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Prova 2 de Literatura Brasileira I
Prova 2 de Literatura Brasileira I
PROVA 2
2)
O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra
da pátria. Havia aí a predestinação de uma raça?
José de Alencar, Iracema
O mito de fundação perpassa toda a prosa poética de Iracema. São muitos os aspectos
do romance que podemos tomar para analisar a presença do mito fundacional e o estilo
indianista do escritor cearense José de Alencar.
Comecemos pelo mais evidente: o uso da linguagem indígena.
Por toda a extensão do romance, o uso de vocábulos de línguas indígenas se mostra
vigorosamente presente. A começar pelo título “Iracema”, que, no guarani, significa “lábios
de mel”, ademais pode ser lido também como um anagrama de “América”. Este aspecto,
junto a outros, é significativo e marca uma oposição do estilo indianista do autor em relação
ao de outros escritores românticos indianistas, como Gonçalves Dias. Alencar, em suas
ressalvas aos poemas do escritor maranhense, aponta para a ausência de um “vocabulário
específico” que desse conta de caracterizar esse estilo. Outra ressalva é o uso do verso, o que
o leva a optar pela prosa: “O verso pela sua dignidade e nobreza não comporta certa
flexibilidade de expressão que entretanto não vai mal à prosa a mais elevada”. Mas não se
trata de escolhas sumariamente poéticas, há também um nível ideológico envolvido nelas.
Para Alfredo Bosi, “Em Alencar, ao contrário [de Gonçalves Dias], a imagem do
conflito retrocederia para épocas remotas passando por um decidido processo de atenuação e
sublimação” (BOSI, 2006). A perspectiva que Alencar possuía do processo de colonização e
conquista dos povos originários está imbricada, temática e formalmente, em seu estilo
indianista, configurando-o diferentemente de outros escritores românticos também
indianistas. No seu caso, trata-se de uma “simbiose luso-tupi” (BOSI, 2006). Este processo
de atenuação e sublimação aparece latente em Iracema. Em síntese, a história do romance é o
caso de amor entre um guerreiro branco, Martim, e Iracema, a virgem dos lábios de mel;
deste caso, entremeado por confrontos e dominações entre populações inimigas, nasce um
bebê. Iracema morre. Martim parte e retorna, quatro anos depois, para fundar uma cidade. O
mito aparece explícita e implicitamente no decorrer da narrativa: “a felicidade nasceu para ele
na terra das palmeiras, onde reacende a baunilha, e foi gerada no sangue da tua raça, que tem
no rosto a cor do sol”. O entrelaçamento entre o branco colonizador e a índia — a sua
virgindade poderia ser uma referência ao solo virgem e inexplorado da América?, e, por
conseguinte, a dominação dos povos “inimigos”, culminando no nascimento de um bebê,
pode ser lido como a metáfora da fundação da própria nação brasileira. Segundo o próprio
Alencar, “Iracema pertence a essa literatura primitiva, cheia de santidade e enlevo, para
aqueles que veneram na terra da pátria a mãe fecunda”, percebe-se assim que os
procedimentos operados pelo escritor — o uso de vocábulos indígenas, de uma toponímia
muito precisa, de metáforas constantes — deslocam os personagens históricos e as ações para
o terreno do mito. “Tudo passa sobre a terra” é assim que encerra o romance.
Mas há também outros procedimentos dignos de se destacar: as perífrases, a excessiva
quantidade de notas e as duas cartas (uma no início e outra no fim). Quanto ao uso das
perífrases, o crítico literário, Paulo Franchetti, aponta, de modo exemplar, que:
REFERÊNCIAS
Iracema, Lenda do Ceará / José de Alencar; apresentação Paulo Franchetti; notas e comentários Leila
Guenther; ilustrações Mônica Leite. – Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2016. – (Clássicos Ateliê)
Dialética da colonização / Alfredo Bosi. – São Paulo, Companhia das Letras: 2006.
5)
Oh! eu tenho lances doridos em minha vida, que valem mais do que
as lendas sentidas da vida amargurada dos mártires.
Luiz Gama, Carta a Lúcio de Mendonça
O percurso biográfico de Luiz Gama cinge sua produção poética. Tendo uma vida
conturbada desde cedo, filho de uma africana livre, Luiza Mahin, e de um fidalgo branco e
rico, que o causou muitos problemas, foi um escritor engajado nas causas abolicionistas e no
reconhecimento de sua africanidade e dos seus compatriotas. No poema “Pacotilha”, de suas
Primeira Trovas Burlescas, percebemos a veia satírica e vivamente crítica do autor. Nesta
estrofe, por exemplo, é possível notar a crítica endereçada aos mulatos que querem se passar
por brancos:
Mulato esfolado,
Que diz-se fidalgo,
Porque tem de galgo
O longo focinho;
Não perde a catinga,
De cheiro fallece,
Ainda que passe
Por brazeo cadinho.
Segundo Elciene Azevedo, “A crítica e a repreensão aos que se fazem passar por brancos, no
argumento de Luiz Gama, fundam-se na ideia de que o afirmar-se negro estava subordinado,
e intrinsecamente ligado, ao reconhecimento de uma ascendência africana” (AZEVEDO,
1999). Esta ascendência africana fica mais visível na estrofe seguinte, em que Luís Gama faz
referência direta à um país africano (Angola) e afirma sua posição:
E se eu que pretecio,
D'Angola oriundo,
Alegre, jucundo,
Nos meus vou cortando;
que não tolero
Falsários parentes,
Ferrarem-me os dentes,
Por brancos passando.
REFERÊNCIAS
Luís Gama e suas poesias satíricas / J. Romão da Silva – 2. ed. – Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília:
INI, 1981.
Orfeu de carapinha: a trajetória de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo / Elciene Azevedo –
Campinas, SP: Editora da Unicamp / Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 1999.
SCHWARZ, Roberto. Autobiografia de Luiz Gama. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, nº 25, p.
136-141, outubro de 1989.