You are on page 1of 15
A concepgio de autor em Bakhtin, Barthes e Foucault Juciane dos Santos CAVALHEIRO * (ENS/UEA) Resume: Neste attigo, refleticemos sobre a questio do autor a partir dos postulados de M. Bakhtin, R. Barthes « M. Foucault, Embora cada um possua suas pasticularidades teérieas, eles questionam a unicidade do sujeito, a partir da negagio de uma voz soberana/tinica. Procuramos reconhecer € analisar a maneisa de como esses autores tentaram explictar, em nossa cultura, o desenvolvimento da nocio de autoria, levando em conta as implicagdes sécio-politico-culturais- econdmicas e, de modo particular, suas repercussdes no fazer literitio. Nesses autores, observamos o fato de que 0 individuo mio ¢ mais autos, mas que a autoria é um fenémeno complexo, perpassado por vias instincias ou conceitos, tas como 0 auver-riador em Bakhtin, 0 eccritar em Barthes e a fuscae-axtor em Foucaut. Palavras-chave: autos-ceindor; escuitor; funcio-autos Abstract: In this article, we will reflect on the question of the author from the postulates of M. Bakhtin, R. Barthes e M. Foueault. Although each one of them they question the unicity of the subject, from the negation of a sovereign voice. We look for to recognize and to analyze the way of as these authors had tried to cleas, in our cultuse, the development of the authorship notion, leading in account partner- politics-cultucal-economic implications and, in pacticulac way, its repercussions in literary making, In these authors, we observe the fact of that the individual is not more author, but that the authorship is a complex phenomenon, overlapping for some instances ox concepts, such as the author-eseator in Bakhtin, the waite in Barthes and the fanction-authorin Foucault. Keywords: author-creatos, wiite; function-author * Doutorands pelo Programa de Pés-Geaduacio em Lingiistica /UFPB. Professora da Univessidade do Estado do Amazonas ~ ENS/UEA, Sicsveae Eetod, Ling, Londsina, 2 11/2, p. 67-1, dez. 2008 6 Consideragées Iniciais Se hoje, a0 nos teferirmos a uma obra, estabelecer a relacio com a instincia autoral inelutivel, outrora nfo foi assim. Na Antigiiidade até o inicio da Idade Média, nfo havia a preocupacio de estabelecer a responsabilidade pelo féchaments da obta, as historias estavam em contismo processo de ctiacio, os contadores tinham o direito de decidir, segundo a sua propria vontade, 0 que actescentar, melhorar ou modificar. As narrativas, tragédlias, comédias, epopéias — testos, hoje, denominados de literatura ~ exam postas em cireulacto € valorizadas sem que se colocasse em questio a autoria, j4 que 0 anonimato nao constituia um empecilho, a sua proptia antigtidade era vuma garantia suficiente de autenticidade. Cabe lembrar que a funcio de autor, ce Foucault (2002), no se da de forma universal e unissona fem todas as formas discursivas, mesmo dentso de uma prépria cultuza, tal como cle nos exemplifica' ao diferenciar os distintos desenvolvimentos das obras cientificas das obras literstins, A partir da Renascence, observa Foucault (1981), distintos fatores sociais, politicos e econémicos contribuiram para a invencio € a exaltacio do individuo, 0 qual, aa arte, corresponde 4 figuia do autor. Antes do reconhecimento do diteito antoral, os primeios _movimentos para estabelecer a identidade da autoria, como nos ensina Chastier (1999), suegicam na Idade Média. Nesse periodo, como resultado da censura, livros heréticos eram queimados, Para identificar ¢ condenar os responsiveis pela transgressio, era preciso designé-los como autores — quem exa inenmbido pela assinalacio dos transgressores e-dos nomes dos autores exam as autoridades teligiosas e politicas, Historicamente, os textos passaram a ter autores na medida fem que os discursos tornaram-se transgvessores com origens passiveis de punicéo. Os discursos eram designados como um ato — ato no sentido de serem colocados no campo bipolar do sagrado ¢ do profane, do licto« de ito, do religioso « do blasfomo (FOUCAULT, 2002, p. 47), ox ! Nos séeulos NVI ¢ XVIII, of textos cientificos pareasnan s ter-vlidade em fongio de sua ligagio a um conjunto sistematico de vesdades demonstriveis, com 0 apagamento da furpo anton Em contaapatticla, nos textos iterstios, 8 lo nomeacio do autor tornow-se impossivel, pois “ no nos ¢ supostivel” (FOUCAULT, 2002, p. 50) saonimata ltesicio 6 Sroswat Eotad, Ling, Londsing, n.11/2, p. 67-81, dee. 2008 seja, eram suieitos a serem condenados por tcansgsedisem a ortodoxia seligiosa ou politica. A transgressio é retomada, esclasece Foucault, quando da passagem do autor — no final do século XVII inicio do século XIX — para o sistema de propriedade casactexistico da nossa sociedade, quando é estabelecido um regime de propriedade dos textos, cegras sobre os diteitos de autor, de reprodtucio ete. Para conter esses teanspressores, que de algnma forma podesiam debilitar as estruturas das sociedades estabelecidas, ctiminaliza-se a pritica ao ‘mesmo tempo em que a insere no nascente capitalismo para melhor controli-la (FOUCAULT, 2002, p. 47-48). Jé com a consolidacio da Modemidade, apecar de o imperio do Autor ser ainda muito paderoso [Jp € cvidenie que cartes escitresj hd nuite tempo que tentaram abali-le (BARTHES, 1984, p. 50), caracterizando assim um processo de des-subjetivacio da autosia Na visto dos trés autores ? tencionados neste teabalho, observamos um tema isotépico, qual seja, 0 da revisio do papel do individuo (ikuminado — senhor de si) como autor dos discursos e, em particular, do diseusso da obra liteséria, assunto constituinte do men objeto de tese. O interesse em diseutis, neste trabalho, a questio da sautoria & luz de Bakhtin, Barthes e Foucavit, justifica-se pela procusa de complementar meu estudo de tese de doutoramento acerca de como se dé a constituiclo da subjetividade de personagens da obra literatia, 1. Desaparecimento do Autor? Foncault, em seu texto O que é uo autor? (1969), dsserta acexea da nocio de autor a partir da telacio do texto com o autor, om seja, da forma come 0 texto abonts para essa figura que Ibe ¢ exteriar e anterior, pelo ‘menos em aparéncia FOUCAULT, 2002, p. 34). Foucault observa que hi uma espécie de regra imanente que domina a escrita como pritica. Essa regea pode ser especificada mediante dois grandes temas da escuita: 2 Continuamos a stro texmo autor pasa nos referiamos aos instauradores de lscustivicade, posaqe, com lem aoe lemabea Basthes, otto dessa ancio sth to intwojetada que, mesmo tendo consciéucia da complexidade do assunto, ‘contintsnmos a sat os mesmos termos pasa nos tefetismos a exse processo/ ceatidade, teavés da qual se matecalizao diseusso. Posém, teres clareza que ino € do autor que fala o testo, mas de sua producto discussiva Sicsveae Eetod, Ling, Londsina, 2 11/2, p. 67-1, dez. 2008 e «0 tema da expressio ea tema da morte. Com selacio a0 tema da expressio, Foucault destaca dois extremos, ou o texto diz mdo on o leitor diz tudo, No primeizo caso, nto importa quem escreve, jf que a obra basta por si mesma; no segundo, hi também um deslocamento do autor, mas, nesse €2S0, 0 sentido estatia estuitamente com o leitor. Ji com relacio ao tema da moste, a escrita conferisia a imortalidade a0 haecéi, caso aceitasse mosrer jovem, exemplo das narzativas e epopéias dos gregos; ou, entio, a esctita adiaria a morte, exemplificado pela narrativa de Nerazade. Foucault salienta, metaforieamente, que © tema da escsita destinada a conjurar a morte sofiew algumas alteraees, hoje, a escuita esti ligada a0 sacuificio da pudpuia vida do escxitos. O autor afasta-se 0 maximo do que esereve, apagando/anulando os seus caracteres individuais, Desse modo, « marca de esrior nia é mas do que asingrlaridade

You might also like