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Capitulo 3 Judiciario: entre a Justiga e a Politica ROGERIO BASTOS ARANTES * Apresentar uma instituigao ou dimen- s6es relativamente auténomas do sistema politico nao é tarefa facil, especialmente diante das diversas alternativas que se abrem a propostas desse tipo. Na maioria das ve- zes, a tendéncia mais comum € recorrer a historia, na expectativa de que a descrigao de uma sucessio de fatos ou etapas torne inteligiveis a natureza e as especificidades do objeto que esta sendo analisado, Embo- ra a historia seja uma maneira atil e segura de apresentar determinadas instituigdes po- Iiticas, néo podemos esquecer a importante contribuigio que outros pontos de vista podem oferecer a essa descrigao, tais como aqueles preocupados com os padrdes de organizacdo interna dessas instituigdes (ané- lise organizacional), ou aqueles que recor- rem A comparagao de diferentes paises e contextos socioculturais e econdmicos (mé- todo comparativo), ou ainda aqueles que se concentram na descrigao formal das leis ¢ estatutos juridicos que definem o funciona- mento da instituigdo e suas relagdes com as demais (método institucional). ‘Ao tentar descrever a natureza ¢ as especificidades do Judiciario como institui- gio judicial e politica, tentaremos uma com- binagdo dessas diferentes abordagens, pro- porcionando uma visio abrangente sobre a organizagio. Langando mao da hist6ria, do método comparativo ¢ da descricao juridi- co-formal do Judicisrio, esperamos construir ‘uma apresentagdo que demonstre a impor- rancia dessa instituigao no ambito do siste- ma politico e que incentive o leitor a buscar outras e novas respostas a questdes aqui men- cionadas ¢ nao completamente resolvidas. Este capitulo esta estruturado em trés se- ‘oes: na primeira, tratamos da construgdo institucional do Judiciario moderno a par- tir de duas grandes tradig6es (a norte-ame- ricana e a francesa); na segunda seg4o, ana- lisamos a expansio das fungdes judiciais e politicas do Judiciario no século XX (e as variagées em torno daquelas duas grandes tradigées), dedicando ao judicidrio brasi- leiro atencao especial; a terceira e tltima segao levanta hipdteses sobre 0 futuro do Judiciério como 6rgio de justiga e como poder politico. 1. Judiciario moderno: 6rgao de Justia ou poder politico? As grandes transformagées pelas quais passou 0 mundo ocidental nos séculos XVIII e XIX tiveram forte impacto sobre 1. Autor de Judicirio e Politica no Brasil. Sao Paulo: Idesp/Sumaré, Educ, 1997, ¢ Ministério Publico e Politica no Brasil. Sio Paulo: Idesp/Sumaré, Educ, 2002. 79 Judiciério: entre a Justiga e a Politica 80 as fungdes da Justiga e sobre a organizagéo do Judicidrio. Ainda durante 0 Antigo Re- gime (séculos XV-XVII}), as monarquias ab- solutistas européias jé haviam promovido uma significativa centralizagao racionali- zacao da administragao estatal, incluindo af os cargos e fungées da magistratura antes dispersos e privatizados pela aristocracia. Do ponto de vista econdmico, o desenvelvi- mento das relagdes comerciais e de produ cio e a gradual implantagio do capitalismo também levaram & valorizagio da Justiga como meio de garantia das relagées entre agentes econdmicos, conduzindo a magis- tratura a uma profissionalizagao crescente € 0 Direito a condigo de principal instru- mento de racionalizagao da vida social e eco- némica. A derrubada dos regimes absolutistas € a fundaggo dos chamados Estados liberais na Europa e nos Estados Unidos marcaram uma profunda transformacao no papel da Justica, a comecar pelo reconhecimento de sua autonomia como fungéo estatal e, em alguns paises, até mesmo como poder de Estado. Essa distingio entre fungio estatal ¢ poder politico remonta a duas experién- cias paradigmaticas de (re)fundagao do Ju- diciério no processo de criagao dos Estados liberais: a norte-americana de 1787 ea fran- cesa de 1789. Embora os processos que levaram a ela~ boragao do texto constitucional america no de 1787 ¢ & Revolucdo Francesa inicia da em 1789 tenham sido influenciados pelo pensamento politico liberal que corria 0 mundo & época, 0 fato é que eles deram origem a dois modelos constitucionais bas~ tante distintos e, por decorréncia, o Judi- ciério emergiu dessas duas experiéncias com papéis significativamente diferentes. Como as revolugées americana e francesa influen- ciaram 0 curso histérico de outros tantos paises, € possivel tomar Franga e Estados Unidos como dois modelos principais de definigao do Judiciério moderno, que ins- piraram a formagio dos demais Estados li- beral-democraticos nos séculos XIX e XX: a experiéncia francesa, mais republicana do que liberal, modernizou a fungao de justiga comum do Judiciério mas nao Ihe conferiu poder politico; a americana, mais liberal do que republicana, nao sé atribuiu 2 magis- tratura a importante fungao de prestagio de justiga nos conflitos entre particulares, como elevou 0 Judiciério & condigao de poder po- Iftico. Sob a influéncia de grandes autores como Locke (1632-1704) e Montesquieu (1689-1755), a formula da separagao de poderes difundiu-se no final do século XVIII como necessétia & limitacio do poder poli- tico do Estado ¢ 8 defesa das liberdades in- dividuais. Consagrada por Montesquieu com base em suas observagées sobre o siste- ma politico inglés, a distingio de fungées ¢ poderes entre Executivo, Legislativo e Judi- cidtio passou a ser considerada indispensa- vel a constituicdo de uma ordem politica li- beral e ao ideal de um Estado limitado, aten- dendo a maxima de que, “pela disposicao das coisas, 0 poder freie 0 poder”. Embora com pesos diferentes, Franca Estados Uni- dos orientaram-se por esse principio e pro- moveram, cada um a seu modo, a separa- 40 de poderes. Segundo 0 artigo 16 da Declaragdo dos Direitos do Homem e do Cidadao da Assem- bléia Nacional Francesa (1789), “toda socie- dade na qual a garantia dos direitos nao for 2, Montesquieu. Do Espirito das Leis. Sio Paulo: ‘Abril-Caleural, 1973, p.156. assegurada, nem a separacdo de poderes determinada, nao tem Constituigdo”. Antes da Franga, em 1787, os Estados Unidos ja haviam utilizado o mesmo prinefpio para formatar aquele que seria o texto constitu- cional mais importante da tradicdo liberal, contando inicialmente com apenas sete ar- tigos estruturados exatamente em torno da formula da tripartigao dos poderes,* A primeira e mais importante diferenga entre Franca e Estados Unidos € que, no pri- meiro caso, a plataforma liberal foi utilizada no combate & monarquia absolutista vigente no pais havia tempos, resultando daf a pro- posta de esvaziamento do Poder Executivo e de fortalecimento do corpo legislativo, prin- cipal representante da soberania popular. No caso americano, a experiéncia da pri meira década de independéncia revelou que governos populares nao estavam imunes a0 arbitrio, e outras possibilidades de tirania - no s6 aquela promovida por um monarca absoluto ~ deveriam ser prevenidas, James Madison, em um dos famosos “artigos federalistas” (escritos para tentar convencer os cidadaos de Nova York a votar favora- velmente a promulgagio do novo texto constitucional), deixou bem claro 0 motivo: da rigorosa adogio do prinefpio da separa- cio de poderes: “o actimulo de todos os poderes legislative, executive ¢ judiciario nas mesmas maos, seja de uma pessoa, de algumas ou de muitas, seja hereditario, autodesignado ou eletivo, pode ser justa- mente considerado a prépria definigio de tirania”.* Note-se, portanto, que os formuladores da Constituicdo americana divisaram a possibilidade da tirania para além do governo autoritario de um s6, che- gando a temer sua ocorréncia também sob © governo eletivo de muitos, ou seja, sob 0 governo democritico da maioria. Por essa razdo, e contrariamente ao que fizeram os franceses, os americanos nao afitmaram a supremacia do parlamento ¢, reconhecen- do que 0 corpo legislative nao poderia car imune a controles, trataram de imag! nar formas de limitar o seu poder politico.® As diferentes aplicacées praticas da tese de Montesquieu resultaram em definigbes bastante distintas para o Judicidrio, no qua- dro geral da separacao de poderes. Na Fran- a, idéia de supremacia do Legislativo, bem como a profunda desconfianga dos revolu- cionétios em relagao A magistratura do An- tigo Regime, nao poderiam ter levado a uma 3. A Constimigio elaborada pela Convengao da Filadélfia em 1787 (a qual dez novos artigos foram acresei- dos na primeira sessio do Congreso em 1791) continla apenas sete artigos: o primeiro dispunha sobre 0 Legistativo, o segundo sobre 0 Executivo e 0 rerceiro sobre o Judicidrio; o quarto tratava de assuntos federativos e do relacionamento entre os estados; o quinto tratava de procedimentos para votacio de emendas & Constituicao ¢ os dois tiimos estabeleciam regras de transigio para 0 novo modelo constitu- ional e sua ratificagio pelos estados. 4. Madison, James, Hamilton, Alexander ¢ Jay, John. Os artigos federalistas, 1787-1788. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p.331-2. 5. Esse receio teve base real na experiéncia de caos econémico € social que atingiu os estados americanos independentes, aps 1776. O ponto maximo ocorreu precisamente quando os Legislativos locais passa ram a decretar perdlio de dividas de agricultores falidos, muitas vezes anulando decisdes judiciais favora- veis aos credores. A generalizagio de priticas arbitrérias por parte dos legisladores levou os constituintes de 1787 ao reconhecimento de que submeter 0 poder politico ao povo nao era suficiente, e que medidas adicionais de contengio do drgio representative dessa soberania popular seriam necessirias, Para uma anilise do contexto histético e dos motivos principais que levaram 4 formullagio do texto constitucional americano, ver a apresentagao de Isaac Kramnick a Os artigos federalistas, op. cit, p.1-86. at Judiciério: entre a Justiga e a Politica 82 valorizagao do Judicidrio como poder de Estado. Nos Estados Unidos, a preocupa- s40 com o direito a propriedade frente a voracidade legislativa de governos popula- res acabou elevando 0 Judiciétio & condi- ao de poder politico, capaz de se colocar entre 0 governo e 0 cidadao, na defesa dos direitos individuais deste iltimo (principal- mente o direito & propriedade), A condigao de poder politico do Judicia- rio nos tempos modernos decorre de sua capacidade de controlar os atos normatives dos demais poderes, especialmente as leis Produzidas pelo parlamento, Essa funcéo, conhecida como judicial review ou controle de constitucionalidade das leis, coloca 0 Ju- diciario em pé de igualdade com os demais Poderes, exatamente naquela dimensio mais importante do sistema politico: 0 proceso decisério de estabelecimento de normas (leis € atos executivos) capazes de impor compor- tamentos. Nos paises em que 0 Judiciario ou um tribunal especial pode ser acionado para verificar 0 respeito das leis e dos atos normativos & Constituigao, pode-se dizer que existe um terceiro poder politico de Estado, ao lado do Executivo e do Legislative. Nos Paises em que essa fungio inexiste, o Judi- cidrio assemelha-se a um érgio piblico or dinatio, responsével pela importante tarefa de prestar justica nos conflitos particulares, mas incapaz de desempenhar papel politico no processo decisério normativo. E nesse sentido que Estados Unidos e Franca cons- tituem exemplos paradigmaticos de delega- sao € de nao delegagio, respectivamente, desse papel politico 4 magistratura, Na Franga, 0 processo revolucionstio ini- Giado em 1789 desdobrou-se em trés textos constitucionais, promulgados em 1791, 1793 © 1795. A despeito de tefletirem o maior ou menor grau de radicalizagio das diversas fases da revolugao, em nenhum de- les 0 Judiciario recebeu a missio de contro- lar os aros dos demais poderes e apenas teve valorizado seu papel de prestador da justica comum, civil ¢ criminal. A primeira Consti tuigio, de 1791, fez mencio as trés funcoes de governo ~ executivo, legislativo e judicia- tio ~ mas manteve o regime mondrquico, No Capitulo V, do Judicisrio, 0 artigo 1° afirmava que a funcao judiciéria néo pode- ria ser exercida nem pelo legislativo nem pelo executivo, mas no artigo 3° deixava absolu- tamente claro que os tribunais néo tinham o direito de suspender a execugdo das leis, Esses dois dispositivos foram recolocados no tex- to de 1795 (artigos 202 ¢ 203, respectiva- mente), que marcow a retomada burguesa do curso revolucionério, Entretanto, das trés Constituigdes, a que mais se afastou da idéia liberal de separagio ¢ equilibrio de poderes foi aquela elaborada pelos radicais jacobinos (1793), considerada pelo historiador inglés Hobsbawm “a primeira constituigéo genui- namente democratica proclamada por um Estado moderno”.* Pois a primeira consti- tui¢ao democratica moderna nao reservou bapel politico ao Judiciario. Ao lado do su- frégio universal e de outras medidas igua- litarias, 0 texto de 1793 estabeleceu a su- Premacia do parlamento como érgio da soberania popular e, com base na idéia rousseauniana da vontade geral, fixou a supremacia da lei: segundo o artigo 4 da de- claragéo de direitos que precedia o texto constitucional, “a lei é expressio livre e sole- ne da vontade geral” ¢ s6 ela poderia punir, 6 Hobsbawm, Eric J. Era das Revolucées, 1789-1848. Rio de Janeiro: Pan e Terra, 9.ed., 1996, p.87. proteger e estabelecer 0 que era justo e itil a sociedade. Ou seja, nenhuma outra insti tuigéo social on politica poderia colocar-se entre 0 estado € a nacido, entre o corpo legislativo a soberania popular, entre a vontade geral e o individuo. Nao havia es- paco, portanto, para que 0 Judiciério fun- cionasse como poder politico intermediario € érgio controlador dos demais poderes. E verdade que varios artigos da constituigio de 1793 foram dedicados as fungdes da jus- tiga civil e criminal (artigos 85 a 100), mas nenhum deles autorizava o Judicistio fran- c@s a desempenhar outro papel que nao o de prestagio da justica nos conflitos entre par- ticulares. Cabe registrar ainda que mesmo os textos mais liberais e menos democraticos de 1791 e 1795, bem como o de 1793, estabe- leceram 0 principio eletivo para cargos da magistratura (até mesmo com mandato, no caso de 1793), 0 que respondia ao ideal re~ publicano e antiaristocrdtico de preenchimen- to das fungoes piblicas nessa fase de redefinigao revoluciondria do estado francés. ‘A contraposigio entre Estados Unidos e Franga lembra o clissico antagonismo en- tre Liberdade e Igualdade, que tem no di- reito 4 propriedade sua pedra de toque. Embora os movimentos revolucionarios francés ¢ americano tenham levantado es- sas duas bandeiras, nos Estados Unidos a liberdade ditou mais regras do que a igual- dade; na Franca, as tentativas mais radicais foram no sentido inverso e, embora nao te- nham se consolidado, deixaram marcas du- radouras nas instituigdes politicas francesas. Se a pedra de toque desse antagonismo foi © direito & propriedade, as constituigdes americana e francesas refletiram justamen- te a preocupagao maior ou menor com a sua conservacdo, e ¢ exatamente nesse pon- to que o Judicirio passou a fazer diferenga. Nos Estados Unidos, os formuladores da Constituicao de 1787 fizeram do Judicidrio um guardido postado no limiar entre a li- berdade ¢ a igualdade, atribuindo-lhe a ta- refa de zelar pela propriedade contra as investidas da maioria governante. Na Fran- ¢a, a ideologia igualitaria impediu que a magistratura pudesse ter qualquer poder politico, muito menos o de interpor-se en- tre 0 corpo legislativo e a soberania popu- lar. Nessa perspectiva, a propriedade ficaria menos guarnecida, em que pese tenhamos que considerar os riscos impostos & prépria liberdade, num cenério em que a soberania popular se vé ilimitada. Robespierre (1758- 1794), lider radical ¢ dirigente na fase do governo jacobino, destacou-se entre outras coisas por sugerir a superioridade do valor da igualdade sobre 0 direito de propriedade. Em discurso na Convengao Nacional, em abril de 1793, quando esta se preparava para elaborar uma nova constituicdo, Robespierte criticou as nocdes de liberdade e igualdade da primeira declaragao de direitos de 1789 e sugeriu uma nova redagio para o futuro tex- to constitucional: Ao definir a liberdade, o primei- ro dos bens do homem, o mais sagra- do dos direitos que ele recebe da na- twreza, dissestes com razdo que os li- ‘ites dela eram os direitos de outrem; por que nao aplicastes esse princ pio & propriedade, que & uma insti- tuigio social? ... Multiplicastes os artigos para assegurar a maior liber- dade ao exercicio da propriedade, ¢ nido dissestes uma tinica palavra para determinar o cardter legétimo desse exercicio; de maneira que vossa de- claracdo parece feita nao para os ho- mens, mas para os ricos, para os 83 3 z 3 3 84 monopolizadores, part os agiotas ¢ para os tiranos.” Na seqiiéncia, Robespierre prope uma nova definigio do direito de propriedade, limitado pela “obrigacao de respeitar os di- reitos de outrem”, chegando a propor, nes- se mesmo discurso, a introdugao do impos- xo progressivo na Franca, por meio do qual ‘os mais ricos pagariam proporcionalmente mais do que os mais pobres.* Robespierre, para quem o principio da separagio de poderes ja significava um mo- dismo irrelevante, uma quimera que sem- pre terminava em flagelo do préprio povo (pela corrupgio € conluio dos politicos de ramos aparentemente separados do gover- no), defendia a supremacia da vontade geral contra 0 “teatro burlesco” em que se conver- tia arelagao entre os poderes constitucionais.” A vontade igualitaria de Robespierre, que chegou a ameacar a propriedade e que de- fendia a soberania popular como fonte € ga- rantia Gnica de direitos, s6 nao foi maior do que a sua determinacao em orientar-se pelas raz0es de Estado, isto é, aquelas agdes indis- pensaveis a manutengio do poder politico, agravadas na época pelo contexto interno, de revolugao, e externo, de guerra. No marcante processo de julgamento politico de Luis XVI, que culminou com a decapita- 40 do rei em janeiro de 1793, Robespierre defendeu a distingao entre Direito e Politi- ca, argumentando que o rei nao poderia ser julgado pelas vias do primeiro mas pelas taz6es de Estado impostas pela segunda: “Os povos nao julgam como as cortes judicidrias; nao pronunciam sentengas; fulminam; nao condenam os reis, mergulham-nos de novo no nada; e essa justica bem vale a dos tribu- nais”. E, concluindo, asseverou: “Luis deve morrer porque € preciso que a patria viva". A experiéncia francesa da fase do Ter ror ultrapassou a antitese igualdade versus propriedade ¢ deixou ligées sobre outra an- titese ainda mais profunda: liberdade versus poder. Se, por um lado, a Revolucao afasta- ra-se dos principios liberais em nome de um republicanismo radical, por outro 0 exerci- cio ilimitado do poder politico em nome das razdes de Estado arranhou mais do que direito de propriedade, atingindo gravemente a propria liberdade, numa forma inédita de ditadura em nome do povo. Nao por acaso, dos trés textos constitucionais da Revolugio, © dessa fase foi o que menos emprestou ao 7. Robespierre, Maximilien. Discursos ¢ Relatorios na Convencdo. Rio de Janeiro: Edueti(Contraponto, 1999, p.88-9 (grito nosso). 8. A proposta de Robespierre era a seguinte: “Os cidadios cujos proventos nao excedam aquilo gue € nevessi- rio a sua subsisténcia devem ser dispensados de contribuir para os gastos piiblicoss os outros devem sustenti- los progressivamente, segundo a dimensio de suas fortunas”. O exemplo do imposto progressive como resultado de uma decisio politica majoritaria que, orientada pelo principio da igualdade, arranha o dieito de propriedade, permanece atual se considerarmos as sucessivas tentativas de instituigio desse tipo de cobranca no Brasil ¢ as derrotas impostas por decisdes judiciais conservadoras do direito de propriedade, ‘que impedem sua implementagio, como no caso do Imposto Predial e Territorial Urbano ~ IPTU em diver- sos municipios brasileiros. Robespierre, Maximilien. Discursos ¢ Relatérios... op. cit p.89. 9. Em discurso a Convengio, em 10 de maio de 1793, Robespierre criticou a férmula da separacio de poderes e 0 tipo de dindmica politica perniciosa que ela introduzia: “Que nos importam as combinagbes que equilibram a autoridade dos tiranos! £ a tirania que se deve extirpar: ni é nas querelas de seus senhores que os povos devem buscar a vantagem de respirar por alguns instantes; & em sua propria forga que se deve colocar a garantia de seus direitos”. Ibidem, p.100-1 10. Ibidem, p.58 ¢ 64. Judicidrio © papel de defesa das liberdades frente aos poderes politicos. Ao final, a Re- volugio retomaria seu curso mais liberal, mas oespitito republicano nao deixaria de influ- enciar a politica francesa, a despeito dos ex- cessos cometidos naquela fase radical. Ninguém percebeu melhor do que Alexis de Tocqueville (1805-1859) as diferentes origens dos regimes politicos americano e francés. Oriundo da pequena nobreza fran- cesa, Tocqueville tivera seus av6s maternos e uma de suas tias guilhotinados na Revolu- gio, seu pai permanecera preso por um bom tempo e consta que sua mae mergulhou em desequilibrio mental com esses acontecimen- tos, Frente ao que ele chamava de a “grande revolucéo democrética”, uma onda de “cres- cente igualdade de condigSes” que nao s6 assolava a Franga mas tendia a escala mun- dial, Tocqueville observava o surgimento desse novo mundo com um misto de temor eadmiracdo. Sem compromisso de classe com 6 projeto burgués, seu olhar liberal-aristo- critico Ihe permitiu divisar a sociedade bu guesa como uma sociedade em que a ctes- cente igualdade de condigées anulava an gas disting6es sociais, mas também levava 2 massificagéo, a0 individualismo € 4 apatia politica, constituindo assim ambiente pro- picio & emergéncia do despotismo. No seu classico livro A democracia na América," Tocqueville procura as razbes do sucesso americano em conciliar essa crescen- te igualdade de condicdes e a manutengio da liberdade individual e politica. Dentre elas, Tocqueville ressaltaré a descentralizagio do sistema politico que, por meio da separagio de poderes, do federalismo e do autogoverno local, propiciava ao mesmo tempo incenti- vos & participacio politica da comunidade e protecio a liberdade individual dos cidadaos, contra tendéncias arbitrarias da maioria po- litica, Mas 0 contraste com o fracasso fran- cés em obter 0 mesmo equilibrio entre go- verno popular e liberdade individual fica es- pecialmente evidente quando Tocqueville destaca 0 papel politico do Judicisrio ameri- cano. No quadro da separagao de poderes, tao valorizado nos Estados Unidos ¢ menos considerado na Franca, 0 Judiciario ame cano constitui para Tocqueville “o mais po- deroso e tinico contrapeso da democracia”, justamente por sua capacidade de controlar a constitucionalidade das leis promulgadas pela maioria politica. © papel do Judicidrio de guardido da Constituicao nos Estados Unidos contras- tava com a sua nulidade politica na Franga, levando Tocqueville a perceber a engenho- sa saida americana para o problema da li- mitagio do poder politico da maioria em governos populares: reservar a decisio fi- nal em casos de conflitos constitucionais a um corpo especial de magistrados, que dis- punham de razodvel dose de independén- cia funcional em pleno regime republicano. Observando mais de perto a magistratura americana, Tocqueville foi o primeiro a per- ceber a incongruéncia entre uma sociedade crescentemente igualitéria ¢ a permanéncia, no ambito do Estado, de um corpo insula~ do de funciondrios publicos acumulando garantias e privilégios incompattveis com 0 regime republicano." Mas era justamente 11. Tocqueville, Alexis de. A Democracia na América. (1835-40) Sao Paulo: Edusp, 1977. 12, A tarefa de julgar com independneia levou o Judicidrio a gozar de garantias especiais como a vitalicieda- de (permanéncia no cargo por tempo indeterminado ou até alguma idade limite paca aposentadoria compuls6ria), a ircedutibilidade de vencimentos e, em alguns lugates, a impossibilidade de sofrer transfe- réncia de local de atuagio sem té-la solicitado (inamovibilidade).. 85 Judicidrio: entre a Justiga e a Politica nessa incongruéncia que residia a originali- dade do sistema politico ameticano, segun- do Tocqueville: a magistratura independente era a iltima barreira as paixdes democrati- cas desenfreadas, ¢ sua autonomia poderia ser considerada condigéo de sobrevivencia, no longo prazo, do préprio regime republi cano, sujeito a investidas constantes da maio- ria politica contra os direitos de liberdade. Tdealizando a antiga liberdade sob a so- ciedade aristocratica — nao a liberdade bur- guesa, individualista, mas a defendida pela nobreza, vinculada mais a valores como a honra e a gldria ~ Tocqueville nao teve dé- vidas em apresentar a magistratura ameri- cana, juntamente com os advogados, como uma espécie de nova aristocracia. Como estivesse se reencontrando com a classe so- cial de seus antepassados, destrufda na Fran- ga pela Revolugio, Tocqueville realiza um daqueles “achados” analiticos decisivos para a interpretacao da formagio hist6rico-poll- tica das modernas democracias liberais: “se me perguntassem onde situo a aristocracia americana, responderia sem hesitar que ndo 6 faco entre os ricos, que ndo possuem ne- hum Iago comum que os assemelhe. A aris- tocracia americana esta no banco dos advo- gados € na cadeira dos juizes”."* A analogia de Tocqueville nao se detinha na fungio antidemocratica da magistratura ou no fato de os juizes gozarem de garanti- as e privilégios quase aristocréticos, mas chegava até 0s hébitos e costumes dessa clas- se especial. Referindo-se aos juristas como um “corpo” (que para ele atuava como um anti-corpo das paixdes doentias da demo- cracia) diz o pensador francés: Por isso, encontramos, oculta no fundo da alma dos juristas, wma parte dos gostos e dos habitos da aristocracia. Como ela, tém um ins- tintivo pendor para a ordem, um amor natural pelas formas: assim como a aristocracia, concebem wm grande desgosto pelas acdes da mul- tiddo e, secretamente, desprezam 0 governo do povo."* ‘Tocqueville enunciaria ainda outros tra- os peculiares da magistratura, pelos quais ela passatia a ser conhecida e criticada dat por diante, como 0 conservadorismo: Na América, ndo existem nobres nem literatura, e 0 povo desconfia dos ricos. Por isso, 05 juristas constituem 4 classe politica superior ¢ a porgdo mais intelectual da sociedade. Assim, nao poderiam sendo perder, ao inovar; isso ucrescenta um interesse conser- vador ao gosto natural que tém pela ordem." Qu ainda a morosidade outros aspec- tos que caracterizam 0 funcionamento da Justica, em comparagio com as tendéncias do povo, expostos por Tocqueville na for- ma de dicotomias: Aos seus [do povo} instintos de- mocraticos, Jos juizes] opoem se- cretamente os seus pensadores aris- tocriticos; ao sew amor & novidade, 10 seu supersticioso respeito a tudo 0 que é antigo; @ imensidade de seus 13. Ibidem, p.206. 14, Ibidem, p.201. 15. Tbidem, p.206. propésitos, as suas vistas estreitas, ao sen desprezo as regras, 0 seu gosto pelas formas; ¢ ao seu ardor, 0 seu hdbito de proceder com lentidéo."* Por fim, Tocqueville menciona as difi- culdades enfrentadas pelo Judicidrio ame- ricano, sobretudo nos estados, para susten- tar sua condicao de poder independente de controles politicos nos marcos de um go- verno popular, particularmente as tentat vas de remogio de juizes de seus cargos ou sua escolha pela via eleitoral. “Ouso pre- ver”, completa 0 autor, “que tais inovagées terdo, mais cedo ou mais tarde, resultados funestos, e que um dia se percebera que, diminuindo assim a independéncia dos ma- gistrados, nao somente se ataca 0 poder ju- diciério, mas a prépria repablica democré- tica”."” Em outras palavras, um corpo anti- republicano ow aristocrdtico cumprindo a funcdo de anti-corpo da democracia, com- batendo prontamente a tirania da maioria. Retirar-Ihe a independéncia seria ~ segue a metifora organica — enfraquecer o sistema imunolégico, abrindo espago as viroses de- moeriticas. Em resumo, as experiéncias americana ¢ francesa nos legaram dois modelos distin- tos de Judiciario, ambos passiveis de aplica- a0 na democracia, apesar de imperfeitos. No primeiro caso — e em todos os paises que tomaram os Estados Unidos como exemplo ~ o Judiciério cumpriré a impor- tante fungao liberal de conter a vontade politica majoritaria, mas a condigéo nao republicana da magistratura enfrentard de tempos em tempos tentativas de redugio de sua independéncia quase aristocratica, espe- cialmente nas situagdes em que 0 Judiciario assumir posigio mais agressiva no controle dos atos normativos das maiorias politicas representativas. No segundo caso ~ e nos demais paises em que o Judicidtio restrin- xge-Se a prestar justica nos conflitos particu- lares ~ no encontramos essa nova aristo- cracia no seio da repiblica mas ouvimos em contrapartida queixas recorrentes sobre a auséncia de um guardiio independente da Constituigdo e sobre a sujeigo completa da sociedade a vontade politica da maioria governante. 2. A expansdo do Judiciario no século XX: justiga comum papel politico Ao longo do século XX, 0 Judiciério pas- sar& por um significativo processo de ex- pansio em suas duas fungdes principais, tan- to a de prestagao da justica comum quanto ade controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos. Evidentemente, essa dupla expansao nao sera linear nem homo- génea, considerando a diversidade de regi- mes democraticos existentes e as grandes fases politicas € econdmicas que marcaram 0 século XX. 2.1 A expanséo do controle constitucional das leis Na dimensdo politica, os estudos sobre 0 tema do controle constitucional demonstram como o principio da revisio judicial das leis foi sendo crescentemente adotado por varios 16, Ibidem, p.206-7. 17. Ibidem, p.207. 87 io: entre a Justiga e a Politica Judici paises," especialmente com a promulgacio de novos textos constitucionai no século XX, muito mais substantivos e rigidos do que 08 produzidos no século XIX. Nesse proceso, a experiéncia do Esta- dos Unidos seguit dando o exemplo, levan- do alguns paises a copiar o seu modelo € outros a buscar alternativas de controle constitucional ainda mais inovadoras, capa- zes de corrigir alguns inconvenientes do sis~ tema americano. No inicio do século XX, a Suprema Cor- te dos Estados Unidos ja era bastante co- nhecida por suas decisdes declarando a inconstitucionalidade de leis, especialmen- te aquelas relacionadas a intervengio do go- verno na economia. Segundo Baum, “nos anos 20, a Corte Suprema declarou incons- titucionais mais de 130 leis regulamentadoras [econémicas}”."” O ponto maximo dessa tra- jetoria de auto-afirmagio da Suprema Corte no ambito do sistema politico americano se deu, néo sem grave desgaste pata 0 préprio tribunal, no proceso de implementagio do chamado New Deal, projeto de recupera- gio econ6mica planejado pelo presidente Franklin Roosevelt apés a grande crise do capitalismo em 1929. Colocando-se contra o programa econd- mico New Deal, a Suprema Corte tomou varias decisées entre 1935 e 1936, anulando dispositivos legais propostos pelo presiden- te ¢ aprovados pelo Congreso. Reeleito por maioria esmagadora em 1936, Roosevelt in- vestiu contra o tribunal, propondo 20 Con- gresso que ampliasse o niimero de seus mi- nistros de 9 para 15, pois assim ele poderia indicar um nimero suficiente de juizes que dessem apoio ao programa econémico. Numa mudanga que ficou conhecida como “the switch in time that saved nine”, dois juizes - incluindo 0 entao presidente do tri- bunal, Hughes - alteraram seus votos € pas- saram a confirmar a validade constitucio- nal da legislagao introduzida pelo governo. Diante desse fato, ¢ associado aos pedidos de aposentadoria de alguns jufzes conserva- dores, Roosevelt pade, segundo Baum, no- mear novos ministros sem a necessidade de alterar o ntimero de cadeiras do tribunal. A partir da década de 1950, especial- mente sob a presidéncia de Earl Warren (1953-1969), a Suprema Corte americana iniciatia uma nova fase, destacando-se des- sa vez por sucessivas decisées com forte impacto na ampliagao dos direitos civis. Um dos principais marcos dessa fase foi o julga~ mento Brown versus Junta de Educagao, pelo qual a Corte condenou a politica de segre- gacio racial das escolas, sobretudo do sul do pais, ¢ obrigou o sistema escolar a inte- grar negros € brancos nas mesmas instala- GOes. A partir dessa deciséo, segundo Baum, varias outras viriam garantir 0 direito dos negros a acesso igualitério a servigos pibli- cos nos Estados Unidos. Essa grande fase da Suprema Corte nio ficaria restrita 3 ques- tGo racial, mas ampliaria também os direi- tos civis em varias outras frentes: na area da justica criminal ¢ na protecio individual em relacdo & atuagao policial, no exercicio da liberdade de expressiio e em outros te- mas controversos como 0 aborto, marcan- do um ativismo judicial liberalizante pot parte do tribunal. Os Graficos 1 e 2 demons- tram nao s6 0 vertiginoso crescimento do 18, Ver, nesse sentido, Cappelletti, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito com- parado, Porto Alegre: Fabris, 1984. 19. Baum, Lawrence. A Suprema Corte Americana, Rio de Janeiro: 20. Ver Baum, L., op. cit, p.43, Forense Universitiria, 1987, p.41. =—_——oOO SS GRAFICO 1. Numero de processos iniciados na Corte Suprema americana, a intervalos de cinco anos (1943-1983) [ 800 4000 Numero de casos 2000 | FEE EEL EES Anos, cadaS Fonte: Boum, op. cit, p.161 GRAFICO 2. Numero de leis economicas e referentes as liberdades civis (federais, estaduais © municipais) revogadas pela Corte, por década | 180 160 | 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 | = oun eis scondmicas = = = 1s Gv Fonte: Baum, Lop. cit, p.280 Judiciério: entre a Justica @ a P niimero de casos apreciados pela Suprema Corte no século XX como, nos processos de controle de constitucionalidade das leis, ficam evidentes essas duas grandes fases de atuacao do tribunal, em que as questdes eco- némicas da primeira metade do século de- ram lugar as questées relacionadas a direi- tos civis na segunda. Desde que a Suprema Corte foi coloca- da na condigio de poder proferir a dltima palavra sobre questoes gerais da sociedade americana, as possibilidades ¢ limites desse arranjo institucional tém sido objeto de po- lémica, justamente pela delicada interface que esse sistema estabelece entre o direito € a politica, entre a perspectiva liberal que impée freios a vontade majoritaria e a pers- pectiva democratica que reivindica a legi- timidade das decis6es politicas como ex- clusividade dos érgaos representativos da soberania popular. ‘A experiéncia da Corte nas décadas de 1920 € 1930 e sua oposicao sistemética as politicas governamentais do periodo Roosevelt ensejaram fortes criticas diante da possibilidade de distorgio dos principios do governo popular que, segundo expresso de um analista francés da época - cunhada an- tes mesmo do agravamento da crise entre 0 tribunal ¢ o presidente — estaria degeneran- do em um “governo dos juizes”.2” Na Europa, no inicio do século XX, exam poucos os pafses que tinham escapado 8 influéncia republicana francesa e intro- duzido o mecanismo da revisio judicial das leis. Embora néo mencionada na segao an- terior, também a Inglaterra constituia um importante exemplo de que era possivel sustentar 0 regime democratico sem esse tipo de controle, uma vez que la predomi- nara, na passagem do absolutismo ao esta- do liberal, a tese da “supremacia do parla- mento”, isto é, da impossibilidade de que decisoes legislativas pudessem ser revistas por outros érgios a luz de alguma norma superior que, a rigor, nem existia na Ingla- terra onde, até hoje, nao encontramos um documento escrito que se possa chamar de Constituigao. Essa situaco seria significativamente al- terada apés a Segunda Guerra Mundial, quando a retomada do regime democratico em varios paises passou a admitir o princi pio liberal de controle de constitucio- nalidade das leis. Na verdade, o primeiro passo nesse sentido ja havia ocorrido em 1920, quando na Austria uma nova consti- tuigdo introduziu o controle constitucional, sob a influéncia do eminente jurista Hans Kelsen. © modelo austriaco, que seria estendi- do a outros paises europeus apés a Segunda Guerra, era bem diferente do sistema ame- ricano.? Nos Estados Unidos, todos os juizes. que integram o Poder Judiciério tém capa- cidade para declarar a inconstitucionalidade das leis e dos atos normativos, no julgamen- to de casos judiciais concretos. Nesse mode- lo, classificado como difuso pela bibliografia especializada, eventuais conflitos entre a lei ea Constituigao ndo séo levados diretamen- te 4 Suprema Corte mas l4 apenas ingressam 21, Lambert, Edouard. Le gouvernement des juges et la lutte contre la législation sociale aux Etats-Unis: Pexpérience américaine du controle judiciaire de la constitutionnalité des lois, Paris: M, Giard & Cie, 1921. 22. As consideragdes que se seguem, a respeito desses diferentes sistemas, estao hascadas em trabalho anterior: Arantes, Rogério Bastos. Judicidrio e Politica no Brasil. Sa0 Paulo: Idesp/Sumaré/Educ, 1997, pela via dos recursos oriundos das instancias inferiores do Judiciério. A Suprema Corte sé se destaca como guardia da Constiruigao gra- gas a forga vinculante de sua jurisprudéncia € ao carter terminativo pratico de suas de- cis6es, mas € importante destacar que ela nao detém 0 monopélio da interpretagéo cons- titucional das leis e divide essa competéncia com as diversas instancias do Judiciério, num sistema que também é chamado de des- centralizado. Além disso, a funcao de revi- sio judicial se vé reforcada pelas garantias de independéncia do Judiciério, tais como a vitaliciedade, da qual gozam até mesmo os ministros da Suprema Corte.”” Na Austria, 0 controle constitucional foi introduzido como monopélio de um tri- bunal especial, mais conhecido como Cor- te Constitucional. Ao contrétio do modelo difuso, esse tribunal tem competéncia para julgar a prépria lei, provocado por acio di- Teta que questiona a sua constitucionalidade, nao havendo possibilidade de outros brgios judiciais realizarem o controle constitucio- nal de maneira descentralizada."* sistema austrfaco, também chamado de concentrado, serviu de modelo para os pafses europeus que, no pés-guerra, decidi- ram incorporar o principio do controle constitucional das leis & democracia politica. Assim foram os casos de Itélia e Alemanha, onde as experiéncias do nazismo e do fas- cismo levaram os formuladores das consti- tuigdes de 1947 ¢ 1949, respectivamente, a introduzirem mecanismos de controle do poder politico, entre eles um tribunal espe- cial para julgar a constitucionalidade das leis. Apesar dessa intengdo marcadamente li- beral, 0 modelo das cortes constitucionais concentradas procurou evitar os males do sistema americano, cuja descentralizagio da revisio judicial ¢ 0 alto grau de insulamento da magistratura por vezes ameacavam levar A indesejével situagéo de “governo dos juizes”. Contra essa possibilidade, causada pela formula judiciétia de revisio consti- tucional, o sistema concentrado procurou es- tabelecer um melhor equilibrio entre a fun- 40 liberal de controle das leis e a vontade politica majoritaria, justamente por meio de uma maior politizacao da composicio das cortes constitucionais, ¢ de restri¢do do mi mero de agentes legitimados a promover ago perante 0 tribunal, Assim, além do monopé- lio da declaragao de inconstitucionalidade, afastando os érgios judiciais e suas diversas instancias da possibilidade de intervir em ques- tes macropoliticas, a composi¢ao das cortes € sua posicéo no arranjo institucional de Po- deres contribuem para o reconhecimento da 23. No caso da Suprema Corte, a vitaliciedade compensa o fato de 0s ministros serem indicados pelo presi- dente da Repablica e aprovados pelo Senado. Se essa forma de indicagao permite algum grau de politizagio no processo de escolha, no longo prazo, a inexisténcia de mandato fixo e as garantias de exercicio do cargo tendem a neutralizar aquela influéncia politica inicial. Isso nao significa que ministros escolhidos por serem mais conservadores ow mais liberais ~ refletindo a maioria politica da época ~ deixem de sé-lo com 9 passar do tempo, mas, se a hipdtese mais rasteira de que 0 seu comportamento refletira uma espécie de “divida pessoal de gratidio pela indicagio” tem alguma importancia, ela ndo parece resistit no longo prazo & independéncia adquirida pelo juiz apds a posse. 24, Em paises que adotam esse modelo, processos na justica comum podem até suscitar uma questio consti= tucional. Entretanto, os juizes sio obrigados a suspender esses casos ¢ requerer da Corte Constitucional (que detém 0 monopdlio) uma decisio sobre a questo levantada. Os érgios judiciais comuns nesses paises no podem decidir sobre a (in)constitucionalidade das leis que se aplicam aos casos concretos que esto examinando. 1 Judiciério: entre a Justiga ¢ a Pol 92 dimensio politica de suas fungées. As cor- tes constitucionais sio 6rgaos separados do poder Judicirio, ndo coincidindo com seus tribunais superiores. As formas de investidura no cargo sio mais politizadas, em geral com- binando a participacao do presidente da Reptiblica ¢ do Poder Legislative na esco- Iha dos integrantes da corte. Também a fi- xagio dos mandatos dos ministros, embora muitas vezes longos, baseia-se na idéia de que o exercicio da funcao deve ser submeti- do a avaliagao periddica do corpo politico, além de indicar que a interpretagao da Cons- tituigdo pode mudar com o tempo. Por fim, a dimensio politica € ainda reforgada pela restrigio do niimero de agentes que podem acionar o tribunal constitucional, geralmen- te restrito ao presidente, aos governos esta- duais (se houver), e a uma fracao ~ em geral um terco - dos membros do Parkamento. Note-se, portanto, que a conversio de paises europeus a um modelo mais liberal de democracia nio chegou a ponto de en- tregar difusamente ao Judiciério a capaci- dade de controlar a constitucionalidade das leis, como nos Estados Unidos, muito me- nos significou um mergulho na ilusdo de que tal fungio pode ser considerada meramente juridica: as cortes constitucionais do modelo concentrado sio 6rgios reconhecidamente politicos e, estando apenas um pouco mais insulados por garantias e privilégios, operam como uma espécie de legislador as avessas, negando validade as leis que consideram incompativeis com a Constituigao. Uma segunda onda de liberalizagao de regimes politicos nas décadas de 1970 e 1980 daria novo impulso 4 expansio da fungio politica de controle de constitucionalidade das leis, tanto na forma difusa norte-ameri- cana como na forma concentrada européia. Foi assim em paises como Portugal e Espanha gue, ao dissolverem regimes ditatoriais no final dos anos 70, recorreram a criagio de sistemas de controle constitucional por meio de novas constituigdes em 1976 © 1978, respectivamente, Poucos anos depois, quan- do essa onda liberalizante atingiu a Amér ca Latina, varios regimes militares autorité- rios deram Ingar a democracias liberais, que restabeleceram o funcionamento normal do Judicidrio e, com isso, permitiram a retoma- da do sistema difuso de revisio judicial que aqui havia sido adotado por alguns paises, sob influéncia do modelo norte-americano. Entre os extremos das formulas difusae concentrada de controle constitucional, houve paises que buscaram estabelecer com- binagdes entre elas, dando origem a siste- mas mistos ou, como parece singularizar 0 caso brasileiro, um sistema hibrido, No Brasil, embora a primeira Constitu gio republicana de 1891 tenha copiado 0 modelo difuso americano, varias mudangas inspiradas no sistema concentrado europeu foram feitas pelas constituigdes posteriores, a ponto de transformar nosso sistema de controle constitucional em um sistema hi- brido, bastante singular no quadro do di- reito comparado, Com a redemocratizagao do pais nos anos 80, tanto a dimensio difusa do controle constitucional quanto 0 mecanismo de agao direta perante 0 Su- premo Tribunal Federal foram retomados € ampliados sem, contudo, estabelecer-s uma clara predominancia das declaragies de inconstitucionalidade do STF sobre as instancias inferiores do Judicidrio. Hoje, gragas 4 Constituigao de 1988, nosso sistema nao é apenas difuso porque contamos com 0 mecanismo da aco direta de inconstitucionalidade, patrocinada jun- to ao Supremo Tribunal Federal ~ STF, que pode anular ou ratificar a lei em si, Desse ponto de vista, o STF é quase uma corte constitucional. O sistema também néo é apenas concentrado porque 0 STE nao de- tém 0 monopélio da declaragao de (in}consti- tucionalidade, dividindo essa competéncia com 0s juizes e tribunais inferiores de todo © pais que, se nao chegam a anular a lei, podem afastar sua aplicagio em casos con- cretos. Desse ponto de vista, quando o STF recebe recurso das instancias inferiores em questées constitucionais ele estaré se mani- festando apenas como érgio de capula do Judiciario e suas decisdes valerio apenas para aqueles casos particulares. Essa disjuntiva entre o lado difuso e o lado concentrado do sistema brasileiro tem levado até mesmo a tentativas de reformas que introduzam, por exemplo, a forga vinculante das decisoes do STF sobre as instancias inferiores do Judici- 4rio, bem como de mecanismos de abrevia~ 40 dos conflitos constitucionais relevantes, para que sejam remetidos rapidamente ao STF, para apreciagdo definitiva e valida para todo o pais (avocatéria ou incidente de inconstitucionalidade).*> Além da descentralizagio tipica do mo- delo difuso, o sistema hibrido brasileiro tor- nou-se extremamente acessivel também pela via direta, na medida em que a Constituigio de 1988 ampliou de um para nove os agen- tes legitimados a fazer uso da Ago Direta de Inconstitucionalidade perante 0 Supre- mo Tribunal Federal. Antes restrita ao Pro- curador-Geral da Repiblica, a lista de agen- tes legitimados a propor ago direta tornou- se uma das mais generosas do mundo, ultra- passando até mesmo os paises de modelo puramente concentrado: o artigo 103 da Constituigéo menciona: 1-0 Presidente da Repiiblica: Il ~ a Mesa do Senado Federal: 1M ~ a Mesa da Camara dos Deputados: IV ~ a Mesa de Assembléia Legistativ Iportanto, de 27 estados}; V - 0 Go- vernador de Estado Jidem|; VI-0 Pro- curador-Geral da Reptiblica; VII - 0 Consetho Federal da Ordem dos Ad- vogados do Brasil: VII - partido po- litico com representacao no Congres so Nacional [cerca de 20, hoje: IX confederacao sindical o1 entidade de classe de dmbito nacional [rimero desconhecido}. Osefeitos dessa descentralizagao podem ser vistos nos Graficos 3 ¢ 4, que mostram 0 crescimento do mimero de Recursos Ex- traordinarios e de Ades Diretas de Incons- titucionalidade, respectivamente. Por meio dos primeiros, chegam ao STF os casos con- cretos envolvendo quest6es constitucionais decididas em instincias inferiores do Judi- cidrio (recurso proveniente do lado difuso do sistema). Por meio das Adins, faz-se 0 controle constitucional direto. Como se vé pelo Gratico 3, os conflitos constitucionais, que pela via difusa chegaram ao STF, triplicaram de volume entre 1990 ¢ 2002, crescendo especial ¢ paradoxalmente apés 1997, quando o pais parecia ter atingi- do razodvel grau de estabilidade politica e econémica com 0 governo Fernando Henrique Cardoso.” Se, pelo lado difuso do 25. Analiso essay propostas de reforma, que hit mais de dez anos tramitam no Congreso Nacional, no capitu- lo 1, “Jurisdigao Politica Constitucional”, de Sadek, Maria Tereza (Org). Reforma do Judicidrio. Sie Paulo: Fundacio Konrad Adenauer, 2001. 26. E preciso considerar que Jadicisrio, sendo ainda di Recurso Extraordinirio marca a chegada do processo na tltima instincia do |, pelos dados disponiveis, saber hii quantos anos essas ages estavam tramitan- do na Justiga, Seia como for, € a partir de 1997 que o volume de REx pula de cerca de 15 mil para 35 mil & 3 GRAFICO 3. Recursos Extraordinarios distribuidos para julgamento no STF (1990-2002) 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Fonte: Banco Nacional de Dados do Poder Judicisrio. Supremo Tribunal Federal. (www.stf gov.br} GRAFICO 4. Acées Diretas de Inconstitucionalidade (1988-2001) 300 250 200 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Fonte: Banco Nacional de Dados do Poder Judiciéria, Supreme Tribunal Federal. (www.stf gox.br) sistema de controle constitucional, essa su- posta estabilidade nao conteve a elevagao do néimero de recursos, pelo lado concentrado houve uma certa estabilizagio do nimero de Ages Diretas de Inconstitucionalidade, numa média de aproximadamente duzentas acdes propostas por ano, durante a década de 1990, Num total de cerca de 2.590 agdes entre 1988 ¢ 2001, destacaram-se como au- tores os governadores de estado ¢ as confe- deragées sindicais de ambito nacional (am- bos com 26,3%), seguidos pelos partidos politicos (21,29) € pelo Procurador-Geral de Justiga (19,5%), Esse resultado mantém a tendéncia revelada por Vianna et al., em es- tudo que analisou as Adins até 1998, indi- cando que o STF atua em duas dimensdes principais: ele representa espago importante de oposi¢do das confederagées sindicais ¢ par- tidos politicos insatisfeitos com a produgao legislativa e também funciona como tribunal da federacio, pela quantidade significativa de agées promovidas por governadores con- tra, principalmente, leis produzidas no pré- prio estado, pelas Assembléias Legislativas.”” Embora legitimados a propor Adins, essa série hist6ria revela que presidente(s) ¢ me- sas do Senado Federal e da Camara dos De- putados nunca fizeram uso desse mecanis- mo de controle constitucional, num claro indicio de que as leis promulgadas nesse pe- riodo, como expressio da vontade majori- taria, atenderam aos interesses das duas ci- maras legislativas e do Poder Executivo. Em contrapartida, por 2.590 vezes 0 STF foi acionado diretamente pelos descontentes com as legislagdes federal e estaduais, en- quanto milhares de processos envolvendo também questdes constitucionais chegavam ao tribunal pela via difusa, colocando-o indubitavelmente na condigio de poder polt- tico de Estado, responsivel pela fungio libe- ral de resguardar a Constituigio contra os atos normativos do Executivo e do Legislativo.” Em resumo, diante dos dois grandes modelos constitucionais discutidos na pri- meira segio deste capitulo, 0 caso brasilei- ro distancia-se do republicanismo democré- tico e adota fortemente o principio liberal de contengio da maioria politica, por meio de um sistema ultradescentralizado de con- trole constitucional, que permite as minorias 27. Vianna, Luiz Werneck, Carvalho, Maria Alice R., Melo, Manoel B C., Burgos, Marcelo B. A judicializagdo da politica e das relacées sociais no Brasil. Rio de Janciro: Revan, 1999. Os autores revelam que quase 90% das $07 Adins propostas por governadores de estado visavam obter a declaragio de inconstirucionalidade de leis promulgadas pelas respectivas Assembléias Legislativas estaduais. 28, Analisamos aqui a dimensio politica da atuagio do Judicidrio brasileiro, por meio do mecanismo espect fico do controle de constitucionalidade das leis. Isso nao significa que um conceito mais amplo de fungao politica nio fosse capaz de abranger outros tipos de agdes judiciais, especialmente no ambito do STF. Um. excelente exemplo nesse sentido provém do exame que Koerner realizou sobre a importincia politica dos processos de habeas-corpus envolvendo politicos durante a Repiblica Velha (1889-1930), especialmente no Ambito do STE, e suas conexdes com a politica oligérquica da época. Koerner, Andrei. Judicidrio e Cidadania na Constituigdo da Repiblica. Si0 Paulo: Hucitee/Departamento de Ciéncia Politica da USP, 1998, Outro trabalho sobre processos de habeas-corpus no STR, que ressalta seu papel politico no perio- do de instalagio do regime autoritétio p6s-1964, € 0 de Vale, Osvaldo Trigueiro do. O Supremo Tribunal Federal e a instabilidade politico-institucional. Rio de Janeito: Civilizagéo Brasileira, 1976. Recentemen- te, cobrindo uma grave lacuna da historiografia brasileira ~ a falta de estudos sobre 0 Poder Judiciario — Emilia Viotti da Costa claborou uma ampla historia do STF, da sua criagio em 1890 até a Constituicao de 1988, explorando suas relagdes com a sociedade ¢ a politica ao longo das diversas fases da historia republicana brasileira. Costa, Emilia Viotti da. O Supremo Tribunal Federal e a construcao da cidadania. So Paulo: IEJE, 2001. Judiciério: entre a Justica @ a Politica 96 politicas exercer poder de veto, invocando a Constituigéo contra leis e atos normatives dos Poderes Legislative © Executivo. Se considerarmos — adotando a terminologia de Luphart — que © processo politico-decisério no Brasil contempla a participagio de uma grande variedade de atores e arenas institucionais (separagéo de poderes entre Executivo ¢ Legislativo, duas camaras legislativas com poderes simétricos no Con- gresso Nacional, multipartidarismo exacer- bado e federalismo razoavelmente descentra- lizado), devemos acrescentar a esas varié- veis © sistema de controle constitucional como uma das principais formas de recurso das minorias politicas representativas, con- tra decisdes politicas majoritarias, reforcan- do ainda mais o perfil consociativo do nosso sistema politico.” Questéo de dificil resposta, mas que mereceria a atengio dos analistas, é saber por que o republicanismo democrati- co no deu © tom da organizagao politica no Brasil e quais as raz6es que levaram 3 ado- So de um sistema politico tao consociativo ¢ liberal como 0 nosso, incluido ai o modelo de Judicidrio e sua fungao politica. 2.2 Estado social, ampliacdo do acesso @ Justica expansao do Judiciario Se pela via da protegio da liberdade os jndicidrios de diferentes paises tenderam a se expandir com a instalagéo de novos regimes liberal-democraticos no século XX, também pela via da promogio da igualdade alguns deles yao conhecer um tipo inesperado de expansio, que escapa a perspectiva liberal € nao diz. respeito a protecao judicial das mi- norias politicas: refiro-me a transformagio do Judicidrio em instancia de implementagio de direitos sociais e coletivos, especialmen- te na segunda metade do século XX. Hi pelo menos dois enfoques principais acerca desse tipo de expansio do Judicidrio, nao excludentes e até mesmo complementa- res. O primeiro, mais sociolégico, associa a expansio do Judiciério e suas dificuldades atuais, respectivamente, ao desenvolvimento e crise do chamado Estado de Bem-Estar So- cial no século XX. O segundo, mais juridico, associa a expansio do Judiciario a ampliagio do acesso a Justiga para direitos coletivos, es- pecialmente a partir da década de 1970. Um dos principais representantes da pri- meira tese, Boaventura de Sousa Santos at- gumenta em varios de seus trabalhos"® que 0 desenvolvimento do Estado Social - também chamado de Estado Providéncia - apés a Segunda Guerra Mundial levou a mudangas significativas no mundo do Direito ¢ da Jus- tiga, Marcado pelos principios do inter- vencionismo econdmico e da promogao de bem-estar social, essa nova forma de Estado desencadeou a produgao de leis constitucio- nais e ordindrias muito mais substantivas do 29. © modelo consociativo opde-se ao modelo majoritério, no qual as maiorias politicas so formadas com ima facilidade e onde elas governam sem tanta resistencia. Segundo Lijphart, seriam caracteristicas desse segundo modelo © parlamentarismo, o Legislativo unicameral, o bipartidarismo, 0 estado unitario e a auséncia de controle constitucional das leis. No Brasil, anilises recentes tém procurado mostrar como 0 instrumento da Medida Proviséria e o relative controle da agenda legislativa por parte do Poder Execu- tivo compensam 0 alto grau de fragmentagio consociativa do sistema politico. O que essas analises ainda néo contabilizaram € 0 custo de governabilidade democratica de um modelo como esse e, do ponto de vista dos resultados substantivos, a quem ele beneficia. Lijphart, Arend, As democracias contempordneas. Lisboa: Gradiva, 1989. 30, Umia boa sintese desse argumento pode ser encontrada em Santos, Boaventura de Sousa fet al.), “Os tribu- nais nas sociedades contemporancas”, Revista Brasileira de Ciéncias Sociais, n.30, fev. 1996, p.29-62. que as produzidas sob 0 modelo liberal clés- sico, carregadas de direitos sociais e econé- micos como educagio, saiide, trabalho, se- guranga social e outros. Nessa perspectiva, 0 Estado deixa de ser apenas 0 responsavel pela manutengio da ordem e garantia das liber- dades e passa a instrumento de redugao das desigualdades sociais, por meio da interven- gio econdmica e da prestagao de servicos piiblicos cada vez mais abrangentes. Segundo Santos, essas transformagées levaram o Judicidrio a assumir um novo papel: antes restrito a fungao de aplicagio das leis nos conflitos particulares, o Judicia- rio passa a ser acionado para dar efetividade pratica a essa nova legislacao social, muito mais substantiva do ponto de vista dos direi- tos de cidadania. Embora nao se trate de um processo linear nem livre de contradiges (basta lembrar o problema da escassez de re- cursos que impede a implementagao total desses direitos, os conflitos entre a visao ju- ridica a visio politico-administrativa so- bre a eficacia dessas novas leis, as dificulda- des de um judiciario tipicamente liberal de se adaptar 4 promogao de direitos de igual- dade, entre outras), Santos destaca que 4 jurdificagao do benvestar so- cial abris caminho para novos campos de litigaciio nos dominios trabalhista, civil, administrativo e da seguranea social, 0 que, mms paises mais do que nortros, veio a se tradiesir no awmnento exponencial da procura judiciiia e na consegriente explosio da litigiosidade.." Da mesma forma, segundo essa perspecti- va socioldgica, a crise que se abateu sobre 0 Estado-Providéncia no fim dos anos 70 infcio dos 80 afetaria também o Judiciari agravando o sentido de suas novas atribui ges na area dos direitos sociais. O proble- ma central é que os Estados perderam boa parte de sua capacidade de promocio do bem-estar social, cedendo a processos de re- forma orientados pela ideologia neoliberal (privatizagées, desregulamentagao da eco- nomia, diminuigéo dos gastos sociais e re- ducio do déficit publico, para garantir o equi- librio fiscal e combater a inflagao). Quanto a0 Judiciario, que se havia expandido na fase anterior justamente para participar da implementagio da legislagio social, em vez de retroagir na mesma proporgio que o Es- tado social em crise, viu-se ainda mais exigi do nesse contexto diibio de escassez de re- cursos piblicos e de direitos legislados abun- dantemente. Se na fase anterior jé era dificil garantit a efetividade desses direitos pela via judicial, agora a situacio de crise do Estado torna 0 quadro mais dramatico, combinan- do elevacao das demandas e baixa capacida- de de resposta do Judiciario. Embora nao caiba aqui uma discussio detalhada de outras mudangas recentes que afetaram a fungao judiciéria, vale destacar que a perspectiva sociolégica enfatiza no- vos fenémenos que influenciam de uma maneira ou de outra a atividade judicial, tornando-a bem mais complexa: a crise dos meios tradicionais de representacao politi- ca e a revalorizagéo da sociedade civil, até mesmo como espago de producio de bens coletivos nio mais realizados pelo Estados a globalizagio e seus efeitos sobre a produ- cao ¢ implementagéo do Direito em suas diversas areas; 0 agravamento de proble- mas que colocam em risco as instituigdes a esfera publica de um modo geral, tais como a corrupgao € 0 crime organizado, Além dis- 30, 0 Judicidrio se vé desafiado também por 31. Ibidem, p.34-5. 97 Judiciério: entre @ Justiga e a Politica demandas de novos movimentos sociais, muitas vezes articulados em defesa de direi- tos de minorias ou de causas novas como as ambientais e dos consumidores, ou ainda pela revalorizagio dos mercados e das rela- gOes autGnomas entre agentes econémicos, que tém no Judiciario o sustentaculo da se- guranga juridica dos contratos. A segunda perspectiva de anzlise que des- creve a expansio do Judicidrio na segunda metade do século XX, quase sempre apoia- da nos diagnésticos sociologicos produzidos pela primeira, enfatiza os aspectos propria- mente juridicos do surgimento de novos ti- pos de direitos e de novas formas de acesso & Justiga. Segundo essa vertente de andlise, além das mudangas sociais, politicas ¢ econémi cas enfatizadas pela perspectiva sociolégica, © Judiciério teria conhecido importante ex- pansio ao longo do século XX também por- que 0 direito e as regras processtais muda- ram muito, colocando a Justiga ao alcance formal dos atores coletivos da sociedade. Um dos principais estudiosos dessa pers- Pectiva, Mauro Cappelletti produziu junta- mente com Bryant Garth o primeiro balango sistemético sobre os limites e novas possibi lidades de acesso & Justica, por meio de tra- balho publicado originalmente em 1978.2? Nese livro, ao lado de questées como cus- tos econémicos e problemas de informacao, 0s autores discutem as mudancas sofridas pelo modelo individualista de direito liberal (que reconhecia a titularidade de direitos apenas a sujeitos individuais, aos quais cabia aexclusividade de decidir sobre como ¢ quan- do recorrer Justica para sustenté-los), e a ampliagio do acesso a Justiga aos chamados - direitos difusos e coletivos. Embora haja sutilezas importantes nas definigbes de direitos difusos ¢ coletivos, uma formulacao geral poderia ser a seguin- te: so direitos transindividuais de natureza indivisivel, dos quais sejam titulares pessoas indeterminadas (direitos difusos) ou grupo de pessoas ligadas entre si por alguma rela- ‘40 juridica (direitos coletivos). Outra carac- teristica importante € que esses novos direi- tos poderio ser representados judicialmente Por atores sociais ¢ coletivos, legitimados ex- traordinariamente a ingressar em juizo em defesa de dircitos que nao sao particular- mente seus, mas que pertencem a um con- junto de individuos dispersos € nem sempre identificaveis. Exemplos de direitos difusos si aqueles relacionados ao meio ambiente (pro- tecao da qualidade do ar, rios, fauna e vegeta- 40, quando definidos por lei), dos quais to- dos 0s cidadios se beneficiam, porém indi- visivelmente. Exemplos de direitos coletivos podem ser encontrados em algumas relagdes de consumo, quando consumidores indiv duais encontram-se ligados entre si ou coma Parte contraria por uma relagio juridica que, quando desrespeitada, atinge-os coletiva- mente; da mesma forma, a reparacao do dano pode beneficiar a todos indistintamente, Segundo Cappelletti e Garth, o reconhe- cimento da dimensio difusa ¢ coletiva de certos interesses pelo Direito levou varios paises a promover novas formas processuais de acesso a Justica, transcendendo 0 mode- lo liberal de agées judiciais individuais ¢ abrindo espago as agées coletivas. Desse importante proceso de mudanga, os auto- res destacam a fragilidade dos individuos frente a crescente complexidade do mundo contempordneo € 4 dimensio coletiva de Alegre: Fabris, 1988. A edicao brasileira sain dez anos depois. Cappelleti, Mauro e Garth, Bryant. Acesso @ Justica. Porto varios tipos de conflitos, a0 mesmo tempo em que apontam a incapacidade das insti- tuigdes estatais de oferecer protecio geral a direitos transindividuais como meio am- biente, consumidor, patriménio pablico, histérico ¢ cultural, entre outros. Entre a fragilidade de individuos isolados e a inca- pacidade estatal, os autores valorizaram as solugdes adotadas por diversos paises no sentido de abrir a Justica a associacées ci- vis, legalmente constituidas para defesa ju- dicial de interesses difusos ¢ coletivos, de- safiando conseqiientemente 0 Judicidrio a assumir um papel totalmente novo. Um segundo aspecto ressaltado pelos autores, quanto 4 ampliagao do acesso Jus- tiga, diz respeito a inovagdes na propria es- rrutura judicéria, que passaram a proliferar apartir da década de 1970, tais como os “tri- bunais de pequenas causas”, voltados para a solugio mais rapida e efetiva de casos de menor complexidade, menor valor e/ou me- nor potencial ofensivo. Essa onda de reforma judici4ria, que atingiria diversos paises, mar- catia a tentativa do Judicidrio de se aprox‘ mar da populacao mais pobre e de enfrentar a chamada “litigiosidade contida”, isto é, demandas que nem chegavam aos tribunais em fungio das dificuldades de acesso. Seja pela via da explicagéo sociolégica, seja pela via da explicacao juridico-proces- sual, o fato é que o Judicidrio conheceu forte expansao na segunda metade do século XX, transformando-se em instncia de solugao de conflitos coletivos e sociais e de implemen- tagio de direitos muito mais orientados pelo valor da igualdade do que pelo valor da li- berdade. Isso obrigou os judiciarios de vé- rias democracias a reverem suas finalidades institucionais, pautadas no paradigma libe- ral, ¢ a se reencontrarem com a dimensio politica nao pela via da justiga constituc nal, mas pela porta da justiga comum. ‘No Brasil, j4 contamos com um conjun- to significative de pesquisas ¢ andlises que nos permitem demonstrar como o Judicia- rio brasileiro também conheceu uma forte expansio nessa dimensao da justiga comum ¢ da protecao de direitos coletivos e sociais. Os trabalhos coordenades por Maria Tere~ za Sadek e Luiz Werneck Vianna, sediados respectivamente em Sao Paulo e no Rio de Janeiro, fornecem um volume extraordind- rio de informagées que confirmam essa ten- déncia, em que pesem também apontarem| limites e contradigdes desse processo,° 33. Segue adiante uma lista dos titulos mais importantes, em ordem ctonoldgica e temética: quanto ao perfil da magistratura e is opinides de juizes sobre determinados temas ¢ valores relacionados & justiga, ver Sadek, Maria Tereza e Arantes, Rogério B. “A crise do Judicisrio e a visio dos juizes”, Revista da USE n, 21, mate maio/1994, p.34-45, Sadek, Maria Tereza (Org). O Judicidrio em Debate. Sao Paulo: Sumaré, 1995. Vianna, Luiz. Werneck, Carvalho, Maria Alice R., Melo, Manioel B C., Burgos, Marcelo B. Corpo e Alma da Magistra- ura Brasileira Rio de Janciro: Revan, 1997. Quanto a dupla expansio do Judiciario brasileiro, na dimensio politico-constitucional e na dimensio social ver os trabalhos de Sadek, Maria Tereza. “O Poder Judiciatio na Reforma do Estado” in Pereira, Luiz Carlos Bresser, Wilheim, Jorge ¢ Sola, Lourdes (Org). Sociedade e Estado em Transformagdo. Sio Paulo: Editora Unesp; Brasilia: Enap, 1999 (cap. 12) ¢ Vianna, Luiz Werneck et al. A judicializagéo da politica... op. cit. Para um balango das novas experiéncias de acesso 3 Justica, sobretudo quanto a0 Judiciario, yer Sadek, Maria Tereza (Org.). Acesso @ Justica. Sa Paulo: Fundagao Konrad ‘Adenauer, 2001. Para alguns t6picos especiais como o conceito de judicializagio da politica e uma avaliagio. ‘empirica do sistema de protegao dos interesses coletivos no Rio de Janeiro, entre outros temas relacionados: a Justiga, ver Vianna, Luiz Werneck (Ory.). A democracia ¢ os Tiés Poderes no Brasil, Belo Horizonte: Ed, UFMG, Rio de Janeiro: IuperyFaperj, 2002. Para um exame das relagdes entre Justiga © economia, ver Castelar, Armando (Org.). Judiciério e Economia no Brasil. Sao Paulo: Sumaré, 2000, Para um exame dos projetos de reforma do judiciario, ver Sadek, Maria T. (Org). Reforma do Judiciario, op. cit. 99 8 Judicidrio: entre a Justiga @ a Po A expansio do Judiciério no Brasil se deu, em grande parte, pelos mesmos mot vos apontados tanto pela perspectiva socio- l6gica quanto pela vertente juridico-proces- sual descritas acima. Embora nao tenhamos construido no Brasil um Estado social semelhante a0 dos paises europeus, também aqui 0 novo mo- delo econdmico implantado a partir de 1930 ~ sob a lideranga de Getulio Vargas = levou o Estado a assumir papel central na condugio da economia, combinado a um alto grau de intervengao nas relagées sociais. modelo varguista, muito mais corporativo do que o sistema europeu de bem-estar social, também levaria ao desenvolvimento de uma nova legislagio social, especialmente rela- cionada ao mundo do trabalho. Foi nessa época que 0 Judicidrio brasilei- ro conheceu seu primeiro salto expansionista, quando éreas importantes de conflitos foram deslocadas para ramos especiais da Justica. Refiro-me a questo eleitoral ¢ a questio tra- balhista, que ensejaram a criagéo, respecti- vamente, da Justica Eleitoral e da Justiga do Trabalho.* Nao se trata aqui de remontar esse periodo da hist6ria brasileira, mas o fato € que as eleigGes na Repiiblica Velha eram marcadas pela fraude e por outras mazelas politicas, a ponto de a “verdade eleitoral” constituir uma das bandeiras da Revolugio de 30 ea criagdo da Justica Eleitoral ser uma das suas conseqiténcias préticas. Na area so- cial e trabalhista, a necessidade de expandir 08 direitos sociais € a0 mesmo tempo man- ter sob controle a classe trabalhadora levou © governo Vargas a construir um extraordi- nario conjunto de leis ¢ instituigdes, inelut- da aia Justica do Trabalho, num arranjo que Santos denominou de “cidadania regule- da”s Entretanto, como demonstra Sadek para 0 caso da Justiga Eleitoral’ e Pastore para o caso da Justiga do Trabalho,” a solu- io judicial das questées eleitorais ¢ traba- thistas no era a nica nem tampouco a for- ma mais comum de enquadramento desses conflitos no mundo contemporaneo, pelo menos nos termos abrangentes ¢ fortemen- te intervencionistas que caracterizaram 0 modelo brasileiro. No nosso caso, indepen- dentemente das vantagens e desvantagens da solugao judicial, o fato é que a expansio do Judicidrio nessas reas foi a formula ado- tada para tentar instirucionalizar dois tipos de conflitos de grande importancia para a manutengio da ordem social e politica. Os Graficos 5 ¢ 6 apresentam 0 volume de aces na Justiga Eleitoral e na Justiga Tra- balhista nos anos recentes. No primeiro caso, apesar da rotinizagio das eleigdes, da consolidagio das regras basicas de disputa ¢ do aperfeigoamento crescente do proces- so cleitoral (desde o registro de eleitores até ©. uso de urnas eletrdnicas em todo o pais), © volume de agdes nos Tribunais Regionais Eleitorais manteve-se na faixa das 35 mil ao longo dos anos 90, chegando a atingit 40 mil em 1992, 34. A Justiga Eleitoral foi crinda em 1932 e jd na Constituigao de 1934 figurou como ramo especifico do Poder Jadiciétio. Os primeiros érgios da Justiga Trabathista também surgiram no inicio dos anos 30 e foram inclufdos nas constituigses de 1934 ¢ 1937, porém como justica administrativa. Foi a Constituicio de 1946 gue completou a formacio da Justiga do Trabalho, transformando-a em ramo do Poder Judiciario, Santos, Wanderley G Konrad Adenauer, 1995, ilherme dos. Cidadania e Justia. Rio de Janeieo: Campus, 1979 Sadek, Maria Tereza. A Justiga Eleitoral e a consolidagdo da democracia no Brasil. Sa Paulo: Funda 0 37. Pastore, José. Flexibilizagdo dos mercados de trabalho ¢ contratagéo coletiva. Sao Paulo: LTR, 1995. GRAFICO 5. Processos ditribuides para julgamento nos Tribunais Regionais Eleitorais (anos selecionados) — — 1 om mn ve |= ooo 1 15000 | wo co | oe ae a a so Gar ger Sz = ss Fonte: Banco Nacional de Datos do Poder Judiciria. Supremo Tribunal Federal, ganesh. gov.br) GRAFICO 6. Numero de processos iniciados na primeira instancia da Justiga do. Trabalho (1990-2001) 2000000 1500000 +900000 500000 1990 1991 1992 -«1903«« toe ©1098» 1996 «1997 1998 199920002001 Fonte: Banco Nacional de Dados de Poder Judiciario. Supreme Tribunal Federal. wwww.stt gov.br) Juidiciério: entre a Justiga e a Politica No ramo da Justiga do Trabalho, 0 vo- lume de agdes impressiona. Ao longo dos anos 90, bem que houve um decréscimo do ndimero de processos em 1994 (muito pro- vavelmente relacionado ao controle do pro- cesso inflacionario realizado pelo Plano Real), mas insuficiente para afirmar-se como tendéncia para os anos posteriores, que vol- taram a conhecer um crescimento extraor- dinario do mimero de agées, que pratica- mente atingiram a casa de dois milhées na primeira instancia da Justica Trabalhista. Se- gundo estudos realizados por Pastore, a Jus- tiga Trabalhista brasileira seria camped mun- dial em volume de processos, nem tanto por uma suposta propensio & litigancia nessa 4rea mas justamente pela rigidez da legislagao que regulaas relacées de trabalho e pelo alto grau de poder normativo da Justiga Trabalhista, isto é, pela sua capacidade de intervir nessas relagGes nos seus minimos detalhes.* A primeira onda de expanséo do Judici- rio brasileiro nas décadas de 1930 ¢ 1940 foi impulsionada por uma tendéncia mais profunda e duradoura da politica brasilei- ra: a desconfianga em relacio as instituigoes politico-representativas e A capacidade do regime democratico de atender as necessi- dades da sociedade, inspirando solugées al- ternativas do problema da ordem social ¢ dos conflitos coletivos. Essa matriz ideol6gi- ca voltaria a operar na segunda onda de ex- pansao da Justiga brasileira, a partir dos anos 70, quando se atribuiu a um érgio do pré- prio Estado a responsabilidade principal de defesa dos interesses difusos e coletivos pe- rante 0 Judiciario: 0 Ministério Pablico. Como demonstrei em trabalho anterior,” © Brasil passou por uma profunda ttansfor- magao no ordenamento juridico a partir dos anos 80, quando iniciou o reconhecimento legal da existéncia de direitos difusos e co- letivos e a abertura do processo judicial & representagio desses direitos. O marco fun- damental foi a criagdo da Agao Civil Paibli- ca~ACP em 1985, por meio da qual direi- tos do consumidor, meio ambiente e patriménio histérico-cultural passariam a ser defendidos coletivamente em jufzo. © debate em torno da criacio da ACP mobilizou juristas, jufzes e membros do Ministério Pablico. Este tiltimo, a época, reivindicava a condigao de érgio de defesa da sociedade, a despeito de ser uma insti- tuigo do Estado responsavel por acionar 0 Judicidtio em areas bem delimitadas como a da aco penal, sua precipua atribuigéo. Entretanto, como vimos, a discussio sobre © acesso coletivo a Justiga, conduzida por autores renomados como Cappellettis nao s6 propunha a valorizagéo das associagées da sociedade civil como avaliava negativamen- te © papel desempenhado por instituigdes estatais nessa area. Independentemente des- sa avaliagao, o fato € que o Ministério Pabli- co conseguiu — por forga de sua participagio tana formulacao do anteprojeto que deu origem & Lei da ACP - chamar para si boa parcela da responsabilidade e dos instru- mentos de atuacdo nessa nova area de di- reitos difusos e coletivos. A Constituigao de 1988 consolidou essa expansio da Justia rumo a protegao dos direitos coletivos, reafirmando-os como 38, Os virios artigos de José Pastore sobre essas questées podem ser encontrados no site: ‘www,osepastores.com.bt. 39. Arantes, Rogério Bastos, Ministério Piblico e Politica no Brasil. So Paulo: Sumaré/Educ, 2002. categoria juridica constitucional - 0 que per- mititia o reconhecimento legal de varios ou- tros dircitos espectficos a partir dessa matriz ~e confirmou o papel tutelar do Ministério Pablico nessa Area, atribuindo-lhe ao mes- mo tempo independéncia institucional em relagao aos demais poderes de Estado. Desde 1988 temos assistido a0 desen- volvimento de um verdadeiro subsistema juridico no pais, em que novas leis promul- gadas orientam-se pela idéia da protegio coletiva de determinados direitos ¢ pelo re- forgo do pape! do Ministério Piblico, dan- do continuidade a expansio iniciada pela Lei da ACP de 1985: sio exemplos a Lei 7853/89, que trata da protecao das pessoas ortadoras de deficiéncia; a Lei 7913/89, que institui a protegao coletiva dos investidores do mercado de valores mobilidrios; a Lei 8069/90, que criou o Estatuto da Crianga e do Adolescente; a Lei 8078/90, que criou o Codigo de Defesa do Consumidor, certa- mente o diploma legal mais importante des- se novo subsistema juridico; a Lei 8429/ 92, que trata da improbidade administrati- va, delegando funcées importantes a0 Mi- nistério Pablico; a Lei 8884/94, que trata das infracdes contra a ordem econdmica e, finalmente, a Lei 8974/95, que estabelece normas sobre biosseguranca e dé lepiti- magio ao Ministério Publico para atuar nessa rea. © resultado geral dessa evolucéo legislativa e processual é que hoje a Justiga brasileira se converteu em paleo importan- te de conflitos coletivos, nas mais diversas reas, € o protagonismo do Ministério Pa- blico tem chamado a atencao dos analistas Para os limites e potencialidades desse mo- delo institucional.*! E importante destacar que a ampliagio do acesso a Justica no Brasil nao se deu ape- nas por meio dessa revolucao processual, ‘mas também por inovagdes importantes na estrutura judicidria, em sintonia com as ten- déncias apontadas por Cappelletti sobre Varios pafses, a partir dos anos 70. Refiro- me a criagdo dos Juizados Especiais de Pe- quenas Causas, instituidos por lei em 1984 € depois constitucionalizados pela Carta de 1988. Regulamentados novamente por lei em 1995, os Juizados Especiais representa tam uma importante experiéncia de ampl agdo do acesso a Justiga para causas civeis envolvendo valores até quarenta saldrios minimos e para causas criminais cuja pena méxima nao ultrapasse um ano de priséo. Segundo Cunha, 1.702 juizados especiais estavam em funcionamento no Brasil em 2001, destacando-se os estados do Rio Grande do Sul (220), Parand (218) e Rio de Janeiro (170). Tais juizados j seriam respon- siveis por um grande volume de processos, as vezes superior ao da justiga comum, como 40. Sobre a singularidade do modelo de independéncia institucional do Ministério Pablico brasileiro ver Kerche, Fabio. O Ministerio Piblico no Brasil. Autonomia, organizagao e atribuigées, Tese (Doutorado) Departamento de Ciéncia Politica. USB 2002, 41, Vianna ¢ Burgos, com base em ampla pesquisa sobre agées civis pitblicas no Rio de Janeiro, contestam a rese da predominancia excessiva do Ministério Piblico em relacio a sociedade civil, na proposigio das aces coletivas ¢, adotando uma perspectiva mais otimista sobre essa relagio, concluem que “entre a sociedade e o Ministério Pablico, a relagio nao é tanto de assimetria e dependéncia da primeira vis-a-vis © segundo, e im de interdependéncia, que, quanto mais se consolida, mais legitima os novos papéis do Ministério Piblico € destitai de sentido a perspectiva que os toma como polaridacles, como inerincias contrapostas”. Vianna, Luiz Werneck (Org,). A democracia e os Tiés Poderes... op. cit pds, 103 8 entre a Justiga ¢ a Poll 104 no caso do estado do Amapé, descrito pela autora? Paralelamente aos juizados especiais € orientando-se pelo mesmo principio da oferta de servicos judicidrios mais répidos e acesst- veis, varias outras iniciativas foram tomadas pelas justigas estaduais ¢ federal na década de 1990, tais como juizados informais de conciliacao, juizados itinerantes (que ope- ram em dnibus que circulam pela cidade), juizados especiais abrigados em faculdades de dircito, além dos recentemente criados juizados especiais federais. Em muitos esta- dos, governos estaduais tém buscado reunir diversos servigos puiblicos relacionados & 4rea de justiga ¢ cidadania, oferecendo-os de maneira integrada, e num mesmo local, populagio.® Independentemente das dificuldades ¢ contradigées que ainda marcam esse pro- cesso de expansio da Justiga brasileira, pa- rece inquestiondvel que, também nessa di- mensao comum € nao especificamente poli- tico-constitucional, o Judiciério assumiu tarefas de grandes proporgdes, 0 que mu tas vezes contrasta com sua capacidade de dar respostas com a efetividade esperada. 3. Qual o futuro do Judiciario? Segundo Tate e Vallinder, em trabalho recente sobre a expansio do Judiciario em varios paises do mundo, a judicializagao da politica se vé facilitada quando determina- das condigées estado presentes: the presence of democracy, a separation of powers system, a politics of rights, a system of interest qroups and a political opposition cogmizant of judicial means for attaining their interests, weak parties or fragile government coalitions in majoritarian institutions leading to policy deadlock, inadequate public support, at least relative to judiciaries, and delegation to courts of decision- making authority in certain policy areas all contribute to the judicialisation of politics.“ Quando observamos 0 caso brasileiro, parece-nos que todas essas condicdes esti- veram presentes nos iiltimos anos, em maior ou menor medida, 0 que nos tornaria um importante exemplo de judicializagao da politica: a democracia restabelecida nos anos 80, seguida de uma Constituigso prédiga em direitos em 1988, com um ntimero cada vex maior de grupos de interesses organiza- dos demandando sohugio de conflitos cole- tivos, contrastando com um sistema politico pouco majoritério, de coaliz6es e partidos frdgeis para sustentar 0 governo, enquanto os de oposigio utilizam o Judiciétio para conté-lo, além de um modelo constitucional que delegou a Justiga a protecao de interes- ses em diversas dreas, refletindo até mesmo © alto grau de legitimidade do Judiciério ¢ do Ministério Pablico como instituigdes ca- pazes de receber essa delegacao. 42. Cunha, Luciana Gross Siqueira. “Juizado Especial: ampliagio do acesso & Justiga?", in Sadek, Maria T. 43. 44, Acesso é Justica, op. cit. Um balango dessas diversas experigneias pode ser encontrado em Sadek, Maria T. Acesso 4 Justica, op. cit. Vianna et al. examinaram 0 trabalho dos juizados especiais no Rio de Janeiro e demonstraram sua impor- tancia para 0 processo de jrudicializagdo das relagoes sociais, nao sem identificar problemas ¢ limitagées desse modelo de acesso a justica. Vianna et al. A judicializagao da politica, Op. cit. Tate, C. Neal e Vallinder, Torbjorn (Ed.), The Global Expansion of Judicial Power. Nova York: Nova York University Press, 1997. p33. Tate ¢ Vallinder argumentam que a judicializagao da politica, com base nessa constelacio de fatores, dependeria ainda da disposicao dos integrantes dessas instituigdes de agir, de tomar iniciativas e de chamar para sia responsabilidade pela implementagio de direitos e pela solucao dos grandes conflitos da sociedade, configurando o que a literatu- ra nessa area chama de ativisneo judicial. Embora nao seja possivel simplificar a ideo- logia politica que permeia o meio forense brasileiro, pesquisas recentes tém aponta- doa presenca de valores de transformagio social, de igualdade e de cidadania, entre juizes e membros do Ministério Puiblico — nestes mais do que nos primeiros."* Tais valores ideolégicos podem nao ser suficien- tes para levar a magistratura € 0 Ministério Piiblico a mergulharem num ativisino judi- cial desenfreado, mas certamente tém incli- nado varios estratos dessas instituigdes a assumir com firmeza suas novas atribuigées sociais ¢ politicas. ‘A jungao desses varios elementos expli- ca.a expansao da Justica nos iltimos anos, mas nao foi apenas esse o signo que marcou a vida de instituigdes como Judiciario Ministério Pablico nesse perfodo. Ao lado de expansio, “crise” e “reforma” sio expres- sées que dominaram o debate piiblico so- bre a Justica, na mesma proporgio em que suas novas atividades foram valorizadas. Na linha dos dois modelos constitucio- ais de Judiciario discutidos na primeira se- Gio, pode-se afirmar que a “crise” da Justiga no Brasil rem uma dupla dimensio: no que diz respeito as suas fungdes de controle cons- titucional das leis, a crise judiciaria € uma crise politica; no que diz respeito as suas atribuigdes de justiga comum, a crise é fun- cional ¢ de desempenho. Hé mais de dez anos tramitando no Congreso Nacional, 0 projeto de reforma do Judicidrio procura lidar com essas duas dimensées, mas os diversos atores envol- vidos no proceso (governo, partidos poli- ticos, érgios de cipula do Judiciario, as- sociagdes de classe da magistratura ¢ do Ministério Publico ¢ Ordem dos Advoga- dos do Brasil) acabaram produzindo uma situagao de vetos cruzados, na qual dois ou mais deles estio aliados em torno de uma proposta ¢ em oposigio entre sino que diz respeito a outras tantas. Na dimensio politica, mais saliente do que a funcional, 0 grande embate vem se dando em torno de propostas que levem a uma concentracdo da competéncia do con- trole constitucional das leis no Supremo Tribunal Federal, diminuindo a importan- cia politica do lado difuso do sistema. Du- rante dez anos ou mais, presidentes da Re- publica e partidos governistas no Congres- so (a maioria politica) tentaram aprovar mudangas constitucionais de concentracio, mas a oposigio, em que pese minoritéria, conseguiu impedi-las, sob a lideranga prin- cipal do Partido dos Trabalhadores, e com © apoio das instncias inferiores do Judicia rio e de associagdes do Ministério Pablico. 45. Boa parte dessas pesquisas encontra-se nos trabalhos mencionados na nota 33. Quanto aos membros do Ministézio Pablico, denominei sua ideologia de “voluntarismo politico”, algo que combina uma crenga no papel tutelar da institut 10 frente a uma sociedade incapaz de se defender autonomamente e a um poder politico-representativo corrompido ou incapaz. de cumprir com suas obrigagbes. Ver Arantes, Ro- gério B. Ministério Pablico.... op. cit. cap. Il Entre os julzes, o Giltimo survey conduzido pelo Idesp (2000) revelou, por exemplo, que 73,19 dos magistrados brasileiros consideravam que “o juiz tem um papel social a cumprir, e a busca da justiga social justifica decisdes que violem os contratos”, contra apenas. 19,76 afirmaram que “os contratos devem ser respeitados, independente de suas repercussbes sociais” 105, Judicidrio: entre a Justiga e a Pol 106 Coma chegada do PT & presidéncia em 2003, a oposigio se transforma em governo: resta saber se 0 partido e seus tradicionais aliados reafirmarao o seu posicionamento anterior ou passardo a pensar e agir como govern, isto €, se adotarao a proposta de concentra~ 40 do controle constitucional no STF, re- duzindo as chances de resisténcia das mino- rias politicas pela via difusa do sistema judi- cial de revisio das leis. Na dimensao funcional, as propostas de ampliagao e diferenciagdo da estrutura ju- dicidria - para fazer frente ao déficit de pres- taco da Justiga ~ so menos controversas € boa parte delas chegou a unificar 0 apoio da magistratura, da OAB e dos partidos de oposigo até 2002, frente a uma quase in- diferenga do governo a esse respeito. Mais problemdticas nessa dimensao foram as pro- postas que pretendiam rever 0 alcance da nova Area de direitos difusos e coletivos e a expansio do Ministério Piblico como ér- gio independente e legitimado a defesa des- ses interesses. Acessas duas frentes de reforma, deveria- mos acrescentar finalmente uma terceira: a tentativa de instituir 6rgéos de controle ex- terno do Judiciério e do Ministério Pablico, cuja motivago nos faz lembrar o dilema apontado por Tocqueville ainda no século XIX. Nao podemos esquecer que uma das dimensdes do processo de democratizagio no Brasil foi e tem sido a da republicanizagdo do Estado. O destaque recebido pelo tema da corrupgio politica na agenda nacional nos iiltimos anos é exemplo da importéncia dessa “onda republicana” que afastou um presidente da Reptiblica e tem levado & cas- sagio de mandatos executivos e legislativos em varios pontos do pafs. Nao era de es- pantar que essa onda atingisse aquele cor- po especial de funciondrios que, resguarda- dos por tantas garantias e privilégios, foi considerado por Tocqueville como a nova aristocracia da sociedade moderna. Como profetizou o pensador francés, a tendéncia democratica poderia colocar em risco os privilégios desse corpo especial de funcio- narios do Estado: de tempos em tempos, tomados pelo desejo de igualdade e pelo ideal da res priblica, povo e representantes politicos buscariam nivelar garantias ¢ au- mentar © controle sobre toda a administra- 40, incluindo af a magistratura, que enfren- taria grandes dificuldades para sustentar sua independéncia institucional e condig6es pri- vilegiadas de trabalho, nesses momentos criticos. A proposta de criagio de érgaos exter- nos de controle tem levado juizes e promo- tores & agonia: os que se dedicam aristocra- ticamente causa da liberdade, temem a ingeréncia politica e o fim do Judiciério como poder politico capaz de contrastar a maioria governante; os que simplesmente se beneficiam corporativamente dessas ga- rantias e privilégios, temem que a igualda- de republicana nivele as coisas por baixo. A sorte do Judicidrio est sendo langada nessas trés frentes de mudanga ~ a politica, a funcional e a republicana ~ ¢ do equilt- brio entre elas depender o futuro da insti- tuigdo. Enquanto isso, “crise” e “reforma” sdo signos que acompanharao a vida do Ju- diciétio, pois suas fungdes na democracia contemporanea seguem problematicas: fre- ar o poder das maiorias politicas gover- nantes em nome das liberdades individuais, pela via do controle constitucional (Fungo liberal), e amparar as reivindicagdes iguali- rdrias de grupos sociais, pela via do acesso coletivo a Justica (fangao social). E tudo isso em meio ao desafio permanente de susten- tar sua peculiar condigao de corpo aristo- cratico estranho no seio da repiblica demo- cratica. Sugestées de leitura ARANTES, R. B. Judicidrio e Politica no Brasil. Sio Paulo: Idesp/Sumaré, Educ, 1997. . Ministério Pablico e Politica no Brasil. Sao Paulo: Idesp/Sumaré, Educ, 2002. BAUM, L. 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