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A ECONOMIA DAS TROCAS SIMBóLICAS

. -,
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3. O Mercado de Bens セI
ção comumente reconhecida e, amiúde, de maneira clandes- Simbólicos*
tina, contribui para impor ao corpo sacerdotal a "ritualiza-
ção" da prática religiosa e a anexação de crenças mágicas

aゥセN
(por exemplo, culto de santos ou "marabutismo").
5 . 3.3. "A sistematização cas uístico-racional" e a
"banalização" a que o corpo sacerC:otal submete a profecia
de origem - (quase) sistematização estabelecida "com base
em valores unitários" - responde a exigências convergentes,
a .saber: a) a procura tipicamente burocrática da economia
de carisma que leva a entregar o exercício da ação sacer-
dotal, atividade necessariamente banal e "banalizada" (coti-
diana e repetitiva) de prédica e de cura das almas, a fun-
"Les théories et les écoles, comme les microbes
cionários do culto permutáveis e dotados de uma qualifi- et les globules, s'entredévorent et assurent par
cação profissional homogênea, adquirida através de um apren- leur lutte la continuité de la vie."
dizado específico, e de instrumentos homogêneos, próprios MARCEL PROUST, Sodome et Gomorrhr
para sustentar uma ação homogênea e homogeneizadora
(produção de um habitus religioso); b) a procura da adapta- A história da vida intelectual e artística das socieda-
ção aos interesses dos leigos, sentida diretamente na atividade des européias revela-se através da história das transforma-
sacerdotal por excelência, a cura das almas, "instrumento 、セ ções da função do sistema de produção de bens simbóli-
força do sacerdote" u;; c) a luta contra os concorrentes. cos e da própria estrutura destes bens, transformações
A "sistematização casuístico-racional" e a "banaliza- correlatas à constituição progressiva de um campo intelec-
ção" constituem as condições fundamentais do funcionamento tual e artístico, ou seja, à autonomização progressiva do
de uma burocracia da manipulação dos bens de salvação, no sistema de relações de produção, circulação e consumo de
sentido de que permitem a quaisquer agentes (isto é, per- bens simbólicos. I De fato, à medida que se constitui um
mutáveis) o exercício de maneira contínua da atividade sacer-
campo intelectual e artístico (e ao mesmo tempo, o
dotal, fornecendo-lhes os instrumentos práticos - escritos
canônicos, breviários, sermonários, catecismos etc. - que lhes corpo de agentes correspondente, seja o intelectual em opo-
sição ao letrado, seja o artista em oposição ao artesão),
são indispensáveis para o cumprimento de sua função a um
definindo-se em oposição ao campo econômico, ao campo
menor custo em carisma (para eles mesmos) e a um menor
risco menor (para a instituição), sobretudo quando lhes é político e ao campo religioso, vale dizer, em relação a todas
necessário "tomar posição em relação a problemas que não as instâncias com pretensões a legislar na esfera cultural em
foram resolvidos pela revelação" (p. 366). O breviário e o nome de um poder ou de uma autoridade que não seja pro-
;;ermonário servem de roteiro, de ponto de apoio, impedindo priamente cultural, as funções que cabem aos diferentes gru-
excentricidades e extravagâncias; asseguram a economia da pos de intelectuais ou de artistas, em função da posição que
improvisação, mantendo-a dentro de limites. ocupam no sistema relativamente autônomo das relações de
produção intelectual ou artística, tendem cada vez mais a se
tornar o princípio unificador e gerador (e portanto, expli-
cativo) dos diferentes sistemas de tomadas de posição cul-
turais e, também, o princípio de sua transformação no curso
do tempo 1.
(1) Evidentemente, autonomia relativa implica em dependência, sendo
preciso examinar adiante a forma de que se reveste a relação do campo inte-
(16) W. u. G., p. 365. Max Weber observa que a parte dedicada à prédica lectual aos demais campos e, em particular, ao campo do poder. bem como
(em oposição à cura das almas) varia em sentido inverso da introdução de os efeitos propriamente culturais que esta relação de dependência estrutural
elementos mágicos na prática e nas representações (como atesta o exemplo engendra.
do protestantismC'). (') Le marché des biens symboliques, Paris, Centre de Sodologie Euro-
péenne, 1970, 96 PP., mimeografado. Tradução de Sergio Miceli.
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A L6GICA DO PROCESSO DE AUTONOMIZAÇÃO Destarte, O processo de autonomização da produção inte-


lectual e artística é correlato à constituição de uma categoria
Embora a vida intelectual e artística estivesse sob a socialmente distinta de artistas ou de intelectuais profissio-
tutela, durante toda a Idade Média, em grande parte do Re- nais, cada vez mais inclinados a levar em conta exclusiva-
nascimento e, na França, com a vida na corte, durante todo mente as regras firmadas pela tradição propriamente intelec-
o período clássico, de instâncias de legitimidade externas, tual ou artística herdada de seus predecessores, e que lhes
libertou­se progressivamente, tanto econômica como social- fornece um ponto de partida ou um ponto de ruptura, e cada
mente, do comando da aristocracia e da Igreja, bem como de vez mais propensos a liberar sua produção e seus produtos
suas demandas éticas e estéticas. Tal processo sucedeu em de toda e qualquer cependência social, seja das censuras
meio a uma série de outras transformações: a) a constitui- morais e programas estéticos de uma Igreja ・ューョィセ、。 em
ção de um público de consumidores virtuais cada vez mais proselitismo, seja dos controles acadêmicos e das encomen-
extenso, socialmente mais diversificado, e capaz de propi- das de um poder político propenso a tomar a arte como um
ciar aos produtores de bens simbólicos não somente as con- instrumento de propaganda. Tal processo de autonomização
dições minimais de independência econômica mas conceden- assemelha­se aos que ocorreram em outros campos como o
do­lhes também um princípio de legitimação paralelo; b) a direito e a religião. Em uma carta dirigida a Conrad
constituição de um corpo cada vez mais numeroso e diferen- Schmidt, Engels observa que o aparecimento do direito en-
ciado de produtores e empresários de bens simbólicos cuja quanto tal, ou seja, como "esfera autônoma", acompanha os
profissionalização faz com que passem a reconhecer exclu- progressos da divisão do trabalho quc levam à constituição de
sivamente um certo tipo de determinações como por exemplo um corpo de juristas profissionais.· Segundo Weber, em Eco-
os imperativos técnicos e as normas que definem as condi- nomia e Sociedade, o mesmo ocorre com a "racionalização"
ções de acesso à profissão e de participação no meio; c) a da religião cuja "autonormatividade" própria, relativamente
multiplicação e a diversificação das instâncias de consagra- independente das condições econômicas (que "agem sobre
ção competindo pela legitimidade cultural, como por exemplo ela apenas como 'linhas de desenvolvimento'''), deve­se ao
as academias, os salões (onde, sobretudo no século XVIII, fato de que ela depende fundamentalmente do desenvolvi-
com a dissolução da corte e da arte cortesã, a aristocracia mento de um corpo sacerdotal, dotado de tendências e inte-
mistura­se com a intelligentsia burguesa e passa a adotar seus resses próprios. Da mesma forma, o processo conducente à
modelos de pensamento e suas concepções artísticas e mo- constituição da arte enquanto tal é correlato à transformacão
rais), e das instâncias de difusão cujas operações de seleção da relação que os artistas mantêm com os não­artistas e. por
são investidas por uma legitimidade propriamente cultural, esta via, com os demais artistas, resultando na constituicão de
ainda que, como no caso das editoras e das direções artísticas um campo artístico relativamente autônomo e na elaboração
dos teatros, continuem subordinadas a obrigações econômi- concomitante de uma nova definição da função do artista e
cas e sociais capazes de influir, por seu intermédio, sobre a de ma arte. Tendo início na Florpnça do século XV, com
própria vida intelectual 2. a afirmação de uma legitimidade propriamente artística, ou
(2) "Historicamente. observa L. L. Shücking, o editor começa a desem-
seja, do direito dos artistas legislarem com exclusividade em
penhar um papel no momento em que o "patrão" desaparece, no curso do seu próprio campo ­ o campo da forma e do estilo ­ , igno-
século XVIII. (Afora uma fase de transição quando o editor continua tribu-
tário das subscrições que, por sua vez, dependem em ampla medida das relações rando as exigências extf'rnas de uma demanda social subor-
entre o autor e os "patrões H • Os autores têm plena consciência disso, Destarte,
Alexandre Pope. em carta a Wycherley, em 20 de maio de 1709. compunha
dinada a interesses religiosos ou políticos, interrompendo­se
um quadro espirituoso de Jacob Tonson, o célebre editor e autor de uma d'lrante quase dois séculos sob a influência da monarquia
antologia que era levada a sério. Jacob. diz ele. faz poetas como antigamente absoluta e, com a contra­Reforma, suscitando a intervenção
os reis faziam cavaleiros. Um outro editor, Dodsley. acabaria detendo uma
autoridade semelhante, o que o tornaria vítima dos versos espirituosos de
Richard Grave: dッ、セAイカ ou a Iiteratuf2', a 'emã do セN←」オ セ セNGZ i ョエ・ sem um Cotta? ( ... ). Depois
que Catta conseguiu reunir alguns dos mais eminentes ・ウ」イゥエッイ・セ G」iセュ
"ln vain the poets from their mine $U", publicações, dutante muitas décadas, o ーイゥカャ←セョ de ser ー オ 「 ャ ゥ ← 。 セ イ etc.
Extract the shining mass, pe.mareceu uma ・ウー←」[セ de direito à imortalidr.de." Ver L. L. SchUcking.
Till Dodsley's Mint has stamped the coin ..­­ /' The Sociolol?Y 01 LítfTa,y Taste. Trad. do alemão por E. W. Dicke • dres.
And bids the sterling pass". Rout'edge and k・セ。ョ Paul. 1966. pp. 5051. E SchiiCkinll molllra que a in n-
(ia dos diretores de teatro é ainda maior, pois à maneira de um OltO Brahm,
Na verdade. essas editoras tornaram­se progressivamente uma fonte de セッ、」ュ orientar todo o goslO de uma época 。エイ カセ de suas escolhas. (Op. c/l ..
autoridade. Quem poderia conceber a literatura inglesa desse século sem um p. 52).
A ECONOMIA DAS THOCAS SIMBóLICAS o MERCADO DE BENS SIMBóLICOS
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da Igreja ­ ambas preocupadas em atribuir uma poslçao e casos em que a sanção econômica reafirma a consagração
uma função sociais (o que explica, por exemplo, o papel da cultural.
Academia) à fração dos artistas ­ distantes dos trabalha- No momento em que se constitui um mercado da obra
dores manuais sem estarem integrados às classes dominante" de arte, os escritores e artistas têm a possibIlidade de afir-
­ , o movimento do campo artístico em direção à autonomia mar ­ por via de um paradoxo aparente ­ ao mesmo
que se realizou em ritmos diferentes segundo as sociedades e tempo, em suas práticas e nas representações que possuem
as esferas da vida artística 3, acelera­se brutalmente com a de sua prática, a irredutibilidade da obra de arte ao esta-
Revolução Industrial e com a reação romântica ligada, de ma- tuto de simples mercadoria, e também, a singularidade da
neira mais ou menos direta conforme as nações, a uma se- condição intelectual e artística. Segundo as teorias clássicas,
cessão dos intelectuais e artistas que não passa do reverso de o processo de diferenciação das esferas da ativldade humana
uma exclusão e até mesmo de uma relegação. Na verdade, o correlato ao desenvolvimento do capitalismo e, em particular,
desenvolvimento de uma verdadeira industria cultural e, erE a constituição de sistemas de fatos dotados de uma inde-
particular, a relação que se instaura entre a imprensa coti- pendência relativa e regidos por leis próprias, produzem as
diana e a literatura, favorecendo a produção em série de condições favoráveis à construção de sistemas ideológicos,
obras elaboradas segundo métodos semi­industriais ­ como vale dizer, as chamadas teorias "puras" (da economia, da
por exemplo o folhetim, ou então, em outras esferas, o melo- política, do direito, da arte etc.) que reproduzem as divisões
drama e o vaudeville ­ , coincide com a extensão do público prévias da estrutura social com base na abstração inicial atra-
resultante da generalização do ensino elementar, capaz de vés da qual elas se constituem õ. De acordo com a mesma
permitir às novas classes (e às mulheres) o acesso ao con- lógica, tudo leva a crer que a constituição da obra de arte
sumo cultural (por exemplo, através da leitura de roman- como mercadoria e a aparição, devido aos progressos da
ces) 4. O desenvolvimento do sistema de produção de bens divisão do trabalho, de uma categoria particular de produ-
simbólicos (em particular, do jornalismo, área de atração tores de bens simbólicos especificamente destinados ao mer-
para os intelectuais marginais que não encontram lugar na cado, propiciaram condições favoráveis a uma teoria pura da
política ou nas profissões liberais), é paralelo a um processo arte ­ da arte enquanto tal ­ , instaurando uma dissocia-
de diferenciação cujo princípio reside na diversidade dos pú- ção entre a arte como simples mercadoria e a arte como
blicos aos quais as diferentes categorias de produtores desti- pura significação) cisão produzida por uma intenção mera-
nam seus produtos, e cujas condições de possibilidade resi- mente simbólica e destinada à apropriação simbólica, isto é,
dem na própria natureza dos bens simbólicos. Estes consti- a fruição desinteressada e irredutível à mera posse material.
tuem realidades com dupla face ­ mercadorias e significa- Demais, é preciso acrescentar que a ruptura dos vínculos de
ções ­ , cujo valor propriamente cultural e cujo valor dependência em relação a um patrão ou a um mecenas e,
mercantil subsistem relativamente independentes, mesmo nos de modo geral, em relação às encomendas diretas ­ processo
(3) Desse modo L. L. Schücking mostra que a dependência dos e,critores correlato ao desenvolvimento de um mercado impessoal e à
com relação à aristocracia e a seus cânones estéticos, manteve­se durante ュ。セウ aparição de um público numeroso de compradores anônimos
tempo no campo da literatura do que no teatro, porque "aquele que desejava
ver suas obras publicadas deverià contar com o çatrocínio de um ァイ。ョ、セ de ingressos de teatro ou de concerto, de livros ou quadros
セ・ョィッイB e só com:eguia tal aprovação e o assentimento do público aristocrát;,'o
a quem se dirigia necessariamente sob a condição de curVar­50: a seu gosto ­ , propicia ao escritor e ao artista uma liberdade que logo
pelas formas difíceis e artificiais, pelo esoterismo e pelo humanismo cláss:co, se lhes revela formal, sendo apenas a condição de sua sub-
próprio de um grupo empenhado em distinguir­se do vulgo em todas as sua,
prátic.as çvlturais. Ao contrário, o escritor de teatro da época elisabetanJ missão às leis do mercado de bens simbólicos, vale dizer, a
não mais dependia exclusivamente "da boa vontade de um único oatrão ­ ao
contrário do teatro de corte francês Que, como lembra Voltaire, recorre a uma demanda que, feita sempre com atraso em relação à
uma linguagem tão nobre como aquela dos mandatários de alto nível aos quail;j
・セ dirige ­ e a franqueza e as liberdades que assumia provinham das demandal;j (5) Em uma época em que a influência do estruturalismo lingüístico leva
dos djferentes diretores de teatro e, através delas, dos ingressos pagos por um çerlos sociólogos para uma teoria pura da sociologia, sem dúvida seria útil
público cada vez mais diversificado (Ver L. L. Schücking. Op. cit., n'. 13­15). aprofundar a sociologia da teOria pura aqui esboçada e analisar as condições
(4) Assim. lan Watt descreve muito bem as transformações correlatas do sociais que marcam a aparição de teorias como as de Kelsen, Saussure ou
modo de recepção e do modo de produção literária que conferem suas carac- Walras, ou de urna ciência formal e imanente da arte como a que Wolftlin
terísticas mais específicas ao gênero romanesco e, em particular, o surgimento propõe. Neste último caso, é evidente que a própria ambição de captar as
(ligado à extensão do público) de uma leitura rápida, superficial e livre da propriedades formais de toda expressão art.ística possível dava por acabado o
memória. e de uma escrita rápida e prolixa (Ver l. Watt. 'The Rise of lhe processo de autonomização e de depuração da obra de arte e da percepção
artística.
Novel, Studies in Dejoe, Richardson and Fielding. Penguin Books. 1957).
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oferta, surge através dos índices de venda e das pressões, A ESTRUTURA E O FUNCIONAMENTO DO CAMPO
explícitas ou difusas, dos detentores dos instrumentos de di- DE PRODUÇÃO ERUDITA
fusão, editores, diretores de teatro, 11/archands de quadros.
Em conseqüência, todas estas "invenções" do romantismo, o sistema de produção e circulação de bens simbólicos
desde a representação da cultura como realidade superior e define­se como o sistema de relações objetivas entre dife-
Irredutível às necessidades vulgares da economia, até a ideo- n:ntes instâncias definidas pela função que cumprem na divi-
logia da "criação" livre e desinteressada, fundada na espon- são do trabalho de produção, de reprodução e de difusão de
taneidade de uma inspiração inata, aparecem como revides à bens simbólicos. O campo de produção propriamente dito
ameaça que os mecanismos implacáveis e inumanos de um deriva sua estrutura específica da oposição ­ mais ou menos
mercado regido por sua dinâmica própria fazem pesar sobre marcada conforme as esferas da Vida intelectual e artística-
a produção artÍstica ao substituir as demandas de uma clien- que se estabelece entre, de um lado, o campo de produção
erudita enquanto sistema que produz bens culturais (e os
tela selecionada peles カ・イセ、ゥ」エッウ imprevisíveis ce um público
instrumentos de apropriação destes bens) objetivamente des-
anónimo. Nestas condições, cumpre salientar que a apari-
tinados (ao menos a curto prazo) a um público de produtores
ção de um público anónimo de "burgueses" e a irrupção de
セ、・ bens culturais que também produzem para produtores de
métodos ou técnicas tomados de empréstimo à ordem eeo- pens culturais e, de outro, o campo da indústria cultural espe-
nâmica e ligados à comercialização da obra de arte ­ como cificamente organizado com vistas à produção de bens cultu-
por exemplo, a produção coletiva ou a publicidade para os rais destinados a não­produtores de bens culturais ("o grande
produtos culturais ­ , coincidiu não somente com a rejeição p,ººlic;Q") que podem ser recrutados tanto nas fraçoes­não-
dos cânones estéticos (correlato à glorificação do escritor ou Zゥァエ・ャセ￧ オ。ゥウ das classes dominantes ("o público cultivado")
do artista, e de sua missão semiprofética) da burguesia, com セ⦅Z[ ウ 、セ。ウ ・ sociais., セai contrário dAo 。ュ・エウセ da t
o esforço metódico para separar o intelectual do vulgo ­ ou tr cultura ue obedece a 'teI da concorrenCIa para a i
seja, afastando­o tanto do "povo" como do "burguês", pela conquista do maior mercado possível, o campo da produção j 1,
oposição dos produtos úmcos e inestimáveis de seu "génio erudita tende a produzir ele mesmo suas normas de produ­ 1 セ セ
críador" aos produtos intercambiáveis e in teiramente redu- ção e os critérios de avaliação de seus produtos, e obedece à i \
tíveis a seu valor mercantil típico de uma produção mecâ- ­lei fundamental da concorrência pelo reconhecimento propria­ 1 .
nica ­ , mas também com a afirmação da autonomia abso- mente cultural concedido pelo grupo de pares que são, ao l \
luta do "criador" e de sua pretensão em reconhecer exclusí- ­m",smo tempo, clientes privilegiados e concorrenteS) É a par-
vamente o receptor ideal que se traduz em um alter ego, tir deste princípio que se pode compreender não somente as
ou melhor, um outro "criador", contemporâneo ou futuro. relações entre o campo de produção erudita e o "grande pú-
capaz de mobilizar em sua compreensão das obras a dispo- blico" e a representação que os intelectuais ou os artistas
possuem desta relação, mas também o funcionamento do cam-
sição "criadora" que defIne o escritor e o artista autónomos ".
po, a lógica de suas transformações, a estrutura das obras que
(6) segundo Raymond Williams, "a mudança radical em matéria de idéia, produz e a lógica de sua sucessão.
セッ「イ・ a ai te, セッ「イ・ o artista e sobre seu lugar na sociedade" que. com a!'l
duas gerações de artistas românticos ­ Blake, Wodswonh, Coleridge e Southey. O campo de produção erudita somente se constitui como
de um lado, Byron, Shelley e Keats. de outro ­ coincide, na Inglaterra, com sistema de produção que produz objetivamente apenas para
a Revolução Industrial, apresenta cinco 」。イ エ・イ■ウBエゥセ。ウ fundamentais: "primeira-
mente, a natureza da relação entre o escritor e seus leitores セッヲイ・ uma profunda os produtores através de uma ruptura com o público dos
エイ。ョセヲッイュ。￧ ̄ッ[ em segundo lugar, torna­se costumeira uma atitude diferente
em relação ao público; em terceiro Jugar, a produção artística tende a ser não­produtores, ou seja, com as frações não­intelectuais das
considerada como um tipo de produção espedalizada dentre outras, sujeita às classes dominantes. Como veremos adiante, poder­se­ia tra-
mesmas condições que a produção em ァ・イ。ャセ em quarto lugar, a teoria da
セイG・。ャゥ、。 ・ superior da arte' como lugar de uma verdade de imaginação assume tar apenas da transfiguração simbólica de uma exclusão de
uma crescente importância; e finalmente, a representação do escritor como fato, ou melhor, a inversão, no âmbito da esfera propria-
criador independente, como gênio autônomo, tOrna­se lima espécie de regra"
(Ver R. \Vill1ams. Cu/ture and Society, QWXPM}ᅦセMッN Harmond"iworth, Penguin mente cultural, da relação que se estabelece, na esfera eco-
Book" Sセ ed. 1963. cp. 49­50. Em OLtra obra R. William. indica também
(R. Williams. The LOng Revolution. Harmondswonh, Pelican Book<. 19105. p. nómica e política, entre a fração intelectual e as frações do-
266) as relações de interdependência que unem a aparição de lll11 nOvo públie d J
セ・イエョ」 a uma nova classe social, de um corpo de ・ウ」イゥキセ oイゥセャエ [ ェャセ G
minantes da classe dominante. Em conseqüência, a consti-
da mesma c]assf" e de instituições e formas anÍsricas criadas por HGZ[セ。 .:lasse tuição do campo enquanto tal é correlata ao processo de fe-
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chamento em si mesmo. A partir de 1830, e muitos depois que se distancia do público, mas de fornecer uma interpreta-
de Sainte­Beuve já fizeram a mesma observação, a sociedade ção "criativa" para uso dos "criadores". Destarte, 」ッョウエゥMHセ ..
literária (em particular, "a literatura artista") isola­se na indi- tuem­se "sociedades de admiração mútua", pequenas seitas 'Y
ferença ou na hostilidade em relação ao público que compra fechadas em­seuesotensmo e;aóIifeSíí'lo tempo, surgem os
e lê, ou seja, isola­se do "burguês". Por um efeito de cau- signos de uma nova solidariedade entre o artista e o crítico.
salidade circular, distância e isolamento engendram distân- "Os únicos críticos reconhecidos, observa Schücking, eram
cia e isolamento, e a produção cultural liberta das censuras aqueles que tinham acesso aos arcanos e haviam sido inicia-
e da autocensura impostas ou sugeridas pelo confronto direto dos, quer dizer, partilhavam em larga medida das posições
com um público alheio à profissão e que encontra no âmbito estéticas do grupo [ ... ] . E os contemporâneos ficavam
do próprio corpo de produtores um ッNヲゥャ「セq L・セゥAー ⦅ッeゥhZjs espantados com o fato de que alguns críticos partidários ha-
tende a obedecer à sua lógica própria, qual sejâ­ a da supe- bituais de um gosto conservador, pudessem de repente lan-
ração permanente determinada pela dialética da distinção pro- çar­se nos braços dos defensores da arte nova" 8. Sentindo­se
セM セM MBMBMBM⦅NB M B
priamente cultural. ____­ ZMセ ]Mセ
,
­.­­­­- desautorizada a formular veredictos peremptórios em nome
pセ、・Mウ セ・、ゥイ o grau" de .autonomy de. オセ campo セ・ de um código indiscutível, esta nova crítica coloca­se, de
produçao erudita com ôaseno E2­cteI de­ que dlspoe !ffira defi- maneira incondicional, a serviço do artista cujas intenções
nir ⦅セ。 ・、セョッ sua jJ!Q.9ução, os critérios de ava iação de ela tenta decifrar escrupulosamente e, com isso, contribui para
seus proõufos e,­por1ãnto, pârã­ retraduzir e reinterpretar todas afastar do jogo o público dos não­produtores. E mais, por
as determinações externas de acordo com seus princípios pró- intermédio de suas interpretações de. expert e ­de suas leitu-
prios de funcionamento. Em outros termos, quanto mais o nrs­"Inspíradas", tal crítica garante a inteligibilidade de obras
campo estiver em condições de funcionar como a arena fe- セ ᆰM、。ウL pelas próprias condições em que foram produzidas,
chada de uma concorrência pela legitimidade cultural, ou seja, a permanecer muito tempo ininteligíveis para aqueles que não
pela consagração propriamente cultural e pelo poder propria- esiãó bastante integrados no campo dos produtores, e por
mente cultural de concedê­la, tanto mais os princípios segun- ⦅セウ ・ motivo nem podem conceder a tais obras uma presunção
do os quais se realizam as demarcações internas aparecem de_ inteligibilidade". Se os intelectuais e os artistas sempre
como irredutíveis a todos os princípios externos de divisão, encaram com suspeita, e também com certo fascínio, as obras
por exemplo os fatores de diferenciação econômica, social ou e os autores que­­se­esforçam por obter ou セ obtêm su-
política, como a origem familiar, a fortuna, o poder (no cessos estrondosos ­ e chegam até a interpretar o fracasso
caso de um poder capaz de exercer sua ação diretamente
sobre o campo), bem como às tomadas de posição políticas 7. neste mundo como uma セイ。ョ⦅ L embora negativa, <!ll._"sal-
Neste sentido, os progressos do campo de produção erudita ッ ̄￧セ no além ­ isto ocorre porque a intervenção do "gran-
em direção à autonomia caracterizam­se pela tendência cada de público" chega a ameaçar a pretensão do campo ao セ
vez mais marcada da crítica (recrutada em grande parte no セ￳ャゥッ da consagração cultural. Em conseqüência, a distân-
próprio corpo de produtores) de atribuir a si mesma a tarefa, cia entre a hierarquia dos produtores conforme o "sucesso de
não mais de produzir os instrumentos de apropriação que a público" (medido pelos índices de venda ou pela notoriedade
obra exige de modo cada vez mais imperativo na medida em fora do corpo de produtores) e a hierarquia segundo o grau
de reconhecimento no interior do grupo de pares­concorren-
(7) Tanto neste como em outros campos, as leis oue イ」Zセ・ュ ohiel;vament("
a5 relações sociais tendem a se constituir em normas explicl1<JO, profes'"ada'i e tes, constitui sem dúvida o melhor indicador da autonomia
。セウオュゥ、N Destarte, à medida Que a autonomia do campo セ・ amplia (·u à do campo de produção erudita, ou seja, do desnível entre os
medida que se toma os setares mais autônomos do campo, a introdução c'iret'l
、セ nri,.,cínio'ii de diferenciação e:lCternos orovoca muilo m,w, a reprovação e tal princípios de avaliação que lhe são próprios e aqueles que o t-
desobediência às regras da. profissão intelectual tende a envolver a exclusão
セゥュ「￳jゥ」。 daqueles a quem se atribui tal falta. Assim, a "politil,ação" aparer.te (8) L. L. Schücking. Op. cil., p. 30. À página 55, poder­se­á encontrar
dos debates entre os intelectuais supõe um grau muito elevado de "neutralização" uma descrição do funcionamento destas sociedades e, em particular das "trocas
t
e de "desrealização" dos princípios externos de classíficação (tornemos, por de serviços" que possibilitavam.
exemplo, o de!crédito com que se considera o marxismo "vulgar", セオウー・ゥエッ de
reintroduzir na vida intelectual os princípios de classificação lotaís e' brutais da (9) "Ela. a crítica, mascara por trás de grandes palavras 's explicações que
ordem política) e tudo se 。セウッ comu se o Camoo lanç-'lsse mão em grau má- ela não sabe mais dar. Lembrando­se de Albert Wolff, de Bourde, e mesmo de
ximo de sua autonomia a fim de tornar desconhecíveis os ーイゥョ」■ーゥッセ externos d­: Brunetiere ou de France, o crítico não julga mais, temeroso de 、・ウ」ッョィ セイ
oposição, ou então, pelo menos, a fim de "sobredeterminá­Ios" culturalmente como seus antecessores os artistas de JlêniO:' Ver J. Letheve. Impressionisres
subordin'lndo­os a princípios propriamente culturais. el symbolistes devanl la presse. Paris, Ármand Colín, 1959, p. 276.
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"grande público" e, em particular, as frações não­intelectuais dução erudita é medido pelo grau em que se mostra capaz
das classes dominantes aplicam as suas produções lU. de funcionar como um mercado específico, gerador de um tipo
Nunca se prestou a devida atenção às conseqüências li- de raridade e de valor irredutíveis à raridade e ao valor ・」セ
gadas ao fato de que o escntor, o artista e mesmo o erudito, nômicos dos bens em questão, qual seja a raridade e o valor
escrevem não apenas para um público, mas para um público propriamente culturais. Vale dizer, quanto mais o campo es-
de pares que sao também concorrentes. Afora os artistas e tiver em condições de funcionar como o campo de uma com-
os intelectuais, poucos agentes sociais dependem tanto, no petição pela legitimidade cultural, tanto mais a produção
que são e no que fazem, da imagem que têm de si próprios e pode e deve orientar­se para a busca das distinções cultural-
da imagem que os outros e, em particular, os outros escrito- mente pertinentes em um determinado estágio de um dado
res e artistas, têm deles e do que eles fazem. "Há qualidades, campo, isto é, busca dos temas, técnicas e estilos que são セ、
escreve Jean­Paul Sartre, yue nos chegam unicamente através tados de valor na economia específica do campo por serem
dos juízos do outro" ". B justamente isto que ocorre com a capazes de fazer existir culturaimente os grupos que os pro-
qualidade de escritor, de artista ou de erudito, qualidade que duzem, vale dizer, de conferir­lhes um valor propriamente
parece tão difícil definir porque só existe na e pela relação cUltural atnbumdo­Ihes marcas de distinção (uma especiali-
circular de reconhecimento reciproco entre os artistas, os es- (lade, uma maneira, um estilo) reconhecidas pelo campo
critores e os eruditos 12. Todo ato de produção cultural im- como culturalmente pertinentes e, portanto: suscetíveis de se-
plica na afirmação de sua pretensão à legitimidadecuttllfãfTI:- rem percebidas e reconhecidas enquanto tais, em função das
Quando os diferentes produtores se セLァイMᆰエョッイヲ・、 corripeÍlçao LaXlllomlas culturais dIsponíveis em um determinado estágio
se desenvolve em nome de sua pretensão à ortodoxiá,ou ・ョセᆳ de um dado campo. Deste modo, é a própria lei do campo,
tão, para falar nos termos de Weber, ... áQ .·.ll1onopo.!fõ e não um vício de natureza, como pretendem alguns, que
da manipulação legítima de uma. classe deteriíUnada envolve os intelectuais e os artistas na dialética da distinção
de bens simbólicos. E do momento· em­­que ­es·ses wiLurai, muitas vezes confundida com a procura a qualyuer
autores são reconhecidõs;· ri que·· se está reconhecendo preço de qualquer diterença capaz de livrar do anonImato e
é a sua pretensão à ortodoxia. A . melhor prova­­e da insignificância 14. Esta mesma lei que impõe a busca da
o fato de que as oposições e divergências se セウ・イーク distinção, impõe também os limites no interior dos quais tal
sam espontaneamente na linguagem da excomunhão busca pode exercer legitimamente sua ação. E a brutalidade
recíproca. Em outras palavras, embora o campo de produção I.:Ul1l ケオセ uma comunídade intelectual ou artística fortemente
erudita possa não estar nunca dominado por uma ortodoxia, mlegráda condena qualquer recurso tecnicamente montado
está sempre às voltas com a questão da ortodoxia, ou seja, com procedimentos de distinçãO não reconhecidos ­ e assim
com a questão dos critérios que definem o exercício legítimo imedIatamente desvalorizados como meros artifícios ­ , com-
de um tipo determinado de prática intelectual ou artística. prova (o mesmo ocorre com a atitude suspeitosa em relação
Em conseqüência, o grau de autonomia de um campo de セイー às intenções dos grupos mais revolucionários) o fato de que
(lO) Um dos objetivos da pesquisa em preparo a respeito das diferentes (14) Assim, Proudhon (cujos escritos e:téticos exprimem muito bem a
frações da classe dirigente, seria evidenciar a forma e a extensão dos desníveis rerre::sentação イ・ア|ャ ョッᄋ「|ャイセオ・ウ。 da arle e do ョイエゥセj。I (ltr,hlli a uma e,colha
entre as diferentes hierarquias em que9tões intelectuais e artísticas. Tal resultado t;ínica dos artístas os processos de dissimilação nasddoS da lóg:,a intern", do
mo'trava­se com clareza através da pesquisa realizada junto aos alunos das campe. intelectual: "De um l'luo. o... <Ini!'lt'l"i falem 、セ lUdo. parque tudo lhes é
grandes escolas. em sua maioria originários das frações para as Quais sua for- indiferente, de Olllro LIdo, dc"i "(' C'"pcçi;lIir'lm ;10 inlinill\. EntrelLues a セゥ
mação lhes destina. Podia­se constatar Que as escolas mais distantes do pólo JTe:­:mo i, sem farol nem 「ャゥウセッ 。N obcdci.:l:ndo a uma lei da indll!õ>uia muito mal
intelectual (Escola Nacional de Administração, Politécnica) ratificam intelectuais aplicada. セ・ classificam em géneros e em ・セーエZ」ゥ・ウN prtnlelro セ・ェャオョ、ッ a naturC7.H
pouco ou nada reconhecidos no campo intelectual propriamente dito e, parado- das en,omendas e. depois. segundo o meio que os distingue. Assim. hã ーゥョャ セイ・ウ
xalmente, tal reconhecimento Iica a cargo dos alunos das e.­olas conducentes de igreja. pintores de história. pintores de batalhas. pintores de gênero, C/uer
às caneiras intelectuais (Ulm e Sêvres'. dlLer, de anedotas e farsas, retratistas. plJ\tores de PaJsaaens, pintai es de 。ョゥセ
mais, pintores de marinhas, pintores de Venu., pintores de fantasia. Esle cul-
(11) J.­P. Sartre. Qu'esr-ce que la /ltrlratttre? Paris, GaIlimard, 1948, ti"a o nu, aquele mitro cultiva a roupauem. E deJ"lois cada um Nセ・ cslurca rmr
p, 98. \Ii'ti na uir ­'e por um das meios que tomam part" na execuçilo. Um apUca­se
(12) Neste sentido, o campo intelectUal representa o modelo quase reallza- :Ul dC!'tl.nho. " C'Imro ü cor: 」NZAGエセ se.: 1,.'!'tI1ll.:rll na ,omrmslI;ãu, ô.llHI\:k "I\: .1\11.:111,.:(..
\ \ do de um universo sochl1 cujos l1nlcos princIpias de dlferenciaçlo e de hlerar- ÇOR na rcr"pc, :1\':1. セエ コ ('lltrC1 Cllida lI:l vC .. lim"'l1t;1 l'L, d.1 ·"Dr loc.lI, "'uIUnl)
\ qulzaçlo seriam as dlstinçOes propriamente slmb6llcas. brilha pelo ".,'r:IJllH.,'I1lU, l'J1.:1tl'i.II1U prima pela hh.:aHd..Lle iセo p..:lll 1lt:;.!li"IIIlU "II,.' llIU'l'
(13) Ao menos obJetlvamente (no sentido de que ョャ 。オセュ pode Janorar fill"r.,; BセiN hQ compensa " IIUillJad. de seu, lemu, ·peJo acabamento dos
a lei cultural), o mesmo sucede com qualquer ato de consumo que se encontre ャjエZ ィ」セN セゥ| \.1111 1\\,' 。セイッGiLB | por ter um .1'll(JU., um t04U\,' d/ic'. urna m;.1Ocirl1 ", ­ \ /,­­'
obJetlvamente situado no campo de apllcaçlo das rearas que orientam as prá- e. t:l;uando iii IItOUl.l NiG[ujセ Us reputaçOês se fazem e se cJesful.em" (Prouuhan. \セ
ticas culturais quando estas pretendem ser "'altlmas, CGn,radkl/On.\ t'.uno"'/qu ..... p. 271). ,J I .
A ECONOMIA DAS TROCAS SIMBóLICAS o MERCADO DE BENS SIMBÓLICOS 111
110

a comunidade intelectual e artística só consegue afirmar a aO puro jogo das cores, dos valores e das formas, forçar a
autonomia da ordem propriamente cultural quando controla linguagem para forçar a atenção à linguagem, constituem
a dialética da distinção cultural, セ・ューイ ameaçada de degra- procedimentos destinados a afirmar a especificidade e o ca-
dar-se em busca anômica da diferença a qualquer preço 15. ráter insubstituível do produto e do produtor, dando ênfase
Em vista destes fatores, Os princípios de diferenciação ao aspecto mais específico e mais insubstituível do ato de
mais apropriados para serem reconhecidos como pertinentes produção artística] É preciso citar Delacroix: "Todos os te-
na esfera cultural - ou seja, a serem legitimados por um mas tornam-se bons pelo mérito do autor. Oh! jovem artis-
campo que tende a rejeitar toda e qualquer definição externa ta, aguarda um tema? Tudo pode servir, o tema é você
de sua função - , são aqueles que exprimem de modo mais mesmo, são as suas impressões e emoções diante da natureza.
acabado a especificidade da prática intelectual ou artística, :B em você que é precIso sondar, e não em seu redor" l<. O
ou melhor, de um tipo determinado desta prática. Por exem- verdadeiro tema da obra de arte é a maneira propriamente
plo, no âmbito da arte, os princípios estilísticos e técnicos são artística de apreender o mundo, ou seja, o próprio artista, sua
os mais propensos a se tornarem o objeto privilegiado das maneira e seu estilo, marcas infalíveis do domínio que exerce
tomadas de posição e das oposições entre os produtores (ou sobre sua arte.
seus intérpretes). Além de manifestar a ruptura Com as de- Ao tornarem-se o objeto central das tomadas de posição
mandas externas e a vontade de excluir os artistas suspeitos e das oposições entre os produtores, os princípios estilísticos
de se curvarem a tais demandas, a afirmação do primado da _ cada vez mais redutíveis a princípios técnicos - são cum-
forma sobre a função, do modo de representação sobre o pridos ele maneira cada vez mais rigorosa e acabada nas obras
objeto da representação, constitui, na verdade, a expressão e, ao mesmo tempo, afirmam-se de maneira cada vez mais
mais específica da reivindicação de autonomia do campo e sistemática no discurso teórico produzido pela e para a con-
de sua pretensão a deter e a impor os princípios de uma legi- frontação. Como a dialética da distinção cultural leva os pro-
timidade propriamente cultural, tanto no âmbito da produção dutores a realizarem-se em sua singularidade irredutível, pela
I como no da recepção da obra de arte '-6. 0firmar o primado produção de um modo de expressão original - ou seja, uma
II da maneira de dizer sobre a coisa dita, sacrificar o "assunto", espécie de axiomática estilística em ruptura com as ortodo-
\ antes sujeito diretamente à demanda, à maneira de abordá-lo, xias precedentes, e desejosa de esgotar todas as possibilida-
(15) Tendo em vista que os intelectuais e os artistas dispõem, por defi- des inerentes a este sistema convencional de procedimentos
nição, de todos os meios necessários Para afirmar sua distinção, produzindo _, os diferentes tipos de produção erudita (pintura, música,
diferenças reais ou fictícias e, ademais, como não têm dificuldade para encontrar
no universo das possibilidades oferecidas pela combinatória tomadas de posi- romance, teatro, poesia etc.) estão fadados, pela dialética
ção possíveis a respeito de todos os probtemas diferentes que podem se colocar
diante deles ou que e'es podem se colo"ar a si próprios em esferas tão diferentes do refinamento (princípio do esforço que os artistas desen-
como a po}[tica, a filosofia, a arte ou a literatura, inúmeras ocasiões (indefini- volvem a fim de explorar e esgotar todas as possibilidades
damente renovadas) de maximizar o rendimento simbólico da última diferença
(bastando inclusive impor tal diferença como a única pertinente para torná-Ia técnicas e estéticas de sua arte, em meio a uma pesquisa semi-
uma diferença última). é pOssível compreender que o efeito de baralhamento -experimental de renovação), a alcançar sua realização na-
produzido nela mistura de toda. as estrutuIaçÕ'.:s simultânea e sucessivamente
possíveis, possa dissimular os tipos de tomadas de posição substilUtlveis, e levar quilo que possuem de mais específico e de mais irredutível a
à conclusão de que o campo intelectual e o campo cultural são destituídos de
qualquer estrutura. Tomemos, por exemplo, as diferentes maneira. pelas quais qualquer outra forma de expressão.
se ligam, em um mesmo campo ou em estados diferentes do campo, as tomadas
de posição políticas e as tomadas de posição estéticas, como no caso do van- Devido à circularidade e à reversibilidade quase perfei-
guardismo literário que (hoje encontra-se via de regra associado ao vanguar-
dismo político) pode ter coexistido em outros tempos com o indiferen tismo e tas das relações de produção e de consumo culturais resul-
até mesmo com o conservantismo. Eis um dos mecanismos que mais contribuem
para dissimular os efeitos dos princípios externos de diferenciação e, por esta
tantes do fechamento objetivo do campo de produção erudita
via, para manter viva sobretudo junto aos intelectuais a ilusão da autonomia (e mesmo dos diferentes setores deste campo), estão dadas
absoluta do campo, dando a aparência de uma liberdade anárquica às tomadas
de posição dos diferentes grupos no mesmo momen to ou dos mesmos grupos as condições para que o desenvolvimento das produções sim-
em diferentes momentos.
bólicas assuma o caráter de uma história semi-reflexiva. A

Kセ
(16) Pela recusa da concepção clássica da produção artística como mera
Lxecução de um modelo anterior e preexistente, a emergência da teoria da arte explicitação e a redefinição incessante dos princípios implici-
não só torna a "crLação" artistica uma espécie de surgimento imprevisível para
o próprio "criador", como também supõe acabada a transformação das relações tamente envolvidos nas obras, provocando o confronto com
セッ」ゥ。 ウ de produção as quais, liberando a produção artística da encomenda os juízos feitos a respeito da própria obra ou com as obras
direta e explicitamente formulada, permite conceber o trabalho artístico como
I ucriação" autônoma e não mera execução.
(17) E. Delacroix. Oekvres littéraires. Paris, Gres, 1923, valo I, p. 76.
"---.
A ECONOMIA DAS TROCAS SIMBóLICAS o MERCADO DE BENS SIMBÓLICOS 113
112

dos demais produtores, acabam por determinar uma transfor- cesso de circulação e de consumo dominado pelas relações
mação decisiva da relação que o produtor mantém com sua objetivas entre as instâncias e os agentes que nele estão en.
obra e para além de sua obra. Nestas condições, quase todas volvidos, constitui­se o sentido público da obra pelo qual o
as obras trazem a marca do sistema de posições em relação às autor é definido e em relação ao qual está obrigado a defi-
quais se define sua originalidade, e contêm indicações acerca nir­se. As relações sociais nas quais se realiza a produção
do modo com que o autor pensou a novidade de seu empreen- áeste sentido público, ou seja, deste conjunto de propriedades
dimento, ou seja, daquilo que o distinguia, em seu entender, de recepção que a obra revela apenas no processo de "publi-
de seus contemporâneos e de seus antecessores. A objetivação cação" (no sentido de "tornar­se público"), relações entre o
levada a cabo por uma crítica que pretende expHcitar o sen- autor e o editor, entre o editor e o crítico, entre o autor e
tido objetivamente inscrito na obra, tarefaqlle veio subStI- a crítica etc., são comandadas pela posição relativa que tais
tuir­se aos juízos normativos sobre o valor da. ッ「セ。LMー イ・」 agentes ocupam na estrutura do campo de produção erudita.
. propensa a desempenhar um papel determinante neste pro- Em cada uma destas relações, cada um dos agentes mobiliza
cesso ao favorecer a tomada de consciência da intenção obje- não somente a representação que tem do outro termo da re-
lação (autor consagrado ou maldito, editor de vanguarda ou
tiva das obras e ao colaborar, destarte, com o esforço dos
escritores e artistas para realizar sua essência singular 18. As editor tradicional etc.) e que depende de sua posição relativa
no campo, mas também a representação da representação que
variações concomitantes da interpretação do crítico, do dis- o outro termo da relação tem dele, vale dizer, da definição
curso do produtor sobre sua obra e da própria estrutura da social de sua posição objetiva no campo.
obra, comprovam a eficácia específica do discurso crítico que
o produtor reconhece porque sente­se por ele reconhecido e Desta maneira, não seria exagero considerar a lógica do
nele se reconhece 19. Entretanto, nada seria mais falso do que funcionamento de um campo caracterizado pela circularidade
atribuir ao crítico (ou ao editor de vanguarda ou ao marchand e pela reversibilidade quase perleitas das relações de produ-
de quadros audaciosos) o poder carismático de reconhecer em ção e de consumo, como a condição que possibilita e favorece
a tendência para a interrogação axiomática que constitui cer-
uma obra os signos imperceptíveis da graça e de revelar aos
tamente a característica mais específica de todas as formas
próprios autores os signos que soube descobrir. Em um pro- modernas de produ;,;ão erudIta セ。イエ・L literatura ou ciência).
(18) Os críticos, e até mesmo os jornalistas, trazem uma contribuição Neste sentido, a arte "pura" (produto de um refinamento in-
positiva ao esforço de explicitação e de sistematização, uma vez que seus erros
e contra­sensos levam os arti3tas a tentarem manifestar a idéia que têm acerca do cessante das formas) leva ao paroxismo as tendências ineren-
que querem fazer: "O público procura saber primeiro o que querem os artistas tes à arte das épocas anteriores, ao submeter à explicação e
cujas obras são tão desconcertantes; ora, a imprensa desempenhou um papel
capital nesta tomada de consciência: ela publica os manifestos, dá espaço as à sistematização os princípios próprios a cada tipo de expres-
manifestações de admiração e de exclusão; os jornalistas tomam o lugar dos
pintores e, às vezes, dos escritores para explicarem suas intenções à multidão. Eles são artística. E com vistas a medir tudo que separa esta arte
lhes atribuem epítetos e denominações que os interessados acabam adotando apesar de pesquisa, nascida da dialética interna do campo, das artes
da significação irônica de que estavam carregados. 1l. assim que naScem os
termos impressionista e simbolista, na fantasia de uma crônica; e logo a injúria autenticamente populares ­ existentes exclusivamente nas
torna­Ee uma bandeira, hasteada bem alto. Par.a comodidade. de sua exposição,
os Jornalistas. ,,!aü,ifiQm as tendêndal. セ .. !i1Zem. nascer .. as. 'escõ!ã:s':­ (r.··u;tIlêve. formações sociais desprovidas de instâncias especializadas de
, ,Op. cit., p. 13). E mais: "A escola impressioniJra· nasce ae ­fãto em 1874: e
. j mesmo que o termo estivesse pelo ar, são os jornalistas que a batizam deste produção, de transmissão e de conservação culturais ­ , basta
modo. Os críticos desejam zombar dos pintores, mas estes aceitam o rótulo que
lhes foi imposto e o agitam com orgulho. (Mais tarde vem a época dos teóricos
lembrar a oposição entre a lógica da evolução da língua po-
セ (\ que acabam encontrando justificações científicas e filosóficas para um termo pular, que obedece ao princípio de economia até mesmo em
I dado ao acaso"](J. Lethêve. Op. cit., p. S9).
suas invenções aparentes, sempre fundadas na analogia e via
\ (19) Gérard Genelte constata assim uma evolução paralela da imagem
,. pública da obra de Robbe­Grillet e das teorias professadas por este autor a de regra ajustadas às leis profundas da língua, e a lógica da
­ .,) respeito de sua obra: o autor da Maison de rendéz-vous se reconhece hoje no
autor fantástico descoberto após L' Année derniere à Marienbad, assim como o evolução da língua erudita que, por ser produzida e repro-
autor de Jalousie se reconhecia no ョ・ッセイ。ャゥウュ chosiste de agrimensor セゥュ
nudente que Roland Barthes e, depois dele, a crítica oficial tinha descoberto em duzida por e para relações sociais dominadas pela busca da
Les Gommes e Le VOYf'ur (Ver G. Genette. Figures. Paris, Seuil, 1966, pp. distinção, obedece ao que se poderia designar o princípio de
69­71, trad. brasileira pela Editora Perspectiva, CoI. Debates, n. S7). Logo,
é lícito levantar a hipótese de que as pretensões iniciais de objetividade e a desperdício (ou de gratuidade) e cuja manipulação supõe um
conversão ulterior à pura subjetividade estão separadas por uma tomada de
consciência da verdade objetiva da obra para a qual concorreu, me$mo que conhecimento quase reflexivo, transmitido por uma educação
negativamente, a objetivação levada a cabo pelo crítico e também pela vulgata
de seu discurso. explícita e expressa dos esquemas de expressão. A poesia
A ECONOMIA DAS TROCAS SIMBÓLICAS o MERCADO DE BENS SIMBóLICOS 115
114

"pura" aparece como a aplicação consciente e metódica de pela formulação de um outro modo de realizá-la 21. Todavla,
um sistema de princípios explícitos e sistemáticos que - a realização mais acabada do modelo da dinâmica que carac-
assim o provam as descobertas retrospectivas do abade Bré- teriza um campo tendente ao fechamento, reside na história
mond - já estavam operando nos escritos anteriores, embora da pintura. Tendo excluído, com o impressionismo, todo con-
de maneira descontínua e dispersa, e até mesmo de modo teúdo narrativo, passando a reconhecer apenas princípios pic-
culposo e reprimido. Por exemplo, ela deriva seus efeitos tóricos, acaba progressivamente por repudiar, através das di-
mais específicos dos jogos de suspense e surpresa, ou seja, ferentes tendências resultantes da reação contra o modo im-
pressionista de representação, quaisquer vestígios de natura-
da decepção suscitada por desvios elaborados visando quebrar
as expectativas resultantes da interiorização das leis da língua lismo e de hedonismo sensualista, concentrando-se em uma
elaboração consciente e explícita dos princípios especifica-
comum: efeitos de expectativa frustrada e de frustração grati- mente pictÓrICOS da pintura que coincide com um questiona-
ficante, provocados pelo arcaísmo, pelo preciosismo, pela mento destes princípios, e por extensão, da própria pintura
dissonância lexicológica ou sintática, pela demolição das se- através da própria pintura e2. Basta correlacionar a lógica do
qüências estereotipadas no 'plano sonoro ou no plano semân- funcionamento e da mudança do campo de produção erudita
tico, pelas fórmulas feitas, idéias canânicas e lugares-comuns. com as leis que regem a circulação dos bens simbólicos e a
IA ィ ゥ セ ￧ ・ ョ エ ・ de um modo de expressão, como por exem- produção dos consumidores destes bens, para perceber que
⦅セッャー ゥ。イエク・IセL 」ゥウュ o princípio de sua evolução da busca de um campo de produção que exclui qualquer referência a de-
soluçÕes técnicas para problemas fundamentalmente técnicos, mandas externas e que, obedecendo à sua dinâmica própria,
estritamente reservados a profissionais dotados de uma for- progride por meio de rupturas quase cumulativas com os modos
mação altamente especializada, e aparece como a realização de expressão anteriores, tende de alguma maneira a aniquilar
do processo de refinamento que tem início desde o momento continuamente as condições de sua recepção no exterior do
em que a música popular é submetida à manipulação erudita campo. Na medida em que seus produtos requerem instru-
de um corpo de profissionais 20. Assim, René Leibowitz des- mentos de apropriação cujos consumidores mais favorecidos,
creve a obra revolucionária de Schoenberg e de seus discípu- dentre os consumidores virtuais, são justamente aqueles mais
los, Berg e Webern, como o produto da tomada de consciên- desfavorecidos em termos relativos - pois encontram-se des-
cia e da prática sistemática e, nos termos do citado comen- tinados, por uma necessidade estrutural, a existirem antes de
tarista,"ultraconseQüente", dos princípios inscritos em estado seu mercado, ou então, a possuírem como clientes os próprios
implícito em toda tradição musical do Ocidente a qual, des- produtores - , tais produtos parecem propensos por esta ra-
zão a cumprir uma função social de distinção, primeiro, nos
tarte, encontra-se implicada em obras capazes de superá-la
conflitos entre as frações das classes dominantes e, a longo
r- (20) Basta evocar o exemplo da dança e o destino das bourrées, gavotas, prazo, nas relações entre as classes sociais. Por um efeito de
passa-pés, rigodões, loures ou minuetos, quando passam a fazer parte da vida
na corte e das composições eruditas, suítes, sonatas e ordens, e acabam per-
causalidade circular, a defasagem estrutural entre a oferta e
dendo todas aS características originais por força do refinamento de ritmo e a demanda, e a situação do mercado dai resultante, contri-
de tempo. uAo passarem da aldeia para a corte, escreve Richard Alewyn, ュオゥエ。セ
dessas danças mudam de ritmo, e todas mudam em velocidade. Os movimentos buem para reforçar a inclinação dos artistas de fecharem-se
amplos e rápidos tornam-se curtos e lentos. O salto エッイョ。セウ・ paSJo. Deixam na busca da "originalidade" (que se faz acompanhar pela
de ser danças destinadas a rodopiar e esquecer o mundo. A dança de sociedade
da idade barroca não é um divertimento. セ uma cerimônia executada solene-
mente, a fim de excitar a admiração de um público" (Ver R. AlewYn. (21) Segundo R. Leibowitz, 110 se apropriar do acorde de nona, utilizado
L 'uníui"Ts du. baroque. Paris, Gonthier, 19S9, p. 34). A história das ヲッイセ。ウ raramente pelos músicos românticos e sempre na posição fundamental, Schoen-
セュオウゥ」。 ウ cZセャjゥN 」・イエ。セL a ゥャオウエセ mais evidente 。 セ 、 ・ M イ Z ・ t i ョ セ berE "decide consc;entemente tirar dal todas as conseoüências" e empregá-lo
ilreJTnY'que determina a manipulação erudita. Tomemos, -pôfeJrellíPío. o minue.O em todas as inversões possíveis (Ver R. Leibowitz. s」ィoCョセイァNエ $on Icok.
q'1re-,-EJ.epe+o;·-de cõllõü:i'stara corte de Versalhes, e, em seguida, todas as cortes da Paris, J. B. lanin, 1947, p. 70). Observa também o seguinte: "trata·oe agora da
Europa (Haydn e Mozart escrevem minuetos para dança), passa a integrar a tomada de consciência total do princípio fundamental de composição o aual,
sonata e o Quarteto de cordas, a título de interlúdio ャゥセ・ イッ entre o movimento implícito em toda evolução anterior da polifoni.... toma-se expllcito pela primeira
lento e o final; com'Haydn, passa a fazer J::arte da sinfónÍ? e, em Beethoven, dá vez na obra de Schoenberg: é o princípio do desenvolvimento perpétuo" (op. cit.•
lugar ao .\cher!o, cu·o ú· vínculo com a dan a é O trio. Estas transformações p. 78). Enfim, ao resumir as principais aquisições de Schoenberg, conclui:
da estrutura as o ras são COrre a as a uma trans ormação de suas funções UEm suma, tudo isso não faz senão 」ッョウ。セイ de maneira mai,; aberta oe mais
sociais cujo indicador mais seguro é a transformação da estrutura das relações .istemática um estado de coisas que. de modo menos aberto e menos sistemático,
sociais no interior das quais elas funcionam, ou ウセェ。L de um lado, a festa já existia nas últimas obras tonais do pr6prio Schoenberg e, até certo ponto, em
sazonal que "cumOle uma funç- de- .i.n..t.c..8.ração e de revivificação dos "grupos "Igumas obras de Wagner" (op. clt., pp. 87·88).
primários" e, no outro pólo, 」ッョ ・イエッLセ|イ オョゥ ̄ッ de um_ ⦅ッ」セ「ーL cUA  ョ セ (22) Como vemos, a hist6ria que conduz ao que se denominou uma
liame é uma relação abstrata de pe- na exclusiva ao mundo セ、ッウ iniClaOo'. Gセ、・ウイッュ。ョエゥコ。￧ャッB do romance obede-ce a uma lógica do mesmo tipo.
...... _---- ---_.-.-
116 A ECONOMIA DAS TROCAS SIMBóLICAS o MERCADO DE BENS SIMBóLICOS 117

ideologia do "gênio" desconhecido ou maldito), não somente, da indústria cultural é mais ou menos independente do nível
como sugere Arnold Hauser ", colocando­os em condições de instrução dos receptores (uma vez que tal sistema tende a
económicas difíceis, mas sobretudo liberando­os, por carên- ajustar-se à demanda), as obras de arte erudita derivam sua
cia, das coerções exercidas pela demanda, e assegurando-lhes raridade propriamente cultural e, por esta via, sua função de
cm bases objetivas a incomensurabilidade do valor propria- distinção sbcial, da raridade dos instrumentos destinados a
mente cultural e do valor económico das obras. seu deciframento, vale dizer, da distribuição desigual das con-
dições de aquisição da disposição propriamente estética que
exigem e do código necessário à decodificação (por exemplo,
o CAMPO DAS INSTÂNCIAS DE REPRODCÇ ÂO através do acesso às instituições escolares especialmente orga-
E CONSAGRAÇÂO nizadas com o fim de inculcá-la), e também das disposições
para adquirir tal código (por exemplo, fazer parte de uma
As obras produzidas pelo campo de produção erudita família cultivada) 25. Em conseqüência, uma definição com-
são obras "puras", "abstrótas" e esotéricas. Obras "puras" pleta do modo de produção erudito deve incluir as instâncias
porque exigem imperativamente do receptor um tipo de dis- capazes de assegurar não apenas a produção de receptores
posição adequado aos princípios de sua produção, a saber, dispostos e aptos a receber (pelo menos a médio prazo) a
uma disposição propriamente estética. Obras "abstratas" pois cultura feita, mas também a produção de agentes capazes de
exigem enfoques específicos, ao contrário da arte indiferen- reproduzi-la e renová-la. Logo, não se pode compreender
ciada das sociedades primitivas. e mobilizam em um espe- inteiramente o funcionamento e as funções sociais do campo
táculo total e diretamente acessível todas as formas de exores- de produção erudita sem analisar as relações que mantém,
são, desde a música e a dança, até o teatro e o canto 24.
de um lado, com as instâncias, os museus por exemplo, que
Por último, trata-se de obras esotéricas tanto pelas razões já
têm a seu cargo a conservação do capital de bens simbólicos
aludidas como por sua estrutura complexa que exige sempre
legados pelos produtores do passado e consagrados pelo fato
ii referência tácita à história inteira das estruturas anteriores.
de sua conservação e, de outro lado, com as instâncias quali-
Por este motivo, são acessíveis apenas aos detentores do ma-
ficadas, como por exemplo o sistema de ensino, para assegu-
nejo prático ou teórico de um código refinado c I consegüen-
rar a reprodução do sistema dos esquemas de ação, de expres-
temente, dos códigos sucessivos e do código destes códigos.
são, de concepção, de imaginação, de percepção e de apre-
Dcstarte. enquanto que a recepção dos produtos do sistema
ciação objetivamente disponíveis em uma determinada for-
(23) "Ennuanto o mercado artl"'tlco permaneo::e favor::ível. :\ busca de indi-
vidualídade não consegue eX3cerb,lf-se em mania de originaliciade: tendência
mação social (entre eles, os esquemas de percepção e apre-
í ウ・ュ ャィセョエ・ não existe antes da idade maneírista. アオ。ョ、セI a nova situação do ciação dos bens simbólicos). Através de uma ação prolon-
ュ・イ」。、oセtQ エゥcNGo coloca ? art.;sta em condiçõe" ・cHュP ゥ」セウ muito ーHGョッB 。セ
(Ver A. h。ャ G・セN The SaCia/fi""'''' ól A.rf. Trad. do alemaa por S. Godman. gada de inculcação, tal sistema é capaz de produzir agentes
'lew Yor ..\li1\lage b ッ ォ セ p. 71).""
Lセ dotados de um habitus secundário, ou seja, de um ethos e
naoexr;te
(14) "A roesia por si so corno lima entidade separada dl")
canto e, nas sociedades voltadas para o ritmo corno as sociedades africana!'. de um eidos secundários que constituem os produtos da inte-
cantar, bater o tambor. dançar. desempenhar um papel. bater as mãos em 」。セ
dência e tocar um instrumento. são coisas que se combinam naquilo que Lord riorização de um conjunto, mais ou menos integrado em sis-
Hailey chama corretamente "uma for'ma homogênea de arte (Ver J. Grecnw:lV.
[irerafllre amanr rlle Primiril'e.\. Hatbors. Folklore Associate. 1964. p. 37).
tema, mais ou menos extenso, mais ou menos apropriado,
Sf'bre ;j arte crimítiva como arle total e rnü!tipla rroduzída relo grupo em seu destes esquemas""
conjunta e dirigid:.l ao grupo em seu conj\.lnto, ver também R. Firth. eャ・ュ セエイウ
ol Social Orf!anization. Boston. Beacon Press. 1963. p. 155 e ss.: H. Junod. (25) Para uma análise da função do sistema de ensino na produção dos
Thc Ule ai a SOl/lh Alrica" Tribe. Londres. MacMillan and Co .. 1927. p. 215: consumidores dotados da propensão e da aptidão para consumir as obra.,; eru-
B. Malinorvski. Myrh in Pr;m;ti\'e Psychology. New York. W. W. NortclO and ditas, e na reprodução da distribuição desigual desta propensão e desta aptidão,
Co .. 1926, p. 31). A respeito da transformação da função e da significação e portanto, da raridade diferencial e do valor de distinção destas obra3, ver
da festa e da d;mça pode-se citar: ··Fm GUipu7coa. até o século X'VI1I. a P. Bourdieu e A. Darbel, com D. Schnapper, L'amour de f'arl, les musées
dança. nos dias de festa. não era apenas. um simples divertimento. mas uma européens e( leur pubi.ic, Rセ ed., Paris. Éditions de Minuit. 1969.
função social de mais peso. O papel dos espectadores era quase tão importante
como o dos atores. As idéias citadinas sobre a mooa fizeram com que as ressoas (26) Os diferente, setores do c"mpo de produção erudita se distinguem
d;p, famílias importantes, os velhos. as pessoas casadas e os padres não assis- fortemente segundo o grau em que dependem para sua reprodução de instâncias
エゥセG」ュ mais ::lOS b.tiles das praças. deixar.do de neles participar como 。ョエ・セZ (l
セ・ョ←イゥ」。ウ (como o sistema de ensino) ou específicas (como por exemplo, a
caile. perdendo SlIa estatura coletiva. エッイョ ャ Mセ・ o que é hoje: UIll ctivenimento Escola de Belas-Artes ou o Conservatório de Música). Tudo parece indicar
rara os jovcn ... nnde o espectador não tem mais importância" (Ver J. Cario Que a parcela dos produtores contemporâneos que receberam uma formação
B::lr0ia. "FI ritll;d de l:I danl:l en el Paí.. Vasco". Redsra d,- Dialectolugía ) acadêmica é muito menor (especiaJmente nas correntes de vanguarda) entre
Tradicíoncs Populares. Tl1mo XX, 1964. Cadernos 19 e 29). os pintores do que entre os músicos.

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