das gêneses e a composição das forças. Como recursos para o

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

“bom adestramento”, percebem-se a vigilância hierárquica, a sanção normalizadora e o


exame.
As distribuições constituem a primeira característica da disciplina. Trata-se,
em primeiro lugar, da distribuição dos indivíduos no espaço. Consubstancia-se na
clausura, na cerca, no encarceramento, como nos colégios e nos quartéis, nas fábricas. A
partir daí, perpetra-se o quadriculamento. Os indivíduos situam-se, nesses grandes
espaços, em locais específicos, como a cela. Posteriormente, aos espaços quadriculados
somam-se os complexos, como o local coletivo no qual os presos tomam banho de sol.
Ao fim, além do real, o espaço se torna ideal. No colégio, além da sala e da carteira, ou
no quartel, além dos espaços individuais, há a fila. A fileira organizada promove a noção
da hierarquia, que constituirá, em qualquer espaço onde esteja, uma multiplicidade
organizada.
O controle da atividade se promove por meio do horário, cuja exatidão na
aplicação se constitui em virtude fundamental da disciplina. Lado outro, com a
organização das gêneses, controla-se a entrada no espaço disciplinar, separando, por
exemplo, o recruta do veterano. A cada nível, erigem-se séries temporais específicas. Os
exercícios são tarefa marcante de cada etapa.
Por derradeiro, em relação ainda às funções disciplinadoras, há a composição
das forças. Os soldados, em uma guerra, devem ser compostos em regimentos, batalhões,
secções. Os corpos, por isso, tornam-se elementos articulados com outros, peças de uma
máquina multissegmentar. O tempo não é mais individualizado, é composto, combinado
e, para isso, exige um sistema preciso de comando, para uma plena obediência.
Além dessas funções, para que haja a disciplina três grandes instrumentos se
levantam, como recursos para o bom adestramento. O primeiro deles é a vigilância
hierárquica. Trata-se de um dispositivo disciplinar que obriga por meio do jogo de olhar.
A multiplicidade de “observatórios” garante um controle articulado e detalhado. O
acampamento militar, a disposição arquitetônica de uma fábrica, do banheiro de uma
escola ou de uma fábrica são exemplos desse recurso à vigilância hierárquica.
A sanção normalizadora se apresenta como outro recurso disciplinar.
Foucault dirá que todos os sistemas de disciplina funcionam como um pequeno
mecanismo penal. Nesses mecanismos, que parecem jurídico mas são menores, porque
imperceptíveis muitas vezes aos olhos da norma estatal, os desvios são reduzidos por
meio dos castigos.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

A punição, espraiada pelo nível desses pequenos mecanismos, funciona ao


molde de um sistema duplo, de gratificação-sanção. As recompensas dos professores aos
bons alunos é exatamente a marca reversa da segregação dos maus alunos. Assim sendo,
estabelece-se uma medição entre os indivíduos, quanto a suas capacidades, níveis,
naturezas. Estabelece-se, por meio da sanção, uma hierarquização. Trata-se do processo
chamado por Foucault de normalização. Esse pequeno mundo de sanções normalizadoras
é que, posteriormente, reinvestirá o aparelho jurídico penal estatal. Tomado pelo ângulo
formal do direito, no entanto, esse mundo microscópico da sanção normalizadora passa
por ignorado.
Além disso, o exame completa essa série de ferramentas da disciplina. Trata-
se de um controle, por meio da vigilância, que permite qualificar, classificar e punir. Ao
examinar, esquadrinha-se o examinado e, portanto, a relação de poder se constitui
enquanto conhecimento do subordinado. Na disciplina, o poder se esconde e os súditos
são vistos. A individualidade entra num campo documentário. Há arquivos, registros,
censos, sobre todas as pessoas. Os governantes controlam tais informações. Não apenas
os homens notáveis são dignos de registro. Todos os subordinados são examinados; cada
indivíduo é um caso. O exame é um dos instrumentos que, ao classificar e rotular,
constitui o indivíduo como tal e o põe como objeto do poder.
Para Michel Foucault, as disciplinas são uma forma de constituição do sujeito,
do seu corpo, do seu querer, de suas vontades, de sua autonomia, e seu controle não é
jurídico, no sentido de normativo estatal. Nem apenas é um infradireito, no sentido de ser
menor que o âmbito das instituições jurídicas estatais. Foucault chega a considerar as
disciplinas como uma espécie de contradireito.
Ao seu vezo, a compreensão do poder e do direito não se faz apenas num nível
quantitativamente inferior ao da norma jurídica estatal. Faz-se também num nível
transversal ou frontal, opondo ao direito um contradireito. Poder e direito, para Foucault,
nem são totalmente excludentes nem totalmente iguais. Nesse sentido, diz Ricardo
Marcelo Fonseca:
A “sociedade de normalização” é aquela que funciona não só pelas
disciplinas e pelo biopoder, mas também pelo direito que é invadido por elas e se torna o
seu veículo. […] Não necessariamente, mas muito frequentemente, o direito, como modo
de exercício de poder, está implicado com a disciplina ou com o biopoder. São como
círculos que se superpõem parcialmente (contendo uma área de interseção comum), mas
que ao mesmo tempo mantêm uma área invadida pelo outro. Como se nota, o direito não

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

é pura e simplesmente um instrumento racional e neutro de comando. Não é, tampouco,


a única forma de poder que incide permanentemente sobre os indivíduos – já que eles
estão, de modo intermitente, sujeitos (sujeitados) às estratégias disciplinares da
“sociedade disciplinar” que ainda nos cerca e às estratégias biopolíticas da “sociedade de
controle” que já se começa a entrever na nossa realidade social.

O sujeito e o biopoder

A disciplina não representa só um conjunto de repressões que cerceariam, a


partir de inúmeras limitações, o sujeito. Ao contrário, a disciplina não é uma faceta apenas
negativa do sujeito (?), mas também seu propositivo: trabalha no sentido de produzir o
sujeito, formando-o a partir de estímulos a ele mesmo. A disciplina em relação ao corpo
é um desses dados, que molda o corpo que se espera. Logo, para além de reprimido, o
corpo é constituído como tal. O sujeito, para Foucault, e formado a partir das disciplinas.
Não se deve imaginar que o sujeito fosse uma entidade cuja subjetividade a
priori é plena e, em contato com o poder, esta acaba se tornando limitada. O
procedimento, para Foucault, é justamente o contrário. O poder é que investe, constitui e
incita a formação do sujeito. O sujeito não é limitado pelo poder.
Dessa forma, é possível vislumbrar em Michel Foucault uma posição
filosófica altamente radical, com aproveitamentos críticos muito grandes. Para Foucault,
o sujeito não é mais considerado – como o foi para medievais, modernos e muitos
contemporâneos. Como um núcleo elementar a partir do qual se constroem as relações
sociais. As estruturas de poder, já consolidadas, formam, por uma incitação disciplinar, o
sujeito. Pode-se dizer, então, que, ao contrário de uma visão individualista e subjetivista,
Foucault se arma, filosoficamente, de uma perspectiva estrutural. As estruturas sociais
formam o sujeito, e não o contrário.
O próprio direito é um dos grandes instrumentos dessa constituição
disciplinar estrutural do sujeito. Para o direito, a visão de Foucault é crítica, na medida
em que não mais se vislumbra o fenômeno jurídico a partir da relação norma-sujeito,
como se o Estado e o indivíduo autônomo e pleno fossem os átomos fundamentais a partir
dos quais as combinações jurídicas se realizariam. É nas estruturas de poder que
constituem o sujeito – e que permeiam, mais por baixo e mais por alto, o próprio Estado
e as normas jurídicas – que se pode localizar a verdade do direito que o direito positivo
estatal não compreende.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O sujeito, sendo resultado não apenas de uma repressão externa a algo já dado
previamente, mas sendo constituído por mecanismos disciplinares que alcançam sua
modelagem, seus gestos, suas vontades, sua própria manifestação corporal e sexual,
revela portanto a característica do poder contemporâneo, um biopoder. Para Foucault, o
poder não pode ser pensado apenas como aparato formal, estatal, militar, pela força das
armas, do dinheiro ou da política. Ele alcança a vida, e por isso é um biopoder.
A grande importância de Foucault para a filosofia do direito é justamente a
sua nova compreensão fenomênica do poder, do Estado, das instituições e do direito.
Atravessados por redes de disciplinas, tais fenômenos não podem ser pensados apenas
como dados formais. O jurista, ao entender o direito a partir de Foucault, não se limita
mais ao mundo institucional oferecido pelas normas estatais. O direito é mais e menos
que isso, mas nunca só isso.

d) Filosofia do direito crítica.

Enquanto a filosofia do direito juspositivista vê nos limites do Estado uma


fonte de redução do fenômeno jurídico – reducionismo que gera regozijo para a maior
parte dos juristas conservadores – as filosofias do direito não juspositivistas ultrapassam
tais limites. O fenômeno jurídico será outro, tomado pela perspectiva de suas
manifestações sociais efetivas, concretas, existenciais. Porém, mesmo as filosofias não se
assentam na norma, e sim no poder, padecem do vício de uma compreensão genérica do
fenômeno jurídico, sem lastreá-lo profunda e especificamente no todo da história. Será
então o marxismo que fará a investigação mais profunda e crítica, de toda a filosofia
contemporânea, a respeito das origens e da manifestação do direito.
A compreensão do marxismo há de identificar, de forma profunda, os nexos
que vinculam o fenômeno jurídico moderno ao capitalismo. São as relações capitalistas
que dão especificidade ao direito tal qual este se apresenta nas sociedades
contemporâneas. A crítica marxista, assim sendo, será demolidora: não se contenta com
regiões parciais do fenômeno jurídico e social. Quererá alcançar a totalidade dessas
relações, e os tipos de vínculos específicos dessa totalidade. Amplo em termos de âmbito,
profundo em termos de estruturas.
Não abdica o marxismo – como o juspositivismo abdica quase que totalmente
– da ferramenta da história. É ela que revela o ser jurídico contemporâneo, suas
manifestações e seus limites. Além disso, se o juspositivismo é uma teoria de confirmação

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

do presente, e se o existencialismo jurídico é por excelência o reclame do originário, do


passado, o marxismo é a filosofia que reclama o futuro. A revolução, a transformação da
sociedade capitalista, o socialismo por vir são os limites apontados pelo pensamento
marxista. Por isso, vislumbram-se horizontes maiores na filosofia do direito marxista que
nas demais filosofias do direito contemporâneas.
O marxismo assume a condição de maior corrente de pensamento crítico da
contemporaneidade. São clássicas as palavras de Jean-Paul Sarte a afirmar ser o
Marxismo o maior horizonte filosófico dos tempos atuais:
Fica bem claro que as épocas de criação filosófica são raras. Entre os séculos
XVII e XX, vejo três que designarei por nomes célebres: existe o “momento” de Descartes
e de Locke, o de Kant e de Hegel e, por fim, o de Marx. Essas três filosofias tornam-se,
cada uma por sua vez, o húmus de todo o pensamento particular e o horizonte de toda a
cultura, elas são insuperáveis enquanto o momento histórico de que são a expressão não
tiver sido superado. Com frequência, tenho observado o seguinte: um argumento
“antimarxista” não passa do rejuvenescimento aparente de uma ideia pré-marxista. Uma
pretensa “superação” do marxismo limitar-se-á, na pior das hipóteses, a um retorno ao
pré-marxismo e, na melhor, à redescoberta de um pensamento já contido na filosofia que
se acreditou superar.
Em suas diversas vertentes do direito, o mais original pensador do marxismo
jurídico é o soviético Evgeni Pachukanis, que levou aos limites últimos o pensamento de
Marx, sem maculá-lo das abdicações contingenciais da política de seu tempo. É a partir
de Pachukanis que se pode medir a radicalidade e a plenitude dos demais filósofos do
direito marxistas. A originalidade de Pachukanis é aferida pela própria originalidade do
método de Marx, e nisso reside seu caráter de excepcionalidade filosófica para o direito,
sem ecletismos nem misturas.
Contudo, muitos outros pensadores ressaltam outras facetas complementares
no grande painel da filosofia crítica marxista para o direito, não trabalhadas pelo próprio
Pachukanis. Nesse sentido, a Escola de Frankfurt há de fazer grandes ligações do
problema jurídico com a questão da técnica e da psicanálise, por exemplo. O direito como
esfera de ideologia abre o campo para pensamentos como o de Antonio Gramsci ou de
Ernst Bloch, dentre outros. Ao mesmo tempo, as questões da tática política
revolucionária, e o papel do direito nesse contexto, fizeram a fama de obras como História
e consciência de classe, de Lukács, por exemplo. Como os pensadores marxistas do
direito não se especializam cada qual em uma temática, seus trabalhos cobrem todas as

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

problemáticas do direito de modo geral, e, por isso, é preciso desvendá-los num quadro
global.

A filosofia do direito do marxismo.

A filosofia do direito do marxismo constitui o ápice da reflexão jusfilosófica


contemporânea. Cuida-se da compreensão mais aprofundada a respeito do fenômeno
jurídico e do entendimento dos seus nexos estruturais a partir das relações sociais atuais.
Para o autor, a filosofia do direito do Marxismo é, em grande parcela, a
confirmação e a explicitação das abordagens gerais perpetradas pelo próprio Marx,
voltadas no caso, especificamente, à questão jurídica. Mas, em muitas questões, pode-se
dizer que o Marxismo jurídico criou horizontes referenciais próprios, em especial ao
proceder ao diálogo de Marx com outros pensamentos filosóficos e mesmo outros
horizontes concretos das relações sociais, políticas e jurídicas.
A filosofia do direito do Marxismo, assim sendo, estende-se por três grandes
eixos: a reflexão em torno da própria leitura de Marx acerca do Estado e do direito; o
diálogo do pensamento jusfilosófico marxista com outras correntes filosóficas; o
enfrentamento concreto de horizontes políticos, econômicos, sociais, culturais, jurídicos
e táticos dos tempos atuais. Justamente por isso, sempre há de se enxergar na filosofia do
direito marxista – e ao mesmo tempo- a questão de um entendimento do direito no texto
de Marx, a questão do diálogo e do posicionamento do jusmarxismo em relação às outras
tradições filosóficas e a questão do pensamento jurídico marxista acerca de temas
concretos e diretos como a democracia, o Estado capitalista, a transição ao socialismo, as
instituições, os direitos humanos, etc.
Dentre inúmeros e diversificados temas, alguns debates se impõem pela sua
relevância histórica na filosofia contemporânea e por serem marcos referenciais da
compreensão marxista sobre o direito e a sociedade.
O primeiro grande debate reside em torno da própria noção do que é o direito
para Marx e o marxismo, e sua intimidade ou distância com o fenômeno estatal e, ao
mesmo tempo, a intimidade ou distância de ambos com o próprio sistema capitalista.
Nesse sentido, levanta-se a grande corrente do debate soviético, que pioneiramente, a
partir da Revolução Russa, teve que tratar do fenômeno do direito estatal numa sociedade
que buscava romper com o capitalismo.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O segundo grande debate funda-se na questão dos meios revolucionários e do


papel do direito como combate no seio do próprio capitalismo e na transição ao
socialismo. Levanta-se daí, imediatamente, uma implicação do direito na realidade
política dos tempos presentes. O Estado intervencionista e desenvolvimentista, o
planejamento capitalista, a democracia, a hegemonia, a associação dos comunistas com
uma burguesia progressista, o liberalismo, são todas abordagens possíveis a partir dessa
vertente. O debate italiano, que começa por Gramsci, é seu maior exemplo.
O terceiro grande debate jurídico marxista diz respeito à fenomenologia do
direito num grau mais abstrato: trata-se da pergunta a respeito da razão técnica e da razão
crítica no direito e no jurista. É o debate por excelência da Escola de Frankfurt, que
inclusive, a partir daí, abre portas à relação do direito com a psicanálise.
O quarto grande debate gira em torno da questão metodológica da filosofia
marxista, o que leva, necessariamente, aos possíveis desenhos do fenômeno jurídico, e
também às abordagens epistemológicas do direito, do Estado e da ação política
revolucionária. Há de se vislumbrar, nesse debate, um grande diálogo do marxismo com
a tradição filosófica, seja de aproximação ou de total rejeição.
O quinto grande debate é a respeito de uma perspectiva do justo na filosofia
do direito marxista. Trata-se, até mesmo acima da reflexão sobre o que é o fenômeno
jurídico e sua relação com o capital, de uma abordagem acerca da avaliação filosófica
marxista da justiça. O apontamento para um justo crítico é a maior e mais importante
reflexão dessa que é a culminância da filosofia do direito marxista, que aponta, então,
para o futuro e o justo socialista.

Marxismo, direito e revolução.

O maior pensador do marxismo jurídico é quem capitaneou e marcou os


limites últimos da reflexão soviética: Evgeny Pachukanis. A filosofia do direito
pachukaniana é a mais importante da tradição jurídica marxista, e, certamente, a mais
original e próxima das ideias do próprio Marx. Na Revolução Russa, Pachukanis teve
logo de início uma grande proeminência. Foi um dos mais importantes juristas
revolucionários, tendo contribuído para os primeiros passos da destruição do sistema
czarista russo. No entanto, a partir do final da década de 1920, sua posição política e suas
ideias tornam-se francamente contrastantes em relação à alteração dos rumos

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

revolucionários promovida por Stalin. Após uma fase de contemporização de suas


próprias ideias, foi por fim assassinado, em 1937.
As ideias de Pachukanis sobre o direito são bastante próximas da leitura de O
capital de Marx. Assim sendo, representam uma abertura bastante radical e plena para as
propostas políticas revolucionárias, o que esteve em consonância com a etapa inicial da
Revolução Russa. No entanto, sua visão libertária e próxima de Marx restou minoritária
e estranha ao mundo stalinista, que se formou na década de 1920 e foi se tornando
majoritário a partir daí na União Soviética. Outros filósofos do direito, que apoiavam uma
espécie de socialismo de Estado, fizeram a graça do pensamento jurídico stalinista. Dada
a limitação dos filósofos de Estado soviéticos em relação ao pensamento de Pachukanis
em termos teóricos e políticos, entende-se o quão incômoda foi, no debate jurídico
soviético, a proeminência da filosofia do direito pachukaniana sobre as demais.
Mas o debate filosófico soviético a respeito do direito somente se torna claro
se se tomar em conta, a princípio, o grande referencial teórico e prático do pensamento
de Lênin. O líder da Revolução Soviética é o maior pensador das estratégias políticas
revolucionárias. Seu posicionamento sobre o direito é expressão direta de sua leitura de
Marx e das necessidades práticas que se apresentavam, ao seu tempo, à sua liderança
revolucionária.

Lênin.

Vladimir Ilitch Ulianov, o Lênin (1870-1924), é o mais importante pensador


político do Marxismo do século XX. Navegando contra a maré do senso comum do
movimento internacional do seu tempo, que dizia ser impossível, naquelas condições, o
início da luta revolucionária, Lênin, ainda que de maneira isolada, apostou na ação de
superação do capitalismo russo, em direção ao socialismo.
Sua principal obra é “O Estado e a Revolução -a doutrina do Marxismo sobre
o Estado e as tarefas do proletariado na Revolução”. Ela discorre sobre orientações gerais
para o Marxismo Revolucionário russo quanto à questão das instituições políticas e
jurídicas, perpassando de leva na questão do direito.
Lênin inicia sua obra apresentando uma leitura vulgar do marxismo que teria
localizado o Estado como um local neutro para a luta de classes, ou seja, um local sem
ligação necessária com alguma classe específica. Para esse seguimento, o Estado seria
um instrumental a serviço da classe que a dominasse, seja ela a burguesa ou a proletária.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O autor, baseando-se nos textos de Marx e Engels, se mostra contrário a essa posição,
pois acredita que o Estado seja uma instância de dominação política própria do
capitalismo. Portanto, a luta da classe trabalhadora não deve a tomada dessa instituição
política, mas sim, a sua superação libertando-se do seu caráter opressivo. “Somente com
o fim do Estado é que haverá abertura para a implementação do regime comunista”, “o
Estado é o instrumento de exploração de classe, e a libertação dessa exploração será
também o fim do Estado”.
Todavia, não nega o autor a necessidade de conquista do Estado; afinal,
entende ser necessário que a classe trabalhadora detenha o poder político e, para tanto,
exerça sua ditadura em relação à classe de exploradores por meio do aparato estatal. Mas,
se essa classe revolucionária quiser ir até o final do processo de emancipação do homem,
é necessário acabar com esta instituição e com todas as outras formas de exploração e
dominação, e não, apenas promover sua manutenção. Portanto, o Estado tem um caráter
transitório, estratégico na concepção de Lênin.
Partindo desse pressuposto, Lênin passa a tentar responder algumas questões
como: “pelo quê substituir a máquina do Estado quebrada, superada?”. Analisa a Comuna
de Paris como parâmetro a ser seguido, ou seja: quebra das instituições burguesas
(exército, Estado, etc...) e ascensão de uma democracia não mais liberal (que servia
apenas a uma minoria), e sim, proletária (realizada de forma completa e consequente de
modo a combater a exploração e dominação da classe burguesa que ainda resiste e dos
resquícios do próprio Estado). Para Lênin, é necessário destruir com a velha máquina
burocrática e construir algo novo de modo a acabar com o funcionalismo e a divisão entre
governantes e governados – mas isso é um processo, não algo imediato como propõe os
anarquistas.
Todo esse pensamento sobre a posição do Estado na conjuntura da luta de
classes repercutiu também na reflexão sobre o papel do direito. Muitos conservadores
diziam que o Estado era necessário na sociedade Socialista para cumprir um papel de
administrador, resolvendo o conflito cotidiano entre indivíduos – que nada teria a ver com
o conflito estrutural entre as classes. E, para isso, Lênin dava a resposta de que realmente
haveria conflitos entre indivíduos, excessos de determinadas pessoas, mas, para resolvê-
los, não seria necessário um aparelho especial de repressão, no caso, o Estado. O próprio
povo, emancipado e protagonista político, cumpriria com esse papel – como é o que
ocorre hoje quando alguém separa uma briga entre amigos, etc... Além disso, hoje se tem

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

uma série de conflitos individuais que derivam da exploração das massas e da miséria,
portanto, irão desaparecer com a sociedade socialista.
Mas o pensamento jurídico de Lênin vai além. Diz ele que, assim como o
Estado, o direito também é necessário para possibilitar o período de transição do sistema
capitalista para o comunista. Está claro aos revolucionários que o proletariado não vai
assumir imediatamente um nível de engajamento, consciência social e produtividade, de
modo a possibilitar a abolição dos mecanismos de controle do trabalho e da distribuição.
Isso porque o trabalhador foi forjado numa perspectiva capitalista, com valores e modo
de pensar do capital. Portanto, para se criar o novo homem de uma nova sociedade, é
necessário uma transição gerenciada. Aí que entra o direito.
O ordenamento jurídico teria o papel de conduzir esta transição, e o pontapé
inicial seria a proteção da propriedade comum, da igualdade e da liberdade do trabalhador.
Tudo o que fosse produzido faria parte de fundo público do proletariado e sua distribuição
seria pensada coletivamente seguindo a regra “come quem trabalha”, e não mais a regra
“come quem possui dinheiro”.
Essa participação popular, outorgada e regulada pelo direito, possibilitaria
que cada indivíduo administrasse autonomamente o bem comum, fazendo com que o
próprio direito caducasse. Além disso, o próprio entendimento do justo se refinaria não
mais se balizando apenas no trabalho como medida contábil para a distribuição, mas na
sofisticada rede de exigências da capacidade (de trabalhar) e de gozo das necessidades,
pois o povo compreenderia as desigualdades dos indivíduos.
No entanto, é necessário afirmar que, para Lênin, tal qual para Marx e Engels,
o Estado e o direito são instrumentos institucionais do capitalismo burguês e que,
portanto, precisam ser extintos para se construir o comunismo.

O direito em Lênin (não tem conteúdo).

Stutchka.

Uma das primeiras tentativas de teorizar uma filosofia do direito marxista –


chamada de psicologismo – se deu com alguns juristas russos. Eles acreditavam que pelo
fato dos operadores do direito serem oriundos da classe burguesa o direito seria,
consequentemente, instrumento burguês. Tal raciocínio pressupunha que, caso a lógica
do pensamento dos operadores do direito fosse a proletária, poderia haver um direito do

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

proletariado revertendo a ordem do direito a favor do capital. Essa corrente não


questionava propriamente a estrutura do direito – pessoa jurídica, sujeito de direito –,
apenas tratava de uma consciência do direito, algo vinculado a questão do papel da
ideologia dominante.
Essa visão foi ultrapassada por Stutchka, o primeiro grande pensador do
direito soviético. Para ele o direito é expressão direta da luta de classe; afinal, o sistema
jurídico é expressão das relações sociais da classe dominante e tutelado pela força
organizada dessa mesma classe. Isso faz do direito um fenômeno social – não algo puro,
meramente tecnicista, categoria eterna ou formal, ou advinda da cabeça do jurista –
passível de transformações de acordo com a luta de classe – baseado na dialética, nas
relações concretas, ou melhor, relações de produção, portanto, fenômeno complexo.
Para Stutchka, os mais importantes institutos do direito para a perpetuação do
capitalismo são: a propriedade privada, o contrato de compra e venda e o contrato de
trabalho.

Pachukanis.

Profundo mergulho e interpretação de “O Capital”.


Teoria Geral do Direito e Marxismo (1924): modo de apreensão do fenômeno
jurídico no capitalismo, compreendendo suas razões profundas e estruturais e
estabelecendo as relações lógicas necessárias quanto ao direito no socialismo.
Stutchka: direito é resultado da luta de classe (relações sociais e não
normativas) – conceito genérico somente válido quando se vê o direito de longe X
Pachukanis: é resultado da luta de classe sim, mas porque é esse o instrumental utilizado
para ratificar a posição da classe dominante e não outro? Poderíamos enxergar o direito
como enxergamos o exército, meios de comunicação, igreja?
Pachukanis: o direito é um fenômeno específico da realidade do capitalismo.
Isso já acaba com a generalidade de Stutchka. Ou seja, não é uma relação social genérica,
mas sim, específica – relação dos proprietários de mercadoria entre si.
Direito à circulação mercantil (sistema generalizado de trocas - capitalista).
Relação que equivale à forma (não, necessariamente, conteúdo) jurídica. O mesmo na
razão jurídica-mercantil. É na economia mercantil que nasce a forma jurídica abstrata do
direito – a capacidade geral de ser titular de direitos se separa das pretensões jurídicas
concretas.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Para Stutchka, o direito ainda possuía instituições neutras que poderiam ser
utilizadas na luta pelo socialismo. Mas, para Pachukanis, o direito está vinculado à
economia mercantil, portanto, se se quer acabar com o mercado, é necessário acabar com
o direito também.
É necessário que tal ciência tenha um caráter genérico – para haver uma
instituição estatal-jurídica para empreender o respaldo da relação entre contratantes
privados.
A forma jurídica não está no dever-ser, ou seja, no campo genérico da
normatividade, mas no ser, no mundo real. Além disso, ela não determina – é determinada
pela forma mercantil. Há um sobredeterminação, pois a esfera da circulação, que
determina a forma jurídica, é determina pela esfera de produção, ou seja, o específico
processo de organização capitalista do trabalho.
Roma – escravagismo – sistema de trocas primitivo – direito usado como
complemento. Hoje – capitalismo – sistema de trocas generalizado – formas jurídicas
generalizadas (escravidão incidental).
É o sistema mercantil que institucionaliza mecanismos jurídicos. Os sujeitos
comercializam livremente porque assim permitiu o direito, tornando-o um sujeito de
direito, com seus institutos: capacidade, competência, responsabilidade, dever, direito
subjetivo. Equivalência mercantil = igualdade jurídica dos homens que possuem
mercadorias.
O direito é um aparato necessário ao capitalismo, diferente da igreja e dos
meios de comunicação. É através do contrato que o sistema se apropria da força de
trabalho do assalariado – garantir lucros e bens (proteção da propriedade privada). Ele
não é um aparato a serviço da burguesia, é algo que está intimamente atrelado a lógica
capitalista.
A questão da propriedade. Já havia expropriação das terras antes do
capitalismo, mas isso só foi observado pela forma jurídica quando a propriedade privada
era necessária para manter a relação mercadoria – dinheiro – mercadoria.
Na sociedade burguesa, diferentemente das outras, a forma jurídica e sua
ideologia têm o papel de defender os interesses das classes dominantes através da defesa
de princípios abstratos da subjetividade jurídica. - a legalidade (sempre burguesa) surge
para mediar as relações comerciais entre sujeitos iguais e livres.
Diante do exposto, concluímos que, para Pachukanis, não existe um direito
socialista, pois esta sociedade visa superar as formas de produção e mercado do

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

capitalismo. Tal entendimento é fortemente perseguido por Stálin que buscava constituir
um capitalismo de Estado para, depois, proporcionar a transição para o socialismo.
Não se deve almejar socialismo através do direito, mas da política. O
socialismo acabará com o direito.

Marxismo, direito e política.

O capitalismo contemporâneo alicia massas trabalhadoras e exploradas para


que passem a assumir os valores de classes superiores como os delas. As classes
exploradas participam da vida política, jurídica e estatal, mas em graus que não consiga
abalar os próprios alicerces da exploração.
Na Itália o Partido Comunista esteve próximo de tomar o poder por vias
democráticas, algumas vezes. Antonio Gramsci é o mais importante e mais notável
filósofo.

Gramsci.

Hegemonia. Bloco histórico. Guerra de movimento e de posição. O partido.

Nascido em família pobre, com muita dificuldade consegue ingressar na


universidade, a qual não conclui por razão de necessidade, fome e doença. Sua formação
inicial veio da filosofia de Croce e Gentile, filósofos de inspiração hegeliana que
criticavam o mundo positivista e liberal do capitalismo europeu de forma idealista e
reacionária. Ainda adolescente Gramsci aproximou-se do marxismo. Morreu na prisão
por ser duramente perseguido devido ao seu envolvimento como um dos formadores do
Partido Comunista italiano. Sua grande obra foi uma série de notas intituladas
posteriormente como ‘Cadernos do cárcere’.
Nessa obra reúne a grande reflexão sobre política e filosofia, desenvolvendo
um conceito de hegemonia. A filosofia marxista já havia se valido desse conceito. Lênin
falava em hegemonia, num conceito próximo ao de ditadura do proletariado. Mas é
Gramsci quem aprofunda a análise do tema.
Para ele, a grande questão a ser respondida pelo marxismo era a da
compreensão das dificuldades revolucionárias. Os países ocidentais apresentavam muitos
obstáculos para fazer o povo explorado compreender a exploração e agir de maneira

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

transformadora. Há outros elementos que se somam à mecânica da exploração do trabalho


pelo capital. Há uma espécie de convencimento ideológico, feito pelas classes
subordinantes contra as subordinadas pelo qual estas passam a pensar conforme os valores
daquela.
Por isso, mesmo explorados, as classes subordinadas não se rebelam ou, se se
rebelam, não rompem com a mesma estrutura do mundo dos dominadores. Essa amplitude
ideológica da dominação é o conceito de hegemonia. Não é um conceito sistematizado
em seus escritos e pensamentos. É levado ao conceito de hegemonia pela necessidade da
prática política.
As revoluções se efetivam quando a classe dirigente deixa de ser tal, quando
sua hegemonia entra em crise. A exploração de classes se dá também pelo nível cultural.
Mas para que essa ideologia seja permeada por todas as classes, não basta apenas o
confronto e a imposição. É preciso uma espécie de aliciamento, de construção
compartilhada de senso comum. O consenso entre as classes é a forma de consolidação
da hegemonia dominante. O exercício normal da hegemonia caracteriza-se pela
combinação de força e do consenso.
Para existir hegemonia, vários elementos de força se agrupam: a religião, os
valores morais, a cultura, as artes, os meios de comunicação e a opinião pública, uma
certa diretriz política e também o direito, seja como instituição política concreta, seja
como ideologia do justo, da igualdade, da liberdade. O Estado que tem em seus
governantes a classe dominadora, tem no direito um elemento decisivo na busca pela
consolidação da hegemonia. O direito é, ao mesmo que repressão e negatividade do
Estado, também um elemento positivo de ‘premiação’ dos que se enquadram nos valores
hegemônicos. O direito é o aspecto repressivo e negativo de toda a atividade positiva de
educação cívica desenvolvida pelo Estado.
Gramsci destaca alguns fenômenos fundamentais à construção de
hegemonias, como o papel dos intelectuais e a estruturação econômico-produtiva de tipo
fordista-americano. Para ele, todos são intelectuais, ainda que em variados níveis ou graus
de capacidade, e muitos exercem, na sociedade, um papel de diretriz de posições, valores,
crenças e ideias.
Os intelectuais são prepostos do grupo dominante para o exercício das
funções subalternas da hegemonia social e do governo político, i.e., do consenso
“espontâneo” dados pelas grandes massas; do aparelho estatal que assegura “legalmente”
a disciplina dos grupos.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Octaviani, analisando o papel no conceito de hegemonia, demonstra que


Gramsci aponta até mesmo para os livros e publicações jurídicas. A preocupação de
Gramsci com essas publicações (ex. revistas especializadas em direito) demonstra sua
atenção ao fato de que o ordenamento jurídico está protegido não meramente pela força,
mas por sua capacidade de circulação e aceitação na sociedade civil.
A dicotomia entre Ocidente e Oriente m Gramsci não remete a uma questão
meramente geográfica, mas, acima de tudo, a uma questão histórica. Por Oriente se
compreende a situação histórica dos países nos quais a sociedade civil é pouco
desenvolvida, e o Estado tem um papel preponderante. Já nos países Ocidentais, a
sociedade civil tem um papel bastante desenvolvido. Assim sendo, ao lado da repressão
estatal, no Ocidente há mais um papel em jogo: o da questão da hegemonia. Por essa
razão, Gramsci que no Ocidente a luta do proletariado deve desenvolver-se de outros
modos, conquistando a hegemonia da sociedade antes de dominar o Estado.
A divisão entre Oriente e Ocidente conduz, imediatamente, à mais importante
distinção de filosofia política em torno de seu conceito de hegemonia: a relação entre
sociedade política e sociedade civil. A sociedade política está localizada no âmbito e nas
funções do Estado. A repressão e a garantia da força são seus atributos mais evidentes.
Para a sociedade civil, as armas mais importantes não são as repressivas, mas, mais
importante, é o consenso, a persuasão, para estabelecer a hegemonia. Em sociedades
capitalistas mais avançadas, a sociedade civil desenvolve, além de uma função específica
de hegemonia, também aparatos autônomos de sustentação.
O direito tem um papel primordial na repressão, na ação política estatal. Mas
também um papel ideológico, e, em tal prisma, insere-se no campo da sociedade civil. A
junção de sociedade política e de sociedade civil consiste no Estado ampliado.
Para Gramsci, a compreensão da hegemonia como espaço e luta envolve o
direito. A concepção de direito deve ser ampliada para além de seu costumeiro uso
técnico, juspositivista, repressivo – deverá ser libertada de todo resíduo de transcendência
e de absoluto, praticamente de todo fanatismo moralista. Para ele, as mazelas e arranjos
de consenso social do direito são muito maiores do que seu próprio núcleo estruturante
de opressão. A resistência e a contra-hegemonia, então, demandam do direito mais do que
simplesmente um mero ato de expedir leis.
A estrutura e as superestruturas formam um “bloco histórico”, isto é, o
conjunto complexo e contraditório das superestruturas é o reflexo do conjunto das
relações sociais de produção. Gramsci é um teórico que volta seu olhar para o todo social,

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

e não um espaço apartado da economia. Segundo ele, a guerra de movimento é aquela


que ataca frontalmente, e de modo direto e definitivo, as posições em jogo. Na
comparação Ocidente e Oriente, a sociedades orientais terão a revolução a partir do ataque
frontal ao Estado. Nas sociedades ditas ocidentais, a guerra de movimento não logra
grandes efeitos. Considera que, para estas, a estratégia revolucionária de sucesso é a
guerra de oposições.
O filósofo diz que o partido político revolucionário, comunista, é o “moderno
Príncipe”, em comparação com a nomenclatura de Maquiavel. O partido comunista tem
a função de forjar emancipação hegemônica dos explorados em luta. Em seu pensamento,
deve haver no Ocidente uma concepção de revolução enquanto processo, um movimento
contínuo de tomada de poder estatal e de consolidação de uma nova hegemonia.
No processo de revolução, nas quais as complexidades das relações de
produção e do nível ideológico demandam uma guerra de oposições, a questão do
combate no/ao direito ganha relevo. Os explorados a princípio não se percebem desiguais
por conta também da ideologia jurídica da igualdade formal.

A filosofia do direito marxista italiana.

A filosofia marxista, pós II GM, floresceu bastante na Itália. Como causas


desse florescimento, destaca-se:
(i) possibilidade de o comunismo ascender ao poder não por uma revolução,
mas pela via democrática.
(ii) o pensamento gramsciano;
(iii) o pensamento de Galvano Della Volpe, que buscava separar o
pensamento de Marx das possíveis injunções hegelianas, ao contrário de todos os demais
leitores de Marx. O principal de Volpe é entender que ele admitia a legalidade no
socialismo como uma situação de transição entre o Estado burguês e a ausência de Estado
com o comunismo. Assim: liberdades burguesas → reação socialista ainda com o
prolongamento da superestrutura do Estado → alcance da igualdade entre proletários e
extinção do Estado no comunismo.
(iv) o pensamento de Umberto Cerroni, preocupou-se em garantir a ascensão
do socialismo de forma democrática. Para tanto, reconheceu a importância do elemento
político em detrimento do econômico, de modo a fortalecer as garantias jurídicas.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Norberto Bobbio, de pensamento liberal, lança a acusação de que o


pensamento político e jurídico marxista não possuía uma visão própria para tratar da
questão do Estado. Para Bobbio, inexistia uma teoria política marxista. Em contraposição
a ele, o debate italiano caminhou-se à consideração de que os clássicos do marxismo
previam a revolução rápida, como no caso soviético, mas ao capitalismo contemporâneo
a estratégia socialista se impunha a partir de um longo processo de transição.
Resumindo: debate entre revolução x longo processo de transformação,
respeitando-se categorias jurídicas existentes.
Em síntese, todos esses pensadores (Gramsci, Della Volpe,Bobbio) tentam
repensar o marxismo sob o aspecto político, conferindo-lhe um viés de “socialismo
democrático”.
O debate italiano sobre a teoria política marxista esteve sempre no contexto
da aceitação ou não dos princípios burgueses. Ficou com Pachukanis a representação dos
contornos dos limites mais amplos e vastos – revolucionários – do marxismo jurídico.

Marxismo, direito e técnica.

A relação entre marxismo e direito não se limita (i) à preocupação do papel


do direito na revolução e transição ao socialismo; (ii) à manifestação do direito nas
estruturas econômicas, políticas e nas demais instituições. O Direito é importante ainda,
sob o olhar do marxismo, por sua relação com diversas manifestações sociais, dentre as
quais quanto à sua técnica na sociedade contemporânea, o que foi objeto de estudo da
Escola de Frankfurt.

A Escola de Frankfurt.

Grupo de estudiosos, década de 1930, ligados à Universidade de Frankfurt.


Sua produção ligada ao direito foi, em regra, indireta (isto é, Direito como uma das
manifestações de um grande painel a razão contemporânea, repressora e injusta).
Contudo, dois estudiosos analisaram o direito diretamente:
• Franz Neumann: a partir da observância da organização do Direito pelo
nazismo, conclui que o Direito pode exercer ora função de resistência ora de
emancipação. Pela ação operária no parlamento e inclusão de direitos sociais, o Direito
poderia adquirir caráter emancipatório.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

• Otto Kirchheimer: mais radical, não considerava positiva a Constituição


de Weimar porque ela significava conformação de interesses, quando o caminho era
mesmo a revolução. Analisa o direito penal e afirma ser ele decorrência muito mais de
causas socioeconômicas, isto é, da necessidade de o capitalismo criar estrutura para
manter exploração de classes.
As demais contribuições da Escola vieram, como dito, indiretamente ao
Direito, a partir de estudos que mesclavam a psicanálise de Freud e o marxismo. São três
os principais pontos trazidos pela Escola de Frankfurt:
(i) junção marxismo e psicanálise
(ii) crítica à razão contemporânea e à técnica, vistas como formas de
dominação.

Razão técnica e razão crítica.

Enquanto o discurso moderno via na razão a forma de emancipação da


humanidade, a Escola de Frankfurt identifica no capitalismo a razão instrumental ou
razão técnica, que é aquela que serve de meio para justificar os fins capitalistas. “A lógica
contabilista, mercantil, se esparrama por todos os setores da vida social, quase que
sufocando a possibilidade de entendimento e ação em sentido libertário.”
Ou seja, o capitalismo se vale de uma técnica racional que não é bem
compreendida, que aliena e subordina. A razão que acabou por levar o capitalismo às duas
grandes guerras.
Como contraponto à razão instrumental e técnica, sobrevém com Marx a
razão crítica, que não é aquela alienada e parcial, mas sim totalizante, que vê os
fenômenos sociais de maneira dialética, dinâmica. Ela não se limita à reprodução, mas
busca compreender o todo e propor superações.
Para a Escola de Frankfurt, a tarefa da razão crítica é ir a fundo na
compreensão do direito como engrenagem do todo da exploração da sociedade capitalista,
desmascarando sua falsa justiça. E o formalismo da filosófica do direito juspositivista
seria exemplo dessa razão técnica/instrumental.

Marxismo e psicanálise.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

A Escola de Frankfurt procede, pela primeira vez, à junção de marxismo e


psicanálise. O marxismo, como o mais impactante pensamento social, somado ao
freudismo, a mais relevante interpretação do indivíduo, propicia uma grande
originalidade filosófica. Freud é a referência da Escola. Não é fácil essa junção, já que
Freud foca no indivíduo e o marxismo, na sociedade, mas a Escola buscou fazê-lo.
Essa relação não se fez, porém, de forma unívoca entre os estudiosos da
Escola, havendo duas grandes linhas de relação entre marxismo e psicanálise:
1) Reich e Fromm entendiam que “Ao incorporar os insights da psicanálise,
a sociologia atinge um nível superior e consegue compreender muito melhor a realidade
porque, finalmente, compreende a natureza da estrutura do homem”. Além disso, “A
autoridade, a lei, o direito e o Estado não somente se revelam como instâncias de
imposição e dominação sobre os indivíduos como também revelam a própria estrutura
psicológica da sociedade. Reprimidos, os indivíduos se submetem à autoridade, matando
a si próprios, aos seus desejos e sua plenitude, em favor do agrado ao pai, ao governante,
ao religioso, ao Estado”. Concluem a partir da estrutura psicanalítica do indivíduo que
mesmo aquelas pessoas amorosos podem romper barreiras estruturais da exploração
social.
2) Marcuse, ao revés, entende simplista as conclusões de Reich e Fromm.
Entendia, junto com Adorno, que o ser humano é muito complexo, dando atenção às
dificuldades para a libertação e revolução. Marcuse propõe a análise filosófica dos
estudos de Freud, buscando entender (i) a origem do indivíduo reprimido e (ii) o
entendimento sobre a origem da civilização repressiva. Ele via intrínseca relação entre a
estrutura psicológica do indivíduo e a sociedade em que se inseria.
Para Freud, a civilização é a conjunção do prazer, instintivos a todo ser,
contra a realidade, que se pauta na impossibilidade de todos gozarem de prazeres
absolutos, pois isso implicaria afronta a prazeres alheios. Nesse embate criam-se
renúncias, barreiras, e a sociedade é equilibrada nessa dosagem entre o princípio do prazer
e o da realidade.
E, para Freud, esse balanço é formado com grande participação do
inconsciente: “Ao contrário das visões que imaginam o sujeito racional como responsável
pleno por si próprio, suas vontades, inclinações e desejos, Freud aponta para uma ampla
zona de nosso caráter que está relativamente alheia à razão: o inconsciente”.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O inconsciente se divide em duas instâncias: Id e superego. Id é responsável


pelos impulsos do prazer, ao passo que superego é responsável pela repressão. O Ego é o
consciente, a quem compete pouco na escolha entre prazer e repressão, para Freud.
Marcuse adota as ideias, mas de maneira crítica. Ele entende que a escolha do
homem entre prazer e repressão é influenciada pelo mundo em que inserido, que é
estruturalmente doente por causa de dois obstáculos intrínsecos à lógica capitalista, quais
sejam:
(i) princípio do desempenho → lógica capitalista faz com que homem não
viva sua própria vida, mas só desempenhe funções preestabelecidas. Trabalham em
alienação, a libido é desviada para o que é socialmente útil, o prazer fica reprimido.
(ii) mais-repressão → é o excesso de repressão decorrente da construção
história fundada na estrutura capitalista. Se há sempre o jogo entre prazer x realidade, o
capitalismo traz um excesso ínsito às necessidades de manutenção de sua estrutura.
O Direito, no pensamento de Marcuse, é ferramenta de repressão social.
Seus institutos trazem repressões à propriedade, vontades, desejos, gestos.
Faz interessante relação entre a dominação pelo direito de forma individual e
difusa: o indivíduo já nasce em uma estrutura familiar em que há repressão e o direito a
legitima e conserva, porque os papeis se inverterão, e o filho que é reprimido um dia
reprimirá como pai. Porém, no capitalismo avançado, o papel do pai como bloqueador de
desejos se transfere para um papel social de pai como ocupante de uma posição de
trabalho impessoal. Ao se revoltar, o filho não tem a figura pessoal do pai como
destinatário. A revolta é impessoal, e, por isso, difusa. “O sistema jurídico, que
anteriormente parecia ser uma armadura da pessoalidade do poder do pai contra o filho,
agora é um conjunto técnico difuso, sem um polo de opressão claro a ser identificado”.

Marxismo, direito e método.

Dentro da vertente marxista houve diferentes compreensões do tipo de


vínculo entre direito e capitalismo.
• Economicismo (auge do stalinismo) → leitura rasa desse vínculo.
Valorizava muito as forças produtivas (riqueza material, nível de desenvolvimento
tecnológico), mais do que as relações de produção. Entendia que as contradições
econômicas eram responsáveis pela luta de classes, que se desenvolveriam naturalmente

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

ao caminho da revolução. O Direito aqui era simples superestrutura das relações


econômicas capitalistas.
• Marxismo no século XX → redimensionamento da relação do direito com
a totalidade das relações socais. Esse redimensionamento foi feito principalmente por
Lukács e Althusser

Lukács.

Escreve na década de 1920, contribuindo de forma decisiva para a filosofia


marxista, principalmente com a obra História e consciência de classe, que reafirma o
caráter filosófico do marxismo: o que o diferencia não é o objeto de estudo (o capital),
porque isso já foi muito estudado. O que diferencia o marxismo é o método, qual seja, o
ponto de vista da totalidade.
E isso porque na Idade Moderna dividiu-se razão e realidade. Na Idade
Contemporânea, dividiram-se as realidades, compartimentalizando conhecimentos, ao
passo que o marxismo vem com a proposta de totalidade, viabilizando entender a
contradição real na sociedade.
Essa visão totalizante vem da luta do proletariado, sob dois vieses: “somente
em determinadas condições concretas da totalidade capitalista foi possível que se
constituísse o proletariado como classe; ao mesmo tempo, somente a partir de um alto
nível de seu próprio entendimento político de mundo é que é possível ao proletariado o
desvendar da própria totalidade na qual se situa, vislumbrando a partir daí as
possibilidades concretas de sua superação”.
Lukács toma consciência de que a mercadoria é o principal fator do
capitalismo, pois ela ganha relevância em detrimento da relevância do homem dotado de
capacidades e necessidades. Marx chama de fetichismo essa relação entre mercadorias
que acaba por esconder as concretas relações que subjazem.
Ao lado do fetichismo vem a reificação, que é o tratar do homem como
também fosse mercadoria. Tudo fica objetivável, sem espaço mais para razões morais,
psicológicas ou subjetivas. “A forma mercantil se estende por todas as relações sociais
capitalistas”.
O Direito, para ele, é exemplo de reificação. No capitalismo abandona-se o
irracional e o que é subjetivo a fim de objetivar o direito, tornando-o um sistema racional.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

E o Direito passa a alterar-se no dinamismo do capitalismo, para atender suas


necessidades.
A reificação do Direito é exemplificada por Lukács a partir do pensamento
jurídico dominante à época: Escola Histórica e Kelsen. Pretende-se uma universalidade
da forma do direito, tornando os procedimentos jurídicos técnicos e racionalizáveis,
fazendo parecer com que o surgimento do direito fosse um mistério. O mesmo para ele
acontece na política, em que o Estado se distancia do monarca, da divindade, ganhando
uma acepção abstrata e mítica.
E conclui Lukács que quando a transformação pelo direito, baseada na
legalidade ou na ilegalidade, estará refém ainda da estrutura burguesa. A ilegalidade é
uma escolha ruim porque reconhece o que é legal. E a causa por que a legalidade é
referência se dá pelo fato de que a dominação está além do campo econômico ou físico:
está na dominação ideológica. Por isso que o ponto alto da transformação está na alteração
da consciência de classe, que precisa se libertar das amarras ideológicas impostas.
Por isso, a ideologia jurídica, para Lukács, precisa ser enterrada: “dirá
Lukács, uma das mais importantes tarefas revolucionárias é tornar a ideologia jurídica
morta, sabendo que tal ideologia persistirá mesmo após a tomada do poder pelo
proletariado e poderá ser perigosamente rediviva, como referência à própria
administração posterior da revolução, o que seria uma vitória derradeira da burguesia no
seio da classe trabalhadora”.
Somente o abandono da referência da legalidade permitirá a revolução, daí a
ideia de totalidade, que é representada pelos partidos. Estes eram a vanguarda do
movimento revolucionário, quem conduziria o proletariado à ideologia da totalidade.
“Assim sendo, tal como a questão da ideologia da legalidade é um dos
problemas mais relevantes do pensamento de Lukács no que tange ao direito, no que tange
à política, os variados estágios da consciência de classe e a sua liderança por meio da
vanguarda do partido é o quadrante filosófico mais relevante a fazer a relação do todo
social com a sua própria revolucionarização.”
Na última fase de sua produção, Lukács escreve A ontologia do ser social.
Ele resgata a ontologia, o mundo do ser, abandonando a influência hegeliana anterior,
associando-se mais ao pensamento de Heidegger, Hartmann e Bloch.
E na sua ontologia, o ser não é estático. O ser é social e o trabalho é
fundamental para a sociabilidade. A sociedade é marcada por um conjunto de plexos:
trabalho, política, direito. E o complexo jurídico é composto não só pela estrutura técnica

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

desenvolvida pelo capitalismo, mas também por um corpo de especialistas que se põem
relativamente à parte das demais classes. Isso dá um caráter de distanciamento ao direito,
o que dificulta identificá-lo como instância de manutenção da própria reprodução
capitalista. O direito se vende como imparcial e técnico, mas não deixa de ser outra coisa
que não a própria institucionalização da reprodução econômica capitalista.

Althusser.

É uma leitura marxista distinta da tradição estabelecida, porque propõe


afastamento radical das ideias de Marx e de Hegel.
Inicialmente, Althusser posicionava o marxismo como mais uma forma de
ver o mundo, como uma ciência. À filosofia caberia, então, ou conferir-lhe um caráter
racional e lógico, ou retirar-lhe o que há de ideológico. Propõe a leitura da obra de Marx
de forma não linear, propõe um corte epistemológico, apreendendo a evolução dela e
separando-a da parte influenciada por Hegel do que é genuinamente novo. Ainda que
jovem Marx fora influenciado por Hegel, na maturidade os traços já são bem distintos.
Assim, o corte se dá entre a juventude e maturidade, o que já Della Volpe procurara fazer,
mas com cortes distintos.
Assim, para Althusser, na segunda parte de seu pensamento Marx rompe com
o humanismo. O humanismo pós guerra seria uma espécie de concórdia que impede as
classes exploradas de empreenderem a transformação material no mundo capitalista.
Althusser disserta ainda sobre as diferenças entre a dialética de Hegel e de
Marx. Enquanto Hegel afirmava que da síntese x antítese surgia uma superação, alguns
diziam que Marx apenas inverteu isso, e partiu da realidade e não da razão. Mas, para
Althusser, não foi bem isso, a dialética de Marx implicava a ruptura, e não superação, o
que também foi identificado, segundo Althusser, por Mao Tse-Tung.
Althusser propõe o refinamento da compreensão dos conflitos sociais, pois
não é a simples relação infraestrutura econômica que gera as demais superestruturas
política, social, jurídica, ideológica, cultural. Althusser entender ser essa uma visão
simplista de Marx.
Propõe, então, conceitos de determinação e sobredeterminação: “Há sempre
na realidade histórica e social uma determinação econômica (determinação em última
instância) e uma sobredeterminação (determinação imediata). Daí, a determinação
econômica se apresenta, sempre, também com uma sobredeterminação: toda sociedade é

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

determinada pelo nível econômico, mas tal nível econômico não preside,
necessariamente, o imediato da vida social. A economia determina de modo último a
lógica social, mas, em cada modo de produção, uma sobredeterminação econômica,
política ou ideológica pode se fazer presente”.
E, sob esse aspecto, a totalidade de Marx é vista por Althusser como uma
unidade que se consolida por conta das estruturas capitalistas, que presidem,
infraestruturalmente, as demais relações sociais. “Mas a totalidade não é apenas uma
soma lógica de todas as relações sociais, como se todo um conteúdo, indistintamente,
fosse jogado no mesmo continente. Os específicos fenômenos sociais têm uma formação
própria, e a sua reunião, sob determinadas condições, constitui então esse todo”.
“A discussão althusseriana a respeito da totalidade tem implicações
necessárias para o campo do direito. O direito não é uma instância neutra que se adapta a
cada totalidade de maneira indistinta. Isto é, o fenômeno jurídico não é a mesma coisa em
todos os tempos, apenas adaptando-se ora ao feudalismo, ora ao capitalismo, ora ao
socialismo. Pelo contrário, o direito é uma manifestação histórica específica, do
capitalismo, porque engendra determinadas relações que são necessárias a esse modo de
produção, e só a ele. Só por isso, então, o direito é pensado como fenômeno a se esgotar,
por conta das concretas relações sociais que necessariamente o excluem e dele não
carecem no quadro de uma nova articulação social, e não apenas porque,
escatologicamente, não lhe competiria teoricamente um papel sob o socialismo. O juízo
sobre o direito no capitalismo e no socialismo não é sobre bondade, justiça ou sua beleza,
mas sim sobre seu específico funcionamento estrutural no capitalismo. No que tange à
relação do direito com o todo, tanto sob uma leitura dialética marxistahegeliana quanto
sob uma leitura althusseriana, o direito é ligado umbilicalmente às relações mercantis
capitalistas. A diferença é no que tange ao tipo de ligação. Na primeira leitura, é pelo
sentido do todo que o direito apresenta sua pertença ao capital. Na segunda leitura,
althusseriana, isso se deve não por algum sentido anunciado, mas por relações estruturais,
no seio da concretude das formações sociais.”
Ao lado de suas noções sobre totalidade, o estudo do seu conceito de
ideologia é importante para o direito.
A ideologia não é uma fantasia descartável, mas um item decisivo para a vida
social. Ela é um dado estabelecido estruturalmente na sociedade, a partir de sua
reprodução. Ela não é distorção da realidade, mas verdadeira parte dela, estrutura de
pensamento da realidade.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Com isso, ele se aproxima de Foucault e sua microfísica do poder. Porém para
Foucault o estudo se deu pela rede de relações genéricas, enquanto Althusser analisa
práticas ideológicas específicas. A ideologia faz o sujeito, não é uma escolha, é parte da
estrutura social em que o sujeito se insere. Ela é um inconsciente, valendo-se aqui também
da psicanálise.
No capitalismo, a ideologia é a da classe dominante, a burguesia. E, para
Althusser, o direito assume especial relevância pelo conceito de sujeito de direito. “O
indivíduo se entende como subjetividade autônoma, à qual correspondem direitos e
deveres, e, por meio de tal visão, submete-se à máquina de reprodução mercantil infinda
do capitalismo, vendendo-se como força de trabalho assalariado indistinta ao mercado,
mas sem perceber de imediato sua exploração: de início, sua constituição ideológica
identifica, nos elementos que o levam ao mercado para ter seu trabalho vendido, a sua
liberdade e a sua autonomia da vontade. A armação da subjetividade jurídica se dá,
exatamente, na base da circulação mercantil, fazendo com que a ideologia seja um
processo que interpela e constitui o sujeito, necessariamente, como sujeito de direito. A
subjetividade jurídica é o segredo da própria subjetividade no capitalismo. A ideologia
jurídica é o coração da própria ideologia”.
Althusser faz distinção entre poder do Estado e aparelho do Estado para dizer
que não porque a classe operária chegará ao poder do Estado que haverá extinção do
aparelho de Estado. E divide os aparelhos entre repressivos e ideológicos.
“O aparelho repressivo de Estado é a própria função clássica identificada no
exército, nas polícias, na violência monopolizada, na autoridade e hierarquia formais.
Mas há uma instância fundamental da vida social que não se limita a esse aparelho
repressivo. Trata-se da instância dos aparelhos ideológicos de Estado. Tais aparelhos se
esparramam por regiões não diretamente localizadas no corpo administrativo e repressivo
estatal, mas mesmo assim ligadas funcionalmente a esse complexo dos aparelhos de
Estado. O próprio Althusser identifica os aparelhos ideológicos de Estado: religioso,
escolar, familiar, jurídico, político (o sistema político, os diferentes partidos), sindical, de
informação (a imprensa, o rádio, a televisão etc.), cultural (letras, belas-artes, esportes
etc.). Em tal classificação, Althusser ressalta que o direito, peculiarmente, pertence ao
mesmo tempo ao aparelho repressivo de Estado e aos aparelhos ideológicos de Estado.

Marxismo, direito e justo.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

“O marxismo é o horizonte mais avançado e profundo sobre a compreensão


do direito, na medida em que não se limita à mera manifestação imediata das normas
jurídicas estatais, nem faz uma constatação genérica do fenômeno jurídico atrelado ao
poder, mas se põe a estudar, histórica e estruturalmente, as relações do direito com o todo
econômico-social. Além disso, também numa outra vertente o marxismo se posiciona de
modo vanguardeiro em relação às questões jusfilosóficas. A questão da justiça se destaca
como uma preocupação dos pensadores do direito marxistas. As apreciações sobre o justo,
como manifestações históricas, servem de referência das posições concretas do direito e
do jurista na atualidade.”.
Se na tradição pré-contemporânea o justo estava ligado a elementos
metafísicos, e se no juspositivismo o que importa é a correta aplicação da norma, em
Marx a justiça envolve reflexão sobre o quadro geral das estruturas sociais. Por isso o
justo não é fixo, é variável historicamente. Cada estrutura histórica chamará de justo o
que conferir funcionamento à sua engrenagem.
A inovação de Marx está em pensar no futuro, e, na comparação deste com o
presente, conseguir demonstrar o capitalismo como um injusto. Ernst Bloch é o marxista
que vai mais longe nessa reflexão sobre o futuro, o justo e o socialismo.

Bloch.

O tema da utopia é essencial em sua reflexão. Ele separa o socialismo


científico do utópico, e diz que nesta atrelou-se a ideia de algo fantasioso, a utopia
abstrata. Para ele, porém, prevalece o conceito de utopia concreta.
O que nos faz buscar a utopia é a carência. A ausência nos faz querer buscar,
sonhar com o futuro, ter esperanças. A utopia é posicionada no nível dos sonhos diurnos,
que difere do sonho noturno desenvolvido por Freud como manifestação do inconsciente.
E o sonho noturno não é individual e subjetivo, existindo ainda a ontologia
do ser-ainda-não: o homem vive o ser mas não deixa de considerar as possibilidades do
ser-ainda-não. Ele propõe uma tábua de possibilidades em 4 níveis:
- possível puramente formal: nível lógico abstrato, inexistência de
impedimentos lógicos.
- possível subjetivo: objetivo factual ou provável, os fatos se apresentam ao
sujeito, mas sem conhecimento das estruturas, de modo que o possível passa a ser
meramente subjetivo.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

- possível objetivo: as possibilidades se mostram nos próprios objetos


específicos, mas não encontra apelo nas vontades subjetivas que lhe façam potencializar
o ato.
- possível dialético: se abre para a compreensão de seus concretos
mecanismos e das possibilidades dos agentes transformadores.
A utopia concreta se funda na possibilidade. O ser não é pleno, pode ser como
possibilidade real do amanhã.
E desse inventário sobre utopias Bloch nos revela questões sobre o direito e
o justo. Para ele, o conceito de justo está na inexistência de exploração ou opressão. A
utopia de uma sociedade melhor é o norte do socialismo, que se posiciona como caminho
para a felicidade. Essa é a utopia social, ao passo que a utopia jurídica seria a dignidade,
em combate à miséria.
A ontologia jurídica da utopia, portanto, estaria o ser de uma sociedade
socialista, justa e digna. Ele analisa os três lemas da revolução francesa – liberdade,
igualdade, fraternidade – para sustentar que somente o socialismo garantiria esses ideais.
E os postulados jurídicos que guiarão a sociedade socialista são uma justiça a partir de
baixo: não patriarcal, vinda de poderosos, nem da metafísica, vinda de uma crença
jusnatural, mas baseada na dignidade humana de todos.
“A reflexão jurídica de Bloch é surpreendente. Afastando o direito natural
como mera dedução metafísica, ideal ou religiosa, e afastando também a mera reprodução
da exploração capitalista presente como justa, Bloch aponta para o futuro socialista, numa
sociedade sem divisão e sem classes, fraterna, como sendo o cumprimento do preceito
jurídico mais alto do direito – e mais alto que o próprio direito, que deverá perecer junto
com o Estado e a divisão de classes – da dignidade humana”.
Para Bloch, o “todo da sociedade capitalista drena as energias utópicas,
criativas e revolucionárias. As massas, exploradoras e exploradas, ligam-se por relações
imediatas de exploração e consumo, sem horizontes pessoais de superação coletiva. Nesse
quadro, Bloch dedicou-se a encontrar sinais de energias suficientes para a transformação
social, para a concretização de uma sociedade sem classes e sem divisões”.
A mais alta dessas energias é a própria carência. A fome, a necessidade geram
impulsos. A humilhação gera impulso da dignidade. A vivência do injusto abrir caminhos
para a luta pelo justo, dando chance ao agir revolucionário.
“Em face das estruturas do presente injusto, o justo não se apresenta como
uma decorrência nem automática nem necessária. Mas também não é uma

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

impossibilidade, na medida em que se podem revolucionarizar as estruturas sociais. Há


energias sociais e históricas de luta que excedem, pelo sofrimento e pelo amor, em sua
busca. O mundo justo ainda não é o presente. Não advirá inexoravelmente, mas nem
tampouco está negado: a justiça é possível”.

E) TEORIA GERAL DO DIREITO E DA POLÍTICA

1) O conceito analógico de direito.

A palavra “direito” comporta diversos significados que guardam certa


semelhança entre si, motivo pelo qual é considerada um termo análogo. Ocupa,
assim, uma posição intermediária entre os termos unívocos – que possuem apenas um
significado, - e equívocos – que se aplicam a realidades radicalmente distintas.
Tomando o direito como a norma das ações humanas na vida social,
estabelecida por uma organização soberana e imposta coativamente para a observância
de todos, o vocábulo pode possuir ao menos quatro significados, a saber:
a) Norma agendi – “norma das ações humanas”: o direito como norma de
agir. A norma agendi, também denominada de direito objetivo, corresponde às fontes
formais. É, pois, uma regra do direito traduzida por leis, costumes ou princípios gerais de
direito, sendo um dado exterior ao sujeito, regulando condutas humanas.
b) Facultas agendi – “na vida social”: o direito como faculdade de agir.
c) Justo – “estabelecida por uma organização soberana”: o Estado tem a
legitimação soberana para determinar aquilo que é justo. Justo é o valor fundamental do
direito, o seu objetivo; deriva do latim justus, que significa correto, regular, normal. Para
a teoria dos valores (axiologia), o direito serve para realizar valores, sendo que possui os
seus próprios valores. Muito embora o justo seja um valor ideal, pode-se afirmar que é
um valor amplo, contudo, objetivo, na medida dos princípios e das normas
constitucionais. Assim, “direito” significa o que é devido por justiça.
d) Sanção – “e imposta coativamente à observância de todos”: nessa acepção
do direito, a palavra sanção significa penalidade. É o fator de eficácia da norma jurídica,
prevista como um dever-ser resultante da não prestação esperada. A sanção integra o

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

conceito de direito e tem lugar na estrutura da norma jurídica, não sendo autorrealizável.
A sanção não é da essência do direito, porém é de sua natureza. A sanção não precisa
estar obrigatoriamente na norma, bastando que se trate de sanção sistêmica, pois a norma
jurídica deve ser sempre contextualizada no ordenamento jurídico.
A analogia pode ser classificada em três categorias: intrínseca, extrínseca e
metafórica.
A analogia metafórica, também conhecida como imprópria ou figurada, é
aquela em que, apesar de o termo ter um sentido direto e próprio, se aplica também a
outras realidades, em sentido figurado, em virtude de uma proporção imprópria que se
estabelece com a significação originária.
As analogias extrínsecas e intrínsecas podem ser identificadas nos diversos
significados do termo direito.

Analogia intrínseca.

O termo análogo intrínseco, ou de proporção, aplica-se a diversas realidades


entre as quais existe uma relação de proporcionalidade. Pode ser definido como aquele
que é atribuído naturalmente a vários entes numa relação similar. “Naturalmente” porque
o próprio termo encerra em si essa analogia. Um exemplo é o termo “princípio”, que pode
ser usado para indicar o começo do dia, o início de uma estrada, ou até mesmo um
princípio jurídico ou moral.
Em relação aos diversos significados do termo direito, a analogia intrínseca
pode ser identificada da seguinte maneira, por exemplo: o termo direito é usado não
apenas para indicar o ordenamento jurídico estatal, como também para designar
ordenamentos não estatais. Entre essas aplicações do termo direito, estabelece-se uma
analogia de proporção, pois todas possuem um sentido semelhante, isto é, o direito como
conjunto de regras sociais obrigatórias que regem a vida das coletividades.

Analogia extrínseca.

Na analogia extrínseca, a relação entre as realidades é de atribuição ou


conexão, exprimindo certa dependência entre o sentido principal e outros sentidos
secundários. O sentido principal remete ao objeto, a que se refere, diretamente, e é
chamado de “analogado principal”. Além de aplicar-se ao objeto primeiro, o termo aplica-

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

se também a objetos secundários por extensão, que fundamentam-se no principal e dele


dependem.
De acordo com André Franco Motoro, entre as acepções fundamentais de
direito20 se estabelece uma analogia de relação, ou extrínseca.
Não há, no entanto, um consenso sobre qual seria o analogado principal.
Muitos dos autores modernos apontam o direito-norma como o significado
principal, em relação ao qual os restantes seriam derivados. Seguem esse entendimento
juristas como Kelsen, Planiol, De Ruggiero e Bevilaqua.
Outros autores sustentam que o analogado principal seria o significado
de direito como faculdade. Esse entendimento de certo modo embasa as Declarações de
Direitos Humanos, na medida em que coloca em posição de anterioridade o direito como
faculdade humana. Adotam essa concepção, dentre outros, Ihering, Kant, Hegel e
Savigny.
Para a sociologia jurídica moderna, o termo direito remete ao direito como
fato social. Há, ainda, quem sustente que essa relação direta se estabelece, na verdade,
considerando o direito como ciência.
Há, por fim, juristas que defendem o primado do conceito de direito
relacionado ao que é “devido por justiça”. Essa perspectiva vem do direito romano e
embasa a distinção entre “direito” e “lei”, pois o direito identifica-se com o justo e não
necessariamente com as normas.

2) Pessoa. Pessoa jurídica. Direito subjetivo.

O termo pessoa abrange tanto as pessoas naturais quanto as jurídicas.

a) Pessoa natural.

Pessoa natural é o ser humano considerado como sujeito de direitos e


obrigações. Para ser uma pessoa, basta nascer com vida, adquirindo então personalidade.

20Para o autor, há cinco acepções fundamentais de direito: há o direito como norma, como justo, como faculdade,
como ciência e como fato social.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

A pessoa passa a existir no momento em que se opera a primeira troca oxicarbônica no


meio ambiente, ainda que pereça em seguida. A prova, quando não pelo choro ou pelos
movimentos, far-se-á pelos processos técnicos de que se utiliza a medicina legal para a
verificação do ar nos pulmões.
A personalidade civil inicia-se tão somente com o nascimento. Todavia, o
nascituro e o natimorto possuem uma série de direitos constitucionalmente garantidos,
como dispõe o Enunciado n. 1 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça
Federal (CJF): “A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que
concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura”.
Tal posição decorre da tradição romanística do nosso direito, segundo a qual
o feto, antes do nascimento não é ainda uma pessoa, mas se vier à luz como um ser dotado
de direitos, a sua existência, no tocante aos seus interesses, retroage ao momento da
concepção.
Nesse sentido, dispunha o artigo 877 do CPP/73, bem como o artigo 7º do
Estatuto da Criança e do Adolescente.

Início da personalidade natural.

Existem três correntes fundamentais: a natalista, a da personalidade


condicional, e a verdadeiramente concepcionista.
I) A teoria natalista defende que a personalidade civil se dá com o
nascimento com vida;
II) A teoria da personalidade condicional reconhece a personalidade desde
a concepção, com a condição do nascimento com vida;
III) A teoria concepcionista sustenta que a personalidade começa na
concepção e não a partir do nascimento com vida, considerando que muitos dos direitos
e status do nascituro não dependem do nascimento com vida.
Em julgamento proferido nos autos do Recurso Especial nº 1.120.676 – SC
(2009/0017595-0), pelo Voto-Vista, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverinose manifestou
em análise das teorias natalista e concepcionista.
Sob o ponto de vista dos direitos da personalidade, o nascituro é senhor de
direitos, pois tem direito à própria vida e o direito de nascer vivo. Sob a ótica econômica,
porém, que é a ótica do Código Civil, os direitos do nascituro encontram-se condicionados
ao seu nascimento com vida.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Sobre o tema dos direitos do nascituro, há duas posições jurídicas:


I) Expectativa de direitos – o nascituro é titular de direitos eventuais, que
podem acontecer, mas que só serão deferidos a ele a partir do nascimento com vida.
II) Titular de direitos imateriais – o nascituro é titular de direitos sem
conteúdo econômico, ou seja, direitos imateriais, por ser dotado de personalidade, porém
possuindo apenas direitos eventuais de caráter patrimonial, precisando nascer com vida
para exercê-los.
É necessário verificar o exato momento do nascimento com vida, para
constatar se os direitos econômicos foram ou não admitidos ao nascituro. A medicina usa
o método da docimasia hidrostática de Galeno, que consiste numa experiência utilizada
para verificar se a criança respirou ao nascer.
A respeito do embrião, dispõe o Enunciado n. 2 da I Jornada de Direito Civil
do CJF que “sem prejuízo dos direitos da personalidade nele assegurados, o art. 2º do
CC não é sede adequada para questões emergentes da reprogenética humana, que deve
ser objeto de estatuto próprio”.

b) Pessoa jurídica.

Pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à


consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e
obrigações.
Muitas são as denominações utilizadas: pessoas morais, pessoas coletivas,
pessoas fictícias, etc.
Para a constituição da pessoa jurídica exige-se três requisitos básicos:
organização de pessoas ou de bens, finalidade lícita e capacidade jurídica reconhecida por
normas.
Quanto à natureza jurídica das pessoas jurídicas, várias teorias foram
elaboradas, no intuito de justificar sua existência e sua capacidade de direito. Dividem-se
em dois grandes grupos: teorias da ficção e teorias da realidade.
O primeiro grupo reúne as chamadas Teorias da Ficção, que defendem, em
síntese, que a pessoa jurídica não possui personalidade, sendo considerada mera
ficção doutrinária ou ficção legal. Essas teorias não foram admitidas no sistema jurídico
brasileiro, e o grande patrono deste grupo foi Savigny.
O segundo grupo abarca as Teorias da Realidade, que se dividem em:

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

a) Teoria da Realidade Objetiva: Esta teoria, estabelecida por Gierke e


Zitelmann, adotada também por Pontes de Miranda e Beviláqua, é a famosa teoria
orgânica, esclarecendo serem as pessoas jurídicas, pessoas compostas por órgãos e
representadas por pessoas físicas que fazem parte desses órgãos. Os órgãos são a
expressão da vontade das pessoas jurídicas. Estas, por sua vez, são uma realidade, com
vida própria e existência distinta das de seus membros.
b) Teoria da Realidade Técnica: Segundo esta teoria, o homem amplia os
seus meios de ação e assegura, o mais eficazmente possível, o nível de desenvolvimento
da atividade humana. As pessoas jurídicas são pessoas reais, porém dentro de uma
realidade que não se equipara à das pessoas naturais. O direito assegura direitos subjetivos
às pessoas naturais e às pessoas jurídicas, como entes criados.
c) Teoria de Hauriou: Esta teoria, criada por Maurice Hauriou e
desenvolvida por George Bonnard, declara ser a pessoa jurídica uma instituição que cria
um vínculo social, unindo os indivíduos visando o mesmo fim. No momento em que a
instituição alcança certo grau de organização e automatização, torna-se pessoa jurídica.
Importante destacar que a atividade interna da pessoa jurídica revela-se por meio das
deliberações de seus órgãos diretores, porém, a atividade externa, quando exercida,
demonstra a atuação da pessoa jurídica e quando os indivíduos passam a ter consciência
e responsabilidade dos fins sociais, a pessoa jurídica adquire personalidade moral.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica teve origem no direito
anglo-saxão e foi posteriormente difundida no direito norte-americano. No Brasil, era
adotada por meio de analogia ao artigo 135 do CTN até a edição de leis como o CDC (art.
28), Lei de Infrações à Ordem Econômica (art. 18) e a Lei dos Crimes Praticados Contra
o Meio Ambiente (art. 4º).
O CC, no art. 50, visa não somente atos objetivamente reveladores da
utilização ilícita da pessoa jurídica, mas também atos subjetivamente apreciáveis, a
exemplo da confusão patrimonial.
A respeito, foram elaborados os Enunciados n. 7 da I Jornada, n. 146 da III
Jornada e n. 281, 282, 283, 284 e 285 da IV Jornada.

c) Direito subjetivo.

O direito subjetivo se traduz na permissão dada pela norma posta, para o


indivíduo fazer ou deixar de fazer alguma coisa.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

A doutrina diverge quanto à natureza jurídica do direito subjetivo. A) alguns


autores entendem que ele é sinônimo de facultas agendi, de modo que, tratando-se de
poder de ação contido na norma, envolveria a faculdade de exercer, em favor do
individuo, o comando emanado pelo Estado; B) outros autores entendem que há diferença
entre os dois institutos, sob o fundamento de que o direito subjetivo não é faculdade,
na medida em que conceituam faculdade como mera aptidão para produzir um ato, de
forma a anteceder o ato.
A despeito do direito subjetivo, existem algumas teorias, a saber:
a) Teoria da vontade (Bernard Windscheid): o direito subjetivo, para essa
corrente, é o poder ou domínio da vontade livre do homem, protegido e conferido pelo
ordenamento jurídico. Crítica: a teoria não explica o direito subjetivo nos casos em que
não há uma vontade real do seu titular.
b) Teoria da garantia: o direito subjetivo é uma garantia conferida pelo
direito objetivo, podendo ser invocada toda vez que for violada. Crítica: essa teoria pode
criar confusão entre direito subjetivo e proteção jurídica, subordinando o direito subjetivo
ao próprio direito objetivo.
c) Teoria do interesse (Ihering): de acordo com essa teoria, o direito
subjetivo constitui-se de interesses juridicamente protegidos. Seria, portanto, a proteção
dos conflitos de interesses. Crítica: no caso do direito penal, não há conflito de interesses
entre o réu e a sociedade, de forma que a concepção não engloba todos os ramos do
ordenamento, já que a ideia de interesse não pode ser desvirtuada.
O direito subjetivo seria, assim, tanto o efetivo exercício do direito objetivo
quanto a mera potencialidade de seu exercício.
Ao lado do direito subjetivo existe o dever subjetivo, uma vez que as fontes
formais estabelecem padrões de comportamento a serem seguidos, fixando, inclusive,
sanções. Exemplo: na medida em que o comprador tem o direito de receber a coisa, tem
a obrigação de pagar o preço.
O direito subjetivo também pode vir a constituir-se sem que o titular dele
tenha conhecimento. Por exemplo, a transferência dos bens para os herdeiros, que se
opera no instante em que se verifica o falecimento da pessoa, cuja sucessão se abre. Logo,
percebe-se que o direito objetivo existe em razão do direito subjetivo, e este não pode
existir sem o direito objetivo.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

3) Realismo jurídico.

Para a escola jusfilosófica conhecida como Realismo Jurídico foi uma das
inúmeras tentativas teóricas de responder à indagação “o que é o direito” e adota, como
postulado básico, a postura epistemológica segundo a qual o direito é haurido da
experiência social. Ou seja, para os realistas o direito é sempre aquilo que, como tal, se
apresenta no contexto da comunidade humana: o direito é o que é. Trata-se de uma
ontologia do direito.
O Realismo considera o direito um FATO SOCIAL. É patente a relevância
que adquirem os interesses sociais para os realistas.

Correntes do realismo jurídico.

Inspirado no positivismo sociológico, o método realista, no âmbito do direito,


pode ser claramente dividido em duas correntes: o realismo jurídico americano (clássico)
e o realismo jurídico escandinavo.
Principais diferenças entre o realismo americano e o realismo escandinavo: o
realismo americano é marcado por traços que remetem ao jusnaturalismo
pragmático. Isso faz com que esteja muito próximo à sociologia jurídica. O realismo
jurídico escandinavo, por sua vez, opera buscando a conformação e o
estabelecimento de uma ciência jurídica autônoma e, respeitadas as
particularidades desta, procura constituir conhecimento de maneira original.
A despeito das diferenças apontadas, o realismo jurídico caracteriza-se
essencialmente pelo fato de que parte sempre de uma descrição empírica, que aborda fatos
jurídicos observáveis. Essa característica faz com que o contexto social e as decisões
judiciais tenham importante papel na conformação deste método.
Pode-se destacar, na arquitetura do realismo jurídico, a distinção que se faz
entre law in books (lei nos livros) e law in action (lei em ação), ou seja, estabelecer, com
limites definidos, a cisão entre o que seja a teoria e a prática jurídica.

Estudo de casos e a metodologia realista.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

O emprego de casos concretos é um método de estudo considerado como dos


mais atinados aos propósitos realistas, principalmente porque um caso representa o
registro detalhado de uma disputa particular e de sua resolução, constituindo uma unidade
de análise em si mesma.
Esse método conduz a uma jurisprudência realista e permite estabelecer que
uma norma nunca transgredida não passa de uma regra inoperante ou onipotente.
Os casos problemáticos revelam uma grande quantidade de informações
empíricas e possibilitam ver a lei ou o direito operando em sua matriz cultural, ou seja,
permitem ver o direito em ação. A análise dos casos revela a linhas recorrentes da ação,
que podem ser chamadas normas reais porque efetivamente aplicadas.
O método de estudo dos casos problemáticos pode ser aplicado a qualquer
sistema, primitivo (simples) ou contemporâneo (complexo). Nesse sentido, pode ser
apontada a obra Levando os Direitos a Sério, de Ronald Dworkin, na qual o autor inverte
a trajetória habitual do pensamento jurídico, acostumado a ir da teoria à prática, ao adotar
a linha interpretativa, que vai da prática às raízes teóricas que lhe conferem sentido e
valor. O autor estabeleceu a diferença entre princípios jurídicos e regras de direito,
sustentando que estas, determinadas pelo legislador, são válidas somente quando
aplicadas ao caso concreto, enquanto que aqueles enunciam razões que agem em
favor de uma orientação geral. A importância dos princípios reside justamente na
análise dos “casos problemáticos” ou “casos difíceis”, porque nestes, os princípios
aparecem como motivadores das decisões.

4) Direito e poder.

Poder e soberania.

A soberania, como forma de poder detida pelo Estado, ganha enfoque na


passagem do estado absolutista para o moderno, transição esta marcada pela Revolução
Francesa.
Na gênese do Estado moderno o monarca aparece como o titular da soberania,
consequentemente do poder. Com a Revolução Francesa, a vontade do rei é substituída
pela vontade da nação. Este um conceito mais abstrato e, portanto, mais maleável, capaz

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

de possibilitar a manutenção do caráter indivisível e inalienável da soberania, em perfeito


acordo com a divisão dos poderes que será estabelecida a partir da Revolução.
O Estado moderno, com fundamento no conceito de soberania, adquiriu o
monopólio do poder de dizer o Direito. Na teoria da soberania, o poder aparece como
fonte do direito. Segundo Tércio Ferraz Sampaio Jr., o conceito-chave nessa concepção
de poder é a noção de poder originário, isto é, o poder acima do qual não há nenhum
outro no qual se possa justificar o ordenamento jurídico. Trata-se de uma exigência de
racionalização do Direito: ou o Direito constitui um sistema unitário ou tem-se o caos.
Para o autor, o poder originário é entendido como conjunto de forças
políticas que se unem num determinado momento histórico e instauram um
ordenamento jurídico. Isso coloca o jurista na condição de identificar Direito e força, à
medida que força e poder parecem identificados. As necessidades de racionalização do
Direito fazem, contudo, com que essa identificação seja evitada. Não se nega certa relação
entre poder e força (física), pois se reconhece que os detentores do poder são aqueles que
têm a força necessária para fazer respeitar as normas que elas emanam. Admite-se, pois,
que a força é instrumento necessário do poder, mas nega-se que seja seu fundamento.
Sutilmente vai dizer o jurista que a força é necessária para exercitar o poder, mas não para
justificá-lo. O que o justifica é o consenso.
Assim, a alternativa do consenso permite ao jurista, nos termos da teoria da
soberania, enxergar o poder como um misto de força e consentimento, onde o Direito
aparece como uma regulação do exercício da força, fundada no consentimento, isto é, no
contrato social.
Para Michel Foucault, afirmar que a soberania é o problema central do Direito
nas sociedades ocidentais implica dizer que o discurso e a técnica do Direito tiveram
basicamente a função de dissolver o fato da dominação dentro do poder para, em seu
lugar, fazer aparecer duas coisas: por um lado, os direitos legítimos do soberano e, por
outro, a obrigação legal da obediência.

Poder e dominação social.

A relação entre direito e poder foi analisada por Michel Foucault, que dedicou
sua obra à investigação tanto da arqueologia do poder, isto é, como as instituições e
redes de poder puderam formar-se em determinado momento histórico, quanto à

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

genealogia do poder, ou seja, a busca da forma, lógica e método em que esse poder é
exercido.
Foucault trata do poder como uma questão de dominação real efetiva, que
não advém de uma instituição ou de um aparelho político, mas das relações de força que
permeiam a sociedade como um todo. Pelo estudo das relações cotidianas menores é
possível constatar que o poder infiltra-se de forma capilar na sociedade. Essa identificação
do poder em pequena escala, nas ocorrências e relações cotidianas, é tratada sobretudo na
obra “Microfísica do Poder”, na qual o autor sustenta que o Estado se apropria dessas
micro relações justamente para exercer seu poder.
O direito, que consiste numa espécie de relação poder, não seria encontrado
somente na dominação formal, legalista do Estado, mas nas pequenas relações, na conduta
dos próprios agentes estatais. Assim, o direito não está adstrito à norma jurídica, mas sim
disperso na realidade social.

Poder e hermenêutica.

A interpretação consiste em um poder de violência simbólica que tem por


objetivo uniformizar o sentido da norma jurídica, visto que não é possível uma
interpretação unívoca de um texto, expresso em termos vagos e ambíguos. Poder é, nesse
sentido, um meio pelo qual a seletividade de uma pessoa influencia a seletividade de
outra.

Detentores do poder.

Na comunidade jurídica, aqueles que têm poder (autoridade, liderança,


reputação) podem influenciar outros a adotar a sua interpretação como premissa de
procedimento.
No processo interpretativo, a influência provoca a generalização do sentido
com vistas à neutralização de outras possibilidades. Assim, o poder assume três relações:
a) Relação de autoridade: a interpretação é generalizada (confirmada)
quando o intérprete ocupa uma posição superior dentro de uma determinada hierarquia, o
Poder Judiciário, por exemplo. A interpretação da autoridade é aceita quando orientada
pela ideia de que sempre se procedeu da forma por ela interpretada, portanto, consolidada
na tradição. Assim, uma interpretação apoiada em princípios constitucionais e em

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decisões do poder judiciário confere autoridade ao intérprete, porque pode motivar outro
a adotá-la como premissa de procedimento.
b) Relação de liderança: a interpretação é generalizada quando todos ou
quase todos repetem a mesma interpretação. A interpretação, para exercer liderança, exige
a neutralização das interpretações divergentes. Assim, uma interpretação apoiada em
manifestação de vários doutrinadores e em manifestações produzidas em outras áreas do
saber confere autoridade ao intérprete, porque pode motivar terceiros a adotá-la, como
premissa de procedimento.
c) Relação de reputação: a interpretação é generalizada com base no
prestígio do intérprete. A reputação é exercida no sentido de neutralizar qualquer reflexão
a respeito do conteúdo interpretado. Assim, uma interpretação apoiada em princípios
constitucionais e em manifestações de juristas respeitados e confiáveis, confere
autoridade ao intérprete, porque pode motivar outros a adotá-la como premissa de
procedimento.

Interpretação predominante.

Ao utilizar os métodos (sistemático, histórico-evolutivo, teleológico e


axiológico) para identificar o sentido da norma, o intérprete realiza uma paráfrase, isto é,
a reformulação de um texto cujo resultado é um substituto mais persuasivo, pois exarado
em termos mais convincentes. Nesse sentido, é possível ocorrer uma perfeita congruência
entre as três relações de poder que pode apontar uma interpretação, se não verdadeira,
pelo menos predominante.

5) Legitimidade e legalidade.

O princípio da legalidade significa a submissão à lei. É o pilar do modelo


contemporâneo do Estado de direito, que se caracteriza pela imposição do direito aos
governantes, em oposição ao modelo de direito como fruto da vontade dos governantes.
Sabe-se que a vontade política do governo é dada pela lei, e não pela
subjetividade do governante. Ainda que fruto da vontade do legislador, no momento
em que o projeto torna-se lei, ela se desvincula dessa vontade originária, subjetiva,
e passa a veicular uma vontade objetiva.

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A vontade inevitavelmente nasce subjetiva, mas a sociedade humana a


transforma em objetiva, e esse processo de objetivação da norma permite a ela adquirir
juridicidade.
Ao indivíduo, na ausência da lei, é permitida certa conduta (legalidade
ampla). Ao Estado, por sua vez, no vazio do direito, não é permitido agir (legalidade
estrita). Essa distinção deriva da própria essência do Estado democrático de direito.
Afinal, um Estado, livre para agir na lacuna da lei, é um Estado em que a vontade do
governante forma o direito, e não se condiciona a ele.
O Estado de direito, ao desvincular-se da vontade dos governantes e
submeter-se ao direito, torna-se uma abstração decorrente do direito: onde não há
direito, não há Estado. E, como abstração, não tendo vontade subjetiva, não formula
uma vontade psíquica. Tem tão somente uma vontade objetivada.
Ora, se o Estado não tem vontade subjetiva, como poderia ter liberdade?
Liberdade significa manejar a vontade, para assim chegar às consequências pretendidas.
O Estado, uma vez que não tem vontade, não tem também liberdade. Posto isso, a
afirmação de que o Estado só pode fazer o que está na lei é uma consequência lógica da
própria definição de Estado de direito.
Por outro lado, quando se diz que na ausência do direito o indivíduo está livre
para agir, está-se reconhecendo que o indivíduo tem vontade, e se não existisse o direito,
cada um continuaria realizando sua própria vontade. O direito é uma solução social,
impondo limites a essa vontade. Assim, se há condutas indiferentes socialmente – não
tratadas pelo direito – o indivíduo é livre para seguir o seu arbítrio.

Legalidade e hermenêutica.

O princípio da legalidade obriga o intérprete a pensar os problemas jurídicos


a partir da lei e em conformidade com ela.
Nas teorias dogmáticas da interpretação, as normas da lei são mantidas como
dogmas inatacáveis. As normas determinam as respostas, de tal modo que estas, mesmo
quando postas em dúvida em relação às diferentes situações apresentadas, não põem em
perigo as normas das quais foram deduzidas. O sistema de normas estabelece, portanto,
limites que o intérprete não pode extrapolar. No interior destes limites o intérprete pode
explorar as diferentes combinações para a determinação operacional dos possíveis
comportamentos jurídicos.

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Visão estrutural e funcional.

Analisando a legalidade e a legitimidade numa perspectiva sociológica, entra


em relevo a distinção entre uma visão estrutural do direito – pautada pela técnica
dogmática – e uma visão funcional, na qual se destaca a questão da legitimidade.
Visão estrutural é a visão formalista, dogmática, kelseniana. Parte da norma
fundamental.
Através dessa norma pressuposta, começa-se a trabalhar a teoria geral do
direito: uma visão interna. É uma concepção do sistema considerado completo. A
racionalidade é exclusivamente formal, portanto não se preocupa com questões de
conteúdo – mas apenas com questões de validez formal. O raciocínio do positivismo é
fundi-las, pois tal vertente entende que a legalidade impede o arbítrio, e é o arbítrio que
gera ilegitimidade; de modo que havendo legalidade há, necessariamente, legitimidade.
Essa visão funciona em sociedades com altas taxas de crescimento
econômico, emprego abundante, estabilidade social, etc. Em suma, é o direito estável para
uma sociedade estável. No entanto, sobretudo em sociedades mais instáveis e em
desenvolvimento, há graves problemas que levam a uma limitação na aplicação e
compreensão do direito, a partir de uma visão estrutural.
A visão funcional volta-se para a formação dos conflitos, e para a decisão
desses conflitos, realizando um raciocínio indutivo. Essa fórmula insere-se numa acepção
da estrutura jurídica como um sistema aberto, cheio de lacunas, e não fechado em si
mesmo como na visão dogmática.
Do ponto de vista estrutural, a legitimidade confunde-se com a
legalidade. Na visão funcional, separamos a legalidade (encaixe formal das normas)
e a legitimidade (racionalidade material – valores que nos levam a obedecer
espontaneamente a determinadas ordens).
Na sociedade brasileira, percebe-se a necessidade que a magistratura tem de
caminhar para uma interpretação mais adaptativa, baseada em uma visão mais funcional.

6) Direitos fundamentais, direitos humanos e direito natural.

a) Direitos fundamentais.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

Os direitos fundamentais surgem como forma de garantir uma esfera de


autonomia ao indivíduo contra o poder estatal.
Segundo Etienne Picard, há em geral três formas de se conceber a expressão
“direitos fundamentais”:

Concepção ordinária.

A concepção ordinária de direitos fundamentais os considera como um


agrupado de direitos e liberdades de todas as naturezas e espécies, cujo único ponto
comum é serem qualificados como essenciais. Essa noção padece de vagueza, pois não
indica qual é o princípio de sua constituição. O conjunto de direitos fundamentais, por
essa concepção, forma uma lista desordenada, ilimitada e ao mesmo tempo incompleta, e
não uma categoria jurídica como haveria de ser.

Concepção positivista.

A concepção positivista de direitos fundamentais, de inspiração kelseniana,


divide-se em duas tendências.
A primeira tendência – chamada pura – afirma que os direitos fundamentais
são tão somente aqueles consagrados na Constituição. A ideia é que, sendo a
Constituição o fundamento da ordem jurídica de uma sociedade, torna-se lógico que os
direitos por ela garantidos tenham caráter fundamental. Picard entende que essa tese falha,
primeiramente, por pressupor que a hierarquia dos direitos é essencialmente determinada
pela hierarquia formal das normas, o que não corresponde à realidade, já que na solução
dos conflitos o que prevalece é, em geral, a hierarquia substancial. Esta diz respeito ao
valor ou alcance dos direitos e poderes em jogo, e não ao seu grau normativo. Em segundo
lugar, a tese é passível de críticas, pois reduz a ideia de direito fundamental à de direito
constitucional, o que exclui desses direitos àqueles encontrados nas convenções
internacionais, em princípios gerais do direito ou na própria lei.
A segunda tendência da concepção positivista, o realismo, admite que os
direitos fundamentais podem também fundar-se nas Convenções Internacionais. O
problema, para o autor, está em que essas Convenções não se situam no mesmo grau
normativo, dentro da hierarquia formal das normas constitucionais, de modo que admiti-
las como fonte de direitos fundamentais implicaria reconhecer a difusão de tais direitos

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

em diferentes graus normativos. Se, por outro lado, admitir-se que os direitos
fundamentais podem derivar de diferentes graus normativos, então deve existir outro
critério para sua definição, que não sua posição na hierarquia formal de normas.

Concepção objetivista.

A terceira é a concepção objetivista. Esta doutrina parte da constatação de


que os órgãos jurislatores agem como se esses direitos existissem realmente sem
serem necessariamente ditados e como se fossem capazes de se impor contra
qualquer outra consideração, direito ou poder, mesmo que tal imposição resulte em
julgamentos suplementando ou contrariando a lei positivada.
Toda norma jurídica, inclusive as de direitos fundamentais, possui uma
estrutura dual, representada por uma hipótese (ser) e uma consequência (dever-ser). A
hipótese consiste no suporte fático da norma, isto é, nos elementos que, quando
preenchidos, dão ensejo à realização do preceito da norma de direito fundamental.
Virgilio Afonso da Silva esclarece que não basta identificar o âmbito de
proteção da norma de direitos fundamentais para definir seu suporte fático. É preciso,
ainda, estabelecer que tipo de intervenção nesse âmbito de proteção enseja a consequência
jurídica prevista pela norma. Essa intervenção, em geral, é a intervenção estatal.
Não obstante, nem toda intervenção estatal, no âmbito da proteção de uma
norma fundamental, consiste numa violação, é possível que essas intervenções sejam
meras restrições constitucionalmente justificadas. Afinal, direitos fundamentais têm
estrutura de princípios, e como tais, quando colidem com outros princípios, precisam ter
sua incidência limitada. Pode-se dizer, portanto, que o suporte fático consiste na soma:
do âmbito de proteção, da intervenção estatal, e da ausência de fundamentação
constitucional para essa intervenção. Verificados esses elementos, aciona-se a
consequência jurídica da norma: a declaração de inconstitucionalidade e a restauração do
status quo anterior à violação.
Princípios, como mandados de otimização (Robert Alexy), não se sujeitam à
dicotomia “válido ou inválido”, pois podem ser cumpridos em diferentes graus de acordo
com a situação concreta, de modo que a aplicação de um princípio pode restringir a
aplicação de outro, mas isso não implica em validade ou invalidade.
Em suma, princípios são mandamentos que devem ser realizados na maior
medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas. Essa forma de

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

aplicação dos princípios é o sopesamento, que se contrapõe à subsunção, forma de


aplicação das regras. O sopesamento faz parte do controle de constitucionalidade, que
deve ser feito, de acordo com Virgilio Afonso da Silva, com base na regra da
proporcionalidade, que contém as três sub-regras da adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito.

b) Direitos humanos.

A terminologia “direitos humanos” é utilizada em geral para referir-se ao


âmbito internacional de proteção de direitos fundamentais. É na Carta das Nações de 1945
que surge a expressão "direitos do homem”.
Os direitos do homem são considerados atemporais, imprescritíveis,
irrenunciáveis e indisponíveis.
Não são direitos absolutos ou ilimitados, uma vez que podem ser limitados
por outros direitos, também fundamentais, ensejando uma análise ponderativa do caso
concreto, de forma a garantir a maior efetividade possível de ambos os direitos colidentes.
Esses direitos são frequentemente divididos em três gerações ou dimensões.
A primeira geração seria composta por direitos de liberdade (1789); a segunda, de
igualdade (1919); e a terceira, por fim, de fraternidade (1945).

Primeira dimensão.

1ª Geração: direitos de LIBERDADE – DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS,


que surgiram com as revoluções liberais e transição do Estado Absolutista para o Estado
Liberal de Direito, tendo surgido com a Constituição Americana de 1787 e a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, da França.
Onde foram proclamados os principais direitos desta geração: Magna Carta
(1215); Habeas Corpus Act (1679); Bill of Rights (1689), bem como as Declarações
Americana e Francesa.
São direitos individuais, cujo foco é reduzir a interferência do Estado na vida
particular (liberdade formal).

Segunda dimensão.

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2ª Geração: direitos de IGUALDADE – DIREITOS SOCIAIS,


ECONÕMICOS E CULTURAIS, que foram fruto da transição do Estado Liberal para o
Estado Social.
Têm como característica básica o fato de serem direitos positivos, de natureza
prestacional, pois o Estado deveria atuar positivamente intervindo no domínio econômico
e prestando políticas públicas de caráter social, visando o bem estar da sociedade.
Teve como acontecimentos históricos a Revolução Mexicana (1910) e a
Revolução Russa (1917).
São direitos coletivos, cujo foco é a correção das desigualdades sociais
(liberdade material).

Terceira dimensão.

3ª Geração: direitos da FRATERNIDADE – DIREITOS DIFUSOS, DOS


POVOS, DA HUMANIDADE (CONSUMIDOR, AMBIENTE,
DESENVOLVIMENTO)
A ideia central não está relacionada ao Estado, mas sim ao fato de serem
direitos reconhecidos ao homem pela mera condição humana, independente de qualquer
condicionamento quanto à origem, etnia, sexo, ou outro fator que configure
discriminação.
São direitos difusos, cujo foco é o aprofundamento dos direitos coletivos,
direitos do homem como cidadão.

c) Direito natural.

Atualmente não se aceita com unanimidade a ideia de que os direitos


fundamentais fundam-se no direito natural, e pertencentes aos homens pelo mero fato de
serem homens. Segundo J. Afonso da Silva, por exemplo, os direitos fundamentais são
direitos positivos, “que encontram seu fundamento e conteúdo nas relações sociais
materiais em cada momento histórico”. Esse caráter de historicidade que marca os direitos
fundamentais, ademais, exprime sua relação com a soberania popular, e afasta por outro
lado a ideia de que esses direitos seriam fruto da mera vontade do Estado.

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7) A Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU).

A Declaração, proclamada pela Resolução 217-A (III) da Assembleia Geral


das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e assinada pelo Brasil na mesma data, foi
uma retomada dos ideais da Revolução Francesa, buscando o reconhecimento universal
dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade, levando-se em
conta a ideia de que o mundo globalizado precisa de normas universais que assegurem a
proteção dos direitos e liberdades fundamentais da pessoa humana.
A Declaração constitui um conjunto de direitos e faculdades sem as quais um
ser humano não pode desenvolver a sua personalidade física, moral e intelectual. Por ser
universal, aplica-se a todas as pessoas, de todos os países, raças, religiões e sexos, seja
qual for o regime político dos territórios nos quais incide.
A Declaração não é um tratado, foi admitida pela Assembleia Geral como
resolução, de caráter meramente declaratório/recomendatório, isto é, sem nenhum vínculo
obrigatório para as nações signatárias, sendo mero compromisso político, e não jurídico
(soft law – normas de direito internacional sem caráter vinculante).
Entretanto, atualmente entende-se que a Declaração Universal dos
Direitos Humanos atingiu caráter vinculante, isso porque as normas ali contidas se
tornaram normas costumeiras internacionais, com eficácia obrigatória para todos os
Estados e não somente os signatários da Declaração. Além disso, defende-se que a
Declaração Universal é uma interpretação autorizada da expressão “direitos humanos”,
constante da Carta das Nações Unidas, apresentando, por esse motivo, força jurídica
vinculante.
Neste documento, marco da proteção internacional dos direitos humanos, foi
afirmado que liberdade, igualdade e fraternidade são os três princípios axiológicos
fundamentais em matéria de direitos humanos.
Ficou assentado na Declaração, assim como na Conferência de Viena de
1993, que os direitos humanos compõem um conjunto caracterizado por ser universal,
interdependente e indivisível.

8) Sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos.

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Resumo do edital de humanística – TJSP 187 – Grupo TJSP 2017

A evolução da ideia de internacionalização da proteção aos direitos humanos


começou em Westfália com a proteção das minorias religiosas, prossegue com a proteção
das minorias étnicas no pós-Primeira Guerra, culminando mais tarde com a Declaração
Universal dos Direitos do Homem. O enfoque internacional dos direitos humanos tornou-
se uma disciplina totalmente diversa, autônoma, incluindo a questão dos refugiados, as
formas de combate à discriminação, dentre outras.
Um caso paradigmático que marcou essa internacionalização foi o das escolas
minoritárias na Albânia, julgado pelo TPDI. Ficou determinado nesse julgamento o
princípio de que o direito interno não pode se sobrepor a uma obrigação
internacionalmente pactuada. Isso foi positivado nos artigos 26 e 27 da Convenção de
Viena sobre Direito dos Tratados.
A criação da OIT, por sua vez, a fim de regular as condições mínimas de
trabalho, significou a transferência da competência interna para a internacional. Portanto,
os Estados delegaram parte da sua soberania para uma comunidade internacional, que
passou a ter a competência de regular essas condições por meio de instrumentos de direito
internacional.
Ao lado da Declaração Universal dos Direitos do Homem, foi realizada
também a Convenção de Prevenção e Repressão a Crime de Genocídio, que tipificou o
crime de genocídio – perseguição e tentativa de destruição de um determinado grupo –
que até então não estava caracterizado como delito.

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