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O principio da anualidade dos tributos e a flexibilidade constitucional Arx TouRINHO Professor de Direito Constitucional da UFBa, Procurador da Republica, Se- eretario-Geral do Instituto dos Advo- gados da Bahia. SUMARIO 1. Conesituagao do principio da anuatidade. 2. Relevancia, 3. Trajetéria constitucional, 4. Si- tuagao atual. + 1. Conceituagao do principio da anualidade © direito tributario tem vivido — nao sabemos até quando — de certos principios e nurmas que os (extos constitucionais consagram como indispensaveis para reger a ordem juridica nacional. Sao aspectos v: tidos como fundamentais, que se normatizam nas m&os do constituinte, a fim de que o legislador ordinario, sem obedecer a um procedimento mais rigoroso e complexo, nao altere 0 que se encontra na rigida Lei Maior. O principio da anualidade é um destes aspectos, embora vemos e sentimos, nos dias atuais, a situagaéo bem diferente. Para isto concorrem diversos fatores, inclusive maior projegzo do econdmico relativamente ao juridico, no mundo em que vivemos. © principio da anuatidade dos tributos revela, pela propria expressao estereotipada, a idéia do seu objetivo, a idéia do conjunto que pretende R. Inf, legisl, Brasilia o. 15 #. 58 abs./jun. 1978 3 representar. Quando se diz anualidade, refere-se a uma substantivacéo daquilo que 6 anual, do Jatim annualis. Para se conceituar o principio prefalado tem que se levar em consi- deragdo alguns aspectos precipuos, porque é possivel sua conjugagaéo com 0 principio da previsao orgamentaria. Em primeiro lugar, para que se configure o principio, 6 essencial que a cobranga de um tributo ins- tituldo ou majorado s6 ocorra no exercicio financeiro posterior aquele em que houve sua fixagao ou aumento. A 6poca da vigéncia da lei instituidora ou majoradora do tributo In casu 6, assim, um dado juridico importante e indispensdvel para se constatar a constitucionalidade ou nfo de uma cobranga. A vigéncla refe- rida deve ser entendida no sentido técnico-formal, ou seja, produgéo de efeitos juridicos © possibilidade de aplicagdo; entim, existéncia de obri- gatoriedade da norma legal (#). Nao havendo dispositivo legal que disci- pline especificamente a vigéncia de uma lei tributaria (como, verbl gratia, a Lei n? 5.172, de 25-10-72, cap. il) ou a propria tei fixadora do tributo ndo o faga (geralmente estabelece-se que a lei entra em vigor na data de sua publicagéo), deve-se aplicar a denominada Lei de Introdugdo ao Cédigo Civil Brasileiro (que, em verdade, 6 um decreto-iei — o Ditado de 1937 ndo foi respeitado pelo ditador e 0 Congresso Nacional esteve sempre fechado — 0 de n? 4.675, de 4-9-42). Assim, se uma lei que instiwi um tributo silencia quanto a sua vigéncia e inexistem dispositivos especificos quanto @ mesma, ira incidir no caso o art. 19 da aludida Lei de Introdugao, isto 6, a lei s6 entraré em vigor quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. O fato tem relevancia @ conseqiiéncias juridico-constitucionais, tendo-se em vista o principio da anualidade. Fi- gure-se a hipdtese de uma lei criadora de um tributo que fosse publicada em vinte de novembro deste ano e que estivesse, quanto a vigéncia, regulada pela Lei de Introdug&o (art. 19): sua vigéncia dar-se-ia 45 dias apos a publicagao, isto 6, em 5 de janeiro de 1978, mas, ex vi do principio da anualidade, a cobranga do tributo s6 poderia ocorrer em 1979, ja que a vigéncia da lei desencadear-se-ia apés 0 inicio do exercicio financeiro de 1978. © que se visa, fundamentalmente, 6 a cobranga do tributo. A institui- ¢40 ou 0 aumento pode existir a qualquer momento em que o legislador, através da norma legal, entenda ser oportuna ou conveniente, mas a res- trigéo ao seu discricionarismo est4, justamente, quanto ao tempo em que deva haver a cobranga. Este sera o Ultimo ato através do qual se exigiré do contribuinte o pagamento do crédito tributério. No sentido técnico-jurl- dico, cobrar 6 arrecadar, e Pedro Nunes, em Dicionario de Tecnologia Juridica, exemplifica com a expresso “cobrar impostos”. A arrecadagao, TA Wiptnca (do verbo viger, do latin 10, sentido, wbenieo-formal vigare) 6 wlidade de nome Que a far exile juridicamente @ & toma de observincia obrigatérie, late 8 fey ogi $00 Sara conclotos” — leas Mento da Siva tn “Apllcabidede dau Hermes onsitucionale’ So bavlo, 1068, ed, Rovieta doe Trbunale, pg. 43, na R. Inf, fepisl, Brosilia o. 15 m. 58 cbr./jun. 1978 no entendimento do jurista, 6 “ato pelo qual o fisco recolhe ou recebe certas rendas ou tributos langados por pessoa de direito piblico”. Assim, se se fosse dar a expressdo “cobrar’, na forma verbal “cobrado” do dispositivo constitucional, um sentido estritamente técnico-juridico, pode- riam ser praticados, a nosso sentir, todos os atos necessérios A constitui- gao do crédito tributario, chegando-se, inclusive, ao ato declaratério do langamento, mas vedada estaria ao poder pUblico a possibilidade de investir contra o contribuinte ou terceiros solidariamente responsdveis para exigir a cobranga do tributo, no mesmo exercicio financeiro em que entrou em vigor a lei. Mas como devem ser interpretados os vocabulos empregados em uma Constituigdo, preferentemente, em sua significagdo comum e nao técnica, tem-se como certo que os atos aludidos nao devem ser realizados. Em segundo lugar, pode-se conceituar o principio da anualidade, tendo-se em consideragao, tao-so, a prévia autorizagaéo orga- mentaria. Vincular-se os tributos ao principio da previsibilidade orgamen- téria 6 uma das formas de se consagrar o principio da anualidade, desde que se entenda que sé formalmente o orgamento é uma lei @ que o mesmo nao ocorre no sentido material, de modo que nao pode o orga- mento criar tributos. Sendo 0 orgamento, no fundo, um calculo prospectivo para um exercicio financeiro determinado, importa, sem duvida, na preexis- téncia da instituigéo de tributos. Este aspecto conceitual dependeré do direito positivo existente em determinada época, Por estas razdes, referimo-nos a dois aspectos conceituals possiveis de formulagao na anélise do prefalado principio da anualidade. 2. Relevancia Em um pais que consagre a propriedade privada dos meios de pro- dug&o como um verdadeiro principio de direito constitucional que sofre, apenas, as fimitagdes postas decididamente pelo proprio constituinte, nao € de se estranhar a retevancia do principio da anualidade dos tributes. Com este principio se procura resguardar de surpresas o patriménio da- queles que tém capacidade contributiva, isto é, daqueles que deverdo ser responsaveis pelo adimplemento de uma obrigagao tributéria. Entendeu-se que este principio tinha tao grande importancia que houve sua incluséo no elenco principiolégico dos direitos e garantias individuais. Surgiu de uma forma nao especifica na “Déclaration des droits de I'homme et du citoyen", de 26-8-1789 (art. 14), consagrando-se na Constituigao francesa de 1791 (Titulo V — Des Contributions Publi- ques — art. 2) e espraiando-se pelos mais diversos textos Constitucionais, AO sopro quente, inflamada e inflamével da corrente libertaria do liberalis« mo politico-econémico. Pelo mencionado principio, evita-se que o poder publico invista, inopinadamente, contra o cidadao, em um exercicio fi- nanceiro, exigindo-Ihe © pagamento de um tributo, Trata-se de seguranga R. Inf. legist. Brasilia o, 15 n. $8 abr./jun. 1978 us, tributéria, trata-se de evitar a imposigéo de um descompasso financeiro na vida de um cidadao. Carlos Maximiliano, com muito descortino, tratou deste aspecto (?), Mas, note-se que ndo 6 sé a pessoa fisica como cidadéo que recebe a protegao constitucional; também ao seu lado se encontra a pessoa juridica. Nao sao tanto, ou nao sao, exclusivamente, direitos indi- viduais que s&o resguardados, mas também aqueles direitos que superam os de ordem individual. Nao vemos muita razéo para se colocar o prin- cipio referido no elenco daquela declaragao de direitos, como também 86 se pode concordar com o entendimento do Prof. Aliomar Balesiro de que o principio da anualidade dé ao Congresso uma arma de represen- tagdo parlamentar, se se levar em conta o principio da prévia autorizagéo orgamentaria, Esta arma nao esta no principio da anualidade, mas sim no da legalidade dos tributos, formulado no antigo axioma do “no taxation without representation” (*). De qualquer sorte, nestes tempos de pouco respeito e intensa mini- mizagao dos direitos e seguranga destes em relagéo aos cidaddos, deve ser sempre defendida a consagracao do principio da anualidade no Ambito da declaragao dos direitos e garantias individuais. 3. Trajetéria constitucional © delineamento da trajetoria do principio da anualidade no direito brasileiro tem sua raz&o de ser, hic et nunc, para melhor compreensaio dos itens posteriores. As evolugées sofridas, as marchas e contramarchas vividas atestam as diversidades de comportamento politico, em determina- das fases da realidade nacional. A primeira Constituigéo brasileira, outorgada em 1824, n@o primou pela clareza quanto a fixagdo do principio. Diria mesmo que s6 uma interpretagao bastante favorével pode chegar A admissibilidade do prin- cipio. O dispositivo constitucional esté assim redigido: “Todas as contri- buigdes diretas, a excegao daquelas que estiveram aplicadas. aos juros de amortizagées da divida publica, seréo anualmente estabelecidas pela Assombléia Geral, mas continuardo até que se publique a sua derrogagao, ou sejam substituidas por outras” (art. 171). E de se notar que a referéncia 6 relativa apenas a “‘contribuigées diretas” estabelecidas anualmente pela Assembliéia Geral. Néo se pode dizer, assim, que ha referéncia clara ao principio. E possivel, isto sim, através de técnica interpretativa, 2) “Sona, “Sei, pol. andagondice 9 infeus « ato ‘home ‘do medidas. tomadee Frenmision Consitsigue Bremieire oo Pee, 187), lieapto aubitinea de novo tribute, desorganizando Prudente no desenvolvimento doe veue negocios: “vol. 8, 1908, Liveacla Editora Fraline ‘aalow, 4. arwalldade, expresso na Consttulgho Federal do 1048, reettut so Congreso # vale en a8 orgamon acile acl "Lean Cone ® 4 i agacl" nLite Con Stonais to Bodor de Tbuer Mode lank, t#7a, 2 was Foren” DAS. 16 R. Inf, legial. Brasilia a, 13 0, 58 al Aun. 1978 alcangar 0 mencionado principio, ainda mais que a pratica, no perfoda imperial foi, sempre, segundo se tem noticia, no sentido de se acatar a anualidade dos tributes. A Constituigao primeira de nossa Republica nao adotou o princi da anualidade, referindo-se, apenas, ao principio da legalidade (art. 72, § 30). Pontes de Miranda, entretanto, entende que se pode vislumbrar a anualidade no art. 34, § 19, que diz: “Compete privativamente ao Congres- so Nacional: 19 — Orgar a receita, fixar a despesa federal anualmente e tomar as contas da receita e despesa de cada exercicio financeiro.” (+) A nosso ver o dispositivo néo impediria que os poderes piblicos insti- tulssem um tributo no curso de um exercicio financeiro e o cobrassem, porque nao hé a obrigatoriedade da prévia autorizagao orgamentéria, Dou- tro modo dever-se-ia interpretar como uma demasia 0 preceito da Cons- tituigéo de 46 que se reporta, expressamente, a previsibllidade orgamen- taria para os tributos, quando outras dispositivos tratam do orgamento. Entende-se, no entanto, que se trata de complementagao, como o faz Carlos Maximiliano, comentando o mencionado Texto Constitucional (°). A extensa emenda constitucional, havida em trés de setembro de 1926, n&o fez suprir a omissdo da Lei Magna. N&o encontramos, também, nem na Constituigaéo de 1934, nem na de 1937, qualquer dispositivo alusivo 4 anualidade dos tributos. Esta ultima Constituigao nado merece invecagdo porque seus dispositivos fica- ram inertes em folhas de papel, porque foi uma Lei que nao teve a menor aplicag&o; os decretos-leis da ditadura estiveram no cume da estrutura juridica. Hé referéncias, naqueloutra Constituigaéo, ao orgamento, com a obrigatoriedade de se incorporar & receita estabelecida todos os tributos existentes, porém nao se pode dai deduzir a adogao do principio sub studio (nao é este, como visto, 0 pensamento de Pontes de Miranda). Verdadeiramente a imposi¢&o expressa, evidente e insofismavel vem surgir, no nosso direito constitucional positivo, através do art. 141, § 34, da Constituigdo de 1946, que giza: “Nenhum tributo seré exigido ou au- mentado sem que a lei o estabelega; nenhum sera cobrado em cada exer- cicio sem prévia autorizagéo orgamentarla, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e 0 imposto langado por motivo de guerra.” th a base do art 153, 5 sto do 1987 6 9 prinatalo corgamantiria dos Welvo 2 cada nna, porque eretcio") 6 gblelo de (ct. Consttuiede’ Pollen Constituigto de 1891, an. 33, § 1.9; Conatiico de 1934, art. 80, 20 § 12, 66.0 65 12,98, 80 mn 405" — tn “Camantérion |. Revista dos Tribunals, 2 04., 1974, lomo V, p49. B17. (5) "0 art 141, § 34, completa o estabslecide no sttige 65, n° |, € ne . — In *Comen- ‘drios & Constituigéo Brasileira de 1946", Alo da Janeiro, Livraria Ni, pag. 167. R, Inf, legisl, Brosilia a. 15 nm. 58 abr./jun. 1978 7 Por este dispositive, sujeitou-se a cobrabilidade dos tributos (impos- tos, taxas, contribuig&o de melhoria) & autorizag8o orgamentéria, © que equivale a estabelecer o principio da anualidade, J que, por forga do art. 74, a lei orgamentéria deveria ser enviada & sang&o até o dia 30 de novembro de cada ano, sob pena de prorrogacao, para o exerciclo vin- douro, do orgamento que eéstivesse em vigor. Desta forma, jamais um tributo poderia ser instituido @ cobrado dentro de um 86 exercicio finan- celro, por total impossibilidade de ordem juridico-constitucional, a nao ser os dois tributos excepcionados expressamente. Em 1964, através de uma emenda constitucional — a de n? 7 — de cardter temporério, apenas sete meses e nove dias, e de artigo Unico, fol afastada a obrigatoriedade da autorizagéo orgamentéria. O principlo fol ensombrado por um eclipse total. Posterlormente, a Emenda Constitucional n? 18, de 19-12-1965 — fruto de um trabalho de grande extensfo @ aprofundamento, desenvolvido Por uma comissdo de alto nivel intelectual, preocupada, primordial @ fun- damentalmente, com o asvecto econémico, sendo esta a ténica da refor- ma — coarctou, sensivel 6 drasticamente. o principio da anualidade, pas- sando, no fundo, a ser reora a Inexisténcla da anualidade dos tributos. A excecao a esta reara foi para os impostos sobre 0 patriménio 6 a renda. Expressis verbis, giza o art. 2%. Il. da apontada emenda: “€ vedado A Unl&o, aos Estados. ao Distrito Federal e aos Municioios: cobrar impostos sobre 0 patriménio e a renda, com base em lei posterlor A data inicial do exerciclo financeiro a oue corresponda.” Sacriticou-se a “seouranca tributéria” do cidad%o para atender anelos de ordem econdmica. para responder presente ao fetiche do decantado progresso econémico. E 6 Justamente este elemento valorativo aue tem provocado a subjusagtn de todos os demals setores culturals. nos tempos que correm. de forma consciente ou nao, embora. paradoxalmente. n&o se acelte a tese da diver- sidade estrutural: econdmica e Ideoldgica e sua Inter-relacho. A Constituic&o de 1967. de nascimento hibrido. restaurou a mesma férmula utilizada pela Constituinte de 46. alterando, téo-s6, para melhor, a concordancia verbal, em uma das oragdes. Finalmente, a Emenda Constituclonal n? 1, de 17-10-1969, mantendo © principio, abriu-the. entretanto, tantas brechas, sob forma de excecées. que praticamente o desfigurou e o transflaurou. Assim 6 que no estavam sujeltos & imperatividade do principio a tarifa alfandeqéria. a de transporte (que segundo consenso doutrinario n&o 6 tribute, mas “prego publico”. de sorte que ndo precisarla estar inclulda neste rol, pols o principlo se volta, apenas, para os tributos), o imposto sobre produtos industrializa- dos, 0 Imposto fangado por motivo de guerra e os demals casos pre- vistos na prépria Constituigao, ou seja, imposto de exportagéo (passivel de ter a allquota ou base de calculo alterado), Imposto unico de impor- tagdo de lubrificantes e combustiveis liquidos ou gasosos e de energia ne R. Inf, legit, Brasilia 0. 15 m, 58 abr./jun. 1978 elétrica e, por fim, as contribuigdes especiais. Pontes de Miranda equi- voca-se, quando diz que a previs&o orgamentéaria esta posta nesta Cons- tituigdio (°). A vida constitucional do principio da anualidade, como visto, no foi retilinea. Surgindo, no Império, sem muita expressividade, obscurecida @ esquecida durante os primeiros cingiienta e cinco anos de nosso periodo republicano, ressurge num periodo de vigoroso restabelecimento demo- cratico e@, sofrendo embates, declina até os dias atuais, perdido entre ressalvas varias (veremos, adiante, a Emenda Constitucional n° 8/77). O ciclo vital que em nada deveria ser igualado ao humano, entretanto, compartilha com este no desabrochar e no fenecer. Nascido de um parto que n&o foi téo facil, vivendo alguns percalgos e, finaimente, ingressando na curvatura do declinio para sofrer a agonia da extingdo, o principio & a propria “repetitio” do ciclo invocado. 4. Situagao atual 4a Em primeiro de abril do corrente ano, através do Ato Complementar n? 102, 0 Presidente da Reptblica decretou 0 recesso do Congresso Na- cional e, considerando que. em tal situag&o, cabe ao Poder Executivo Federal exercer ampla atividade legifera, promulaou, entéo, a emenda constitucional aue veio receber o n° 8 para uma Constituicaéo que conta apenas com 10 anos de vida, muito préximo, portanto, ao seu berco. N&o vamos apreciar, aqui, 0 aspecto da constitucionalidade ou nado da referida emenda como ja o fez o jurista José Afonso da Silva, uma vez que © nosso objetivo maior 6 a andlise do principio tantas vezes apontado. A aludida emenda constitucional deu a seguinte redagao ao art. 153, § 29, do Texto Maior: “Nenhum tributo serd exigido ou aumentado sem que a lei o estabelecga, nem cobrado. em cada exercicio, sem que a lei que © houver instituido ou aumentado esteja em viaor antes do Inicio do exercicio financeiro, ressalvades a tarifa alfandegéria e a de transporte, 0 imposto sobre produtos industrializados e outros especialmente indicados em lei complementar, além do imposto langado por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituigao” (grifamos). Mantidas as ressalvas da Emenda Constitucional n? 1, a vigente acrescentou uma que, verdadeiramente, aniquilou o principio em sua fei- ¢40 constitucional: lei complementar poderé excepcionar o principio da anualidade, estabelecendo tributos que podem ser cobrados no mesmo exercicio financeiro de sua instituigao. (@ “Porém, 0 principle du anuslidade ndo contém o principio da necessidade de proviso orcamentaria oe troutes que se pSe no ac. 155, § 28, 2% paria, da Gonaliluigho ce 1967" — op. cll, [biden R. Inf, esi Brasilia a. 15 n. 58 obr./jun. 1978 9 4b. A partir da Emenda Constitucional n° 17/65, a expressio “lel com- plementar” passou a figurar, detinitivamente, em nosso direito positivo, ocupando-se, cada vez mais, de estabelecer complementagdes aos dispo- sitivos constitucionais. Foi a técnica adotada, principalmente, pela cons- tituinte de 67 @ pelo reformador de 69, que apresenta vantagens, mas, também, por vezes, desvantagens. Sempre que o legislador maior néo quis descer a detalhes, fixando aspectos vdrios, mas entendendo que a maiéria necessitava de um disciplinamento que obtivesse uma aprovac&o qualificada e mais rigorosa, reservou-a para a incidéncia da legislagto complementar. Em verdade a lei compiementar sé vai se distinguir da tel ordinaria em um Gnico aspecto: o quorum de aprovacdo. Exige-se para aprovacio da lei complementar a maioria absoluta dos votos dos mem- bros da CAmara dos Deputados e do Senado Federal. enquanto que, em relagéo & lei ordinaria, 0 quorum 6 maioria simples. Os demals tramites, perseguidos por ambas as espécies legislativas, s40 idénticos. Por outro lado, estabelecendo o constituinte origindrio ou derivado campos especificos de atuacao da lei complementar, afastov a possibili- dade de normas, tais como as Insitas em leis ordindrlas, incidirem sobre os referidos campos, sob pena, & evidente, de se viciarem de inconstitu- clonatidade, Quanto a posicdo hierérquica da lei comolementar em retacdo a lei ordinarla, tem-se dito que aauela esta situada em plano superior. € 2 opiniae. por exemplo. de Geraldo Ataliba (7). Mas, 6 de se ver que a lei complementar tem campo especifico de atuacdo e 36 neste ela 6 superior, porque se se desborda ela da matéria a si reservada pelo constituInte, passando a disciplinar uma matéria cue 6 passivel de atuacdo da lei ordl- néria. néo hé davida de que esta poderé derroaar aquela no particular do extrapolamento. Nao se dica oue o extrapolamento da fei comolementar configura uma inconstitucionalidade. porque se trata de esnécie normative cujo procedimento em nada contraria ao adotado para a realizac&o da lel ordinéria, a no ser quanto a0 ayorum de aprovacéo aue é mals rigoroso. Ora, se se pode fazer atuar sobre ceria matéria uma Sei ordinaria — aue exige um quorum menos riaoroso — ndo vemos poraue n&o atue sobre a mesma lei complementar. Nao esté a se exigir o menos. porém o mals. Ao Inverso, toda vez que a lei ordindria investir sobre matéria que 4 deixada pelo constituinte ao disciplinamento de lei comptementar, nfo hé divida de que existiré vicio de inconstitucionalidade, por dois motivos: 1%) porque se viola uma disposi¢ao expressa da Constituig¢éo que determina que certa matéria seja tratada através da lei complementar; ¢ 2°) porque a exigéncia felta para o quorum de aprovagdo da lei complementar 6 qualificado, um requisito de ordem constitucional. —_—— ——7 7 Posi daw fl consttctanle, Yoaaoy, ay complemaatars seuiteeimacaument, dug, oringis a Leal coreaponde sate oradagto. A prinina coneadncla Wuriicn deat chcunatincle ‘acon ‘ata ot en, bem dec Soma vert in tel Conplementer a Const: SR Beate od, Revi dos Tribunal, 1977 la. 20) 120 R. Inf. fogisl, Bresitia a, 15 m, 58 abr./jun. 1978 Deu-se & lei complementar uma importancia muito grande no trato do principio da anualidade, por isso mesmo fazia-se mister aprecia-la em alguns aspectos de maior interesse in casu. 4c. A doutrina é geral no consenso de admitir que a Constituigao brasi- leira possui uma supremacia formal, portadora de rigidez; trata-se, pois, de Constituigao rigida. Isto quer dizer que as normas constitucionais s6 podem ser alteradas ou emendadas pelo poder reformador, ou poder cons- tituinte de segundo grau, como o denominou Pontes de Miranda, através de um procedimento especifico, diverso daquele que 6 fixado para a produgao legislativa ordinaria. Se nao se obedece ao ditame procedimen- tal, a alteracdo é invalida, “nula e frrita”, como diria o grande Rui, porque estaria inquinada de um vicio de inconstitucionalidade formal stricto sensu. A Constituicdo vigente traca, nos arts. 47 usque 49. 0 procedimento a ser trilhado pelo reformador com o objetivo de emendar o seu proprio texto, Assim é que a proposta de emenda, se partir do Legislativo, devera conter a assinatura de um terco dos membros das duas Casas do Con- gresso Nacional; se provier do Executivo, basta a assinatura do seu chefe; a discuss4o e a votacdo da proposta de emenda devem ocorrer em reu- nigo do Congresso Nacional, durante duas sess6es, no prazo fatal de noventa dias e para sua aprovacdo & necessario que, em ambas as ses- ses, a maioria absoluta dos votos do total de membros do Congresso Nacional se manifeste favoravelmente. Por fim, as Mesas da Camara dos Deputados e do Senado Federal 2 promulgam, sem a interferéncia, por- tanto, do Poder Executivo para fins da sangao ou nao. A importancia, assim. de uma Constituic3o riaida decorre das maio- res dificuldades que s4o postas para sua alteracdo ou reforma e, conse- qiientemente, da-se-Ihe uma posicdo tnica em relacéo a qualquer norma juridica que se crie dentro do ordenamento nacional. €, em verdade. uma garantia da supremacia do Texto Maono, pois nao tera validade um dispo- sitivo legal que contrarie a norma constitucional. Sé através da reforma prevista e tracada procedimentalmente na Lei Maior é que se pode admitir a validez de uma norma que altere, que se oponha & norma ou as normas insitas na Constituigdo. Fora dai haverd inconstitucionalidade. Quanto a esta questéo de alteracéio do texto constitucional, j4 os tedricos do século XVIII. preocupades com a superioridade da Constitui- ao eserita, se manifestavam de maneira discordante e trés opinides dis- tintas podiam ser colhidas, conforme jé ensinava, no século passado, o classico A. Esmein (*). Uns entendiam que para a modificacao da Lei Fun- damental deveria haver sempre a concordancia de todos os cidadaos. Outra corrente de opinido, & frente Sieyés, expendia 0 raciocinio de que os poderes constitucionais deveriam sempre enxergar as leis constitucionais como intocaveis, mas tal nao deveria ocorrer, quando se tratasse da “na- {a “Elements de Droit Constitutionnst Frangais et Comparé” Paris, Librairie de Ia Sociste du Reoveil ~ 3-8. Sivey et du Journal du Palais, 1908, 5.° 6d,, page, 503-596, R, Inf. legis!. Bros a. 15 n. 58 abr./jun, 1978 120 g8io”, j4 que esta deveria gozar de toda a liberdade para efetivar as alte- ragées neceasérias. E, por fim, a terceira posig&o que veio a triunfar fol aquela que os constituintes americanos e franceses criaram: a Constitulgaéo pode ser revisada pela autoridade determinada e através de procedl- mento fixado por ela préptia, como bem anota Esmein (°). Gom isto se reforgou a relevancia da Constituigao dentro da ordem juridica de um pais. O que podemos observar, entretanto, na norma transcrita que trata do principio da anualidade 6 que, por via indireta, sua natureza quanto a0 processo de reforma, é flexivel ou plastica, por equiparagdo. A razéo & bem simples: deferiu-se & lei complementar a possibilidade de fixar exce- gées ao principio, estabelecendo outros tributos, além daqueles que |é estado gizados no dispositivo constitucional, que néo necessitam de estar Jungidos ao crivo do prinefpio. O que existe de grave 6 a permissibilldade estendida ao legistador ordinério ad infinitum de delinear um elenco de tributos de tal ordem que atinja todos no sentido de subtral-los ao princi- pio. Se vier a ocorrer esta hipdtese, e ela no 6 cerebrina, mas, muito 20 contrério, perfeltamente vidvel, logicamente provével e juridicamente vall- da, teremos, sem divida, 0 aniquilamento do principio da anualidade. Por via obliqua, sem reforma ou emenda constitucional, o legislador podera esvaziar In totum a norma constitucional. Por Isto mesmo afirmamos que esta norma, por equiparagdio, pode ser tida como flexivel. Haveré flexibili- dade da norma constitucional toda vez que a mesma possa ser reformada pelo legislador comum, sem recorrer a procedimente caracteristico pré- prio. E por isso que a Constituigéo costumeira traz sempre como uma Ca- racteristica sua a flexibilidade, pois ndo apresenta ela o estabelecimento de uma forma procedimental a ser observada para sua alteragao. E o en- tender doutrinario de Bryce, 0 responsdvel pelo delineamento dos carac- teres das Constituigées dos tipos flexivel e rigida, conforme indicag&o do Prof. Nélson Sampaio (!°}. No caso em tela, se 0 legislador pode retirar a eticacia da norma constitucional a tal ponto que ela perca a aplicabilidade, n&o hd por que ndo comparé-la a uma norma flexivel. Dependeré, portan- to, exclusivamente, do legislador ordindrio a manutengéo do principlo da anualidade, por determinagdo expressa do Presidente da Repdblica, al- gado a poder reformador pela norma institucional. Podemos concluir, tendo em consideragdo que cabe, atualmente, a0 legislador ordindrio, de bragos com o executivo, tornar Ineficaz, em tal grau de intensidade, o principio de anualidade, que este, da dtica do direito constitucional, esté aniquilado. (0) “La Constitution ne peut the modinée et reviste que par lautontd et par a prockdure, qu'elle 0 storming steam: male, elle peut surement dre mode par cute auiodw et conor ‘atte prooddure™ (ona oa 8 10). 00) “A carecrertznys0 desas9 digida 9 enrol — 4 devida, come oe, sake, a Wate seccia, aii, a foiade 12 hat got” Conan “iconmon ftitona|" coma um atibuts ‘cam ei onstlgber escrta do Relno de lila 8 ca Repddiien do’ Faneva a0, edo coe cesta ato nico» Runa’ “in "Redo loma Conte, Bain Live Progroaso, 184, pag. €2 122 R. inf. legisl. Brosilia a. 15 n. 58 abr-/Jun, 1978

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