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x Rosert M. SapoLsky Orin) (oto) areca nuECe (oS guia sobre como lidar com OM ate ee} males e doencas associados aele POR QUE AS ZEBRAS NAO TEM ULCERAS? Bases Outras obras de Robert M. Sapolsky Memorias de um primata The Trouble with Testosterone Stress, the Aging Brain, and the Mechanisms of Neuron Death Ropert M. SaAPOLSky POR QUE AS ZEBRAS NAO TEM ULCERAS? O mais conceituado guia sobre como lidar com o estresse e os males e doencas associados a ele Traducao Ana Carolina Mesquita 7 a Consultoria Profa. Dra, Regina Célia Spadari-Bratfisch Copyright © 1994, 1998 de W. H. Freeman, ¢ 2004 por Robert M. Sapolsiey Titulo original: Why Zebras don't Get Ulcers Copyright © 2008, Editora Landscape Ltda. “Todos os direitos reservados. [mpresso no Brasil, Newhuma parte deste livro pode ser uilizada, reproduzida ou armazenada em qualquer forima ow meio, se)a mecinico ou letronica, por fotocopis, gravacao ete. sem a penmissao por escrito da elitor, Coordenacao editorial: Fernando Nuno (Estudio Sabia) Preparacdo: Hebe Lucas Revisao: Bruno SR, Valéria Sanalios e Mariana Fusco Varella Capa e diagramacao: Tony Rodrigues Dados Internacionsis de Catalogagio na Bublicagio (CIP) (Caimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Sapolsky, Robert M. i: Por que as zebras no tém tileeras? / Robert M. Sapolsky ; traducio Ana Carolina Mesquita ; consultoria Regina Célia Spadari-Bratfisch. —Sio Paulo : Francis, 2007. Titulo original: Why zebras don't get ulcers Bibliografia ISBN 078-85-80362-73-3 1. Administragio do estresse 2. Estresse (Fisiologia) 3, Eistresse (Psicologia) I Spadari-Bratfisch, Regina Célia. 11. Titulo. CDD-616.98 07-10571 NLM-WM 172, Indices para catalogo sistematico: 1. Doengas eausadas pelo estresie ; Medicina 616.98 2. Estresse : Medicina 616.98 Editora Landscape. 7 . ; nistro Nelsor i _ 10 - Fone/Fax (11) 3758-4422 Para Lisa, minha melhor amiga, que tornou a minha vida completa SUMARIO Prefacio, 9 I - Por que as zebras nao tém ulceras?, 15 2 -Glandulas, arrepios e horménios, 33 3 - Derrames, ataques cardiacos e morte vodu, 5/ 4 - Estresse, metabolismo e liquidagao de ativos, 72 5 - Ulceras, diarréias e sundaes com calda de chocolate, 86 6 — Nanismo e a importancia das maes, 108 T - Sexo e reproducao, 138 8 — Imunidade, estresse e doencas. 162 9 - Estresse e dor, 207 10 - Oestresse e a memoria, 224 11 - O estresse e uma boa noite de sono, 250 12 - Envelhecimento e morte, 264 13 - Por que o estresse psicoldgico € estressante?, 277 14 - Estresse e depressao, 297 15 — Efeitos do estresse relacionados 4 personalidade e ao temperamento. 338 16 — Prazer, vicios e viciados em adrenalina, 364 17 - Uma visio de baixo. 382 18 — Como administrar 0 estresse, 415 Notas, 452 Créditos das ilustracgdes, 561 indice. 563 PREFACIO Talvez vocé tenha se deparado com este livro ao revirar as obras de uma livraria, Se for este o caso, dé uma olhada de soslaio no sujeito do fim do corredor, aquele fingindo estar absorvido num livro de Stephen Hawking. Ha grandes probabilidades de que ele nao tenha perdido nenhum dedo devido a lepra, nem esteja coberto de cicatrizes de variola, tampouco apresente tremores tipicos da malaria. Provayelmente aparenta ser saudavel — 0 que significa que possui as mesmas doencas da maioria de nos, ou seja, niveis de colesterol elevados para um primata, audicao muito menos precisa do que a de um cagador-coletor de sua idade e certa tendencia a aliviar a tensao com calmantes do tipo Valium. Na atual socie- dade ocidental, tendemos a desenvolver enfermidades diferentes das que costumavamos ter antigamente, com causas ¢ conseqiiéncias bastante dife- rentes. Ha um milénio, uma jovem cacadora-coletora desavisada comeria ‘um antilope afticano infestado com antraz e as conseqtiéncias seriam Obvias: apds alguns dias, estaria morta. Hoje, um jovem advogado, sem refletir muito, decide que carne vermelha, frituras e duas cervejas no jan- tar constituem uma dieta ideal, ¢ as conseqiiéncias sao menos Obvias: meio século depois, ele podera estar incapacitado devido a doencas cardiovas- culares, ou talyez entretido em passeios de bicicleta com os netos. Tudo dependera de alguns fatores de processabilidade, tais como a forma com que seu figado lida com o colesterol, do nivel de certas enzimas em suas células adiposas e se ele possui doencas congénitas nas paredes dos vasos sangtineos. Contudo, esse resultado também dependeraé amplamente de fatores-surpresa, como a personalidade desse homem, a quantidade de estresse emocional yivenciada ao longo dos anos ¢ se ele pode chorar no ombro de alguém quando esses acontecimentos estressantes ocorreram A medicina esta passando por uma revolucéo no tocante a forma como pensamos as doengas que hoje nos afligem. Uma revolucao que oloysaud PREFACIO envolveu o reconhecimento das interagdes entre o corpo e a mente, bem como das maneiras com que as emogées ¢ a personalidade séo capazes de exercer um forte impacto no funcionamento e na satide de cada célula do corpo. Essa revolucao trata do papel do estresse ao tornar alguns de nos mais vulneraveis as doencas; diz respeito as maneiras como lidamos com agentes estressantes; e se estende sobre a nogao critica de que é impossivel entender uma enfermidade de forma isolada, mas somente no contexto do individuo que dela padece. E disso que trata este livro. Comeco por esclarecer o significado do conceito nebuloso de estresse e por ensinar, com o minimo de sofrimento possivel, como diversos horm6nios ¢ regides do cérebro se mobilizam em resposia a ele. Em seguida, focalizo as ligacoes entre o estresse e 0 aumen- to do risco para certos tipos de doencas, abordando, a cada capitulo, os efeitos do estresse no sistema circulatorio, nas reservas de energia, no crescimento, na reproducao, no sistema imunolégico etc. Depois, desere- yo como o envelhecimento pode ser influenciado pela quantidade de estresse vivenciada ao longo de uma vida. Por ultimo, examino a ligacdo entre o estresse e a mais comum e devastadora das doencas de ordem psi- coldgica, a depressao profunda. Adicionei dois novos capitulos a esta ter- ceira edigao atualizada, um sobre as interagGes entre estresse € sono, € 0 outro sobre a relacao entre estresse e vicio. Alem disso, reescrevi cerca de um terco do material publicado nas edigées anteriores. Algumas das descobertas deste livro sao cruéis. Estresse continuo ow repetitivo pode destruir nosso corpo de maneiras infindéveis. No entanto, a maioria de nos nao se encontra incapacitada por causa do estresse. Ao contrario, aprendemos a lidar com ele, tanto psicolégica quanto fisio- logicamente, ¢, em alguns casos, nos saimos muito bem. Para o leitor que se mantiver firme até o fim do livro, o capitulo final revisa tudo o que se conhece a respeito de administragao do estresse e mostra como alguns de seus princfpios podem ser aplicados no dia-a-dia. Ha muitos motivos para ser otimista Acredito que todos podem se beneficiar de algumas das idéias apre- sentadas nesta obra e entusiasmar-se com a ciéncia na qual foram basea~ das, que pde a nossa disposicéo alguns dos mais elegantes e estimu- lantes quebra-cabecas que a vida tem a nos ofertar e que coloca na arena das discussoes morais idéias das mais provocadoras. As vezes, melhora a nossa vida, Amo a ciéncia, e doi-me pensar em como tantas pessoas sentem pavor do assunto, ou acham que a escolha pela ciéncia pressu- poe o descarte da compaixao, das artes ou do encantamento diante da natureza. A ciéncia nao foi feita para acabar com o misterio, mas sim ira reinyenta-lo e revigora-lo. Portanto, acredito que todo livro cientifico destinado ao ptblico leigo deve tentar transmitir entusiasmo, tornar o assunto interessante € acessf- yel até mesmo para aqueles que nao morreriam de interesse por ele. Esse foi um dos meus objetivos especificos ao escrever esta obra, Muitas vezes tive de simplificar idéias complexas, fato que procurei contrabalancar for- necendo referéncias copiosas e sutilezas acerca das informacoes apresen- tadas no texto principal. Essas referencias sao um excelente ponto de par- tida para aqueles que desejarem se aprofundar no assunto Varias secoes deste livro tratam de assuntos sobre os quais estou longe de ser um especialista, e, enquanto as redigia, requeri conselhos, esclareci- mentos ¢ chequei fatos com um grande numero de sthios. A todos eles agradeco pela generosidade de doar tempo ¢ conhecimento: Nancy Adler, John Angier, Robert Axelrod, Alan Baldrich, Marcia Barinaga, Alan Bas. baum, Andrew Baum, Justo Bautisto, Tom Belva, Anat Biegon, Vic Boff (cuja marca de complexos vitaminicos enfeita os armérios da casa de meus pais), Carlos Camargo, Matt Cartmill, M. Linetre Casey, Richard Chapman, Cynthia Clinkingbeard, Felix Conte, George Daniels, Regio DeSilva, Irven DeVore, Klaus Dinkel, James Doherty, John Dolph, Leroi DuBeck, Richard Estes, Michael Fanselow, David Feldman, Caleb Tuck Finch, Paul Fitzgerald, Gerry Friedland, Meyer Friedman, Rose Frisch, Roger Gosden, Bob Grossfield, Kenneth Hawley, Ray Hintz, Allan Hobson, Robert Kessler, Bruce Knauft, Mary Jeanne Kreek, Stephen Laberge, Emmit Lam, Jim Latcher, Richard Lazarus, Helen Leroy, Jon ieee Seymour Levine, John Liebeskind, Ted Malcovena, Jodi Maxmin, Michael Miller, Peter Milner, Gary Moberg, Anne Moyer, Terry Muilenburg, Ronald Myers, Carol Otis, Daniel Pearl, Ciran Phibbs, Jenny Pierce, Ted Pincus, Virginia Price, Gerald Reaven, Sam Ridgeway, Carolyn Ristau, Jeffrey Ritterman, Paul Rosch, Ron Rosenfeld, Aryeh Routtenberg, Paul Saenger, Saul Schanburg, Kurt Schmidt-Nielson, Carol Shively, J. David Singer, Bart Sparagon, David Speigel, Ed Spielman, Dennis Styne, Steve Suomi, Jerry Tally, Carl Thoresen, Peter Tyak, David Wake, Michelle Warren’ Jay Weiss, Owen Wolkowitz, Carol Worthman e Richard Wurtman. i Agradeco particularmente as pessoas — amigos, colaboradores, BAS € ex-professores — que arranjaram tempo em sua atribulada agenda para ler alguns capitulos. Tremo s6 de pensar nos erros e distor- coes ue teriam permanecido caso eles nao houvessem me dito com toda a delicadeza que havia correcdes a serem feitas, Sinceramente eu Ihes agtadeco: Robert Ader, da Universidade de Rochester: Senta Bezruchka, da Universidade de Washington; Marvin Brown, de Universidade da California, San Diego; Laurence Frank, da Universidade dae alstaas) Bidrelees eater ue eeilek ha ok cole OlDvdaud PREFACIO Jay Kaplan, da Bowman Gray Medical School; Ichiro Kawachi, da Universidade Harvard; George Koob, da Scripps Clinic; Charles Nemeroff, da Universidade Emory; Seymour Reichlin, do Tufts/New England Medical Center; Robert Rose, da MacArthur Foundation; Tim Meier, da Universidade Stanford; Wylie Vale, do Salk Institute; Jay Weiss, da Universidade Emory; ¢ Redford Williams, da Univer- sidade Duke. Numerosas pessoas foram responsaveis por tirar esta obra do rascu- nho ¢ dar-lhe sua forma final. Muito do material apresentado nestas paginas foi desenvolvido em inttmeras palestras de educacao medica, apresentadas sob os auspicios do “Institute for Cortext Research and Development” e de seu diretor, Will Gordon, que me franqueou acesso e apoio na pesquisa dessas informacoes. Bruce Goldman, da série “Portable Stanford”, foi quem primeiro plantou a idéia deste livro em minha cabeca, e Kirk Jensen me recrutou para a editora “W. H. Freeman and Company”. Ambos auxiliaram na apresentacao inicial da obra. Por fim, minhas secretarias, Patsy Gardner e Lisa Pereira, me ajudaram muito em todos os aspectos logisticos necessatios para amarrar o livro. Agradeco a todos voces, ¢ aguardo ansiosamente que no futuro trabalhe- mos juntos mais uma vez. Recebi enorme ajuda na organizacao ¢ na edic: deste livro, pelo que agradeco a Audrey Herbst, Tina Hastings, Amy Johnson, Meredyth Rawlins e, acima de tudo, a meu editor, Jonathan Cobb, que foi um maravilhoso amigo ¢ professor em todo 0 processo. John Michel, Amy Trask, Georgia Lee Hadler, Victoria Tomaselli, Bill O’Neal, Kathy Bendo, Paul Rohloff, Jennifer MacMillan e Sheridan Sellers: ajudaram na segunda edicao. Liz Meryman, responsavel por escolher as imagens da revista Natural History, ajudando a fundir as culturas artistica e cientifica naquela publicacao belissima, consentiu graciosamente em da primeira edicao ler o original ¢ ofereceu conselhos espléndidos na selecdo iconogralica. Agradeco ainda a Alice Fernandes-Brown, responsavel por tornar minha idéia para a capa uma agradavel realidade. Nesta nova edicao, a ajuda veio de Rita Quintas, Denise Cronin, Janice O'Quinn, Jessica Firger € Richard Rhorer, da Henry Holt. Foi um enorme prazer escrever este livro e acredito que ele reflita um dos tracos da minha vida pelo qual mais me sinto grato: o fato de que gosto tanto de ciéncia que ela se tornou ao mesmo tempo meu trabalho & minha paixao. Agradeco aos mentores que me ensinaram a fazer ciéncia €, mais do que isso, me ensinaram a gostar de ciéncia: ao falecido Howard Klar, a Howard Eichenbaum, a Mel Konner, a Lewis Krey, a Bruce McEwen, a Paul Plotsky e a Wylie Vale. Um grupo de assistentes de pesquisa foi indispensavel na escrita deste livro. Steve Balt, Roger Chan, Mick Markham, Kelley Parker, Michelle Pearl, Serena Spudich e Paul Stasi percorreram poroes de arquivos de bibliotecas, ligaram para estranhos de todas as partes do mundo ¢ os encheram de perguntas, transformaram artigos obscuros em algo coerente. No cumprimento do dever, procuraram desenhos de cantores de Opera casirati, o menu diario dos campos de internamento japoneses-americanos, as causas da morte vodu ea historia dos pelo- toes de fuzilamento. Toda a pesquisa foi feita com competencia, veloci- dade e humor fenomenais. Quase com certeza absoluta, este livro jamais teria se concluido sem sua ajuda e, sem ela, teria sido muito menos divertido escrevé-lo. Por ultimo, agradeco a minha agente, Katinka Matson, e ao meu editor, Robin Dennis, que foram Gtimos parceiros profissionais. Espero ansiosamente por muitos mais anos de trabalho conjunto pela frente Partes deste livro descrevem experimentos conduzidos em meu pré- prio laboratorio, pesquisas que sé se tornaram posstveis por meio do financiamento dos National Institutes of Health, do National Institute of Mental Health, da National Science Foundation, da Sloan Foundation, do Klingenstein Fund, da Alzheimer’s Association e da Adler Foundation. O trabalho de campo na Africa aqui descrito $6 pode ter lugar gracas a generosidade de longa data da Harry Frank Guggenheim Foundation. Por fim, agradeco efusivamente 4 MacArthur Foundation por oferecer apoio a cada aspecto de meu trabalho. p Finalmente (¢ de maneira Gbvia), este livro cita os trabalhos de um ‘menso numero de cientistas, uma vez que os experimentos cientificos _ de laboratorio de hoje io feitos em geral por grandes equipes. Ao longo do livro, yisando unicamente o bem da conci mee ! , fago referéncias aos tra- leste ou daquele pesquisador, mas quase sempre esses trabalhos foram conduzidos por eles em conjunto com muitos jovens colegas. Existe entre os psicdlogos do estresse a tradigao de dedicar livros a “EUS COnjuges ou a pessoas queridas. Ha 0 costume nao escrito de incluir ae engracadinho sobre o estresse na dedicatoria. Portanto, este livro ¢ pes Babe ane atenua meus fatores estressantes; a Arturo, fonte a ete @a minha esposa, que ao longo dos uiltimos anos aguen- ; ipertensio provocada pelo estresse, minha colite ulcerativa, ae ce libido © meu deslocamento de agressao. Na verdadeira % € livro 4 minha esposa deixei de lado este estilo, pois o que tinha a Ihe dizer era algo muito mais simples. 13 Oloviaud M ULCERAS? a a c m > “a N m ao wa > a z DB oD 0 T AO 2H DA manha e voce esta deitado na cama. Vocé tem algo extre- —7 mamente importante e desafiador a fazer no dia seguinte — um encontro crucial, uma apresentacao, um exame. Precisa de uma noite de sono decente, mas ainda esta muito desperto. Tenta entao diversas estra- " tégias para relaxar — respira devagar e profundamente, procura imagi- nar uma calma vista nas montanhas —, mas, em vez de se acalmar, nao para de pensar que, se nao adormecer dali a um minuto, a sua carreira estar terminada. Assim, continua deitado, mais tenso a cada segundo. Se isso acontece regularmente, em algum momento la pelas 2h30, quando estiver irremediavelmente inquieto, com certeza irrompera um pensamento intruso novo e dilacerador. De repente, em meio a todas as Ppleocupacoes, vocé comeca a refletir sobre aquela dorzinha de lado que vem sentindo, aquela sensacao de exaustao dos ultimos tempos, aquela dor de cabeca constante. Subitamente, tudo fica claro: estou doente, com alguma doenca fatal! Oh, por que nao notei os sintomas, por que fui nega-los, por que nao fui ao médico? Quando sao 2h30 em manhas como essa, sempre tenho tumor cere- bral. Tumores cerebrais sao muito tteis para esse tipo de terror, pois para justificar o panico € possivel atribuir a eles qualquer sintoma inespecifico. Talvez yoce tambem pense que sofra da mesma coisa; ou quem sabe fique ali deitado imaginando que tem cancer, uma tlcera ou entéo que acabou de sofrer um derrame. Mesmo sem conhecé-lo, suponho que vocé nao pensa: “Eu sei, sim- plesmente sei: estou com lepra”. E ou nao €? F extremamente improva- vel que, caso vocé sofra de um desarranjo intestinal, fique obcecado com a possibilidade de vir a desenvolver um caso grave de disenteria. E muito poucos de nds ficam la deitados convencidos de que seu corpo esta pululando de parasitas intestinais ou baratas-do-figado. 15 16 uM CAPITULO Epidemia de gripe, 1918. Claro que nao. Nossas noites nao sao repletas de preocupacdes com ca. A colera nao assola as nos- a febre escarlate, nem com a peste bubéni sas comunidades; oncocerciase, malaria e elefantiase Terceiro Mundo. Poucas leitoras morrerao de parto. Um ntimero ainda menor dos leitores deve ser desnutrido. Gracas a avancos revolucionérios na medicina e na satide publica, 0 padrao de nossas doencas mudou. Nao mais perdemos 0 sono preocupa- dos com doengas infecciasas (exceto, claro, a Aids ea tuberculose) ou com enfermidades causadas por mas condigdes de nutricao e higiene. A titulo de ilustracao, considere as principais causas de morte nos Estados Unidos em 1900: pneumonia, tuberculose € gripe (e, caso voce fosse jovem, do sexo feminino e com tendéncia a correr riscos, parto). Quando foi a ulti- ma vez em que voce ouviu falar de batalhdes de pessoas morrendo de gripe? Contudo, apenas em 1918 muito mais gente morreu de gripe do que ao longo do mais barbaro dos conflitos, a Primeira Guerra Mundial. Oatual padrao de doencas seria irreconhecivel para nossos tataravos ou mesmo para a maioria dos mam(feros. Em suma, desenvolyemos enfermidades diferentes das da maioria dos nossos antepassados € pto- vavelmente morreremos de maneiras diferentes das deles (ou das da maioria dos seres humanos que hoje habitam Areas menos privilegiadas do planeta). Preenchemos nossas noites de preocupagdes com uma ordem diferente de doencas: hoje, vivemos suficientemente bem ¢ por tempo suficiente para ruir aos poucos. io exotismos do Os males que hoje nos acumulo de estragos: doengas do coracdo, cancer, doengas vasculares cere- prais. Embora nenhuma delas seja particularmente agradavel, com certeza representam um grande avanco em comparacao a sucumbir aos 20 anos apds uma semana de dengue ou de septicemia. Ao lado dess atormentam sao aqueles que levam a um lento. mudanea relativamente noya no padrao das enfermidades, ocorreram modificacdes na forma como percebemos os processos da doenca. Hoje reconhecemos a interligacao vasta e complexa existente entre nossa biologia e nosso emo- cional, ou seja, como a personalidade, os sentimentos, as emocdes ¢ os pensamentos refletem ¢ influenciam de infindaveis maneiras 0 que ocorre em nosso corpo. Uma das manifestagoes mais interessantes de tal reconhe- cimento € a compreensao de que perturbacoes emocionais extremas podem nos aletar de forma adversa. Falando de forma direta, o estresse pode nos fazer adoecer. A aceitacao de que muitas das doengas degenerati- vas acumulativas podem ser causadas pelo estresse, ou agravadas por ele, representou uma das mudaneas mais cruciais na medicina. De certa forma, isso nao é nenhuma novidade. Ha séculos, médicos sensiveis reconheceram intuitivamente o papel exercido pelas diferencas indiyiduais na vulnerabilidade as doencas. A mesma enfermidade em duas pessoas distintas poderia evoluir de forma tao diferente que, de maneira vaga e subjetiva, refletia as caracteristicas pessoais dos doentes. Ou entao um clinico percebia que determinadas pessoas eram mais sus- cetiveis a contrair certos tipos de doenca. A partir do século XX, contu- do, com a aplicacao de praticas cientificas rigorosas a essas percepcoes clinicas, a fisiologia do estresse (estudo de como 0 corpo responde a acontecimentos estressantes) tornou-se uma disciplina de verdade. O Tesultado é que hoje existe uma extraordinaria quantidade de dados fisio- logicos, bioquimicos e moleculares demonstrando como intangibilidades de todo tipo podem afetar processos corporais bastante concretos. Fssas intangibilidades (incluem-se af turbilhoes emocionais, caracteristicas psi- Cologicas, posigoes sociais e a forma como nossa sociedade trata pessoas Pertencentes a tais posicdes) sao capazes de influenciar acontecimentos de ordem médica, tais como se o colesterol entupird os vasos sangtiineos ‘0u sera eliminado de forma segura da circulacao, se as células de gordu- Ta pararao de responder a insulina e nos atirarao ao diabetes, ou se os heurOnios do nosso cérebro sobreviverao a cinco minutos sem oxigenio durante uma parada cardiaca. Este livro é uma cartilha sobre 0 estresse, as doencas relacionadas a €sse mal e os mecanismos para lidar com cle, Por que 0 corpo se adapta a algumas situagdes estressantes, enquanto outras nos fazem adoecer? Por que algumas pessoas sao especialmente vulneraveis a doengas relacionadas Pee RPA ee Oe a0 estresse e 0 que isso tem a ver com a personalidade? De que maneira distirbios puramente psicologicos podem nos fazer adoecer? O que o estresse pode ter a ver com vulnerabilidade a depressao, velocidade de envelhecimento ou eficiencia da memoria? O que o nosso padrao de enfer- midades relacionadas ao estresse tem a ver com o lugar que ocupamos na escala social? E, por fim, como podemos lidar de forma mais eficiente com o mundo estressante 4 nossa volta? @ ALGUNs CONCEITOS INICIAIS ‘Uma lista mental de todo tipo de coisa que consideramos estressante talvez seja o melhor ponto de partida. Com certeza iremos nos deparar com alguns exemplos 6bvios: transito, prazos, relacionamentos familiares, preocupacdes financeiras. Mas, e se eu dissesse: “Voce esta pensando como um ser huma- no ‘especiocéntrico’. Pense um pouco como uma zebra”? Subitamente, novos itens podem surgir no topo da lista, como ferimentos graves, preda- dores, morte por fome. A necessidade de tal sugestao ilustra algo critico: voce € eu estamos muito mais sujeitos a desenvolver uma wilcera do que uma zebra. Para animais como as zebras, as coisas mais perturbadoras da vida sao crises fisicas agudas. Imagine que voce € uma zebra. Acabou de ser atacado por um ledo que Ihe abriu a barriga, mas cofiseguiu escapar — e agora devera passar a hora seguinte fugindo do leao, enquanto este o per- segue sem parar, Ou entao, talvez tao igualmente estressante, imagine que vocé € 0 leao, semimorto de fome: é melhor disparar pela savana 0 mais rapido que puder e agarrar algo para comer, senao voce morrera. Esses sao acontecimentos extremamente estressantes, que exigem adapta¢oes fisiolo- gicas imediatas a fim de assegurar a sobrevivencia. Seu corpo esta adaptado de forma brilhante para responder a esses tipos de emergéncias Um organismo tambem pode ser assolado por desafios fisicos crénicos. Os gafanhotos devoraram sua plantacao e, pelos proximos seis meses, yocé tera de zanzar por mais de 20 quilometros por dia para obter comi- da. Seca, fome, parasitas € coisas horriveis assim nao sao 0 tipo de expe- riéncia pela qual costumamos passar, mas represeniam situacdes centrais na vida dos seres humanos nao ocidentalizados e na da maioria dos outros mamiferos, As reacdes do corpo ao estresse sao razoavelmente boas quando se trata de suportar horrores dessa natureza. Este livro, no entanto, concentra-se numa terceira categoria de proble- mas: os (ranstornos psicologicos e sociais. Nao importa o quanto estejamos nos dando mal com um membro da familia ou o grau de firia que senti- mos ao perder um lugar no estacionamento, raramente decidimos esse tipo de questao com uma briga corpo a corpo. Da mesma forma, € raro Robert Longo, 1981: trabalho sem titulo sobre papel. (Dois yuppies Iuiando pelo tiltimo expresso com creme num restauranie?) termos de perseguir o nosso jantar e lutar por ele. Em suma, nds, seres humanas, vivemos bem o suficiente ¢ por tempo suficiente (e somos inte- ligentes o suficiente) para engendrar toda espécie de eventos estressantes unicamente em nossa cabeca. Quantos hipopétamos se preocupam se a Previdencia Social ira durar tanto quanto eles, ou com o que dizer num primeiro encontro? Da perspectiva da evolugao do reino animal, suportar © estresse psicologico € uma invengao recente, praticamente restrita aos seres humanos € a outros primatas sociais. Somos capazes de vivenciar emocgées fortes e incontrolaveis (promovendo, em seguida, um tumulto em nosso corpo) proyocadas por meros pensamentos.' Duas pessoas podem estar sentadas frente a frente, sem fazer nada mais extenuante do que movimentar pequenas pecas de madeira de vez em quando, e ainda assim isso pode representar um acontecimento pesado, do ponto de vista emocional: em campeonatos, grandes mestres enxadristas podem impri- mira seu corpo exigéncias metabolicas quase iguais as de atletas no apice de uma competicao.? Ou entao um individuo nao faz nada mais empol- gante do que assinar um papel: se 0 que ele acabou de assinar foi uma ordem de dispensa para um rival odiado apos meses de conspiracoes Sstratégias, suas reacoes fisiologicas podem ser semelhantes aquelas de meee 58 a6) neurologist i oy neatologista Antonio Damasio relata um esto marailhoso feito com o maestro Herbert Feast ue mostra como o coragio do maestr aceerava da mesma forma frenetica lo Karajan estava simplesmente ouvindo uma misica e quando a estava regendo. 2 3 ee pies, ‘0s jornalistas sao cientes desse fato. Considere a seguinte descricao do oe xailrez entre Kasparov € Karpoy em 1990: “Kaspatoy continuow fazendo pres- Por um ataque mortifero. Perto do fim, Karpov teve de responder a ameacas de vio- "0M as mesmas armas € o jogo tornou-se um combate”. Ws Peas silent Aaiaeeiaa weal mosis eeae a ] ) ; um babuino das savanas que acabou de destrocar a cara de um opositor, por mais chocante que isso seja. E, se alguém passa meses a fio se remoendo de ansiedade, raiva e tensao por causa de algum problema emocional, isso pode muito bem levar a doenca. E esta a questao crucial deste livro: seja voce aquela zebra correndo para salvar a propria vida ou o leao disparando atras da refeicao, os meca- nismos fisiologicos de reagao do seu corpo estao adaptados de forma soberba para lidar com tal perigo fisico imediato. Para a grande maioria de animais do planeta, o estresse esta relacionado a crises de curta duracao, apos as quais ou elas terminam ou eles morrem. Ao nos preocuparmos com coisas estressantes, ativamos as mesmas reacées fisicas; porém, quan- do suscitadas de maneira cronica, clas significam estragos em potencial. Initmeros indicios sugerem que as doengas relacionadas ao estresse sur- gem principalmente por ativarmos por meses a fio um sistema fisiolégico adaptado para responder a perigos fisicos imediatos, preocupando-nos com hipotecas, relacionamentos € promocées. Esta diferenca enue a forma como nos estressamos e a forma como uma zebra se estressa permite que comecemos a nos confrontar com algumas definicdes. Primeiro, preciso trazer A tona um conceito com o qual voce foi torturado nos estudos de biologia do ensino médio, na esperanca de que nao tentha tido mais de pensar sobre o assunto desde entao: a homeostase. Sim, esse conceito do qual voce se lembra vagamente mostra que 0 corpo possui um nivel ideal de oxigénio necessario, um grau ideal de acidez, uma tempe- ratura ideal etc. Todas essas diferentes variaveis sao mantidas em equilibrio homeostatico, estado no qual as medidas fisiologicas permanecem num nivel otimizado, © cérebro, ja se percebeu, evoluiu para buscar a homeostase. Isso permite chegar a algumas definicdes iniciais simples que basta- riam para entender uma zebra ou um leao. Um estressor e qualquer evento do mundo exterior que tire vocé do equilibrio homeostatico, ¢ a resposta de estresse € 0 que o seu corpo faz para restabelecer a homeostase. Mas quando consideramos os seres humanos € nossa tendéncia humana a ficar doentes de preocupacao, precisamos expandir a nocao de que estressores sao simplesmente aquila que nos desequilibra do ponto de vista homeostatico, Um estressor pode ser também a antecipacdo de tal acontecimento. As vezes somos espertos o bastante para perceber 0 que ira acontecer e, com base apenas na antecipacdo, ativamos uma resposta de estresse tao vigorosa quanto se o evento realmente tiyesse ocorrido. Alguns aspectos do estresse antecipaiério nao sao exclusivos dos seres humanos: quer vocé seja um ser humano rodeado por um bando de rufides numa estacao de metro deserta ou uma zebra frente a frente com um leo, seu coracao provavelmente ira disparar, embora nada fisicamente esgastante tenha ocorrido (ainda), Porém, diferentemente de algumas espécies menos sofisticadas do ponto de vista cognitivo, somos capazes de ativar reagoes de estresse apenas ao pensar em estressores potenciais que poderao nos tirar do equilibrio homeostatico num futuro distante. Por Exemplo, pense no fazendeito africano assistindo a uma mavem de gafa- mhotos atacando a sua plantacao. Ele tomou um café-da-manha decente e nao esta sofrendo do desequilibrio homeostatico da inanicao, mas ainda assim experimenta uma resposta de estresse. Zebras ¢ leoes podem até vis- Jumbrar 0 perigo a caminho dali a um minuto ¢ mobilizar uma reacao antecipat6ria ao estresse, mas sao incapazes de se estressar com aconteci- mentos que pertencem ao futuro longinquo. E, as vezes, nos, seres humanos, nos estressamos com coisas que sim- plesmente nao fazem nenhum sentido para zebras au ledes. Nao € tipico s mamiferos sofrer de ansiedade por causa de hipotecas ou da Receita eral, ou ainda diante da perspectiva de falar em publico, do medo do e dizer numa entrevista de emprego, ou mesmo da inevitabilidade da jo muito distante do mundo fisico da fome, dos ferimentos, da perda sangue ou das temperaturas cxtremas. Quando ativamos reacées ao “estresse por medo de algo que vem a se tornar real, parabenizamos a nos detesas com antecedéncia. E essas defesas antecipatorias podem nos pro- teger, pois grande parte das respostas de estresse diz respeito a protecao. No entanto, quando suscitamos um tumulto fisiologico e ativamos ostas de estresse sem nenhum motivo, ou devido a algo sobre o qual a0 podemos fazer nada, damos a essas reacdes nomes como “ansieda- ‘de®, “neurose”, “paranoia” e “hostilidade desnecesséria”. ___ Assim, as respostas de estresse podem ser mobilizadas ndo apenas em Tesposta a insultos fisicos ou psicologicos, mas também na expectativa des- tes. 0 que mais impressiona é essa generalidade da resposia de estresse, ou ela trata-se de um sistema fisiologico ativado nao s6 ao enfrentarmos cala- Midades fisicas, mas também ao pensarmos nelas. Tal generalidade foi ‘avaliada pela primeira vez ha 65 anos por um dos padrinhos da fisiologia €stresse, Hans Selye. Brincando um pouco, a fisiologia do estresse exis- te enquanto disciplina porque este homem foi um cientista perspicaz tanto quanto um zero a esquerda ao manusear ratos de laboratorio. Nos anos 1930, Selye iniciava seu trabalho com endocrinologia, © estudo da relacao entre os horménios do corpo. Naturalmente, enquanto Jovem ¢ desconhecido professor assistente, ele procurava algo para dat ini- Peace carreira de pesquisador. Um bioquimico de uma das salas do fim © corredor da faculdade havia acabado de isolar uma espécie de extrato 21 aS¥¥ID1N WIL OWN S¥U9IZ Se IND YOU EL a Lays aie do ovario, ¢ seus colegas indagavam-se qual seria 0 efcito desse extrato no organismo. Entao Selye obteve um pouco daquele material com 0 bioqui- mico ¢ se pés a estudar seus efeitos. Tentou injeta-lo diariamente em ralos, ao que parece nao com muita destreza, Selye tentava dar injegdes nos ratos, nao conseguia, deixava-os cair, passaya metade da manha cor- rendo atras dos roedores pela sala ou vice-versa, batendo com a vassoura para tira-los de tras da pia etc. Ao final de varios meses dessa rotina, Selye examinou os ratos ¢ descobriu algo extraordinario: eles apresentavam ulcera peptica, inchaco das glandulas adrenais (fonte de dois importantes horménios do estresse) ¢ reducao dos tecidos imunoldgicos. Ficou encan- tado; descobrira os efeitos do misterioso extrato ovariano. Sendo um bom cientista, ele se pos a trabalhar com um grupo con- trole, € passou a aplicar injegdes de salina diariamente em ratos, em vez de extrato ovariano. Dessa forma, todos os dias esses ratos também rece- biam injecoes, eram derrubados e perseguidos de um lado para o outro. No fim, pasmem!, os ratos do grupo controle apresentaram as mesmas ulceras pépticas, inchaco das glandulas adrenais ¢ atrofia dos tecidos do sistema imunologico. Bem, a essa altura a maioria dos cientistas iniciantes arrancaria os cabelos e se inscreveria furtivamente numa escola de administracdo. Mas em vez disso Selye raciocinou sobre aqueles resultados. As alteracoes fisiologicas nao poderiam ter sido causadas pelo extrato ovariano, uma vez que as mesmas alteracdes ocorreram tanto no grupo controle quanto no grupo experimental. O que havia em comum entre os dois grupos de injecoes um tanto traumatizan- ratos? Selye imaginou que isso se devia tes. Talvez, pensou, as mudancas no corpo dos ratos denotassem alguma espécie de reacdo nao especifica do corpo a acontecimentos desagradaveis em geral, Para testar essa idéia, colocou alguns ratos no teto do edificio de pesquisas durante o inverno € outros na sala das caldeiras. Outros ainda foram submetidos a exercicios forcados ou a intervencoes cirtrgi- cas. Em todos os casos, ele observou alta incidéncia de tilceras pépticas, inchago das glandulas adrenais ¢ atrofia dos tecidos imunologicos. Hoje sabemos exatamente o que Selye observava. Ele acabara de des- cobrir a ponta do iceberg das doengas relacionadas ao estresse. Diz a lenda (divulgada principalmente pelo proprio Selye) que foi ele quem, ao procurar por uma maneira de desctever a nao-especilicidade dos aborrecimentos aos quais os ratos reagiam, usou um termo da fisica para proclamar que eles estavam passando por “estresse”. Na verdade, ja nos anos 1920 0 termo havia sido introduzido na medicina, grosso modo, com sua acepcao atual, por um fisiologista chamado Walter Cannon. O que Selye fez foi formalizar 0 conceito com duas ideias: _ surpreendentemente, © corpo possui um conjunto de respostas seme- Thantes (ao qual ele denominon sindrome geral de adaptacao, mas que hoje chamamos de resposta de estresse) a um amplo espectro de estressores. Se os estressores durarem muito tempo, podem suscitar doencas. AINDA A HOMEOSTASE: O CONCEITO DE ALOSTASE, MAIS APROPRIADO AO ESTRESSE onceito de homeostase foi alterado nos ultimes anos por pesquisas ori- adas por Peter Sterling Joseph Eyer, da Universidade da Pensilvania, mas ao qual por fim sucumbi, pois moderniza 0 conceito de home- de forma brilhante e funciona ainda melhor como um meio de se der o estresse (embora nem todos os meus colegas o tenham abra- lo, alegando que se trata de “vinho velho em garrafa nova”). Oconceito original de homeostase baseava-se em duas premissas. A neira é que existe um Unico nivel, ntiimero ou quantidade ideal para quer dado parametro fisiologico. Porém, isso nao pode ser verdadei- alinal, a presso sanguinea ideal quando vocé esta dormindo € bem nite daquela de quando esta esquiando. Aquilo que ¢ ideal em condi ‘$6es basais é diferente do que € ideal em condigoes de estresse, uma idéia central ao pensamento alostatico. (O grupo utiliza uma expresso um nto zen para explicar como a alostase diz respeito a “constancia por meio mudanca”. Nao tenho plena certeza de entender o que isso signifi Pessoas sempre assentem quando lango a frase numa palestra.) _ Asegunda principal premissa da homeostase é que 0 set point (ponto ajuste) ideal € atingido por meio de algum mecanismo regulatorio local. Ostase, por sua vez, reconhece que qualquer set point dado pode ser lado em um zilhao de manciras diferentes, cada qual suscitando certs Particulares. Assim, suponha que esteja faltando agua Ee ie Solucao homeostatica: decretar 0 uso de privadas meno- ee oes alostaticas: usar privadas menores, convencer acionar agua, imy iti ee me , importar arroz do sudeste asidtico em vez de promover ie eee num Estado semi-arido. Suponha agora que exista falta de aE "NO seu corpo. Solucao homeostatica: sao os rins que tém de perce- isso, fazer restricoes, produzir menos urina para racionar agua. Mel 5 4 Ewen jose Pesquisas aparecerao com freqaencia neste livro, uma vez que ele ¢ 0 , Profissional dessa area (além de um ser humano maravilhoso e de ter sido, ha Sef ‘tempo, meu orientador). ; iologistas realmente passam bastante tempo refletindo sobre o interior das privadas. Solucdes alostaticas: 0 cérebro percebe isso, manda os rins fazerem 0 que tém de fazer, envia sinais para retirar agua de regides do corpo onde esta € facilmente evaporada (pele, boca, nariz), faz vocé sentir sede. A homeos- tase implica acertar essa valvula ou o mecanismo que regula a perda de agua. A alostase diz respeito a coordenar alteracoes no corpo como um todo, as quais freqdientemente incluem alteragdes no comportamento, Uma ultima caracteristica do pensar alostatico combina muito bem com os estudos sobre seres humanos estressados. © corpo nao se esforca para por toda essa complexidade regulatoria em acao apenas para corri- gir algum set point que desandou. Ele também é capaz de provocar alte- Tacdes alostaticas em antecipacao a um set point que provavelmente ira desandar, Assim, voltamos ao ponto crucial de algumas paginas atras: nosso estresse nao surge devido a perseguicoes de predadores. Ativamos a resposta de estresse em antecipacdo a desalios, e em geral esses desafios sio pura e simplesmente transtornos sociais € psicolégicos que nao fariam sentido nenhum para uma zebra. Voltaremos a tratar mais vezes do que a alostase tem a dizer sobre as doengas relacionadas ao estresse. O QUE O CORPO FAZ PARA SE ADAPTAR A UM ESTRESSOR AGUDO Segundo esse quadro de referencia mais amplo, um estressor pode ser definido como qualquer coisa que promova o desequilibrio alostatico, € a resposta de estresse € a tentativa feita pelo corpo de restabelecer a alos- tase. Isso envolve processos como a secrecao de certos horménios, a ini- bicdo de outros, a ativacao de determinadas regides do sistema nervoso etc. E, independentemente do estressor (ferimento, fome, calor, frio ou estresse psicologico), 0 corpo ativa a mesma resposta de estresse. E justamente essa generalidade que intriga, Para quem estudou fisiologia, nao faz o menor sentido & primeira vista. Em fisiologia, geralmente se ensina que desafios especificos a0 corpo detonam respostas e adaptacoes especificas. © aquecimento de um organismo causa sudorese e dilatacdo dos vasos san- gitineos da pele. Seu resfriamento causa justamente 0 contrario — constrigao dos vasos e tremores. Estar muito aquecido pode ser um desafio especifico € fisiologicamente diferente de estar muito resfriado, e pareceria logico que as reacdes do corpo a esses dois estados fossem extremamente diversas. Mas, em ‘vez disso, que tipo de sistema corporal maluco € esse que € ativado da mesma forma quer vocé esteja passando frio ou passando calor, quer voce seja a zebra, o ledo ou um adolescente aterrorizado prestes a ir ao baile da escola? Por que 0 corpo precisa apresentar uma tesposta de estresse tao gencralizada ¢ estereotipada, independentemente do dilema no qual vocé se encontra? Na verdade, quando refletimos sobre o assunto, a coisa faz sentido — Jevando-se em conta as adaptac6es suscitadas pela resposta de estresse. Se yoce € uma bacteria estressada com a falta de comida, entra num estado Jetargico de suspensao. Contudo, se ¢ um leao morto de fome, tera de cor- "er atris de alguém. Se é uma planta estressada pelas intengoes alhetas de “The devorarem, lanca substancias venenosas nas suas folhas. Mas se € uma zebra perseguida por um leao, tem de correr. Para nos, vertebrados, 0 ponto principal da resposta de estresse reside no fato de que os miisculos terao -de trabalhar intensamente. Portanto, os misculos necessitam de energia neste exato momento e da forma mais prontamente utilizavel, em vez Je armazenada em algum canto das células de gordura para um projeto construcdo qualquer a se realizar na proxima primavera. Um dos sinais ; caracteristicos da resposta de estresse ¢ a mobilizacao rapida de estocada no corpo e a inibicdo de futuras estocagens. As células urdura, 0 figado ¢ os misculos lancam glicose ¢ formas mais simples teinas € gorduras aos montes, tudo para alimentar os musculos que esto lutando para salvar a sua pele. Igualmente légico € outro traco da resposta de estresse: durante uma rergencia, faz sentido que o corpo interrompa projetos de construcdo ae de longa duracdio. Se ha um tornado se abatendo sobre a casa, nado ra de repintar a garagem. Deixe de lado 0s projetos de longo prazo até pense havera um longo prazo. Assim, enquanto dura o estresse, a diges- 0 € interrompida. Nao ha tempo suficiente para extrair os beneficios cticos do lento proceso digestivo, entao por que gastar energia com so? Quando voce esta tentando evitar tornar-se 0 almoco de alguém, oa © qu fazer do que digerir 0 café-da-manha, O mesino vale para mento e€ a reproducao, ambos projetos caros e otimistas demais hes fe, a ee ae (principalmente se vocé é uma fémea). em ovular, MS eesivedchi es ou ci Sai en egos a Bro ccducccn. yu Fal micaLy esperma. Durante a situacao de Pa nto generacao de tecidos sdo reduzidos ¢ 0 Pace. Pease ae Aes os en E menos provavel que as uaa Boats a ne fez, enquanto os machos come- Re: a produzir menos testosterona. races, a imunidade tambem €¢ inibida. O sistema Mmunologico, que defende o corpo contra infeccdes ¢ enfermidades, é to para localizar a célula tumorosa que ird maté-lo daqui y ee eR NN aE creda er eee

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