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BOVINOS

PARAR DE COMER
CARNE NÃO VAI
SALVAR O PLANETA
EM MEIO A DISCUSSÕES RASAS ACERCA DO AQUECIMENTO GLOBAL, É PRECISO ESCUTAR
A CIÊNCIA. NESSE CONTEXTO, PECUÁRIA A PASTO É PARTE DA SOLUÇÃO
JOÃO PAULO MONTEIRO, DE CAMPINAS (SP)
joao@ciasullieditores.com.br

A
afirmação presente no título da repor- mundo; sendo, destas, cerca de 700 mi-
tagem é de autoria do zootecnista Pau- lhões são pobres rurais, ou seja, aquele in-
lo César de Faccio Carvalho, professor divíduo que conduz uma produção de sub-
do departamento de Plantas Forragei- sistência”, contextualiza o professor.
ras e Agrometeorologia da Universi- Deste modo, quando o discurso contra a
dade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). proteína animal é levantado, principalmente
As críticas à pecuária normalmente ocor- por europeus, essa complexidade social to-
rem devido a uma visão turva, na qual apenas a da não é considerada na maioria das vezes.
questão das emissões de gases causadores do Contudo, mesmo o enfoque ambiental
efeito estufa é considerada. “A pecuária é mui- é tratado de forma leviana. O professor da
to mais do que isso”, determina Paulo César. UFRGS é categórico: “O planeta precisa dos her-
“A pecuária a pasto é algo natural do bívoros e dos serviços que eles prestam. Esses
nosso planeta e a cadeia produtiva da pro- animais são os únicos que ingerem celulose e
teína animal, hoje, movimenta algo em tor- nos entregam leite, carne e lã, dentre outros”.
no de 1,2 bilhão de pessoas ao redor do Além dos produtos, há um enorme e

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cidade de redução; mas de remoção. forragem no menor espaço de tempo.
“A agricultura como um todo tem Como explica o zootecnista, o siste-
essa competência, mas o ambiente ma é baseado essencialmente em dois
pastoril se destaca com uma capaci- fundamentos. O primeiro deles ver-
dade de sequestro relevante”, inse- sa sobre quem decide como deve ser
re o professor e completa: “Esse po- o manejo da pastagem. “Não é o pas-
tencial é realmente pouco falado”. to. Nós devemos seguir o que o gado
Deste modo, a pecuária a pasto quer, pois é o leite, a carne, a lã, quem
se apresenta como uma solução pa- paga a conta, e não o pasto”, explica.
ra o aquecimento global, principal- Outro princípio é que o gado não
mente devido à existência de um am- pode perder tempo colhendo pasto.
plo espaço para evolução da ativida- “Cada segundo que ele estiver em pas-
de. “Estamos diante de uma grande tejo, tem que colher o pasto na máxi-
oportunidade”, reconhece Paulo. ma eficiência”, argumenta o professor.
O caminho da pecuária, portanto, “Os animais querem encher a bo-
aponta não apenas para um cenário de ca. Eles passam de oito a 12 horas co-
mitigação das emissões e remoções, mas mendo; é muito tempo. Então, é um
também para uma elevação da produti- baita de um problema caso o produtor
complexo emaranhado de fato- vidade. “É uma verdadeira combinação não ofereça um pasto com a melhor
res, como o ciclo da água, a reci- de oportunidades sem precedentes em estrutura possível”, esclarece.
clagem de nutrientes e a diver- qualquer área”, verifica o professor. Tradicionalmente, os manejos focam
sidade florística. Tudo isso es- Aditivos nutricionais, melhora- no pasto e dão menor valor às demandas
tá intimamente ligado aos her- mento genético, sanidade... Enfim, do animal. A seletividade é tida como al-
bívoros, reforçando, portanto, uma série de fatores possui poten- go ruim e o gado deve comer tudo. So-
a importância destes animais. cial de evolução. Há muita coisa a bras são encaradas como desperdício.
Os ruminantes merecem ser feita, principalmente no Brasil. Ledo engano, opina o professor.
uma atenção especial, devido Isso porque, como analisa Paulo, Embasado por pesquisas iniciadas
ao ecossistema pastoril. Como ao colocar uma lupa no País, a pecuária há décadas e ainda em curso, ele
explica Paulo César, na maior nacional ainda figura como um proble- afirma: “O gado prefere colher fo-
parte das pastagens não exis- ma quando o assunto envolve emissões lhas em uma estrutura ideal, que é
tem condições para o cultivo de de gases do efeito estufa. “Lamentavel- específica para cada tipo de pasto”.
outras culturas. “A pecuária é a mente essa é a nossa realidade, porém, De acordo com os estudos, o gado
única forma de produzir alimen- uma correção não é difícil”, pondera. colhe a metade superior, onde predo-
tos nessas áreas”, determina. Na visão do acadêmico, o exces- minam as folhas, a parte mais nutriti-
Com isto em mente, a gran- so de lotação é a principal dificulda- va do pasto; e deixam a parte inferior,
diosidade dos números relacio- de da produção bovina brasileira, de baixa qualidade. A conclusão é que
nados às pastagens deve tam- pois acarreta em pastos degradados, forçar os animais a colherem a parte
bém ser considerada. “Temos que não sequestram carbono. Alte-
cerca de 2,5 bilhões de hectares rar esse cenário, porém, não é uma
de pastagens no planeta, que tarefa hercúlea. “Não é uma questão
estocam 20% de todo o carbono de novas tecnologias e investimen-
emitido”, informa o zootecnis- tos pesados; mas, sim, de um ma-
ta e argumenta: “Não podemos nejo básico”, acredita o zootecnista.
tratar a pecuária como vilã”. Neste contexto, Paulo traz à tona o
Contudo, esse discurso não “Pastoreio Rotatínuo”. Trata-se de um
tira a responsabilidade da ativi- conceito de manejo baseado no com-
dade. “Uma pecuária mal condu- portamento animal e que busca ofe-
zida é, de fato, um problema”, recer a melhor condição de pasto e,
pontua o professor. Porém, es- assim, propiciar o maior consumo de
sa é a verdade para qualquer
outro segmento. “O setor ener-
gético em mal funcionamen- PASTOREIO ROTATÍNUO VISA AUMENTO
to é um problema; assim co- DA PRODUTIVIDADE ALIADO À
SUSTENTABILIDADE E EQUILÍBRIO DOS
mo o de serviços”, exemplifica. AMBIENTES DE PASTEJO, EXPLICA
O grande diferencial do se- O PROFESSOR PAULO CÉSAR
tor agropecuário não é a capa- DE FACCIO CARVALHO

Fotos: banco de imagens F&F e divulgação feedfood.COM.BR 49


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baixa resultará em prejuízos. “Pegue o


melhor e deixe o pior”, sintetiza Paulo.
Ainda, essa metade inferior não
colhida não se perde. De acordo com
as pesquisas, o resíduo torna a re-
brota mais vigorosa e rápida, com
um retorno à altura ideal para um
novo pastejo de forma mais veloz.
A Aliança SIPA assim resume em
seu boletim: “As pesquisas têm mostra-
do que no Pastoreio Rotatínuo o pasto sistema nasceu em 1995, durante a tese mais de 3 mil propriedades rurais,
produz mais, ao mesmo tempo que o de doutorado de Paulo, a qual tinha co- em quatro biomas diferentes no Bra-
gado também come mais e, portanto, mo foco as relações planta-herbívoros. sil. “Mas sei de experimentos no Uru-
produz mais carne e leite. Se não bas- Contudo, somente em 2004 que ele guai, Paraguai, Estados Unidos e Bél-
tasse, no Rotatínuo o gado é mais sau- vislumbrou a possibilidade de ter como gica. Está em expansão”, relata Paulo.
dável, tem menos verminose, emite me- foco o manejo. A partir de então, o zoo- Mesmo assim, para o professor,
nos metano e fica menos estressado”. tecnista se debruçou neste enfoque e, o interesse geral no sistema ainda é
A Aliança SIPA, ou Sistemas In- em 2008, após estudos envolvendo di- baixo. “Por se tratar de uma tecnolo-
tegrados de Produção Agropecuá- ferentes espécies animais, como ovinos, gia de processos, e não de produto,
ria, tem como membro o grupo de bovinos e equinos, e também tipos de não chama tanta a atenção e não atin-
pesquisa de Ecologia do Pastejo da pasto, como nativo, cultivado, de ve- ge uma escala comercial, pois não te-
UFRGS, do qual Paulo faz parte. rão e inverno, colocou a tese em práti- mos uma empresa por trás”, analisa.
A iniciativa conta com o apoio ca, em três propriedades rurais, sendo O Pastoreio Rotatínuo, portanto, é
de entidades como o Sebrae, Senar e uma no RS, outra no PR e uma em MS. mais uma ferramenta a ser implemen-
Farsul, e é uma associação público- Com o passar dos anos, o sistema tada no sentido da sustentabilidade.
-privada focada em gerar, difundir ganhou campo. Em 2013, atingiu a mar- Com ele, o solo se fortalece e respon-
e transferir conhecimento técnico e ca de 300 propriedades. “Foi quando de em produção. “O pasto se transfor-
aplicado para o desenvolvimento de entendi ser o momento para dizer que, ma em alimento e em adubo orgânico
sistemas integrados, como a ILP. de fato, existia o Pastoreio Rotatínuo”. para o próprio solo. É um círculo vir-
Neste âmbito se encontra o Pasto- No próximo mês de setembro, tuoso”, encerra o professor. ■
reio Rotatínuo. “Um conceito disruptivo o sistema completa uma década de
e com um respaldo científico forte”, ca- existência. Atualmente, conta o pro- 70
racteriza o professor. O embrião deste fessor, oficialmente está presente em

metas para manejo 50

do pasto
(em centímetros) 40 40 40
42

Altura de entrada 30 30
Altura de saída
24 24 24
22 22
19 20 20
18

12 13 12 12 13 13
11
7 8
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